UNIVERSIDADE GAMA FILHO VICE-REITORIA ACADÊMICA COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E ATIVIDADES COMPLEMENTARES TRADUÇÃO INGLÊS- PORTUGUÊS/ PORTUGUÊS- INGLÊS UM ESTUDO SOBRE DUBLAGEM E LEGENDAGEM BRASILEIRAS, VISTO A PARTIR DA ANIMAÇÃO DISNEY “MULAN” Por Samira Kassouf Lena São Paulo 2012
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UNIVERSIDADE GAMA FILHO VICE-REITORIA ACADÊMICA
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E ATIVIDADES COMPLEMENTARES
TRADUÇÃO INGLÊS- PORTUGUÊS/ PORTUGUÊS- INGLÊS
UM ESTUDO SOBRE DUBLAGEM E LEGENDAGEM BRASILEIRAS, VISTO A PARTIR DA ANIMAÇÃO DISNEY “MULAN”
Por Samira Kassouf Lena
São Paulo 2012
UNIVERSIDADE GAMA FILHO VICE-REITORIA ACADÊMICA
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E ATIVIDADES COMPLEMENTARES
TRADUÇÃO INGLÊS- PORTUGUÊS/ PORTUGUÊS- INGLÊS
UM ESTUDO SOBRE DUBLAGEM E LEGENDAGEM BRASILEIRAS, VISTO A PARTIR DA ANIMAÇÃO DISNEY “MULAN”
Monografia apresentada à UGF como requisito parcial para a conclusão do curso de pós-graduação latu sensu em Tradução Inglês- Português/ Português- Inglês. Por Samira Kassouf Lena Professora orientadora Maria Alice de Fátima Capocchi Ribeiro São Paulo
2012
Samira Kassouf Lena
Um estudo sobre legendagem e dublagem brasileiras, visto a partir da animação Disney “Mulan”
Monografia apresentada à UGF como requisito parcial para a conclusão do curso de pós-graduação latu sensu em Tradução Inglês- Português/ Português- Inglês.
Profa. Orientadora Maria Alice de Fátima Capocchi Ribeiro (Mestre)
Aos meus mestres de ontem, hoje e sempre. Com carinho.
RESUMO
A presente pesquisa discorre sobre duas modalidades de tradução no longa-metragem
animado Disney “Mulan”. Para tanto, são analisados os processos que diferenciam
legendagem e dublagem (objetivo principal do trabalho), com base em uma metodologia
qualitativa e da observação e avaliação descritiva e indutiva de fragmentos de uma canção,
dentre quatro presentes no longa, considerada a mais interessante e passível de discussão.
São utilizados como referenciais teóricos: Andrew Chesterman e Sinara Castelo Branco,
para comentar algumas teorias e estratégias/normas de tradução e lingüística; Carolina
Alfaro do Carvalho, a fim de comentar os aspectos técnicos das duas modalidades de
tradução audiovisuais; alguns ensaístas renomados como Walter Benjamin, que faz um
paralelo entre cultura, advento do cinema e modernidade e, por fim, Berggreen e Lustyik que
acrescentam outras áreas de estudo além da tradução, extra-linguísticas, para a
contextualização histórica e cultural da personagem do filme, Mulan.
Palavras-chave: dublagem, legendagem, estratégias de tradução e estudos culturais.
ABSTRACT
The current paper aims at examining two different processes involved in the translation of Disney’s animated feature film "Mulan", that is to say: dubbing and subtitling. Next, the range of techniques and procedures which differentiate the two and are adopted by translators are subjected to analysis here, based on a qualitative and detailed study as well as on an inductive evaluation of a few verses from the song “Honor to us all”, considered to be the most interesting and worth discussing. Andrew Chesterman and Sinara Castelo Branco contribute massively with a debate on translation theories and strategies and on how non-linguistic phenomena operate; Carolina Alfaro do Carvalho, is also mentioned in regards to the technical aspects of the two processes of audiovisual translation, and the renowned essayist Walter Benjamin, who compares and links culture, cinema and other advents of (post)modernity. Finally, but not less important, Lustyik and Berggreen who share with us from different perspectives, bringing into translation other fields of study , tying up translation to the extra-linguistic context for the historical and cultural reference of the main character in the film, Mulan. Key-words: dubbing, subtitling, translation strategies and cultural studies.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………………………….. 2. DESENVOLVIMENTO- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA …………………………………………... 2.1. A dublagem e a legendagem: procedimentos técnicos …………………………………………. 2.2. O cinema e o primeiro filme dublado no Brasil …………………………………………………… 2.3. Algumas teorias de tradução e linguistica que iluminaram a pesquisa ………………………... 2.4. Mulan: a trajetória da heroína chinesa da literature para o cinema vista pelo ocidente e oriente ………………………………………………………………………………………………………. 3. METODOLOGIA ………………………………………………………………………………………… 4. ANÁLISE DE DADOS ………………………………………………………………………………….. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………………………………………… REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………………………………………………………………….. ANEXOS …………………………………………………………………………………………………….
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1. Introdução
The original is unfaithful to the translation.
Jorge Luis Borges
Neste trabalho será desenvolvido o tema A dublagem e a legendagem brasileiras
vistas a partir de uma análise contrastiva das canções da animação Disney "Mulan". Muitos,
talvez, já devem ter tido a curiosidade de selecionar áudio e legenda em português para
qualquer filme estrangeiro em DVD e observar o que acontece. Há diferenças. A motivação
em discorrer sobre este assunto veio do fato de que o trabalho de traduzir, seja para cinema
ou televisão, é muitas vezes mal compreendido/julgado pelo público leigo, em geral, que
desconhece as regras e os procedimentos técnicos, vale dizer também artísticos, de
elaboração das legendas e dublagem.
A autora deste trabalho que, até então, nunca havia tido contato com
trabalhos/estudos de tradução, com destaque para o campo audiovisual, tem a oportunidade
de, agora, enxergar a língua e a linguagem, em tradução, de outra perspectiva. Quanto à
escolha de uma animação, particularmente um clássico Disney, deu-se a partir da
constatação de que as canções podem até ser traduzidas, entenda-se legendadas, em
filmes destinados a um público mais maduro, porém dublados não. A dublagem das cenas
cantadas é uma característica típica das animações, a princípio infantis, Disney.
Partindo-se da observação de que no corpus há diferenças, umas mais e outras
menos explícitas, surge a seguinte pergunta: o que diferencia dublagem e legendagem? Em
outras palavras, o que distancia as falas das personagens na versão dublada brasileira, da
informação escrita em mesma língua na parte inferior da tela, se o texto fonte, o roteiro em
inglês, de ambas é o mesmo? Uma das possíveis respostas para tal ocorrência pode estar
nos procedimentos técnicos utilizados para a legendagem e a dublagem. Pode-se talvez,
ainda afirmar que as técnicas empregadas não só conferem ao tradutor uma criatividade
bem como obrigam o tradutor a ser criativo, em menor ou maior grau, conforme as
limitações ou dificuldades de tradutibilidade das palavras, expressões e estruturas problema
com que se depara. Se bem que quando se fala em limitações, pensa-se em perdas, mas a
postura e o embasamento teórico adotado aqui será o de defender ganhos de tradução,
principalmente na dublagem.
Assim, criar não será interpretado como inventar o que não existe, mas buscar
soluções e diálogo entre as línguas sem, no entanto, utilizar-se de palavra por palavra. Com
estas investigações, pretende-se chegar à conclusão ou próximo, de que a tradução literal
para cinema e TV, a mesma desejada pelo público leigo em geral, ávido de verificar a total
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correspondência entre as línguas de chegada e partida, mesmo que fosse possível, estaria
sujeita aos limites temporais das falas e espaciais das legendas, o que já implica mudança.
Deste modo, o trabalho visa:
a) Ampliar a consciência para os fenômenos (extra)lingüísticos às canções do filme,
contribuindo para um maior entendimento acerca da estruturação bem como da
aplicação e funcionamento de duas línguas e culturas distintas, a brasileira e
norte-americana.
b) Mostrar a diferença entre legendagem e dublagem. Mais especificamente, quais
regras/técnicas da dublagem e legendagem influenciam o traduzir; até onde vão
os limites da subjetividade do tradutor; legendar e dublar versus criar; como
algumas teorias de tradução e lingüística contribuem na análise comparativa da
legendagem e dublagem das canções selecionadas; quais pontos morfológicos
ou sintáticos sofrem maiores “perdas ou ganhos" na tradução e como isso vem a
alterar o sentido e a força dos atos comunicativos contidos nos versos das
canções dubladas e legendadas.
A pesquisa está organizada por seções; em Introdução, são apresentados o tema, as
justificativas do tema, o problema de pesquisa, os pressupostos ou hipóteses e os objetivos;
em Desenvolvimento, fala-se um pouco sobre a história da dublagem e legendagem, os
procedimentos técnicos destas, o cinema e o primeiro filme Disney dublado, no Brasil; são
discutidas também, algumas teorias de tradução e linguística, dentre elas, as estratégias de
tradução ou o modelo de análise proposto por Chesterman (1997); faz-se uma breve
contextualização do filme ‘Mulan’ paralela à história real da personagem e à aceitação
chinesa da versão americana da heroína e, finalmente, em Conclusão, são retomados os
problemas de pesquisa e feitas as considerações finais do trabalho.
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2. Desenvolvimento- Fundamentação teórica
2. 1. A dublagem e a legendagem: procedimentos técnicos.
Antes de discorrer sobre os procedimentos técnicos envolvidos nas duas
modalidades, vale levantar algumas considerações acerca do que se entende por dublagem
e legendagem.
Legendagem
Geralmente identificada por, no máximo, duas linhas sobrepostas à imagem vista nas
telas de cinema e TV. Este tipo de tradução audiovisual auxilia na compreensão de
programas falados em língua estrangeira e exibidos em redes nacionais, transcrevendo
sincronicamente o que está sendo dito, em texto. Também pode ser empregada em
exibições nacionais quando: 1) o sotaque e/ou variedades linguísticas expressos na
película, forem de regiões diferentes, distantes do pólo onde é transmitida; 2) em casos de
ambientes, meios em que possa haver deficientes auditivos de menor grau; 3) por fim,
(re)forçar a leitura de forma a auxiliar na alfabetização e letramento da massa.
Provavelmente, este último caso não seja frequente no Brasil, salvo programas infantis, mas
o é em países como a Índia. Há um estudo muito interessante realizado pelo indiano Brij
Kothari, sobre o impacto das legendas no hábito de leitura do povo indiano.1 Segundo
Kothari, grande parte das crianças na Índia até passa pela alfabetização, mas não possui ou
desenvolve, de acordo, o conhecimento funcional, comprometendo as habilidades de leitura
e escrita e, consequentemente, a habilidade de expressão, informação, planejamento e
documentação da realidade.
Dublagem
Pode ser considerada perfeita quando se tem a sensação de estar assistindo ao
original, ou seja, como se as vozes e a língua falada pelos dubladores fossem as vozes e a
língua dos atores. A dublagem é feita à parte e posteriormente à produção do filme, em
estúdios especializados onde as vozes dos dubladores são gravadas e editadas por
computador, para que fiquem sincronizadas com o movimento dos lábios dos atores (lip-
sync). Vale lembrar que nem sempre os dubladores possuem talento cênico, fato que
justifica muito as críticas à dublagem.
Há controvérsias quanto ao favoritismo com relação à dublagem ou à legendagem,
seja no Brasil ou no exterior e como confirma Carvalho (2005), o posicionamento mais
1 Kothari, B. 2008. Let a billion readers bloom: same language subtitling (SLS) on television for mass
literacy. International Review of Education, Vol. 54, Nº 5-6, págs. 773-780.
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positivo ou negativo varia de pesquisador para pesquisador. A autora comenta que além da
questão da performance dos dubladores, há o fato de o público ser excluído do acesso ao
material audiovisual de partida. Para ela, a dublagem, ao mesmo tempo que, permite atos
de domesticação, subentenda-se de manipulação de dados, omissão e modificação de
elementos obscenos, preconceituosos contidos no original, a dublagem também previne a
entrada de traços linguísticos e culturais de nações dominantes, assim como enaltece a
língua nacional.
Vale lembrar que dublagem é, antes de uma modalidade oral, uma modalidade
escrita, pois os dubladores ensaiam e reproduzem um roteiro escrito. Assim, a descrição
das técnicas empreendidas nas traduções audiovisuais, a seguir, enfoca a legendagem.
A técnica
Não há novidade alguma em dizer que, por legendagem e dublagem se tratarem de
modalidades distintas, as práticas que compõem o processo de cada uma dessas traduções
audiovisuais, são definidas conforme os objetivos de cada modalidade. No entanto, os
procedimentos técnicos são inúmeros e serão comentados resumidamente, abaixo, com
base em dados obtidos da dissertação de mestrado em Letras, de Carolina Alfaro de
Carvalho (2005).
Legendagem para cinema, VHS e TV
Quanto ao limite de caracteres por linha, na legendagem para cinema, a variação
está entre 32 e 40 caracteres, enquanto que para a TV, VHS e televisão por assinatura, os
mesmos variam entre 30 e 35, incluídos os espaços. Em média, são utilizados 15 caracteres
por segundo de exibição, nos cinemas, e de 10 a 16, na TV, mantendo a proporção.
Os diálogos/falas tanto dos filmes exibidos no cinema, quanto na TV, são usualmente
cronometrados e marcados nos laboratórios; para o tratamento dado às películas de
cinema, convencinou-se chamar de pietagem a marcação ou registro no roteiro, de onde
começa e termina cada trecho de diálogo e se há mudança de cena perto de alguma fala.
Esta marcação é numérica e a unidade de medida utilizada na medição do comprimento da
película é o pé (sistema britânico) e o quadro ou fotograma. Por segundo, são projetados 24
quadros e um pé de película equivale a 16 quadros. Portanto, a cada segundo de projeção,
tem-se 1,5 pé de película. Já, para o tratamento dado ao VHS, são exibidos 30 quadros
(fotogramas, ou ainda, em inglês, frames) por segundo.
Enquanto para o cinema, a referência é o pé, para o sistema VHS e TV por
assinatura, a referência é o segundo. No caso do VHS e TV paga, o material que o tradutor
recebe, seguido ou não de um roteiro de apoio, passa por vários processos. Primeiramente,
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é inserido o time code de cada quadro- hora, minuto e segundo de exibição. A seguir, por
meio de um software/programa específico de computador para edição e criação de
legendas, o tradutor faz o spotting, em que os diálogos do material audiovisual são
segmentados e traduzidos. Na revisão do trabalho, é feito o timing. O tradutor, através do
programa computacional, sincroniza todas as falas e verifica se elas estão rigidamente
dentro dos padrões de tempo mínimo e máximo, de entrada e saída, estabelecidos pelos
clientes- distribuidora de VHS/canal de TV/produtora independente.
O produto final, resultado da impressão das legendas no meio definitivo, e o controle
de qualidade, são feitos pelo cliente. A diferença, no caso do profissional que trabalha para
cinema, é que nem sempre, em um primeiro momento, o tradutor tem contato com o
material audiovisual. Isso pode acontecer como modo de evitar vazamento de informações
antes da estréia do filme ou mesmo de impedir a pirataria ou cópia e distribuição ilegal
(comuns no caso do VHS e DVD). Assim sendo, o tradutor de legendas para cinema pode,
após concluída a tradução, assistir ao filme, nas cabines de cinema dos laboratórios ou
distribuidoras e fazer as correções necessárias, em uma versão impressa. Também, durante
a tradução de legendas, pode ser utilizado um editor de texto convencional, como Word, não
sendo necessário qualquer software de edição de legendas. Toda a adequação das
legendas, de acordo com o número de caracteres por linha e por segundo, é feita pelo
cliente.
O material de análise/corpus desta pesquisa é em DVD2 e, para este, o procedimento
varia um pouco, mesclando, em partes, os procedimentos adotados na tradução de
legendas para cinema, VHS e TV por assinatura. A começar pelo conteúdo de um DVD,
este, geralmente, possui várias opções disponíveis no menu inicial, que incluem além do
filme e da sonoplastia, um espaço próprio para a seleção de idiomas das legendas e áudio.
Quando um DVD é produzido e distribuído, as opções de seleção de idiomas variam de
acordo com a comunidade onde é comercializado.
Com relação às legendas, o número de caracteres por linha dependerá da
configuração e tamanho da tela. Todos os diálogos são transcritos em um arquivo de texto,
com as respectivas marcações de entrada e saída, utilizando-se o time code. Quem,
normalmente, realiza esse processo é a produtora, distribuidora ou laboratório. Em seguida,
o arquivo de texto contendo a transcrição é enviado para tradutores de diferentes línguas
para as quais se pretende traduzir. As falas originais passam por um editor de texto e são
substituídas por falas nos idiomas desejados, dentro dos conformes do número máximo de
caracteres por segundo.
2 Ver ‘Mulan’ na seção de Referências Bibliográficas.
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Se o tradutor não houver recebido previamente o material audiovisual, é o cliente
quem fará a revisão e correção das legendas, somadas à inserção digital das legendas no
DVD e o controle de qualidade. Em suma, o tradutor que trabalha com DVDs não precisa se
preocupar com o timing e o spotting, o que torna o processo mais simples e
estrategicamente ágil, para o mercado de consumo.
Aspectos formais ou normativos:
Estética da elaboração de legendas.
Compõem a estética/ visual das legendas: o tamanho, cor e o sombreamento da
fonte, o alinhamento e a altura das linhas da legenda, o intervalo entre elas e os tempos
mínimo e máximo de duração na tela. Todos esses elementos podem ser chamados de
convenções, normas técnicas a que o tradutor não deve, senão, seguir e respeitar, durante
o trabalho.
Tamanho, contorno e sombreamento da fonte variam de cliente para cliente. As
cores da fonte mais comuns, utilizadas em legendas, são o branco e o amarelo. O tamanho
é escolhido conforme as resoluções de tela, visto que altera o número de caracteres
permitidos por linha. Em músicas, especialmente no caso das presentes no filme Mulan-
objetos de análise desta pesquisa- usa-se itálico e, dificilmente, há pontuação; quando
ocorre o uso de vírgulas, não é usado ponto final. Na ocorrência de diálogo entre a música
e, principalmente, quando há “quebra” da canção, ou seja, quando as personagens deixam
de cantar para falar, acrescenta-se o travessão e perde-se o itálico. A perda do itálico deve-
se, ainda, à presença centralizada de uma personagem em cena.
O alinhamento das legendas pode ser feito à esquerda da tela, ao centro, ou mesmo,
alternando os dois tipos, o que varia também de tradutor para tradutor e de cliente para
cliente. Pelo menos, em Mulan, todas as falas permanecem centralizadas e a altura das
legendas, dá-se na parte inferior da tela. Nada impediria que o tradutor legendador inserisse
uma linha de texto na parte superior, porém, ao passo que isto aceleraria o início da leitura,
interferiria, igualmente, na imagem exibida. Mais relevante que o alinhamento pode-se dizer
que seja a segmentação das legendas, responsável pela organização das idéias.
Usualmente, o número de linhas utilizadas para compor uma legenda equivale a 2, e é
aconselhado colocar todos os elementos de uma oração na mesma legenda, para não haver
quebra de coesão e sentido, na mudança de quadro.
Por fim, com respeito à média do tempo de duração das legendas, esta equivale à 3
segundos e deve estar perfeitamente sincronizada com a entrada e saída das legendas/
falas, ou seja, com o timing. No entanto, alguns tradutores podem atrasar ou adiantar as
legendas, com o objetivo de facilitar a leitura do público, situando ou ambientando-os
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durante o filme. A facilidade da leitura das legendas por parte do público deve-se muito,
ainda, a uma linguagem simples, direta, com estruturas gramaticais compreensíveis. Como
enumera Carvalho (2005, p.117):
“Componentes sintáticos em ordem direta em vez de inversa ou intercalada;
orações coordenadas em vez de subordinadas; construções ativas em vez
de passivas; construções positivas em vez de negativas; verbos simples em
vez de compostos; elipses em vez de sujeitos ou verbos repetidos na
mesma oração; interrogações em vez de perguntas indiretas; imperativo em
vez de solicitações indiretas. Podem-se empregar também abreviações,
siglas, símbolos e numerais para reduzir o número de caracteres, segundo
critérios estabelecidos pelos clientes ou pelo tradutor”.
Para a autora, ainda com relação à linguagem, o tradutor pode evitar construções
prolixas, como o uso excessivo de adjetivos e advérbios, comuns na língua inglesa, traços
da fala das personagens, como hesitações, gaguejos e auto-correções, quando irrelevantes,
onomatopéias e pronomes demonstrativos ou substantivos referentes a um objeto que está
sendo mostrado em cena. Outros aspectos que interferem na leitura e compreensão das
legendas, em especial, as referências culturais e geográficas, são discutidos melhor no
capítulo Algumas teorias de Tradução e Linguística e em Análise de dados.
2. 2. O cinema e o primeiro filme Disney dublado no Brasil.
Talvez o mais bem escrito e elucidativo documento existente a respeito de cinema e
modernidade seja o ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” de
Walter Benjamin. Neste ensaio, Benjamin comenta como a fotografia e outros aparatos
técnicos, enquanto reprodutores de arte, tiveram importância para o advento do cinema,
como conhecemos hoje e a formação de uma cultura de massa. A postura do autor de
origem judaica alemã, ao abordar o assunto é dialética, ao contrapor os prós e contras da
tecnização, como se verifica no trecho abaixo, extraído de Magia e técnica, arte e política-
Obras escolhidas vol.1:
“Se levarmos em conta as perigosas tensões que a tecnização, com todas as
suas conseqüências, engendrou nas massas -tensões que em estágios
críticos assumem um caráter psicótico -, perceberemos que essa mesma
tecnização abriu a possibilidade de uma imunização contra tais psicoses de
massa através de certos filmes, capazes de impedir, pelo desenvolvimento
artificial de fantasias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural e
perigoso.” (Benjamin, 1985, p.190, vol.1)
O homem rumava ao progresso frenético, fábricas, automóveis, urbanização, tudo se
movimentava em velocidade acelerada. O cinema e a fotografia, pouco mais que a literatura
(dada a era da sobreposição da imagem/visual sobre o escrito), teriam o poder de
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transportar o público para espaços não provados pelo corpo físico: a imaginação, o
subjetivo, por exemplo. Eles tinham, de fato, o poder de capturar um momento da vida do
homem e revelar uma série de coisas sobre o ele.
A invenção do cinema pode ser atribuída aos irmãos Lumiére Auguste e Louis, em
1895, mas só na década de 30, aproximadamente, que nasce o cinema falado. Nesta
época, surgia também a dublagem Brasil. A tecnologia disponível na época, ainda era
bastante precária, os laboratórios eram defasados, bem como a aparelhagem sonora. A
dublagem começou a ter maior aceitação somente ao final da década, pelo menos em
animação, com o primeiro longa metragem Disney “Branca de Neve e os sete anões”
lançado nos EUA em 1937 e, no Brasil, um ano depois. Quem se encarregou de toda a
parte técnica da dublagem do longa foi Moacyr Fenelon3, que viabilizou, também, segundo
Freire (2011) a criação do Departamento de Dublagem da Sonofilms. Foi Branca De Neve
que introduziu os números musicais, intercalados com os diálogos, pelos quais o público se
deleitava e conhecia as personagens e as características psicológicas inerentes a cada
uma. Atualmente, as músicas deste gênero, além de complementarem a história/animação,
incrementam o orçamento dos filmes, por meio das vendas de CD’s.
2. 3. Algumas teorias de tradução e linguística que “iluminaram” a pesquisa.
3 Trecho explicativo sobre quem foi Moacyr Fenelon, extraído de uma matéria eletrônica publicada no
site do SESC-SP. http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=98&Artigo_ID=1099&IDCategoria=1239&reftype=2. Acesso: 27 fev. 2011. “No seu périplo inicial, Fenelon deixou sua marca em trabalhos hoje tidos como fundamentais na história do cinema brasileiro, a exemplo de Coisas nossas; Alô, Alô Carnaval e Maria Bonita. A qualidade obtida nessa fase experimental, adquirida mais por intuição, aliada à precariedade do equipamento, parte construída por ele mesmo, o transformaram no homem de confiança do americano Wallace Downey, outro injustiçado pelos historiadores brasileiros. O ativíssimo americano, que viera ao Brasil para gerenciar a gravadora Columbia, contratou a nata dos cantores, músicos, compositores e orquestradores. A quantidade e qualidade dos artistas que possuía permitiu-lhe aventurar-se em shows radiofônicos e teatrais e, finalmente, no cinema. Juntos, Fenelon e Downey criaram a Sonofilmes e produziram peças teatrais de ampla aceitação no eixo Rio-São Paulo. A dupla lançou, em primeira mão, a primeira seqüência colorida de nosso cinema, no filme João Ninguém, de 1936. No entanto, o prato de resistência da Sonofilme foi a esquematização da comédia musical carnavalesca, reconhecida como o gênero de "chanchada". Com as chanchadas, o público vinha a êxtase ao consagrar e identificar personalidades, as quais conhecia apenas por rádio e disco, como Orlando Silva, Carmem e Aurora Miranda. Nos filmes, os cantores não atuavam como atores, mas participavam de apresentações musicais, inseridas no contexto do filme. Lançadas sempre em época de carnaval, as chanchadas, que eram produzidas sem a menor preocupação com o acabamento, foram muito confundidas com as fitas de paródias, lançadas pela Atlântida a partir de 1950. Diferente da pobreza do figurino, muitas fezes confeccionado com papel no próprio corpo do ator, o novo gênero tratava com humor paródico os fatos políticos do país e mesmo grandes filmes mundiais. Clássicos como Matar ou morrer, que foi adaptado para Matar ou correr, e Sansão e Dalila, que era para nós Nem Sansão nem Dalila.”
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A idéia de unir a linguística à tradução, neste trabalho, surgiu da leitura de um artigo
publicado na revista Eutomia de Linguistica, Tradução e Estudos Culturais, redigido por
Sinara de Oliveira Branco (2010). Como linguística e tradução são duas áreas de
conhecimento que lidam com línguas e questões envolvidas no uso da língua-
manifestações da linguagem- julgou-se interessante utilizar as duas enquanto
complementares. Para a autora, a união das duas disciplinas ou até mesmo a inclusão da
Psicologia, Filosofia, Literatura, Cinema, Legendagem, Estudos Culturais de fatores político-
econômico-sociais, contribui para o aprimoramento linguistico do tradutor/pesquisador e,
consequentemente, das obras traduzidas. Além do que, adotar um único paradigma como
resposta para todos os fenômenos tradutórios é ingênuo e perigoso, dificultando o avanço
nos Estudos de Tradução (BAKER apud BRANCO, 2010). Nota-se aqui, clara preocupação
com os fenômenos ideológicos que permeiam a prática tradutória e com a forma como é
entendida tradução: se baseada, ainda, na antiga correspondência total entre as estruturas
das línguas envolvidas.
Branco (2010) cita, também, outros três autores favoráveis à união das duas áreas
do saber e com abordagem de tradução semelhante. São eles: Fawcett (1997), Nord (1997)
e Chesterman (1997). De acordo com Branco (2010), o primeiro ressalta muito a importância
da Sociolinguística, quando o tradutor precisa lidar com as variações de gênero, idade,
região e status social, não mais apenas com estruturas formais da língua; além do estudo do
significado e dos atos de fala embutidos ou do que se pretende conquistar pelo dizer. Já o
segundo autor defende uma tradução orientada para o público que terá acesso a ela e o
meio onde a tradução circulará. Muitas vezes, isto resulta em uma tradução-criação, um
texto reformulado e com mais ou diferentes informações/ referências se comparado ao texto
original. A tradução passa a ter uma nova função, vale dizer interativa e comunicativa,
aproximando pessoas, línguas e culturas. Quanto ao terceiro autor discutido por Branco
(2010), ele é quem mais chama a atenção e orienta, aqui, a análise de dados. Por este
motivo, foi consultada a obra de Andrew Chesterman (1997) “Memes of translation”, também
no original.
Chesterman (1997) adapta a teoria memética de Richard Dawkins4, aos estudos de
tradução e faz uso do conceito de meme, entendido por ele como uma unidade de
transmissão cultural competitiva, para explicar e solucionar alguns problemas, na área.
Pode-se afirmar que exemplos corriqueiros de memes, são, dentre vários, as idéias que
circulam tanto em rodas de amigos como em meios acadêmicos, a moda e as tendências de
4 Biólogo evolucionista, estudioso do comportamento humano, professor emérito da faculdade de
Oxford e autor do livro “The Selfish Gene”- O Gene Egoísta. É neste livro que Dawkins emprega, pela
primeira vez, o termo meme.
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roupas e estilos, as melodias, canções “hits”/ de sucesso das paradas e expressões
oriundas de meios artísticos que “caem no gosto” do público, muitas vezes por meio da
mídia (internet, TV, rádio) compondo a cultura popular, num determinado momento e em
outros não. O autor, valendo-se de metáforas, descreve como cada um dos memes
existentes em tradução é capaz de sobressair com relação aos demais e evoluir. Isto
acontece, quando os memes conquistam prestígio em uma comunidade, passando à
condição de norma prescritiva, regulando através de práticas específicas, o comportamento
de um todo, de uma comunidade. O tradutor, então, deve respeitar e seguir as convenções
lingüísticas adotadas pela sociedade, da época. É por isso que o tradutor, ao incorporar e
ser fiel ao máximo ao texto fonte/original, ele deixa transparecer uma série de erros sejam
gramaticais ou estilísticos. E o objetivo de uma boa tradução, conforme já visto no capítulo
sobre legendagem e dublagem, é o tradutor ficar invisível no texto. Se bem que a legenda
em filmes não é algo “natural” e o público sabe e vê nitidamente a intervenção de um
tradutor. Em outras palavras, as legendas não estão simplesmente ali, na tela, ao contrário
da dublagem e da tradução de um livro ou de qualquer texto publicado em material
impresso, em que o espectador e leitor se “apegam” à tradução como se fossem originais.
Neste trabalho, são mantidas as nomenclaturas originais dos memes, com as
observações feitas, a seguir. Vale observar que a maioria dos memes listados por
Chesterman (1997) foram superados por algumas novas abordagens em estudos de
tradução. A começar pelo “Source-Target meme”, o autor sugere que no exercício da
tradução de uma língua fonte para uma língua alvo não há meramente a transposição de
idéias, mas sim uma multiplicação delas, do mesmo modo que a dos genes, para a
genética. Em “Equivalence meme”, o autor argumenta que a fidelidade total ao original é
inatingível e que esta idéia está em declínio, visto que há elementos culturais/ linguísticos
intransponíveis. Quanto ao “Untranslatability meme”, conceito romântico (aliás, clássico),
grandes obras não devem ser jamais replicadas ou produzidas em línguas estrangeiras,
como uma divindade que não se pode tocar. Já, os memes “the Free versus Literal” e “the
All-Writing-Is Translation” são abordagens de tradução mais atuais, reflexos das teorias
desconstrutivistas. O tradutor passa a ter mais liberdade com relação às escolhas que faz
ao traduzir, devido à ruptura na distinção feita entre tradução de uma língua para outra e
tradução de significados em palavras, para uma mesma língua. Para os desconstrutivistas, e
Chesterman (1997) cita alguns: Jacques Derrida, Rosemary Arrojo, o texto fonte sempre
será a tradução de um outro texto, o que significa que não existe sequer uma fonte única e
original. Por isso diz-se, também, que memes são cópias, repetições. No entanto, é mais
interessante entender um meme, em tradução, como nas célebres palavras de Antoine De
Saint-Exupery:
17
“Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é
única, e nenhuma substitui outra. Cada um que passa em nossa vida passa
sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós
mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito; mas não há
os que não levam nada. Há os que deixam muito; mas não há os que não
deixam nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova
evidente que nada é ao acaso.”5
Traduzir é uma atividade humana e cada humano, como diz Exupery, é único, logo
cada tradução também o é. Dizer que tudo é cópia não é verdade, pois uma mesma obra
pode ser (re)interpretada de diversas formas e cada tradutor tem algo a contribuir um com o
outro, com o público que terá acesso à tradução e, indiretamente, com o próprio original.
Para que o tradutor consiga realizar um trabalho de modo efetivo, são necessárias algumas
competências: o reconhecimento de regras e características pré-definidas no texto original
através do reconhecimento de características não definidas, porém relevantes à
compreensão e prática tradutória e, por fim, a capacidade “intuitiva” de escolher vocábulos e
estruturas adequadamente orientados por objetivos criteriosos (DREYFUS AND DREYFUS
apud CHESTERMAN, 1997). O autor enfatiza, ainda, o uso de “assessments”/ (auto)
avaliações, por parte do tradutor, e estas podem ser de 5 ordens. Optou-se, aqui, por
novamente manter os termos técnicos aplicados por Chesterman (1997) no idioma original.
A seguir, a descrição deles.
1) “retrospective”- o tradutor examina a relação entre dois textos e as equivalências que
refletem.
2) “prospective”- o tradutor examina os propósitos/ objetivos dos textos, os elementos
comunicativos.
3) “lateral”- o tradutor compara várias traduções existentes no idioma estrangeiro alvo, para
o qual pretende traduzir.
4) “introspective”- o tradutor tenta deduzir como outros tradutores fazem escolhas e
encontram soluções para as traduções examinadas.
5) “pedagogical”- o tradutor verifica os erros e os refina, gradualmente.
Para concluir, Chesterman (1997) tece algumas considerações e normas quanto à
postura de um tradutor profissional atual. O tradutor profissional deve estar atento aos
memes históricos, às idéias que modelaram e modelam o comportamento tradutório (fluidez
e racionalidade da produção), ao papel do tradutor na sociedade, às relações entre tradutor
e empregador, além das estratégias que compõem a prática na rotina. Igualmente, ele deve
5 Trecho extraído do site Universo Online – UOL, na seção “PENSADOR.INFO”
18
estar atento às expectativas do público, garantindo clareza, compreensão e comunicação
nos trabalhos traduzidos, pelo exercício de uma tradução verdadeira e ética.
2. 4. Mulan: A trajetória da heroína chinesa da literatura para o cinema vista pelo ocidente e
oriente.
Fa Mulan ou Hua Mulan, como também é chamada a chinesa que se passou por
homem para poupar o velho e doente pai de atender aos chamados da guerra, muito mais
do que uma ficção ou fato histórico comprovado, é uma personagem de um antigo poema
chinês escrito por volta dos anos 420-589 D.C., que desencadeou não apenas inúmeras
adaptações futuras para cinema, teatro, bem como suscitou teses, pesquisas e discussões
em meio acadêmico. A temática do filme e os temas decorrentes são explorados até hoje,
por profissionais das áreas de psicologia, psicopedagogia, analistas do discurso, mídia,
comunicação e jornalismo. Mulan, em especial, a “disneyficada”, termo utilizado pelas
autoras Berggreen e Lustyik (2003) carrega em si a questão do gênero, o feminino versus o
masculino, visível na canção “Reflection” traduzida por “Imagem”6, que expressa claramente
o conflito interno vivido pela personagem Disney. Na cena que corresponde à canção, tanto
no original, em inglês, quanto na dublagem e legenda para o português, Mulan se questiona
quanto a um dia poder vir a ser uma filha e esposa perfeita, pois se sente incapaz de
reconhecer a si mesma.
A Mulan “disneyficada” (2003), segundo as autoras, é desajeitada, sem habilidade ou
talento algum e tem dificuldades para compreender e se adaptar à sociedade fortemente
patriarcal chinesa e aos costumes e papéis que dita(va)m o que corresponde ao ser mulher
ou ao ser homem. A cena que melhor destaca este momento é a que sucede a canção
“Honor to us all”, em que Mulan se apresenta à casamenteira de forma desastrosa e
embaraçosa, derramando o chá ao servi-lo e quase ateando fogo à casa! Além disso, a
Mulan vista do viés norte-americano, é desobediente e rebelde, enquanto que para a
história, literatura e público chinês, a heroína retratada nos poemas é equilibrada, ágil, forte
e conhecedora das artes marciais. De acordo com a produção Disney, Mulan tem o primeiro
contato com as táticas de guerra ao entrar para o exército e conquista as habilidades de
guerreira gradualmente, nos acampamentos militares; enquanto que, para a literatura, o fato
do pai de Mulan ser um antigo oficial e, previamente, ter servido ao imperador, conferiria a
ela o acesso às práticas de guerra, à arte marcial chinesa, ao Kung Fu. Ainda, quando
Mulan parte para a guerra, ela vai com o consentimento dos pais. Ela não foge
simplesmente de casa. Isto é confirmado por Berggreen e Lustyik (2003, p. 15, 18, 19):
6 Letra de música, na integra, em anexo.
19
“Females in the fifth century of northern China were very good horsewomen
with tremendous physical strength. Because Hua Mulan’s father was a
retired soldier, she could have acquired and practiced martial arts growing
up. (...)While Disney presents Mulan as clumsy with housework, it also
shows her unskillful in the martial arts. She can’t even hold up a sword, but
she improves at the training camp, under the command of Captain Shang,
the son of a famous general. During training, she eats bacon and eggs
sunny-side up, a very Western breakfast, and bathes in river, where her
identity is almost revealed. (...)Furthermore, Mulan probably would not bathe
in a river. The river bath scene was included perhaps to add an element of
danger and suspense, but real Mulan, being intelligent and careful, would
know to avoid such an unnecessary risk. Many Chinese films and television
series made about Mulan showed her carrying buckets of river water to
wash herself in her quarters (see for example, Wong, 2001). ”7
Outro dado interessante sobre a cultura chinesa e que influenciou a construção da
personagem literária e, consequentemente, cinematográfica, é a corrente/escola filosófica
Taoista.8 Mulan, segundo Apolloni (2004), faz parte da chamada literatura “Wusia” que
significa “guerreiro errante”. A inserção de figuras femininas em literaturas do gênero, deve-
se, conforme o autor, à aproximação entre os ideais religiosos e literários. Se o Taoísmo
pode ou não ser considerado religião, o fato é que a espiritualidade chinesa advém do
princípio do Tao e o Tao reflete esta mesma espiritualidade. Literalmente, Tao9 quer dizer
7 As mulheres do século V, da região setentrional da China, sabiam cavalgar e possuíam força notável. Como o pai de Mulan era um soldado reformado, ela poderia ter adquirido e praticado artes marciais, na infância. (...) Enquanto a Disney mostra uma Mulan inexperiente com serviços domésticos, a Disney também mostra uma Mulan inexperiente nas artes de guerra. Ela nem ao menos consegue segurar uma espada, mas progride sob o comando do capitão Shang, filho de um famoso general. Durante o treinamento, ela come ovos com bacon, típico café da manhã americano e se banha nas águas de um rio, onde sua identidade quase é descoberta. (...) A verdadeira Mulan, sendo inteligente e cuidadosa, provavelmente, jamais faria isso ou se colocaria em situação de risco. Talvez, a cena tenha sido acrescentada apenas como elemento de perigo e suspense. Diversos filmes e séries de TV chinesas mostram Mulan carregando baldes de água do rio para seu alojamento. –Tradução da autora. 8 Gale Encyclopedia of Occultism & Parapsychology: Tao. http://www.answers.com/topic/tao. Acesso
em 26 fev 2012. 9 Term used in ancient Chinese religious philosophy, signifying "the Way" or pathway of life. The Tao
is understood as a unity underlying the opposites and diversity of the phenomenal world. Ching Shen
Li (cosmic energy) is manifest in the duality of yin and yang (negative and positive), female and male
principles in nature. Yin and Yang are also energies in the individual human body and the balancing of
these energies is one of the tasks of life. The correct harmony between yin and yang may be achieved
through diet, meditation, and a life of truth, simplicity, and tranquillity, identifying with the Tao of
nature.
Termo usado no antigo pensamento sagrado chinês, que quer dizer "o Caminho" ou o caminho da
vida. O Tao é entendido como uma unidade subjacente aos opostos e à diversidade do mundo dos
fenômenos. Shen Li Ching (energia cósmica) manifesta-se na dualidade do yin e yang, princípio
“um estado pleno de paz”, “o caminho”; o caminho para o autoconhecimento, união com o
universo/cosmos, através da sabedoria, de uma conduta ética e moral e da prática do
desapego. Entenda-se por desapego não só bens materiais, como também desejos e
emoções negativos, como o ódio, inveja, ciúme. Para atingir o Tao, o homem tem de
superar as dualidades internas, transcendê-las e compreender que todos os seres e coisas
são unos e de, que um não existe sem o outro. Já era de se esperar que o maior símbolo do
Tao fosse o do Yin Yang e é aqui, em que se encaixa Mulan. A heroína, como diz Apolloni
(2004) não se vestiu de homem, ela se converteu em um, exatamente como os dois pólos
do Yin e Yang se (re)combinam. Para quem não conhece a imagem, trata-se de um círculo
dividido ao meio, com cada metade contendo uma esfera menor (E1 e E2), estando E1 a
180º de distância de E2. A imagem é em preto e branco, e cada metade do círculo carrega
uma esfera de cor diferente, ou seja, cada metade carrega uma parte da outra. Mulan
carrega o masculino e o feminino. De acordo com Apolloni (2004, p. 81), “voltando para
casa, o generalíssimo Mulan retoma a condição feminina chinesa clássica de suavidade e
submissão.”
positivo e negativo, feminino e masculino da natureza. Yin e Yang são também energias do corpo
humano e é tarefa de cada indivíduo buscar e zelar pelo equilíbrio destas energias. A harmonia
correta entre o yin e yang pode ser alcançada através da dieta, da meditação e de uma vida de
verdade, simplicidade e tranquilidade, identificando-se com o Tao da natureza.
21
3. Metodologia: métodos e materiais.
Uma pesquisa pode ser classificada de várias formas. Uma delas é quanto à
natureza própria da pesquisa, se básica ou aplicada. Outra forma de classificação se faz ao
modo como o problema ou pergunta de pesquisa é abordado, se qualitativo ou quantitativo.
E uma terceira e quarta classificações relacionam-se aos objetivos e procedimentos técnicos
da pesquisa. São elas: exploratória, descritiva e explicativa, bibliográfica, documental,
experimental, levantamento, estudo de caso, pesquisa Expost-Facto, pesquisa-ação e
pesquisa participante (SILVA e MENEZES, 2001). As autoras (2001, p.23) frisam que “os
tipos de pesquisa apresentados nas diversas classificações não são estanques. Uma
mesma pesquisa pode estar, ao mesmo tempo, enquadrada em várias classificações, desde
que obedeça aos requisitos inerentes a cada tipo”. No que concerne esta pesquisa, pode-se
classificá-la enquanto:
1) Qualitativa, uma vez que prevalecem a descrição e a problematização das atribuições de
significados vindas das escolhas lexicais para a dublagem e a legendagem; embora o
emprego de métodos quantitativos possam vir a servir de reforço ou complemento para a
descrição e análise, por meio da enumeração da freqüência de algumas estruturas morfo-
sintáticas comuns na legendagem e na dublagem. A combinação das técnicas qualitativas e
quantitativas torna uma pesquisa mais forte e reduz os problemas de adoção exclusiva de
um grupo; por outro lado, a omissão de métodos qualitativos, num estudo em que se faz
possível e útil empregá-los, empobrece a visão do pesquisador quanto ao contexto em que
ocorre o fenômeno (NEVES, 1996).
2) Descritiva, conforme a observação, registro, análise, classificação e interpretação dos
dados/corpus. Para Manning (1979, p. 668) “o trabalho de descrição tem caráter
fundamental em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados”.
3) Bibliográfica, pois a reflexão acerca das transformações passadas pelos textos originais,
as canções do DVD, faz-se à luz de materiais já publicados de teóricos das áreas de
tradução, tradução audiovisual e lingüística.
4) Documental, devido ao uso de, “fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento
analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais,
cartas, filmes (grifo da autora), fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas,
vídeos de programas de televisão, etc.” (MATOS e MATOS e LERCHE apud FONSECA,
2002, p.32).
Quanto aos métodos utilizados na análise de dados, eles apontam “a linha de
raciocínio adotada no processo de pesquisa (GIL, LAKATOS e MARCONI apud SILVA e
MENEZES, 2001, p.25). Os métodos que fornecem as bases lógicas a uma investigação
22
podem ser de aspecto: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico”.
Destas cinco técnicas clássicas, as que caracterizam basicamente uma pesquisa qualitativa,
portanto, este presente estudo, são as de enfoque indutivo, dialético e fenomenológico. A
primeira considera que o conhecimento é fundamentado na experiência e a generalização
deriva da observação de casos da realidade concreta e da aproximação ou relação entre
eles. A segunda considera que os fatos não podem ser excluídos de um contexto sócio-
cultural, econômico e político. É um método de interpretação dinâmica e totalizante da
realidade, onde contradições se transcendem em novas contradições em busca de solução.
Dentro do que se entende por dialética, nada existe isoladamente e muito menos está
concluído, mas em processo constante de transformação. Por fim, a terceira técnica clássica
investigativa preocupa-se com a descrição da experiência vivida tal qual ela é; e existem
suposições a serem respondidas, tantas quantas forem as suas interpretações e
comunicações, não sendo, portanto, dedutiva ou indutiva. A realidade é construída
socialmente e entendida como o compreendido, o interpretado, o comunicado dos sentidos
menos aparentes. Por este motivo, o sujeito/autor é reconhecidamente importante no
processo de construção do conhecimento (Silva e Menezes, 2001).
Para a coleta do corpus, visto que o desenvolvimento de um estudo qualitativo supõe
um corte temporal-espacial de determinado fenômeno ou universo a ser pesquisado
(NEVES, 1996), foram selecionadas as quatro trilhas sonoras cantadas no filme10. No
entanto, somente uma foi escolhida para ilustrar o caso estudado, aqui, pois é a canção que
mais apresenta versos discutíveis. As versões originais em inglês de “Honor to us all” e a
respectiva legenda mais a dublagem/ versão para o português foram transcritas em um
quadro11, a fim de serem comparadas. A transcrição ocorreu ao nível horizontal, porém na
análise de dados, o caráter vertical é igualmente avaliado, visto que o sentido “total” de um
texto ou unidade comunicacional é apreendido pelo todo, pela somatória das partes.
Abaixo, seguem as estratégias de tradução propostas por Chesterman (1997), adaptadas
por Branco (2010) utilizadas, neste momento, para refletir os fenômenos lingüísticos e
tradutórios que diferenciam a legendagem e a dublagem do original, na canção.
Quadro 1: Estratégias de tradução de Chesterman (1997)
Estratégias Sintáticas Definição
G1: Tradução Literal
O mais próximo possível da estrutura gramatical do texto de origem.
10
Disponível em DVD, nas locadoras.
11 Consultar anexo.
23
G2: Empréstimo, Calque Escolha deliberada e consciente.
G3: Transposição
Qualquer mudança de classe de palavra, de substantivo para verbo; de adjetivo para advérbio.
G4: Deslocamento de Unidade
Uma unidade do texto de origem (morfema, palavra, frase, oração, sentença, parágrafo) traduzida como uma unidade diferente no texto de chegada.
G5: Mudança Estrutural da Frase
Uma série de mudanças no nível da frase, incluindo número, exatidão e modificação na oração substantiva, pessoa, tempo e modo verbal.
G6: Mudança Estrutural da Oração
Mudanças na estrutura da oração em si tratando de suas frases constituintes.
G7: Mudança Estrutural de Período
Relacionada à estrutura da unidade da sentença.
G8: Mudança de Coesão
Relacionada à referência intratextual, elipse, substituição, pronominalização e repetição; ou o uso de conectores de vários tipos.
G9: Deslocamento de Nível
O modo de expressão de um determinado item muda de um nível (fonológico, morfológico, sintático e lexical) para outro.
G10: Mudança de Esquema
Tipos de mudanças que tradutores incorporam na tradução de esquemas retóricos, tais como paralelismo, repetição, aliteração, ritmo, métrica, etc.
Estratégias Semânticas
S1: Sinonímia
Seleciona não o equivalente óbvio, mas um sinônimo ou um termo ‘quase-sinônimo’.
S2: Antonímia
O tradutor seleciona um antônimo e combina com um elemento de negação.
S3: Hiponímia Mudanças na relação hiponímica.
S4: Conversão
Pares de estruturas (geralmente) verbais que expressam a mesma idéia, mas de pontos de vista opostos, tal como ‘comprar’ e ‘vender’.
S5: Mudança de Abstração
Uma seleção de nível de abstração diferente, podendo variar de abstrato para mais concreto ou de concreto para mais abstrato.
S6: Mudança de Distribuição
Mudança na distribuição dos ‘mesmos’ componentes semânticos para mais itens (expansão) ou menos itens (compressão).
S7: Mudança de Ênfase
Acrescenta reduz ou altera ênfase ou foco temático, por uma razão qualquer.
S8: Paráfrase
Resulta em uma versão do texto de chegada que pode ser descrita como distante do texto de origem; em alguns casos até sem tradução.
24
Componentes semânticos no nível do lexema tendem a ser ignorados, favorecendo a idéia pragmática de alguma outra unidade, como por exemplo, uma oração inteira.
S9: Mudança de Tropos Tradução de tropos retóricos (ex. expressões
figurativas).
S10: Outras Mudanças Semânticas
Incluindo outras modulações de vários tipos, tais como a mudança de sentido (físico) ou direção dêitica.
Estratégias Pragmáticas
Pr1: Filtro Cultural
“tratada também como naturalização, domesticação ou adaptação.”
Pr2: Mudança de Explicitação
“mais direcionada à informação explícita, ou mais direcionada à informação implícita.”
Pr3: Mudança de Informação
“adição de nova informação considerada relevante ao texto de chegada, mas que não está presente no texto original; ou a omissão de informações presentes no texto original consideradas irrelevantes.”
Pr4: Mudança Interpessoal
“altera o nível de formalidade, o grau de emotividade e envolvimento, o nível de léxico técnico e assim por diante: o que quer que envolva mudança na relação entre texto/autor e o leitor.”
Pr5: Mudança de Elocução
“ligada a outras estratégias: Mudança do modo verbal do indicativo para o imperativo, mudança de afirmação para pedido.”
Pr6: Mudança de Coerência
“organização lógica da informação no texto, no nível ideacional.”
Pr7: Tradução Parcial
“qualquer tipo de tradução parcial, tais como tradução resumida, transcrição, tradução apenas de sons e assim por diante.”
Pr8: Mudança de Visibilidade
“mudança na presença de autoria; ou a inclusão evidente ou em primeiro plano da presença tradutória. Por exemplo, notas de rodapé do tradutor, comentários entre chaves; ou comentários adicionais explícitos.”
Pr9: Reedição
“a reedição às vezes radical que tradutores precisam fazer com relação a textos originais mal escritos.”
Pr10: Outras Mudanças Pragmáticas
Mudanças no layout do texto, por exemplo; ou na escolha dialetal.
Fonte: Adaptado de Branco (2010)
25
4. Análise de dados
Versos observados onde há mudanças mais explícitas:
Honor to us all
(O) We’re gonna turn this sow’s ear into a silk purse.
(L) Transformaremos este bicho-de-seda em uma linda bolsa.
(D) Um banho perfumado e vai ficar bem.
De acordo com o dicionário online The Free Dictionary by Farflex, a expressão you
can’t make a silk purse out of a sow’s ear significa “something that you say which means you
cannot make a good quality product using bad quality materials”. Ou seja, você não pode
obter um produto de qualidade valendo-se de materiais inferiores. É impossível qualquer
tentativa de tradução literal ou equivalente, devido à obscuridade da expressão. Só
conseguimos defini-la e explicar o sentido dela, na língua portuguesa, se por paráfrase. Na
legenda, o tradutor aproveitou a palavra silk/seda, tecido apreciadíssimo pelos chineses,
para encontrar uma alternativa para sow’s ear e criar nova metáfora, porém compreensível,
de que a seda estivesse aliada ao que se poderia dizer “de qualidade”. Não importava como
era Mulan e sim, onde ela deveria chegar, em que deveria se transformar. A seda é a
classe, a elegância, a postura o refinamento, a delicadeza, a resignação, também
representados pelo ciclo do bicho-da-seda. Na dublagem os versos são substituídos por
outros elementos. A expressão é totalmente excluída. Aliás, não daria para explicar o
sentido dela em tão poucos versos, palavras e refrões.
(O) A man by bearing arms, a girl by bearing sons
(L) Os homens seguram as armas, a mulher aos seus filhos
(D) Com muita devoção e sempre com ardor
O verso da dublagem teve um claro deslocamento de unidade, devido à própria
musicalidade, métrica e rima, a fim de conservar a forma/ estilo do original. Com muita
devoção e sempre com ardor faz referência a um verso localizado acima que menciona o
dever dos súditos para com o imperador. Com este deslocamento, anulam-se os versos
que revelam a mentalidade chinesa da época, segundo a visão do filme, que ditava quais os
papéis um homem e uma mulher deveriam ocupar na sociedade. Por sua vez, as legendas
quase foram literais se não fosse pelo verbo to bear, em bear arms e bear sons. Em
português, o plural ‘filhos’ pode se referir às crianças masculinas e femininas ao contrário da
língua inglesa, em que ‘sons’ remete apenas aos filhos varões. Se o original foi taxativo ou
caricato ao retratar uma China ‘machista’, é difícil dizer, mas provavelmente, o autor do
26
roteiro original tenha gostado de rimar o nome dos vilões da história, os “Huns” (hunos) com
“sons” (filhos).
(O) Beads of jade for beauty
(L) Colar de jade para dar beleza
(D) Pérolas são belas
Primeiramente, legenda e dublagem sofrem transposições de classes de palavras.
“Beauty”, um substantivo, permanece assim na legenda, porém transforma-se em adjetivo
na dublagem. “Beads” no plural e “colar” (singular) têm uma relação hiponímica, em que o
primeiro representa as partes do segundo, o todo. A palavra jade converte-se em pérola.
Talvez, uma mudança de ênfase, foco temático por razões poéticas. Estas são algumas das
observações que fazem deste verso o mais curioso e interessante. Para quem conhece um
pouco da cultura chinesa, sabe o valor que a pedra jade possui para os chineses. Há muitas
estátuas, palácios, ornamentos e jóias trabalhados em jade, na China. Segundo o site
International Colored Gemstone Association, a pedra jade, para os chineses, incorpora as
virtudes Confucianas, tais como a sabedoria, justiça, compaixão, modéstia e coragem.
Considerada a gema da realeza, compara-se ao ouro e ao diamante nas culturas ocidentais.
Voltando à pérola, a fim de preencher com um número maior de sílabas o verso cantado na
dublagem, embora uma boa solução, ela descaracteriza a cultura onde se passa a história
da heroína Mulan. Não se sabe ao certo, se as pérolas soariam mais familiares aos ouvidos
infantis das crianças brasileiras ao invés de jade, e se por esta razão a pedra/gema foi
“domesticada” em pérolas, mas para quem pode ver a personagem, pérolas em cor verde
não existem, pelo menos naturais. Quando se fala em filtro cultural, domesticação é porque
há algum valor que não é aceito e por isso, é camuflado intencionalmente na tradução. Este
caso parece ser mais uma mudança de foco.
27
5. Considerações Finais
No que diz respeito às questões técnicas envolvidas na legendagem e dublagem de
Honor to us All em Mulan, o número de caracteres por linha na dublagem é notavelmente
inferior ao número de caracteres contidos no processo de legendagem e, às vezes, até
mesmo inferior ao no. de caracteres da versão original, em inglês. A redução de palavras na
dublagem fez com que as mesmas pudessem ser cantadas com um espaço e intervalo
maior e, qualquer desajuste na harmonia, é solucionado pelo prolongamento das vogais.
Tendo em mente o caráter não só informativo, porém, em especial, o comunicativo
de uma tradução, e tendo em vista o público (infantil) com o qual o filme se comunica, a
linguagem utilizada na dublagem cumpre o propósito: é clara, simples e objetiva, embora
sob a ótica de um estudioso de línguas, possa haver mensagens “ocultas”, pragmáticas,
carregadas de juízos de valor. O fato de um verso ser parafraseado ou excluído do original,
tem muito mais a dizer do que ser exclusivamente justificado pela métrica ou rima da
canção, pelo número de caracteres por linha, timing, pietagem etc. (pensando na
transcrição/ roteiro da dublagem); apesar de que estes procedimentos técnicos influenciam
as escolhas do tradutor, o qual terá, também, de tomar muito cuidado para não se prender à
forma e comprometer a beleza e a arte do musical. Mesmo com a descaracterização da
cultura chinesa pela troca das contas jade por colar pérolas, a dublagem é poética e
mantém a sonoridade harmônica do original.
Quanto à legendagem do gênero do filme em questão, pode-se dizer que possui um
papel coadjuvante. Os estúdios Disney possuem uma estrutura e mercado muito fortes,
incluindo grandes projetos e uma ampla equipe de profissionais. Os dubladores são
escolhidos de modo rigoroso e geralmente são atores ou dubladores profissionais e
experientes, com algum conhecimento cênico, de preferência. Além do que, embora não se
possa falar dos adultos, o público infantil brasileiro, aproximadamente dos 5-12 anos, tende
a optar pela dublagem, dado o período escolar, a fase inicial de alfabetização, a maturidade
de absorver informações numa velocidade rápida, enfim.
Este trabalho não seria possível sem o módulo/ disciplina de Legendagem, vista no
curso de pós-graduação. É uma área extensa, riquíssima culturalmente e há muito, ainda, a
ser discutido. Foi um primeiro contato demais prazeroso, totalmente diferente das atividades
a que a autora deste trabalho está acostumada a realizar. Espera-se que este assunto
venha a motivar futuros leitores, leigos ou acadêmicos e a inspirar novas pesquisas sobre o
tema.
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