O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 6 DE SETEMBRO DE 2015 Metrópole A15 Fabio Leite O calor intenso, a vegetação seca e o efeito esponja provo- cado pelo solo sem umidade são hoje os principais “ri- vais” naturais da recupera- ção dos Sistemas Cantareira e Alto Tietê, que estão à beira do colapso. Mesmo com um volume de chuvas próximo da média neste ano, os dois maiores mananciais que abas- tecem a Grande São Paulo têm recebido menos da meta- de da água esperada nas re- presas, quebrando recordes históricos. Levantamento feito pelo Es- tado, com base em dados for- necidos pela Companhia de Sa- neamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), mostra que choveu no Cantareira entre ja- neiro e agosto uma média de 113,9 milímetros por mês, ape- nas 5% a menos do que o espera- do: 119,9 milímetros mensais. Mas a vazão que de fato enche os reservatórios, seja pela chu- va, pelo rio ou pela recarga do lençol freático, ficou 59% abai- xo da média no período. No caso do Alto Tietê, que es- tá em situação mais crítica por- que só tem 13,3% da capacidade – marca da sexta-feira – e não possui volume morto disponí- vel como o Cantareira, as chu- vas só ficaram 1,7% aquém da média, enquanto a entrada de água nas cinco represas que for- mam o sistema foi 42% menor do que o previsto. Os números mostram, por exemplo, que nes- te ano já choveu na região 44% mais do que no mesmo período de 2014, quando a crise hídrica foi deflagrada, mas a vazão dos rios que alimentam os reserva- tórios caiu 14% agora. O geólogo Pedro Côrtes, pro- fessor de gestão ambiental da Universidade de São Paulo (USP), explica que a falta de chuvas no passado e a superex- ploração dos mananciais duran- te a estiagem secaram não ape- nas os reservatórios, mas tam- bém o lençol freático, o subsolo de rios e represas. Por causa dis- so, hoje, parte da água que caiu da chuva é absorvida pela terra, o chamado efeito esponja. “A partir do momento em que o solo está exposto há mui- to tempo, totalmente resseca- do, a recuperação dos manan- ciais fica ainda mais lenta. Pri- meiramente, é preciso recom- por o nível do lençol freático, até que a água aflore e comece a se armazenar na superfície da represa. Para que isso aconteça, o ideal é que sejam chuvas mais fracas e constantes, que deixam o tempo mais frio e úmido, favo- recendo a penetração da água no solo e acelerando a recarga.” Calor. Esse cenário, contudo, é exatamente o oposto do que ocorreu no mês passado, quan- do o Alto Tietê registrou a me- nor vazão em oito décadas e o Cantareira, o pior agosto desde 1930. O tempo seco, com chu- vas isoladas, e a temperatura mais quente dos últimos dez anos para o mês, alimentaram um segundo vilão natural dos mananciais nesta crise: a evapo- ração da água das represas. “Desde 2014 as temperaturas têm ficado acima da média. Por causa da seca, quando chove, o solo fica úmido nas primeiras camadas, mas isso logo evapora com o calor. É uma perda conta- bilizada pelos nossos modelos de medição”, afirma Adriana Cuartas, pesquisadora do Cen- tro Nacional de Monitoramen- to e Alertas de Desastres Natu- rais (Cemaden). Desde maio de 2014, o órgão do governo fede- ral faz um monitoramento pró- prio do Cantareira. Em condições normais, du- rante o período padrão de estia- gem, que vai de abril a setem- bro, os mananciais são abasteci- dos pela água que fica estocada no lençol freático após a esta- ção chuvosa. “Ela faz o mesmo percurso da água superficial, mi- grando lentamente para os rios e represas, o que garante uma vazão mais perene nos perío- dos sem chuva”, explica Côrtes. Atualmente, porém, com a se- ca prolongada, essa reserva mínima acaba sendo sugada pe- la vegetação que cerca os cor- pos d’água, reduzindo a quanti- dade de água que corre para os reservatórios. “A vegetação no entorno do manancial é de ex- trema importância para o equilí- brio do sistema. As raízes das árvores facilitam a penetração do solo, a sombra delas ajuda o solo a ficar úmido e a evitar a evaporação. Tudo isso garante um fluxo mais perene ao longo do tempo. Mas, nesse ambiente de escassez extrema, a vegeta- ção compete com o manancial nas primeiras chuvas”, conclui o professor da USP. Utilizado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para so- correr bairros da capital paulis- ta que eram atendidos pelo Sis- tema Cantareira no início da cri- se hídrica, em 2014, o Sistema Alto Tietê é hoje o principal ma- nancial paulista a ser socorrido. Desde dezembro de 2013, quando tinha 50% da capacida- de, o sistema formado por cin- co represas situadas entre as ci- dades de Suzano e Salesópolis, na Grande São Paulo, recebe um volume de água abaixo da média histórica. Um ano de- pois, em dezembro de 2014, ele chegou próximo ao colapso, com apenas 4% do estoque. Naquele momento, a Sabesp começou a recuar o que tinha avançado na distribuição de água do Alto Tietê sobre bairros da zona leste paulistana que eram atendidos pelo Cantarei- ra, como Tatuapé, Penha e Can- gaíba. A medida veio acompa- nhada da intensificação do ra- cionamento de água feito pela companhia por meio da redu- ção da pressão e do fechamento manual da rede. Hoje, o sistema atende cerca de 4,5 milhões de pessoas na porção leste da Gran- de São Paulo. As chuvas acima da média en- tre fevereiro e maio ajudaram a salvar o segundo maior manan- cial da região do colapso, mas o agravamento da estiagem nos últimos meses acendeu o sinal de alerta novamente. A Represa Ponte Nova, em Salesópolis, ilustra o cenário crítico. Res- ponsável por 57% da capacida- de de todo o sistema, ele tem apenas 6% do estoque disponí- vel. Vários de seus braços já de- sapareceram em meio à mata ou viraram pasto, a exemplo do que aconteceu na Represa Ja- guari-Jacareí, em Joanópolis, que integra o Cantareira. Simulações feitas pelo enge- nheiro José Roberto Kachel, ex- funcionário da Sabesp e mem- bro do Comitê da Bacia Hidro- gráfica do Alto Tietê, mostram que, se a entrada de água no sis- tema continuar ruim, até 60% abaixo da mínima histórica, co- mo foi em agosto, o manancial pode secar completamente em novembro deste ano. Para tentar evitar o colapso desse sistema, que entrou em operação na década de 1990 e foi fundamental para acabar com o rodízio permanente de água na zona leste, a Sabesp pro- mete concluir neste mês a obra de transposição de água do Sis- tema Rio Grande, um braço da Billings, no ABC, para a Represa Taiaçupeba, em Suzano, onde fi- ca a estação de tratamento do Sistema Alto Tietê. A obra havia sido prometida pelo governador Geraldo Alck- min (PSDB) para maio deste ano, mês em que foi iniciada. Se- gundo a Sabesp, ela só deve en- trar em operação para transfe- rir até 4 mil litros por segundo entre as represas a partir do mês de outubro. / F.L. NA WEB Alto Tietê recebe menos água há 21 meses seguidos acesse 140 VENDAS PARA EMPRESAS 11 3347-7000 0800-0195566 GRANDE SÃO PAULO OUTRAS LOCALIDADES Mesmo com precipitação perto da média, Cantareira e Alto Tietê têm recebido menos da metade da água esperada; agosto foi crítico De solução para ajudar o maior sistema da Grande São Paulo, ele passou a ter de ser socorrido em razão da situação crítica ● Solo seco, vegetação e calor retardam a recuperação dos reservatórios IMPACTO Chuva x Vazão Cantareira CHUVA REGISTRADA, EM MILÍMETROS CHUVA ESPERADA, EM MILÍMETROS VAZÃO REGISTRADA, EM MIL LITROS/SEG. VAZÃO ESPERADA, EM MIL LITROS/SEG. PERÍODO ENTRE JANEIRO E AGOSTO DE 2015 Alto Tietê Chuvas dentro da média não garantem recuperação imediata dos mananciais pelos seguintes motivos: Todos esses fenômenos acabam impedindo que a água da chuva chegue ao rio ou à represa, fazendo com que a quantidade de água que entra no sistema continue muito abaixo da média Na estiagem, a vegetação ‘compete’ com o sistema, absorvendo parte da água que escoaria para a represa Após pouca chuva entre 2013 e 2014, os dois maiores sistemas que abastecem a Grande São Paulo ainda sofrem com vazões muito baixas mesmo com chuvas próximas do esperado em 2015 O solo seco ‘chupa’ a água da chuva até recompor todo o lençol freático, o chamado efeito esponja A pouca água que estava acumulada no manancial evapora com o sol 113,9 119,9 19,6 47,6 112,3 114,3 12,3 21,2 CHUVA REGISTRADA, EM MILÍMETROS CHUVA ESPERADA, EM MILÍMETROS VAZÃO REGISTRADA, EM MIL LITROS/SEG. VAZÃO ESPERADA, EM MIL LITROS/SEG. -5% -1,7% -42% -59% INFOGRÁFICO/ESTADÃO 2 3 Conclusão 1 Efeito esponja vence chuva e agrava crise Online. Confira mais notícias sobre São Paulo http://sao-paulo.estadao.com.br/ 6 JF DIORIO /ESTADÃO Ponte Nova. Represa do Sistema Alto Tietê, em Salesópolis, tem apenas 6% da capacidade