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MODO DE HABITAR AMAZNICO EM SISTEMAS: APROXIMAES COM O TIPO
PALAFITA
MODO DE HABITAR AMAZNICO EN SISTEMAS: APROXIMACIONES COM EL TIPO
PALAFITO
SYSTEMS OF HABITATION IN AMAZON SYSTEMS: APPROACHES WITH THE
TYPE PALAFITA
Eixo 3 Interfaces entre universidade e sociedade atravs do
projeto: ensino, pesquisa e extenso.
Tain Maral dos Santos Menezes Mestranda PPGAU/UFPA
Ana Klaudia de Almeida Viana Perdigo Doutora, docente
FAU/PPGAU/UFPA
Resumo: Aborda-se o modo de vida dos ribeirinhos em habitaes
tradicionais do tipo palafita da Amaznia. A nfase aos aspectos
culturais ser contextualizada pela teoria sistmica, especialmente o
sistema ciberntico e suas relaes/interaes espaciais. Busca-se
compreender a importncia cultural destas moradias teoricamente
explicitadas por um ponto de vista ciberntico-arquitetnico, com
base na anlise de tipos, para subsidiar intervenes arquitetnicas
que valorizem permanncias na paisagem amaznica e na cultura local.
Palavras-chave: habitar; tipo; sistema; Amaznia.
Resumen: Se aborda el modo de vida de los ribereos em
habitaciones tradicionales del tipo palafito en Amaznia. La nfasis
a los aspectos culturales ser contextualizada por la teora
sistmica, especialmente el sistema ciberntico e sus
relaciones/interaciones espaciales. Se busca comprender la
importancia cultural de estas viviendas teoricamente explicitadas
por un punto de vista ciberntico-arquitetnico, con base em la
anlisis de tipos, para subsidiar intervenciones arquitetnicas que
valorizen permanencias em el paisaje amaznica y em la cultura
local. Palabras clave: habitar; tipo; sistema; Amaznia.
Abstract: This article studies the way of living of ribeirinhos
on traditional houses, know as palafitas, in Amaznia. The cultural
aspects will be contextualized with the Systemic Theory, especially
the cybernetic system and their spatial relationships. Searching
for understand the cultural importance of those buildings with a
cybernetic-architectonic point of view, using the analyse of types
for subsidize architectonic interventions, that enriches the Amazon
landscape and the local culture. Keywords: reside; type; systems;
Amazon.
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MODO DE HABITAR AMAZNICO EM SISTEMAS: APROXIMAES COM O
TIPO PALAFITA
INTRODUO
A teoria sistmica sob o enfoque da ciberntica contribui para a
compreenso do
projeto arquitetnico de modo mais ampliado, pois segundo Bateson
(1972) esta
teoria facilita o entendimento de relaes entre variveis atravs
de interaes
sistmicas que possibilitam atuar sob uma perspectiva mais humana
e, neste caso,
ainda no nvel do processo de projeto pelo tipo.
Pela teoria da ciberntica, um sistema age por meio de interaes
de comunicao e
controle estabelecidas entre as partes, ou subsistemas visando
um equilbrio global,
visto que o mundo natural que nos rodeia tem estrutura geral
sistmica.
(BATESON, 1972, p. 490) No entanto, ao receber informaes de
outro sistema
pode sofrer distrbios quando no h compatibilidade, mas ao mesmo
tempo pode
solucion-los a partir da anulao da informao ou de adaptaes ao
sistema, as
quais muitas vezes provocam a evoluo ou alterao do mesmo.
A casa ribeirinha representa uma arquitetura verncula ao ser
entendida como uma
arquitetura annima, sem interferncia do arquiteto e/ou
engenheiro, exprimindo
atravs de uma rede de interaes aspectos simblicos do ambiente em
que est
inserido que determinam o carter regional e as aspiraes pessoais
e coletivas de
determinadas populaes, conforme Barda (2009) descreve a
arquitetura construda
de maneira espontnea. Age como um sistema ao dialogar com as
condies
fsicas, ambientais e com os usurios ao mesmo tempo controlando
as adaptaes
recorrentes de maneira que a tradio cultural no se perca.
A moradia construda e habitada pelo no arquiteto que, segundo
Rudofsky (1964),
socialmente e culturalmente produzida, apresenta uma natureza
complexa; no
so apenas espaos que se realizam necessidades humanas bsicas,
como o
abrigar-se; existem significados diversos para quem habita.
O estudo do tipo palafita justifica-se ao permitir a compreenso
do padro espacial
da casa ribeirinha no contexto da cultura amaznica, aprofundando
o conhecimento
deste tradicional tipo de assentamento e sua importncia
cultural, alm do fator
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tratado por Oliver (2006), de que somente com a ajuda deste tipo
tradicional de
arquitetura que se resolver o desafio das construes sociais
sustentveis.
Cabe destacar que apesar de seu valor cultural, observa-se o
constante rompimento
com o modo de vida em casas ribeirinhas na Amaznia por meio de
projetos
habitacionais elaborados por arquitetos via poder pblico,
contexto que sugere
alguns questionamentos que devem ser explorados: como o
arquiteto deve agir em
ambientes que mantm modos de vida tradicionais como as casas do
tipo palafita da
Amaznia? Como relacionar o conhecimento emprico do caboclo
ribeirinho com o
conhecimento tcnico do arquiteto? Uma proposta o uso do tipo,
instrumento
arquitetnico que, ao agir como ponto de partida do processo
projetual, acentua as
vivncias espaciais dos usurios, resgatando aspectos da cultura
tradicional de um
povo. (PERDIGO, 2009)
A Ciberntica como uma teoria consolidada e que atua atravs
de
relaes/interaes em sistemas apresenta mecanismos que possam dar
conta de
uma prtica de arquitetura que tenha como ponto de partida o
tipo, visto que se
manifesta no mbito das relaes espaciais. Aponta nesta direo,
pois alm de
atuar de maneira pontual (em subsistemas), no rompendo
drasticamente com os
indcios fsicos do ambiente, foca no processo de projeto em sua
complexidade e
permite uma aproximao do usurio na produo espacial pela
abrangncia de
operaes e interaes prprias de sua constituio terica.
CARACTERSTICAS SISTMICAS SOB A TICA DA CIBERNTICA
A Ciberntica caracteriza-se como um campo terico
transdisciplinar absorvendo
domnios de outras teorias, como a Teoria Geral dos Sistemas e
interdisciplinar, por
surgir da aproximao entre diversas reas do conhecimento como a
engenharia, a
biologia, a qumica, a sociologia, etc. Foi introduzida no
contexto moderno por
Norbert Wiener (1894-1964), em 1948, a partir do desenvolvimento
de uma teoria de
relaes sistmicas. Esta cincia volta-se para o estudo da
comunicao,
organizao e controle (regulao) de sistemas complexos, sejam
estes orgnicos
ou construdos para dar conta do seu funcionamento de maneira
equilibrada.
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Um sistema ciberntico de primeira ordem estrutura-se por meio de
interaes entre
as partes desse sistema, os subsistemas, agindo de maneira
circular, ou seja, no
obedecendo a uma hierarquia linear de aes, visando uma meta ou
objetivo. Para
isto, adota processos de feedback (realimentao) e autorregulao
para
compreender os fluxos de informaes e comunicaes estabelecidas
nestas
interaes atravs da anlise do estado atual e o objetivo do
sistema. Este processo
ocorre atravs da regulao das interferncias do ambiente e dos
sistemas
circunvizinhos. (GLANVILLE, 2007 apud PASCHOALIN, 2012)
A busca pelo entendimento das interaes entre sistemas (sistemas
de observao)
levou ao surgimento de uma ciberntica de segunda ordem. Por
volta de 1960,
Heinz Von Foerster (1911-2002) reconhece a inseparabilidade
entre sistema e
observador, inserindo-o ao processo atravs da ampliao das noes
de
comunicao e regulao pela segunda volta ao sistema ou duplo
feedback. O
observador conduz o processo resoluo do problema atravs do
primeiro
feedback, depois refaz o percurso para confirmar se o sistema
atingiu o equilbrio.
Alm de um maior controle do sistema, este processo aproxima-se
de temas como a
autonomia, auto-organizao e cognio, aprendendo como suas aes
afetam o
ambiente.
Instigado pela maneira que os sistemas relacionam-se por meio de
interaes
comportamentais, o ciberneticista ingls Gordon Pask (1928-1996)
adentra o campo
arquitetnico e formula uma teoria de interao comunicativa entre
sistemas
denominada de Teoria da Conversao. Pask prope uma teoria
reflexiva em que
os participantes da conversa dialogam para que atravs de uma
interao
lingustica ocorra troca e/ou compartilhamento de conceitos afim
de que os conflitos
sejam solucionados. Os participantes dessa conversa, os
sistemas, so
organizacionalmente fechados, mas informacionalmente abertos e
as trocas de
informaes constroem uma malha de vnculos a partir das
coerncias.
Para Pask, os conceitos abstratos da ciberntica podem ser
interpretados no mbito
da arquitetura a fim de gerar uma teoria ciberntica arquitetnica
mais consolidada
que as teorias arquitetnicas existentes, (PASK, 1969) onde o
projetar passa a ser
uma atividade essencialmente dialgica, baseada em trocas,
convencimentos e
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acordos, no mais um processo linear, sequenciado e
unidirecional. (PASK, 1980
apud PASCHOALIN, 2012)
Cabe destacar que as conversaes podem ocorrer em diferentes
nveis de
organizao a partir de interaes espontneas, seja entre indivduos,
entre
individuo e cultura, sociedade e cultura, etc. (PASK, 1987 apud
PASCHOALIN,
2012) As interaes cognitivas entre os sistemas que compem a
realidade
existencial refora a importncia de estudos que resgatem as
relaes espaciais
entre homem e ambiente.
O TIPO PALAFITA COMO SISTEMA
A palavra tipo representa no a imagem de uma coisa a ser copiada
ou perfeitamente imitada, mas a ideia de um elemento que deva
servir como regra para o modelo. (MAHFUZ, 1984, p. 93)
A noo de tipo como uma construo abstrata de repertrio a partir
de relaes
espaciais e programticas originou-se em Quatrmere de Quincy
(1755-1849) no
devendo ser confundido com Tipologia, a qual a sua representao
em termos
geomtricos. (OLIVEIRA, 2010) O tipo um principio geral que atua
na organizao
das relaes espaciais a partir de precedentes que possuem valores
culturais
agregados. (PERDIGO, 2009) Como um instrumento cognitivo de
carter operativo
ele age como ponto de partida e fio condutor do processo
projetual, podendo criar
diversos objetos totalmente diferentes com variaes formais e
estruturais, ou seja,
a partir de um tipo pode-se obter inmeros modelos ou
tipologias.
Verifica-se que o tipo est presente na arquitetura verncula por
meio de um
conhecimento vivo e compartilhado, de um saber tradicional que
perdura no
ambiente atual e constitui a linguagem prpria de uma regio. Ele
atua no espao da
vivncia, o qual possui carter perceptivo. (PERDIGO, 2009)
Comparando-o a um
sistema ciberntico, identifica-se que as interaes ocorrem a
partir das relaes
espaciais, a comunicao pertinente entre os usurios e o ambiente,
sendo que o
controle que mantm a tradio viva. A aproximao do tipo a uma
abordagem
projetual possibilita o resgate da tradio de uma cultura sob o
enfoque das
premissas humanistas de espaos significativos.
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Como uma civilizao tradicional espontnea, as comunidades
ribeirinhas
reproduzem de maneira peculiar o tipo palafita s margens de
igaraps, rios e furos
da Amaznia indicando a resistncia de uma cultura que se adaptou
s terras baixas
e alagveis dominantes na Pan Amaznia1 e a uma floresta densa.
Sob pernas
finas de madeira, as habitaes amaznicas2 do tipo palafita,
dialogam com o corpo
dgua durante a enchente e vazante dos rios, muitas vezes no
existindo contato
entre o caboclo ribeirinho e o cho.
Alexander (1971) afirma que exemplares informais pertencem a
complexos sistemas
de observao, no sendo contestadas pelos seus construtores e
devido aos fortes
laos de tradio fixam-se a redes de significados, resistindo a
mudanas. Desta
forma, o tipo palafita surge como um sistema que estabelece
relaes com materiais
e tcnicas construtivas locais, um dialogo com o rio, com o
conhecimento emprico
herdado dos antepassados e com a adaptao ao ambiente natural.
Pode-se afirmar
que as interaes ocorrem entre subsistemas e de maneira circular
por no haver
uma regra rgida de aes quanto ao controle e adaptaes a esse
sistema.
Diversos autores afirmam que este modo de vida surgiu pela juno
das culturas
indgena, nordestina e europeia. A planta retangular, o telhado
em duas guas, uma
varanda rodeando a construo e janelas cegas com duas folhas so
algumas
similaridades que Oliveira Junior (2009) evidencia entre a casa
ribeirinha com a casa
popular nordestina. No que tange cultura indgena, o uso de
jiraus3 e a adaptao
de materiais construtivos locais (como a madeira para a
estrutura, o cip para as
amarraes e a palha para fechamentos e coberturas), alm da
identidade que os
indgenas possuem com a aldeia, com o ciclo hidrolgico e espaos
de vrzea so
elementos ainda vistos nas comunidades ribeirinhas, (SIMONIAN,
2010; OLIVEIRA
JUNIOR, 2009) como mostra a Figura 1.
1 Amaznia Internacional. Abrange os pases: Brasil, Bolvia, Peru,
Equador, Colmbia, Venezuela e as Guianas
Inglesa, Holandesa e Francesa. 2 Existem dois tipos de habitaes
tradicionais ribeirinhas na Amaznia, as palafitas e as casas
flutuantes, estas
ltimas so construdas sobre toras de madeira e adaptadas para
boiar nos rios. 3 Espcie de grade de varas sob esteio fixado no cho
que serve como cama, ou grelha externa cozinha para
expor ao sol alimentos, roupas, etc. (DICIONRIO INFORMAL)
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O madeiramento abundante contribuiu para a proliferao dessa
tipologia que
permanece at hoje no cenrio amaznico como um organismo
adaptativo que se
multiplica de maneira aparentemente desordenada, mas que
estabelece uma lgica
com as questes culturais, geogrficas e climticas. Derivada de
solues mais
simples, como exemplificado anteriormente, atualmente as
palafitas atingem um
maior grau de complexidade formal vista atravs da variao
construtiva das casas,
do arranjo comunitrio e das necessidades e aspiraes individuais
de cada famlia.
Basicamente podemos dividir o tipo palafita em duas categorias:
em palafitas
urbanas e palafitas rurais, estas ltimas localizadas em ilhas
adjacentes. Mas de
maneira geral, Oliveira Junior (2009) descreve as construes da
seguinte forma: os
fechamentos das paredes das casas so executados em pranchas de
madeira,
atravs de um sistema de encaixe que permite que o ribeirinho
construa, reforme ou
amplie as habitaes e com pequenas frestas que permitem a
ventilao no seu
interior. Na parte externa as tbuas so sobrepostas e fixadas aos
caibros que
sustentam a cobertura, a qual varia entre palha de palmeira
(ainda evidente em
palafitas rurais) e fibrocimento ou de outro material
construtivo que diminua a
manuteno. O banheiro, normalmente separado do corpo da casa, ou
nos fundos,
chamado de casinha e abriga uma pequena rea sanitria que despeja
os dejetos
diretamente no rio; este um dos fatores mais crticos a serem
resolvidos neste tipo
de soluo habitacional. A Figura 2 exemplifica as tipologias.
Figura 01: Habitao nordestina, habitao indgena e palafita
amaznica.
Fonte: Oliveira Junior, 2009; Simonian, 2010.
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O arranjo comunitrio varia em cada localidade. Em culturas de
subsistncia (em
reas rurais) h formao de cidades inteiras sob palafitas, como a
cidade de Afu
no Par, em que a populao desloca-se atravs do rio e de estivas,
assim como em
outras comunidades mais afastadas percebe-se uma distancia maior
entre as casas,
preservando a tranquilidade e o contato com a natureza. Nas reas
urbanas, as
palafitas so mais apinhadas4, produzindo os impactos negativos,
como a
insalubridade, que so destacados como indicadores da erradicao
deste modo de
vida. Esta diferena do arranjo comunitrio vista na Figura 3.
4 Termo regional para designar concentradas em pequenas reas,
adensadas.
Figura 02: Palafitas urbanas na Vila da Barca (PA) e Palafitas
rurais na Ilha do Combu (PA).
Fonte: Laboratrio Espao e Desenvolvimento Humano
LEDH/PPGAU/UFPA
Figura 03: Arranjo comunitrio das palafitas na ilha do Combu e
na Vila da Barca (PA).
Fonte: Sampaio, 2013.
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O complexo sistema descrito representa o espao da vivencia dos
ribeirinhos
amaznicos e de acordo com Norberg-Shulz (1983), estes lugares so
constitudos
por elementos ou smbolos que do significado ao espao e so bases
de
orientao e percepo. Malard (2006) complementa afirmando que eles
remetem
s relaes entre sujeito e ambiente, sendo determinadas pela
tradio cultural e
pelas experincias cotidianas j vividas, as quais esto
impregnadas de emoes,
sejam boas ou ruins. Por isso estes lugares so significativos,
transmitem
sensaes. Rapoport (1978) afirma que um grupo de pessoas de uma
mesma
cultura constri seu espao perceptivo, ou seja, decodifica
elementos no espao que
fazem sentido para o seu habitar.
Em algumas comunidades tradicionais do mundo observa-se uma
maior
padronizao formal, como os iglus dos esquims devido o processo
de regulao
do sistema ser mais rgido, mas nas palafitas amaznicas evidente
a variedade
formal nas casas, principalmente quando so comparadas habitaes
de
comunidades diferentes. Neste sistema, o controle se d nas
estruturas bsicas que
formam o complexo habitacional, que dialogam com a natureza e
mantm as
caractersticas tradicionais, pois nota-se que as comunidades
ribeirinhas adaptam-se
ao meio, mas dificilmente abandonam o tipo palafita como modo de
vida.
Cabe destacar que de acordo com Alexander (1971) as formas de
ambientes
tradicionais so vivas e no estticas, logo sofrem adaptaes. O
sistema identifica
a necessidade de mudana para manter-se em equilbrio, como ocorre
nos
recorrentes ajustes de materiais, principalmente no ambiente
urbano em que h
escassez de materiais naturais, ficando evidente que a partir do
tipo podem-se obter
diversos modelos.
Atualmente vem crescendo o numero de projetos habitacionais
destinados a
comunidades tradicionais na Amaznia, os quais rompem com a
familiaridade do
antigo espao a partir da no considerao do tipo natural das
palafitas. Quando o
arquiteto age nesses ambientes confronta-se com inmeras
variveis, muitas vezes
desconhecidas e tenta process-las todas juntas ou, muitas vezes,
cria conceitos
para definir categorias ou grupos de requisitos; (ALEXANDER,
1971) mas
dificilmente atua no tipo.
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Evidncias so apontadas no conflito arquitetnico existente entre
a casa anterior
tipo palafita e a nova moradia produzida por arquitetos (MENEZES
ET. AL, 2012;
SAMPAIO, 2013; SILVA, 2013) com estudos de configurao espacial
das palafitas
e dos sobrados na rea da Vila da Barca (Belm-PA) que
investigam
comparativamente solues geomtricas e topolgicas da habitao
social com e
sem arquitetos. Os estudos demonstram que h ausncia de
identificao do
morador com o novo espao habitacional que reforado pelas falas
dos mesmos
por meio de consultas verbais.
Um projeto arquitetnico que busca se aproximar do tipo palafita
da Amaznia o
Instituto Tecnolgico Vale (ITV) projetado pelo arquiteto Paulo
Mendes da Rocha em
conjunto com o escritrio Piratininga Arquitetos no Parque de
Cincia e Tecnologia
do Par - UFPA na cidade de Belm. Apesar do carter institucional
e no
habitacional, o projeto resgata algumas caractersticas desse
modo de vida
amaznico pelo tipo palafita.
Sob o Rio Guam, o ITV dialogar com o regime das guas e a
floresta interferindo
minimamente no meio ambiente. A configurao longitudinal do bloco
principal cria
circulaes lineares, muito semelhante disposio dos cmodos em
algumas
habitaes em palafitas na Amaznia, como Silva (2013) e Menezes
et. al (2012)
evidenciam. O contato entre os blocos se d por longos caminhos
que tambm
podem ser comparados s estivas, alm do uso de estacas sob as
guas, neste
caso de ao galvanizado, como mostra a Figura 4.
Figura 04: Instituto de Tecnologia Vale ITV.
Fonte: ArcoWeb, 2012 (adaptado pelas autoras).
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Projetar pelo mtodo tipolgico, ou seja, pelo uso de tipos,
(MAHFUZ, 1986) revela a
utilizao de um principio que rege a criao da diversidade,
incluindo referncias
no geomtricas do usurio, essas que permanecem vivas na vivncia
do usurio,
um avano como ponto de partida do projeto de arquitetura.
(PERDIGO, 2009) A
adoo do tipo palafita como repertrio permite ao arquiteto agir
pelas adaptaes
ao sistema e ao mesmo tempo atende as particularidades de cada
grupo de
usurios.
CONSIDERAES FINAIS
O tipo palafita na Amaznia dialoga no s com o ambiente fsico,
mas com os
aspectos culturais e a vivncia cotidiana dos ribeirinhos, o que
torna essas
construes espontneas uma tradio na regio amaznica, revelando
traos
significativos da cultura amaznica pelo modo de vida. O tipo
palafita se reproduz de
modo espontneo no ambiente amaznico, mas tambm pode ser
apropriado pelo
arquiteto a partir da compreenso das relaes espaciais
socialmente produzidas,
evidenciando uma linguagem do espao caracterstica entre morador
e ambiente
fsico, e assim as caractersticas culturais desse povo podem ser
mantidas para que
no se perca o significado do lugar.
A vivncia humana no espao fsico, principalmente nos lugares de
longa
permanncia humana, como a casa, necessita ser considerada
durante o processo
de projeto. (PERDIGO 2010) Alm de um objeto construdo, seja com
materiais
tradicionais ou tcnicas modernas, o espao arquitetnico acima de
tudo abriga o
homem em sua totalidade, abrangendo suas necessidades, aspiraes
e desejos e
para que este espao seja utilizado pelo prprio homem, necessita
ter significado
para ele.
O apoio da teoria da ciberntica permite a reflexo e construo de
conhecimento
perante a proposio arquitetnica. A sntese dos condicionantes
abordados em
forma de raciocnio projetual abre caminhos para este tipo de
pensamento crtico e
para novas propostas que quando atreladas ao conhecimento terico
possuem
embasamento para a justificativa projetual, o que torna a prtica
profissional mais
reflexiva e controlvel.
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Buscando responder os questionamentos levantados a respeito do
papel do
arquiteto e a proposio pelo tipo, acredita-se que o projeto de
arquitetura que parte
do tipo como um sistema, tende a analisar a natureza do
ambiente, dos signos e as
interelaes necessrias para o bom desempenho da proposta. Desta
forma, o
arquiteto como o gestor desse sistema compensa a organizao de
espaos e
ambientes que considerem os aspectos culturais e as relaes
espaciais, alm de
tornar o ribeirinho um agente ativo na construo do repertrio
projetual, atravs de
uma troca dialtica, como prope Pask (1969), entre o saber
operativo e o saber
emprico enraizado no tipo palafita.
Como h a insero do observador, neste caso o arquiteto, h
interaes
cibernticas de segunda ordem, logo o arquiteto deve dialogar com
o tipo palafita a
fim de entender o seu funcionamento e assim identificar nos
subsistemas a
demanda de solues necessrias para atingir o equilbrio nas
propostas projetuais.
Como isto pode culminar em modos de ver desconhecidos pelo
mesmo, o segundo
feedback afere se o resultado atendeu o objetivo.
A insero deste observador ao sistema pode trazer resultados
bastante
satisfatrios. Atravs do seu conhecimento tcnico e cientifico ele
controla as
adaptaes insatisfatrias ao bom funcionamento do sistema, como as
recorrentes
modificaes de material construtivo nas palafitas, que muitas
vezes so feitas de
forma inequvoca e sugere solues para os recorrentes problemas,
como a questo
da insalubridade os quais so responsveis pela imagem negativa
dessas reas. No
ITV, mesmo que de maneira generalizada, h uma preocupao quanto
ao
funcionamento do ambiente amaznico e com isso uma aproximao do
modo de
apropriao desse espao.
importante perceber que a erradicao do tipo palafita, do cenrio
amaznico, ou
seja, ao no sistema de maneira global, no a melhor soluo.
Atualmente os
projetos realizados para reas em palafitas visam o aterramento e
a substituio do
tipo de moradia, mas tem gerado insatisfao e a recorrente
mobilidade para outras
reas alagveis, porm cada vez mais com maior precariedade. Desta
forma, fica
evidente a importncia do tipo que possibilita a permanncia desse
tradicional modo
de vida na Amaznia.
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AGRADECIMENTOS
A CAPES pela bolsa de mestrado junto ao PPGAU-UFPA. Ao
PROCAD/Casadinho
cujos recursos auxiliaram minha participao na disciplina de
ps-graduao
Concepo Arquitetnica e Cultura Digital, ministrada pela
professora Dra. Anja
Pratschke no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de So Paulo -
So Carlos (SP). professora Anja Pratschke pelo apoio e contedo
ministrado.
minha orientadora Klaudia Perdigo pelo amadurecimento do
conhecimento
adquirido atravs das orientaes da pesquisa de mestrado.
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