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DAIANA STURSA DE QUEIROZ
MORALIDADE E COGNIO: UM ESTUDO COM CRIANAS DE 7 E 10 ANOS EM
SITUAO DE RISCO SOCIAL
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da
Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para
a obteno do grau de Doutor em Psicologia, sob a orientao do Prof.
Dr. Antnio Carlos Ortega e coorientao do Prof. Dr. Svio Silveira de
Queiroz.
UFES Vitria, 31 Outubro de 2014.
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Ficha catalogrfica
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Moralidade e Cognio: um estudo com crianas
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DEDICATRIA
A todas as crianas que merecem um mundo melhor
(Chovendo na roseira Tom Jobim)
Olha, est chovendo na roseira Que s d rosa, mas no cheira
A frescura das gotas midas Que de Betinho, que de Paulinho, que
de Joo
Que de ningum! Ptalas de rosa carregadas pelo vento
Um amor to puro carregou meu pensamento Olha, um tico-tico mora
ao lado
E passeando no molhado adivinhou a primavera Olha, que chuva
boa, prazenteira Que vem molhar minha roseira
Chuva boa, criadeira
Que molha a terra, que enche o rio, que lava o cu Que traz o
azul!
Olha, o jasmineiro est florido E o riachinho de gua esperta
Se lana embaixo do rio de guas calmas
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todas as pessoas que direta ou indiretamente
colaboraram
para que este trabalho pudesse ser realizado. E, em destaque,
manifesto minha
gratido:
Ao meu orientador Antnio Carlos Ortega a quem muito admiro e
estimo,
pelo incentivo, carinho, ateno, dedicao e generosidade.
s professoras Claudia Broetto Rossetti e Helosa Moulin de
Alencar, pelas
crticas construtivas e pelas sugestes feitas por ocasio do Exame
de
Qualificao e em outros momentos da elaborao deste trabalho.
secretria do Programa de Ps-Graduao Maria Lcia Ribeiro Fajli
pelo acolhimento desde o primeiro ano de mestrado e por sempre
ser to
prestativa ao me auxiliar nos assuntos acadmicos.
direo, coordenao, aos professores e ao corpo tcnico das
instituies onde a coleta foi realizada. Aos familiares das
crianas que se
dispuseram e autorizaram seus filhos a participar de meu estudo.
E, em especial,
s crianas que me permitiram aprender a respeito de suas aes
e
pensamentos, o que originou a existncia desta pesquisa.
s alunas da graduao que me auxiliaram, parcialmente, na
transcrio e
anlise dos dados: Adriana Canal de Vasconcellos e Luana
Cantarela.
Ao professor Francisco Peixoto pela preciosa reviso do
texto.
A Hannah Queiroz pela elaborao do Abstract e do Resum.
minha companheira de orientao Alice Melo Pessotti que permitiu o
uso
de instrumental desenvolvido em seu mestrado e que descobriu,
desbravou e
venceu conjuntamente os obstculos interpostos por uma pesquisa
de cunho
qualitativo.
s minhas queridas amigas Letcia Pires Dias e Camila Carlos Maia
por
compartilhar o universo psi desde a graduao.
Aos meus pais, Penha e Carlos, por todo amor, apoio e carinho.
Tambm
pelo reconhecimento da importncia que devemos ter pela busca
do
conhecimento.
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A minha irm Carla Stursa e ao meu cunhado Alessandro Vargas
pelo
incentivo ao estudo e por mostrar que devemos buscar nossos
sonhos
profissionais.
Aos meus familiares e aos meus amigos em geral pela
convivncia
prazerosa, fundamental para a vida.
CAPES e ao PPGP-UFES, pela bolsa de doutorado.
Por fim mas em primeiro lugar no corao ao meu querido marido
Svio
Silveira de Queiroz! Homem que teve a sabedoria (de acreditar) e
a coragem para
transformar uma relao docente em uma perfeita relao de amor
e
cumplicidade. Deixou de ensinar contedos acadmicos para
transmitir a alegria
de viver e de compartilhar.
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Queiroz, Daiana Stursa de. (2014). Moralidade e Cognio: um
estudo com
crianas de 7 e 10 anos em situao de risco social. Tese de
doutorado,
Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Universidade Federal do
Esprito
Santo. 234 p.
RESUMO
Esta tese objetivou investigar e descrever, em uma perspectiva
psicogentica, relaes entre aspectos morais e cognitivos de crianas
em situao de risco social, com base na teoria de Piaget.
Participaram da pesquisa 20 crianas de 7 e 10 anos, de ambos os
sexos, frequentadores de um projeto, mantido pela prefeitura
municipal, que funciona no contraturno escolar na cidade de
Vitria-ES. Foram utilizados dois instrumentos, aplicados na
seguinte ordem: (1) Instrumento de Avaliao do Nvel de
Desenvolvimento Moral (IANDM) e (2) Instrumento de Avaliao do Nvel
de Desenvolvimento Cognitivo (IANDC). Foram elaborados critrios de
anlise de dados ajustando anlise quantitativa e qualitativa, por
meio dos quais foram estabelecidos (1) os nveis de resposta ao item
(NRI) para cada um dos oito itens dos instrumentos; (2) o Nvel
Geral de Desenvolvimento Moral (NGDM), (3) o Nvel Geral de
Desenvolvimento Cognitivo (NGDC). Os resultados obtidos em relao ao
IANDM permitiram verificar que a maioria das crianas de 7 anos
alcanou o Nvel IB e a maioria das de 10 anos o Nvel IIA. Os
resultados obtidos em relao ao IANDC permitiram verificar que a
maioria das crianas de 7 anos alcanou o Nvel IB e a maioria das de
10 anos o Nvel IIIA. Assim, os principais resultados obtidos
permitiram verificar que as crianas de 10 anos apresentaram nveis
superiores em relao s de 7 anos nos dois instrumentos. Conclumos
que os resultados encontrados permitem a ampliao do conhecimento
sobre temtica de risco social por meio de uma metodologia original
e que os instrumentos IANDM e IANDC so importantes ferramentas para
diagnstico em Psicologia do Desenvolvimento.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Moralidade, Cognio, Piaget,
Risco Social.
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Queiroz, Daiana Stursa de. (2014). Morality and Cognition: a
study of children between 7 and 10 years in social risk. PhD
thesis, Graduate Program in Psychology, Federal University of
Esprito Santo. 234 p.
ABSTRACT
This thesis aim was to investigate and describe, under a
psychogenic perspective, the relationship between moral and
cognitive aspects of children at social risk, based on the theory
of Piaget. Participating were twenty children, of both genders,
between 7 and 10 years, goers a project, maintained by the
municipal government, which works after school in Vitria-ES,
Brasil. Two tools were chosen, and applied in the following order:
(1) Assessment Instrument of Moral Level Development (IANDM) and
(2) Assessment Instrument of Cognitive Level Development (IANDC).
Data analysis criteria were developed observing their quantity and
quality, which established (1) the Response Levels to Item (NRI)
for each of the eight items of the instruments; (2) the General
Level of Moral Development (NGDM), (3) the General Level of
Cognitive Development (NGDC). Results showed that with regard to
IANDM it enables us to confirm that most of the 7 year old children
reached the IB level and most of the 10 year old ones the level
IIA. Results showed that with regard to IANDC it enables us to
confirm that most of the children who are 7 years old reached the
IB level and most of the 10 years the Level IIIA. Therefore, the
principal results showed that 10 year olds had higher levels when
compared to 7 year olds, in both instruments. We concluded a
broadening knowledge on the scope of social risk, through a unique
methodology, and that IANDM and IANDC are essential tools in the
diagnosis of Developmental Psychology. Keywords: Development,
Morality, Cognition, Piaget, Social Risk.
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Queiroz, Daiana Stursa de. (2014). La morale et la cognition:
une tude sur les enfants entre 7 et 10 ans en situation de risque
social. Thse de doctorat, programme d'tudes suprieures en
psychologie, Universit fdrale de Espirito Santo. 234 p.
RSUM
Cette recherche a lobjectif dtudier et dcrire, dans une
perspective psychogne, la relations entre les aspects moraux et
cognitifs des enfants sur risque social, base sur la thorie de
Piaget. Les vingt participants, des deux genres, taient des enfants
entre les ges 7 et 10, les clients d'un projet, maintenu par le
gouvernement municipal, qui travaille aprs l'cole en Vitria-ES,
Brsil. Deux instruments ont tait choisi et appliqus dans l'ordre
suivante: (1) Instrument d'valuation du niveau de dveloppement
moral (IANDM) et (2) Instrument d'valuation du niveau de
dveloppement cognitif (IANDC). Des critres pour l'analyse des
donnes instruments ont t tablis, par la mise en analyse
quantitative et qualitative, au moyen desquels c'tait trouvait (1)
) les niveaux l'objet de rponse (NRI) pour chacun des huit lments
des instruments; (2) le niveau gnral de dveloppement moral (NGDM),
(3) le niveau gnral du dveloppement cognitif (NGDC). Les rsultats
obtenus par rapport IANDM aid confirment que la plupart des enfants
de 7 ans ont atteint le niveau IB et la plupart des 10 ans, le
niveau IIA. Les rsultats obtenus par rapport IANDC aid confirment
que la plupart des enfants de 7 ans ont atteint le niveau IB et la
plupart des 10 ans, le niveau IIIA. Ainsi, les principaux rsultats
obtenus ont montr que les enfants de 10 ans ont des niveaux plus
levs par rapport que ils ont avec lge 7, avec les deux instruments.
Nous avons conclu que les rsultats obtenus permirent le
dveloppement de la science sur les thmes de risque social grce une
mthodologie unique, et que IANDM et IANDC sont des instruments
essentiels pour le diagnostique dans la Psychologie du
Dveloppement. Mots-cls: Dveloppement, La morale, La cognition,
Piaget, Risques sociaux.
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SUMRIO
Apresentao.......................................................................................................17
1. Referencial
terico...........................................................................................19
1.1. Desenvolvimento moral segundo a teoria de Jean
Piaget...................19
1.1.1. Estudos brasileiros contemporneos sobre moralidade
infantil................................................................................................30
1.2. Desenvolvimento cognitivo segundo a teoria de Jean
Piaget..............45
1.2.1. Estdios de desenvolvimento
cognitivo..................................50
1.3. Mtodo Clnico na investigao do desenvolvimento segundo a
perspectiva
piagetiana.................................................................................56
1.4. Risco social e suas consequncias para o
desenvolvimento...............60
2. Posio do problema e
Objetivos..................................................................65
2.1. Objetivo
geral.......................................................................................68
2.2. Objetivos
especficos............................................................................68
3. Aspectos
metodolgicos................................................................................69
3.1.
Participantes.........................................................................................69
3.2.
Instrumentos.........................................................................................70
3.2.1. Roteiro de
Anamnese.............................................................70
3.2.2. Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento
Moral
(IANDM)............................................................................................71
3.2.3. Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento
Cognitivo
(IANDC)............................................................................75
3.3.
Procedimento.......................................................................................84
3.4. Critrios de anlise de
dados...............................................................86
3.5. Aspectos
ticos..................................................................................130
4. Resultados e
Discusso................................................................................132
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4.1. Resultados obtidos no
IANDM...........................................................132
4.2. Resultados obtidos no
IANDC............................................................169
4.3. Comparao entre os resultados obtidos no IANDM e no
IANDC.....195
5. Consideraes
Finais....................................................................................200
6. Referncias
Bibliogrficas............................................................................209
Apndices
Impressos........................................................................................218
Apndice A. Roteiro de entrevista de
Anamnese......................................219
Apndice B. Desenhos que ilustram as estrias-dilemas do
IANDM........221
Apndice C1. Carta de solicitao para realizao da pesquisa
junto
Secretaria de Ao Social do municpio de
Vitria-ES.............................228
Apndice C2. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
participao em
pesquisa.........................................................................230
Apndice C3. Termo de assentimento Livre e Esclarecido para
participao
em
pesquisa.............................................................................................232
Apndice D. Tipificao do Nvel Geral de Desenvolvimento segundo
nveis
evolutivos dos itens do IANDC e
IANDM..................................................234
Apndices Digitalizados em CD
Apndice E. Tabelas E1 a E8 com exemplos de classificao por NRI
para
os itens do IANDC
Apndice F. Planilha com classificao dos dados do IANDM
Apndice G. Planilha com classificao dos dados do IANDC
Apndice H. Tabelas com anlise de contedo dos panoramas
resumidos
das respostas dadas pelos participantes no IANDM
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Categorias de respostas de uma entrevista clnica pelo
Mtodo
Clnico...............................................................................................57
Figura 2 Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Moral
IANDM..............................................................................................71
Figura 3 Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento
Cognitivo
IANDC...............................................................................................76
Figura 4 Modelo explicativo do quadro de critrios de
anlise...............................................................................................87
Figura 5 Proporo dos trs Nveis de Respostas ao Item nos Nveis
Gerais de Desenvolvimento do IANDM e
IANDC.......................................126
Figura 6 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 1 do
IANDM............................................................................................132
Figura 7 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 2 do
IANDM............................................................................................136
Figura 8 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 3 do
IANDM............................................................................................140
Figura 9 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 4 do
IANDM............................................................................................143
Figura 10 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 5 do
IANDM............................................................................................148
Figura 11 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 6 do
IANDM............................................................................................151
Figura 12 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 7 do
IANDM............................................................................................157
Figura 13 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 8 do
IANDM............................................................................................164
Figura 14 Frequncia dos Nveis Gerais de Desenvolvimento Moral
(NGDM)
........................................................................................................167
Figura 15 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 1 do
IANDC.............................................................................................169
Figura 16 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 2 do
IANDC.............................................................................................173
-
Figura 17 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 3 do
IANDC.............................................................................................177
Figura 18 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 4 do
IANDC.............................................................................................180
Figura 19 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 5 do
IANDC.............................................................................................183
Figura 20 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 6 do
IANDC.............................................................................................185
Figura 21 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 7 do
IANDC.............................................................................................188
Figura 22 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 8 do
IANDC.............................................................................................191
Figura 23 Frequncia dos Nveis Gerais de Desenvolvimento
Cognitivo (NGDC)
..........................................................................................193
Figura 24 Frequncia dos Nveis Gerais de Desenvolvimento Moral e
Cognitivo segundo as idades dos
participantes..............................................195
Figura 25 Relao entre os Nveis Gerais de Desenvolvimento
alcanados pelos participantes no IANDM e
IANDC.........................................196
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Caracterizao dos participantes da pesquisa de acordo
com idade e
sexo..................................................................................................69
Tabela 2 Critrios de anlise para o Item 1 do
IANDM...................................90
Tabela 3 Nveis de resposta ao Item 1 do
IANDM...........................................90
Tabela 4 Critrios de anlise para o Item 2 do
IANDM...................................91
Tabela 5 Nveis de resposta ao Item 2 do
IANDM...........................................91
Tabela 6 Critrios de anlise para o Item 3 do
IANDM...................................92
Tabela 7 Nveis de resposta ao Item 3 do
IANDM...........................................92
Tabela 8 Critrios de anlise para o Item 4 do
IANDM...................................93
Tabela 9 Nveis de resposta ao Item 4 do
IANDM...........................................93
Tabela 10 Critrios de anlise para o Item 5 do
IANDM...................................94
Tabela 11 Nveis de resposta ao Item 5 do
IANDM...........................................94
Tabela 12 Critrios de anlise para o Item 6 do
IANDM...................................95
Tabela 13 Nveis de resposta ao Item 6 do
IANDM...........................................96
Tabela 14 Critrios de anlise para o Item 7 do
IANDM...................................97
Tabela 15 Nveis de resposta ao Item 7 do
IANDM...........................................98
Tabela 16 Critrios de anlise para o Item 8 do
IANDM...................................98
Tabela 17 Nveis de resposta ao Item 8 do
IANDM...........................................99
Tabela 18 Critrios de anlise para o Item 1 do
IANDC..................................100
Tabela 19 Nveis de resposta ao Item 1 do
IANDC.........................................101
Tabela 20 Critrios de anlise para o Item 2 do
IANDC..................................102
Tabela 21 Nveis de resposta ao Item 2 do
IANDC.........................................103
Tabela 22 Critrios de anlise para o Item 3 do
IANDC..................................104
Tabela 23 Nveis de resposta ao Item 3 do
IANDC.........................................105
Tabela 24 Critrios de anlise para o Item 4 do
IANDC..................................106
-
Tabela 25 Nveis de resposta ao Item 4 do
IANDC.........................................107
Tabela 26 Critrios de anlise para o Item 5 do
IANDC..................................108
Tabela 27 Nveis de resposta ao Item 5 do
IANDC.........................................109
Tabela 28 Critrios de anlise para o Item 6 do
IANDC..................................110
Tabela 29 Nveis de resposta ao Item 6 do
IANDC.........................................111
Tabela 30 Critrios de anlise para o Item 7 do
IANDC..................................112
Tabela 31 Nveis de resposta ao Item 7 do
IANDC.........................................113
Tabela 32 Critrios de anlise para o Item 8 do
IANDC..................................115
Tabela 33 Nveis de resposta ao Item 8 do
IANDC.........................................114
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LISTA DE ABREVIATURAS
ANPEPP Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em
Psicologia
CAJUNS Caminhando Juntos
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior
C+ coerncia forte
C- coerncia fraca
DA domnio ausente
DP domnio presente
DVD disco digital verstil
GT Grupo de Trabalho
IANDM Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento
Moral
IANDC Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento
Cognitivo
LA legitimao argumentada
LNA legitimao no argumentada
NGD Nvel Geral de Desenvolvimento
NGDC Nveis Gerais do Desenvolvimento Cognitivo
NGDM Nveis Gerais do Desenvolvimento Moral
NRI Nvel de Resposta ao Item
PC perguntas de controle
PCT pergunta de contraposio
PE perguntas de explorao
PJ perguntas de justificao
PPGP Programa de Ps-Graduao em Psicologia
SUAS Sistema nico de Assistncia Social
T- contradio fraca
T+ contradio forte
UFES Universidade Federal do Esprito Santo
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
http://www.vitoria.es.gov.br/prefeitura/assistencia-social-e-gerenciada-por-sistema-unico-e-participativo
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17
APRESENTAO
A situao de risco social aparece na literatura como condio
para
agravamento, desencadeamento e fomento de prejuzo e transtornos
do
desenvolvimento infato-juvenil ligados ao funcionamento
interindividual e
intraindividual, bem como social (Cecconello, 2003; Hutz &
Koller, 1997; Hutz &
Silva, 2002; Maia & Williams, 2005; Montoya, 1996; Oliveira,
1998; Paludo, 2008;
Poletto & Koller, 2008; Yunes e Szimansky, 2005). Tais
efeitos podem tanto
estender-se vida adulta quanto ser nulos diante de indivduos
ditos resilientes.
Nesse sentido, pesquisas sobre tal problemtica tm sido
realizadas nas ltimas
dcadas, a fim de entender a interao dos multifatores que esto
como
vulnerabilidade e caractersticas do desenvolvimento dos
sujeitos. No entanto,
constata-se, em breve busca em bancos de dados de pesquisas
cientficas, que
muitas questes ainda necessitam serem respondidas sobre o tema
(Hutz &
Koller, 1997; Hutz & Silva, 2002). Alm disso, contata-se a
escassez de
metodologia ajustada para a abordagem de avaliao e de interveno
dos
processos de desenvolvimento de crianas e adolescentes (Montoya,
1996; Moro,
1986; Perosa e Gabara, 2004; Roazzi, 1986; Yunes e Szimansky,
2005).
Seguindo esse caminho, esta tese visa contribuir para a temtica
com base
no (1) desenvolvimento de pesquisa exploratria sobre
desenvolvimento moral e
cognitivo com sujeitos em situao de risco social e no (2)
desenvolvimento de
instrumentao de diagnstico do desenvolvimento infantil. Para
tanto,
-
18
esboamos como problema de pesquisa a questo geral: Quais so as
relaes,
de acordo com a Psicologia e Epistemologia Gentica de Jean
Piaget, que podem
existir entre aspectos do desenvolvimento moral e cognitivo de
crianas em
situao de risco social?
Os captulos que compem este trabalho so apresentados pelos
respectivos contedos. Inicialmente, no primeiro captulo,
realizamos um conciso
panorama do Referencial Terico em que este trabalho est
fundamentado, ou
seja, retratamos aspectos da Epistemologia e da Psicologia
Gentica Piagetiana,
ligadas ao desenvolvimento moral e cognitivo, alm de pesquisas
com
aproximao temtica ao nosso trabalho e investigaes similares s
nossas.
No segundo captulo, o Problema de Pesquisa situado e o
Objetivo
Geral e os Especficos so apresentados. Em seguida, apresentamos
e
discutimos no terceiro captulo, os Aspectos Metodolgicos com
descrio dos
participantes, instrumentos e procedimentos utilizados para
coleta de dados, bem
como os critrios de anlise de dados estabelecidos, entre outros
pontos. J o
quarto captulo trata dos Resultados e Discusso dos dados, com
itens dividindo
os resultados oriundos de trs dos quatro instrumentos
utilizados, e as
comparaes entre eles. E, finalmente, no quinto captulo
apresentamos as
Consideraes Finais em que procuramos discutir pontos deste
trabalho que
no se configuram como resultados, retomamos os resultados mais
relevantes
com a formulao de hipteses sobre os dados, e sugerimos direes
para novas
pesquisas.
-
19
1. REFERENCIAL TERICO
1.1. DESENVOLVIMENTO MORAL SEGUNDO A TEORIA DE JEAN PIAGET
Atribui-se s investigaes de Jean Piaget (1932/1994) no livro O
juzo
moral na criana o pioneirismo no estudo da temtica da moralidade
no campo da
Psicologia. Ainda assim, possvel encontrar discusses das
implicaes do
desenvolvimento afeto-moral infantil em outras produes do autor
(Piaget,
1964/1978; Piaget & Inhelder, 1966/1998; Piaget, Menin,
Arajo, La Taille &
Macedo, 1996). Entretanto, em vrios autores clssicos
encontram-se reflexes
acerca desse tema. Destacamos dois filsofos como os principais
expoentes que
influenciaram a psicologia da moralidade o grego Aristteles
(384-322 a.C./1996),
o qual definiu moral como a busca do bem e da felicidade, e o
alemo Emmanuel
Kant (1788/2008), que teorizou a verdadeira moral como aquela
baseada no
dever de agir de acordo com princpios universais.
Mais recentemente, temos o norte-americano Lawrence Kohlberg
(1984/1992) que, para Alencar (2003), o autor que mais tem
influenciado os
estudos em psicologia do desenvolvimento moral. Kohlberg
(1984/1992) criou um
modelo psicogentico de desenvolvimento moral diferenciado da
perspectiva
piagetiana. Descreveu uma sequncia hierrquica e universal de trs
grandes
estgios que se subdividem em dois subestgios, totalizando,
assim, seis nveis.
Resumidamente, no estgio pr-convencional a moral interpretada
como
obedincia autoridade e orientada pela avaliao sobre as punies
e
javascript:nova_pesquisa(%2217241804.%22,%2257644%22,100);
-
20
recompensas que a ao ter; no segundo estgio, denominado
convencional, a
moral est relacionada pratica de aes ligadas ao que esperado
pelo grupo,
independentemente da consequncia que a ao provocar. No ltimo
estgio,
denominado de ps-convencional, a moral interpretada como
exerccio
autnomo dos princpios universais (de justia e role-taking, por
exemplo).
Em decorrncia do antagonismo entre as correntes universalista
e
relativista, Biaggio (1999) aponta diversos autores que se
destacam em estudos
sobre juzo moral. Para a autora, os norte-americanos Elliot
Turiel e Larry Nucci
distinguem-se de Kohlberg. Turiel por considerar a manifestao da
moral ps-
convencional em pr-escolares e por assinalar trs domnios em
relao esfera
das regras (pessoal, convencional e moral); e Nucci por
enfatizar pesquisas sobre
valores a partir do domnio pessoal. A autora ainda destaca
pesquisas
desenvolvidas por James Rest, aproximando-as da teoria
kohlbergiana, por
considerar uma sequncia natural do desenvolvimento moral (que no
depende
de ensinamentos essencialmente culturais) atingida por meio da
reflexo sobre a
experincia, e afastando-as das concepes de sequncia evolutiva
defendidas
por Turiel. Quanto ao portugus Orlando Loureno e ao alemo
Lutz
Eckensberger, a referida autora os posiciona, respectivamente,
em uma
perspectiva universalista e transcultural defensora das
propostas kohlbergiana e
piagetiana. Por fim, Biaggio (1999) discute a posio
universalista da tica do
cuidado de Carol Gilligan, demonstrando que estudos
transculturais no
evidenciam com preciso diferenas de gnero.
No Brasil notria a teoria moral desenvolvida por La Taille
(2010). O autor
prope a personalidade tica para apreender os planos moral e tico
envolvidos
-
21
na ao moral. Assim, considera o plano moral relacionado ao
sentimento de
obrigatoriedade, pois sempre est ligado a valores, princpios e
regras e expresso
pela mxima: que vida eu devo viver?. Por sua vez, o plano tico
alinha-se
vida realizada ou vida boa, com a mxima: que vida vale a pena
viver?.
Portanto, o entendimento da personalidade tica possibilita saber
a motivao
para agir ou no dentro da moral vigente. Assim, para o autor a
busca pela vida
realizada, ou seja, para que a vida faa sentido, liga-se
possibilidade de
expanso de si1. Sobre isso, La Taille (2006) conclui que
a hiptese de que a vida somente pode fazer sentido para quem
experimenta o sentimento de nela auto afirmar-se, expandir-se, em
uma palavra, atribuir-se valor. Pela recproca, quem no consegue,
seja l por que motivo for, atribuir a si prprio valor, no consegue
dar sentido sua vida e, logo, no usufrui de uma vida boa.
(p.112)
La Taille (2006) ainda discute que a personalidade tica composta
de
representaes de si (o que o sujeito considera ser) que se
estabelecem com
base em valores. Por conseguinte, o autor assinala que
primordial para a vida
humana buscar representaes de si com valor positivo. Conclumos
que o autor
desenvolve uma teoria sobre a moralidade que considera aspectos
afetivos
(expanso de si condio necessria, mas no suficiente), sem
desconsiderar
outras fontes de motivao, para o entendimento de uma perspectiva
tica que
respalda os comportamentos ou condutas morais do sujeito.
Vale (2006) destaca que a produo nacional acerca do
desenvolvimento
sociomoral procedeu, nas ltimas duas dcadas, em sua grande
maioria da
1 La Taille (2006) apoia-se em Piaget (1954) para resgatar o
conceito de expanso de si prprio
como tendncia superao de si mesmo, enquanto um vetor do
desenvolvimento e da motivao principal dos comportamentos.
-
22
Universidade Federal da Paraba (Abreu, Moreira & Rique,
2011; Sampaio,
Camino & Roazzi, 2007) e da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
(Biaggio, 1999; Freitas, 1999, 2002; Koller, 1994; Koller &
Bernardes, 1997).
Como o estudo de aspectos do juzo moral atualmente tema de
crescente
interesse dentro da psicologia do desenvolvimento, no podemos
deixar de fazer
referncia s investigaes e publicaes relacionadas aos
pesquisadores do
Grupo de Trabalho (GT) Psicologia e Moralidade da Associao
Nacional de
Pesquisa e Ps-Graduao em Psicologia (ANPEPP), do qual outros
ncleos
surgiram com importantes produes de cunho acadmico. Elencamos
os
trabalhos da Universidade de So Paulo coordenados por La Taille
(2001, 2006,
2010), da Universidade Federal do Esprito Santo (Alencar, 2003;
Pessotti, Ortega
& Alencar, 2011; Vale, 2006; Vale & Alencar, 2008), da
Universidade Estadual
Paulista (Menin, 2013; Menin, Bataglia & Moro, 2013) e da
Universidade Estadual
de Campinas (Tognetta & Assis, 2006).
A respeito de Piaget (1932/1994), destacamos que o autor
considerou os
jogos infantis excelentes instituies sociais, dispondo de um
sistema real e
complexo de regras e contendo uma moral implcita. Para tanto,
investigou os
jogos Bola de gude, Pique e Amarelinha (populares entre meninos
e meninas na
poca do estudo) a fim de compreender como as crianas se
relacionam com as
regras e qual a relao disso com a formao do juzo moral.
Observou,
descreveu e analisou dois fenmenos ligados s regras: a prtica e
a conscincia
das regras (Queiroz, Ronchi e Tokumaru, 2009). A prtica das
regras consiste na
forma pela qual as regras so aplicadas no jogo pelas crianas de
diferentes
idades e a conscincia das regras significa a maneira pela qual
as crianas
-
23
apresentam o carter sagrado, indispensvel, ou acordado. Ressalta
que as
relaes existentes entre a prtica e a conscincia da regra so, de
fato, as que
melhor permitem definir a natureza psicolgica das realidades
morais (Piaget,
1932/1994, p. 24).
Por meio de suas investigaes, caracterizou quatro estgios
consecutivos
acerca da prtica das regras, a saber: motor e individual,
egocntrico, de
cooperao nascente, e com codificao das regras. No primeiro
estgio, a
criana pequena manuseia os objetos que envolvem a brincadeira de
acordo com
as prprias aspiraes e hbitos motores, no configurando nenhum
tipo de regra
compartilhada. As regras assimiladas do exterior no interferem
na busca por
adversrios quando a criana, na prtica egocntrica, brinca sem
uniformizar os
modos de jogar e sem procurar vencer. Na cooperao nascente,
reconhece as
regras, unifica-as e as controla mutuamente com os demais
adversrios,
procurando venc-los. Por fim, no estgio da codificao das regras,
a criana as
compartilha com os demais, regulamentando-as at em suas
mincias.
Com relao conscincia das regras, estipulou trs fases ou estgios
que
ocorrem intercalados aos estgios da prtica das regras. No
primeiro deles, a
regra ou puramente motora, ou experimentada para fins de
interesse, sem
vigorar como condio obrigatria para jogos e brincadeiras,
apresentando-se no
incio do estgio egocntrico da prtica das regras. Em seguida, em
meio aos
estgios de prtica egocntrica e de cooperao nascente, observa-se
uma
preocupao para praticar a regra, j que esta entendida como
consagrada,
imutvel (mudanas so consideradas transgresses) e eterna,
pois
fundamentalmente advm da criao adulta. No ltimo estgio da
conscincia das
-
24
regras (inicia-se em meados da cooperao nascente,
fortalecendo-se no estgio
da prtica codificada das regras), o respeito mtuo s regras
torna-se obrigatrio,
mas elas podem ser modificadas desde que todos concordem. Desse
modo, nota-
se que a regra passa de algo exterior ao sujeito para, assim que
interiorizada,
tornar-se expresso de uma conscincia livre e respaldada pelo
consentimento
mtuo (Queiroz et al, 2009).
Depois de ter estudado a relao das crianas com o jogo,
Piaget
(1932/1994) investigou, por meio de interrogatrio sobre diversas
histrias,
aspectos do juzo moral infantojuvenil, tais como
responsabilidade,
desajeitamento e intencionalidade, roubo, mentira, justia,
problemas que
envolvem punio e respeito autoridade em oposio busca por relao
de
igualdade, entre outros. Expe trs fases distintas de
entendimento e de
vinculao com as regras denominadas anomia, heteronomia e
autonomia
(Piaget, 1932/1994; Freitas, 2002; Queiroz et al, 2009).
Contudo, enfocaremos os
aspectos sociais nelas envolvidas, mesmo que anlogos conscincia
das regras
dos jogos conforme apresentada.
Piaget (1932/1994) afirma que no existem estgios globais capazes
de
determinar a vida psicolgica de um sujeito num dado momento de
sua vida.
Complementa declarando que ocorrem simultaneamente continuidades
e rupturas
que tanto perpetuam certa continuidade funcional quanto refletem
em diferenas
qualitativas e estruturais na relao com cada novo conjunto de
cdigos e normas
e em cada novo plano de conscincia e reflexo do sujeito.
Sobre isso, Piaget e Inhelder (1966/1998) discutem que, assim
como os
processos cognitivos, a moralidade humana se constitui pela
interao social e
-
25
possui vnculos com a etapa em que se encontra o desenvolvimento
do
pensamento. Os autores ressaltam, assim como Piaget (1932/1994),
que, mesmo
no sendo adequado estabelecer idades fixas para as fases de
desenvolvimento
moral, observam-se reaes afetivas e estruturas tpicas da
heteronomia antes
dos 78 anos e de processos ligados autonomia aps os 10 anos de
idade.
Contudo, Alencar (2003) adverte que h pessoas que nunca
ultrapassam o
estgio do desenvolvimento ligado moral heternoma.
Em um primeiro momento, o beb ou a criana pequena no aderem
s
normas institudas coletivamente, experimentando as regras a
ttulo de
curiosidade e em nvel motor. Esse estgio denominado de fase de
anomia,
pois o sujeito considerado pr-moral. Como a criana nasce imersa
em um meio
regulado por normas e princpios de vrios contextos, torna-se
difcil (para no
dizer que o egocentrismo torna essa tarefa impossvel) distinguir
o que vem de si
prpria e o que vem das outras coisas e pessoas, das
regularidades do ambiente
e da imposio do meio social. Na interao com outras crianas e
adultos, a
criana conseguir perceber e interiorizar as primeiras regras que
lhe so
impostas, adentrando o segundo estgio de conscincia das
regras.
A fase da moralidade heternoma est baseada na coao realizada
por
adultos e crianas mais velhas. Assim, as regras que comeam a ser
conhecidas
(inicialmente a criana s utiliza para si prpria suas novas
descobertas) so
aplicadas com flexibilidade pela criana pequena, pois esto
resguardadas pela
autoridade adulta. No entanto, imitadas ou inventadas,
repetem-se atingindo, em
algum momento, a concordncia tanto do sujeito quanto do meio.
Desde ento, as
-
26
regras so acompanhadas de um sentimento de obrigao e praticadas
com o
status de sagradas, intocveis e imutveis.
Tais regras externas, que paulatinamente esto sendo
internalizadas pela
criana, alm de serem impostas pela coao, so-no pelo respeito
unilateral de
autoridade e de prestgio (Piaget, 1932/1994; Freitas, 1999).
Assim, o respeito
unilateral caracterizado pelo temor do castigo e pelo receio da
perda de amor da
pessoa que personifica a autoridade. Quanto a isso, Alencar
(2003) destaca que o
medo sobressai ao amor e, quando o sujeito sinaliza algo a
respeito desse
sentimento, porque as regras so causadas pelo amor do outro.
Observa-se, concomitantemente fase de heteronomia, o apego
ao
realismo moral. Este se refere a uma realidade (com deveres e os
valores a ela
relacionados) que obrigatoriamente deve ser preservada
independentemente da
conscincia e das circunstncias que envolvem o sujeito. Tal
realismo moral
acarreta, por sua vez, uma concepo objetiva sobre os atos, ou
seja, a atribuio
da chamada responsabilidade objetiva que se caracteriza por um
juzo que no
considera a motivao e a relao que levou prtica de determinada
ao
danosa. Alencar (2003) destaca que a responsabilidade objetiva
ainda tem
relao direta com a qualidade ou quantidade do dano causado ou de
qualquer
outra transgresso.
Assim, o reconhecimento e a prtica cotidiana das regras e
convenes
sociais promovem a modificao do status de obrigatoriedade e
eternidade delas
para tornarem-se essenciais a ttulo de regulamentar as relaes
entre os sujeitos
(Freitas, 1999). A frequncia de repetio faz que a regra seja
legitimada no
mais como uma lei exterior, mas como resultado de uma livre
deciso e como
-
27
digna de respeito medida que mutuamente consentida (Piaget,
1932/1994, p.
60).
Por sua vez, essa mudana de posio e de relao com a regra (de
extrnseca para a interioridade do sujeito) fruto de uma construo
progressiva e
autnoma, passvel de modificaes e adaptaes segundo as
necessidades e
disposies do grupo no qual o sujeito se insere. Por conseguinte,
inaugura-se a
possibilidade de acordos, de construo e elaborao conjunta, de
trocas e
variaes, isto , articulaes prprias do exerccio cooperativo. Tal
perspectiva
origina a entrada na fase da moral autnoma porque o sujeito
legisla sobre sua
conduta, assim como sobre a dos demais, pois compartilha posio
igualitria
com seus pares.
A igualdade de condio prpria de uma relao baseada na
cooperao
(Freitas, 1999; Piaget, 1932/1994; Menin, 2013). Essa atuao em
um novo
papel possui caractersticas apropriadas para possibilitar a
construo do
respeito mtuo em substituio ao respeito unilateral que at ento
regularizava a
interao do sujeito com as outras pessoas. No entanto, Alencar
(2003, citando
Piaget, 1932/1994) adverte que o respeito mtuo e a cooperao
plena nunca se
verificam completamente no sujeito, mantendo-se enquanto status
utpico. Por
outro lado, essa perspectiva til para entendermos a disposio com
que se
orienta o respeito quando no s fundamentado na coao e
obedincia.
Sobre isso, Piaget e Inhelder (1966/1998) afirmam que o respeito
mtuo e
a reciprocidade provocam uma espcie de produto, que o sentimento
de justia,
Piaget (1932/1994) considerou a noo de justia como a mais
racional sem
dvida de todas as noes morais, que parece resultar diretamente
da
-
28
cooperao (p.156). Ainda sobre a noo de justia, Piaget
(1932/1994) verificou
quatro diferentes concepes, a saber: justia imanente, justia
retributiva, justia
distributiva e justia por equidade. Em um primeiro momento, as
crianas
apresentam a crena de que as coisas promovem punies automticas,
quase
como reflexos, e com forte carga de realismo moral e
responsabilidade objetiva, o
que plausvel porque se atribuem caractersticas humanas aos
objetos
(animismo, artificialismo). Em seguida, considerado (at
aproximadamente os 8
anos de idade) justo o que est convencionado pela autoridade.
Sucede-se uma
concepo em que o sentimento de igualdade comea a suplantar a
autoridade e
vigora at os 1011 anos. A quarta concepo pode ter incio por
volta dos 11
anos de idade e caracteriza-se pela manifestao da justia por
meio do
sentimento de equidade, que exercita a igualdade levando em
considerao as
diferenas entre as pessoas e a proporcionalidade das aes.
Similarmente a esse processo, o autor observou o desenvolvimento
da
noo de mentira. Inicialmente, o erro involuntrio encontra-se
associado ao ato
intencional, de modo que a criana at os 7 anos tende a
considerar ambos como
mentira e a julgar o ato segundo as consequncias que provoca.
Nessa fase, a
criana tambm associa a mentira aos palavres, por ver os adultos
recriminarem
as grosserias, como eles fazem com as palavras falsas. Em um
segundo
momento, a mentira torna-se to maior quanto maior a distncia da
realidade.
Ento, a mentira somente superada pelo entendimento de que to
mais grave
quanto mais se conseguiu enganar, quebrando a prtica do respeito
mtuo e da
reciprocidade.
-
29
Conforme foi exposto acima, Piaget (1932/1994) investigou
aspectos
relacionados ao juzo moral por meio de um mtodo baseado em
interrogatrio,
proposto ao longo do referido livro. Discute tambm que o juzo
moral do
indivduo, a que se tem acesso pelas histrias e perguntas,
relaciona-se ao juzo
verbal sem se opor ao juzo efetivo. Assim, o autor no descarta
que
ocasionalmente o juzo verbal esteja atrasado em relao ao juzo
ou
pensamento ativo, este ltimo relacionado ao juzo atingido em
razo de
vivncias cotidianas anteriores. Isso porque o autor considera
que o
desenvolvimento do juzo moral se d pelo processo de tomada de
conscincia
progressiva no qual converge para reconstrues de fatos concretos
no plano do
pensamento.
Entretanto, no descreveremos os processos ligados ao
desenvolvimento
dos diferentes tipos de respeito, as concepes de roubo, os tipos
de sano e
suas intensidades - por exemplo, entre os demais aspectos da
moralidade
humana discutidos por Piaget (1932/1994, 1964/1978) e Menin
(2013) para no
tornar o texto exaustivo. Por outro lado, trataremos de destacar
trs pontos
fundamentais na perspectiva piagetiana sobre a moralidade: (1) o
autor descreve
o decurso de mudanas observadas nas crianas de diferentes idades
em direo
a autonomia, porm esclarece que comum observar adultos que se
mantm
com juzo arraigado moral heternoma; (2) o comeo da formao da
moralidade se d pela fase de heteronomia e, ainda que ela seja
imposta e
reforada pelas normas dos diferentes grupos sociais em que o
sujeito tenha
pertencimento, considerada como produto da interao do indivduo
com o
meio, semelhantemente como o referido terico prope o
desenvolvimento da
-
30
cognio; (3) como a moralidade rene conjunto de valores e
sentimentos morais,
o autor observou que o entendimento, ou seja, a concepo de um
determinado
aspecto moral, no necessariamente est desenvolvido em harmonia e
no mesmo
estgio de outro aspecto.
1.1.1. ESTUDOS BRASILEIROS CONTEMPORNEOS SOBRE MORALIDADE
INFANTIL
Dentre os vrios estudos sobre diferentes aspectos do juzo,
valores ou
virtudes morais, podemos destacar os que seguem justia
(Dell'Aglio & Hutz,
2001; Menin, Bataglia & Moro, 2013; Sales, 2000; Sampaio,
Camino & Roazzi,
2007; Trevisol, Rhoden & Hoffelder, 2009); regras (Caiado,
2012; Dias e Harris,
1990; Ferraz, 1997); influncia do ambiente (Arajo, 1993;
Kliemann, Damke,
Gonalves & Szymansky, 2008); trapaa (Pessotti, Ortega &
Alencar, 2011);
roubo (Martins, 1997); roubo e mentira diante da fidelidade
(Silva, 2004); culpa
(Loos, Ferreira & Vasconcelos, 1999); generosidade (La
Taille, 2006; Vale e
Alencar, 2008); perdo (Abreu, Moreira & Rique, 2011); e
solidariedade
(Tognetta & Assis, 2006).
Sales (2000) utilizou uma situao hipottica de distribuio de
recompensa (com duas histrias) para investigar o conceito de
justia distributiva
e noes de certo e errado. Participaram do estudo 90 crianas e
adolescentes,
com idade entre 9 e 14 anos, estudantes de terceira, quinta e
stima sries do
ensino fundamental de escola pblica. Os resultados encontrados
revelaram que
a maior parte dos participantes (e principalmente os mais novos)
respondeu s
perguntas realizadas em conformidade com as regras sociais e
julgou as aes
dos personagens das histrias baseando-se nas consequncias dos
atos. Por
-
31
outro lado, um maior nmero de participantes, de maior
escolarizao, considerou
as intenes dos personagens. A autora concluiu que foi possvel
observar um
desenvolvimento progressivo da heteronomia para a autonomia,
concomitantemente com evoluo na utilizao dos princpios de
justia
distributiva e dos conceitos de certo e errado referentes s
normas escolares.
Com o intuito de pesquisarem o uso de princpios de justia
distributiva,
Dell'Aglio e Hutz (2001) utilizaram como instrumento quatro
mini-histrias que
eram acompanhadas de desenhos e que apresentavam diferentes
condies de
desempenho entre dois personagens em situaes hipotticas de
distribuio de
recompensa. Os autores entrevistaram individualmente 240 crianas
na faixa
etria de 5 a 6 anos, 220 de 9 a 10 anos, e 220 adolescentes de
13 a 14 anos,
totalizando 680 participantes divididos igualmente quanto ao
sexo. Os resultados
mostraram que o grupo das crianas mais novas utilizou
predominantemente
regras de autoridade (95,3%) na utilizao dos princpios
distributivos. Por outro
lado, a maior parte do grupo de participantes de 9 a 10 anos,
utilizaram regras de
igualdade para operar a distribuio de recompensa aos
personagens. Por fim, a
maior parte dos adolescentes fez uso de regras de equidade. Os
autores
concluem que os resultados evidenciaram uma sequncia evolutiva
de trs nveis
no desenvolvimento da justia distributiva e que eles esto em
concordncia com
o modelo piagetiano de juzo moral.
A justia distributiva tambm foi investigada por Sampaio, Camino
e Roazzi
(2007), mas com objetivo principal de pesquisar os tipos de
justia utilizados por
crianas de diferentes faixas etrias. Os participantes do estudo
foram 120
estudantes, de ambos os sexos, de duas escolas particulares e
nas seguintes
-
32
faixas etrias: 5 a 6 anos, 7 a 8 anos e 9 a 10 anos de idade. O
instrumento
utilizado foi um dilema que continha quatro histrias (com
variaes de
caractersticas dos personagens), nas quais dois personagens
tinham que decidir
dar ou no mais blocos de brinquedo a outro que chegava
posteriormente ao local
reservado para brincadeiras. Os resultados revelaram que no
houve diferena
estatisticamente significativa quanto ao sexo e idade dos
participantes diante da
frequncia de respostas de conceder ou no o brinquedo ao terceiro
personagem.
Os participantes utilizaram diferentes justificativas para
compartilhar ou no o
brinquedo com o personagem atrasado, e as crianas mais novas
foram capazes
de construir argumentos com base na importncia da cooperao e
da
reciprocidade, o que seria esperado apenas para as crianas mais
velhas. Os
autores concluem que no foi constatada a existncia de estgios
de
desenvolvimento moral delimitados e as crianas foram capazes de
incorporar
informaes contextuais aos seus julgamentos morais sobre justia
distributiva.
Trevisol, Rhoden e Hoffelder (2009) investigaram a compreenso
da
justia por meio de uma fbula (histria de uma galinha que
solicita auxlio de
outros animais para o cultivo de trigo, no entanto os outros
animais querem
desfrutar o po, mesmo no tendo ajudado a amiga galinha, que se
recusa a
compartilhar o alimento) com 14 crianas na faixa etria entre 6 e
7 anos,
estudantes de uma escola pblica. A coleta de dados foi realizada
em dois
momentos: primeiramente, a fbula era contada e, em seguida, uma
entrevista
semiestruturada realizada. Os resultados foram estes: a maioria
(dez) dos
participantes optou pela justia retributiva, pois, considerou
justa a atitude final da
galinha (comer o po todo sozinha); os demais (quatro) optaram
pela diviso do
-
33
alimento, considerando a possibilidade do perdo. Quando
perguntados sobre
como se podem ser justo, os participantes demonstraram forte
presena de
respeito unilateral e coao adulta porque se dividiram entre os
seguintes
julgamentos: quatro declararam dividir as coisas, trs no brigar,
dois obedecer,
dois no souberam responder, um respeitar as pessoas, outro
brincar e um outro
fazer a tarefa escolar. Aos discutirem os resultados, os autores
concluem que a
justia expiatria foi observada nos participantes que se
encontravam sob forte
presena de uma moral heternoma.
Menin, Bataglia e Moro (2013) publicaram uma investigao sobre
a
adeso ao valor da justia. Para tanto, aplicaram questionrio que
continham
histrias na forma de situao-problema com cenas compatveis com o
cotidiano
de crianas e jovens e questes que envolviam justia distributiva,
retributiva e
comutativa (nove itens para o grupo de participantes mais novos
e 18 para o de
mais velhos). As alternativas oferecidas no questionrio foram
construdas em
nveis crescentes de descentrao de perspectiva social inspirados
na teoria de
Kohlberg (abordagem construtivista em que os nveis demonstram o
modo como
se adere a favor ou contra um valor) e contemplavam trs
possibilidades
favorveis ao valor investigado e duas contrrias a ele.
Participaram da pesquisa
111 crianas de 10 a 13 anos e 121 adolescentes de 14 a 17 anos,
oriundos de
escolas pblicas e particulares da cidade de So Paulo.
Os resultados revelaram que os participantes mais velhos
obtiveram 70%
ou mais de respostas consideradas corretas (alternativa P3
pr-valor de nvel 3)
em dez dos 18 itens e que os participantes mais novos obtiveram
o mesmo
percentual em trs dos nove itens. Os autores concluem que esse
fato evidenciou
-
34
uma progresso na escolha das respostas em relao aos nveis entre
crianas e
adolescentes.
Dias e Harris (1990) realizaram uma pesquisa sobre domnio moral
de
regras que envolviam nove problemas silogsticos com os seguintes
contedos:
trs violavam regras morais, trs violavam regras convencionais e
trs violavam
regularidades factuais. Para tanto, participaram 100 crianas de
5 anos de idade
divididas em trs diferentes grupos, a saber: 40 crianas eram de
classe de
alfabetizao de uma escola de primeiro grau de Recife; 20 de
classe de
alfabetizao de uma escola de primeiro grau da Inglaterra; e 40
de um orfanato
na cidade de Recife.
Alm disso, os participantes foram subdivididos em grupo verbal
(GV) e
grupo de brincadeira (GB), uma vez que a apresentao de
brincadeira de faz de
conta foi usada para induzir as crianas a criar um mundo
independente, onde os
eventos sucedessem diferentemente daqueles do mundo emprico
(para facilitar a
ocorrncia de raciocnio dedutivo com base em premissas contrrias
aos fatos).
Os resultados mostraram que o contexto de brincadeira favoreceu
o desempenho
dos estudantes da classe de alfabetizao das crianas inglesas e
brasileiras; as
crianas de orfanatos raciocinaram similarmente em ambos os
contextos; em
nenhuma dos trs grupos de participantes houve distino entre
regras morais e
convencionais. Em face disso, os autores discutem que os
resultados foram
semelhantes aos encontrados por uma investigao de Turiel
(realizada em 1983)
e que o contedo dos problemas se relacionou com a experincia dos
sujeitos.
J com o intuito de identificar os nveis de desenvolvimento da
noo das
regras que compem o jogo de futebol, Ferraz (1997) observou a
prtica do
-
35
futebol em 40 crianas e adolescentes (estudantes de diferentes
escolas pblicas
e particulares), com idades entre 4 e 19 anos, divididos por
faixa etria em cinco
diferentes grupos contendo oito participantes. Alm de observarem
a prtica do
jogo, os participantes foram entrevistados aos pares, por meio
do mtodo clnico
piagetiano, sobre a origem e uso das regras do jogo e sobre
caractersticas
relacionadas ao bom jogador. Os resultados possibilitaram a
identificao de uma
sequncia evolutiva de desenvolvimento das regras em paralelo aos
diferentes
tipos de jogos (exerccio, egocntrico, codificao de regras).
Caiado (2012) investigou diferentes formas de interao com a
regra em
distintos contextos de jogos. Para tanto, participaram dessa
pesquisa 64 crianas
com idades entre 7 e 8 anos, divididas em 14 grupos. O
procedimento da
pesquisa foi o seguinte: (1) cada participante passou por trs
diferentes contextos
de jogos de regras (jogo Ludo, jogo Uno e jogo acordado entre
participantes) e (2)
em seguida, uma entrevista clnica serviu para serem contados
quatro dilemas
hipotticos em formato de estrias-dilema (relacionadas
responsabilidade
objetiva/subjetiva; justia retributiva/distributiva; sano;
mentira) como contexto
hipottico sobre regras. Os dados foram apresentados e discutidos
por meio de
categorizao de aes realizadas pelos participantes para que, em
seguida, se
realizassem trs anlises: relaes entre indicadores, relaes entre
contextos e
estudo de caso.
Vamos retratar os resultados mais gerais, aqueles referentes ao
contexto,
os quais demonstraram diferentes manifestaes de uso e compreenso
da regra
de acordo com cada contexto proposto. Na situao fechada (jogo
Ludo), os
participantes procuraram entender e cumprir a regra colocada,
alm de elaborar
-
36
estratgias para ganhar o jogo sem burl-las. Na situao
intermediria (jogo Uno
com adio de regras distintas das comumente usadas) os
participantes
demonstraram jogar bem e assumir e defender posio diante das
regras e dos
adversrios (evidncias de princpios de reciprocidade nas relaes).
Na situao
aberta (jogo acordado entre participantes), as crianas
demonstraram interpretar
as regras estipuladas e se dividiram entre compreend-las e reter
ateno para
praticar o jogo e legislar as regras. Alm disso, houve maior
correspondncia da
situao hipottica com a aberta do que com a situao fechada. A
autora conclui
que isso se deve aos aspectos interacionais e de reflexo que
somente a situao
de jogo aberto proporciona em oposio ao contexto fechado de
jogo.
Arajo (1993) investigou a influncia do ambiente escolar em 56
crianas
pr-escolares de 6 a 7 anos de idade. Para tanto, aplicou, com o
uso do Mtodo
Clnico Crtico piagetiano, oito estrias-dilema adaptadas do livro
Juzo Moral de
Piaget (1994/1932) e investigou, por meio de observaes semanais,
aspectos
morais do cotidiano escolar de alunos de trs escolas diferentes,
a saber: (1)
Escola A: pr-escola pblica, com crianas de classe socioeconmica
baixa,em
que se priorizavam relaes cooperativas; (2) Escola B: escola
particular com
crianas de classe mdia e alta, em que vigoravam relaes
autoritrias; (3)
Escola C: escola pblica com crianas de mesmo nvel socioeconmico
da escola
A, mas com relaes estabelecidas pela coao e autoridade. Os
resultados
mostraram que as 23 crianas da escola A, comparativamente s 12
crianas da
escola B e s 21 da escola C, apresentaram progresso gradativo
das trocas
sociais, com comportamentos que se relacionam com cooperao e
respeito ao
outro, comparativamente as 12 crianas da escola B e as 21 da
escola C. Da
-
37
mesma forma, as crianas da escola A apresentaram mais
comportamentos
relacionados autonomia durante as respostas s estrias-dilemas do
que os
participantes das outras duas escolas. O autor discute que o
ambiente
cooperativo encontrado na escola A favorece o desenvolvimento do
julgamento
moral em crianas, confirmando um pressuposto piagetiano no qual
o referido
trabalho foi pautado.
Kliemann, Damke, Gonalves e Szymansky (2008) realizaram um
estudo
exploratrio para observar se possvel a criana ter autonomia sem
romper
limites no ambiente escolar. Participaram da pesquisa 30 crianas
divididas
igualmente entre as faixas etrias de 3 anos, de 5 e 6 anos, e de
9 e 10 anos. Os
resultados revelaram que as crianas de 3 anos se encontravam em
fase de
anomia, mostrando-se dependentes dos adultos para
estabelecimento de
disciplina, atividades diversas (inclusive brincadeiras) e
cuidados pessoais; j as
crianas de 5 e 6 anos tambm dependiam dos adultos, mas, quando
se
organizavam sozinhas, demonstravam necessidade de incluso de
regras nas
atividades; e os participantes mais velhos mostravam
caractersticas autnomas
nas atividades escolares. Os autores concluem que os resultados
confirmaram a
perspectiva terica piagetiana do processo de desenvolvimento
moral em fases
de cumprimento de normas e realizao de jogos que envolvem
variadas regras.
Pessotti, Ortega e Alencar (2011) investigaram o juzo moral
sobre a
trapaa em uma situao de jogos de regras com base em uma
perspectiva
psicogentica. Para isso, entrevistaram 40 crianas estudantes de
escolas
particulares, divididas igualmente quanto idade e ao sexo, em
dois grupos com
idades de 5 e 10 anos, distribudas igualmente de acordo com a
idade e o sexo.
-
38
Os instrumentos utilizados foram uma histria e um roteiro de
entrevista que
envolvia uma situao de trapaa no jogo da Velha. Os resultados
mostraram que
a totalidade dos participantes declarou que a atitude de
trapacear estava errada.
As justificativas dadas pela maior parte dos participantes
menores foram
baseadas em argumentos circulares (categoria de repostas tais
como: no sei,
porque sim, porque no pode, entre outras), enquanto os
participantes de 10
anos, em maior quantidade, declararam que a ao do personagem
desobedecia
s regras do jogo. Os autores concluem que crianas j demonstram o
julgamento
da trapaa como algo errado e que associam suas concepes a outros
aspectos
morais tambm conhecidos, tais como o roubo e a mentira.
Pesquisando sobre o julgamento moral sobre o roubo, Martins
(1997)
utilizou uma histria de um pequeno roubo (adaptada de Piaget,
1932/1994) e
perguntas sobre ela mesma com 80 crianas na faixa etria de 5 a 6
anos,
estudantes de duas pr-escolas (uma pblica em bairro de classe
mdia baixa e
outra particular sendo de cooperativa entre pais). Os resultados
mostraram que
todos os participantes tm noo da norma de que o roubo est
associado a algo
errado. Desse modo, justificaram suas respostas por meio de
cinco tipos de
argumentos: 1 regra simples (ligada ao costume social); 2
respostas
estereotpicas ( feio); 3 para evitar punio (seno vai para a
cadeia); 4
apelo religio ( pecado); 5 indiferenciadas (no pode). O autor
observou
que os participantes da escola cooperativa tiveram maior
percentual (23 crianas
em comparao a 12 do outro grupo) de respostas vinculadas regra
social
(argumento tipo 1). Os participantes da escola cooperativa tambm
atriburam, em
maior porcentagem, a proibio como algo inerente ao ato de
roubar, uma vez
-
39
que 33 crianas declararam que, se a regra deixasse de existir, o
ato continuaria
errado, em comparao a 26 crianas de escola pblica. O autor
concluiu que um
contexto com indicadores de maior grau de escolaridade dos pais
e de interaes
pautadas em uma postura de respeito mtuo, como pode ser
constatado na
escola cooperativa, contribuiu para as diferenas observadas
entre os dois grupos
de participantes.
Com o propsito de observar o juzo hipottico sobre a manuteno
da
fidelidade (de compromisso verbal) confrontada aos contextos
morais de roubo e
mentira, Silva (2004) realizou uma pesquisa com 186 estudantes
de escola
pblica, de ambos os sexos. Os participantes tinham 6, 9 e 12
anos de idade e
possuam nvel socioeconmico desfavorecido. Foi realizada
entrevista individual
baseada no mtodo clnico piagetiano para aplicao de instrumento
com seis
pequenas histrias sobre dilemas morais. Tais histrias
confrontaram a fidelidade
palavra declarada (cumprimento de promessa de sigilo declarado
verbalmente)
aos dois contextos morais propostos. Aproximadamente 25% dos
participantes
apresentaram juzo com adeso promessa da palavra dada. Alm disso,
no se
verificou influncia da idade no julgamento desta fidelidade. Da
mesma forma,
no houve diferena nos julgamentos segundo o tipo de envolvimento
entre os
personagens (irmos em detrimento da relao entre amigos ou
colegas) nos dois
contextos analisados. Silva (2004) chegou as seguintes
concluses: no foi
possvel observar uma psicognese da fidelidade palavra empenhada;
os
participantes apresentaram aspectos de uma tica mais intimamente
associada
justia do que a fidelidade; as meninas foram proporcionalmente
mais fiis do que
-
40
os meninos em relao denncia do autor de uma mentira, enquanto
os
meninos foram mais favorveis honestidade e veracidade.
Loos, Ferreira e Vasconcelos (1999) verificaram diferenas na
emergncia
do sentimento de culpa de 32 meninos, na faixa etria de 6 a 12
anos, oriundos
de famlias de baixa renda da cidade do Recife. Os participantes
eram originrios
de dois grupos distintos, metade de comunidade carente e outra
metade de
instituio que atende crianas sob o risco e abandono, tambm
divididos em
duas faixas etrias: de 6 a 8 anos e de 9 a 12 anos. Utilizou-se
roteiro de
entrevista para aplicao de duas histrias ilustradas sobre
julgamento de
personagem em situao de dano acidental e intencional, bem como
uma escala
com cinco nveis de culpa para o julgamento da culpa do
personagem. Os
resultados mostraram diferena significativa do sentir culpa
entre as duas faixas
etrias (c=6,111; df=1; p=0,01), com predominncia desse
sentimento nas
crianas mais novas. Tambm constataram uma tendncia considerao
da
inteno nos participantes mais velhos (c= 0,500; df=1; p=0,47).
As autoras
concluem que o estudo revelou concepes distintas de culpa
relacionada idade
(perspectiva evolutiva), mas sem estar relacionada ao grupo de
origem.
La Taille (2006), buscando analisar o papel da generosidade no
universo
moral infantil, realizou duas pesquisas: a primeira sobre
atribuio de sentimentos
a personagens no generosos de uma estria-dilema por 30 crianas
de 6 anos e
32 crianas de 9 anos, estudantes de escola particular; a segunda
com 32
sujeitos de 6 anos e 36 crianas de 9 anos, estudantes de outra
escola particular,
mas expostas histria relacionada conduta no generosa (idntica ao
primeiro
estudo) e a uma outra referente situao de injustia. Os
resultados mostraram
-
41
que a maioria (16 e 27 participantes, respectivamente, nos
estudos 1 e 2) das
crianas de 6 anos atribui sentimentos negativos ao personagem no
generoso e
sentimentos positivos personagem no justa (23 participantes no
estudo 2).
Semelhantemente, a maioria dos participantes de 9 anos tambm
atribuiu
sentimentos negativos ao personagem no generoso
(respectivamente, 17 e 31
participantes nos estudos 1 e 2). No entanto, a maior parte
deles (20 participantes
no estudo 2) imputou sentimentos negativos personagem injusta.
Assim, os
dados mostraram que a grande maioria dos participantes, de ambas
as idades,
atriburam sentimentos negativos a quem falta com generosidade.
Por outro lado,
as crianas de 6 anos atriburam sentimentos positivos a
personagem que age
injustamente. O autor discute que a generosidade uma virtude que
se comprova
presente na gnese da moral infantil e que, por ser menos
subordinada s regras
adultas, pode se integrar-se conscincia moral infantil antes da
justia.
Ao investigarem tambm a generosidade, Vale e Alencar (2008)
estudaram
se a ausncia dessa virtude merecedora de punio em 30 estudantes
de
escola pblica, divididos igualmente quanto ao sexo, com idades
de 7, 10 e 13
anos. Foram utilizados como instrumentos uma estria-dilema sobre
a ausncia
de generosidade e perguntas que foram feitas em entrevista
individual. Os
resultados mostraram que a maioria dos participantes (22)
preferiu o dilogo
(repreenso) ao invs de algum tipo de punio, a fim de se lidar
com a falta de
generosidade. Constatou-se tambm o aumento da porcentagem dessa
escolha
em razo da idade (4, 8 e 10 ocorrncias, respectivamente, nos
participantes de
7, 10 e 13 anos). Alm disso, o participante mais novo, que no
optou por
nenhum tipo de punio, diferenciou a ausncia de generosidade de
outras
-
42
transgresses nas quais se aplica algum tipo de castigo, mas
apenas quatro
participantes de 10 anos e oito de 13 anos declararam
caractersticas de
especificidade dessa virtude. As autoras concluem que a
generosidade faz parte
do universo moral dos participantes e que ela esperada e
admirada, ao passo
que sua falta merece reprovao em vez de punio.
Abreu, Moreira e Rique (2011) verificaram o pensamento do
perdo
interpessoal e as condies para que o perdo ocorra por meio do
Dilema de
Joo, que uma adaptao do Dilema de Heinz, que contm um livro de
gravuras
e uma entrevista semiestruturada com 12 questes. Alm disso,
avaliaram a
capacidade de role-taking (capacidade de se colocar no lugar do
outro e entender
que o outro tem pensamentos, desejos e comportamentos diferentes
do seu).
Para isso entrevistaram 20 crianas com idades entre 6 a 8 anos,
de ambos os
sexos, estudantes de escola pblica e de uma instituio de
educao
complementar com orientao religiosa ecumnica. Os resultados
evidenciaram
integralidade da capacidade de role-taking nos participantes,
porm somente oito
crianas souberam definir o sentimento de perdo e decidir se o
personagem
central (Joo) deveria perdoar ou no o personagem que o magoou
(sete deles
decidiram perdoar em diferentes graus). Alm disso, a passagem do
tempo e o
perdo foram vistos como estratgia para diminuir a raiva ou como
uma
consequncia natural da diminuio da raiva. J a concesso de perdo
foi
associada a pedir desculpas, voltar a brincar, reparar o erro
cometido, e sentir
presso social de amigos e da religio. Os autores concluem que a
capacidade de
role-taking no envolve o conhecimento de formas de soluo para
dilemas
relacionados justia e ao perdo.
-
43
Tognetta e Assis (2006) desenvolveram um estudo a fim de
investigar o
julgamento infantil acerca da solidariedade em ambiente escolar.
Participaram da
pesquisa 46 estudantes de ensino pblico e com nvel socioeconmico
baixo. Os
participantes situavam-se na faixa etria de 6 a 7 anos de idade
e foram
igualmente divididos quanto ao sexo. Alm disso, metade da
amostra estudava
em uma escola baseada em relaes autoritrias (escola A), e a
outra metade
oriunda de uma instituio em que seus professores aplicam um
programa de
educao infantil, baseado em pressupostos piagetianos (escola B).
Os
instrumentos utilizados foram provas de diagnstico do
comportamento operatrio
sobre as noes de conservao de quantidades discretas, de lquido e
da
massa, e de classificao e seriao; ficha de observao das
relaes
interpessoais entre professores e alunos; e quatro dilemas
morais criados e
adaptados, divididos em dois blocos, a fim de constatar o
julgamento da
solidariedade entre pares e na presena da autoridade.
Os resultados dos participantes da escola A revelaram que, (1)
quanto s
provas de diagnstico de comportamento operatrio se constatou,
30,43% se
encontravam no estgio pr-operatrio e 69,57% em transio entre os
estgios
pr-operatrio e operatrio; (2) quanto s fichas de caracterizao de
ambiente, a
escola A recebeu 76 pontos, caracterizando-se como ambiente
coercitivo,
pautado em relaes unilaterais; (3) quanto s estrias-dilema,
76,19% dos
participantes no souberam responder ao primeiro dilema, enquanto
92,86%
dessas crianas no apresentaram solidariedade no terceiro dilema
que, assim
como o primeiro envolvia uma situao de solidariedade entre
pares. Os dados
tambm mostraram que 71,43% das respostas dos participantes
optaram pela
-
44
ausncia de solidariedade para no se opor autoridade, porm 28,54%
das
crianas apresentaram solues que no desobedeciam ordem paterna,
mas
capazes de executar a ao solidria diante da segunda
estria-dilema. Por outro
lado, 75,86% dos participantes no optaram pela prtica da ao
solidria pela
obedincia ordem adulta.
J os resultados dos participantes da escola B foram os
seguintes: (1)
56,52% dos participantes apresentavam diferentes nveis de
transio entre os
estgios pr-operatrio e operatrio e 43,48% j demonstravam
pensamento
reversvel quanto s provas de diagnstico de comportamento
operatrio; (2)
quanto s fichas de caracterizao de ambiente a escola B recebeu
162 pontos,
caracterizando-se como ambiente cooperativo, regulado por relaes
de
cooperao e respeito mtuo; (3) 23,81% dos participantes no
souberam
responder ao primeiro dilema que envolvia solidariedade entre
pares, enquanto
7,14% deles no apresentaram solidariedade no julgamento sobre o
terceiro
dilema.
Quanto ao segundo dilema, que investigava a solidariedade diante
do
enfrentamento autoridade, Tognetta e Assis (2006) constataram
que 28,57%
dos sujeitos no enfrentaram a autoridade, 34,04% tentariam ser
solidrios sem
desobedecer autoridade paterna e 12 respostas indicaram crena de
confiana
na relao com a autoridade, independentemente da quebra do
contrato. J no
quarto dilema, 24,41% dos participantes no optaram pela prtica
da ao
solidria pela sujeio ordem. Portanto, as autoras concluem que h
uma
perspectiva evolutiva na disposio dos sujeitos para serem
solidrios e que essa
condio est ligada a experincias significativas de reciprocidade
e respeito
-
45
mtuo (escola B). Da mesma forma, apontam que o desenvolvimento
de
estruturas cognitivas e de aspectos afetivos no ambiente escolar
fomenta a
construo de aspectos morais, tais como a solidariedade na
infncia.
Dando sequncia ao embasamento terico de nosso trabalho
trataremos, a
seguir, de aspectos do desenvolvimento cognitivo.
1.2. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO A TEORIA DE JEAN
PIAGET
O legado terico de Jean Piaget em sua Psicologia e
Epistemologia
Genticas foi incansavelmente buscar e descrever como o sujeito
processa seu
conhecimento e desenvolve estruturas logicamente mais
organizadas nos
aspectos motor-intelectual e afetivo nas dimenses
intraindividual e interindividual
(1964/1978, 1970/2002). Para tanto, investigou como o sujeito
interage com as
diversas coisas (outras pessoas, ideias, objetos materiais de
todas as ordens) que
esto no mundo que o cerca, ou seja, com os variados objetos a
fim de construir
seu conhecimento e procurar equilbrios sucessivos de suas
estruturas lgicas de
pensamento. A pesquisa desse processo originou o conceito de
equilibrao que,
por sua vez, abarca outros dois conceitos piagetianos
fundamentais, j que
complementares, irredutveis e indissociveis (Macedo em Piaget,
1980/1996, p.
8), a saber: assimilao e acomodao.
A assimilao entendida como incorporao do objeto aos esquemas
e
estrutura mental; a acomodao aparece na teoria como uma
atividade capaz de
diferenciar um esquema a fim de vencer as resistncias que se
interpem entre o
sujeito e o objeto para, assim, ascender assimilao. O autor
afirma que a
-
46
equilibrao uma das fontes do progresso no desenvolvimento
dos
conhecimentos (e) deve ser procurada nos desequilbrios como
tais, que por si s
obrigam um sujeito a ultrapassar seu estado atual e a procurar o
que quer que
seja em direes novas (Piaget, 1976, p.18).
nesse sentido que o terico anunciou que o conhecimento no est
nem
no sujeito, nem no objeto, mas como possibilidade de construo
para esse
sujeito que age em busca do conhecimento (Macedo, 1980), tal
como enfatiza na
introduo de um de seus livros sobre epistemologia gentica:
o conhecimento no pode ser concebido como algo predeterminado
nem nas estruturas internas do sujeito, porquanto estas resultam de
uma construo efetivas e contnua, nem nas caractersticas
preexistentes do objeto, uma vez que elas s so conhecidas graas
mediao necessria dessas estruturas, e que estas, ao enquadr-las,
enriquecem-nas (Piaget, 1970/2002, p. 1).
A assimilao inicia-se nos atos reflexos do beb, mas logo se
aprimora
pelas assimilaes reprodutivas (reaes circulares primrias,
secundrias e
tercirias) e pela constituio de novos esquemas motores, os
quais, por sua vez,
integram estruturas que podem organizar-se cada vez mais e
apresentar
equilbrios que no se fecham em si mesmos, porque podem servir de
base para
o estabelecimento de novas estruturas com coordenao e
funcionalidade mais
organizadas, pois, no h nem comeo absoluto nem uma estrutura
terminal
(Piaget, 1964/1978, 1970/2002, 1976; Piaget, Beth & Mays,
1957/1974).
Ramozzi-Chiarottino (1988) adverte que, para superar uma
possvel
dicotomia entre sujeito e objeto, Piaget defendeu que as
estruturas mentais so
orgnicas porque esto a priori no sujeito, mas seu aperfeioamento
e construo
-
47
ocorrem pelas diferenciaes progressivas que a interao do sujeito
com o meio
incita.
Nesse sentido, considera-se que uma estrutura mental pode ser
inferida,
visto que caracteriza o domnio de certo comportamento
(capacidade de
apresentar certa conduta). Quanto a isso, Piaget (1972) afirmou
que as estruturas
do conhecimento esto relacionadas como o desenvolvimento e que
so
observadas por perodos especficos e distintos, denominados de
estdios sobre
os quais o entendimento constri e coordena modos peculiares de
se relacionar
(entender e agir) com o mundo. Fica claro, portanto, que as
estruturas mentais
sofrem variaes e so construdas com base em desequilbrios que
se
interpem. O equilbrio e o desequilbrio, tambm pares dialticos do
conceito de
equilibrao na teoria piagetiana, fazem parte de um processo
funcional que
engloba a(s) estrutura(s), visando organizao e coordenao da
experincia.
Piaget (1972) aponta quatro fatores envolvidos na promoo do
desenvolvimento (construo de uma estrutura mais desenvolvida) e
dos estdios
de desenvolvimento cognitivo por ele descritos, so eles:
maturao, experincia,
transmisso social e equilibrao. Sobre a maturao o autor
evidencia que se
trata de pr-condio biolgica vinculada s possibilidades e condies
de
amadurecimento do sistema nervoso que possibilitam ao sujeito
interagir com o
meio. Quanto experincia, o autor observa que por meio dela que
se pode
construir o conhecimento em suas vertentes fsica, social e
lgico-matemtica.
Apesar disso, a coordenao das aes do sujeito desempenha
papel
fundamental para vencer obstculos que a prpria experincia lhe
apresenta. Esta
deixa de ser necessria e d lugar operao e construo de
estruturas
-
48
abstratas. O fator de transmisso social valioso em virtude de
sua condio de
prover a difuso do conhecimento, facilitado pelas trocas
verbais, mas por si s
no capaz de promover a construo de estruturas lgicas que a
prpria
linguagem possui e necessita para cumprir sua funo aceleradora
da aquisio
do conhecimento.
Por fim, os trs fatores citados necessitam da autorregulao, a
qual
realizada pelo quarto e ltimo fator. A autorregulao ou
equilibrao ocupa papel
central na teoria de Piaget, pois integra o que externo ao
sujeito (experincia e
transmisso social) ao que lhe interno (fator maturao, enquanto
esquemas
hereditrios e funcionamento peculiar), evidenciando esquemas e
estruturas
anteriores que se modificam medida que assimilao e acomodao
engendram
processos de antecipao e retroaes que levam a progressos do
desenvolvimento.
H um fator no mencionado por Piaget na obra de 1972, mas est
presente em trabalhos anteriores fazendo parte do conceito de
equilibrao, que
a afetividade (sentimentos, emoes, tendncias e vontade).
Encontramo-lo em
Piaget (1954/2005) e em Piaget e Inhelder (1966/1998) quando
interpem a
afetividade como elemento energtico que intervm na regulao da
conduta,
influenciando a busca constante pelo conhecimento, seja por
provoc-la, seja por
impedi-la (Macedo, 1980). Os autores analisam que os aspectos
afetivos e
cognitivos da conduta so inseparveis e irredutveis, mesmo quando
no esto
sendo levados em considerao reciprocamente.
Ainda sobre a equilibrao, Piaget (1972) ressalta que utiliza
esse termo
-
49
no sentido em que ele usado na ciberntica, isto , no sentido de
processos com retroalimentao (feedback e feedforward), de processos
que se regulam a si prprios mediante uma compensao progressiva dos
sistemas. Este processo de equilibrao toma a forma de uma sucesso
de nveis de equilbrio, de nveis que tem uma certa probabilidade que
chamarei de probabilidade sequencial, isto , as probabilidades no
so estabelecidas a priori. H uma sequncia de nveis. No possvel
alcanar o segundo nvel a no ser que o equilbrio tenha sido alcanado
no primeiro nvel, e o equilbrio do terceiro nvel s se torna possvel
quando o equilbrio do segundo nvel tenha sido alcanado, e assim por
diante. Isto , cada nvel determinado como o mais provvel, dado que
o nvel precedente tenha sido alcanado. No o mais provvel no incio,
mas o mais provvel uma vez que o nvel precedente tenha sido
atingido (Piaget, 19722).
Portanto, devido ao recproca desses quatro (ou cinco) fatores,
os
estdios de desenvolvimento cognitivo ocorrem de forma mais lenta
ou acelerada;
mais coesa ou com defasagens; apresentando mudanas
quantitativas
(crescimento) ou atingindo as qualitativas (desenvolvimento). No
entanto, a
Epistemologia Gentica piagetiana (Piaget, 1970/2002; Piaget,
Beth & Mays,
1957/1974) ao descrever o sujeito epistmico mostrou que a
ocorrncia dessa
evoluo invariante, pois se d mediante quatro grandes perodos
ordenados,
com aspectos comuns e acumulativos, mas com apario de estruturas
originais
que permitem a distino entre eles. Esses perodos foram
estabelecidos com
base nas investigaes realizadas pelo autor e sua equipe de
colaboradores
(1926/1993, 1947/1983), sendo denominados sensrio-motor,
pr-operacional,
operacional concreto e das operaes formais. Alm disso, Piaget
considerou os
seguintes parmetros para estabelecer os estdios: (1) as aquisies
devem
seguir uma ordem constante, pois uma caracterstica, capacidade
ou estrutura
2 Informamos que no temos paginao precisa deste texto, pois
obtivemos o trabalho (captulo
escrito por Piaget em livro organizado por outros autores) por
meio de traduo fornecida na internet, conforme consta no captulo de
referncias bibliogrficas.
-
50
no aparecero antes de outra que fora observada em vrias crianas;
(2) os
perodos possuem o carter de integrar estruturas construdas
anteriormente s
estruturas do novo estdio; (3) os perodos so caracterizados por
estruturas em
conjunto prprias de cada estdio; (4) cada perodo contm um nvel
inicial,
denominado de nvel de preparao e um final denominado de
terminao; (5) os
processos de gnese e equilbrio (parcial) necessitam de distino
entre os
perodos, pois aquisies posteriores podem influenciar
simultaneamente mais de
um estdio (sobreposies diversas e com alcances distintos) e
produzir formas
divergentes de estabilidade (Dolle, 1974/1995).
1.2.1. ESTDIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
O perodo sensrio-motor fora assim denominado por Piaget por
ser
predominantemente provido de uma inteligncia prtica que faz uso
de aparatos
sensoriais e motores para construir esquemas e estruturas desde
os reflexos
iniciais (1947/1983, 1964/1978, 1970/2002). Constitui, portanto,
uma etapa pr-
verbal que ocorre, em mdia, do nascimento aos dois primeiros
anos de vida.
Essa inteligncia prtica considerada como o cerne do progresso da
inteligncia
que se desenrolar ao longo da vida do sujeito (Piaget,
1926/1993, 1947/1983,
1949/1976).
Piaget (1970/2002) adverte que, neste momento, existe uma
indiferenciao entre o sujeito e os objetos com que se
relaciona,
a ponto de o primeiro no se conhecer como origem de suas aes,
por que centram-se estas no prprio corpo, quando a ateno est fixada
no exterior. (...) Segue-se ento uma falta de diferenciao, pois o
sujeito s se afirmar quando, posteriormente, coordenar livremente
suas aes e o
-
51
objeto s se constituir ao submeter-se ou ao resistir s
coordenaes de movimentos ou de posies num sistema coerente. Por
outro lado, como cada ao ainda forma um todo isolvel, sua nica
referncia comum e constante s pode ser o prprio corpo, da uma
centrao automtica sobre ele, embora nem deliberada nem consciente.
(p. 10)
Por conseguinte, neste perodo so as coordenaes graduais que
formam
ligaes por meio de assimilaes recprocas, capazes de unir aes at
ento
separadas, para estabelecer o sujeito como fonte das aes com
condutas
inteligentes. Da mesma forma, a coordenao das aes possibilita
coordenar os
deslocamentos a que so submetidos os objetos. Estes, por sua
vez, possibilitam
conferir posies e relaes espao-temporais que apresentam
constncia, mas
tambm espacializao e objetivao das relaes causais entre sujeito
e objeto.
Tanto que essa diferenciao promove a constituio de uma
perspectiva do
sujeito enquanto objeto entre os demais com que troca relaes. O
autor conclui
que ao se chegar ao mximo da descentrao de si e das coordenaes
de
ordem espao-temporal e causal torna-se possvel ao sujeito chegar
capacidade
representativa e, portanto, ao pensamento (Piaget, 1970/2002)
sem, contudo criar
conceitos. Sendo assim, esperado o desenvolvimento das seguintes
noes
nesse perodo: objeto permanente; de espao, tempo e
causalidade.
O conhecimento prtico ainda utilizado para originar estruturas
e
esquemas que usam a funo simblica (representao e linguagem) no
perodo
pr-operatrio. Isso porque a capacidade de simbolizar objetos
fornece uma
representao interiorizada, apta para reconstituir aes
pregressas, bem como
antecipar aes futuras em forma de narrativas e imagens mentais
(Piaget,
1964/1978). No entanto, Piaget (1970/2002) afirma que uma
conceituao leva a
construes parciais e atrasadas pelo processo de tomada de
conscincia. Por
-
52
outro lado, considera que medida que a capacidade de representao
coordena
as aes sucessivas envolvendo