1 INTRODUÇÃO Nossa experiência no atendimento psicomotor a crianças portadoras de síndromes diversas e de diagnóstico infantil em Psicologia fez com que algumas escolas nos encaminhassem algumas crianças em que se evidenciava alguma “estranheza” na sala de aula. Durante o Curso de Educação Inclusiva da PUC Virtual, tendo em vista a necessidade de escolha de um tema para monografia, surgiu a idéia de abordar a inclusão de crianças autistas na pré-escola, logo após o estabelecimento de seu diagnóstico, salientando as inter-relações entre o processo educativo e o atendimento em Terapia Psicomotora. Este trabalho busca relacionar os dados coletados na Terapia Psicomotora de uma criança com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento que está freqüentando uma escola comum e fazer a interlocução possível entre o tratamento e a escolarização. A Terapia Psicomotora é uma abordagem psicoterápica que é privilegiada para os casos em que, ao trabalhar em um registro de discurso mais próximo das traduções icônicas e indiciais (PEIRCE, 1977), o terapeuta pode levar o paciente para o registro simbólico. Ele vai utilizar a expressividade tônico- cinética do diálogo corporal, mímico, postural, por meio do jogo espontâneo, permissivo, desculpabilizante, que está enquadrado por limites de expressão através da ação. O setting 3
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1 INTRODUÇÃO
Nossa experiência no atendimento psicomotor a crianças portadoras de síndromes
diversas e de diagnóstico infantil em Psicologia fez com que algumas escolas nos
encaminhassem algumas crianças em que se evidenciava alguma “estranheza” na sala de aula.
Durante o Curso de Educação Inclusiva da PUC Virtual, tendo em vista a necessidade
de escolha de um tema para monografia, surgiu a idéia de abordar a inclusão de crianças
autistas na pré-escola, logo após o estabelecimento de seu diagnóstico, salientando as inter-
relações entre o processo educativo e o atendimento em Terapia Psicomotora.
Este trabalho busca relacionar os dados coletados na Terapia Psicomotora de uma
criança com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento que está freqüentando uma escola
comum e fazer a interlocução possível entre o tratamento e a escolarização.
A Terapia Psicomotora é uma abordagem psicoterápica que é privilegiada para os
casos em que, ao trabalhar em um registro de discurso mais próximo das traduções icônicas e
indiciais (PEIRCE, 1977), o terapeuta pode levar o paciente para o registro simbólico. Ele vai
utilizar a expressividade tônico-cinética do diálogo corporal, mímico, postural, por meio do
jogo espontâneo, permissivo, desculpabilizante, que está enquadrado por limites de expressão
através da ação. O setting desse jogo exige também a disponibilidade corporal e a contenção
que o terapeuta oferece.
As crianças com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) têm dificuldade
de assimilar os processos simbólicos, de exercer a linguagem e a comunicação, e, além disso,
apresentam falhas nas capacidades de fixação de atenção (grande dispersão e,
paradoxalmente, hiperseleção de determinados estímulos). Mostram-se apegadas ao concreto,
com dificuldade de generalização e abstração, e sua conduta extravasa-se em agitação e
hiperatividade, ou, ao contrário, há um bloqueio geral e apatia..
A criança autista apresenta diversas características que, agrupadas, constituem a
síndrome, que pode ser de dois tipos, a descrita por Leo Kanner (1943, apud RIVIÈRE,
2004), na qual comumente há atraso mental, e a descrita por Asperger (1944, apud RIVIÈRE,
2004), com alto desempenho ou alto funcionamento.
Oliver Sacks (1995) mostra que o quadro clássico de autismo é “terrível” na
concepção da maioria das pessoas e dos médicos. O que aparece, em geral, é a imagem de
uma criança profundamente incapacitada, com movimentos estereotipados, como os
movimentos de bater com a cabeça e agitar as mãos em flapping (movimentos estereotipados,
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batendo as mãos), sem linguagem ou com comunicação rudimentar, quase inacessível. “Uma
criatura a quem o futuro não reserva muita coisa”. Entretanto, tal concepção difundida pelo
senso comum será amplamente debatida e até mesmo descartada pelo presente trabalho de
monografia.
A Escola Inclusiva é o espaço ideal para a escolarização da criança com Transtornos
Invasivos do Desenvolvimento, pois nela o olhar diferenciado para o sujeito, ou no caso do
autista, para o pré-sujeito no seu vir a ser, consegue abarcar a diversidade e a especificidade
necessária para acolhê-lo.
A construção da inclusão implica um sistema educacional que não é apenas
reprodutivo de modelos e dogmas. Necessita de um modelo relativista que acolha a
experiência de uma interação produtiva entre uma pessoa e outra. A professora facilita o
processo de intercâmbio e possibilita ao aluno ter acesso a novos conteúdos que ele ainda
desconhece.
O intuito deste trabalho de pesquisa baseado no atendimento em Terapia Psicomotora
e na inclusão de uma aluna autista é comprovar a eficácia de uma abordagem corporal pré-
simbólica para ajudar a criança a aceder a seu “eu”, mesmo que existam entraves de uma
patologia específica como os Transtorno Invasivos do Desenvolvimento, e, principalmente,
conferir os resultados positivos da colaboração entre a escola inclusiva e a Terapeuta
Psicomotora que mantêm uma interlocução bem aberta visando ao bem-estar da paciente /
aluno.
Uma vez levantado o tema da correlação entre a Terapia Psicomotora e a Inclusão da
criança com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, torna-se o objetivo do presente
trabalho a comprovação das possibilidades de cooperação entre o atendimento em Terapia
Psicomotora e a escola. Ressaltamos a compreensão, por parte dos educadores, das
características dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, que reflete sobre a inclusão
da criança autista, tendo em vista suas peculiaridades de interação com a escola, o professor e
o grupo na sala de aula. O psicomotricista pode colaborar com essa compreensão devido a
seus conhecimentos teóricos e práticos. Com esse novo olhar, poderemos tentar situar os
processos possíveis de aprendizagem e as adaptações curriculares, estratégias e atividades
necessárias para viabilizar a escolarização da criança.
Especificamente, a discussão abrange as estratégias adotadas em sala de aula para a
inclusão, o reflexo da Terapia Psicomotora na adaptação social e no aprendizado da criança na
escola e os resultados da intervenção e da observação direta da criança em classe, feita pela
psicomotricista, além da troca de idéias entre os educadores e a terapeuta.
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O ponto de partida do entendimento teórico sobre este tema apresentado passa pela
revisão bibliográfica dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, pelas premissas da
psicomotricidade e da psicanálise para compreensão do sujeito desejante e pelo
construtivismo, que aborda o sujeito cognoscente em sua relação com o mundo.
Construímos algumas hipóteses a partir da experiência com o atendimento a crianças
autistas e delimitamos três áreas de investigação para nortear a pesquisa sobre a criança na
terapia e na escola que são: a relação com os outros; a interação com os objetos, o mundo e as
possibilidades cognitivas; e, por fim, as características da escola que permitem a inclusão
dessas crianças especiais.
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2 DESVENDANDO O ENIGMA DO “NÃO-SUJEITO”
Este trabalho de pesquisa orienta-se de acordo com duas vertentes:
afetiva, intersubjetiva, psicanalítica e psicomotora relacional;
cognitiva com o referencial da teoria piagetiana, e da constituição dos
significantes e da metarepresentação.
2.1 Uma Visão Multifacetada do Autismo
O primeiro ponto a ser estudado para se correlacionar o atendimento da criança autista
e a cooperação entre a Terapia Psicomotora e a escola se refere ao diagnóstico específico de
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, sua conceituação e a história da evolução de sua
compreensão a partir das primeiras referências ao autismo.
Para tal voltamos às fontes, com a primeira descrição de Kanner, e buscamos as
referências atuais do campo da psiquiatria, contrapondo à interlocução com a psicanálise,
sobretudo a contribuição de Winnicott, que será o autor central adotado por nós, devido à
grande utilização que fazemos de seus conceitos na clínica de Terapia Psicomotora.
Segundo Assumpção Jr. et al. (2000), que traçam um breve histórico da evolução
desse conceito, em 1943 Kanner descreveu um conjunto de sinais – autismo,
obsessividade, estereotipias e ecolalia – sob o nome de "distúrbios autísticos do contacto
afetivo", relacionando-os a fenômenos psicóticos. Posteriormente, Kanner mostrou que
todos os exames clínicos e laboratoriais da época não forneceram dados consistentes para
determinar sua etiologia, mas propôs o diagnóstico diferencial com os quadros deficitários
sensoriais, como a afasia congênita, e os quadros ligados às oligofrenias, continuando a
considerá-lo na linha da psicose.
Assumpção diz ainda que a partir de Ritvo et al. (1976, apud ASSUMPÇÃO JR et al,
2000) relaciona-se o autismo a um déficit cognitivo, considerando-o não uma psicose e sim
um distúrbio do desenvolvimento. Também Baron-Cohen, pesquisador do Medical Research
Council, de Londres, em trabalho de 1988, citado por Assumpção et al. (2000), considerou
que o autismo pode ter origem afetiva, mas que não se trata de uma resposta a qualquer
possível trauma. O fundamental é a incapacidade do autista em compreender os estados
mentais do outro, que é ligada à evolução cognitiva, constituindo uma dificuldade de
metarepresentação. Há a dificuldade de atribuir mente ao outro com que se defronta. As
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alterações pragmáticas de relacionamento social e de linguagem seriam decorrentes dela.
“Considera assim que: o autismo é causado por um déficit cognitivo central; o déficit é a capacidade de
metarepresentação; e essa capacidade de metarepresentação é necessária nos padrões simbólicos e
pragmáticos.” (ASSUMPÇÃO et al., 2000, p.2).
O termo espectro autista, segundo Rivière (2004), foi introduzido, por Lorna Wing et
al. (1979, apud RIVIÈRE, 2004) e depois completado por Bishop (1989, apud CARDOSO et
al. 2006). Tal conceito propõe a definição de uma entidade nosológica única para os quadros
de autismo infantil – de baixo ou alto funcionamento, juntamente com a Síndrome de
Asperger. A diferenciação destes quadros estaria na intensidade dos desvios de linguagem,
déficits cognitivos e interação social.
De acordo com Rivière (2004), as principais dimensões de variação do espectro autista
são:
1. Transtorno nas capacidades de reconhecimento social.
2. Nas capacidades de comunicação social.
3. Nas destrezas de imaginação e compreensão social.
4. Nos padrões repetitivos de atividade. Refere-se também a outras funções
psicológicas, como a linguagem, a resposta a estímulos sensoriais, a
coordenação motora e as capacidades cognitivas. ( RIVIÈRE, 2004. p.242)
O básico da descrição do espectro autista, reconhecido desde Kanner, é a dificuldade
de estabelecer relações sociais, que os estudiosos da metarepresentação correlacionam à
pouca capacidade de referência conjunta (ação, atenção e preocupação conjuntas), sendo esta
uma característica da pré-linguagem, e à utilização de gestos para compartilhar o interesse
com relação ao outro e ao mundo. Nessa linha de estudos também se salienta o transtorno das
capacidades intersubjetivas e mentalistas enfocando, sobretudo, a ausência de trocas de
olhares significativos ao compartilhar uma ação com outrem e a falta de preocupação
conjunta, de empatia e de possibilidade de colocar-se no lugar do outro para compreender o
que ele sente.
Diz Bosa (2002) em capítulo da coletânea sobre autismo organizada por Camargos Jr.
(2002):
(...) a partir dessa idade [9 meses], emerge a habilidade para compartilhar as
descobertas sobre o mundo ao redor, através da atividade gestual, da qualidade
do olhar e da expressão emocional, que são integrados no ato comunicativo. É
nessa fase, em especial, que os pais começam a notar que seu filho raramente
busca ou "chama" pelo adulto para compartilhar suas experiências de forma
espontânea. (BOSA, 2002, p.45).
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Aí todo o diálogo tônico-cinético, conceito proposto por Ajuriaguerra (1970), se
desenvolve como pré-linguagem intersubjetiva e é nesse foco que a psicomotricidade
relacional tem foro privilegiado.
Uma outra linha de pensamento é a da psicanálise que, a partir de Freud, privilegia o
inconsciente, a libido, os fantasmas na relação mãe - filho e a constituição do sujeito no
Édipo, com estruturas determinantes específicas – neuróticas, psicóticas e psicopáticas, sendo
que o autismo se localiza em um certo tempo prévio ao da psicose e se refere à falha na
simbolização primordial.
Diz Tafuri (2002) no capítulo IX do livro sobre autismo coordenado por Camargos Jr:
O tratamento psicanalítico da criança autista tem recebido, há mais de meio século, críticas incisivas, oriundas do saber científico clássico. As críticas decorrem de dois pontos básicos: da suposta comprovação da natureza orgânica da síndrome, caracterizada como inata e crônica, e da incapacidade cognitiva da criança autista de perceber a si mesma, de se comunicar, de brincar e criar fantasias, itens fundamentais para a aplicação do método psicanalítico. (TAFURI, 2002, p. 47)
O autismo é definido pelos psicanalistas como aquém da alienação significante (da
constituição do inconsciente como linguagem); é situado como vicissitude da etapa mais
primitiva da organização libidinal. Aparece antes da constituição do sujeito barrado, segundo
expressão de Lacan.
Winnicott, pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista inglês, tinha um posicionamento
singular em relação ao autismo. Dizia ele:
Independentemente de chamarmos o autismo de esquizofrenia da infância
inicial ou não, devemos esperar resistência à idéia de uma etiologia que aponta
para os processos inatos do desenvolvimento emocional do indivíduo no meio
ambiente dado. (...) haverá aqueles que preferem encontrar uma causa física,
genética, bioquímica ou endócrina, tanto para o autismo quanto para a
esquizofrenia. Esperamos (...) que aqueles que afirmam que o autismo tem uma
causa física que ainda não foi descoberta permitam àqueles que afirmam ter
pistas seguir estas pistas, mesmo que elas pareçam levar para longe do físico e
para a idéia de uma perturbação na delicada interação dos fatores individuais e
ambientais, conforme eles operam nos primeiríssimos estágios do crescimento e
desenvolvimento humano.. (WINNICOTT, 1997, p. 194)
O psicanalista Winnicott fez seus estudos de maneira espontânea, sem preocupação em
sistematizar e classificar de modo formal seus conceitos; sua obra é de leitura agradável e
pouco pretensiosa quanto ao cientificismo. O tema do autismo, por exemplo, juntamente com
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idéias e conceitos que lhe são importantes, está espalhado por toda a sua obra, embora os
textos mais específicos estejam reunidos em Pensando sobre crianças (1997).
De acordo com a teoria winnicottiana das psicoses, o ambiente falha no fornecimento
da provisão básica ao bebê, o que faz surgir uma agonia imensa, uma angústia impensável,
contra a qual o bebê organiza-se defensivamente. No autismo, essa defesa é a
invulnerabilidade, que o protege de reviver a agonia.
Sem a defesa, a criança ver-se-ia diante “de uma quebra da organização mental
da ordem da desintegração, despersonalização, desorientação, queda para
sempre e perda do sentido do real e da capacidade de se relacionar com os
objetos”, que para Winnicott caracterizam as agonias impensáveis.
(ARAÚJO, 2004, p.46)
É ainda Araújo (2003) que nos traz mais dados:
Um dos pontos evidenciados por Winnicott mais consonantes com a minha
prática clínica com crianças autistas, ponto que pode interferir seriamente na
capacidade do ambiente de fornecer cuidados, é a situação de desamparo da
mãe. Este desamparo, nem sempre percebido à primeira vista, muitas vezes
também não é reconhecido por ela, devido às defesas erigidas contra os
sentimentos de se encontra “perdida”, só e vulnerável”. (...) A preocupação
materna primária poderia ser vista como a capacidade materna de cuidar do
bebê, em grau suficiente para evitar uma agonia. Isto, porque, essa preocupação
permitiria uma adaptação adequada às necessidades do bebê, quando a mãe, ou
seu substituto, coloca-se na pele deste, protegendo-o contra invasões e
imprevistos. (ARAÚJO, 2003, p.3)
A posição de Winnicott diante do desenvolvimento infantil é de grande confiança no
papel saudável da maioria das mães no que se refere ao atendimento dos cuidados básicos que
permitem à criança viver e crescer biologicamente e, sobretudo, psiquicamente.
A mãe suficientemente boa é conceito básico dele. Esta vive a “preocupação materna
primária” e, no início, se envolve totalmente no cuidado de seu bebê, traduzindo e
interpretando o choro e gestos de demanda dele, de modo natural e espontâneo. Com isto ela
permite ao bebê a ilusão de que ele cria a realidade, onipotentemente, de acordo com seus
desejos na fase da “criatividade primária”.
Mesmo sem ser ainda um Eu constituído, algo inato no bebê aponta para uma possível
constituição do Self , ou seja, a totalidade da pessoa, o corpo e as estruturas psíquicas.
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A percepção criativa da realidade é uma experiência do self, ou do núcleo singular de
cada indivíduo, e ela faz parte da ilusão necessária ao bebê para lidar com a realidade. Por
exemplo, se tem fome imagina que o seio surge porque ele o “criou”.
Cabe à mãe suficientemente boa atender a seu bebê a tempo e a hora dando-lhe
inicialmente essa ilusão, para progressivamente desilusioná-lo.
Winnicott propõe três características básicas para a mãe:
• Holding – o modo de carregar o bebê.
• Handling – a maneira de cuidar e de manipular o bebê.
• Apresentação de objetos – o modo pelo qual a mãe vai veicular
o mundo e os objetos para a criança.
Quando um bebê é carregado e tratado de modo satisfatório, ele supera alguma das
ansiedades primitivas, a de queda e de desaparecer, o que lhe dá um sentimento de apoio. O
objeto lhe é apresentado de tal forma que lhe permite a ilusão onipotente de que ele é sua
criação, um objeto subjetivo. Aí ele começa a trilhar o caminho da constituição do self e do
outro.
Diz Winnicott (2006):
(...) há um tipo de necessidade muito sutil, que só o contato humano pode
satisfazer. Talvez o bebê precise deixar-se envolver pelo ritmo respiratório da
mãe, ou mesmo ouvir e sentir os batimentos cardíacos de um adulto. Talvez seja-
lhe necessário sentir o cheiro da mãe ou do pai, ou talvez ele precise ouvir sons
que lhe transmitam a vivacidade e a vida que há no meio ambiente, ou cores e
movimentos, de tal forma que o bebê não seja deixado a sós com os seus
próprios recursos, quando ainda muito jovem e imaturo para assumir plena
responsabilidade pela vida.
Por trás destas necessidades há o fato de que os bebês são sujeitos às mais
terríveis ansiedade que se possa imaginar. Se deixados a sós por muito tempo
(horas, minutos), sem nenhum contato humano ou familiar, passam por
experiências que só podem ser descritas através de palavras como:
ser feito em pedaços
cair para sempre
morrer e morrer e morrer
perder todos os vestígios de esperança de renovação de contatos.
(...) ser feito aos pedaços, por exemplo, passará a ser uma sensação de
relaxamento e repouso se o bebê estiver em boas mãos; cair para sempre se
transforma na alegria de ser carregado, e no entusiasmo e prazer que decorrem
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do movimento; morrer e morrer e morrer passa a ser a consciência deliciosa de
estar vivo e, quando a constância vier em auxílio à dependência, a perda de
esperança quanto aos relacionamentos se transformará numa sensação de
segurança, de que, mesmo quando a sós, o bebê tem alguém que se preocupa
com ele. (WINNICOTT, 2006, p.75-76)
A possibilidade de preocupação materna primária é que estaria prejudicada nas mães
de autistas; elas também se sentiriam perdidas quanto ao modo de lidar com seu bebê, como já
dissemos. O primeiro momento difícil e traumático para mãe / bebê prejudicaria toda a
evolução da criança.
No processo de crescimento do filho, a atitude inicial da mãe deve mudar. Saindo da
fase inicial de dependência total e de ilusão e criatividade primária, o bebê deve aceder
progressivamente a sua separação da mãe, o Eu deverá surgir em oposição ao não-eu, ao
outro, à mãe representante do mundo.
À medida que se realiza o desenvolvimento do filho, a mãe retoma suas necessidades
pessoais e se dá conta de que tem seus prazeres próprios, inclusive na relação com o marido.
O pai lhe deu o suporte para a vivência da díade mãe / bebê inicial, e, agora, começa a
requisitar sua atenção para a vida do casal, e a mãe saudável sabe que deve iniciar uma nova
fase de maternagem. Ela começa a desilusionar o filho, introduzindo-o no princípio da
realidade. A mãe é capaz de frustrar seu bebê, sem lhe causar traumatismos invasivos
(impingement), o que ajuda o bebê na construção de seu Ego.
Quando o bebê começa a sair da ilusão de completude e a ter consciência de si, dá
mostras que necessita de atenção para si, e a mãe vai se adaptando e, ao mesmo tempo,
desilusionando seu filho, mostrando-lhe que tudo que ele deseja não é possível. O caminho se
faz de uma dupla dependência mãe / bebê para a independência.
Por volta de 1 ano muitas crianças experimentam uma determinada integração de si,
com a constituição do Self.
Se o bebê se sente apoiado e não se sente dominado / comandado, cria um self
sensório-motor interior, substancial e autêntico. Para isso necessita do espelhamento da mãe
que confirma e dá validade à sua experiência interior e às suas iniciativas e ações. É a fase
exuberante do desenvolvimento psicomotor da criança que senta, engatinha, anda, busca
objetos e os manipula, enfim, conquista o mundo da realidade.
A criança apresenta sintomas em função de sua ansiedade e de suas fantasias internas
em interjogo com o ambiente perturbador. Este será traumático não apenas pelo que é feito à
criança, mas também pelo que não é posto a sua disposição para ser usado. Os traumas podem
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ser experimentados tanto pela carência dos cuidados de uma mãe deprimida, sem élan vital
(força anímica) para cuidar de seu filho, como pela ação de invasões de uma mãe aflita que se
mostra insegura ou extremamente excitada.
Winnicott usa uma imagem bem ilustrativa para falar da relação simbólica entre mãe e
filho. Ele diz que se mergulhamos a mão fechada na água ensaboada, e depois a abrimos,
entre os dedos, que antes estavam juntos e que agora se separam, surge uma película de sabão.
A película surge porque as características químicas do sabão dissolvido em água permitem
que as moléculas possam permanecer presas umas às outras, formando redes extensas, mas
muito finas. Mas é a abertura dos dedos que cria a película, que antes existia só em potência.
Semelhantemente à imagem da película de sabão, o espaço potencial existe entre a
mãe e o bebê. Esse espaço potencial é criado no momento mesmo em que a criança tem uma
experiência que nele virá a inscrever-se. E a segunda experiência o ampliará, e assim por
diante, e com isso o bebê vai empilhando experiências entre ele e a mãe.
Winnicott diz que o bebê vai se separando da mãe, interpondo experiências pessoais
entre ele e a mãe, mas na medida em que essas experiências começam em seu mundo interno
e terminam ali onde o seu mundo interno abarca a própria mãe, esse espaço potencial que vai
surgindo vai sendo construído, ao mesmo tempo.
É A LIGAÇÃO ENTRE O BEBÊ E A MÃE. NÃO EXISTE UM BEBÊ SEM SUA
MÃE!
Criando o espaço potencial, o bebê constrói uma distância, uma distância que o separa
da mãe. O bebê constrói a si mesmo, elabora seu self, ao mesmo tempo em que constrói a
distância entre ele e a mãe.
É esse espaço entre a mãe e o bebê que será povoado pelos fenômenos transicionais. E
também a partir daí que o self poderá se afirmar. Aí se encontra o objeto transicional que se
forma quando o bebê vive algo de modo auto-erótico, por exemplo, sugar o polegar, e tocar,
por acaso, um cobertor, travesseiro ou bichinho que está no berço. Pode ser mesmo a
atividade de desfiar algum tecido ou de balbuciar algo como “manamame” que acompanha
esse momento. Isso se insere no espaço potencial mãe / bebê. Esse objeto e/ou a atividade
passam a se constituir em fenômenos transicionais.
O objeto transicional é a primeira ilusão do bebê. É o ancestral do espaço transicional
compreendido como espaço intermediário mental, das fantasias, da imaginação e da
criatividade próprias do mundo simbólico que distingue o ser humano do animal.
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No caso da criança autista, todo esse processo de acesso à realidade e de entrada no
mundo simbólico encontra-se tolhido pela defesa da invulnerabilidade primária erigida contra
as ansiedades primitivas já descritas.
Araújo (2004) nos diz:
Ao precisar defender-se, muitas vezes antes de ter implementado suas tarefas
iniciais do amadurecimento – integração, personalização, relação com os
objetos da realidade externa –, a criança terá somente seu recurso mais
primitivo para alcançar a invulnerabilidade: o isolamento. A invulnerabilidade
alcançada dessa maneira impossibilita outras defesas, já que impede a relação
da criança com o outro, e conseqüentemente, o desenvolvimento das tarefas
iniciais, que respaldariam essas defesas minimamente mais evoluídas.
(ARAÚJO, 2004, p.46)
O processo de entrada no simbólico e da possibilidade de criatividade e fantasia
próprias do espaço transicional fica em suspenso na criança autista. Suas atividades repetitivas
e monótonas ocorrem na ausência de toda e qualquer fantasia. Não há aí nenhum jogo
simbólico. O apego a certos objetos, a fixação, o balanceio, a estereotipia com objetos, a
evitação de contatos e relações, são as manifestações da invulnerabilidade “construída
defensivamente” pelo autista.
O psicanalista Winnicott coloca-se, com sua especificidade de compreensão do
inconsciente e da relação objetal, na posição de um teórico desenvolvimentista, pois vê a
evolução libidinal, do objeto de amor e do sujeito, como uma construção que depende da
intersubjetividade e o autismo seria algo que se constituiria nesse processo evolutivo
intersubjetivo. Neste sentido não se afasta demais da compreensão atual do autismo dentro da
perspectiva evolutiva: o autismo constitui um transtorno do desenvolvimento.
Uma compreensão cognitivista do autismo surge em Camargos Jr. (2002):
O autismo é uma desordem comportamental com a etiologia ainda
desconhecida, na qual o principal sintoma é um déficit severo no contato social.
Esses déficit surgem nas primeiras idades do indivíduo e perduram ao longo da
vida.
Uma grave perturbação na capacidade de participar de uma interação social e
também uma inabilidade para interagir com outras pessoas caracterizam a
forma desses indivíduos estarem no mundo. (CAMARGOS JR., 2002,
p.64)
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Camargos Jr. prossegue falando da Teoria da Mente e nos mostra que a grande
incapacidade do autista é atribuir mente ao outro, pois não consegue integrar numa primeira
ordem o reconhecimento de que os outros possuem estados mentais (os outros têm emoções,
também pensam e têm “crenças”) e muito menos a segunda ordem (é possível pensar que o
outro também pensa) ou a terceira (o outro também pode ter crenças sobre a minha crença).
Quanto à polêmica de se encontrar explicações físicas para o autismo, mesmo com o
avanço dos estudos genéticos, pesquisa neuroquímica, exploração citológica, neuroimagem,
eletrofisiologia, etc., ainda não se definiu com precisão possíveis etiologias.
A divulgação científica tem apresentado notícias, de certo modo sensacionalistas,
sobre descobertas recentes de explicação neurobiológica do autismo, mas com pouca
comprovação. Por exemplo, Molenat (2006) publica artigo, transcrito no Journal Santé
veiculado online na França, com a notícia de que Cynthia Schumann e David Amaral do
MIND Instituto da Universidade da Califórnia, estudaram as particularidades do cérebro dos
autistas, e comprovaram que haveria menos neurônios na amígdala dos autistas. Os
pesquisadores buscavam saber em que medida alterações da amígdala, ou mais precisamente
do núcleo lateral dela, uma estrutura que gera as emoções e que modula as zonas implicadas
nas funções cognitivas superiores, poderiam ser responsáveis por este transtorno.
Voltamos a citar Rivière (2004) que coloca dois enfoques historicamente opostos na
explicação do quadro: de um lado, o autismo como transtorno das pautas de relação afetiva,
como um transcurso de intersubjetividade primária, e, de outro, como transtorno cognitivo,
com dificuldade principal em atribuir mente e inferir os estados mentais das pessoas.
Diz ela:
As duas descrições dos transtornos, embora aparentemente contrárias,
obviamente têm muito de acerto. Por um lado, os autistas “não compreendem
bem que tipo de seres são as pessoas”: literalmente “não sabem o que fazer com
elas”. Por outro, têm dificuldades de empatizar com as pessoas, de sentir como
elas: dificuldades que não parecem ser meramente cognitivas. Essa dupla face,
afetiva e cognitiva, dos fundamentos das anomalias de relação das pessoas
autistas só se explica adequadamente da perspectiva ontogenética, na qual os
processos de “inferência fria” são, em si mesmos, derivados de formas de
cognição “emocionalmente envolvidas” nas interações dos bebês com as
pessoas e as coisas. ( RIVIÈRE, 2004, p.244)
2.2 Terapia Psicomotora Relacional: A Descoberta do Sujeito por detrás da Fortaleza
Erigida diante do Outro
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A primeira referência à idéia de uma psicomotricidade atenta para os aspectos
relacionais surgiu na década de 70 em artigo de Jolivet (1972): “Quando a motricidade é
considerada como tradutora essencial das atividades pulsionais e se enquadra na rede da relação de objeto,
fala-se em Psicomotricidade".
Ainda nesta década André Lapierre cria, junto com Bernard Aucouturier, a
Psicomotricidade Relacional. Diz o primeiro (1997):
Liberado de suas preocupações pedagógicas, o psicomotricista podia
consagrar-se inteiramente a seus objetivos psicológicos. (...) tratava-se de
compreender o significado simbólico desses jogos, desses atos espontâneos que
aparecem como uma expressão do imaginário (...) poderemos introduzir-nos na
brincadeira, como parceiro simbólico, para facilitá-la ou provocar sua
evolução. O livro “A Simbologia do Movimento”, publicado com Bernard
Aucouturier em 1975, marca de maneira clara e definitiva uma virada decisiva
na minha evolução pessoal e profissional. A utilização do brinquedo como meio
de acesso ao inconsciente vai constituir a base permanente de toda a minha
pesquisa, prática e teoria. (LAPIERRE, 1997, p.25)
Fui aluna da primeira turma de brasileiros, formada por Lapierre e Nuria Franck, na
década de 90, e segui de perto o trabalho dos mestres, mas cunhei uma abordagem pessoal
devido a minha formação e estudos de psicanálise.
Consideramos a Terapia Psicomotora Relacional, como já dissemos anteriormente,
como privilegiada para o atendimento de pessoas que não atingiram o simbólico, pois
utilizamos a expressividade do diálogo tônico-cinético para levar o paciente para o registro
simbólico, desculpabilizando o desejo, mas contendo sua ação, e revelando disponibilidade
corporal para o contato. Daí a escolha de atender os autistas, seres excluídos do simbólico, em
Terapia Psicomotora Relacional.
A Terapia Psicomotora Relacional considera quatro dimensões do corpo:
Instrumento de ação, que utiliza recursos funcionais, tônico-
emocionais, sensório-motores e perceptivos, e recorre à sua
lateralidade, a atitudes e posturas, além dos gestos e mímicas para
agir e transformar criativamente o mundo.
Instrumento de conhecimento, que situa o próprio esquema
corporal e constrói o espaço, a causalidade e o tempo, através de
sua gestualidade, de seus deslocamentos e de seu ritmo, utilizando
15
suas possibilidades para operar sobre a realidade estruturada
cognitivamente.
Instrumento de relação e expressão fantasmática, sendo que o
jogo espontâneo corporal é veículo simbólico que permite a
tradução intersemiótica dos conflitos, desejos, identificações e
angústias do sujeito.
Instrumento de socialização e linguagem, sendo que o corpo
vivido encontra os obstáculos do social, inserindo-se sob a Lei do
pai, que interdita o gozo, e se mostra em seus gestos, posturas,
mímicas, modos de agir; o corpo é expressivo não só do sujeito
faltante, mas também dos valores culturais, ligados, por exemplo,
às condutas masculinas e femininas, esperadas e estimuladas pela
sociedade.
Estas quatro dimensões se interpenetram e são mutuamente dependentes umas das
outras, apresentando-se na cena terapêutica através das traduções do jogo corporal espontâneo
e simbólico.
Consideramos que o espaço do jogo espontâneo simbólico em Terapia Psicomotora é
um espaço similar ao transicional, descrito por Winnicott (1975), com suas possibilidades de
expressão, de criatividade e do fantasiar. O jogo corporal expressivo e simbólico corresponde
à associação livre de idéias que traduz o fantasiar do paciente.
O enquadre da Terapia Psicomotora é específico. Necessita um espaço amplo que
permita movimentos variados, um canto para relaxamento, por exemplo, com almofadas, e
outro para atividades de coordenação motora fina e grafismo (mesa e cadeira). Utiliza
materiais e objetos pouco estruturados e que possibilitam a ação e criam, de modo
polissêmico, espaços para cenas dramatizadas, além de serem intermediários da relação, ou
até mesmo investidos como substitutos do outro (bolas, bambolês, cordas, jornais e papéis
grandes, tecidos e panos de vários tamanhos, tubos de várias texturas, caixas de papelão,
também de vários tamanhos, etc.). Alguns materiais como bonecos e famílias, materiais de
desenho, pintura e modelagem, além de instrumentos de som e percussão, quebra-cabeças e
jogos mais elaborados, também fazem parte do setting (espaço, enquadre e contenção) da
Terapia Psicomotora e são escolhidos nos momentos em que as crianças buscam se estruturar
e organizar diante de diversas tarefas, de modo mais representacional e menos corporal.
A disponibilidade corporal do terapeuta que se situa como parceiro simbólico dos
jogos, usando seu tônus, seus gestos e a dramatização para intervir nas cenas montadas para o
16
jogo simbólico espontâneo terapêutico, é um elemento privilegiado no jogo simbólico
psicomotor.
No caso de crianças com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento esta abordagem é
privilegiada, pois consegue trabalhar antes da aquisição da linguagem e permite o
estabelecimento dos primeiros vínculos com o outro, a partir do diálogo corporal, tônico-
cinético que, muitas vezes, mostrou-se estranho e atípico nos primeiros contatos da criança
com sua família.
Há várias possibilidades de apresentação de sintomas. Muitos mitos em relação ao
autismo podem ser desmentidos; por exemplo, a evitação de olhar ou a falta de expressões de
carinho nem sempre são uma verdade. Minha experiência atual (desde dezembro de 2004) em
consultório com uma criança de menos de 4 anos, diagnosticada por mim, e por um
neurologista, como apresentando o quadro de autismo, mostra que há graus de
comprometimento diferentes, o que nos leva a ter mais esperança de um prognóstico melhor.
Para o atendimento integrado da criança autista é necessário que o terapeuta
psicomotor tenha livre acesso à escola, sendo que esta, além de inclusiva, necessita de uma
abordagem de construção do conhecimento e uma compreensão da teoria cognitiva e das
metarepresentações para poder atender a esses alunos.
A abordagem da psicanálise em relação ao autismo foi adotada como a linha-mestre
que me orienta no consultório, no atendimento em Terapia Psicomotora, e é através dela que
busco descobrir, por trás da “fortaleza erigida contra o contato com o outro”, a pessoa, o
sujeito, a criança com que me defronto, com toda a estranheza que seus sintomas autísticos
possam revelar.
No atendimento às crianças com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento em
Terapia Psicomotora é estabelecido o pressuposto que há uma falha nas suas capacidades
expressivas e receptivas. Sem estas possibilidades cognitivas, o processo de intersubjetividade
primária que envolve as primeiras interações face a face mãe-bebê não pode ocorrer, ou
ocorre de forma limitada e desvirtuada.
O recurso à linguagem corporal, feita de mímicas e expressões, de melodias da fala e
da gestualidade, num verdadeiro diálogo tônico-cinético acrescido da palavra justa que é
capaz de “mamãezar”, de dar corpo ao encontro “coração a coração” , como bem diz Dolto
(1984), é o instrumento que busco para chegar a estabelecer o contato com a criança autista,
através do jogo espontâneo que ela estabelece com os objetos na sala de Terapia, por mais
rudimentar, estereotipada, repetitiva e sem aparente significação que sua atividade lúdica
possa parecer.
17
Não podemos esquecer, também, que a linguagem é concebida como uma forma de
ação, como uma prática social já que se insere no contexto das interações sociais e é nesse
contexto que se constrói a capacidade especificamente humana (VYGOTSKY, 2003). Então,
todo momento é importante para estimular a comunicação e a fala. Um exemplo do “banho de
linguagem” que busca trazer a criança autista para a comunicação inter-humana é o utilizado
nas sessões de Terapia Psicomotora: são pontuações do vivido através de músicas infantis que
referencio aos objetos que a criança escolhe para manipular, inclusive quebra-cabeças que ela
pode querer montar. Assim, se ela monta um animal, busco nas cantigas infantis alguma
canção que se refira especificamente à aquele bicho e, então, através da repetição, a sua letra é
assimilada pela criança e, aos poucos, com as novas possibilidades expressivas, ela pode
acompanhar o canto da terapeuta.
A aceitação dos gestos repetitivos e estereotipados com os objetos, como também das
ecolalias, dos flappings ou balanceios, do andar em círculos sem objetivo aparente pela sala, é
pontuada, através da verbalização da terapeuta, como um momento em que a criança se fecha
em seu mundinho. Logo, à pontuação verbal segue-se o ato de intervenção psicomotora
tônico-corporal de convite para a relação, pois é importante chamar sua atenção para a
disponibilidade para o contato, buscando seu olhar, aproximando-se dela, falando com ela,
dando-lhe um lugar de sujeito.
Também a ajuda na execução de tarefas que não consegue realizar é imprescindível.
Por exemplo, se as peças que a criança escolheu para a montagem de algum brinquedo são
muito pequenas, finas e delicadas, sempre re-coloco a pontuação verbal de estarmos diante de
um sujeito, mesmo que ele não se saiba, ainda, ser um sujeito – “você pode fazer o que quer e
pode aceitar minha ajuda se precisar”. Ofereço esta ajuda, mas, ao menor gesto de evitação,
me afasto e permito que a criança faça o que ela pretende, do seu jeito, mesmo bagunçando, e
lhe verbalizo que a minha intervenção ocorre quando ela a aceita, e que ela pode dizer não. É
o respeito pela subjetividade nascente!
2.3 A Escola Construtivista e o Contexto Da Inclusão Escolar
O novo conceito de educação especial prevê que o processo educacional considere
todos os alunos enquanto sujeitos e cidadãos, com direito ao conhecimento, mesmo que
alguns tenham limitações, como os alunos com necessidades especiais.
Barbosa (2004) nos diz sobre a Educação Inclusiva:
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É a educação a partir do novo. A professora percebe que não domina o
conhecimento: a riqueza da inclusão é perceber que o educador é também
ajudado pelo portador de necessidades especiais a construir o conhecimento. O
educador também vai aprender porque o outro lhe traz coisas que ele não
percebia antes e novas concepções são construídas a partir desse intercâmbio.
O educador encarna a relação com o grupo dos excluídos e é capaz de criar e
ser facilitador da transformação das pessoas (extraído da teleconferência).
Assim, a Educação Inclusiva é a possibilidade de acolher a criança na escola regular.
Menicucci (2004) explicita as condições para uma escola ser realmente inclusiva:
não rejeita a matrícula de nenhum aluno, independentemente das condições
que ele apresenta;
preocupa-se com a permanência e também com o desenvolvimento de todos
os seus alunos, de forma a não excluí-los durante o percurso escolar, buscando
sempre criar situações de aprendizagem significativas para cada um deles;.
preocupa-se com a formação de cidadãos conscientes, preparados para a
vida fora dos muros da escola;
compromete-se com a formação continuada de seus professores, incentiva o
trabalho cooperativo, respeita a diversidade humana, organiza-se de acordo com
as necessidades de seus alunos;
oferece os apoios e suportes necessários ao sucesso escolar de seus alunos;
busca a parceria disponível para poder oferecer uma educação de qualidade
para todos.
(...)
Para isso, as escolas devem oferecer os suportes de que o aluno vai precisar,
que lhe permita, de fato, estar incluído: os apoios pedagógicos, os apoios
clínicos, a remoção das barreiras, os recursos materiais e tudo o que for
necessário para que ele possa aprender como os outros e com os outros.
(MENICUCCI, 2004. p. 6)
Falar da inclusão implica, também, delimitar qual tipo de escola está apta para incluir
tais crianças.
Qual é a filosofia e a metodologia da escola que a torna realmente inclusiva para
atender a tais crianças com tantas dificuldades de conduta e que fogem dos parâmetros
normais de relações interpessoais?
A primeira resposta a esta questão é que a escola deve preocupar-se com a construção
do conhecimento, se possível, de acordo com as teorias psicogenéticas de Piaget e Vygotsky
que são bastante pertinentes para a intervenção diferenciada com o aluno especial. O aluno
será desafiado por sua curiosidade a envolver-se com o processo de conhecer e interagir com
19
o mundo e o professor será o mediador, aquele que promove a interseção entre a criança e o
conhecimento.
Criança e conhecimento são ressignificados diante de cada proposta e desafio do
educador. Este indica o caminho para alcançar novos conteúdos conceituais, remetendo,
infinitamente, para novas tramas da singular e ampla rede do conhecimento humano.
A diversidade e, por outro lado, a especificidade do sujeito / aprendiz, sempre
envolvido em constantes transformações na interação com seu meio, levam-nos a reconhecer
que os alunos criam diferentes estratégias de compreensão e de ação sobre a realidade, fruto
de suas diferentes inserções sociais e condições socioculturais no seu processo evolutivo.
É nesse espaço atento às diferenças que surgem aprendizagem e conhecimentos que
são explorados como geradores de novos conhecimentos, promovendo a riqueza de pontos de
vista e de experiências que podem ser trocadas.
Os projetos pedagógicos interdisciplinares são matéria-prima para a construção do
conhecimento e aprendizagem. Um projeto de trabalho ligado aos temas centrais do interesse
das crianças será desenvolvido dessa forma. A construção do conhecimento, dentro desta
perspectiva, vincula-se a esse projeto cujo tema é aglutinador, constituído por acontecimentos
sociais que as crianças estejam vivenciando no momento, ou eventos culturais que estejam
previstos na programação da escola (como a visita a exposições ou excursões) ou que sejam
decididos e planejados pelas crianças e/ou pelos professores. A construção de conhecimento
pelas crianças levará à necessidade de uma divisão de tarefas e à busca de informações em
diferentes fontes, o que suscitará a aprendizagem colaborativa e a produção do conhecimento
em rede.
A Escola Balão Vermelho que encaminhou à Terapia Psicomotora o sujeito que é
enfocado neste estudo sobre autismo – a aluna faz parte do seu projeto de inclusão escolar –, é
claramente construtivista e ligada à postura sócio-histórica em educação.
Para compreender melhor o ambiente escolar que inclui a aluna sujeito desta pesquisa,
e levando em conta o que significa a Educação inclusiva, buscamos pesquisar a ideologia e os
fundamentos pedagógicos da Escola Balão Vermelho para colocar-nos a par de suas
possibilidades de atendimento à aluna A. no seu programa de inclusão.
No seu site encontrei sua filosofia e seu projeto pedagógico que estão bem de acordo
com o que considero ser uma escola onde é possível a inclusão:
20
a) Quanto à filosofia
A Escola Balão Vermelho foi criada em 1972, época em que Belo Horizonte
crescia e se modernizava, à sombra da ditadura militar. Naquele momento, mais
do que nunca, pais e educadores discutiam e buscavam melhores alternativas
para a educação. Mais do que ensinar conteúdos tornava-se primordial formar
cidadãos que soubessem pensar e conviver de forma democrática.
Por isso, desde sua criação, o Balão Vermelho adota, sempre de acordo com as
diretrizes do Ministério da Educação, uma metodologia e um currículo abertos às
transformações socio-culturais características da sociedade contemporânea.
A reflexão sobre a prática à luz das questões ligadas ao processo de ensino e de
aprendizagem é permanente, partindo de bases teóricas e conceituais sólidas e
dessa longa experiência prática. O convívio escolar pensado como coletividade,
de forma refletida, leva os alunos a aprender na escola muito mais do que
conteúdos pré-definidos.
A Escola entende que é sua responsabilidade, junto com os pais, contribuir para a
construção da cidadania e autonomia dos alunos, preparando-os para uma maior
capacidade de reflexão, valorização da diversidade e respeito ao outro.
As atividades de ensino e de aprendizagem de todos os segmentos (Infantil,
Fundamental e Superior) organizam-se em torno das seguintes Diretrizes
Curriculares.
b) O Projeto Pedagógico
O Balão adota uma linha pedagógica baseada no processo de construção do
conhecimento, chamada construtivista/ sócio-interacionista, na qual a questão da
socialização da criança, vista como um cidadão em formação, é fundamental.
Assim, o espaço “sala de aula” é visto como um lugar flexível, que pode e deve
ser adaptado a cada proposta interativa de trabalho, como os Projetos, as
Oficinas de Trabalho, a feira literária Giroletras e a feira ecológica Eco-Balão.
Nessa perspectiva, o professor não é o único informante, pelo contrário. Alunos,
professores e o pessoal administrativo atuam e compartilham idéias,
contribuindo para o crescimento de todos.
Na prática, isso significa que a Escola utiliza a Pedagogia de Projetos, uma
proposta que define tudo o que acontece dentro, e fora, de sala de aula. Os
projetos, realizados continuamente pelas turmas, interligam e dão sentido às
atividades que ocorrem na sala de aula. Isso faz com que essas atividades deixem
de ser vistas pelos alunos como obrigações escolares, para se tornarem uma
Suas interações com os objetos mostraram também que A. tornou-se capaz de
abandonar o constante jogo estereotipado (que persiste em alguns momentos) para poder
ultrapassar o nível sensório-motor exclusivo e aceder ao nível pré-operatório de jogo
39
simbólico, começando com as imitações, a utilização de objetos substitutos para representar
algo, de objetos intermediários para chegar ao contato com o outro e de objetos de
intercâmbio quando a inter-relação se estabelece. Sua possibilidade de realizar jogos
construtivos começava a despontar, mas os jogos de regra ainda não lhe são possíveis.
Suas análises dos objetos e do mundo estão mais acuradas e ela faz ligações de formas,
cores, correlacionando partes ao todo em suas brincadeiras preferidas de montar quebra-
cabeças.
Na escola nem sempre A. consegue inserir-se no grupo, principalmente quando o
projeto de trabalho está mais ligado ao reconhecimento da palavra escrita, pois ela começa a
dominar a linguagem falada e tem poucas possibilidades de acesso a simbolismos de segunda
ordem.
Nas atividades mais livres e mais amplas suas possibilidades são mais evidentes e ela
está sempre observando os pequenos grupos e, quando convidada, participa de alguma
atividade, além de desenvolver jogos paralelos com seus colegas.
5.1. Finalizando
A cooperação entre a Terapia Psicomotora e a Escola Inclusiva pode levar ao
desenvolvimento de crianças autistas. Pode auxiliar em sua evolução no sentido da conquista
do Self, do acesso ao sujeito desejante e da pertença a grupos (no caso, o da sala de aula, dos
colegas e a escola).
Do ponto de vista cognitivo, as intervenções psicomotoras e pedagógicas permitiram
que a criança aprendesse a dar mente aos outros, a reconhecer o seu próprio mundo interno e a
ser, portanto, capaz de metarepresentação.
Do ponto de vista da linguagem, não só a compreensão dos significados, mas,
sobretudo, as novas capacidades expressivas e a possibilidade de utilizar significantes e de
pronunciar palavras e construir palavras-frases já apontam o possível caminho de uma
imersão na língua em seus aspectos sociais e interpessoais. O próximo passo do simbolismo
de segunda ordem constituído pela escrita será para um futuro, que espero, seja próximo.
Do ponto de vista psicomotor e psico-afetivo, as conquistas de A. como indivíduo,
como sujeito, como membro de um grupo e da sociedade mais ampla referendam a
possibilidade de fazer a travessia dos fantasmas ameaçadores que tolheram e prenderam em
sua fortaleza vazia um ser humano, com evolução atípica, sendo que este processo lhe
40
permitiu ganhar corpo e alma em seu percurso para encontrar a si mesma e ao mundo dos
outros.
41
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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43
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WINNICOTT, Donald W. Os bebês e suas mães - 3ª. Ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2006.
98 p.
44
ANEXOS:
ANEXO A – Fichas para avaliação de condutas
A especificidade das crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento perante
as outras pessoas, na relação dual e nos grupos, foi o incentivo para a investigação do que
ocorreria a partir do seu posicionamento nos relacionamentos, na escola, sendo que supus que
sua conduta poderia aparecer como o descrito na ficha de observação na ficha a seguir.
A.1 – Ficha de conduta mais geral
1. Ignora o outro
1. recusa do outro
2. evita o outro
1. consegue manter o olhar para o outro por instantes
2. interage de modo intermitente com o outro
3. se fixa em alguém.
Também me interessei em conhecer sua evolução cognitiva, sua descoberta do mundo
e apropriação da linguagem e quais processos lhe permitiriam maior aprendizado. Aí seriam
norteadores da observação em sala de aula as condutas que revelassem:
A.2 Ficha para avaliação de condutas cognitivas
1. O interesse pelos objetos
2. a exploração dos objetos, com ou sem finalidade aparente
3. o uso estereotipado dos objetos
4. a possibilidade de estabelecer coordenações entre os objetos visando um objetivo
5. a situação dos objetos em um espaço com coordenadas (acima, abaixo, adiante, atrás)
6. os objetos relacionados aos esquemas temporais (sucessão, ritmo,etc.)
4. a capacidade de estabelecer relações pré-operatórias
5. a possibilidade de representação mental, a aquisição da linguagem e seu uso específico
6. o estabelecimento de juízos intuitivos
45
A.3 Ficha de observação das relações
Esta ficha de observação foi sintetizada a partir da proposta de Nuria Franch no dossiê
de Psicomotricidade Relacional, da Associación Espanhola de Psicomotricidad Relacional,
Barcelona, junho, 1970, veiculada pela autora no Curso de Formação em Psicomotricidade
Relacional, Rio de Janeiro, 1989/93.
Nela vamos avaliar, de um lado, o processo de socialização do aluno e, de outro, seu
interesse pelo mundo dos objetos e a exploração das qualidades físicas do seu entorno.
Também vamos avaliar o uso simbólico dos objetos para entrar em contato com o outro.
A.4 Ficha dos aspectos sociocognitivos
Para a análise dos aspectos sociocognitivos, complementaremos a observação e
asentrevistas com a professora utilizando uma adaptação dos critérios propostos por Molini
(2001).
Relação interpessoal Relação com os objetos
Ignora Ignora
recusa rejeita
evita prescinde
se fixa em alguém fixação em algum objeto
busca complemento jogo estereotipado
participa paralelamente objeto substituto
participa através de outros destruição de objetos
participa ativamente monopoliza objetos
é passiva ordena objetos sem objetivo
aparente
é agressiva dispersa objetos
é dominadora jogos de imitação
é possessiva objeto intermediário
de submissão objeto de intercâmbio
de imitação atividades exploratórias
de intercâmbio jogo construtivo
46
Intenção comunicativa gestual (ICG)
1. A criança examina ou manipula objetos sem se dirigir ao adulto.
2. A criança expressa reações emocionais a objetos/eventos, incluindo bater palmas, sorrir, fazer
caretas ou bater em algo.
3. A criança emite sinais gestuais que são contíguos ao objetivo, ao próprio corpo ou ao corpo do
adulto, e a partir daí dirige-se ao adulto.
4. A criança repete o mesmo sinal gestual até que o objetivo tenha sido atingido.
5. A criança modifica a forma do sinal gestual até que o objetivo tenha sido atingido, ou seja, ela
repete o sinal com algum elemento a mais.
6. A criança emite sinais gestuais ritualizados que não são contíguos ao objetivo, ao próprio corpo
ou ao corpo do adulto. Ou seja, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos duas ocasiões no
mesmo contexto comunicativo para ser qualificado como ritual.
Intenção comunicativa vocal (ICV)
1. A criança vocaliza enquanto manipula ou examina um objeto ou enquanto ignora um objeto e
não se dirige ao adulto.
2. A criança expressa reação emocional a um objeto/evento, incluindo gritos, risos, choro.
3. A criança emite sinais vocais enquanto se dirige a um objeto ou ao adulto; o mesmo sinal deve
ser usado em pelo menos dois contextos comunicativos diferentes.
4. A criança repete o mesmo sinal vocal até que o objeto seja atingido, e ela dirige-se ao adulto.
5. A criança modifica a forma do sinal vocal até que o objetivo tenha sido atingido; a partir daí, ela
dirige-se ao adulto.
6. A criança emite sons ritualizados, isto é, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos duas
situações com o mesmo contexto comunicativo para ser qualificado como ritual.
Uso de objeto mediador (UOM) Uso de uma ferramenta ou instrumento como forma de obter o
objeto desejado
47
1. A criança usa um instrumento familiar contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.
2. A criança usa um instrumento familiar não contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.
3. A criança usa um instrumento não familiar contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.
4. A criança usa um instrumento não familiar e não contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.
Imitação gestual (IG)
1. A criança imita esquemas de ação familiares.
2. A criança imita gestos complexos compostos de esquemas de ação familiares.
3. A criança imita gestos não familiares visíveis.
4. A criança imita gestos invisíveis não familiares e reproduz o modelo do adulto na primeira
tentativa quando o modelo não está mais presente.
Imitação vocal (IV)
1. A criança imita sons vocálicos familiares.
2. A criança imita palavras familiares.
3. A criança imita padrões sonoros não familiares.
4. A criança imita palavras não familiares e reproduz o modelo do adulto na primeira tentativa
quando o modelo não está mais presente.
Jogo combinatório (JCo)
1. A criança usa esquemas motores simples em objetos.
2. A criança manipula propriedades físicas dos objetos.
3. A criança relaciona dois objetos.
4. A criança relaciona três ou mais objetos sem ordem seqüencial.
48
5. A criança combina pelo menos três objetos em ordem seqüencial.
6. A criança combina mais de três objetos em ordem seqüencial.
Jogo simbólico (JS)
1. A criança usa de forma convencional os objetos realísticos; pode ou não usar substâncias
invisíveis (“como se”), aplica os esquemas apenas em si mesma.
2. A criança usa miniaturas de forma convencional; pode ou não usar substâncias
invisíveis(“como se”); aplica os esquemas apenas a si mesma.
5. A criança usa objetos de forma convencional com substâncias invisíveis (“como se”), aplica o
esquema em si mesma e em outros.
6. A criança usa um objeto pelo outro; aplica o esquema em si mesma e em outros.
49
ANEXO B – Imagens selecionadas
B.1 Produção gráfica na escola em 2006
13 de fevereiro
6 de junho
10 de agosto
50
27 de outubro
30 de outubro
B.2 Clips de vÍdeos nas observações da escola(em arquivos anexos para apresentação à banca)
51
B.3 Foto em Terapia
27 de março 2007 – na cabaninha de contenção
ANEXO C – Relatório das professoras
C.1 Relatório da professora Eliane
Avaliação da professora no período de 12/7/2006 a 15/12/2006
“No período anterior a esta avaliação, no primeiro semestre de aulas, A. foi
gradativamente se adaptando à sala de aula e começou a verbalizar algumas palavras
rudimentares e a se fazer entender.
No final do 1º. Semestre foi marcada uma reunião de avaliação com a presença da mãe
de A., da diretora Leninha Latalisa e da professora Eliane. Leninha passa a palavra para a
educadora que faz um relatório do que disse à família:
Antes de ser professora de A. eu já participava da vidinha dela na escola. Todos são
orientados a atender a ela e levá-la de volta para sua sala.
A necessidade de sair da sala e dar volta pela escola ainda é grande. Geralmente ela
vai para a sala da Claudinha ou para a copa.
Comecei a pedir às pessoas que atendiam a A., nas saídas da sala, que me contassem o
que ela falava quando chegava perto delas.
Na cozinha pede água e na sala da coordenadora do turno da tarde mostra a mão e fala
que tem dodói. Ela sabe que a Claudinha socorre as crianças que se machucam.
Conhecendo um pouco dos movimentos de A., fiz intervenções para que ela pudesse
dar sentido às saídas e para que as pessoas mudassem o comportamento com ela, não
52
aceitando qualquer resposta que ela desse. Por exemplo, para o dodói: Claudinha, deveria
fazer perguntas – Você machucou? Onde?Põe o dedo onde está doendo.
Se as perguntas ficassem sem resposta, deveria levá-la de volta até a nossa sala e me
relatar perto dela o que houve. Eu me colocaria sempre agachada, no seu nível, traduzindo e
ajudando a falar que poderia ela ir até a Claudinha para dar um beijo e depois voltar para a
sala de aula.
Na cozinha, quando ela pedisse água, avisá-la que a água já foi para a sala (a meninada
bebe água na sala), e se isto não tivesse ainda acontecido, deveriam entregar a ela a garrafa
d’água para ela levar para a sala.
O que quis com esta intervenção foi dar nome às ações de A., ajudá-la a saber as
funções das coisas e, assim, trabalhar os limites necessários na escola. Saber que a ida a cada
lugar tem um motivo vem ajudando A. a se orientar. Ela está encontrando as respostas para
alguns porquês.
Na escola temos o mundo do faz-de-conta, mas A. precisa ter ajuda para fixar sua
atenção e trabalhar com o real.
São várias as situações em que eu tenho procurado ampliar para A. o trabalho com o
“de verdade”.
Quando ela pegava a mochila, onde estava sua “muda de roupa” e, anteriormente, a
fralda, a ajudante de sala logo perguntava: “Quer fazer xixi?” e A. respondia: “Qué”.
Por muito tempo a ajudante agiu assim. Um dia eu levei A. ao banheiro e ela nem
sentou no vaso. Pedi, então, à ajudante para conversar mais com A. e não levá-la ao banheiro
só por causa da mochila. Ela passou a perguntar: “O que você quer?” Ou a lhe dizer: “A., não
está na hora de ir embora”. A reação de A. era pular e bater palmas, mas não conseguia falar o
que queria.
Algumas vezes fizemos a leitura do que tinha na mochila e a guardávamos.
Coma as ações sendo nomeadas e tendo sentido, ela começou a controlar a vontade de
sair de sala.
Agora ela já não foge com tanta freqüência. Atende quando a chamo e volta quando
ouve a palavra “volta!”, ou, “A., vem me falar pra onde você vai ou quer ir”.
Com as conquistas dela eu comecei a cobrar mais.
Nas nossas rodas ela senta perto de mim ou perto de um colega que abre um lugar para
ela; e sempre que ela sai, eu direciono a conversa para ela e, assim, ela, mesmo sem falar, dá
uma ajeitada no corpo e permanece na roda.
53
Tem alguns momentos que faço uma brincadeira com cada uma das crianças. Estou
sempre atenta para brincar com A. para que os colegas assistam ao que ela também sabe fazer.
Assim, ocorre com o “pirulito-que-bate-bate”, com o “cadê meu toucinho que estava aqui” e
outros jogos. Assim ela demonstra as conquistas que têm sido freqüentes.
As atividades que ela mais gosta são desenhar, principalmente com o lápis de cera
com que rasga menos o papel, do que com a hidrocor, “ler” os livros da nossa biblioteca e
tocar o meu violãozinho branco. Às vezes ela fica chorosa, ou mesmo quando chega
chorando, eu a chamo para ir ao banheiro, lavo o rosto dela e pergunto: “Quer ler o livro?”
“Quer o violão?” “Quer desenhar?”
Quando eu recebo a resposta “não”, peço ajuda a um colega ou dois, que levam A.
para passear em um lugar combinado. Assim, ela volta bem e os colegas também. Ela está
aprendendo a ir e voltar.
Hoje ela consegue olhar mais para mim e para as outras pessoas. Falo de olhar nos
olhos.
Está observando as brincadeiras dos colegas e até entrando nelas.
Os colegas observam as conquistas de A. e comentam: “Eliane, A. brincou comigo”.
Ou, “Ela pediu água”. “Ela dançou comigo”.
A. precisa ter as ações nomeadas e eu não posso aceitar qualquer resposta dela. A. está
construindo um sentido para as coisas. Antes ela empurrava, hoje ela brinca.
C.2 Relatório da professora Ana Paula
Relação com o outro abril/2007
1. Ignora o outro – na maioria das vezes, entretanto, também brinca com
alguns colegas;
2. recusa do outro – quase sempre;
3. evita o outro – quase sempre;
4. consegue manter o olhar para o outro por instantes – não;
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5. interage de modo intermitente com o outro – raramente, às vezes gosta
de pular junto dos colegas;
6. se fixa em alguém. Às vezes se agarra no adulto que vai sair da sala só
para sair junto
Relação com o objeto abril/2007
1. O interesse pelos objetos – são poucos: carrinhos, pano, a própria mochila.
2. a exploração dos objetos, com ou sem finalidade aparente – sempre que ocorre é com
finalidade;
3. o uso estereotipado dos objetos – ex: quando pega um pano é para se cobrir;
4. a possibilidade de estabelecer coordenações entre os objetos visando um objetivo – às vezes;
5. a situação dos objetos em um espaço com coordenadas (acima, abaixo, adiante, atrás) -
6. os objetos relacionados aos esquemas temporais (sucessão, ritmo,etc.) – não;
7. a capacidade de estabelecer relações pré-operatórias – não;
8.a possibilidade de representação mental, a aquisição da linguagem e seu uso específico –
reduzido, fala poucas palavras;
9.o estabelecimento de juízos intuitivos. – Sim, pede para fazer xixi só para sair da sala.
Aspectos sociocognitivos abril/2007
Intenção comunicativa gestual (ICG)
1. A criança examina ou manipula objetos e não se dirige ao adulto. – Freqüentemente.
2. A criança expressa reações emocionais a objetos/eventos, incluindo bater palmas, sorrir, fazer
caretas ou bater em algo. – Sim.
3. A criança emite sinais gestuais que são contíguos ao objetivo, ao próprio corpo ou ao corpo do
adulto, e a partir daí, ela dirige-se ao adulto.
4. A criança repete o mesmo sinal gestual até que o objetivo tenha sido atingido. –Sim.
5. A criança modifica a forma do sinal gestual até que o objetivo tenha sido atingido, ou seja, ela
repete o sinal com algum elemento a mais. – Raramente.
6. A criança emite sinais gestuais ritualizados que não são contíguos ao objetivo, ao próprio corpo
55
ou ao corpo do adulto. Ou seja, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos duas ocasiões no
mesmo contexto comunicativo para ser qualificado como ritual. – Sim. Ex: bater palmas, pular,
mãos na boca, “fugir” da sala, pedir para ligar para a mãe.
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Intenção comunicativa vocal (ICV)
1. A criança vocaliza enquanto manipula ou examina um objeto ou enquanto ignora um objeto e
não se dirige ao adulto. – Não.
2. A criança expressa reação emocional a um objeto/evento, incluindo gritos, risos, choro. – Sim.
3. A criança emite sinais vocais enquanto se dirige a um objeto ou ao adulto; o mesmo sinal deve
ser usado em pelo menos dois contextos comunicativos diferentes. – Sim.
4. A criança repete o mesmo sinal vocal até que o objeto seja atingido, e ela dirige-se ao adulto.
– Sim.
5. A criança modifica a forma do sinal vocal até que o objetivo tenha sido atingido; a partir daí, ela
dirige-se ao adulto. – Dirige-se ao adulto mesmo sem ter atingido o objetivo.
6. A criança emite sons ritualizados, isto é, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos duas
situações com o mesmo contexto comunicativo para ser qualificado como ritual. – Sim.
Uso de objeto mediador (UOM) Uso de uma ferramenta ou instrumento como forma de obter o
objeto desejado
1. A criança usa um instrumento familiar contíguo ao objeto como forma de obtê-lo. – Sim. A
mochila.
2. A criança usa um instrumento familiar não contíguo ao objeto como forma de obtê-lo. – Sim.
Mostra o copo para pedir água.
3. A criança usa um instrumento não familiar contíguo ao objeto como forma de obtê-lo. – Não.
4. A criança usa um instrumento não familiar e não contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.
– Não.
Imitação gestual (IG)
1. A criança imita esquemas de ação familiares. – Sim.
2. A criança imita gestos complexos compostos de esquemas de ação familiares. – Não.
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3. A criança imita gestos não familiares visíveis. – Não.
4. A criança imita gestos invisíveis não familiares e reproduz o modelo do adulto na primeira
tentativa quando o modelo não está mais presente. – As vezes.
Imitação vocal (IV)
1. A criança imita sons vocálicos familiares. – Sim.
2. A criança imita palavras familiares. – Sim.
3. A criança imita padrões sonoros não familiares. – Não.
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4. A criança imita palavras não familiares e reproduz o modelo do adulto na primeira tentativa
quando o modelo não está mais presente. – Não.
Jogo combinatório (JCo)
1. A criança usa esquemas motores simples em objetos. – Sim.
2. A criança manipula propriedades físicas dos objetos. – Raramente.
3. A criança relaciona dois objetos. – Não.
4. A criança relaciona três ou mais objetos sem ordem seqüencial. – Não.
5. A criança combina pelo menos três objetos em ordem seqüencial. – Não.
6. A criança combina mais de três objetos em ordem seqüencial. – Não.
Jogo simbólico (JS)
1. A criança usa de forma convencional os objetos realísticos; pode ou não usar substâncias
invisíveis (“como se”), aplica os esquemas apenas em si mesma. – Não.
2. A criança usa miniaturas de forma convencional; pode ou não usar substâncias invisíveis(“como
se”); aplica os esquemas apenas a si mesma. – Não.
3. A criança usa objetos de forma convencional com substâncias invisíveis (“como se”), aplica o
esquema em si mesma e em outros. – Não.
4. A criança usa um objeto pelo outro; aplica o esquema em si mesma e em outros. – Não.
Avaliação da professora Ana Paula no período de 4/2007 a 6/2007
“A. chega à escola diariamente chorando muito, gritando e repetindo inúmeras vezes:
‘embora, buscar, banheiro, ligar, Vivi, Luciene, mamãe, papai...’. Assim permanece durante algum
tempo. Se as demais crianças tentam se aproximar dela, reage nervosa e não permite ser tocada. Na
maioria das vezes, sai da sala correndo e vai até o portão de entrada, onde permanece chamando pelas
pessoas da sua casa (mãe, pai, babá e irmã).
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No início deste ano, este comportamento permanecia ao longo da tarde e só era possível
estabelecer algum diálogo quando saíamos do coletivo e, em um lugar reservado, conversávamos
tentando corresponder às demandas da própria A., como, por exemplo, falar de onde os pais pudessem
estar e quando iriam voltar para buscá-la. Ainda assim ela continuava andando de um lado para o outro
da sala, chorando, revirando os olhos e repetindo as mesmas palavras. Usava, como estratégia para sair
da sala, o pedido para usar o banheiro: “Papel, nariz, banheiro”. E quando conseguia, desviava o
caminho e corria para o portão de entrada da escola.
Aos poucos, fui permitindo essas “fugidas” e acompanhava seu trajeto na expectativa de
conseguir pistas como: Quando sai da sala, sai para quê? Onde gosta de ir? Procura algum adulto de
referência? Responde a quem a aborda pelo caminho? Mesmo não tendo encontrado nenhuma
regularidade em suas “saídas”, pude perceber que, fora da sala, A. estabelecia alguma comunicação
com os outros adultos, inclusive chamando-os pelo nome.
No grupo, as crianças têm um carinho imenso por ela. A convidam para assentar e lanchar, já
sabem que ela gosta muito de desenhar e oferecem o papel e a caneta. Organizam-se para brincar junto
dela e a convidam para pular (já que eles a vêem pulando sem parar). Por outro lado, fazem
comentários como: “A A. só sabe chorar”. “Ela não sabe fazer nada”. “A A. baba demais e cospe todo
o lanche”. “Ela nunca vem de uniforme”.
Aos poucos A. foi retomando a relação que ela tinha com algumas crianças no ano passado.
Dessa maneira, o choro da chegada ia cedendo espaço para um envolvimento maior na rotina do
grupo. Após o ritual de chegar, guardar a mochila, vestir a blusa de uniforme e ir ao banheiro, A.
permanece na sala, sem choro, observando sempre de longe o que acontece com os colegas, transita
pela sala soltando boas risadas enquanto observa a meninada brincando e algumas vezes brinca junto.
Gosta de procurar um cantinho na sala e folhear um livro ou brincar com toquinhos de madeira.
Durante alguns dias, A. chegava na escola com muito sono e cochilava em qualquer lugar que
encostasse. Nesses dias eu permitia que ela descansasse, o que ajudava muito no restante da tarde.
Acordava mais calma e mais disposta.
Por três vezes saímos da escola e A. nos acompanhou em todas as visitas: Visita ao zoológico,
exposição de artes (Marcelino Peixoto e Romero Britto). Acompanhou o grupo, observou todos os
movimentos e comentários, além de ter adorado passear de ônibus! (Obs: Acho importante ressaltar a
participação de A. nestes eventos já que a professora anterior relata que a família não a levava para a
escola nestas situações).
Atualmente, durante as brincadeiras mais direcionadas, com regras previamente combinadas,
percebo que A. se distancia do grupo e observa de longe, muitas vezes se divertindo também junto.
Nas brincadeiras de casinha e de livre escolha nos pátios, A. tende a brincar sozinha, mas acaba sendo
abordada por algumas colegas sem recusar o contato. O tempo de permanência nestas brincadeiras
pode variar, sendo ora muito curtos, ora longos e incessantes!”