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Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral:
Carlos Pereira de Araújo - Diretor de Imprensa: Jonas Freire
Santana - Editoras: Bruna Mesquita Gati - MTb 3049-ESe Elaine Dal
Gobbo - MTb 2381-ES - Diagramação: Jorge Luiz - MTb 041/96 - Nº 102
- Novembro/2013 - [email protected] - Tiragem:
10.000 exemplares
Quatro páginas para 20 anos
Mulher 24 horas
VEJA NESTA EDIÇÃO Ditadura da beleza
e os interesses do capital
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Mulher 24 horas comemora 20 anos
de história
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a relação entre racismo e erotização do corpo
da mulher negra
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Em novembro, o Mulher 24 Horas completa 20 anos. Para comemorar,
esta edição vem em um formato especial, maior, afinal, falar de 20
anos de história requer um pouco mais de espaço. Do primeiro ao
atual, foram mais de 100 jornais e muitos temas debatidos, sem-pre
tentando levantar reflexões que contribuíssem para a eman-cipação
das mulheres bancárias, tanto na vida particular como no ambiente
de trabalho, forta-lecendo assim a luta de todas as mulheres
trabalhadoras.
Cada publicação traz um novo desafio. Como falar sobre saúde,
maternidade, sexualidade, assédio, violência e lutas numa
perspectiva crítica, feminista, le-vando a informação sem os
limi-tes da notícia factual e sem perder o sentimento de humanidade
tão presente nas mulheres? Depois de tanto tempo, não descobrimos
uma fórmula, nem chegamos a uma resposta definitiva, apenas
continuamos a cada texto, cada entrevista, cada ilustração,
ten-tando repensar as relações de gê-nero na nossa sociedade.
Esta edição do Mulher encerra também o ciclo de de-bates sobre
corpo e sexualidade feminina, tema que foi pauta do jornal ao longo
de 2013. Dessa vez, discutimos um pouco sobre a imposição de
padrões de be-leza, a dificuldade de aceitar o próprio corpo e a
luta das mu-lheres negras para reafirmação da sua própria
identidade. Fica aqui, na última edição do ano, mais um pedacinho
da nossa história. Mais um produto desse exercício prazeroso que é
cons-truir com e para as bancárias um jornal com um olhar
dife-rente sobre o feminino.
Assim eu vejo a vida
A vida tem duas faces:Positiva e negativaO passado foi duro
mas deixou o seu legadoSaber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificarMinha condição de mulher,
Aceitar suas limitaçõesE me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudesAceitei contradições
lutas e pedrascomo lições de vida
e delas me sirvoAprendi a viver.
Cora Coralina
Editorial
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Ditadura da beleza,consumo e saúde da mulher
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Mulher 24 horas
Com a proximida-de do verão, o número de matrí-culas nas
academias au-menta consideravelmen-te. Muitos desses novos alunos
são mulheres que, para se sentirem seguras em ir à praia na estação
mais quente do ano, pro-curam fazer atividades fí-sicas em busca do
seguin-te padrão de beleza: físico magro, tonificado e com a
barriga “chapada”. Afi-nal, a todo momento elas são bombardeadas
pela mídia com a ideia de que ser bonita é estar den-tro desse
padrão. Assim, muitas que não se encaixam nele passam a sentir
vergonha do pró-prio corpo. Isso acontece porque as mulheres são
“treinadas” para agradar ao outro, mais precisa-mente ao sexo
oposto. Trata-se de uma das muitas violências as
quais elas são submetidas por uma sociedade machista. Nela, para
ser considerada uma pessoa realizada, a mulher deve seguir a velha
receita do “segure” seu ho-mem, tão presente principalmente nas
revistas femininas. E um dos pré-requisitos para atingir esse
objetivo certamente é alcançar o padrão de beleza aclamado por
jornais, propagandas, novelas, enfim, pela grande mídia. Portanto,
a construção de uma nova sociedade, com igual-dade entre homens e
mulheres, é o caminho para garantir a auto-
nomia das mulheres em relação ao seu próprio corpo. Livres dos
padrões de beleza, elas podem se aceitar como são ou, até mesmo,
modificar seus corpos da maneira que melhor lhes convir,
pro-curando agradar a si mes-mas e não ao outro. Na busca por
atingir o inatingível, as mulheres sofrem com a queda da
autoestima, depressão, anorexia, bulimia, entre outras doenças. A
publici-dade e os meios de comu-nicação vendem um ideal de beleza
vinculado a uma ideia de bem estar e reali-
zação muito distante da realidade das mulheres. Essa exigência
de padrão de beleza atende muito mais aos interesses do capital,
in-duzindo ao consumo desenfreado de produtos e serviços como
ma-quiagem, atividades físicas, cos-méticos e cirurgia
plástica.
Quando se fala em Dança do Ventre logo vem à mente a imagem de
uma mulher capaz de “enlouque-cer” os homens. Contudo, essa dança
não é um mero instrumento de satisfação do prazer masculino. E isso
está nítido em sua origem.
Segundo a bailarina Patrícia Bencardini, autora do livro Dança
do Ventre – Ciên-cia e Arte, essa dança nasceu do culto à
Deusa-Mãe, no Pa-leolítico. Por causa da mater-nidade acreditava-se
numa deusa que era mãe dos seres
humanos e da Terra.Era uma sociedade
matriarcal, a mulher era va-lorizada e reverenciada. Com a
ascensão do patriarcado ela passou a ser vista como pro-priedade do
homem, que de-via protegê-la e podia ter vá-rias mulheres, enquanto
elas dedicavam-se somente a ele. Logo, com o surgimento de uma
sociedade machista, a Dança do Ventre passou a ser instrumento de
sedução para disputar o posto de preferida entre as muitas mulheres
de um mesmo marido.
Além disso, a Dança do Ventre não é restrita a mulhe-res magras.
“Ela é feita para todo tipo de mulher. Nas au-las, a aluna encara o
espe-lho para aprender os passos, passa a se conhecer melhor, a se
aceitar e sobe ao palco sem ter vergonha de mostrar seu corpo. A
mulher acima do peso pode ter desempe-nho igual ou melhor do que o
da magra”, diz a professora e bailarina Manoela Jácome. A Dança do
Ventre também possibilita saúde para a mu-lher, inclusive, na vida
sexual.
Dança do Ventre, uma arte que não faz distinções
Para a bailarina de Dança do Ventre Creuza de Souza Gomes, não
há impedimentos para se apresentar para centenas de pessoas.
“Dançar faz com que eu me sinta feliz, reali-zada, eleva minha
autoestima. Para mim, a dança é feita para todos os
tipos de mulher, independente do tipo físico”, afirma Creuza.
Ela começou a dançar aos dois anos, quando passou a se dedicar ao
balé clássico no orfa-nato onde vivia.
Aos 10 anos, de volta aos cuidados da família, continuou com
os estudos, prosseguindo até o casa-mento. Por causa do
alcoolismo e da agressividade do marido, afastou-se dos palcos.
Voltou após o divórcio, dessa vez, na Dança do Ventre. Ela se
apresenta todo ano no Festival de Danças Orientais Maktub, em
Vitória.
Benefícios da dança para a mulherPerfil● Evita perda de urina
durante a relação
sexual● Evita dores na penetração● Potencializa o prazer
feminino● Elimina ou alivia as cólicas menstruais
causadas por contrações involuntárias na parede que reveste o
útero.
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mos continuar lutando por uma publi-cação inclusiva, através do
feminismo como proposta para a sociedade, de-fendendo a
igualdade.”
Lucimar Barbosa, diretora do Sindicato dos Bancários/ES, que,
desde o primeiro ano, faz parte
do planejamento do M24H.
Palavra de Mulher
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Mulher 24 horas
Nesta edição, abrimos o espaço “Pa-lavra de Mulher” para
comemorar os 20 anos do jornal e ouvir mu-lheres que, de alguma
forma, seja como leitoras, autoras, entrevistadas, entusias-tas...
fazem parte dessa história.
Desde a sua criação, foram 20 anos
de lutas, com o objetivo de sempre deba-ter, defender e
“mulheragear” (neologismo para lembrar que a palavra “homenagem”,
de tanto respeito, também pode e deve re-meter à mulher).
Queremos seguir por mais muitos anos sendo ousadas, provocantes,
pro-
pondo reflexões individuais e coletivas, além do exercício de um
novo olhar para o mundo. E, contra todas as piadas machis-tas,
seguiremos trazendo poesias. Porque quando uma cai, a outra
levanta. E quan-do uma sofre, todas sofrem juntas. A luta é
coletiva e, antes de tudo, solidária.
Há 20 anos conjugando a palavraMulher
A PALAVRA É DELAS...
“O Jornal que nasceu com o objetivo de dar visibilidade às
mulheres no ambiente bancário, hoje, é mais do que isso. Durante
duas décadas, grita-mos a mudança e re-tratamos as conquistas desse
sexo nada frágil.
E n t r e t a n t o , mesmo com os avanços, a realidade da
mulher continua sendo um desafi o, e com o jornal queremos,
sobretudo, mostrar o óbvio, que é o direito de ter direitos. Por
isso, considero o M24H uma necessidade, e, a partir dela, va-
MulherMulher
MulherMulher
MulherMulher Mulher
“Sempre quando o Mulher chega, eu leio. É uma forma de agregar
informação e refl exão, as matérias, normalmente, fazem despertar
alguma coisa e me fazem perceber que não estou olhando tanto para
mim. Ele é a chance de dar um ‘respiro’ na rotina de estresse, que
suga tanto da gente, atolando a rotina e prejudicando a nossa
saúde.
Hoje, a mulher é multifuncional. Esquece-mos que somos de carne
e osso, pois a socieda-de cobra que sejamos de aço. O Mulher vem
para nos lembrar disso.”
Andreia Zerbini, bancária há 20 anos.Hoje, trabalha na agência
Itaú de Cariacica.
ANDREIA: 20 ANOS DE BANCO
LUCIMAR: 20 ANOS COM A MÃO NA MASSA
“ D e s d e que comecei a trabalhar no ban-co acompanho as
edições do M24H. No come-ço, fi quei surpre-sa ao descobrir a
existência de uma publicação deste tipo, mas logo achei
inte-ressante e perce-bi a importância de ter um veículo que
comunica diretamente com as bancárias que, ao meu ver, são a
maioria na ca-tegoria.
Com o jornal, conseguimos algo que é fun-damental: valorizar a
mulher, que, além de traba-lhar no banco, faz de tudo em sua
jornada tripla. E, evidenciando o trabalho feminino, se acaba com o
preconceito - dentro e fora das agências.”
Lindalva Guedes, assim como o jornal, tem 20 anos, e já háquatro
– primeiro como estagiária – convive no ambiente bancário.
LINDALVA: BANCÁRIA COM 2O ANOS RACHEL: BANCÁRIA APOSENTADA
NANCI: PRIMEIRA ENTREVISTADA
“Quando trabalhava no banco, fi cava espe-rando ansiosamente a
chegada do M24H. Gostava das reportagens, do formato acessível, dos
temas atuais que traziam refl exões... levava o jornal para casa e
‘espalhava’ entre as mulheres da família. Hoje, vejo a importância
desta publicação para nos ajudar a enfrentar e proteger de um
ambiente de trabalho que muito nos agride. O jornal incentiva as
mulheres a cuidarem mais umas das outras, nos dando força e
unidade. Acho que todas – e todos – deveriam ler o Mulher.”
Rachel de Souza Ayres, depois de 30 em atividade, está
aposentada há um ano e meio pela Caixa Econômica.
“Quando bancária, tinha muitas amizades, conversava muito,
estava sempre positiva, e talvez por isso tenha vindo o convite
para ser entrevistada do jornal. Me senti privilegiada. Topei
porque desde o começo entendi o M24H como um instrumento acessível
e de comunicação direta para as mulheres da categoria.
Além de mãe, dona de casa, faxineira, trocadora de lâmpada, no
banco a cobrança é muito grande e a responsabilidade do trabalho
maior
Mulher
ainda, temos que ser exemplares todo o tempo. Por isso, é
importante ter uma publicação acessível, que ampare e mostre que
todas sofrem com os mesmos problemas.”
Nanci Dotti da Conceição, abriu a primeira edição do Mulher com
nada melhor que
“Eu me amo”.
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Consciência e corpode mulher negra
O longa metragem “Flores Raras” retrata o romance de um casal de
lésbicas, a poeta norte-americana Elizabeth Bishop e a arquiteta e
paisagista Lota Macedo, mulheres com personalidades bastante
opostas.
O filme, baseado em uma história real, se passa no Rio de
Janeiro das décadas de 50 e 60, período de incorporação de grandes
projetos arquitetônicos e do boom da Bossa Nova.
Envie suas sugestões, poesias
e comentários para o e-mail
[email protected]
Mulheresantenadas
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Mulher 24 horas
Mulher 24 horas
“O Brasil é socialmente constituído como um país branco, por
isso a população negra não se enquadra. Nesse sentido, há uma
cobrança cruel com as mulheres negras, que têm que se moldar a esse
padrão. Mas, se eu nasci negra, ainda que eu faça muitas
rinoplastias, eu nunca vou ter um nariz de branco. É uma relação
in-justa e violenta, porque é um pa-drão inalcançável”, diz Meire
Lúcia Alves, professora de história da rede estadual da Bahia e
militante do mo-vimento negro.
E m b o r a mais da metade da população brasilei-ra seja
afrodescen-dente, o padrão de beleza massificado no Brasil
corres-ponde ao europeu. A figura da mulher negra, quando em
evidência, é tradicionalmente erotizada, fican-do muitas vezes
restrita à imagem da mulata do samba e da negra sexy, um
estereótipo que, para Meire, tem como base a socieda-de de consumo,
que transforma todas as coisas, inclusive o corpo, em
mercadoria.
“Nesse mundo onde o consumo dita as normas existe o problema da
mercantilização do corpo feminino. Tudo que é ven-dido se utiliza
de um padrão. O
perfil ‘vendável’ da mulher negra será valorizado, mas não o
indiví-duo, apenas a imagem da qual eu posso extrair algum tipo de
venda. Isso acaba definindo o discurso da erotização da mulher
negra, que vai estar presente na publicidade, na televisão, na
música. Perce-bemos isso no funk, no axé, até mesmo nas músicas de
Dorival Caymmi, mas hão há, no entanto,
uma associação da mulher negra à música clássica”.
Essa associação reflete também uma herança do perí-odo
escravocrata brasileiro, no qual as mulheres negras eram exploradas
não só para traba-lho, mas também para o prazer sexual dos
senhores. Apesar dis-so, Meire é contundente ao afir-mar que a
continuidade dessa relação de opressão é resultado também de
fatores sociais poste-riores à escravidão.
“Após a escravidão há um Estado que faz uma opção políti-ca por
determinado grupo social. Um Estado que, ao invés de defi-nir ações
de inclusão, exclui e não faz investimentos públicos para reverter
esse processo. Como consequências temos um peque-no número de
mulheres negras ocupando cargos com bons salá-rios – a maioria está
empregada nas áreas de serviços –, e também com menor acesso à
saúde, à educação, etc”.
Apesar disso, Meire destaca que foi lutando pela sua própria
identidade que a mulher negra foi moldando a identidade do País,
seja na culinária, na dança, na religião, em todos os aspectos da
cultura brasileira.
“Na pri-meira onda do feminismo no Brasil, na década de 20, a
reivin-dicação das mu-lheres era ir para a rua, um espaço que não
era desti-nado a elas. Mas as mulheres ne-gras já ocupavam as ruas,
eram as costureiras, as cozinheiras. O espaço de sociali-
zação das ruas no Brasil foi cons-truído pelas mulheres e homens
negros. O hábito, por exemplo, de comer comida na rua, como ve-mos
hoje o acarajé, na Bahia, foi construído pelas mulheres negras, que
iam vender o que produziam. Essa prática foi descentralizada do
aspecto religioso e se tornou um hábito em nossa cultura. Existem
muitas coisas que fazemos no nosso cotidiano que são frutos da
história e da resistência das mu-lheres negras”.
Enquanto as mulheres ne-gras são maioria nos trabalhos
pre-carizados, quan-do falamos em postos de maior reconhecimento é
fácil perceber a sua invisibilidade. Nos bancos, por exemplo,
apenas 8% das trabalhadoras são negras.
A bancária da Caixa, Ga-briele Aprigio, da agência Serra, vive
essa realidade. “Na minha agência existem apenas duas mulheres
negras, de uma média de 30 empregados. É um núme-ro muito
pequeno”.
Gabriele trabalha na Caixa há 5 anos e conta que nunca se sentiu
desrespeitada pelos cole-gas de banco em função da cor, mas já teve
que lidar com atitudes preconceituosas de clientes. “Um cliente me
confundiu com uma estagiária e se recusou a ser aten-dido comigo,
mesmo eu estando identificada com crachá do ban-co, como os outros
profissionais”.
Para Gabriele, a dificulda-de de acesso à educação é uma das
barreiras para a população negra alcançar melhores postos de
trabalho, inclusive no banco.
“Muitas pessoas já entram no banco com curso superior e
especialização, e isso contribui nos processos seletivos, o que não
acontece com a maioria dos bancá-rios negros. Eu, por exemplo,
tinha apenas o ensino médio quando in-gressei no banco e só depois
come-cei a cursar uma faculdade”, relata.
De acordo com o Ministério do Trabalho, apenas 19,5% dos
trabalhadores do sistema finan-ceiro são negros ou pardos, que
ganham, em média, 84,1% do salário dos brancos.
Bancária e negra!
No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. A
data marca a morte de Zumbi dos Palmares, um dos maiores símbolos
da luta antiescravagista no Brasil, e contribui para reafi rmar o
processo de resistência negra e o enfrentamento às desigualdades
perpetuadas desde a escravidão. Uma delas diz respeito às
percepções sobre o corpo da mulher negra e à sua identidade.
Flores Raras