MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES DA ADVOCACIA ASSISENSE: 1960-1979. PRISCILA DAVID DOMINGOS * A utilização da história oral tem se demonstrado uma metodologia de pesquisa produtiva e capaz de fornecer importantes indícios sobre o passado. Em seu ofício de artesão o historiador pode se valer dos depoimentos orais para a reconstrução de diversas temáticas e, dentre elas, a trajetória e as representações de um determinado grupo. Para trabalhar com os depoimentos orais o historiador deve reconhecer que esta fonte necessita ser historicizada tanto quanto os documentos escritos. Além disso, devemos compreender, preliminarmente, a subjetividade dos trabalhos com a história oral, subjetividade essa que parte do entrevistado e, também, do próprio pesquisador. No caso do entrevistado este constrói um discurso que demonstra como o mesmo deseja ser visto em sociedade. Recortando e selecionando em sua memória eventos que podem ou não serem expostos para o todo, o entrevistado busca dar sentido a sua vida, fazendo um esforço para realizar a produção de si. Essa construção, segundo exposto por Bourdieu (BOURDIEU, 2006), denota a construção artificial do sentido que se dá quando o sujeito torna-se o ideólogo de usa própria vida, selecionando acontecimentos e realizando conexões que buscam uma coerência que, a princípio, não existiu. Prosseguindo na temática,com base nos ensinamentos de Alessandro Portelli, destacamos que a narrativa do passado realizada por determinado indivíduo demonstra um processo de racionalização no qual o mesmo organiza e avalia o que deseja expor para o pesquisador. Assim, a narrativa construída é ucronica(PORTELLI, 1993)e está inserida no campo da memória, demonstrando a representação do sujeito sobre determinado fato que o mesmo vivenciou, ou ainda, como o mesmo gostaria que determinada questão tivesse acontecido e fosse interpretada. Para trabalhar com a história oral ainda se faz necessário compreender a subjetividade do pesquisador. Este expõe muito de si no trabalho, delimitando aquilo que será pesquisado, questionando assuntos determinados e, finalmente, expondo sua interpretação sobre todas as fontes levantadas. Nesse aspecto, dizer que o trabalho com a história oral é um texto de múltiplas vozes e interpretações (PORTELLI, 1997) é coerente na medida em que reconhecemos as subjetividades do entrevistado, do pesquisador e dos leitores finais em um trabalho que denota as representações dos sujeitos sobre determinado fato histórico. * Priscila David Domingos. Doutoranda Universidade Estadual Paulista – UNESP/ASSIS-SP. Bolsista FAPESP. Orientadora Prof.ª Drª Zélia Lopes da Silva.
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MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES DA ADVOCACIA ASSISENSE: … · 2015-09-03 · Vestes apropriadas para os estudantes como o terno para os homens, e o taier ou vestidos para ... Acesso
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MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES DA ADVOCACIA ASSISENSE: 1960-1979.
PRISCILA DAVID DOMINGOS∗
A utilização da história oral tem se demonstrado uma metodologia de
pesquisa produtiva e capaz de fornecer importantes indícios sobre o passado. Em seu ofício de
artesão o historiador pode se valer dos depoimentos orais para a reconstrução de diversas
temáticas e, dentre elas, a trajetória e as representações de um determinado grupo.
Para trabalhar com os depoimentos orais o historiador deve reconhecer que
esta fonte necessita ser historicizada tanto quanto os documentos escritos. Além disso,
devemos compreender, preliminarmente, a subjetividade dos trabalhos com a história oral,
subjetividade essa que parte do entrevistado e, também, do próprio pesquisador.
No caso do entrevistado este constrói um discurso que demonstra como o
mesmo deseja ser visto em sociedade. Recortando e selecionando em sua memória eventos
que podem ou não serem expostos para o todo, o entrevistado busca dar sentido a sua vida,
fazendo um esforço para realizar a produção de si. Essa construção, segundo exposto por
Bourdieu (BOURDIEU, 2006), denota a construção artificial do sentido que se dá quando o
sujeito torna-se o ideólogo de usa própria vida, selecionando acontecimentos e realizando
conexões que buscam uma coerência que, a princípio, não existiu.
Prosseguindo na temática,com base nos ensinamentos de Alessandro
Portelli, destacamos que a narrativa do passado realizada por determinado indivíduo
demonstra um processo de racionalização no qual o mesmo organiza e avalia o que deseja
expor para o pesquisador. Assim, a narrativa construída é ucronica(PORTELLI, 1993)e está
inserida no campo da memória, demonstrando a representação do sujeito sobre determinado
fato que o mesmo vivenciou, ou ainda, como o mesmo gostaria que determinada questão
tivesse acontecido e fosse interpretada.
Para trabalhar com a história oral ainda se faz necessário compreender a
subjetividade do pesquisador. Este expõe muito de si no trabalho, delimitando aquilo que será
pesquisado, questionando assuntos determinados e, finalmente, expondo sua interpretação
sobre todas as fontes levantadas. Nesse aspecto, dizer que o trabalho com a história oral é um
texto de múltiplas vozes e interpretações (PORTELLI, 1997) é coerente na medida em que
reconhecemos as subjetividades do entrevistado, do pesquisador e dos leitores finais em um
trabalho que denota as representações dos sujeitos sobre determinado fato histórico.
∗
Priscila David Domingos. Doutoranda Universidade Estadual Paulista – UNESP/ASSIS-SP. Bolsista FAPESP.
Orientadora Prof.ª Drª Zélia Lopes da Silva.
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Além dessas preocupações que se somam à necessidade do historiador de
evitar a violência simbólica com seu entrevistado, buscar um espaço agradável para a
realização das entrevistas, expor claramente as intenções da pesquisa e buscar por meio de um
diálogo compreender o outro, a necessidade de contrapor os depoimentos com demais fontes
torna-se fator imprescindível para o trabalho historiográfico.
Em nosso texto propomos a utilização das fotografias de arquivos pessoais e
de publicações em periódicos e artigos como fonte de pesquisa, em conjunto com os
depoimentos orais. Para tanto, compreendemos a fotografia como uma representação de um
dado momento ou fato histórico, por meio da qual podemos subtrair pistas sobre aquilo que se
pretende analisar.
Como uma fonte histórica que também passa por um processo de formação,
essas fotografias, principalmente quando veiculadas em meios de comunicação como jornais
ou artigos, denotam a intenção de enfatizar aquilo que está sendo proposto, o que demanda
uma análise consistente sobre o contexto histórico deste documento (KOSSOY, 2000).
A utilização em conjunto dos depoimentos orais e das fotografias tornou
possível compreender parte das representações da categoria da advocacia assisense, bem
como as alterações e permanências sociais que envolveram este grupo. Nesse sentido, o
presente artigo aborda algumas características inerentes à categoria dos advogados durante o
início da segunda metade do século XX.
História Oral e Representações da Advocacia Assisense
A advocacia foi por muito tempo considerada uma profissão de elite,
destinada a uma pequena parcela da sociedade que possuía capital financeiro e social
condizente com a profissão. Por se tratar de um curso que, até a primeira metade do século
XX, estava disponível em poucas faculdades – concentrado principalmente nas capitais dos
estados como na USP, PUC e Mackenzie na cidade de São Paulo1, o aluno que desejava
1Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), fundada em 1827; A Faculdade Paulista de Direito
(PUC) foi fundada em 1945, sendo reconhecida pelo Governo Federal em 22/08/1946; Faculdade de Direito
Universidade Presbiteriana Mackenzie, fundada em 1955. Disponível em: