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CardpioMELIngrediente verstilAlimento milenar transcende as
qualidades medicinais e adoantes, ao ser utilizado pela alta
gastronomia contempornea nacional TEXTO Clarissa Macau
DIVULGAO
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se provm de flores especficas, como a da laranjeira, ou de
vrias, como no mel silvestre. Os mis escuros, repletos de sais
minerais, tendem a ser picantes e amargos. Os claros so de utilizao
mais fcil por serem menos invasivos. O importante prezar pelo
equilbrio entre eles e outros ingredientes, para evitar que o tom
doce no mascare a receita. O sabor e aroma do mel no so
influenciados s pelas floradas das quais o plen retirado, mas pelo
tipo de abelha que o leva. Atualmente, uma das iguarias mais
queridas dos chefs so os exticos mis de abelhas nativas
brasileiras.
ABELHASA abelha mais conhecida do Brasil no brasileira. Com seus
temidos ferres, a Apis Mellifera africanizada (cruzamento de
insetos importados da Europa e frica), e zune por aqui desde o
sculo 19. A estrangeira dona dos mis mais famosos do pas, em razo
da sua eficincia de coleta, rendendo mais de 40 litros ao ano por
colmeia. Quando beija as diversas flores, do cajueiro ao eucalipto,
compe lquidos doces, pouco midos e espessos. Enquanto isso, as
abelhas meliponneas do Brasil, chamadas sem ferro, fazem pouco mais
de um litro do alimento. Produzem um mel fino, que torna os sabores
das floradas mais evidentes. Apesar de desconhecidas pela maioria,
so cultivadas artesanalmente desde o incio da histria do pas por
ndios, caboclos ou pesquisadores, hoje chamados meliponicultores
usualmente, de famlias que tm o mel como fonte de renda, em
comunidades pelo pas, por exemplo, nos estados da Amaznia, de
Pernambuco, do Rio Grande do Norte e Paran. Um atrativo ao seu
cultivo o baixo custo. Dispensam roupas de proteo, pois no
ferroam.
bom deixar claro que a comparao no de um mel de abelha com
outro, mas o da Apis Mellifera em relao aos mis de mais de 300
espcies brasileiras, como a uruu e jandara, que esto se tornando um
atrativo gastronmico pelo teor menos doce e complexo,
No serto brasileiro, quando algum fica doente, a tradio bater na
porta dos donos de abelhas pedindo mel para um remdio caseiro. Do
Oiapoque ao Chu se sabe que esse lquido doce, viscoso e dourado
timo para a sade. Nossa cultura pensa que mel medicamento, no
lembra a sua propriedade alimentar. O consumo baixo, europeus comem
ao menos 2 kg de mel por pessoa, ao ano; brasileiros, cerca de
200g. O estado do Piau, por exemplo, grande produtor de mel,
esquece-se de us-lo na culinria, analisa o especialista em
apicultura, o piauiense Pedro Mel. Jernimo Villas-Bas, autor do
livro Manual tecnolgico de abelhas sem ferro, criador de colmeias h
mais de 10 anos. Ele observa: Ensina-se que mel para passar no po
ou adoar sucos, mas vemos o mercado gastronmico acatando novas
maneiras de utiliz-lo para alm de um adoante, papel j substitudo
pelo acar.
Presente desde a pr-histria, o mel feito pelas abelhas a partir
da transformao do nctar de flores, sugado por elas, em acar simples
foi testemunha da inveno dos primeiros biscoitos: os egpcios
misturavam-no com o trigo e ofertavam o produto em rituais aos
deuses. O lquido tambm est em receitas tradicionais, como o po de
mel, sobremesa russa do sculo 9.
Hoje, funciona com ou sem cozimento, como cobertura, adoante de
chs, base principal de bebidas raras, como aguardentes e hidromis,
alm de conservar alimentos. Embeleza, compe e balanceia os sabores
em pratos salgados. Quer dar um brilho na carne ou adocicar a
costela assada? H a opo de finalizar a receita com o mel por cima,
ensina o chef de cozinha pernambucano Csar Santos. Caco Marinho,
comandante de dois bistrs na cidade de Salvador, f: Boto o mel de
abelha Apis numa verso de molho para a salada grega. Com ele,
corrijo a acidez do limo colocado no condimento. Tambm uso num
barbecue com costela de porco, para perfumar.
O gosto do mel depende do tipo de nctar coletado pela abelha, ou
seja,
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Cardpioconta Jernimo Villas-Bas. O mel nativo suave. Muda de
sabor no s a partir de diferentes floradas, mas tambm de uma
colmeia para outra, dentro de uma mesma espcie, diz o presidente da
Associao Pernambucana de Apicultores e Meliponicultores, Alexandre
Moura. Porm, em meio a tantas qualidades, h um problema: no
reconhecido como mel pelo Servio de Inspeo Federal do Ministrio da
Agricultura, por ter umidade maior que a esperada num exemplar
comum (a referncia o mel da Apis). Assim, tende fermentao e
considerado clandestino para comercializar, a no ser que seja
pasteurizado.
Nomes da gastronomia nacional como Alex Atala, Alberto Landgraf,
Manoella Buffara, Caco Marinho e
CLARISSA MACAU
BebidasO MEL QUE VAI AO COPOO mel protagonista da primeira
bebida alcolica da humanidade: o hidromel, lquido dos deuses na
histria clssica. Sommelier curitibano, Luis Felipe Moraes produtor
artesanal dessa combinao de gua e mel fermentada, pouco divulgada
na atualidade. O mel est para o hidromel como a uva para o vinho.
As caractersticas do mel usado, da Apis ou nativo, sero passadas ao
hidromel e possvel personalizar. H vrias categorias, como o
capiscumel, que adiciona pimentas na mistura tradicional;
metheglyn, com ervas; e bouchet, elaborado com mel caramelizado,
diz. Eles podem ser secos, meio-secos, doces, tendo nveis com gs ou
sem, frisante ou espumante.
A tradio faz bem, quando junta cachaa e mel, diz Jernimo
Villas-Bas. Tanto o mel de Apis, quanto os mis nativos, como o de
jata e blends compostos de mel de uruu com jupar, harmonizam com
notas de madeiras nas quais as cachaas puras so envelhecidas , como
a da umburana, do blsamo e do carvalho. Os mis suavizam a
agressividade do lcool.
Existem, ainda, bebidas prontas, misturando cachaa, mel e limo.
Alm das raras e saborosas aguardentes de mel, como a Melissa
relquia produzida at o incio dos anos 2000, pelo meliponicultor
pernambucano Carlos Chagas, dono da Granja So Saru, em Igarassu. Na
sua composio, isenta de metanol, o mel de abelha fermentado no
lugar da cana-de-acar. Quando o mel envelhecido em barril por
quatro anos, o sabor parece bastante com um usque menos forte e
seco. Para finalizar essa lista, existem no mercado as cervejas de
mel, mais cremosas que as tradicionais, refrescantes e com um aroma
elegante e adocicado, um bom exemplo a britnica Waggle Dancer.
(CLARISSA MACAU)
IMAGENS: DIVULGAO
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Csar Santos usam as suas imagens e seus cardpios para divulgar e
defender a legalizao do nativo no comrcio. Esto dispostos a assumir
o mel fermentado: Isso no quer dizer que estragado. O ideal um
processo controlado, deixando uma acidez com leves traos alcolicos.
Muitos chefes de cozinha tm vontade de usar, mas temem compr-lo
pela questo da legalidade, afirma Villas-Bas que, em anos de
pesquisa, viajando por comunidades ao redor do Brasil, nunca viu um
caso de prejuzo sade causado pelo mel. Alguns meliponrios usam o
processo de fermentao para conservar. Como o mel est fermentado e
vem com uma rolha na garrafa, quando aberto, solta um som sutil
feito espumante. Dura um ano, se colocado na geladeira, explica
Moura. Costumo comprar garrafas e deixar
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possui amargor doce, indo bem com carnes de caa, como o magret
de pato. O mel de tubuna pode ser usado sem problemas em salgados,
pois no doce. Fica timo em carnes cruas de peixe, carpaccio e steak
tartare, acentuando o sabor, observa ela. Entre seus ingredientes,
ainda guarda o acre mel de abelha mandaaia, capaz de substituir o
sal e limo. Outro mel interessante o da abelha guaraipo, com tons
de mato e frutas secas.
Porm, pela quantidade de produo por colmeia, qualquer nativo
custa 10 vezes mais que o mel tradicional. Algo como 180 a 240
reais por litro. Por isso, uso nos festivais e no no dia a dia,
lamenta o chef Caco Marinho. Ele tem predileo pelo mel de uruu
nordestina. Carr de paca
fermentando. Aprecio os tons de acidez que o mel desenvolve com
o tempo, diz o paranaense Alberto Landgraf, considerado o melhor
chef da Amrica Latina pela revista Four, e dono do restaurante
Epice, em So Paulo. Ele usa os mis nativos para substituir o acar e
ressaltar sabores bsicos. Um de seus pratos o palmito pupunha com
pera fermentada e mel nativo. Ele fica bem em preparaes cidas, ou
com notas tostadas de amargo. verstil, por no ser to doce quanto os
mis comuns, observa. Outra combinao do menu de Landgraf o palmito
pupunha cozido a vcuo, grelhado com gelatina de mel de jata lquido
que lembra o gosto da uva.
No ano passado, Manoella Buffara sediou no seu restaurante
curitibano o projeto Menu degustao mel da mata, em parceria com 60
famlias moradoras do litoral do estado do Paran. A proposta do
festival foi colocar disposio dos clientes pratos que dialogassem
com os mis de abelhas brasileiras. Distintos do mel comum, que puxa
os pratos para um agridoce, os nativos podem substituir no s o
acar, mas outros temperos. A uruu-amarela
com manteiga de coentro bravo, banana da terra e mel de uruu um
de seus pratos. Basta um fio de uruu para valorizar a comida com
agradvel sabor avinagrado e licoroso. Combina tambm com os mais
simples assados de frango.
Infelizmente, as abelhas, sejam as Apis ou as nativas, esto em
perigo de extino. Uma das razes do transtorno do colapso de colnias
(fenmeno do desaparecimento de abelhas no planeta) o uso excessivo
de agrotxicos nas lavouras, visitadas principalmente pelas
africanizadas. As abelhas nativas so vtimas dos meleiros
mal-intencionados. Pessoas que encontram as colmeias naturais
destroem-nas para fugir com a produo e vend-la, deixando os insetos
sem casa. Como so as principais polinizadoras das plantaes do
mundo, as plantas morrem sem abelhas, escasseando a alimentao dos
animais, o que inclui e influencia os seres humanos. A perda do mel
ser um dos tristes efeitos adversos. No s a gastronomia, mas a
humanidade deve motivar a sobrevivncia das abelhas e do seu
apetitoso produto.
Produzido por mais de 300 espcies
brasileiras, o mel nativo tem teor menos doce e complexo que
o
da Apis Mellifera
1 APIS MELLIFERA Originria do cruzamento de insetos importados
da Europa e frica, a mais conhecida no Brasil
2 GOURMETA chef Manoela Buffara utiliza mel nativo em suas
criaes
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