24 Setembro de 2011 www.briefing.pt Marketing social Mudar comportamentos Pode o marketing ajudar a resolver problemas da sociedade como o tabagismo ou os acidentes de viação? Pode. É essa a função do marketing social, cada vez mais usado pelos governos. O britânico Jeff French leva mais de 20 anos a defender esta causa e esteve em Lisboa para mostrar como o marketing pode mudar comportamentos O que têm em comum o taba- gismo, a sinistralidade rodoviária, a obesidade, o sedentarismo, a violência doméstica e a infecção por VIH/Sida? São todos proble- mas sociais. E todos problemas que podem ser dirimidos com a ajuda do marketing social. A fór- mula parece simples – aplicar os conceitos e as ferramentas do marketing à resolução de proble- mas sociais. E é eficaz, garante Jeff French, especialista mundial em Marketing Social, professor da Brunel University e do King’s Col- lege da Universidade de Londres. Jeff sabe do que fala. Sabe que é possível recorrer às técnicas de marketing para melhorar compor- tamentos sociais. É isso que tem feito ao longo da sua carreira, no- meadamente como consultor do governo britânico. A ele se deve o relatório nacional que definiu as políticas de comunicação para a saúde em Inglaterra. “No marketing social, estamos in- teressados em mudar comporta- mentos. É bom para as pessoas, para as famílias, para a sociedade”. Um exemplo básico mas recorren- te é o do tabagismo: o marketing social é útil para ajudar os fumado- res a cessarem o hábito, mas para isso têm de acreditar que é melhor não ser fumador. “O que sabemos é que a maioria dos fumadores não quer fumar e gostaria de ter ajuda para mudar. Também há os que fu- mam e querem continuar a fumar, mas muitos querem deixar. Temos de descobrir porquê e ajudá-los. Sabemos que o tabaco é muito aditivo e que é difícil deixar, mas temos meios para ajudar como o “No marketing social, estamos interessados em mudar comportamentos. É bom para as pessoas, para as famílias, para a sociedade” Ramon de Melo
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24 Setembro de 2011 www.briefing.pt
Marketing social
Mudar comportamentos
Pode o marketing ajudar a resolver problemas da sociedade como o tabagismo ou os acidentes de viação? Pode. É essa a função do marketing social, cada vez mais usado pelos governos. O britânico jeff French leva mais de 20 anos a defender esta causa e esteve em Lisboa para mostrar como o marketing pode mudar comportamentos
O que têm em comum o taba-gismo, a sinistralidade rodoviária, a obesidade, o sedentarismo, a violência doméstica e a infecção por VIH/Sida? São todos proble-mas sociais. E todos problemas que podem ser dirimidos com a ajuda do marketing social. A fór-mula parece simples – aplicar os conceitos e as ferramentas do marketing à resolução de proble-mas sociais. E é eficaz, garante Jeff French, especialista mundial em Marketing Social, professor da Brunel University e do King’s Col-
lege da Universidade de Londres.Jeff sabe do que fala. Sabe que é possível recorrer às técnicas de marketing para melhorar compor-tamentos sociais. É isso que tem feito ao longo da sua carreira, no-meadamente como consultor do governo britânico. A ele se deve o relatório nacional que definiu as políticas de comunicação para a saúde em Inglaterra.“No marketing social, estamos in-teressados em mudar comporta-mentos. É bom para as pessoas, para as famílias, para a sociedade”.
Um exemplo básico mas recorren-te é o do tabagismo: o marketing social é útil para ajudar os fumado-res a cessarem o hábito, mas para isso têm de acreditar que é melhor não ser fumador. “O que sabemos é que a maioria dos fumadores não quer fumar e gostaria de ter ajuda para mudar. Também há os que fu-mam e querem continuar a fumar, mas muitos querem deixar. Temos de descobrir porquê e ajudá-los. Sabemos que o tabaco é muito aditivo e que é difícil deixar, mas temos meios para ajudar como o
“No marketing social, estamos interessados em mudar comportamentos. É bom para as pessoas, para as famílias, para a sociedade”
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A fragmentação é essencial no marketing social. Porque há problemas sociais demasiado abrangentes para serem abrangidos de uma vez só
aconselhamento, a terapêutica de substituição, podemos criar con-sultas e linhas telefónicas, aprovar leis que proíbam o tabaco em res-taurantes…”.Mas será que serve para todos os comportamentos? Não, ape-nas para aqueles que as pessoas querem, efectivamente, mudar. Também pode acontecer que um determinado problema social seja reconhecido como tal, mas haja re-sistência à mudança. Jeff French dá um exemplo concreto: a poupança de energia. A sociedade sabe que existe um problema e, mais, sabe que é preciso resolvê-lo. Mas a verdade é que, individualmente, ninguém quer ter de subir o monte, quer é ir de carro até ao cimo. Qual é a solução? “Estamos numa democracia e em democracia va-lem as maiorias. Por isso, a maioria tem de concordar que é preciso mudar os comportamentos face ao ambiente. Mesmo que haja quem não queira deixar de levar o car-ro, tem é de reconhecer que é um problema…Tem de haver consen-timento da maioria no sentido de que os comportamentos devem mudar”.Ainda assim, não se consegue resolver tudo. Salvar o planeta é demasiado lato, pelo que é preciso fragmentar o objectivo. Pode não se conseguir que todas as pessoas deixem de levar sempre o carro até à porta do emprego (o tal monte) mas talvez se possa incentivar a que o façam pelo menos uma vez por mês…A fragmentação é essencial no marketing social. Porque há pro-blemas sociais demasiado abran-gentes para serem abordados de uma vez só. O especialista britâni-co dá outro exemplo: a obesidade. “Porque é que as mães alimentam demais os filhos?”, pergunta, dan-do de imediato a resposta: “Porque os amam”. O que há então a fazer? Mostrar às mães que podem dar menos comida aos filhos sem dei-xar de amá-los. “À mesa, a mãe dá a mesma porção ao marido e aos filhos porque os ama a todos por igual. Temos de demonstrar-lhe que o pai precisa de mais alimento e, por isso, pode comer num prato maior, enquanto os filhos precisam de menos e, por isso, devem co-mer num prato mais pequeno”.
A obesidade é um problema de-masiado complexo, que envolve comportamentos e razões diferen-tes em idades diferentes. Há, pois, que dividi-la em comportamentos mais específicos e tentar mudá-los um a um.Ser específico – eis uma das re-gras de ouro do marketing social. Jeff French, que esteve em Lisboa para participar numa conferên-cia internacional promovida pelo ICSTE, recorre novamente aos exemplos: a condução insegura não é um comportamento, são muitos, pelo que é preciso esco-lher um – por exemplo, conduzir demasiado depressa em cidade. O passo seguinte é saber quem tem esse comportamento: não é toda a população, são alguns segmentos, normalmente jovens do sexo mas-culino. Importa então saber por que o fazem: porque pensam que são invulneráveis, porque pensam que, assim, atraem as raparigas… Só então se pode começar a de-senvolver uma intervenção: pode ser uma campanha em que condu-zir depressa surja como não sendo cool e em que sejam as raparigas a passar esta mensagem; pode ser uma campanha em que se mostre que é um comportamento com consequências – que se pode ser multado ou preso, que se pode morrer ou matar alguém. Depois de conhecer bem o alvo, de ser específico nos objectivos, de ter um plano muito claro, há que
Mudar comportamentos é o que Jeff French faz para viver. E por isso diz que está no negócio da felicidade. De si próprio diz que é feliz. E que pra-tica alguns dos comportamentos que ajuda a mu-dar nos outros. Não fuma, os dois filhos de um casamento de 37 anos também não: “Tentamos portar-nos bem”. Além disso, vai de transportes públicos para o emprego (da casa em Hampshi-re ao escritório em Londres). Mas tem carro. Tem até quatro. E gosta de acelerar, embora saiba que não deve… “Ninguém é perfeito”, argumenta em causa própria.
Biólogo de formação, quis ser professor mas aca-bou a ajudar o governo britânico a rever as suas práticas de marketing social. Contribuiu para a redução do tabagismo de 37 para 21 por cento e para a quebra da taxa de morte por doença car-díaca. A sua preocupação maior actualmente é o “grande fosso” entre pobres e ricos, “um proble-ma maior do que o ambiente ou a crise económi-ca”. Para encurtar a distância, preconiza que os muito ricos comecem a dar dinheiro para causas sociais: “Um dia vão morrer e não podem levar o dinheiro com eles…”.
No negócio da felicidade
PERFIL
avaliar. Voltando ao exemplo da sinistralidade rodoviária: é preciso medir quantos acidentes houve, quantos jovens acabaram no hos-pital, quantas multas foram pas-sadas a esses jovens ou quantos forem detidos…E é preciso saber quanto custou evitar um acidente que seja: valeu a pena o dinheiro que se investiu? Finalmente, há que publicar os resultados. Em nome da transparência. “Se não se mede e não se disponibilizam os resultados não é marketing so-cial”. Mesmo que haja campanhas que não funcionem: “Algumas não resultam, mas, se soubermos porquê, aprendemos e não repeti-mos”.E quanto tempo é preciso para uma campanha resultar? Depende do comportamento que se quer mudar. A obesidade é uma missão a prazo. A sinistralidade rodoviária pode diminuir em seis meses ou um ano. Outros mudam ainda mais depressa. Foi o que aconteceu em Inglaterra com a morte súbita dos bebés, assim que se descobriu que bastava deitá-los de lado. Pais al-tamente motivados e um compor-tamento simples foi quanto bastou.Alterar comportamentos pode ser, afinal, mais fácil do que parece. Com as técnicas do marketing co-mercial: conhecer o cliente e criar o produto ou serviço que o clien-te quer. Num caso, influencia-se a compra, noutro resolve-se um pro-blema social.