MESTRADO EM VIAS DE COMUNICAÇÃO Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas Estudo Laboratorial dos Fenómenos de Danificação Durante a Instalação e Abrasão nos Materiais André Estácio da Silva Pinto Licenciado em Engenharia Civil pela Facudade de Engenharia da Universidade do Porto Dissertação submetida para obtenção do grau de mestre em Vias de Comunicação Orientadores Professora Doutora Maria de Lurdes da Costa Lopes Professor Doutor Arnaldo Humberto de Sousa Melo Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Porto, Março de 2005
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MESTRADO EM VIAS DE COMUNICAÇÃO - repositorio … · RESUMO A aplicação de geossintéticos em obras de Engenharia Civil é já bastante frequente e as estruturas ferroviárias
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MESTRADO EM VIAS DE COMUNICAÇÃO
Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas Estudo Laboratorial dos Fenómenos de Danificação Durante a Instalação e
Abrasão nos Materiais
André Estácio da Silva Pinto Licenciado em Engenharia Civil pela Facudade de Engenharia da
Universidade do Porto
Dissertação submetida para obtenção do grau de mestre em Vias de Comunicação
Orientadores
Professora Doutora Maria de Lurdes da Costa Lopes Professor Doutor Arnaldo Humberto de Sousa Melo
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Porto, Março de 2005
RESUMO
A aplicação de geossintéticos em obras de Engenharia Civil é já bastante frequente e
as estruturas ferroviárias não são excepção. Também aqui os geossintéticos
apresentam inúmeras vantagens, entre as quais se destacam desde logo as técnicas,
económicas, rapidez de aplicação (especialmente importante nas obras ferroviárias
de reabilitação, em que as intervenções estão limitadas) e as ambientais.
Considera-se a aplicação de geossintéticos em estruturas ferroviárias a incorporação
destes materiais ao nível da infraestrutura. Esta aplicação apresenta,
comparativamente às mais usuais, como as aplicações rodoviárias, um grau de
severidade acrescido, pelo facto dos materiais aqui utilizados possuirem
características de maior agressividade e pelo facto de as cargas aqui aplicadas serem
de magnitude mais elevada.
Assim, como primeiro objectivo deste trabalho, define-se a abordagem às estruturas
ferroviárias ditas convencionais, apresentada no Capítulo 1 da presente dissertação,
e aos materiais geossintéticos, apresentada no Capítulo 2, como introdução ao tema
da aplicação de geossintéticos em estruturas ferroviárias.
Como segundo objectivo, dado que esta aplicação é ainda muito pouco usual em
Portugal, definiu-se a análise do desempenho de diversos geossintéticos nestas
aplicações, apresentada no Capítulo 3, obtida pela exumação dos geossintéticos de
estruturas reais e por estudos laboratoriais realizados em pequena escala e a escala
real. Aí, desde logo se constata que a durabilidade dos geossintéticos é um
importante factor a considerar nestas aplicações, nomeadamente no que diz respeito
aos fenómenos de danificação durante a instalação e abrasão.
Surge então o terceiro e último objectivo deste trabalho, apresentado no Capítulo 4,
que pretende ser uma contribuição para o estudo laboratorial dos referidos
fenómenos, tendo isso envolvido o desenvolvimento de um equipamento laboratorial
para simulação do fenómeno de abrasão, de acordo com a EN ISO 13427, do qual não
se encontram ainda resultados publicados na bibliografia.
Finalmente, no Capítulo 5, é apresentada uma sugestão para o desenvolvimento de
futuros trabalhos de investigação dos fenómenos de durabilidade nestas aplicações.
ABSTRACT
The use of geosynthetics in Civil Engineering Works is now very common and railway
tracks are no exception. Here the application of geosynthetics presents several
advantages such as technical, economical, speed of application (especially important
in rehabilitation works where interventions are limited) and environmental.
The application of geosynthetics in railway tracks is considered to be the application
of such materials at the infrastructure level. This application comparatively to
roadways applications presents a higher severity degree due to the fact of the
granular materials here used being more aggressive and to the higher loads here
applied.
The first objective of this work is defined as the approach to the railway track
structure, presented in Chapter 1, and to the geosynthetic materials, presented in
Chapter 2, as an introduction to the application of geosynthetics in railway tracks.
The second objective of this work, being this application very unusual in Portugal is
defined as the analysis of the performance of several geosynthetics in this
application, presented in Chapter 3, obtained by the exhumation of geosynthetics
installed in railway structures and from laboratory studies. Here the durability aspect
of such materials is considered to play a major role on their performance especially
regarding the damage during installation and abrasion.
The third and last objective of this work, presented in Chapter 4, is a contribution to
the laboratorial study of damage during installation and abrasion on geosynthetics
involving the development of an equipment to simulate abrasion according to the
specifications on the EN ISO 13427 in witch is not yet known any published result.
Finally in Chapter 5 is presented a suggestion for future developments in the study of
the durability aspects for this application.
RÉSUMÉ
L'application de géosynthétiques en ouvrages d' Íngénierie Civile est déjà assez
fréquente et les structures ferroviaires n'en sont pas exception. Ici encore les
géosynthétiques présentente de nombreux avantages, parmi lesquels se détachent
tout de suite les techniques économiques, la vitesse d'application particulièrement
importante dans les travaux ferroviaires de rehabilitation, où les interventions sont
limitées et ceux de l'ambient.
On considère l'application de géosynthétiques dans des structures ferroviaires
l'incorporation de ces matériaux au niveau de l'infrastructure. Cette application
present en comparaison aux plus communes, telles que les applications routières, un
degrè de sévérité accru, par le fait des matériaux ici employés posséder des
caracteristiques de plus d'agressivité et par le fait des charges ici appliqués être de
magnitude plus élevée.
Ainsi, comme premier objectif de ce travail on définit l'abordage aux structures
ferroviaires soit disantes conventionnelles, présenté dans le Chapitre 1 de la présent
dissertation et aux matériaux géosynthétiques présenté dans le Chapitre 2, comme
introduction au thème de l'application de gésynthétiques dans des structures
ferroviaires.
Comme deuxième abjectif, puisque cette application est encore tréspeu usuelle au
Portugal on a défini l'analyse de l'exécution de plusieurs géosynthétiques dans ces
applications présentée dans le Chapitre 3, obtenue par l'exhumation des
géosynthétiques de structures réelles et par des études de laboratoire realisées en
petite échelle et échelle reélle. Lá, tout de suite on constate que la durabilité des
géosynthétiques est un important facteur à considérer dans ces applications,
notament dans ce qui concerne les phénomènes de dommage pendant l'installation et
abrasion.
Voilà alors le troisième et dernier objectif de ce travail présenté dans le Chapitre 4,
ou prétend être une contribuition à l'étude de laboratoire des référés phénoménes,
ayant cela enveloppé le développement d'un équipement laboratoriel pour simulation
du phénomène d'abrasion d'accord avec l'EN ISO 13427 duquel on na pas encore de
résultats publiés dans la bibliogrphie.
Finalement, dans le Chapitre 5 est présentée une suggestion pour le développement
de futurs travaux d'investigation des phénomenès de durabilité dans ces applications.
AGRADECIMENTOS
Na finalização deste trabalho, não posso deixar de manifestar os meus profundos e
sinceros agradecimentos a todas as pessoas que de alguma forma contribuiram
directa, ou indirectamente, para que este se realizasse, e em particular:
- à minha orientadora Professora Doutora Maria de Lurdes da Costa Lopes
(Profª Agregada da FEUP) pela disponibilidade e incentivo que sempre me
manifestou tecnica e pessoalmente para elaboração deste estudo, e pela
disponibilização dos meios financeiros, como Directora do LGS, para a
realização da parte experimental deste trabalho;
- ao meu co-orientador Professor Arnaldo Humberto de Sousa Melo (Prof.
Catedrático da FEUP) pelo interesse que sempre manifestou neste tema e
pela disponibilidade que sempre mostrou no esclarecimento de qualquer
dúvida;
- à minha Família, em especial os meus Pais e Irmão, pelo carinho, paciência
e disponibilidade que sempre me souberam demonstrar, criando-me o
ambiente familiar ideal à realizaçao deste trabalho;
- à Inês pela paciência, compreensão, motivação, amor e carinho que sempre
soube manifestar, mesmo nos momentos mais difíceis, em que tivemos de nos
privar da companhia um do outro;
- a todos os meus Amigos com quem mais directamente convivi na época de
realização da parte experimental, em especial aos Engenheiros Rui Silvano,
Cristiana Ferreira, Carla Carvalho, Mafalda Lopes, Paulo Ribeiro, Joaquim
Macedo e Luciana Neves;
- a todos os meus Amigos que não convivendo directamente comigo na
realização deste trabalho sempre me estimularam e motivaram na sua
concretização, como o Luís, Bernardo, Tiago, Joana, Vasco, Pedro, Sofia,
Alexandre, e a todos os restantes que aqui omito, não por me esqueçer deles,
Quadro 4.6 - Resultados do ensaio de tracção/elongação para provetes submetidos à
abrasão e danificação durante a instalação............................................146
xv
xvi
SIMBOLOGIA
Cu - Coeficiente de uniformidade
Cc - Coeficiente de curvatura
Di - Dimensão da abertura do peneiro correspondente a i % de passados
FI - Índice de Contaminação
Pi - % de passados no peneiro nº i da série ASTM
σ1 - Tensão principal máxima
σ2 - Tensão principal intermédia
σ3 - Tensão principal mínima
ε - Extensão
Er - Módulo resiliente
N - Número de ciclos de carga aplicados
φ' - Ângulo de atrito do solo
ε1r - Extensão axial reversível
xvii
ε3r - Extensão radial reversível
σ1d - Amplitude da tensão axial
σ3d - Amplitude da tensão lateral
p - Tensão normal média
q - Tensão deviatória
εv - Extensão volumétrica
εq - Extensão distorcional
K - Módulo de compressão volumétrica
G - Módulo de distorção
ε1 - Extensão principal máxima
ε2 - Extensão principal intermédia
ε3 - Extensão principal mínima
γ - Coeficiente de anisotropia
A1 - Parâmetro do tipo razão da extensão
B - Parâmetro
xviii
ε*1p - Extensão axial permanente, retirando o valor correspondente aos 100
primeiros ciclos de carga
Ev2 - Módulo de deformabilidade obtido no ensaio de carga em placa
Tlab, corrigido - Valor da propriedade medido em laboratório após correcção
Tdimensionamento - Valor da propriedade obtido em dimensionamento
T - Resistência ao corte na interface solo-reforço
W - largura do reforço na direcção perpendicular à solicitação do reforço
L - comprimento do reforço
σ'n - tensão normal efectiva ao nível da interface solo-reforço
f - coeficiente de interface solo-reforço
fcd - coeficiente de interface em corte directo
Tl - Atrito lateral solo-geogrelha
Ts/s - Atrito solo-solo
as - fracção sólida da área superficial da geogrelha
δ - ângulo de atrito da interface solo-geogrelha
S - distância entre as barras transversais da geogrelha
xix
ab - fracção da largura W da geogrelha disponível para a mobilização da
resistência passiva
'pσ
- tensão passiva mobilizada em termos de tensões efectivas
d - menor dimensão da abertura da geogrelha
F1 - Factor de escala
F2 - Factor de forma das barras transversais
fa - Coeficiente da interface em arranque
ID - Índice de compacidade relativa
DI - Interferência entre barras da grelha
ψ - Transmissividade
k - Coeficiente de permeabilidade
t - Espessura do geotêxtil
Oi - Dimensão aparente dos poros do geotêxtil correspondente a i % de passados
i - Gradiente hidráulico
q - Caudal
∆h - Carga hidráulica
xx
∆a - Comprimento da zona filtrante
θ - Permissividade
RR - Razão de retenção
GR - Razão de gradiente
ks - Coeficiente de permeabilidade medido no solo
ksg - Coeficiente de permeabilidade medido na fronteira solo/geotêxtil
is - Gradiente hidráulico medido no solo
isg - Gradiente hidráulico medido na fronteira solo/geotêxtil
n - Porosidade do geotêxtil
xxi
CAPÍTULO 1
CONSTITUIÇÃO DAS LINHAS-FÉRREAS
1.1 INTRODUÇÃO
As linhas-férreas, desde o seu aparecimento no séc.XVI, com o transporte de minérios
em Inglaterra, foram eleitas como o meio de transporte preferencial de bens,
mercadorias e pessoas. Deve-se isto ao elevado volume transportado, rapidez,
fiabilidade e economia que este tipo de transporte oferecia, face aos seus
concorrentes directos. No entanto, desde à alguns anos que o seu domínio se tem
tornado mais restrito e ameaçado pelo transporte rodoviário, e mesmo aéreo, fruto
da sua não modernização para a competitividade. Assim, o transporte ferroviário,
após um longo período de aparente esquecimento, vê-se motivado a desenvolver e
modernizar as vias, no sentido de com um aumento das velocidades de circulação,
das cargas por eixo transportadas e de uma maior cobertura espacial do território,
não perder a posição preferencial que até então ocupara.
O tipo de estrutura tradicionalmente utilizada, ainda nos dias de hoje, é a via
balastrada. Esta, é constituída por um sistema de camadas múltiplas, cada uma das
quais com funções específicas no funcionamento de toda a estrutura. Assim, ao longo
deste capítulo far-se-á uma apresentação das funções desempenhadas por cada um
dessas camadas, das características dos materiais aí utilizados e do comportamento
mecânico de toda a estrutura. São ainda feitas referências aos principais tipos de
patologias verificadas nestas estruturas, que causam a aceleração da degradação das
suas características resistentes e hidráulicas.
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
1.2 CONSTITUIÇÃO DAS LINHAS-FÉRREAS
As linhas-férreas ditas convencionais, ou balastradas, apresentam uma estrutura
normalmente subdividida em duas grandes componentes. Essas são a superestrutura e
a infraestrutura. Da superestrutura fazem parte os elementos carril, sistema de
fixação e as travessas. Estes elementos são de grande relevância para todo o sistema
na medida em que contactam directamente com o material circulante e transmitem
à infraestrututra as solicitações provenientes deste.
Na infra-estrutura, incluem-se as camadas de balastro, sub-balastro e a plataforma
ou solo de fundação onde a estrutura é apoiada. É na infraestrutura que se
processam a maioria das patologias que causam a rápida deterioração das
propriedades da linha, nomeadamente no que diz respeito ao nivelamento
longitudinal e transversal e às características geométricas do traçado em planta.
Estas patologias são de carácter essencialmente geotécnico e, como tal, merecem
um maior desenvolvimento no sentido de que melhor se compreendam os fenómenos
que aí se processam.
Seguidamente, apresenta-se na Figura 1.1 um corte esquemático de uma secção de
linha-férrea. O princípio básico de funcionamento desta estrutura é o do aumento
gradual das áreas de contacto entre cada componente para que assim se processe
uma degradação progressiva dos esforços solicitantes até tensões na plataforma,
compatíveis com a capacidade de carga do solo de fundação.
CarrilSistema de aperto Travessa
BalastroSub-Balastro
Solo Compactado
Solo de Fundação
Figura 1.1 - Corte esquemático de uma secção de linha-férrea.
1.3 SUPERESTRUTURA
Não sendo âmbito deste trabalho a descrição detalhada desta parte da estrutura
apenas se faz uma breve referência no sentido de compreender as funções
desempenhadas por cada componente.
2
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
Relativamente aos carris, a sua função é de guiar lateralmente o material circulante
(comboios), providenciando uma superfície de rolamento lisa capaz de distribuir as
forças de aceleração e travagem, transmitindo simultaneamente as cargas
verticalmente para as travessas. A sua geometria é completamente definida pela
U.I.C. (Union Internationale des Chemins de Fer) surgindo um perfil designado UIC,
sucedido de uma numeração que identifica o seu peso por unidade de comprimento.
A escolha do seu peso por unidade de comprimento é feita de acordo com a
tonelagem média diária que a linha-férrea serve e dos intervalos de manutenção de
que é alvo.
O sistema de aperto fixa o carril à travessa, sendo interposto entre estes dois uma
palmilha de material elastómero, com a função de absorver parte das vibrações
produzidas durante a circulação dos comboios.
As travessas transmitem as cargas provenientes do carril para a camada de balastro,
tão uniformemente quanto possível, constituindo ao mesmo tempo uma base de
suporte e de fixação do carril. Devem ainda isolar electricamente os dois carris. As
travessas podem normalmente ser constituídas por madeira ou betão, sendo a opção
por um destes materiais feita de acordo com o tipo de solicitações, de factores
económicos, ambientais e técnicos. Dados os avanços realizados nas tecnologias de
betão armado e pré-esforçado, as travessas de betão aparecem com alguma
vantagem decorrente essencialmente da rapidez de fabrico, resistência ao corte e
maior resistência ao ataque biológico.
1.4 INFRAESTRUTURA
1.4.1 Camada de Balastro
A camada de balastro é constituída por material granular, com uma espessura
variável geralmente entre os 25 e os 30cm, sendo o desempenho das suas funções de
especial importância para o correcto funcionamento de toda a estrutura. As
principais funções que geralmente lhe estão atribuídas são:
suportar os componentes que constituem a superestrutura, mantendo-os nas
suas respectivas posições, ao mesmo tempo que garante a degradação das
cargas que lhe são transmitidas pelas travessas;
drenagem das águas chegadas à plataforma para valas ou drenos laterais, e
garantir a protecção contra os efeitos do gelo;
3
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
garantir resiliência e absorção de energia, para que se dê o eficaz
amortecimento das vibrações produzidas pela passagem dos comboios;
permitir, através de operações de manutenção, a correcção, tanto
longitudinal como transversal, da geometria da via;
garantir a estabilidade longitudinal e transversal da via.
Para o adequado desempenho de todas estas funções, assume especial relevância a
granulometria dos agregados utilizados, já que devem ser compatibilizadas funções
resistentes com funções drenantes. Estas duas funções são, no que respeita aos seus
requisitos, contraditórias, já que se por um lado a granulometria deve ser contínua
para garantir maior resistência às solicitações do tráfego deve, por outro lado,
apresentar alguma descontinuidade para garantir melhores condições de escoamento
das águas chegadas à plataforma.
Além da granulometria, outras características devem ser consideradas nas partículas
de balastro. Quando se fala de características é essencial que sejam feitas análises
quer ao nível das partículas, quer ao nível de todo o material na camada da
estrutura. Os ensaios de simples caracterização das partículas servem propósitos de
classificações empíricas, sendo úteis para a caracterização do material ao nível da
extracção e da central de produção. Contudo são manifestamente insuficientes para
caracterizar o comportamento do material integral (Correia, 2003).
Assim, veja-se numa primeira abordagem a caracterização das partículas e
seguidamente o comportamento de toda a camada de balastro.
1.4.1.1 Características das partículas de balastro
A granulometria das partículas obtém-se por peneiração e representa-se,
geralmente, sob a forma de uma curva granulométrica, que relaciona, num sistema
de coordenadas rectangulares, a percentagem do material passado em cada peneiro
com o logaritmo da dimensão da abertura do peneiro.
Na Figura 1.2 pode ver-se a classificação dos materiais em função das curvas
granulométricas que apresentam. Assim, na curva 1 é representado um material com
granulometria extensa (com elementos de vários tamanhos e que geralmente
propiciam maior imbricamento entre partículas), na curva 2 uma material com
granulometria uniforme - típica de um material de balastro - (constituída
4
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
maioritariamente por partículas mais ou menos com o mesmo tamanho) e na curva 3
um material mal graduado (com falta de partículas de determinado tamanho).
Figura 1.2 – Curvas granulométricas (Correia, 1980).
Existem dois parâmetros, que podem ser obtidos a partir da curva granulométrica, e
que ajudam a caracterizar as suas diferenças. Estes são:
o coeficiente de uniformidade, Cu, expresso pela relação
10
60
DD
Cu = (1.1)
e o coeficiente de curvatura, Cc, expresso pela relação
6010
230
DDD
Cc = (1.2)
em que D10, D30 e D60 são os diâmetros correspondentes, respectivamente a 10, 30 e
60% de passados. Valores de Cu a partir de 4 ou 5 denotam solos bem graduados,
sendo o solo uniforme para Cu igual à unidade. Para valores de Cc entre 1 e 3 o solo
será bem graduado.
5
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
No que respeita à curva granulométrica de um balastro, tendo em conta as
propriedades drenantes da camada, a bibliografia da especialidade parece ser
consensual em que se deva usar uma granulometria grosseira uniforme, para que esta
camada adquira propriedades auto-drenantes, ou seja, que a água que chega à
plataforma seja escoada lateralmente através da camada de balastro sem que
ocorram infiltrações para as camadas inferiores. Como se pode ver no Quadro 1.1,
são apresentadas as categorias, definidas na EN 13450 – “Agregados para balastro da
via-férrea”, relativas às curvas granulométricas que um balastro para via-férrea deve
possuir, onde se constata a efectiva exigência de uma granulometria descontínua
para o material de balastro.
Quadro 1.1 – Categoria para a granulometria (EN 13450).
Balastro de via férrea de dimensão
31,5 mm a 50 mm
Balastro de via férrea de dimensão
31,5 mm a 63 mm Percentagem que passa, em massa
Categoria “Granulometria”
Abertura do peneiro (mm)
A B C D E F 80 100 100 100 100 100 100 63 100 97 a 100 95 a 100 97 a 99 95 a 99 93 a 99 50 70 a 99 70 a 99 70 a 99 65 a 99 55 a 99 45 a 70 40 30 a 65 30 a 70 25 a 75 30 a 65 25 a 55 15 a 40
31,5 1 a 25 1 a 25 1 a 25 1 a 25 1 a 25 0 a 7 22,4 0 a 3 0 a 3 0 a 3 0 a 3 0 a 3 0 a 7
31,5 a 50 ≥50 ≥50 ≥50 - - - 31,5 a 63 - - - ≥50 ≥50 ≥85
Um estudo Europeu realizado pela ORE (Office for Research and Experiments) sobre
as características de deformação do balastro, com carregamentos em amostras
confinadas por anéis metálicos, indicou que o módulo de elasticidade da amostra é
maior para partículas equidimensionais do que para partículas achatadas. Verifica-se
ainda que as partículas de forma achatada ou alongada dificultam as operações de
compactação, pelo que as partículas devem ser predominantemente do tipo
equidimensional.
Vallerga et al. (1975) realizou ensaios triaxiais sobre amostras de material granular
anguloso e rolado, chegando à conclusão de que o material angular oferece maior
resistência ao corte que o rolado.
Thom e Brown (1988 e 1989) mostram nos seus estudos, sobre as características
superficiais do agregado, que o aumento do atrito superficial das faces das partículas
causa um aumento do módulo de resiliência do agregado. Mostram ainda que o
aumento da rugosidade superficial das partículas provoca uma maior resistência às
6
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
deformações plásticas sob a acção de cargas repetidas. Por último, verifica-se que o
aumento da angularidade das partículas e da sua rugosidade superficial aumenta a
resistência ao corte da amostra. Esta angularidade é ainda favorável à dissipação de
energia por atrito interno entre grãos, garantindo assim o eficaz amortecimento das
vibrações produzidas pelo tráfego ferroviário. Este amortecimento de vibrações será
tanto maior quanto mais espessa for a camada constituída por este material.
Até ao ano de 2003 as especificações para a aceitação de um balastro para via-férrea
eram definidas a nível nacional pelas companhias de caminhos-de-ferro, em Portugal
pela CP através da instrução técnica IT/DIF/01/75, AREA (1988). Em Dezembro de
2002, surge a norma europeia EN13450 – “Agregados para balastro da via-férrea”,
que prevê a sua adopção por todos os países da União Europeia como norma nacional
até Junho de 2003, revogando qualquer norma nacional existente, o mais tardar até
Junho de 2004. A referida norma especifica as propriedades dos agregados obtidos
por processos naturais ou artificiais ou materiais britados reciclados para a utilização
na construção de linhas-férreas. As propriedades aí referidas abrangem requisitos
geométricos, físicos e de limpeza, cada um destes com os seus critérios, de acordo
com o indicado no Quadro 1.2.
Cada uma destas propriedades permite enquadrar o material numa categoria, de
acordo com a norma, que deverá ser especificada pelo produtor quando este fornece
o material.
Quadro 1. 2 – Requisitos para o material de balastro usado em via-férrea (adaptado da EN 13450).
Requisito Critério
Geométrico
Análise granulométrica Dimensão do balastro da via férrea Partículas finas Finos Forma das partículas (índice de achatamento) Comprimento das partículas
Resistência à fragmentação (ensaio de Los Angeles) Resistência ao desgaste (ensaio de Micro-Deval)
Resistência ao gelo/degelo Densidade das partículas Absorção de água
Físico Durabilidade
“Sonnenbrand” Limpeza Componentes prejudiciais
As propriedades mecânicas do balastro resultam de uma combinação das
propriedades físicas das partículas e do seu desempenho dentro da camada. Um dos
parâmetros que controla o funcionamento da camada é o estado de colocação,
7
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
nomeadamente a sua compacidade “in situ” inicial, sendo esta controlada por acções
de compactação.
Quando em serviço, as características do material vão-se alterando, adquirindo
progressivamente maior compacidade, mudando inclusivé as propriedades do próprio
material de balastro. Esta mudança das propriedades são o resultado de :
degradação mecânica, em consequência de trabalhos de construção e
manutenção, bem como das acções cíclicas do tráfego circulante;
degradação química e mecânica como resultado de factores ambientais;
migração de partículas finas a partir da superfície e de camadas inferiores.
Esta alteração das propriedades do balastro dá origem a um fenómeno vulgarmente
designado por contaminação, o qual merece maior desenvolvimento para melhor
compreensão das suas fontes e consequências no comportamento da camada.
Contaminação do balastro
Designa-se por contaminação do balastro a presença neste de partículas com
dimensão inferior a 6mm de diâmetro. Aquando da colocação inicial do balastro na
estrutura, é normal que uma reduzida percentagem (1 a 2%) destas pequenas
partículas esteja já presente no material. No entanto, com a progressiva utilização
da via pela passagem de tráfego, essa percentagem tende a aumentar, em maior ou
menor grau, consoante as condições verificadas no local. A progressão da
contaminação do balastro pode ter várias fontes que actuam isolada ou
conjuntamente. Das cinco fontes de contaminação apresentadas no Quadro 1.3,
aquela que acontece, com maior ou menor intensidade, mesmo nos casos em que
todas as restantes estruturas que compõem a via funcionem de acordo com o
previsto, é a degradação do balastro. A degradação do balastro nem sempre é mais
intensa por baixo das travessas, isto por causa da acção mecânica dos agentes
atmosféricos (gelo/degelo e as altas temperaturas), das acções de manutenção –
tamping - e também porque as partículas finas “contaminantes” migram devido às
acções vibratórias causadas pelo tráfego e circulação de água.
8
Capítulo 1 Constituição das Linhas-Férreas
Quadro 1.3 – Fontes de contaminação do balastro (adaptado de Selig e Waters, 1994).
Fonte Origem a) Operações de extracção, transporte, manuseamento e deposição b)Aumento de tensão quando exposto a altas temperaturas (deserto) c)Tensões internas devido ao congelamento de água nos seus poros d)Agentes químicos (incluindo chuvas ácidas) e)Acções de manutenção (“tamping”) f)Acções induzidas pelo tráfego: cargas repetidas, vibrações, acção hidráulica da lama produzida
Degradação do balastro
g) Máquinas de compactação a)Aquando do fornecimento b)Partículas caídas dos comboios c)Trazidas pelo vento e água
Infiltração a partir da superfície do balastro
d)Salpicos de locais molhados adjacentes Travessas Desgaste das travessas
a)A partir de balastro antigo, quando em obras de reabilitação Camadas granulares inferiores b)A partir do sub-balastro, quando este não apresenta a
granulometria adequada à função que desempenha Fundação Infiltração a partir da fundação
Note-se que a contaminação pode por em causa as capacidades de drenagem do
balastro (Quadro 1.4), na medida em que os vazios nele existentes são preenchidos
pelos finos contaminantes, reduzindo assim a sua condutividade hidráulica, bem
como as suas características de resistência. Isto porque os finos, na presença de
água, dão origem a uma lama erosiva que causa a degradação prematura (por
aumento do atrito entre os grãos) das partículas do balastro.
Quadro 1.4 – Índices de contaminação do balastro (adaptado de Selig e Waters,1994).
Classe de contaminação do balastro Índice de contaminação (FI) Condutividade hidráulica do
Após a escolha e produção do(s) polímero(s) mais adequado(s) a utilizar, estes vão ser
convertidos em componentes, para posterior constituição da estrutura do
geossintético.
Componentes
Formulada a mistura adequada de polímeros sob condições de temperatura e pressão
controladas, estes são transformados em componentes. Basicamente existem dois
métodos de produção de componentes, ambos por extrusão, a partir da referida
mistura:
- a produção de um filme contínuo, ou folha, que pode ser posteriormente dividido em
tiras por corte; a mistura em fusão é forçada a atravessar uma fenda, variável em
espessura.
- a produção de filamentos contínuos, obtidos a partir da passagem da mistura numa
placa perfurada; a mistura em fusão é forçada a atravessar uma placa pefurada.
Imediatamente após a produção dos componentes estes são endurecidos e
solidificados, normalmente por reaquecimento e estiramento. O processo de
32
Capítulo 2 Geossintéticos
estiramento reduz a secção dos componentes e causa uma reorientação das
moléculas. O resultado é um aumento da sua resistência à tracção e do seu módulo de
deformabilidade, acarretando no entanto, uma diminuição da elongação na rotura e
em fluência.
Estes componentes podem ser usados separada ou conjuntamente, dando origem, por
exemplo, a fios pelo entrelaçar de filamentos ou a tiras multifilamentos pelo
entrelaçar de tiras. Apresenta-se na Figura 2.1 os principais tipos de componentes de
geossintéticos, e que são: monofilamentos, multifilamentos, fibras (obtidas do corte
dos filamentos), fios, monofilamento reforçado e multifilamento reforçado.
Monofilamento
Multifilamento
Fibras
Fios
Monofilamento reforçado
Multifilamento reforçado
Figura 2.1 – Principais tipos de componentes dos geossintéticos. (adaptado de Koerner, R. 1999).
Após a produção dos componentes, estes são convertidos em geossintéticos. A sua
estrutura define o tipo de geossintético produzido tendo a sua classificação já sido
apresentada no Quadro 2.1.
Existe uma grande variedade de geossintéticos com tecnologias de fabrico específicas.
Não sendo essência deste trabalho essa descrição, apenas vai ser abordado o processo
de fabrico e o tipo de estrutura dos geossintéticos mais frequentemente aplicados em
obras ferroviárias, sendo esses os geotêxteis tecidos e não tecidos, as barreiras
geossintéticas e as geogrelhas.
33
Capítulo 2 Geossintéticos
2.2.1 Geotêxteis Tecidos e Não Tecidos
Os tipos de polímeros que normalmente são utilizados na contituição destes
geossintéticos, nas respectivas proporções, são os seguintes: Polipropileno(≈85%),
Poliéster(≈12%), Polietileno(≈2%), Poliamida(≈1 a 2%).
Os geotêxteis tecidos são formados na sua estrutura por uma distribuição regular de
filamentos, geralmente contínuos, entrelaçados paralela e perpendicularmente, como
se mostra na Figura 2.2 a). Normalmente esse tipo de geotêxtil não sofre qualquer
processo de ligação adicional, sendo esta garantida pelo entrelaçado de filamentos.
a) Geotêxtil tecido b) Geotêxtil não tecido
Figura 2.2 – Estrutura dos geotêxteis (Ingold , 1994).
Nos geotêxteis não tecidos, a estrutura é formada por uma distribuição de filamentos
com carácter aleatório, como se pode ver na Figura 2.2b. Esses filamentos podem ser
do tipo contínuo, ou do tipo fibra (obtida por corte do filamento) com 50 a 100mm de
comprimento. A estrutura sofre um processo de ligação por um, ou mais, de três
existentes: o mecânico, térmico ou o químico.
A ligação térmica é realizada por aquecimento dos componentes, o que permite a sua
ligação nos pontos de contacto entre fibras. O geotêxtil resultante é pouco espesso e
apresenta-se rígido e áspero ao toque. O seu peso por unidade de área é
relativamente baixo, e atendendo a isso, apresenta uma elevada resistência à tracção
e baixa elongação na rotura. Estes geotêxteis não tecidos são vulgarmente designados
por termossoldados.
A ligação química é geralmente conseguida pela adição de resina acrílica, por
impregnação ou pulverização. Tendencialmente, serão produzidos geotêxteis quase
34
Capítulo 2 Geossintéticos
impermeáveis, devido à resina, pelo que, após a adição da resina se força a passagem
de ar para restabelecimento da estrutura dos poros. Os geotêxteis produzidos são mais
espessos do que os anteriores, apresentando o mesmo tipo de características
relativamente ao seu comportamento mecânico. Estes geotêxteis não tecidos são
designados por ligados quimicamente.
Por fim, a ligação mecânica, provavelmente o mais comum dos processos de ligação,
obtido pela passagem de milhares de agulhas rugosas (Figura 2.3b), em movimento
vertical, através de um emaranhado de filamentos, que provoca a sua ligação
mecânica, conforme se encontra esquematizado na Figura 2.3a. Este processo pode
ser repetido numa fase subsequente de agulhagem, conferindo aos geotêxteis
melhores características mecânicas e hidráulicas. De todos os geotêxteis não tecidos
aqui descritos estes são os que apresentam maior espessura, maior peso por unidade
de área, maior elongação na rotura e maior resistência à tracção. São vulgarmente
designados por agulhados.
Manta de Filamentos
Agulhagem
Agulhas
Rolo de Geossintético
Lâminas
a) Fase de agulhagem b) Tipo de agulha utilizada na
ligação mecânica
Figura 2.3 – Ligação mecânica (adapatado de Koerner , 1999).
Conforme se viu, os dois tipos de geotêxteis apresentam grandes diferenças ao nível
da estrutura, o que naturalmente se traduz no seu desempenho em funções que venha
a desempenhar. As grandes diferenças no desempenho traduzem-se, em termos
mecânicos, pelo facto de os valores de resistência à tracção variarem
significativamente consoante a direcção de fabrico no caso do geotêxteis tecidos e o
facto de os valores da elongação na rotura serem bastante mais elevados para os
geotêxteis não tecidos; em termos hidráulicos, verifica-se uma distribuição regular e
homogénea dos poros do geotêxtil tecido, em contraste com a distribuição aleatória
dos poros do geotêxtil não tecido.
35
Capítulo 2 Geossintéticos
2.2.2 Geogrelhas
A matéria-prima, os polímeros, normalmente utilizada na produção das geogrelhas é o
polipropileno, o PEAD (Polietileno de Alta Densidade) e o PVC (Cloreto de Polivinílico).
A sua estrutura pode ser conseguida a partir de folhas ou barras de polímeros. Quando
são utilizadas folhas de polímeros, estas são perfuradas e esticadas numa direcção
(uniaxiais) ou em duas direcções (biaxiais). As barras de polímero são obtidas por
corte da folha de polímero, e posterior estiramento, sendo essas orientadas paralela e
perpendicularmente, com união nos pontos de contacto. A grande diferença em
termos estruturais destes dois processos é que no primeiro, os pontos de intersecção
entre barras é integral, ao passo que no segundo, nos pontos de intersecção é
realizada uma ligação entre as barras, geralmente por ligação térmica, ou por
tecelagem.
As geogrelhas, aplicadas isoladamente, são aptas para o desempenho de uma função:
a de reforço. Devido ao facto de para o reforço ser exigida uma elevada resistência à
tracção com baixa elongação, ou seja, um elevado módulo de deformabilidade,
compreende-se que independentemente do processo de fabrico, este tenha de ter
uma fase de estiramento. Esta fase de estiramento provoca uma orientação das
moléculas que constituem o polímero, dando origem a uma melhoria das suas
propriedades mecânicas.
Tal como já foi referido, podem obter-se geogrelhas orientadas uniaxialmente (Figura
2.4a ou biaxialmente (Figura 2.4b), sendo a opção por uma destas baseada nas
condições específicas de uso, ou seja, se a geogrelha exerce a função de reforço numa
direcção (por ex. no reforço de taludes, ou muros de suporte) ou em duas direcções
(por ex. reforço da base de aterros ou das camadas de sub-base de vias de
comunicação).
36
Capítulo 2 Geossintéticos
a) Geogrelha uniaxial em PEAD b) Geogrelha biaxial em PP
Figura 2.4 – Estrutura das geogrelhas (Ingold, 1994).
O facto de as geogrelhas serem especialmente indicadas para a função de reforço
deve-se à sua eficácia na mobilização de atrito. Estas conseguem mobilizar, para além
do atrito lateral nas faces das barras longitudinais, atrito nas barras transversais das
geogrelhas. Este atrito nas barras transversais é chamado impulso passivo e surge do
movimento relativo entre os grãos de solo localizados nas aberturas das grelhas e a
própria geogrelha. O mecanismo de reforço com geogrelhas será abordado com maior
detalhe quando for feita a descrição da função de reforço.
2.2.3 Barreiras Geossintéticas
Ao longo da presente dissertação, e por uma de simplicidade de linguagem, será
utilizado o termo geomembranas em substituição do termo barreiras geossintéticas.
Os polímeros mais usados para o fabrico das geomembranas são: o polietileno, o
polipropileno e o PVC. Os tipos de aditivos normalmente adicionados são os
antioxidantes, os plastificantes, os fillers, o carvão e os lubrificantes.
Estes polímeros são então convertidos, por fusão, em folhas. Para a sua conversão em
folhas existem três métodos de processamento: extrusão, calandragem e
espalhamento superficial. Nestes dois últimos podem ser incluídos geotêxteis na sua
estrutura, que actuam como reforço.
No processo de extrusão, a massa em fusão é forçada a atravessar uma fenda
horizontal, de espessura variável, dando origem à geomembrana.
O fabrico por calandragem é conseguido através da passagem do material polimérico
num sistema de cilindros de rotação contrária (processo a que se chama
calandragem). Este sistema é de grande versatilidade na medida em que permite um
37
Capítulo 2 Geossintéticos
sistema multicamada, e a possibilidade de inclusão de um geotêxtil, normalmente do
tipo tecido em poliéster ou poliamida, na estrutura.
O espalhamento superficial consiste no espalhamento, em camada fina, da massa em
fusão de polímeros sobre um geotêxtil do tipo tecido ou não tecido. Este processo
pode ser realizado em ambas as faces dos geotêxteis.
Estes materiais são, de todos os geossintéticos, com excepção de alguns
geocompósitos, os que desempenham a função de impermeabilização, pelo que esta
deve ser o objecto do seu dimensionamento. Adicionalmente, e como referido
anteriormente, podem conter um reforço na sua estrutura (com a incorporação de
geotêxteis). Note-se que este reforço deve ser visto como uma garantia do bom
desempenho das geomembranas na função de impermeabilização, e não como na
efectiva função de reforço.
Após esta breve descrição do método de produção e das principais características dos
geossintéticos, passar-se-á a analisar quais as propriedades de maior relevância que
estes devem possuir para que desempenhem correctamente as funções para as quais
são dimensionados.
2.3 PROPRIEDADES
Para que os geossintéticos desempenhem correctamente as funções para as quais
foram dimensionados, é necessário que possuam certas propriedades básicas, ao longo
da sua vida útil na obra em que são incluídos, sendo estas enquadradas em três
classes: físicas, hidráulicas e mecânicas. Dentro das propriedades físicas podemos
considerar o peso específico do polímero, a espessura e a massa por unidade de área
(m.u.a.) do geossintético. Para as propriedades mecânicas temos a resistência à
tracção, o rasgamento e o punçoamento, bem como a sua deformabilidade.
Finalmente, as propriedades hidráulicas englobam a dimensão e distribuição das
aberturas características dos poros do geossintético, a permeabilidade e a
transmissividade.
Existe ainda uma quarta classe de propriedades, as relacionadas com a durabilidade, e
que pretendem garantir que os geossintéticos, mediante as condições do meio a que
estão sujeitos, nomeadamente os agentes atmosféricos, agentes químicos e físicos,
bem como as operações de transporte, manuseamento e colocação, mantenham as
propriedades exigidas em dimensionamento.
38
Capítulo 2 Geossintéticos
Cada uma dessas propriedades é mensurável, sendo objecto de controlo e
certificação. Os geossintéticos são materiais que estão abrangidos pela Directiva
Europeia dos Produtos de Construção (Directiva 89/106/CEE), que transporta para a
legislação nacional pelo Dec. Lei nº113/93, a qual impõe que para todos os
materiais/produtos utilizados nas obras de construção seja obrigatória a marcação CE.
As normas que certificam as propriedades são, em Portugal, enquadradas em classes
diferentes das acima referidas e correspondem a: terminologia, ensaios mecânicos,
hidráulicos e de durabilidade. Assim, podem ver-se no Quadro 2.4 as referências
normativas que certificam tais propriedades.
Quadro 2.4– Certificação CE para as propriedades dos geossintéticos (adaptado de Pinto et al.,2002).
Propriedade Norma
Classe Terminologia
Amostragem e preparação de provetes de geotêxteis EN 963:1995
Determinação da espessura para várias espessuras – Parte I: camadas singulares prEN ISO 9863-1
Determinação da espessura para várias espessuras – Parte I: camadas singulares ou
múltiplas
prEN ISO 9863-2
Determinação da massa por unidade área de (m.u.a.) em geossintéticos prEN ISO 9864
Amostragem e preparação de provetes de geossintéticos prEn ISO 9862
Termos e definições prEN 10318
Identificação em obra NP EN ISO
10320:2003
Determinação da massa por unidade área de (m.u.a.) em GCL’s. prEN 14196
Classe ensaios mecânicos
Resistência à tracção/extensão em tiras largas EN ISO 10319
Resistência ao punçoamento dinâmico EN 918:1996
Resistência ao punçoamento estático (ensaio CBR) EN ISO 12236:2003
Fluência em compressão EN 1897:2001
Fluência em tracção e comportamento na rotura EN ISO 13431:1999
Resistência à tracção das juntas dos geotêxteis EN ISO 10321:1995
Danificação durante a instalação (em materiais granulares) ENV 10722-1:1997
Características de resistência da interface em corte directo prEN ISO 12957-1
Características de resistência da interface em plano inclinado prEN ISO 12957-2
Resistência estrutural interna de juntas em geocélulas EN ISO 13426-
1:2002
Reistência à abrasão (ensaios do bloco deslizante) EN ISO 13427:1998
Resistência à protecção a longo prazo EN 13719:2002
Resistência ao arranque prEN 13738
39
Capítulo 2 Geossintéticos
Quadro 2.4– Certificação CE para as propriedades dos geossintéticos (Continuação)
Classe ensaios hidráulicos Determinação das características de permeabilidade à água normal ao plano, semconfinamento
NP EN ISO11058:2003
Porometria EN ISO 12956:1996 Determinação da capacidade de escoamento no seu plano EN ISO 12958 Resistência à penetração da água (ensaio de pressão hidrostática) EN 13562:2000
Classe ensaios de durabilidade Determinação da resistência ao envelhecimento devido às condições climatéricas ENV 12224:2000 Resistência à degradação biológica EN 12225:2000 Ensaios gerais para a avaliação após os ensaios de durabilidade EN ENV 12226 Resistência à hidrólise em água EN 12447:2001 Métodos de instalação e recolha de amostras in situ para ensaios em laboratório EN ISO 13437:1998 Resistência à oxidação sob elevada pressão de oxigénio prEN ISO 13438 Resistência a líquidos ácidos e alcalinos EN 14030:2001 Resistência química, quando em contacto com aterros de resíduos sólidos, lixiviadose gás
prEN 14414
Resistência a liviados quando utilizados na função barreira de geossintéticos prEN 14415 Resistência à penetração de raízes quando utilizados na função barreira degeossintéticos
prEN 14416
Resistência a ciclos de seco/molhado quando utilizados na função barreira degeossintéticos
prEN 14417
Resistência a ciclos de gelo/degelo quando utilizados na função barreira degeossintéticos
prEN 14418
Resistência aos agentes ambientais quando utilizados na função barreira degeossintéticos
prEN 14576
Guia de durabilidade de geotêxteis e produtos relacionados CR ISO 13434:1998
Dependendo da função que vão desempenhar e das condições específicas nos locais da
aplicação, compreende-se que existam propriedades dos geossintéticos que tenham
maior peso e necessitem de ser verificadas, ou mesmo medidas. Algumas das
aplicações mais correntes dos geossintéticos são também objecto de normalização,
com o cumprimento obrigatório de determinadas propriedades, como é o caso das
linhas-férreas. A norma EN 13250: 2000 – “Geotêxteis e produtos relacionados -
Características exigidas para a utilização em caminhos de ferro.”, especifica,
conforme se pode ver no Quadro 2.5, o grau de relevância de um conjunto de
propriedades a exigir aos geossintéticos, quando aplicados em linhas férreas, e de
acordo com a função que aí venham a desempenhar.
40
Capítulo 2 Geossintéticos
Quadro 2.5 - Propriedades a exigir aos geossintéticos quando usados em linhas-férreas (adaptado de
1) Resistência à tracção EN ISO 10319 H H H 2) Elongação para a carga máxima EN ISO 10319 A A H 3) Resistência à tracção das juntas EN ISO 10321 S S S 4) Resistência ao punçoamento estático (CBR) EN ISO 12236 S H H 5) Resistência ao punçoamento dinâmico EN 918 H A H 6) Abrasão EN ISO13427 S S S 7) Resistência ao corte directo prEN ISO 12957–1 S S A 8) Fluência em tracção EN ISO 13431 -- -- S 9) Danificação durante a instalação ENV ISO 10722-1 A A A 10) Distribuição dos poros EN ISO 12956 H A -- 11) Permissividade sem carga EN ISO 11058 H A A 12) Resistência à meteorização ENV 12224 A A A
13) Resistência à degradação química ENV ISO 12960, 12447 ou 13438 S S S
14) Resistência à degradação biológica ENV 12225 S S S Relevância da função: H:Obrigatória A:Relevante para todas as condições de uso S:Relevante para condições específicas de utilização --:Característica não relevante para a função
Seguidamente será feita uma descrição das funções que maior relevância tem nas
obras ferroviárias: a de reforço com geogrelhas, separação, filtragem e drenagem com
geotêxteis.
2.4 FUNÇÕES
Cada geossintético pode desempenhar uma ou várias funções simultaneamente, no
entanto, o seu correcto desempenho só será conseguido se as funções que ele estiver
efectivamente a desempenhar tiverem sido devidamente acauteladas em fase de
dimensionamento.
As funções básicas que os geossintéticos podem desempenhar são, conforme se pode
ver esquematicamente na Figura 2.5, drenagem, filtragem, separação, protecção,
reforço e barreira de fluidos (impermeabilização). Esta última função é exclusiva das
geomembranas e alguns geocómpositos.
41
Capítulo 2 Geossintéticos
Separação Filtragem Drenagem
Protecção Reforço Estanqueidade
Figura 2.5 - Principais funções dos geossintéticos (Paula, 2003)
O dimensionamento consta da especificação das propriedades que os geossintéticos
devem possuir para que cumpram a função que lhes é atribuída, nomeadamente em
termos de propriedades físicas, mecânicas e hidráulicas. Este pode ser feito de acordo
com especificações que existam para uma dada aplicação, como é o caso das EN ou
das AASHTO, sendo obrigatório que as propriedades dos geotêxteis a utilizar cumpram
os requisitos mínimos aí especificados, ou então, para uma dada aplicação, é
identificada a principal função a desempenhar pelo geossintético e calculado o valor
numérico das suas propriedades.
Com base neste último método de dimensionamento, o do cálculo do valor das
propriedades, são atribuídos coeficientes de segurança que podem variar conforme o
tipo de obra e/ou aplicação. Esses coeficientes de segurança definem-se como a razão
entre o valor da propriedade obtido através de ensaios de laboratório e o valor da
mesma exigido em dimensionamento. Isto porque os valores das propriedades obtidos
em laboratório apenas são representativos de condições ideais, logo, não podem ser
utilizados directamente no dimensionamento. Aplicam-se assim coeficientes de
redução ao valor medido da propriedade do ensaio, sendo este valor corrigido
posteriormente e comparado com o exigido em dimensionamento para obtenção do
coeficiente de segurança. Assim:
toensionamen
corrigidoLab
TT
FSdim
.=
(2.1)
O valor a atribuir ao coeficiente de segurança deve ser sempre maior do que 1, e
tanto maior quanto maior for o risco associado à obra onde o geossintético está
aplicado. A sugestão de Koerner (1998) para os coeficientes de redução a adoptar
42
Capítulo 2 Geossintéticos
consoante as funções é a que a seguir se apresenta nos Quadros 2.6 e 2.7. Aí, os
valores unitários aplicam-se quando é possível medir, em laboratório, a propriedade,
e essa é representativa das condições de aplicação "in situ".
Para funções, em que a resistência é essencial, como a de separação e reforço
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
×××=
bqfddi
olaboratóricorrigidolab RRRR
TT .
(2.2)
em que:
Rddi – coef. redução para efeitos de danificação durante a instalação. Rf – coef. redução para fenómenos de fluência. Rb – coef. redução para degradação biológica. Rq – coef. redução para degradação química.
Quadro 2.6 - Coeficientes de redução a adoptar em dimensionamento para funções com relevância para a
resistência (adaptado de Koerner,1999).
Gama valores aconselhados para adoptar nos coeficientes de redução Área de aplicação Rddi Rf* Rq Rq
Separação 1,1 a 2,5 1,5 a 2,5 1,0 a 1,5 1,0 a 1,2 Efeito colchão 1,1 a 2,0 1,2 a 1,5 1,0 a 2,0 1,0 a 1,2 Vias não pavimentadas 1,1 a 2,0 1,5 a 2,5 1,0 a 1,5 1,0 a 1,2 Muros 1,1 a 2,0 2,0 a 4,0 1,0 a 1,5 1,0 a1,3 Aterros 1,1 a 2,0 2,0 a 3,5 1,0 a 1,5 1,0 a1,3 Capacidade de carga 1,1 a 2,0 2,0 a 4,0 1,0 a 1,5 1,0 a1,3 Estabilização de taludes 1,1 a 1,5 2,0 a 3,0 1,0 a 1,5 1,0 a1,3 Camadas de pavimentos 1,1 a 1,5 1,0 a 2,0 1,0 a 1,5 1,0 a 1,1 Caminhos de ferro(filtro/separação) 1,5 a 3,0 1,0 a 1,5 1,5 a 2,0 1,0 a 1,2
Formas flexíveis 1,1 a 1,5 1,5 a 3,0 1,0 a 1,5 1,0 a 1,1 Barreiras de sedimentos 1,1 a 1,5 1,5 a 2,5 1,0 a 1,5 1,0 a 1,1 *Os valores inferiores referem-se a aplicações com curtos períodos de vida útil e/ou situações em que adeformação por fluência não seja condicionante para o desempenho do sistema.
Para funções relacionadas com fluxo, como a filtragem e drenagem
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
××××=
cbcqbvfCB
olaboratóricorrigidolab RRRRR
qq .
(2.3)
em que:
RCB – coef. redução para efeitos de colmatação e cegueira. Rf – coef. redução para diminuição dos poros por fenómenos de fluência. Rbv – coef. redução para a blocagem de vazios pelo solo. Rcq – coef. redução para colmatação química. Rcb – coef. redução para colmatação biológica.
43
Capítulo 2 Geossintéticos
Quadro 2.7 - Coeficientes de redução a adoptar em dimensionamento para funções de permeabilidade
(adaptado de Koerner,1999).
Gama valores aconselhados para adoptar nos coeficientes de redução Área de aplicação RCB* Rf Rbv Rcq** Rcb
Filtros no tardoz de murosde retenção
2,0 a 4,0 1,5 a 2,0 1,0 a 1,2 1,0 a 1,2 1,0 a 1,3
Drenagem subterânea 5,0 a 1,0 1,0 a 1,5 1,0 a 1,2 1,2 a 1,5 2,0 a 4,0 Filtros em controlo de erosão 2,0 a 1,0 1,0 a 1,5 1,0 a 1,2 1,0 a 1,2 2,0 a 4,0 Filtros de aterros 5,0 a 1,0 1,5 a 2,0 1,0 a 1,2 1,2 a 1,5 5 a 10*** Drenagem por gravidade 2,0 a 4,0 2,0 a 3,0 1,0 a 1,2 1,2 a 1,5 1,2 a 1,5 Drenagem sob pressão 2,0 a 3,0 2,0 a 3,0 1,0 a 1,2 1,1 a 1,3 1,1 a 1,3 * Caso sejam aplicados à superfície do geotêxtil pedra tipo “rip-rap” ou blocos de betão, devem serutilizados valores mais elevados ou factores de redução adicionais. ** Podem ser utilizados valores mais elevados, especialmente na presença de água freática muito alcalina. *** Podem ser utilizados valores mais elevados para casos de maior turvação ou conteúdos emmicroorganismos maiores que 500mg/l.
Note-se que o autor considera para o dimensionamento a existência de fenómenos que
se traduzem na durabilidade dos geossintéticos, ou seja: em termos de resistência
considera fenómenos de danificação durante a instalação, fluência e degradação
química e biológica; em termos hidráulicos considera fenómenos de compatibilidade a
longo prazo, como a fluência, colmatação, cegueira e blocagem. Não considera no
entanto, pelo menos explicitamente, a diminuição de resistência provocada pelas
operações de transporte, manuseamento e aplicação do geossintéticos em obra.
Analise-se então com maior detalhe a metodologia de dimensionamento de funções
através do cálculo das suas propriedades.
2.4.1 Reforço
Dado que os solos, em particular os granulares, não apresentam resistência a tensões
de tracção, surge como função a desempenhar pelos geossintéticos a função de
reforço, que pretende garantir resistência à tracção ao conjunto solo/geossintético. O
reforço é conseguido através da mobilização de atrito na interface do
solo/geossintético. Adicionalmente, no caso das geogrelhas, é também mobilizada
resistência nas barras transversais das suas aberturas, a que normalmente se chama
impulso passivo.
Na função de reforço, as propriedades a considerar para dimensionamento são:
resistência à tracção
módulo de deformabilidade
resistência ao punçoamento
44
Capítulo 2 Geossintéticos
resistência ao rasgamento
resistência à abrasão (caso seja susceptível de ocorrer)
Destas propriedades, as duas primeiras relacionam-se directamente com a função de
reforço, sendo as últimas três requisitos de durabilidade, que pretendem garantir a
sobrevivência do material durante a sua vida útil.
Na função de reforço, os geossintéticos actuam por 3 mecanismos: acção de
membrana, por corte directo e por arranque.
Acção de membrana: este mecanismo dá-se quando são aplicadas tensões
perpendicularmente ao plano do geotêxtil, conforme se mostra na Figura 2.6. Por
apresentar resistência à tracção, o geotêxtil, absorve as tensões verticais aplicadas.
Este tipo de mecanismo é comum quando o geotêxtil é colocado em solos de grande
deformabilidade e baixa capacidade de suporte.
Figura 2.6 – Acção de membrana (adaptado de Telford, 1996).
Corte directo: surge quando uma das faces do geotêxtil, em contacto com o solo e
sujeito a tensão normal, é obrigada a deslocar-se em relação ao solo. A tendência
para este movimento relativo entre os dois materiais mobiliza atrito na interface
solo/geossintético, conferindo resistência à tracção ao conjunto.
Arranque: o mecanismo é idêntico ao anteriormente descrito, com a diferença de a
mobilização de atrito se dar nas duas faces do geossintético. Assim o geossintético é
solicitado ao arranque relativamente ao solo.
Adicionalmente, no caso das geogrelhas, é ainda mobilizado atrito nas barras
transversais ao sentido da solicitação, sendo este atrito chamado de impulso passivo.
45
Capítulo 2 Geossintéticos
Dado que as geogrelhas são as que maior utilização têm na função de reforço no caso
das obras ferroviárias, opta-se por descrever o seu funcionamento num sistema de
reforço.
2.4.1.1 Reforço com geogrelhas
As geogrelhas são normalmente aplicadas na camada de balastro pretendendo garantir
o seu reforço, pela diminuição dos assentamentos verticais e diferenciais e ainda pela
sua contenção lateral (função tradicionalmente desempenhada pelas ombreiras de
balastro). Dadas as exigências impostas aos deslocamentos verticais nas obras
ferroviárias, as geogrelhas a utilizar devem possuir um elevado módulo de
deformabilidade, para que se mobilizem elevadas resistências mesmo a baixas
deformações. As propriedades que governam a eficiência de uma geogrelha são
diversas, entre as quais se destacam: a razão entre as dimensões do solo confinante e
as aberturas da própria geogrelha, a tensão de confinamento a que está sujeita e o
grau de compacidade do solo.
As geogrelhas, quando utilizadas no reforço de solos, relativamente aos geotêxteis,
são menos extensíveis. Isto traduz-se num maior aumento da resistência do solo
(reforçado) e numa maior mobilização de atrito (resistência) na interface solo-reforço.
Acresce ainda que o contributo dado pelo impulso passivo é de grande peso no que
concerne ao reforço global, o que foi já provado analiticamente por vários autores
(Koerner et al., 1989) a propósito do reforço da capacidade de carga de fundações.
São considerados três tipos de mobilização de atrito no mecanismo de reforço das
geogrelhas, como se pode ver na Figura 2.7. Assim surgem atritos laterais nas barras
longitudinais da geogrelha, atrito do solo-solo nas aberturas (sempre que exista
movimento relativo neste), e ainda o impulso passivo, nas barras transversais, que é
mobilizado progressivamente à medida que o deslocamento relativo do solo-geogrelha
aumenta.
a) Impulso Passivo
b) Atrito lateral
Figura 2.7 – Mecanismos de interacção solo-geogrelha. (adaptado de Jewel et al., 1984).
46
Capítulo 2 Geossintéticos
Estes três tipos de atrito surgem da existência de movimentos relativos entre o solo e
o reforço (atrito lateral e impulso passivo) e de movimentos relativos entre o solo
(atrito solo-solo). Estes movimentos podem ser de dois tipos: de corte directo ou de
arranque. Independentemente do tipo de movimento, sempre que se dá a rotura com
movimento relativo entre o solo e o reforço, significa que foi excedida a resistência da
interface (f). Pode também dar-se o caso de a resistência da interface ser superior à
resistência à tracção do próprio reforço e dar-se a rotura dita, “por tracção”, em que
há a cedência do próprio material de reforço.
Jewell (1996) define resistência ao corte na interface solo-reforço para movimentos
de arranque como:
T=2 W Lσ'nftgφ' (2.4)
em que:
W – largura do reforço na direcção perpendicular à solicitação do reforço; L – comprimento do reforço;
'nσ
- tensão normal efectiva ao nível da interface solo-reforço;
f - coeficiente de interface solo-reforço que varia entre 0 e 1; φ' - ângulo de atrito do solo, para tensões efectivas de pico ou a volume
constante, dependendo da densidade do solo, denso ou solto,respectivamente.
Esta equação é de aplicação geral, no entanto a principal dificuldade na sua aplicação
reside na definição de f.
Para geogrelhas, em movimentos de corte directo, a resistência ao corte é a soma das
duas parcelas: atrito lateral solo-geogrelha (Tl) e atrito solo-solo (Ts/s), que são
definidos, pelo mesmo autor acima citado, através das seguintes relações:
Tl=2 asW Lσ'ntgδ' (2.5)
Ts/s=2(1-as) W Lσ'ntgφ' (2.6)
em que:
as – fracção sólida da área superficial da geogrelha
47
Capítulo 2 Geossintéticos
Igualando a soma destas duas parcelas à definição da resistência ao corte, resulta para
o coeficiente da interface em corte directo:
)1(' sscd atgtgaff −+⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛==
φδ
(2.7)
em que:
δ – ângulo de atrito da interface solo-geogrelha
Para movimentos de arranque, dado que se considera nula a resistência da interface
correspondente ao atrito solo-solo, vem que a resistência da interface é igual à soma
do atrito lateral solo-geogrelha (Tl) com o impulso passivo (Tp), sendo que:
'pbp WBa
SLT σ⎟⎠⎞
⎜⎝⎛=
(2.8)
em que:
S
ab
- distância entre as barras transversais da geogrelha;
- fracção da largura, W, da geogrelha disponível para a mobilização da resistência passiva;
B - espessura das barras transversais da geogrelha; 'pσ
- tensão passiva mobilizada em termos de tensões efectivas.
Igualando a soma das duas parcelas à definição da resistência ao corte, resulta para o
coeficiente da interface em arranque:
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⎟⎠⎞
⎜⎝⎛⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛+⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛== ''
'
21
' φσσ
φδ
tgSBa
tgtgaff b
n
psa (2.9)
NOTAS: -Se na interface ocorrerem ambos os movimentos, de corte directo e
arranque, o coeficiente da interface a considerar será o mínimo dos dois coeficientes
atrás referidos;
-as equações atrás referidas são aplicáveis ao caso de solos soltos, considerando-se a
resistência do solo a volume constante.
48
Capítulo 2 Geossintéticos
2.4.1.2 Factores que influenciam a interacção solo-geogrelha
A interacção solo-geogrelha é influenciada por vários factores, tendo sido já alvo de
inúmeros estudos laboratoriais que confirmam essas mesmas influências. Os factores a
que mais referência se faz na literatura especializada são: a razão dimensão das
partículas de solo/abertura da geogrelha, tensão de confinamento, índice de
compacidade, e o afastamento entre barras transversais. Para cada um destes
parâmetros far-se-á uma síntese do que se considera ser o estado actual do
conhecimento.
a) Influência da razão dimensão das partículas de solo/abertura da geogrelha na
resistência da interface
A dimensão das partículas de solo e da abertura das geogrelhas têm influência
determinante na eficácia do reforço, já que a razão das referidas dimensões
condiciona o valor da resistência passível de ser mobilizada na interface solo-reforço.
Jewell et al. (1984), estudaram a influência das dimensões das partículas de solo na
interacção solo-geogrelha, quando o movimento é de corte directo, concluindo que o
coeficiente de resistência para essa interface é máximo quando a dimensão dos grãos
é idêntica à da abertura das geogrelhas, sendo mínimo quando as dimensões das
partículas de solo tenham dimensões tão grandes que impossibilitem a sua penetração
nas aberturas das geogrelhas, mobilizando-se, nesse caso, somente resistência nos
pontos de contacto solo-geogrelha. Estes mesmos autores aconselham para o reforço
de solos com geogrelhas a razão:
350
≥Dd
(2.10)
onde:
d – menor dimensão da abertura da geogrelha; D50 – Dimensão média das partículas de solo.
No entanto, outros autores (Sarsby et al., 1985), consideram que a máxima eficiência
na transferência de tensões geogrelha-solo se dá para um valor de 3,5 da mesma razão
acima referida.
Na avaliação da mobilização do impulso passivo nas barras transversais de geogrelhas
metálicas, Palmeira e Milligan (1989) mostraram, em ensaios de arranque, que existe
49
Capítulo 2 Geossintéticos
um importante factor de escala (F1) relativo à dimensão média das partículas (D50) e à
espessura das barras transversais (B). Assim, para uma razão B/D50<10, verifica-se um
aumento da transferência de esforços do solo para a geogrelha que pode atingir o
dobro do valor quando B/D50>10. Mostram ainda que o impulso passivo pode ser
aumentado em cerca de 20% quando as barras transversais têm secção rectangular,
comparativamente às de secção circular.
Jewell (1996) reescreveu então a equação que traduz o coeficiente de resistência da
interface para movimentos de arranque considerando F1 como o factor de escala e F2
como o factor de forma das barras transversais. Assim:
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⎟⎠⎞
⎜⎝⎛⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛+⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛== ''
'
21 21
' φσσ
φδ
tgSBa
FFtgtgaff b
n
psa (2.11)
com
F1= ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛−
50102
DB
quando B/D50<10
1 quando B/D50>10
F2= 1 para barras circulares
1,2 para barras rectangulares
Estudos mais recentes (Lopes, 1998), também através de ensaios de arranque, mas
utilizando geogrelhas em PEAD (Polietileno de Alta Densidade), confirmam o fenómeno
traduzido pelo factor de escala (F1), no entanto com valores inferiores, em cerca de
metade aos sugeridos por Jewell (1996) na equação anterior. Apesar da existência de
diferentes procedimentos de ensaio, nomeadamente o tipo de geogrelha utilizada, os
resultados de Lopes (1998) sugerem a adopção de novos valores para o factor de
escala F1, quando usadas geogrelhas extensíveis.
b) Tensão de confinamento e Índice de compacidade
Dado que a tensão de confinamento condiciona o ângulo de atrito interno do solo
(pelo impedimento da dilatância) quando solicitado ao corte, será também de esperar
que condicione a resposta da geogrelha como reforço. Diversos estudos têm sido
realizados no sentido de estudar a sua influência.
50
Capítulo 2 Geossintéticos
Lopes e Ladeira (1996) estudaram a influência do índice de compacidade num ensaio
de arranque sobre um geogrelha uniaxial colocada em areia. Os índices de
compacidade variaram de 50 a 86%, tendo-se verificado para o solo mais denso um
aumento de 40% na resistência da interface solo-geogrelha devido a uma maior
resistência do solo e da própria interface. Notou-se ainda uma diminuição do
deslocamento da geogrelha, e consequentemente do comprimento de aderência,
aumentando o módulo de rigidez da interface e a força de arranque.
Lopes (1998) realizou ensaios de arranque com geogrelhas em PEAD em areias com
índices de compacidade (ID) de 50%, a uma tensão de confinamento de 24,5KPa. Nesse
estudo verificou que um aumento de 55% na tensão de confinamento provocou um
acréscimo na resistência ao corte mobilizada na interface e ainda um aumento de
cerca de 11% na resistência da interface solo-geogrelha.
Assim, parece consensual que um aumento da tensão de confinamento e do índice de
compacidade do solo confinante, provoque um aumento da eficiência da mobilização
de resistência na interface solo-reforço.
c) Afastamento entre barras transversais
O afastamento entre barras transversais das geogrelhas influencia a eficácia do
reforço, na medida em que afecta o valor da parcela correspondente ao impulso
passivo mobilizado nestas. Assim, quanto mais afastadas forem as barras transversais,
menor impulso passivo é conseguido, mas por outro lado, se forem muito próximas, a
área de influência de uma sobrepõe-se à da seguinte, perdendo-se a eficácia que cada
uma delas, individualmente, possibilita. Conclui-se então a existência de um
afastamento óptimo entre as barras transversais que conduz à máxima mobilização do
impulso passivo.
Jewell et al. (1984) e Jewell (1990) pressupondo o caso limite correspondente à
resistência da interface solo-geogrelha apenas devida à mobilização do impulso
passivo e a existência de um limite superior para a resistência da interface tal que
permita admitir δ=φ, consideraram que a resistência máxima na interface solo-
geogrelha é conseguida para um geometria óptima da grelha(S/(abB))φ . Assim:
51
Capítulo 2 Geossintéticos
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⎟⎠⎞
⎜⎝⎛⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛= ''
'
21φσ
σtgS
Baf b
n
pa (2.12)
e,
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛=⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛''
'
21
' φσσ
φ tgBaS
n
p
b
(2.13)
para (fa)max=1
Palmeira e Milligan (1989) em ensaios de arranque com geogrelhas metálicas,
concluíram que à medida que a distância entre barras diminui, diminui também a
resistência da interface, denotando um aumento do grau de interferência entre barras
com a redução da distância entre elas. Os autores sugeriram que o conceito de
interferência entre barras da grelha (DI) fosse definido através da razão entre a
resistência passiva efectivamente mobilizada e a máxima possível. Assim:
'
1
φ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
−=
BaS
BaS
DI
b
b
(2.14)
,vindo para DI≤1:
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛⎟⎠⎞
⎜⎝⎛⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛−= ''
'
21)1(φσ
σtgS
BaDIf b
n
pa (2.15)
Ficou então visto que na função de reforço com geogrelhas, vários factores
influenciam o seu desempenho, devendo todos eles ser ponderados aquando do seu
dimensionamento.
2.4.2 Separação
O objectivo desta função é impedir a mistura/interpenetração de solos com
granulometrias distintas, de modo a que a integridade e funcionamento dos dois
materiais como camadas granulares se mantenha, ou seja inclusivé melhorado. Como
52
Capítulo 2 Geossintéticos
se pode ver esquematicamente na Figura 2.8, existe uma tendência do solo de
granulometria mais grosseira (especialmente se for do tipo angular) penetrar no mais
fino, e de este, por sua vez, também ter tendência a penetrar no de granulometria
mais grosseira. A colocação de um geossintético na interface dessas duas camadas
permite evitar essa mistura.
Figura 2.8 – Função de separação (Koerner, 1999)
As propriedades que normalmente são exigidas ao geossintético no desempenho desta
função são as seguintes:
flexibilidade;
resistência à tracção;
resistência ao punçoamento;
resistência ao rasgamento;
resistência à abrasão (caso seja susceptível de ocorrer);
retenção do solo e permeabilidade aos fluidos (caso acumule funções de filtro).
Esta função é exigida ao geossintético, no caso das linhas-férreas, na interface:
balastro/plataforma, sub-balastro/plataforma ou balastro antigo/balastro novo,
consoante a situação que aí se verifique.
A esta função vêm normalmente associadas outras funções como a filtragem e/ou
drenagem, o que implica que o geossintético, para além de impedir a mistura dos dois
solos adjacentes tenha de ser permeável à passagem da água. Admite-se então que,
sendo o dimensionamento feito em termos de filtragem ou drenagem, esteja já
assegurada a função de separação.
Note-se que o facto de esta função ser normalmente associada às duas outras
referidas não lhe retira importância porque, como já foi dito anteriormente, é esta
função que impede a modificação, normalmente associadas à redução, das
características mecânicas e hidráulicas dos solos com que contacta.
53
Capítulo 2 Geossintéticos
2.4.3 Filtragem
Quando se usam os geossintéticos , a filtragem é uma das funções mais utilizadas. Na
filtragem, o geossintético deve permitir a passagem da água que percola o solo, e em
simultâneo reter as suas partículas. Estes dois mecanismos são, em termos de
propriedades, contraditórios já que, se por um lado os poros têm que ser
suficientemente grandes para permitir a passagem da água sem que se gerem excessos
de pressão intersticial, por outro têm que ser suficientemente apertados para que
consigam reter o solo adjacente.
Um dos factores que influencia o bom desempenho desta função é o tempo, ou seja,
deve ser assegurado que no decorrer da utilização do geossintético este não colmate
como resultado de uma acumulação excessiva de partículas de solo no interior da sua
estrutura.
As propriedades essenciais a exigir ao geossintético no desempenho desta função são:
percentagem de área aberta (aplicável somente a geotêxteis tecidos);
dimensão aparente dos poros;
permissividade;
compressibilidade;
espessura.
Esta função, tradicionalmente desempenhada por filtros granulares, tem vindo a ser
preferida, em algumas utilizações, pela utilização de filtros em geossintéticos. Ambas
as soluções apresentam vantagens e desvantagens, quando comparadas, como se pode
ver no Quadro 2.8.
O dimensionamento de filtros geossintéticos apresenta conceitos semelhantes aos
utilizados nos filtros granulares, baseados nas dimensões dos solos, e todos eles de
carácter empírico. A bibliografia da especialidade é vasta em métodos de
dimensionamento, tendo-lhes associado condições específicas de uso, de acordo com
aquelas que lhe deram origem.
54
Capítulo 2 Geossintéticos
Quadro 2.8 - Vantagens e desvantagens da utilização de filtros granulares/geossintéticos (adaptado de
Lopes, 2003).
Filtros
Granulares Geossintéticos
Propriedades comuns:
Risco de colmatação interna por:
-Partículas do solo a filtrar
-Actividade de bactérias aeróbias (colmatação ocre)
-Uniformidade -Gradualmente variável -Controlada através da massa por
unidade de área e da espessura
-Durabilidade -Inerte -Sensível às radiações UV
-Instalação -Evitar contaminação pelo solo
envolvente
-Deve ser colocado em contacto
íntimo com o solo a filtrar
-Compactação -A instalação é facilitada pela
costura de juntas
-Risco de danificação -Não tem -Sensível ao rasgamento e ao
punçoamento
Um dos conceitos que aparece subjacente à filtragem é o de permissividade (Ψ), e
que pode ser definido como a facilidade com que o fluxo de água se estabelece
perpendicularmente ao plano do geotêxtil, ou seja, o fluxo de água que atravessa o
geotêxtil. Assim,
tKn=ψ
(2.16)
em que:
Ψ - transmissividade kn – coeficiente de permeabilidade normal ao plano do geotêxtil t – espessura do geotêxtil definido para uma determinada pressão normal (2, 20 e 200 KPa através da norma EN 964-1)
55
Capítulo 2 Geossintéticos
Os geossintéticos utilizados nesta função são os geotêxteis, e a sua eficiência, ou falta
dela, pode dever-se essencialmente a três fenómenos, representados na Figura 2.9, e
que são: (a) cegueira, (b) blocagem e (c) colmatação interna.
a) Cegueira b) Blocagem c) Colmatação interna
Figura 2.9 – Fenómenos susceptíveis de ocorrer na função de filtro (adaptado de Koerner, 1999).
Estes fenómenos ocorrem quando:
Cegueira: o geotêxtil está em contacto com solos internamente instáveis, onde se
verifique a tendência para o movimento de pequenas partículas de solo, que ficam
retidas na fronteira formada pelo geotêxtil e o solo; esta acumulação de pequenas
partículas tende a formar uma camada de baixa permeabilidade, que impede o fluxo
de água de atravessar o geotêxtil, e portanto percolar livremente pelo solo.
Blocagem: as partículas de solo têm dimensões muito semelhantes às dimensões dos
poros dos geotêxteis, e como tal, impedem a passagem da água.
Colmatação interna: existe uma acumulação excessiva de partículas de solo na
estrutura interna (nos poros) do geotêxtil, o que impede a água de o atravessar
livremente. Este impedimento da passagem da água pode dever-se também à
precipitação de substâncias químicas (sais) ou como resultado de actividade
bacteriológica.
Estes três mecanismos mostram que, para o geotêxtil ter um bom desempenho como
filtro, se devem compatibilizar as propriedades físicas do geotêxtil com o solo a
filtrar. Veja-se então quais os principais critérios a considerar no dimensionamento de
filtros.
56
Capítulo 2 Geossintéticos
2.4.3.1 Dimensionamento de filtros
Os critérios para o dimensionamento de filtros assentam basicamente na retenção das
partículas e na permeabilidade. O filtro deve garantir que o fluxo de água em
percolação se dá desimpedidamente, ao mesmo tempo que impede movimentos das
partículas de solo na interface solo/filtro. No caso dos geotêxteis existe ainda um
terceiro factor a considerar, e que consiste na verificação da sua não colmatação a
longo prazo.
Critério de retenção
Os critérios empíricos para a retenção do solo com filtros granulares densos e
uniformemente graduados levam à adopção da expressão clássica:
RRdD
<85
15
(2.17)
em que:
D15 – Dimensão característica do filtro tal que, 15% das partículas têm dimensões inferiores
d85 - Dimensão do solo de base tal que, 85% das partículas têm dimensões inferiores
Bertram (1940) sugeriu o limite de 4 para valor de RR (Razão de Retenção), no sentido
de garantir a compatibilidade entre o filtro e o solo, havendo outros autores como
Terzaghi e Peck (1948) que sugerem o valor de 6. No entanto, o valor recomendado é
de 5, sugerido pelo U.S. Waterways Experiment Station (1948). Note-se que o grau de
compactação da camada de filtro se revela de especial importância, já que se assume
que uma camada densa, não permite, por si só, o movimento das suas partículas mais
finas.
No caso de filtros em geotêxteis, a dimensão a considerar para a compatibilidade
filtro/solo é a dos poros do geotêxtil, condicionada directamente pela sua própria
estrutura. Esta dimensão é definida como a dimensão aparente dos poros (Oi),
determinada laboratorialmente pelo ensaio de porometria, correspondendo aos 90% de
passados da série de peneiro estabelecida na EN ISO 12956. Assim, o critério de
retenção para filtros geotêxteis, pode ser estabelecido como:
57
Capítulo 2 Geossintéticos
RRd
O
i
<90
(2.18)
em que,
O90- Dimensão dos poros do geotêxtil correspondente a 90% de passados di - Dimensão do solo de base tal que, i % das partículas têm dimensões inferiores
Neste caso, o valor de RR varia consoante o tipo de geotêxtil e o tipo de solo, como se
pode ver no Quadro 2.9.
Quadro 2.9 – Valores de RR para geotêxteis (adaptado de Lopes, 2003).
Cu
SOLO
Geotêxteis não tecidos
(t <2mm)
Geotêxteis não tecidos
(t> 2mm)
1<Cu≤3 15090
=dO
4
5090
=dO
3<Cu≤5 35090
=dO
6
5090
=dO
Cu>5(*) 35090
=dO
6
5090
=dO
e/ou e/ou
Cu>5(**) 19090
=dO
8,1
9090
=dO
(*) regime permanente (**) regime transitório NOTAS: a) quando % passados #200(ASTM) > 30% : apenas deve ser utilizada a envolvente granulométrica abaixodo diâmetro 1mm. b) quando % passados #200(ASTM) > 50% :O90≠200µm e O90≠d90
Tanto os filtro granulares como os geotêxteis são dimensionados com base na
experiência, sendo por isso, os métodos de dimensionamento totalmente empíricos.
Dado este empirismo, é de grande importância que seja adequadamente caracterizado
o regime hidráulico e a granulometria do solo de base.
Uma abordagem mais recente, resultado de estudos laboratoriais, baseada na
compatibilização do solo de base com o geotêxtil, pretende ser uma abordagem mais
teórica dos fenómenos de filtragem, ao mesmo tempo que pretende confirmar a
adequação dos métodos empíricos até hoje utilizados. Os ditos estudos utilizam, na
sua maioria, o ensaio com permeâmetro, descrito na norma ASTM-”Test Method for
measuring the System Clogging Pottential by the Gradient Ratio (D510190)”. Este
58
Capítulo 2 Geossintéticos
equipamento permite medir os gradientes hidráulicos no solo e na fronteira
solo/geotêxtil de modo a verificar a compatibilização entre o solo e o geotêxtil, ou
seja, verificar se os gradientes hidráulicos não são muito díspares, e se não são
geradas elevadas forças de percolação que resultem em fenómenos de instabilidade
hidráulica. A quantificação dessa compatibilização é feita através da razão de
gradiente GR (Gradiente Ratio) e que se expressa da seguinte maneira:
sg
s
s
sg
KK
ii
GR ==
(2.19)
onde,
is – gradiente hidráulico medido no solo
isg – gradiente hidráulico medido na fronteira solo/geotêxtil
ks – permeabilidade medida no solo
ksg – permeabilidade medida na fronteira solo/geotêxtil
, sendo o coeficiente de permeabilidade (k) e o gradiente hidráulico (i) definidos por:
iqk =
(2.20)
ahi
∆∆
=
(2.21)
em que,
q – caudal que atravessa a secção em estudo, onde se faz a medição.
i – gradiente hidráulico
∆h – carga hidráulica
∆a – comprimento da zona filtrante
Os resultados obtidos permitiram identificar um valor fronteira que caracteriza dois
graus de compatibilização. Assim, para:
59
Capítulo 2 Geossintéticos
GR<1 algumas das partículas adjacentes ao geotêxtil migram para o interior
deste, ou atravessam-no, o que muitas vezes sugere o desenvolvimento
de filtros estáveis; uma diminuição continuada, pode sugerir
incompatibilidade, com tendência para a ocorrência de fenómenos de
“pipping”.
GR>1 existe um impedimento do livre fluxo de água na zona adjacente ao
geotêxtil; um aumento continuado pode sugerir incompatibilidade, com
tendência para a colmatação.
Os valores aqui apresentados são meramente indicativos, já que dada a relativamente
curta experiência na utilização deste método, não existe ainda consenso total na
definição destes valores de fronteira.
Os estudos de compatibilidade baseados na razão de gradiente GR têm ainda sido
efectuados por diversos autores (Shi, 1994, Fannin et al., 1996, Palmeira et al. 1996,
Gardoni, 2000), na tentativa de reproduzir as condições reais de aplicação, num
permeâmetro modificado, com a possibilidade de aplicação de tensões normais aos
geossintéticos, e fluxos unidireccionais (Figura 2.10 a) e bidireccionais (Figura 2.10 b).
Pistão de carregamento
Porta de leituraBase rígida perfurada
Porta de leituraCélula do permeâmetro
Geotêxtil
Base rígida perfuradaMedição de caudal
Q
Q
Solo
Carga axialLVDT
Base colectora
Bomba
Transdutor de pressão
Medição de caudal
Permeâmetro
Geotêxtil Solo
a)Fluxo unidireccional; b)Fluxo reversível.
Figura 2.10 – Permeâmetro utilizado em ensaios de filtragem sob confinamento (adaptado de Hameiri, 2000).
Critério de Permeabilidade
Para os filtros granulares a condição a verificar , sugerida pelo U.S. Waterways
Experiment Station (1948), é a seguinte:
515
15 ≥dD
(2.22)
60
Capítulo 2 Geossintéticos
Os filtros em geotêxteis, em especial os não tecidos, são geralmente mais permeáveis
que os filtros granulares que tenham a mesma dimensão de poros. Assim, o filtro em
geotêxtil não tecido, deve ser genericamente preferido ao filtro granular nas
aplicações em que a permeabilidade é essencial (Giroud et al.,2002).
O critério de permeabilidade para geotêxteis impõe uma relação entre as
permeabilidades normais do geotêxtil (kg) e do solo (ks), de modo a que não sejam
gerados excessos de pressão intersticial. Assim, a permeabilidade do geotêxtil deve
ser superior à do solo, ainda mais se for verificada a compatibilidade a longo prazo
(critério de colmatação). Essa relação é do tipo:
kg ≥ c ks (2.23)
em que:
c=
10 para solos granulares ou geotêxteis tecidos e não tecidos finos(<2mm)
50 a 100 para silte ou solos coesivos
100 para geotêxteis não tecidos espessos(>2mm)
2.4.4 Drenagem
A função de drenagem é muito semelhante à de filtragem, na medida em que o
geossintético deve reter as partículas de solo e permitir a passagem da água que
percola no solo. No entanto, a água que tenderia a atravessar o geossintético, deve
ser drenada ao longo dos seus planos, pelo interior da sua estrutura. Nesta função,
assume especial importância a espessura do geossintético, que como se sabe é maior
nos geotêxteis não tecidos e em alguns geocompósitos.
As propriedades essenciais a exigir ao geossintético no desempenho desta função são:
percentagem de área aberta (aplicável somente a geotêxteis tecidos);
dimensão aparente dos poros;
transmissividade;
compressibilidade;
espessura.
O conceito que surge associado à drenagem é o da transmissividade e que, à
semelhança da permissividade, pode ser definido como a facilidade com que o fluxo
61
Capítulo 2 Geossintéticos
de água se estabelece ao longo dos planos do geossintético, ou seja, o fluxo de água
que é drenado pelo geossintético. Assim:
tk p *=θ (2.24)
em que:
θ - permissividade
kp – Coeficiente de permeabilidade no plano do geotêxtil
t – espessura do geotêxtil definida para uma determinada pressão normal (2, 20 e 200 kPa através da norma EN 964-1)
Os critérios de retenção do solo e compatibilidade a longo prazo são semelhantes aos
descritos para a filtragem.
Em grande parte das utilizações correntes dos geossintéticos, como elementos de
filtro e/ou dreno, existem tensões normais aplicadas aos geossintéticos com ordens de
grandeza que variam sensivelmente entre 100 e 1000 kPa, em obras correntes e em
grandes aterros, respectivamente. No presente caso, das obras ferroviárias, a ordem
de grandeza das tensões ao nível da base da camada de balastro situa-se em cerca de
100-200 kPa. Os geossintéticos, quando colocados sob tensão, sofrem uma redução da
sua espessura, acarretando uma diminuição da capacidade de transporte de água, e
logo uma diminuição da eficiência das suas propriedades hidráulicas.
Opta-se então por apresentar um estudo relativo à influência das tensões normais
aplicadas ao geossintético, na sua espessura e coeficientes de permeabilidade normal
e ao longo do plano. Os resultados destes estudos (Palmeira e Gardoni, 2000)
mostram, como se pode ver na Figura 2.11, a variação da espessura e dos coeficientes
de permeabilidade de um geotêxtil não tecido agulhado, com o nível de tensão
aplicado e o grau de impregnação por partículas de solo (λ).
62
Capítulo 2 Geossintéticos
a) Espessura do geotêxtil versus tensão normal b) Permeabilidade normal (Kn); Permeabilidade no
plano versus tensão normal. NOTAS: λ - factor definido como a razão entre a massa de partículas de solo presas no geotêxtil Ms e a massa dasfibras do geotêxtil Mfnef – porosidade efectiva Propriedades do geotêxtil: 600g/m2; t = 4,6mm; n = 0,89 (porosidade); O95=0,060mm; df=0,0250mm(diâmetro da fibra do geotêxtil) (Gardoni, 2000)
Figura 2.11 – Influência das tensões normais. aplicadas aos geossintéticos (adaptado de Palmeira e
Gardoni, 2000).
É importante notar que a presença de partículas de solo na estrutura do geotêxtil,
embora reduzindo a sua permeabilidade, pode não ser prejudicial para a sua
transmissividade, já que a rigidez das partículas de solo conferem alguma rigidez ao
geotêxtil, reduzindo a sua compressibilidade (Palmeira e Gardoni, 2000).
Quando várias funções em simultâneo têm que ser conjugadas para um geossintético,
como é na estabilização do solo de fundação em linhas-férreas, duas propriedades
governam a sua capacidade de filtragem: a dimensão aparente dos poros e a
permeabilidade. A dimensão aparente dos poros (AOS- “Aparent Opening Size”)
controla a capacidade do geossintético na retenção das partículas de solo. A
permeabilidade mede a facilidade com que se estabelece o fluxo de água, quer ao
longo do plano do geossintético (transmissividade), quer através do geossintético
(permissividade).
O Quadro 2.10 mostra uma classificação das propriedades hidráulicas para aplicações
em estabilização de solos de fundação, segundo Lawson 1995. Este quadro encontra-se
dividido em três grandes grupos, de acordo com o regime de filtragem: filtragem
negligenciável; filtragem laminar; filtragem dinâmica. Os valores apresentados foram
63
Capítulo 2 Geossintéticos
obtidos a partir de uma compilação de dados de projectos, considerados de boa
prática corrente nos Estados Unidos.
Quadro 2.10 – Classificação das propriedades hidráulicas para estabilização de solos de fundação
(adaptado de Lawson, 1995).
Abertura dos poros Permeabilidade
Categoria AOS1
O95
Permissividade2
ψ(s-1)
Transmissividade3
Q50(L.m-2.s-1)
1) A separação é a principal função e a
filtragem é negligenciável. O95≤0,5mm ψ≥ 0,1 Q50≥ 5
Notas: 1 Medida de acordo com ASTM D 4751; 2 Medida de acordo com ASTM D 4491; 3 Medida de acordo com ASTM D 4491, com uma carga hidráulica de 50mm; 4 d85 - Dimensão do solo de base tal que, 85% das partículas têm dimensões inferiores.
Quando a função de filtragem é negligenciável, admitem-se poros bem abertos,
baseados no valor de AOS e, em simultâneo, são usados valores de permeabilidade
baixos. Quando a filtragem é laminar, o geossintético comporta-se de maneira
idêntica a um filtro granular, e aplicam-se critérios hidráulicos idênticos de acordo
com o tipo de solo a ser filtrado. Quando são susceptíveis de ocorrer fenómenos de
bombeamento por acção de cargas de carácter cíclico, a prática corrente é limitar
tanto o valor de AOS como a permeabilidade do geossintético (Cope, 1993).
2.5 DURABILIDADE DOS GEOSSINTÉTICOS
A questão da durabilidade dos geossintéticos é a mais abordada quanto ao cepticismo
que ainda se coloca relativamente à utilização de geossintéticos em obras de grande
envergadura e responsabilidade. De facto, a utilização com carácter sistemático dos
geossintéticos remonta ainda aos anos 70 do séc XX, o que, comparativamente aos
64
Capítulo 2 Geossintéticos
materiais tradicionais, os solos, é ainda muito recente. No entanto, as provas dadas
até à data mostram que os geossintéticos, quando correctamente dimensionados, não
comprometem a vida útil da obra.
Desde a existência dos geossintéticos que se tem apostado em estudar quais as causas
que levam a que, em algumas obras, a degradação destes seja mais acelerada do que
o previsto. Assim, tem vindo a atribuir-se estas degradações aceleradas a três tipos de
acções:
transporte, manuseamento e colocação em obra inadequados;
evolução da própria matéria que constitui o geossintético;
acção de agentes mecânicos (fluência e relaxação), químicos, físicos e
biológicos.
Transporte, manuseamento e colocação em obra inadequados
No que toca às acções referidas, existem já procedimentos laboratoriais (ensaio de
danificação durante a instalação) que permitem estimar a perda de resistência sofrida
pelos geossintéticos, em função do material e equipamento de compactação a utilizar.
Uma vez que este tipo de danificação pode comprometer as funções que o
geossintético vai desempenhar, e mesmo o seu comportamento mecânico de curto e
longo prazo, é de primordial importância que realize este tipo de ensaio, adequando-o
às condições verificadas “in situ”.
As operações de remoção, preparação da superfície, manuseamento e colocação do
geossintético, espalhamento e colocação do solo não são suaves e, na maioria dos
casos, são realizados por trabalhadores pouco sensíveis à delicadeza destas operações
(Greenwood, 1998). No sentido de promover uma correcta forma de instalação do
material em obra, existem procedimentos, considerados adequados, que procuram
minorar as danificações nos geossintéticos.
De acordo com a GMA (Geosynthetic Material Association), a forma correcta de
proceder à instalação de geossintéticos em obras de Vias de Comunicação,
desempenhando estes funções de separação, estabilização e reforço de fundações é a
seguinte:
- preparar a base ou superfície onde vai ser colocado o geossintético, removendo
objectos cortantes pontiagudos, ou pedras de grandes dimensões;
65
Capítulo 2 Geossintéticos
- desenrolar o geossintético sobre essa superfície, mantendo-o na correcta posição
com a ajuda de pinos, solo ou pedras colocados nas extremidades do geossintético;
- os geossintéticos adjacentes devem ser sobrepostos aos anteriormente colocados e,
se necessário, dependendo da resistência do solo de fundação, cosidos; assim, são
aconselhadas as sobreposições indicadas no Quadro 2.11, em função da resistência do
solo de fundação (CBR):
Quadro 2.11– Sobreposições aconselhadas de acordo com a resistência do solo de fundação (adaptado de
G.M.A.).
Resistência do solo
de fundação (CBR)
Sobreposição directa
(cm)
Costura da
sobreposição (cm)
<1 - 23
1-2 97 20
2-3 76 8
>3 60 -
- a deposição do material granular sobre o geossintético pode ser feita por descarga
directa a partir de camiões e depois espalhada, no caso de solos de fundação firmes;
para solos com baixa capacidade de suporte, a descarga deve ser feita sobre o
material granular previamente descarregado e só posteriormente espalhado sobre o
geossintético;
- nas operações de compactação, em especial com cilindros vibratórios, deve ser
garantida uma espessura mínima de agregados de 30 cm sobre o geossintético.
Evolução da própria matéria que constitui o geossintético
Quanto à evolução da matéria, pode dizer-se que sendo os polímeros (matéria-prima
dos geossintéticos) sintéticos é considerado que a duração de vida destes não é posta
em causa, no entanto, podem sofrer alterações ao nível da sua estrutura interna, sem
que isso implique, "à priori", degradação do geossintético.
Acção de agentes mecânicos (fluência e relaxação), químicos, físicos e biológicos.
As acções externas do tipo mecânico que podem comprometer a durabilidade dos
geossintéticos a longo prazo são fundamentalmente a fluência e a relaxação que
correspondem, respectivamente, ao aumento da deformação sob tensão constante e à
66
Capítulo 2 Geossintéticos
diminuição da tensão para uma taxa de deformação constante. Este tipo de
fenómenos ocorre pelo facto de os polímeros constituintes dos geossintéticos exibirem
um comportamento elasto-visco-plástico, dependentes do tempo, carga e
temperatura.
A fluência, embora causada por acções externas, normalmente do tipo estático, deve-
se a factores internos, ao nível do polímero, por deslizamentos entre cadeias
poliméricas. A razão destes deslocamentos relativos é função dos agentes exteriores
(força aplicada e temperatura do meio), da estrutura molecular que constitui o
filamento, da intensidade das forças coesivas intermoleculares e ainda da estrutura do
próprio geossintético. A relaxação é normalmente motivada por solicitações
alternadas ou do tipo cíclico, e deve-se essencialmente ao tipo de estrutura do
geossintético e do seu processo de fabrico.
Hoedt (1986), através de ensaios de fluência sobre geossintéticos realizados para
níveis de tensão de cerca de 20 e 60% da sua resistência à tracção, verificou a
sensibilidade dos 4 tipos de polímeros mais utilizados a fenómenos de fluência. Assim,
constatou a maior sensibilidade do polietileno, seguida do polipropileno, poliamida e
do poliéster.
Nas acções físico-químicas estão incluídas: as degradações fotoquímicas (radiações
solares UV) que provocam a quebra das ligações químicas nas macromoléculas dos
polímeros, reduzindo a resistência do geossintético, e as degradações térmicas
(fundamentalmente aumentos de temperatura) que aceleram a velocidade das
reacções químicas e consequentemente a degradação dos polímeros. Associada à
degradação térmica está muitas vezes presente o elemento oxigénio, pelo que a
reacção passa a ser do tipo termo-oxidativa. Este tipo de acções é geralmente
provocado pelos agentes atmosféricos e o maior grau de exposição a estes agentes
ocorre numa fase prévia à instalação dos geossintéticos em obra, em que os
geossintéticos são armazenados em estaleiro.
Relativamente às degradações fotoquímicas (radiações UV) assume especial relevância
o tipo de polímero constituinte do geossintético e o tipo de ligação dos componentes.
Estudos de Lopes et al. (2001) durante 30 semanas de exposição sobre 5 tipos de
geotêxteis, 4 em polipropileno e 1 em poliéster, mostram que o polipropileno é mais
sensível à acção dos raios UV e que os geotêxteis não tecidos com filamentos curtos
termoligados são muito mais sensíveis que os geotêxteis não tecidos agulhados.
67
Capítulo 2 Geossintéticos
Mostram ainda que a adição de aditivos anti UV nos materiais em polipropileno é
determinante na melhoria do seu comportamento em termos de resistência, chegando
mesmo a ser comparável aos em poliéster.
O aumento da temperatura, como é sabido, acelera a velocidade com que se dão as
reacções químicas, favorecendo assim a degradação dos polímeros. Naturalmente que
existem polímeros mais sensíveis aos fenómenos de degradação térmica. Assim,
segundo Pilarczyk (2000), os polímeros mais sensíveis às degradações térmicas são o
polietileno e o polipropileno, sendo o poliester e a poliamida menos sensíveis, como
se pode ver na Figura 2.12.
0
50
100
150
-20 0 20 40 60 80 100t (ºC)
%da
Res
istê
ncia
àT
racç
ãoa
20 ºC
PolietilenoPoliamidaPoliésterPolipropileno
0
50
100
150
-20 0 20 40 60 80 100t (ºC)
%da
Res
istê
ncia
àT
racç
ãoa
20 ºC
PolietilenoPoliamidaPoliésterPolipropileno
Figura 2.12 – Efeito da temperatura na resistência à tracção dos polímeros constituintes (adaptado de Pilarczyk, 2000).
Tal como com a temperatura, também o aumento da quantidade de oxigénio presente
no meio acelera a degradação dos geossintéticos (Figura 2.13).
0
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
20
40
60
80
100
120
140
70ºC,8%O2
80ºC,8%O2
70ºC,21%O290ºC,8%O280ºC,21%O2
90ºC,21%O2
Exposição (dias)
Res
istê
ncia
retid
a (%
)
0
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
20
40
60
80
100
120
140
70ºC,8%O2
80ºC,8%O2
70ºC,21%O290ºC,8%O280ºC,21%O2
90ºC,21%O2
Exposição (dias)
Res
istê
ncia
retid
a (%
)
Figura 2.13 – Influência da quantidade de oxigénio presente na degradação dos geossintéticos (adaptado
de Salman et al., 1998).
68
Capítulo 2 Geossintéticos
Santos et al. (2002) estudou laboratorialmente as degradações termo-oxidativas em
geossintéticos constituídos por polipropileno e poliéster, tendo constatado que existe
sensibilidade dos polímeros a esta degradação, mas que não é muito significativa,
tendo-se verificado (Figura 2.14) uma perda de resistência à tracção de cerca de 2%
para o poliéster e cerca de 9% para o polipropileno.
ReferênciaDanificada
6
10
12
8
Res
istê
ncia
à tra
cção
(kN
/m)
PET PP
16,015,7
14,012,8
a)
90
5040
807060
Def
orm
ação
(%)
PET PP
73 7580
68
b)
14
16
ReferênciaDanificadaReferênciaDanificada
6
10
12
8
Res
istê
ncia
à tra
cção
(kN
/m)
PET PP
16,015,7
14,012,8
a)
90
5040
807060
Def
orm
ação
(%)
PET PP
73 7580
68
b)
90
5040
807060
Def
orm
ação
(%)
PET PP
73 7580
68
b)
14
16
Figura 2.14 – Degradação termo-oxidativa em geotêxteis não tecidos em polipropileno e em poliéster
(adaptado de Santos et al., 2002).
As acções químicas e bacteriológicas surgem maioritariamente como resultado do
contacto do geossintético com o solo envolvente, quando colocado em obra. Assim, as
acções químicas surgem quando o polímero constituinte do geossintético apresenta
reactividade ao oxigénio, iões metálicos, ácidos, bases, solventes e água. Essa
reactividade traduz-se numa quebra de ligações químicas com a consequente
diminuição do comprimento das cadeias moleculares e alteração química das cadeias
pela exclusão ou inclusão de novas moléculas. A susceptibilidade dos geossintéticos a
estas acções depende, naturalmente, do tipo de polímero que constitui o
geossintético.
Estudos laboratoriais de Santos et al. (2002) sobre geotêxteis não tecidos em poliéster
e polipropileno em soluções ácidas e alcalinas mostram pouca sensibilidade dos
materiais a soluções ácidas (Figura 2.15) e uma importante sensibilidade dos materiais
a soluções alcalinas (Figura 2.16).
69
Capítulo 2 Geossintéticos
ReferênciaDanificada
6
10
12
8R
esis
tênc
iaà
tracç
ão(k
N/m
)
PET PPa)
90
5040
807060
Def
orm
ação
(%)
PET PPb)
14
16
7776
8286
15,014,6
12,012,2
ReferênciaDanificada
6
10
12
8R
esis
tênc
iaà
tracç
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N/m
)
PET PPa)
90
5040
807060
Def
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ação
(%)
PET PPb)
14
16
7776
8286
8286
15,014,6
15,014,6
12,012,212,012,2
Figura 2.15 – Efeito de soluções ácidas em geotêxteis não tecidos em PP e PET (adaptado de Santos et
al., 2002).
ReferênciaDanificada
6
10
12
8
Res
istê
ncia
à tra
cção
(kN
/m)
PET PPa)
90
5040
807060
Def
orm
ação
(%)
PET PPb)
14
16
10
Rig
idez
(kN
/m2 )
PET PPc)
12
14
16
18
20
22
82 82
15,0
12,0 11,9
20,5
11,014,6 14,5
73 72
7,9
ReferênciaDanificada
6
10
12
8
Res
istê
ncia
à tra
cção
(kN
/m)
PET PPa)
90
5040
807060
Def
orm
ação
(%)
PET PPb)
14
16
10
Rig
idez
(kN
/m2 )
PET PPc)
12
14
16
18
20
22
82 82
15,0
12,0 11,9
20,5
11,014,6 14,5
73 7273 72
7,97,9
Figura 2.16 – Efeito de soluções alcalinas em geotêxteis não tecidos em PP e PET (adaptado de Santos et
al., 2002).
As acções de carácter biológico são consequência da presença de micro-organismos no
meio onde está colocado o geossintético. Estes micro-organismos podem atacar os
polímeros ou mesmo até os aditivos, deixando os geossintéticos vulneráveis à
degradação. Podem ainda, na referida decomposição, dar origem ao desenvolvimento
de produtos nocivos aos constituintes poliméricos. No entanto, estudos realizados até
ao momento apontam para uma boa resistência biológica dos polímeros mais comuns
no fabrico de geossintéticos. Como justificação desta constatação experimental
aponta-se o facto de os micro-organismos consumirem somente as fracções
poliméricas de muito baixo peso molecular, o que faz com que as propriedades dos
plásticos não sejam praticamente afectadas (Lopes, 1992).
70
CAPÍTULO 3
APLICAÇÃO DE GEOSSINTÉTICOS EM LINHAS-FÉRREAS
3.1 INTRODUÇÃO
As linhas-férreas têm sido em Portugal, e um pouco por toda a Europa, alvo de
importantes mudanças nos últimos anos. Isto tem-se traduzido na reabilitação de
muitas linhas e na construção de novas linhas. Tal como nas obras rodoviárias,
também nas obras ferroviárias a aplicação de geossintéticos se tem mostrado uma
solução técnica e economicamente atractiva, especialmente no caso de reabilitação
de linhas.
A aplicação de geossintéticos em linhas-férreas é já feita com com bastante sucesso
noutros países tal como os Estados Unidos, França e Inglaterra desde os anos 70. No
entanto, em Portugal esta aplicação tem um carácter ainda relativamente recente, o
que leva a que o conhecimento nesta área não seja ainda grandemente sustentado.
Surge então a necessidade de aprendizagem do conhecimento adquirido noutros
países, verificando o potencial de aplicação ao caso Português.
As vantagens de aplicação de geossintéticos às linhas-férreas que reunem o maior
consenso entre a literatura da especialidade são as seguintes:
permitir aumentar os intervalos de manutenção do material da camada de
balastro;
controlar o fenómeno de contaminação do balastro;
permitir reduzir os deslocamentos horizontais e transversais da camada de
balastro;
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
reduzir os asssentamentos diferenciais na camada de balastro;
minorar o impacto ambiental, associado à exploração de pedreiras;
reduzir os custos iniciais e de exploração;
maior disponibilidade de materiais e maior facilidade e rapidez de aplicação.
Considera-se aplicação de geossintéticos em linhas-férreas a inclusão destes ao nível
da superestrutura da ferrovia (conforme Capítulo 1), ainda que estes possam, como
muitas vezes o são, ser utilizados no corpo dos aterros que suportam a estrutura.
Ao longo deste capítulo será analisado o comportamento de diversos geossintéticos
no desempenho de determinada função, quando aplicados em linhas-férreas.
Seguidamente à análise do desempenho dos geossintéticos nas suas funções serão
analisados os estudos laboratoriais existentes, relativos aos fenómenos de
danificação em estudo na presente dissertação: a abrasão e a danificação durante a
instalação dos geossintéticos aplicados na estrutura ferroviária.
3.2 DESEMPENHO DE GEOSSINTÉTICOS EM OBRAS FERROVIÁRIAS
A aplicação de geossintéticos em obras ferroviárias apresenta algumas
especificidades quando comparado com outras aplicações. Estas especificidades
resultam do carácter cíclico que as solicitações apresentam, da granulometria e
forma do material que contacta directamente com os geossintéticos (balastro) e do
carácter abrasivo a que o geossintético está sujeito. Os estudos que até agora têm
sido realizados dividem-se em estudos laboratoriais a pequena escala, a escala real,
e em estudos realizados "in situ". Entendeu-se que seria de interesse mostrar uma
panorâmica relativamente aos estudos realizados para esta aplicação, e dentro
desta, para cada função especificamente.
3.2.1 Desempenho de Geotêxteis em Separação e Filtragem/Drenagem
O tipo de geossintéticos usados no desempenho desta função são essencialmente os
geotêxteis. Dentro destes, é analisada a influência do tipo de estrutura face ao solo
de fundação e o seu comportamento a longo prazo (colmatação dos poros).
Um dos factores de grande relevância no estudo do desempenho dos geotêxteis em
obras ferroviárias na função de filtragem /drenagem é o carácter dinâmico (cíclico)
que as cargas apesentam.
72
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
3.2.1.1 Estudos laboratoriais em pequena escala
Os estudos de pequena escala tentam essencialmente “isolar” a influência de vários
parâmetros no desempenho dos geotêxteis, como a frequência, o grau de colmatação
do geotêxtil, o tipo de solo de fundação e o tipo de geotêxtil .
Bell et al. (1982) avaliou a capacidade de separação de vários geotêxteis colocados
entre agregados de 20mm e siltes compactos de baixa plasticidade, sujeitos a
carregamentos cíclicos com 5Hz de frequência numa gama de tensões de 25-75KPa. A
duração dos carregamentos foi de 24h, o que corresponde a cerca de 432 000 ciclos
de carga. Os autores concluíram que a contaminação dos agregados e a colmatação
do geotêxtil estavam relacionadas com a razão entre as dimensões das partículas de
solo D85 e a dimensão característica dos poros do geotêxtil O95. Os seus resultados
confirmaram um dos critérios de retenção utilizados (O95 <D85), já que quando tal se
verificava, o nível de contaminação era mínimo. Adicionalmente, foram realizadas
medições de pressões intersticiais, indicando que associados a elevadas taxas de
dissipação das pressões intersticiais estavam elevados níveis de colmatação. Por fim,
os seus resultados mostraram que os finos presos na estrutura do geotêxtil não tecido
se concentravam por baixo dos pontos de contacto com os agregados.
Esta última observação, da maior concentração de finos por baixo dos pontos de
contacto dos agregados, foi já confirmada por vários autores (Lafleur et al., 1990),
que a justificam pela mudança na estrutura do geotêxtil sob tensão. Estes mesmos
autores, realizando ensaios com geotêxteis não tecidos, sujeitos a cargas cíclicas
numa célula de consolidação (Figura 3.1) com agregados de 2 e 6mm, observaram
uma mudança na distância entre fibras da estrutura do geotêxtil sob tensão,
conforme este se encontre por baixo ou entre partículas de agregado. Assim,
seguindo a técnica desenvolvida por Masounave et al. (1980) para análise da referida
distância entre fibras foi feita a impregnação da amostra de geotêxtil com resina e
posterior análise da sua microfotografia. Os resultados desse estudo permitiram
retiras as seguintes conclusões: sendo a distância entre pontos de contacto na
superfície do geotêxtil sensivelmente idêntica ao diâmetro das partículas do
agregado, vem que as tensões induzidas pelo agregado de 6mm são nove vezes
superiores às do de 2mm, já que os pontos de contacto por área unitária de
superfície são nove vezes inferiores. Assim, a modificação da estrutura do geotêxtil é
directamente proporcional à razão entre a dimensão média dos agregados e a
espessura do geotêxtil.
73
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Solo de fundação
Geossintético
Nível de águaSub-base
Pistão de carregamento
Figura 3.1 – Célula de consolidação (adaptado de Lafleur et al.,1990)
Tendo as partículas de balastro dimensões da ordem dos 31,5-63mm, pode dizer-se
que a relação entre a área de contacto das partículas e o geotêxtil, face à área entre
pontos de contacto, é muito baixa, o que significa que a mudança da estrutura do
geotêxtil é também muito baixa, logo poderá considerar-se desprezável a mudança
de estrutura do geotêxtil.
Hoare (1982) realizou ensaios para avaliar o comportamento de três geotêxteis na
separação de agregados de 20mm e o solo de fundação (argila plástica), com níveis
de tensão de 10-30 e 25-75kPa e frequências na gama 0,5-10Hz. O número de ciclos
variou entre 13500 a 216000. As conclusões do autor foram que a contaminação é
função do nível de tensão, aumentando logaritmicamente com o número de ciclos
(ainda em progressão ao fim de 216000 ciclos); a gama de frequências estudada não
mostrou grande influência ao nível da contaminação .
Estudos relativos à influência da frequência no grau de contaminação (Lafleur et al.,
1990) mostram a variação do coeficiente de permeabilidade em função da frequência
(1-10Hz), para diferentes tipos de solos de fundação S1 e C3, corespondendo estes
respectivamente a um silte não plástico e a uma argila plástica. O geotêxtil utilizado
era um não tecido agulhado com as seguintes características: massa por unidade de
área (m.u.a.)-180g/m2; O90-180mm; t –1,9 µm. Nos resultados da Figura 3.2 pode
ver-se que a variação da frequência não produz efeitos significativos na
permeabilidade do geotêxtil (nível de contaminação), sendo esta última muito mais
influenciada pelo tipo de solo de fundação utilizado. As conclusões relativas à
influência da frequência vão de encontro às obtidas por Hoare (1982).
74
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Frequência(Hz)1 5 10
0.1
Geotêxtil virgem
Geotêxtil colmatado
S1
C3
15mm
6mm
C3
Perm
eabi
lidad
e do
geo
têxt
il (1
0^-3
m/s
)
S1
0.2
0.3
0.4
0.5
1
2
3
6mm
2mm
Figura 3.2 – Decréscimo de permeabilidade versus Frequência (adaptado de Lafleur et al.,1990).
Lafleur (1990), utilizando os mesmos materiais do estudo anterior, analisou a
influência do tipo de solo de fundação no grau de contaminação do geotêxtil, tendo
concluído, como se pode ver na Figura 3.3, que a redução mais acentuada na
permeabilidade do geotêxtil se verificou para o solo C3. O maior grau de colmatação
provocado pelo solo C3 deve-se, segundo o autor, à maior área específica das
partículas de argila, que oferecem maior resistência ao fluxo de água.
Massa por unidade de área de partículas no interior do geotêxtil(g/m2)
0 200 400 600 800
0.3
0.40.5
1
2
3
Perm
eabi
lidad
e do
geo
têxt
il(10
^-3
m/s
)
C3
S1
S1
C3
Figura 3. 3 – Permeabiblidade versus nível de contaminação (adaptado de Lafleur et al.,1990).
Estudos que pretendem dar a conhecer a influência do grau de compactação do solo
de fundação realizados por Loubinoux et al.(1982) e Faure et al.(1984) mostram que
no caso de materiais granulares, sem coesão, sujeitos a solicitações dinâmicas de
compactação, o principal parâmetro a considerar para assegurar a retenção do solo
75
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas pelo geossintético é a dimensão do agregado. Assim, se a abertura de filtragem do
geossintético for inferior a duas vezes a dimensão do agregado O90<2D85, forma-se
uma estrutura granular estável em contacto com o filtro mesmo em condições
dinâmicas. No entanto, para solos finos, com coesão, a simples comparação da
abertura característica do geossintético com a dimensão do agregado não é
suficiente, já que a coesão e o grau de compactação do solo desempenham um
importante papel.
Faure e Imbert (1996) mostraram a influência da compacidade do solo de fundação,
da estrutura do geossintético e do grau de saturação da camada granular no
comportamento da estrutura ferroviária. A análise foi feita em termos de grau de
contaminação do balastro. Neste sentido importa, talvez, conhecer com mais detalhe
o estudo realizado.
Os ensaios foram realizados em argilas compactas e em argilas moles com vários
geotêxteis e com um grau de saturação variável do solo de fundação:
- argilas compactas
O equipamento utilizado pelos autores consistia num pistão acoplado a motores com
rodas excêntricas, que aplicava cargas a uma amostra contida num recipiente. Este
equipamento (Figura 3.4) é capaz de aplicar na amostra tensões até 200kPa à
frequência de 25 ou 50Hz.
Motores de rodas excêntricas
Transdutor de cargaTransdutor de deslocamento
Argila
Figura 3.4 – Equipamento utilizado em argilas compactas (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
A amostra era constituída por 2 camadas que podiam, ou não, ser separadas por um
geossintético. As duas camadas pretendiam ser representativas do solo de fundação e
da camada granular que constitui o balastro/sub-balastro. As suas composições eram:
76
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
- camada granular 0/20, 100% britada e limpa de impurezas, de basalto, sobre
- camada de argila ocre (80%>40µm) da classe A2 (de acordo com a norma Francesa
NF Para 11300), representativa de grande parte do solos argilosos encontrados em
França.
A espessura destas 2 camadas era de cerca de 120mm, na altura de colocação. Em
todos os ensaios a argila apresentava um grau de compactação superior a 90%, e a
duração dos ensaios era de 48h. O agregado apresentava um teor em água de 8 a
10%.
Os geotêxteis ensaiados eram não-tecidos, um agulhado (340g/m2 e O90=90µm) e
outro termoligado (280g/m2 e O90=40µm). Os resultados dos ensaios podem ver-se na
Figura 3.5, dos quais se conclui relativamente à altura a que sobem os finos que:
- a aplicação de geotêxteis reduz, efectivamente a altura a que sobem os finos;
- o agulhado mostra ser o mais eficaz, com uma redução de 2/3 relativamente ao
termoligado.
γd NOP
Altura da subida de finos(mm)
Peso específico da argila(KN/m3)
10 12 14 16 18 200
5
10
15
20
25
30
35
40
Termoligado
Agulhado
Sem geotêxtil
Figura 3.5 – Influência dos geotêxteis na subida de finos (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
Um segundo estudo no mesmo equipamento foi efectuado com uma amostra
saturada, estado representativo de um sistema de drenagem deficiente da estrutura,
tendo-se verificado que, independentemente do solo de fundação ser
adequadamente compactado, grandes quantidades de argila contaminam o balastro,
não havendo praticamente melhorias de comportamento pela colocação de
geotêxteis.
77
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas - argilas moles
Nestes ensaios, o geotêxtil mostrou desempenhar um papel muito importante,
especialmente para os solos com grau de compactação insuficiente e elevado teor em
água. Os geotêxteis utilizados foram os que a seguir se apresentam no Quadro 3.1.
Quadro 3.1- Propriedades dos geotêxteis utilizados (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
Geotêxtil Descrição M.u.a (g/m2)
Dimensão característica dos
poros (peneiração
hidrodinâmica)
PF(150,125) Não tecido agulhado 150 125
PF(220,90) Não tecido agulhado 220 90
PF(320,75) Não tecido agulhado 320 75
TP(136,20) Não tecido termoligado 136 20
TP(200,70) Não tecido termoligado 200 70
tPT(48,120) Tecido monofilamento 48 120
AM(230,105) Fita tecida 230 105
O equipamento utilizado foi um odómetro, semelhante ao apresentado na Figura 3.1,
tendo os geotêxteis sido colocados entre uma camada de 0,10m de argila, a mesma
utilizada nos ensaios anteriores, e uma camada de esferas de vidro de 10mm. O uso
de esferas de vidro permite uma fácil recolha do material que atravessa o geotêxtil.
A amostra foi comprimida simetricamente por dois pistões e aplicada uma carga
cíclica de 100kPa a uma frequência de 1Hz durante 40 000 ciclos. A argila era
saturada e ligeiramente consolidada, apresentando as seguintes propriedades:
- γd=11KN/m3
- W=48%
- Wl=53%
As principais conclusões retiradas foram as seguintes:
- relativamente à massa de solo movimentada (soma da massa presa na estrutura do
geotêxtil com a que o atravessa), pode ver-se na Figura 3.6 que, abaixo dos 10 000
ciclos, os termoligados funcionam melhor a conter a argila que os agulhados, isto
para geotêxteis com a mesma m.u.a. e dimensão característica dos poros; para além
dos 10 000 ciclos, os termoligados são menos eficientes e os movimentos de solo
aumentam;
78
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Número de ciclos1000
010000 100000
Não tecido termoligado
Não tecido agulhado
TP(200,70)
TP(68,330)
PF(320,75)
PF(220,90)
PF(150,125)
TP(136,120)
Massa de solo movimentada/(n.Of.Tg)(106kg/m4)
5
10
15
20
25
30
35
40
Figura 3.6 – Variação da massa de solo movimentada com o número de ciclos (n: porosidade;
Tg:espessura; Of: Dimensão aparente dos poros do geotêxtil). (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
- a massa de solo que atravessa os agulhados parece ser proporcional ao número de
ciclos, em escala logarítmica (Figura 3.7); quanto aos termoligados, e outros
geotêxteis, a taxa de solo que os atravessa aumenta consideravelmente entre os
5 000 e os 10 000 ciclos, sendo esse aumento mais significativo para os termoligados
(o autor considera necessário realizar ensaios para um maior número de ciclos para
que se possa confirmar a referida tendência); a massa de solo que atravessa o
geotêxtil é, no fundo, o que condiciona o comportamento a longo prazo da camada
granular (representativa do balastro), visto que constitui a fonte de contaminação,
logo, potencialmente, os agulhados revelam alguma vantagem no comportamento a
longo prazo.
Número de ciclos1000
010000 100000
TP(200,70)
PF(320,75)
PF(220,90)
PF(150,125)
Massa de solo que atravessa o geotêxtil (kg/m2)
0,5
1
1,5
2
tPT(48,120)
tTP(48,120)
TP(136,120)
SC(150,90)
AM(230,105)
79
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Figura 3.7 – Influência do tipo de estrutura na massa de solo que atravessa o geotêxtil. (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
- relativamente à quantidade de solo presa no interior da estrutura dos geotêxteis, os
agulhados revelam maior capacidade (Figura 3.8); isto é consequência da sua maior
espessura para a mesma m.u.a., comparativamente aos outros tipos de geotêxteis.;
por outro lado, no que respeita à evolução da taxa de poluição, definida na Figura
3.9 através da relação massa de solo/(n.Tg) - em que (n.Tg) representa o volume de
vazios- os agulhados apresentam melhor comportamento a longo prazo do que os
termoligados, revelando os termoligados tendência para a colmatação com a
formação de uma barreira impermeável.
Número de ciclos1000
010000 100000
TP(200,70)
PF(320,75)
PF(220,90)
PF(150,125)
Massa de solo presa na estrutura do geotêxtil (kg/m2)
TP(136,120)
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
Agulhado
Termoligado
TP(68,330)
Figura 3.8 – Quantidade de solo presa no interior da estrutura do geotêxtil (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
Número de ciclos
PF(150,125)
PF(220,90)
PF(320,75)
TP(68,330)
TP(200,70)
TP(138,120)
1000 10000 1000000.0
0.1
0.2
0.3
0.5
0.6
0.7
0.4
0.8
0.9
Termoligado
Agulhado
Massa de solo presa/n.Tg (10-3 kg/m3)
Figura 3.9 – Evolução da taxa de poluição com o número de ciclos (adaptado de Faure e Imbert, 1996).
80
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
3.2.1.2 Estudos Laboratoriais em escala real
Um dos equipamentos utilizados neste tipo de estudos, e do qual mais
frequentemente se faz referência na bibliografia é o “Vibrogir”, representado
esquematicamente na Figura 3.10. Este equipamento é utilizado pela companhia
ferroviária Francesa SNCF (Société Nationale dês Chemins de fer Français) para
simulação das cargas resultantes do tráfego ferroviário. Assim, a uma travessa de via
férrea é aplicada uma carga de 20 toneladas a uma frequência de 50Hz.
Pode considerar-se que 10 horas de solicitações no “Vibrogir” corresponde
aproximadamente a um tráfego diário de 100 000 toneladas (Nancey e Imbert, 2002).
Figura 3.10 - Esquema representativo do equipamento em escala real “Vibrogir” (adaptado de Nancey e Imbert, 2002).
Estudos realizados neste equipamento por Faure e Imbert (1996), na sequência de
estudos em pequena escala (já referidos anteriormente), sobre os mesmos tipos de
geotêxteis, colocados entre o solo de fundação e o sub-balastro, com uma m.u.a
variável entre os 280 e as 420g/m2, mostram conclusões de interesse, e que passam a
apresentar-se:
- os geotêxteis tecidos mostram zonas danificadas com corte de fibras;
- os três geotêxteis não tecidos termoligados ensaiados mostram-se praticamente
impermeáveis nos testes com solicitações dinâmicas (à semelhança dos ensaios em
pequena escala);
- todos os geotêxteis não tecidos agulhados mantiveram a mesma permissividade,
independentemente do tipo de solo de fundação ensaiado, que variou entre argila,
81
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas argilo-arenoso e margas; todos os solos apresentavam um grau de compactação de
95%;
- após 200 horas de utilização do equipamento, o nível de contaminação do sub-
balastro estava limitado à altura de 3-4cm para os geotêxteis não-tecidos agulhados;
com recurso a ensaios de azul de metileno para determinação da percentagem de
partículas contaminantes no sub-balastro, constatou-se que nos agulhados de 320 e
400g/m2 a percentagem de partículas contaminantes eram de 18 e 10%,
respectivamente; os valores verificados para os termoligados são inferiores, de 4 a
8%, no entanto são uma consequência da sua total colmatação, transformando-se
numa barreira impermeável.
Estudos de Nancey e Imbert (2002) realizados no mesmo equipamento sobre
geotêxteis com especificações, de acordo com as de Raymond (1999) para caminhos
de ferro Norte Americanos, no contexto dos caminhos de ferro Franceses e Europeus,
consideraram uma duração de carregamento, que variou entre 20h (em condições
secas e saturadas), e 80,120, e 200h para condições secas. As principais conclusões
do estudo foram as seguintes:
- por observação visual, nas 20h para condições saturadas, foi vista uma grande
quantidade de finos (esta conclusão está de acordo com a de Faure e Imbert, 1996);
- relativamente à permissividade dos geotêxteis, verificou-se um ligeiro decréscimo,
para a níveis aceitáveis (Figura 3.11), não se tendo verificado a ocorrência de
colmatação;
Perm
issi
vida
de (
mm
/s)
0
2
4
6
12
8
10
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200
Duração do carregamento no "Vibrogir"
14
Figura 3.11– Evolução da permissividade (adaptado de Nancey e Imbert, 2002).
82
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
- a transmissividade do geotêxtil sofreu um pequeno decréscimo inicial (Figura 3.12),
mantendo-se na restante duração do carregamento com um valor sensivelmente
constante.
0
20kPa 200kPa
(10-
6m2/
s)
0
2
4
6
8
10
12
20 40 60 80 100 140120 160 180 200 220Duração do carregamento no "Vibrogir"
Figura 3.12 – Evolução da transmissividade (adaptado de Nancey e Imbert, 2002).
3.2.1.3 Estudos realizados “in situ”
Numerosos estudos "in situ" têm vindo a ser realizados nos caminhos de ferro Norte
Americanos desde os anos 80, com o objectivo de promover a reabilitação das zonas
mais problemáticas das suas linhas-férreas. Esta investigação tem sido levada a cabo
pela Universidade de Queen's (liderada por G.P.Raymond) para a C.N.R.(Canada
National Rail), C.P.R.(Canada Pacific Rail) e T.C.(Transport Canada). Vários
documentos, Raymond et al. (1981), Raymond e Gerry (1982), Raymond (1984),
Raymond (1985) e Raymond (1999), com recomendações, têm vindo a ser elaborados
com as propriedades a exigir aos geossintéticos para aplicação aos caminhos de ferro.
Raymond, G.(1999) exumou vários tipos de geotêxteis tecidos, não tecidos finos
termoligados, não tecidos agulhados com filamentos contínuos e descontínuos, todos
eles com m.u.a. inferior a 475g/m2. Os resultados mostraram que em sítios com
graves deficiências do sistema de drenagem todos os geotêxteis falharam na função
de separação e filtragem/drenagem, ao ponto de permitirem o bombeamento de
finos. Tal como constatado em Raymond (1984) os geotêxteis tecidos e os não tecidos
finos termoligados colmataram, agindo como impermeáveis, criando-se por baixo
destes uma fina película de lodo plástico (com finos<75µm). A análise à superfície do
solo de fundação indica que o geotêxtil indicado para esta utilização deve ser do tipo
não tecido agulhado com m.u.a superior a 500g/m2.
83
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas Ashpiz et al.(2002) apresentam um estudo realizado na reabilitação da linha-férrea
St.Petersburg-Moskow que involveu a aplicação de geotêxteis com posterior
exumação ao fim de 1 e 5 anos de utilização. Nesta reabilitação, foram removidos 40
a 50cm do antigo balastro e colocado o geotêxtil sobre o balastro antigo
remanescente. O tipo de geotêxtil utilizado foi um não tecido termoligado com
m.u.a. 300g/m2. Adicionalmente à colocação do geotêxtil, foram colocadas na sua
interface camadas protectoras de areia.
As conclusões do referido estudo foram que a presença da camada de areia, para
além de camada protectora do geotêxtil, funciona como filtro, diminuindo a
quantidade de solo presa no geotêxtil. Ao fim de 5 anos de utilização, foi verificada
alguma contaminação do geotêxtil, tendo a permeabilidade de toda a estrutura
baixado cerca de 1,5 vezes. A contaminação verificada foi identificada como
proveniente da própria camada de balastro e algumas impurezas trazidas pelas águas
da chuva. Na base do balastro novo, a contaminação não mostrou ter significado,
provando assim a eficácia do geotêxtil.
3.2.1.4 Conclusões
Da análise dos estudos apresentados relativamente ao desempenho de geotêxteis em
separação e filtragem/drenagem algumas conclusões podem ser retiradas:
1. os níveis de contaminação, para solos de fundação granulares, estão
relacionados com a razão dimensão das partículas de solo/dimensão
característica dos poros do geotêxtil;
2. a elevadas taxas de dissipação de pressões intersticiais estão associados
elevados níveis de contaminação;
3. os solos de fundação com coesão e elevada percentagem de finos apresentam
maior potencial para a contaminação das camadas sobrejacentes;
4. os geotêxteis não tecidos agulhados são, daqueles aqui analisados, os que
melhor desempenho a longo prazo apresentam em funções de controlo da
contaminação;
5. uma maior m.u.a. e espessura dos geotêxteis não tecidos garante um melhor
desempenho no controlo do fenómeno de contaminação do balastro e
sobrevivência a fenómenos de danificação;
84
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
6. condições deficientes de drenagem têm, inevitavelmente, associadas elevados
níveis de contaminação;
7. as aplicações "in situ" confirmam a eficiência efectiva dos geotêxteis no
desempenho destas funções.
3.2.2 O Uso de Geomembranas na Impermeabilização da Plataforma Ferroviária
A solução de impermeabilização da plataforma ferroviária surge quando se está em
presença de solos sensíveis à acção da água, os quais, na presença desta tendem a
tornar-se plásticos, com diminuição das suas características resistentes, facilitando a
penetração do balastro. Esta solução é implementada, no pressuposto de que a água
que chega à plataforma é somente a da chuva, e que esta é drenada lateralmente,
ou seja, em condições eficientes de drenagem. Noutras situações, em que o nível
freático está próximo da superfície, especial atenção deve ser dada às condições de
drenagem, caso contrário, a solução será ainda pior que a situação inicial, visto que
permite a acumulação de água por baixo da impermeabilização, sem hipótese de ser
escoada no sentido ascendente, dando-se o amolecimento da fundação.
Assim, a primeira condição a verificar serão as condições hidráulicas e
hidrogeológicas do local. Se estas forem julgadas boas, pode fazer-se a aplicação
desta solução. O critério da S.N.C.F. para o nível freático, é que este esteja pelo
menos 2m abaixo da camada de balastro, podendo esta distância ser diminuída para
1m se o nível freático for rebaixado por um sistema de drenagem efectivo e sujeito a
boas condições de manutenção.
Para a impermeabilização da fundação, a solução que mais correntemente se utiliza
é a da aplicação de geomembranas. Esta solução para além de impermeabilizar o solo
de fundação também permite travar o fenómeno de contaminação do balastro
proveniente das camadas inferiores. A experiência com geomembranas tem-se
mostrado vantajosa técnica e economicamente.
3.2.2.1 Estudos laboratoriais
No sentido de conhecer qual o tipo de geomembrana que melhor desempenho
apresenta neste tipo de aplicação, têm vindo a ser realizados ensaios laboratoriais
em escala real. Na S.N.C.F., utilizando o “Vibrogir” já anteriormente apresentado,
foram realizados ensaios (Imbert et al., 1996) que simularam a passagem de tráfego
85
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas ferroviário correspondente a mais de 20 anos de utilização numa linha com grande
frequência de cargas pesadas. Diferentes tipos de geomembranas foram aplicados,
reagindo cada um desses tipos de maneira diferente. Umas são perfuradas
provocando fugas, outras deformam-se e cedem, formando depressões onde se
acumula a água da chuva. Os melhores resultados foram obtidos com geomembranas
betuminosas reforçadas, com mais de 5 mm de espessura. Estas geomembranas
betuminosas são obtidas pelo espalhamento de betume sobre um geotêxtil.
As conclusões do estudo foram que a geomembrana betuminosa permite às partículas
de balastro ficarem incrustadas na sua superfície, como se pode ver na Figura 3.13,
sem que estas deixem de ser impermeáveis. Consegue simultaneamente incrementar
o seu ângulo de atrito superficial, favorecendo a sua própria ligação à camada de
balastro. Para além de impermeabilizar o solo de fundação e favorecer a aderência à
camada de balastro, as geomembranas permitem travar o fenómeno da contaminação
da camada de balastro proveniente das camadas inferiores.
Figura 3.13 – Geomembrana betuminosa incrustada de partículas de balastro (adaptado de Imbert et al. 1996).
Estudos laboratoriais realizados por Tebay et al.(2002), num equipamento
desenvolvido pela Universidade de Leeds (Reino Unido) conforme se apresenta na
Figura 3.14, com dimensões próximas das reais, permitem simular o tráfego de
diferentes tipos de comboios. Como se pode ver na Figura 3.15, o equipamento
permite simular o tráfego de comboios de carga, passageiros e alta velocidade,
mediante a aplicação de diferentes cargas (até 120kN) com três actuadores
hidráulicos, a diferentes frequências (até 10Hz) durante 1 000 000 de ciclos.
86
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Figura 3.14 – Equipamento para simulação de tráfego ferroviário (Tebay et al. 2002).
Índice de tempo
Índice de carga
0
20
60
40
80
100
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
a)Comboio de carga
Índice de carga
80
200
0
40
60
1Índice de tempo
0,2 0,4 0,80,6
100
b)Comboio de passageiros
Índice de carga
80
20
00
40
60
100
1Índice de tempo
0,2 0,4 0,80,6
c) Comboio de alta velocidade
Figura 3.15 – Perfil de carregamento das travessas (adaptado de Tebay et al. 2002).
Os ensaios foram realizados com uma camada de 800mm de balastro e outra de
500mm de argila separadas por uma geomembrana ou um geotêxtil. Em todos foi
adicionada água nos primeiros 200 000 ciclos simulando condições deficientes de
drenagem. Uma das principais conclusões do estudo foi que a inclusão da
geomembrana na interface balastro-fundação (solo argiloso) é extremamente eficaz
a manter o módulo de deformabilidade do solo de fundação, sendo este, ao fim de
1 000 000 de ciclos, 10 vezes superior quando comparado com a solução sem
geossintéticos. Outra conclusão de relevo é que a aplicação exclusiva de um geotêxtil
não é eficaz no comportamento a longo prazo, já que os finos acabam por ser
bombeados para a camada de balastro acabando por contaminá-la. Esta conlusão
vem confirmar a de Raymond (1999) para condições deficientes de drenagem.
3.2.2.2 Estudos realizados “in situ”
Uma das primeiras utilizações de geomembranas em caminhos-de-ferro é a descrita
num trabalho de Imbert et al. (1996) e data de 1973. Nesta aplicação foram
produzidos 40 000m2 de geomembrana “in situ”, pelo espalhamento de betume Shell
Mexphalte 100/40 à taxa de 10Kg/m2 sobre um geotêxtil. A sua colocação foi feita na
87
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas interface solo de fundação/sub-balastro. O sucesso desta e outras aplicações resultou
na produção deste tipo de geomembranas, em fábrica, a partir de 1974.
A S.N.C.F. fez uma aplicação deste produto na zona de Limoges (França),
directamente por baixo da camada de balastro, tendo a obra sido monitorizada
regularmente. Segundo a S.N.C.F., à data de publicação do trabalho (1996), a
geomembrana contava já com 20 anos de utilização e com um desempenho
considerado satisfatório.
Uma aplicação mais recente, descrita num estudo de Selig et al.(2002), de uma
geomembrana betuminosa reforçada – Coletanche NTP4 - confirma a sua eficácia na
resolução do problema de "amolecimento" do solo de fundação causado pela entrada
de água na plataforma. Maior detalhe relativamente a esta aplicação pode ser
consultado no referido estudo.
3.2.2.3 Conclusões
Do apresentado, podem retirar-se as seguintes conclusões principais:
1. o uso de geomembranas sobre solos de fundação sensíveis à água é eficaz a
manter o seu módulo de deformabilidade quando a água é proveniente das
camadas superiores;
2. as geomembranas betuminosas com espessura superior a 5mm permitem a
incrustação das partículas de balastro, sem deixarem de se manterem
impermeáveis, favorecendo a sua ligação à camada de balastro pelo aumento
do ângulo de artito superficial;
3. as geomembranas permitem travar o fenómeno da contaminação do balastro,
proveniente das camadas inferiores;
4. zonas com níveis freáticos considerados elevados, a distâncias inferiores a 2m
da camada de balastro, com condições de drenagem profunda deficientes
desaconselham o uso de geomembranas, podendo o uso destas comprometer o
funcionamento da estrutura.
3.2.3 Desempenho de Geogrelhas em Reforço
Actualmente, a superestrutura da via, isto é, os carris, o tipo e afastamento das
travessas, o sistema de aperto, etc., estão já num estado de desenvolvimento
considerado óptimo, e qualquer melhoria só poderia reduzir marginalmente (4 a 6 %)
88
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
o nível de tensões na plataforma. No entanto, as tensões ao nível da plataforma
podem ser drasticamente reduzidas com melhorias ao nível das camadas que
constituem a infraestrutra (Jain, V. e Keshav, K., 1999).
As geogrelhas são usadas para reforço da camada de balastro no sentido de diminuir
as deformações verticais permanentes que esta sofre durante a aplicação de cargas
cíclicas, controlar os assentamentos diferenciais que possam surgir no
desenvolvimento longitudinal da obra e ainda provocar um maior confinamento do
balastro, restringindo os seus movimentos laterais. As deformações plásticas e os
assentamentos diferenciais pioram o comportamento da estrutura da via, dando
origem a deformações sucessivamente maiores, pondo em causa a segurança e a
eficiência da via. Este fenómeno é chamado de deterioração da via e tem como
consequência a redução da velocidade de circulação, ou mesmo, a total restrição de
circulação.
A utilização de geogrelhas, para além de melhorar o comportamento do balastro,
permite que os intervalos de manutenção desse sejam mais alargados, reduzindo
portanto os custos e as perturbações do tráfego.
A monitorização das obras previamente à intervenção, é necessária no sentido de
identificar a causa e origem dos assentamentos. A necessidade de reforço com
geogrelhas pode ser devida à falta de capacidade de carga da fundação (em que são
verificados elevados assentamentos verticais, com a penetração das camadas
granulares na base da plataforma) ou a um inadequado dimensionamento da
espessura das camadas de balastro e sub-balastro (podem verificar-se elevados
assentamentos verticais mas não a penetração do balastro na base da plataforma, a
menos que os níveis de degradação sejam tão avançados que os níveis de tensão
sejam demasiado elevados face à capacidade de carga da base da plataforma). A
eficácia das geogrelhas no reforço da camada de balastro é afectada por diversos
factores, como a geometria das aberturas das geogrelhas, conforme se verificou no
Capítulo 2, o número, níveis, afastamento e profundidade de colocação dos reforços.
Os estudos laboratoriais e "in situ" têm abordado estas questões, com resultados que
se consideram de interesse.
89
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
90
3.2.3.1 Estudos laboratoriais
Raymond e Walters (1999) realizaram um estudo em pequena escala num
equipamento semelhante ao da Figura 3.16, com a colocação de um nível de reforço
em geogrelhas a várias profundidades. Algumas das principais conclusões do estudo
foram que a colocação de reforços no balastro reduz eficazmente as suas
deformações plásticas, sendo a profundidade óptima de colocação desse mesmo
reforço cerca de 6 e 12 % da largura da base de carregamento, o que para a típica
largura de via de 2m corresponde aproximadamente a uma profundidade de 120 a
240mm.
a) Equipamento utilizado
b) Esquema de colocação dos materiais
Figura 3.16 - Determinação laboratorial da eficiência do reforço com geogrelhas (adaptado de
Raymond, 2002).
Ensaios em escala real, realizados por Jain e Kesheav (1999) num equipamento de
dimensões 13x3,75m com carregamentos de 20 a 32 ton aplicados a frequências de 2-
5 Hz mostram a eficácia da aplicação de 1 e 2 níveis de geogrelhas biaxiais,
colocadas no interior da camada de sub-balastro. As amostras são constituídas por
uma camada de balastro com 0,3m de espessura, outra de sub-balastro com 0,6m e o
solo de fundação com 2m. Os resultados desse mesmo estudo, segundo Montanelli e
Recalcati (2003), podem ver-se no Quadro 3.2 e correspondem somente às
solicitações dinâmicas. Estas solicitações dinâmicas são obtidas a partir das totais,
medidas à profundidade de 0,9m da base das travessas, deduzidas da carga estática,
correspondente ao peso das camadas de balastro e sub-balastro. Como se pode ver, a
introdução de 1 nível de geogrelhas reduz as solicitações dinâmicas entre 20 e 40%,
aumentando essa redução para 30 a 60% com dois níveis de reforço.
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Quadro 3.2– Influência da aplicação de reforços na redução das cargas dinâmicas medido 0,9m abaixo das travessas (adaptado de Montanelli e Recalcati, 2003).
Sem reforço Um nível de reforço Dois níveis de reforço Carga/eixo
(ton)
Tensões
dinâmicas
(KPa)
Tensões
dinâmicas
(KPa)
Redução(%)
Tensões
dinâmicas
(KPa)
Redução(%)
16,00 18,79 10,94 42 7,51 60
20,32 24,84 16,99 32 13,07 57
22,10 27,34 19,49 29 15,56 43
25,00 31,40 23,55 25 19,63 37
30,00 38,41 30,56 20 16,64 31
No estudo inicial de Jain e Kesheav (1999), a principal conclusão extraída foi que a
camada de 1m de espessura medida a partir da base das travessas é que realmente
governa a capacidade de carga da infraestrutura ferroviária, visto que é aqui onde se
processa a maioria das degradações de tensões; a partir deste ponto um aumento das
cargas de tráfego conduz apenas a aumento marginal das tensões no solo, conforme
se pode ver na Figura 3.17. Isto significa que intervenções na infraestrutura para o
aumento da capacidade de carga podem ser limitadas ao 1m de solo superficial, ou
seja, dentro das camadas que constituem a infraestrutura ferroviária.
Figura 3.23 - Variação da menor extensão principal mínima ε3 com o número de ciclos (adaptado de Indraratna et al., 2002).
Note-se a eficiência que a aplicação deste tipo de reforço tem na contenção lateral
do balastro, diminuíndo, ou mesmo eliminando, a necessidade da existência de
ombreiras de balastro.
Finalmente, o estudo incidiu sobre as características de degradação das partículas do
balastro, tendo sido aplicado o método de Marsal (1973), que permite avaliar a
variação da granulometria (antes e após ensaio) para cada fracção granulométrica. As
conclusões do estudo, baseado no referido método, foram que:
- as partículas de balastro novo mais susceptíveis a quebra, são as de granulometria
45-60mm, sendo no balastro reciclado as de 30-50mm;
- as partículas de balastro reciclado sofrem 97% mais de quebra do que as partículas
de balastro novo nas mesmas condições de solicitção, devido à presença de
microfissuras no balastro reciclado resultantes dos anteriores ciclos de
carregamento;
- a inclusão de uma geogrelha no balastro reciclado reduz a percentagem de quebra
em 42%, e em 48% no caso de utilização do geocompósito.
Este estudo mostra que a aplicação de geogrelhas em balastro reciclado potencia o
seu reaproveitamento em estruturas ferroviárias. Apesar dos estudos nesta área não
serem ainda em grande número, e por isso as suas conclusões não poderem ser
aceites sem contestação, julga-se que será de interesse o seu aprofundamento, pelas
vantagens que a aplicação de balastro reciclado apresenta relativamente ao novo,
em especial vantagens económicas e ambientais.
100
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
3.2.3.4 Conclusões
Do apresentado pode concluir-se que os estudos laboratoriais e "in situ" são unânimes
quanto à vantagem da aplicação de geogrelhas na infraestrutura da ferrovia. Como
principais conclusões dos estudos apresentados realça-se que a aplicação de
geogrelhas permite:
- reduzir eficazmente as deformações verticais das camadas de balastro e sub-
balastro, chegando essa redução a atingir os 60%;
- reduzir as deformações laterais do balastro, garantindo o seu confinamento lateral
e reduzindo a necessidade de utilização das ombreiras de balastro;
- reduzir a quebra de partículas da camada de balastro, aumentar a longevidade das
suas características resistentes e reduzir os ciclos de manutenção;
- garantir uma estrutura mais homogénea, em termos de comportamento mecânico,
reduzindo a probabilidade de ocorrência de assentamentos diferenciais;
- potenciar a reaplicação de balastro reciclado em estruturas ferroviárias.
Da expriência relatada na bibliografia, podem apontar-se as propriedades das
geogrelhas que maior influência têm no bom desempenho, neste tipo de aplicação:
Elevada resistência à tracção: >30 kN/m
Elevado módulo de deformabilidade inicial: >10 kN/m (2% elongação)
>20 kN/m (5% elongação)
Baixa elongação na rotura: <12-14%
Elevada resistência à abrasão e danificação durante instalação.
3.3 DANIFICAÇÃO DE GEOSSINTÉTICOS
A aplicação de geotêxteis a obras ferroviárias é uma das mais exigentes aplicações,
em termos mecânicos, a que um geotêxtil pode ser sujeito, quer seja pelo facto de
este estar em contacto directo com partículas de grandes dimensões e do tipo
angular, quer seja pela natureza cíclica e intensidade das cargas aplicadas, quer
ainda pelo tipo de máquinas utilizadas durante a construção e manutenção da
estrutura. Todos estes factores têm forte influência nas capacidades resistentes de
um geotêxtil, vindo assim diminuídas as suas resistências à tracção, rasgamento e
101
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas punçoamento. Também as características hidráulicas do geossintético são,
obviamente, alteradas, isto porque as acções mecânicas que o solicitam tendem a
provocar perfurações, cortes e processos de abrasão que alteram a sua dimensão
aparente dos poros, permissividade e transmissividade.
Neste ponto serão abordados os processos de danificação provocados por abrasão e
danificação durante a instalação. No que respeita à abrasão, a bibliografia é ainda
muito incipiente, pelo que se fará uma exposição da evolução dos equipamentos para
simulação da abrasão e apresentação dos resultados disponíveis. A danificação
durante a instalação é um fenómeno já amplamente estudado, no entanto, para a
presente aplicação, ainda pouco desenvolvida no que toca à granulometria dos
materiais utilizados.
3.3.1 Abrasão de Geossintéticos
De acordo com a ISO 13427 (1998), define-se abrasão como o desgaste de qualquer
parte de um material por fricção com outra superfície. Nas aplicações ferroviárias, o
geossintético sofre desgaste maioritariamente provocado pelas partículas de balastro
com que contacta, que por acção das cargas cíclicas tende a ter pequenos mas
continuados deslocamentos. Este fenómeno vem já sendo constatado desde os anos
80, pelo que desde essa altura se têm vindo a desenvolver equipamentos
laboratoriais que simulem esse fenómeno. Os resultados da bibliografia
relativamente aos fenómenos de abrasão dizem respeito somente à perda de
resistência à tracção dos geossintéticos, não sendo feita qualquer referência à
alteração das suas propriedades hidráulicas.
Um dos estudos laboratoriais desenvolvidos neste âmbito, segundo Raymond et al.
(1982), efectuado sobre onze tipos de geotêxteis, descreve os processos de abrasão
observados, por inspecção visual e ao microscópio, sendo os que mais
frequentemente se obtêm apresentados no Quadro 3.5.
102
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Quadro 3.5– Descrição dos processos de abrasão (adaptado de Raymond et al., 1982).
Processo de abrasão Descrição do fenómeno
Alihamento Filamentos de geotêxteis, previamente não alinhados, tendem a ficar
alinhados numa direcção preferencial.
Nódulos Filamentos individuais são parcialmente desagregados da estrutura ,
formando pequenos nódulos.
Corte Filamentos individuais são primeiramente quebrados e depois cortados
na direcção transversal do filamento.
Achatamento A espessura de filamentos individuais é reduzida, enquanto a sua largura
é aumentada, produzindo achatamento.
Desagregação superficial Os filamentos superficiais são total, ou parcialmente, desagregados da
estrutura que compõe o geotêxtil.
Perfuração Filamentos individuais sofrem desgaste por vários processos,
desenvolvendo-se uma abertura no geotêxtil.
Separação Filamentos individuais separam-se da estrutura. Limitado a geotêxteis
não tecidos.
Um dos primeiros equipamentos utilizados foi o "Rotary platform (ASTM D1175)",
apresentado na Figura 3.24a, inicialmente desenvolvido para a industria têxtil, e
posteriormente tentada a sua adaptação para simulação da abrasão de geotêxteis em
aplicações ferroviárias. O ensaio consiste na rotação de duas rodas abrasivas (Figura
3.24b) com um peso de 1000 gramas à velocidade de 70 r.p.m. sobre um geotêxtil,
sendo este posteriormente ensaiado à tracção. O valor obtido é comparado com o de
um provete "intacto", e avaliada a perda de resistência mecânica.
a) Equipamento no ensaio "Rotary platform" b) Rodas abrasivas sobre o geotêxtil
Figura 3.24 – Ensaio para simulação da abrasão em geotêxteis (ASTM D 1175).
103
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas Os processos de abrasão que este ensaio tende a provocar é uma desagregação
superficial, total ou parcial, dos filamentos dos geotêxteis, e o alinhamento dos
filamentos numa direcção preferencial (Raymond et al. 1982). Este equipamento
acabou por se revelar inadequado para este estudo, já que foi desenvolvido para
geotêxteis com baixa resistência à tracção, provocando um tipo de abrasão que não é
representativo das condições verificadas nas estruturas ferroviárias (Hausman et al.
1990).
Estudos de Nancey e Imbert (2002) realizados no “Vibrogir”, a que já foi feita
referência, mostram a resistência à abrasão de geotêxteis (impregnados com 20%, em
peso, de resina acrílica de baixo módulo) em função da duração do carregamento. A
norma seguida para simulação da abrasão foi a ASTM D-3884, que utiliza o
equipamento "Rotary platform", já apresentado na Figura 3.24a, onde o geotêxtil é
submetido a um certo número de rotações, até que seja atingida a sua destruição; o
número de rotações até à rotura constitui o resultado do ensaio.
Os resultados obtidos podem ver-se no gráfico da Figura 3.25. É possível observar que
o número de rotações diminui com o aumento da duração do carregamento. Segundo
os autores, estima-se que uma duração de carregamento no Vibrogir de 250h
corresponda, potencialmente, a um período de vida útil de 25 a 30 anos na estrutura
ferroviária.
0
1000
3000
2000
5000
6000
4000
Número de rotações
500 100 150 200 250 300
Figura 3.25 - Evolução da resistência à abrasão segundo ASTM D 3884 (adaptado de Nancey e Imbert, 2002).
Pese embora o tipo de equipamento para simulação da abrasão não ser adequado ao
tipo de abrasão verificada nas estruturas ferroviáras, constata-se que os resultados
são condizentes com os obtidos "in situ" por Hausmann et al. (1990), na medida em
104
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
que o grau de abrasão dos geotêxteis aumenta com o volume de tráfego circulante
ou, neste caso o número de rotações.
Outro equipamento usado para simular o fenómeno de abrasão foi adaptado do
ensaio de carga em placa, sendo descrito no trabalho de Raymond et al. (1982). É
constituído por um molde em alumínio de 250mm de diâmetro, 2 camadas de
balastro nº4 compactado (de acordo com especificações da A.R.E.A.), separado por
um geotêxtil, e uma camada de areia "Ottawa". Uma placa rígida com 50mm de
diâmetro solicita verticalmente a amostra durante 100 000 ciclos. Os geotêxteis
utilizados no estudo eram tecidos e não tecidos com m.u.a. variável de 137 a 730
g/m2.
As conclusões do estudo mostraram que o desgaste por abrasão é realisticamente
simulado ao fim dos 100 000 ciclos de carga. Os processos de abrasão que se
verificaram foram de desagregação superficial, separação e corte para os geotêxteis
tecidos; para os geotêxteis não tecidos os processos de abrasão verificados foram de
desagregação superficial, achatamento, e corte. Os geotêxteis de menor espessura e
menor m.u.a. mostraram menor resistência à abrasão.
Hausmann et al.(1990) ensaiou 17 geotêxteis à tracção, antes e após abrasão, num
equipamento de Deval modificado. O ensaio de Deval (BS 812) é vulgarmente
utilizado para avaliar a abrasão do balastro, encontrando-se o seu equipamento
(Figura 3.26a) com facilidade em diversos laboratórios de geotecnia, razão que
justificou a escolha de tal equipamento para abrasão dos geotêxteis. Assim, o
geotêxtil é aplicado no interior do tambor rotativo através de borrachas, sendo
adicionado o material abrasivo (balastro de 37,5mm) e submetido a 10000 rotações.
A abrasão que se obtém com este equipamento segue o padrão que se pode observar
na Figura 3.26b, pelo que os provetes a ensaiar à tracção são obtidos a partir dessa
zona.
105
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Motor
Eixo de rotaçãoCilindros
Contador de rotações
a) representação esquemática da máquina de Deval b) padrão de abrasão
Figura 3.26 – Ensaio de Deval segundo BS 812 (adaptado de Hausmann et al. 1990).
Os resultados dos ensaios de tracção podem ver-se na Figura 3.27a e Figura 3.27b,
correspondentes aos provetes intactos e após abrasão. Aí é visível que os
geocompósitos são os que menor perda de resistência sofrem, vindo inclusivé a sua
resistência aumentada. Isto é justificado pela protecção que os geotêxteis não
tecidos, colocados superiormente, oferecem aos geotêxteis tecidos, e pela maior
proximidade e interacção que estes dois materiais tendem a ter. Esta maior
proximidade e interacção surge em consequência do impacto provocado pelas
partículas de balastro na face do geocompósito. Também é visível que os geotêxteis
de maior m.u.a. são os que menor perda de resistência sofrem.
0 200 400 600 800 1000 1200 14000
1000
2000
Tecido
Não-tecido
Combinação
Massa por unidade de área g/m2
Carg
a de
rot
ura
(N)
1400
Tecido
1000800
Combinação
Não-tecido
1200
200
400200
100
00Re
sist
ênci
a re
tida
apó
s ab
rasã
o (%
)
600
Massa por unidade de área g/m2
a) Resistência à tracção provete "intacto" b) Resistência retida após 10000 rotações no
ensaio de Deval
Figura 3.27 – Resultados de geotêxteis ensaiados à tracção pelo método da tira (adaptado de Hausmann et al. 1990).
De seguida, apresentam-se alguns dos resultados (Figura 3.28) de um estudo
realizado por Hausmann et al.(1990), que envolveu a exumação de vários geotêxteis
com m.u.a. variável de 180 a 415g/m2, após estarem submetidos à passagem 25-40
106
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
milhões de toneladas de tráfego ferroviário, colocados a profundidades do balastro
de 270 a 440mm. Todos os geotêxteis estiveram em contacto directo com as
partículas de balastro, sem colocação de qualquer camada protectora.
Figura 3.28 – Perdas de resistência à tracção de geotêxteis não tecidos avaliadas pelo método da tira após exumação (adaptado de Hausmann et al. 1990).
As conclusões do estudo, mediante os resultados de ensaios à tracção e inspecção
visual dos geotêxteis, e do local de recolha desses, foram que a perda de resistência
do geotêxtil parece estar relacionada com a m.u.a. do material e com o volume de
tráfego circulante na linha, variando essa perda de 15 a 73% relativamente aos
valores obtidos com um provete intacto. Alguns dos geotêxteis mostraram
perfurações, o que levou a que algum material fino das camadas inferiores migrasse
para a camada de balastro, no entanto foi observado que mantiveram a sua função
de separação a um nível considerado satisfatório.
Por último, será também de mencionar que estes valores de perda de resistência à
tracção foram comparados aos dos ensaios laboratoriais realizados na máquina de
Deval modificada, mostrando considerável paralelismo (Hausmann et al., 1990).
Um dos factores que mais influencia a abrasão que um geotêxtil sofre, para além dos
expostos, é a profundidade da sua colocação. Com efeito, quanto maior for a sua
profundidade de colocação, menores serão as tensões a que este estará sujeito, logo
potencialmente será sujeito a menor danificação por abrasão. Koerner (1999) refere
um estudo realizado por Raymond, onde este exumou um grande número de
geotêxteis, e quantificou (Figura 3.29) o desgaste verificado em função da sua
profundidade de colocação abaixo da base das travessas. Assim, segundo o autor,
para que seja evitada a perfuração do geotêxtil durante a sua instalação e abrasão
em serviço será necessário colocar o geotêxtil a uma profundidade superior a 41cm,
107
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
108
ou em alternativa, utilizar um geotêxtil com tratamento especial (do tipo resina)
para resistir a abrasão.
Pior danificação verificada em provetes de 300 x 300 mm
Profundidade de colocação do getêxtil medida por exumação(mm)
Qun
tifi
caçã
o da
dan
ific
ação
(áre
a ab
rasa
da)%
2.5
0 250 500
5.0
Figura 3.29 – Danificação do geotêxtil versus profundidade de colocação (adaptado de Koerner R. 1999).
O equipamento actualmente especificado para simulação da abrasão em geotêxteis
em aplicações ferroviárias é apresentado na Norma Europeia EN ISO 13427(1998),
adaptada da ASTM 4886, e cuja apresentação se faz na Figura 3.30. Este
equipamento simula a abrasão através do movimento linear entre uma película
abrasiva (parte móvel) e o geotêxtil (parte fixa).
1 24
36
5
1 - Placa metálica deslizante
2 - Placa metálica calibrada estacionária
3 – Pesos de calibração
4 – Movimento
5 – Motor com contador de ciclos
6 – Excentricidade de 12.5mm
Figura 3.30 – Equipamento para simulação da abrasão sofrida pelos geotêxteis em aplicações ferroviárias (EN ISO 13427 - 1998).
Relativamente a este ensaio não são ainda conhecidos resultados na bibliografia, no
entanto, no Capítulo 4 desenvolver-se-á um estudo laboratorial num equipamento
deste tipo.
3.3.2 Danificação Durante a Instalação
A danificação durante a instalação (DDI) de geossintéticos resulta das operações de
transporte, manuseamento e colocação em obra. A colocação dos geossintéticos em
obra envolve o espalhamento e compactação do material granular que lhe vai ficar
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
sobrejacente, com o auxílio de equipamento pesado. Isto, naturalmente que altera
as propriedades iniciais dos geossintéticos, podendo o desempenho das suas funções
em serviço ser comprometidas. Assim, será conveniente que o dimensionamento dos
geossintéticos contemple já a perda de propriedades resultantes da sua aplicação em
obra.
A DDI tem vindo a ser constatada pela exumação de geossintéticos, após aplicação
em obra, e inspecção visual da sua superfície. A primeira impressão é geralmente de
poeira e sujidade e abrasão superficial da estrutura do material. Se a dimensão das
partículas do solo for grande (≥ 5mm) há áreas do geossintético que ficam
perturbadas, sendo o mesmo esperado se o subsolo for mole (Greenwood, 1998).
Os estudos realizados até ao momento indicam que o grau de danificação nos
geossintéticos depende de vários factores, sendo os mais relevantes: o tipo de
geossintético, a granulometria e angulosidade do material granular de aterro, a
espessura das camadas de aterro e o tipo e peso do equipamento de espalhamento e
compactação utilizado. No caso das aplicações ferroviárias, o geossintético fica
geralmente em contacto com balastro, ou seja, em contacto com partículas de
grandes dimensões (31,5-63mm) e do tipo angular. Isto evidencia desde logo uma
elevada tendência para a danificação, em particular para perfurações e cortes.
Koerner e Koerner (1990) realizaram um estudo sobre geotêxteis tecidos e não-
tecidos exumados de 55 obras nos E.U.A., em que registaram o número e tamanho
das perfurações sofridas por acção da DDI. De seguida ensaiaram provetes desses
mesmos geossintéticos, correlacionando o número de perfurações por metro
quadrado com a resistência à tracção retida, como se pode ver na Figura 3.31.
40
20
60
80
100
10
30
50
70
80
00 20 40 60 80 100 120
Número de Perfurações por m
Res
istê
ncia
retid
a em
% Limite Superior
Limite Inferior
2
Figura 3.31 – Número de perfurações versus resistência retida (adaptado de Koerner e Koerner, 1990).
109
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas As perfurações e cortes são danificações que prejudicam gravemente as propriedades
hidráulicas dos geossintéticos, já que aumentam a dimensão característica da
abertura dos poros do geossintético, e as propriedades mecânicas, visto que causam
pontos de descontinuidade e fragilidade no geossintético. Dependendo da função que
o geossintético esteja a desempenhar, a consequência da sua danificação e alteração
das propriedades pode ser mais ou menos condicionante ao seu desempenho. Assim,
veja-se qual a influência a considerar nas propriedades dos geossintéticos no caso de
estes desempenharem funções de filtro/separação e reforço.
Função de Filtragem/Separação
A danificação mais gravosa para as funções de filtragem/separfação é aquela que
altera a dimensão característica dos poros do geossintético, ou seja, os cortes e as
perfurações. Neste sentido, uma das características que maior relevo tem para esta
danificação é a forma do material granular que lhe vai ficar sobrejacente, isto é, do
tipo angular ou rolado. Acresce, obviamente, a espessura da camada de material
sobrejacente e o equipamento de compactação a utilizar.
Uma das abordagens utilizadas neste contexto, é a contemplada no regulamento
Alemão, e que define, mediante as condições locais verificadas, as propriedades
mínimas a exigir aos geotêxteis. Segundo Braϋ (1998), define-se inicialmente a forma
e tipo de material granular a aplicar, enquadrando-se este numa das 5 classes AS
definidas (ver Quadro 3.6). De seguida, define-se o tipo de compactação a utilizar AB
(ver Quadro 3.7). Finalmente, enquadra-se a situação numa das calsses de robustez
apresentadas no Quadro 3.8, sendo-lhe atribuídas as propriedades apresentadas no
Quadro 3.9.
Quadro 3.6 – Forma e tipo de material granular a aplicar (adaptado de Braϋ, 1998).
Características do solo adjacente
Partículas não angulosas Partículas angulosas
AS1 As acções do solo e dos processos de instalação não afectam o geotêxtil
AS2 Areia grossa sem seixo ---
AS3 Areia grossa com menos de 40% de seixo Areia grossa sem seixo
AS4 Areia grossa com mais de 40% de seixo Areia grossa com menos de 40% de seixo
AS5 --- Areia grossa com mais de 40% de seixo
110
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Quadro 3.7 – Condições de aplicação (adaptado de Braϋ, 1998).
AB1 Instalação manual e pressões de compactação desprezáveis
AB2 Instalação mecânica e pressões de compactação desprezáveis
AB3 Instalação mecânica e pressões de compactação significativas(5 a 15 cm solo sobrejacente)
AB4 Instalação mecânica e pressões de compactação significativas(mais de 15 cm solo sobrejacente)
Quadro 3.8 – Classes de robustez do geotêxtil (adaptado de Braϋ, 1998).
Condições de aplicação Casos de aplicação
AB1 AB2 AB3 AB4
AS1 GRK2 --- --- ---
AS2 GRK2 GRK2 GRK3 GRK4
AS3 GRK3 GRK3 GRK4 GRK5
AS4 GRK4 GRK4 GRK5 *
AS5 GRK5 GRK5 * *
* para estas aplicações devem ser realizados ensaios in situ ou, em alternativa a altura de solo sobrejacente deve ser aumentada.
Quadro 3.9 – Propriedades mínimas a exigir aos geotêxteis (adaptado de Braϋ, 1998).
Classes de robustez do geotêxtil Geotêxtil Propriedade
GRK1 GRK2 GRK3 GRK4 GRK5
Resistência ao punçoamento
estático(kN) ≥0.5 ≥1.0 ≥1.5 ≥2.5 ≥3.5
Não –tecido
M.u.a.(g/m2) ≥80 ≥100 ≥150 ≥250 ≥300
Resistência à tracção(KN/m) ≥20 ≥30 ≥35 ≥45 ≥50 Tecido em PP e PET(*)
m.u.a.(g/m2) ≥100 ≥160 ≥180 ≥220 ≥250
Resistência à tracção(KN/m) ≥60 ≥90 ≥150 ≥180 ≥250 Tecido em PET(**)
m.u.a.(g/m2) ≥230 ≥280 ≥320 ≥400 ≥550
(*) em monofilamentos ou tiras (**)em multifilamentos; resistência à tracção na direcção transversal > 50kN/m
Note-se que a colocação de um material granular com características menos
agressivas, do tipo rolado, ou não angular, diminui drasticamente a danificação
sofrida pelo geotêxtil, logo ser-lhe-ão exigidos menores valores das suas
propriedades. No presente caso de aplicação de geossintéticos em linhas-férreas
significa que a colocação de uma camada de areia adjacente ao geossintético como
função de protecção pode reduzir a sua danificação pelas partículas de balastro. Este
111
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas tipo de medida protectora foi inclusivé já confirmado por vários autores (Ashpiz et
al. 2002) após exumação de amostras "in situ" na linha-férrea St. Petersburg-
Moscovo, com um e cinco anos de utilização. Neste caso, tratava-se de uma obra de
reabilitação, em que o geossintético (geotêxtil não-tecido termoligado com m.u.a.
290g/m2) era aplicado entre duas camadas de balastro, uma nova e a já existente. Os
resultados mostraram que a camada de areia melhora o desempenho do geotêxtil,
sendo que ao fim do primeiro ano de utilização foram verificadas pequenas
perfurações no geotêxtil com 1-2mm, representando estas apenas cerca de 0,2% da
área do geotêxtil. Os resultados ao fim de cinco anos mostraram que a área
danificada do geotêxtil corresponde a cerca de 0,3%.
Função de reforço
Na função de reforço, tanto a abrasão superficial como os cortes e perfurações
podem afectar a capacidade resistente dos geossintéticos. Assim, para além das
carcaterísticas referidas anteriormente para a função de filtragem/separação,
também assume especial importância a dimensão das partículas. Quanto maior for
esta, maior será a danificação que potencialmente se gera no geossintético. A grande
maioria das abordagens para estimar o coeficiente de redução de resistência à
tracção a aplicar aos geossintéticos basea-se no diâmetro médio D50 das partículas de
solo que contactam directamente com estes.
Veja-se, no Quadro 3.10, a abordagem que a AASHTO (American Association os State
Highway and Transportation Officials) faz relativamente aos coeficientes de redução
a adoptar, tendo em consideração o tipo de material de aterro e o tipo de
geossintético. Para materiais de aterro diferentes dos aí apresentados, pode fazer-se
uma interpolação linear dos valores dos coeficientes, baseada no diâmetro médio D50
das partículas do material de aterro. Os coeficientes de redução são definidos, tal
como no Capítulo 2, como a razão entre o valor da propriedade de referência e o
valor dessa mesma propriedade após danificação.
Os valores apresentados têm-se mostrado conservativos, em especial para novos
materiais, quando aplicados em aterros de obras rodoviárias. Wayne e Barrows (1994)
e Zornberg et al. (1995), baseados em ensaios de campo, constataram que os valores
apresentados no Quadro 3.10 podem conduzir a sobredimensionamentos da ordem
dos 20 a 45%. As aplicações ferroviárias, são um pouco mais exigentes no que
respeita a danificação, no entanto não são ainda conhecidos muitos estudos para
estas aplicações.
112
Capítulo 3 Aplicação de Geossintéticos em Linhas-Férreas
Quadro 3.10 – Coeficientes de redução a adoptar para ter em conta a DDI (adaptado de AASHTO, 1997).
Coeficiente de redução
Nº Geossintético Material de aterro tipo I Máx. Dimensão 102mm D50 na ordem dos 30mm
Material de aterro tipo II Máx. Dimensão 20mm
D50 na ordem dos 0,7mm
1 Geogrelha uniaxial em PEAD 1,20 – 1,45 1,10 – 1,20
2 Geogrelha biaxial em PP 1,20– 1,45 1,10 – 1,20
3 Geogrelha em PVC revestido com PET 1,30 – 1,85 1,10 – 1,30