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Ano I vol. I n . 6 setembro de 2001 Salvador BA Brasil
FUNDAMENTOS TERICOS E FILOSFICOS DO NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL
BRASILEIRO (Ps-modernidade, teoria crtica e ps-positivismo)
Prof.Luis Roberto Barroso Professor Titular de Direito
Constitucional da UERJ. Mestre em Direito
pela Yale Law School. Advogado no Rio de Janeiro.
Sumrio: Captulo I: Pr-compreenso do tema. I. A ps-modernidade e
o Direito; II. A busca da razo possvel. Captulo II: Algumas bases
tericas. I. A dogmtica jurdica tradicional e sua superao; II. A
teoria crtica do Direito. Captulo III: Algumas bases filosficas. I.
Ascenso e decadncia do jusnaturalismo; II. Ascenso e decadncia do
positivismo jurdico; III. Ps-positivismo e a normatividade dos
princpios. Captulo IV: Concluso. I. A ascenso cientfica e poltica
do direito constitucional no Brasil; II. Sntese das idias
desenvolvidas.
Captulo I
PR-COMPREENSO DO TEMA I. A PS-MODERNIDADE E O DIREITO1
*Sou grato acadmica Dbora Cagy por seu valioso auxlio na
pesquisa e na
organizao dos materiais. E aos colegas Ana Paula de Barcellos,
Nelson Nascimento Diz e Lus Eduardo Barbosa Moreira pelas crticas e
sugestes apresentadas.
1 Zygmunt Bauman, A globalizao: as conseqncias humanas, 1999;
Ignacio Ramonet, O pensamento nico e os regimes globalitrios, in
Globalizao: o fato e o mito, 1998; Andr-Jean Arnaud, O direito
entre modernidade e globalizao, 1999; Boaventura de
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Planeta Terra. Incio do sculo XXI. Ainda sem contato com outros
mundos habitados. Entre luz e sombra, descortina-se a
ps-modernidade. O rtulo genrico abriga a mistura de estilos, a
descrena no poder absoluto da razo, o desprestgio do Estado. A era
da velocidade. A imagem acima do contedo. O efmero e o voltil
parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angstia do
que no pde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras.
Uma poca aparentemente ps-tudo: ps-marxista, ps-kelseniana,
ps-freudiana2.
Brasil. 2001. Ano 13 da Constituio de 1988. Sem supersties. O
constitucionalismo vive um momento sem precedentes, de vertiginosa
ascenso cientfica e poltica. O estudo que se vai desenvolver
procura investigar os antecedentes tericos e filosficos desse novo
direito constitucional, identificar seus principais adversrios e
acenar com algumas idias para o presente e para o futuro. Antes de
avanar, traam-se algumas notas introdutrias para situar o leitor. A
interpretao dos fenmenos polticos e jurdicos no um exerccio
abstrato de busca de verdades universais e atemporais. Toda
interpretao produto de uma poca, de um momento histrico, e envolve
os fatos a serem enquadrados, o sistema jurdico, as circunstncias
do intrprete e o imaginrio de cada um. A identificao do cenrio, dos
atores, das foras materiais atuantes e da posio do sujeito da
interpretao constitui o que se denomina de pr-compreenso 3.
A paisagem complexa e fragmentada. No plano internacional,
vive-se a decadncia do conceito tradicional de soberania. As
fronteiras rgidas cederam formao de grandes blocos polticos e
econmicos, intensificao do movimento de pessoas e mercadorias e,
mais recentemente, ao fetiche da
Souza Santos, Uma cartografia simblica das representaes sociais:
prolegmenos a uma concepo ps-moderna do direito, Revista Brasileira
de Cincias Criminais, 1996; Jos Eduardo Faria, Globalizao,
autonomia decisria e poltica, in Margarida Maria Lacombe Camargo
(org.), 1988-1998: uma dcada de Constituio, 1999; Daniel Sarmento,
Constituio e globalizao: a crise dos paradigmas do direito
constitucional, Revista de Direito Administrativo 215/19, 1999;
Marilena Chaui, Pblico, privado, despotismo, in Adauto Novaes
(org.), tica, 1992; Antnio Junqueira de Azevedo, O direito
ps-moderno e a codificao, in Anais da XVII Conferncia Nacional da
Ordem dos Advogados do Brasil, v. I, 2000; Wilson Ramos Filho,
Direito ps-moderno: caos criativo e neoliberalismo, in Direito e
neoliberalismo, 1996; Ted Honderich (editor), The Oxford Companion
to Philosophy, 1995; Nicola Abbagnano, Dicionrio de filosofia,
1998; Norbert Reich, Interveno do Estado na economia (reflexes
sobre a ps-modernidade na teoria jurdica), Revista de Direito
Pblico 94/265.
2 Cludia Lima Marques, A crise cientfica do direito na
ps-modernidade e seus reflexos na pesquisa, in Cidadania e Justia,
n. 6, 1999: (Ps-modernidade) uma tentativa de descrever o grande
ceticismo, o fim do racionalismo, o vazio terico, a insegurana
jurdica que se observam efetivamente na sociedade, no modelo de
Estado, nas formas de economia, na cincia, nos princpios e nos
valores de nossos povos nos dias atuais. Os pensadores europeus
esto a denominar este momento de rompimento (Umbruch), de fim de
uma era e de incio de algo novo, ainda no identificado.
3 Sobre o tema da pr-compreenso, vejam-se Karl Larenz,
Metodologa da ciencia do direito, 1997, pp. 285 ss.; e Konrad
Hesse, Escritos de derecho constitucional, 1983, p. 44: El
intrprete no puede captar el contenido da la norma desde un punto
cuasi arquimdico situado fuera de la existencia histrica sino
nicamente desde la concreta situacin histrica en la que se
encuentra, cuya plasmacin ha conformado sus hbitos mentales,
condicionando sus conocimientos y sus pre-juicios.
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circulao de capitais. A globalizao, como conceito e como smbolo,
a manchete que anuncia a chegada do novo sculo. A desigualdade
ofusca as conquistas da civilizao e potencializada por uma ordem
mundial fundada no desequilbrio das relaes de poder poltico e
econmico e no controle absoluto, pelo pases ricos, dos rgos
multilaterais de finanas e comrcio.
No campo econmico e social, tem-se assistido ao avano
vertiginoso da cincia e da tecnologia, com a expanso dos domnios da
informtica e da rede mundial de computadores e com as promessas e
questionamentos ticos da engenharia gentica4. A obsesso da
eficincia tem elevado a exigncia de escolaridade, especializao e
produtividade, acirrando a competio no mercado de trabalho e
ampliando a excluso social dos que no so competitivos porque no
podem ser. O Estado j no cuida de miudezas como pessoas, seus
projetos e sonhos, e abandonou o discurso igualitrio ou
emancipatrio. O desemprego, o sub-emprego e a informalidade tornam
as ruas lugares tristes e inseguros.
Na poltica, consuma-se a desconstruo do Estado tradicional,
duramente questionado na sua capacidade de agente do progresso e da
justia social. As causas se acumularam impressentidas, uma
conspirao: a onda conservadora nos Estados Unidos (Reagan, Bush) e
na Europa (Thatcher) na dcada de 80; o colapso da experincia
socialista, um sonho desfeito em autoritarismo, burocracia e
pobreza; e o fiasco das ditaduras sul-americanas, com seu modelo
estatizante e violento, devastado pelo insucesso e pela crise
social. Quando a noite baixou, o espao privado invadira o espao
pblico, o pblico dissociara-se do estatal e a desestatizao virara
um dogma. O Estado passou a ser o guardio do lucro e da
competitividade.
No direito, a temtica j no a liberdade individual e seus
limites, como no Estado liberal; ou a interveno estatal e seus
limites, como no welfare state. Liberdade e igualdade j no so os
cones da temporada. A prpria lei caiu no desprestgio. No direito
pblico, a nova onda a governabilidade. Fala-se em
desconstitucionalizao, delegificao, desregulamentao. No direito
privado, o cdigo civil perde sua centralidade, superado por
mltiplos microssistemas. Nas relaes comerciais revive-se a lex
mercatoria5. A segurana jurdica e seus conceitos essenciais, como o
direito adquirido
4 Sobre esta temtica, vejam-se Vicente de Paulo Barretto,
Biotica, biodireito e direitos humanos, in Ricardo Lobo Torres
(org.), Teoria dos direitos fundamentais, 1999; Luiz Edson Fachin,
Biotica e tecnologia, in Elementos crticos de direito de famlia,
1999; Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, 2001; e
Helosa Helena Barboza e Vicente de Paula Barretto (orgs.), Temas de
biodireito e biotica, 2001, onde se averbou: As tcnicas de reproduo
humana assistida, o mapeamento do genoma, o prolongamento da vida
mediante transplantes, as tcnicas para alterao do sexo, a clonagem
e a engenharia gentica descortinam de forma acelerada um cenrio
desconhecido e imprevisvel, no qual o ser humano simultaneamente
ator e espectador (Helosa Helena Barboza, Biotica x biodireito:
insuficincia dos conceitos jurdicos, p. 2).
5 Como o comrcio internacional no tem fronteiras, tende a ser
regulado por regras de fontes no nacionais, denominadas lex
mercatoria, que consagram o primado dos usos no comrcio
internacional e se materializam tambm por meio dos contratos e
clusulas-tipo, jurisprudncia arbitral, regulamentaes profissionais
elaboradas por suas associaes representativas e princpios gerais
comuns s legislaes dos pases.
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sofre o sobressalto da velocidade, do imediatismo e das
interpretaes pragmticas, embaladas pela ameaa do horror econmico.
As frmulas abstratas da lei e a discrio judicial j no trazem todas
as respostas. O paradigma jurdico, que j passara, na modernidade,
da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para a
melhor soluo, singular ao problema a ser resolvido.
Seria possvel seguir adiante, indefinidamente, identificando
outras singularidades dos tempos atuais. Mas o objeto especfico do
presente estudo, assim como circunstncias de tempo e de espao,
recomendam no prosseguir com a apresentao analtica das
complexidades e perplexidades desse incio de era. Cumpre dar
desfecho a este tpico6.
O discurso acerca do Estado atravessou, ao longo do sculo XX,
trs fases distintas: a pr-modernidade (ou Estado liberal), a
modernidade (ou Estado social) e a ps-modernidade (ou Estado
neo-liberal). A constatao invevitvel, desconcertante, que o Brasil
chega ps-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno.
Herdeiros de uma tradio autoritria e populista, elitizada e
excludente, seletiva entre amigos e inimigos e no entre certo e
errado, justo ou injusto , mansa com os ricos e dura com os pobres,
chegamos ao terceiro milnio atrasados e com pressa.
II. A BUSCA DA RAZO POSSVEL7
Os gregos inventaram a idia ocidental de razo como um pensamento
que segue princpios e regras de valor universal. Ela o trao
distintivo da condio humana, juntamente com a capacidade de
acumular conhecimento e transmiti-lo pela linguagem. Traz em si a
superao dos mitos, dos preconceitos, das aparncias, das opinies sem
fundamento. Representa, tambm, a percepo do outro, do prximo, em
sua humanidade e direitos. Idealmente, a razo o caminho da justia,
o domnio da inteligncia sobre os instintos, interesses e
paixes.
6 Nada obstante, no resisto transcrio de trecho de Jos Carlos
Barbosa Moreira
acerca da influncia da globalizao sobre a cultura e a linguagem
no Brasil (A subservincia cultural, in Temas de direito processual,
Stima Srie, 2001): s vezes me assalta a tentao de dizer, guisa de
imagem, que a lngua portuguesa, entre ns, est sendo repetidamente
estuprada. A imagem, contudo, no boa: o estupro importa violncia do
sujeito ativo sobre o passivo. Ora, no costuma partir dos
norte-americanos, que se saiba, presso alguma no sentido de
batizarmos com nomes ingleses condomnios e clnicas, nem de
exclamarmos uau quando nos sentimos agradavelmente surpreendidos. O
que se passa que muitos gostam de entregar-se ainda na ausncia de
qualquer compulso. Isso acontece com o corpo, e j algo lamentvel.
Mas tambm acontece com a alma, e a s se pode falar de desgraa.
7 Marilena Chaui, Convite filosofia, 1999; Giorgio Del Vecchio,
Filosofia del derecho, 1997; Miguel Reale, Filosofia do Direito,
2000; Gustav Radbruch, Filosofia do direito, 1997; Maria Lcia de
Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Filosofando: introduo
filosofia, 1986; H. Japiassu, O mito da neutralidade cientfica,
1975; Sigmund Freud, Pensamento vivo, 1985; John Rickman (editor),
A general selection from the works of Sigmund Freud, 1989; Maria
Rita Kehl, A psicanlise e o domnio das paixes, in Adauto Novaes
(org.), Os sentidos da paixo, 1991; Hans Kelsen, Teoria pura do
direito, 1979; Bruce Ackerman, The rise of world constitutionalism,
1997; Charles van Doren, A history of knowlegde, 1991.
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Sem enveredar por um debate filosfico feito de sutilezas e
complexidades, a verdade que a crena iluminista no poder quase
absoluto da razo tem sido intensamente revisitada e ter sofrido
pelo menos dois grandes abalos. O primeiro, ainda no sculo XIX,
provocado por Marx, e o segundo, j no sculo XX, causado por Freud.
Marx, no desenvolvimento do conceito essencial sua teoria o
materialismo histrico assentou que as crenas religiosas,
filosficas, polticas e morais dependiam da posio social do
indivduo, das relaes de produo e de trabalho, na forma como estas
se constituem em cada fase da histria econmica. Vale dizer: a razo
no fruto de um exerccio da liberdade de ser, pensar e criar, mas
prisioneira da ideologia, um conjunto de valores introjetados e
imperceptveis que condicionam o pensamento, independentemente da
vontade.
O segundo abalo veio com Freud. Em passagem clssica, ele
identifica trs momentos nos quais o homem teria sofrido duros
golpes na percepo de si mesmo e do mundo sua volta, todos
desferidos pela mo da cincia. Inicialmente com Coprnico e a revelao
de que a Terra no era o centro do universo, mas um minsculo
fragmento de um sistema csmico de vastido inimaginvel. O segundo
com Darwin, que atravs da pesquisa biolgica destruiu o suposto
lugar privilegiado que o homem ocuparia no mbito da criao e provou
sua incontestvel natureza animal. O ltimo desses golpes que o que
aqui se deseja enfatizar veio com o prprio Freud: a descoberta de
que o homem no senhor absoluto sequer da prpria vontade, de seus
desejos, de seus instintos. O que ele fala e cala, o que pensa,
sente e deseja fruto de um poder invisvel que controla o seu
psiquismo: o inconsciente8 9.
possvel, aqui, enunciar uma concluso parcial: os processos
polticos, sociais e psquicos movem-se por caminhos muitas vezes
ocultos e imperceptveis racionalmente. Os estudos de ambos os
pensadores acima sem embargo de amplamente questionados ao longo e,
especialmente, ao final do sculo XX operararam uma mudana profunda
na compreenso do mundo. Admita-se, assim, que a razo divida o palco
da existncia humana
8 Sigmund Freud, Pensamento vivo, 1985, p. 59: Mas a megalomania
humana ter
sofrido o seu terceiro e mais contundente golpe da parte da
pesquisa psicolgica atual, que procura provar ao ego que nem mesmo
em sua prpria casa ele quem d as ordens, mas que deve contentar-se
com as escassas informaes do que se passa inconscientemente em sua
mente.
9 Em uma crnica densa e espirituosa (A quarta virada, Revista de
Domingo, Jornal do Brasil), aps comentar as transformaes advindas
com Coprnico, Darwin e Freud, escreveu Lus Fernando Verssimo: Mas
houve outra virada no pensamento humano. A de Marx, que nos
permitiu pensar num homem predestinado, no pelas estrelas ou pelos
seus instintos, mas pela histria. Mesmo sem a orientao divina,
estaramos destinados a ser justos, pois a histria, no fim, moral.
Em vez da escatologia crist, Marx props uma redeno final
cientificamente inescapvel, e, se ningum mais acredita em
materialismo histrico na prtica, a compulso solidria persiste, como
uma f religiosa que o desmentido dos fatos s refora. Talvez porque
seja a f secular que reste para muita gente. Ficamos rfos de todas
as melhores iluses a nosso respeito (inclusive as marxistas) e nem
assim nos resignamos idia de que aquilo que vemos no espelho apenas
um bpede egosta, em breve e descompromissada passagem por um dos
planetas menores. Quando esta f acabar, a sim estaremos prontos
para os magos e as seitas. Tenho ouvido falar numa que adora a
Alcachofra Mstica e ainda ensina como aplicar na bolsa. Vou
investigar.
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pelo menos com esses dois outros (f)atores: a ideologia e o
inconsciente. O esforo para superar cada um deles, pela auto-crtica
e pelo auto-conhecimento, no vo, mas limitado. Nem por isso a razo
se torna menos importante. A despeito de seus eventuais limites,
ela conserva dois contedos de especial valia para o esprito humano:
(i) o ideal de conhecimento, a busca do sentido para a realidade,
para o mundo natural e cultural e para as pessoas, suas aes e
obras; (ii) o potencial da transformao, o instrumento crtico para
compreender as condies em que vivem os seres humanos e a energia
para interferir na realidade, alterando-a quando necessrio10.
As reflexes acima incidem diretamente sobre dois conceitos que
integram o imaginrio do conhecimento cientfico: a neutralidade e a
objetividade. Ao menos no domnio das cincias humanas e,
especialmente no campo do Direito, a realizao plena de qualquer um
deles impossvel. A neutralidade, entendida como um distanciamento
absoluto da questo a ser apreciada, pressupe um operador jurdico
isento no somente das complexidades da subjetividade pessoal, mas
tambm das influncias sociais. Isto : sem histria, sem memria, sem
desejos. Uma fico. O que possvel e desejvel produzir um intrprete
consciente de suas circunstncias: que tenha percepo da sua postura
ideolgica (auto-crtica) e, na medida do possvel, de suas neuroses e
frustraes (auto-conhecimento). E, assim, sua atuao no consistir na
manuteno inconsciente da distribuio de poder e riquezas na
sociedade nem na projeo narcsica de seus desejos ocultos, complexos
e culpas.
A objetividade se realizaria na existncia de princpios, regras e
conceitos de validade geral, independentemente do ponto de observao
e da vontade do observador. O certo, contudo, que o conhecimento,
qualquer conhecimento, no uma foto, um flagrante incontestvel da
realidade. Todos os objetos esto sujeitos interpretao. Isto
especialmente vlido para o Direito, cuja matria prima feita de
normas, palavras, significantes e significados. A moderna dogmtica
jurdica j superou a idia de que as leis possam ter, sempre e
sempre, sentido unvoco, produzindo uma nica soluo adequada para
cada caso. A objetividade possvel do Direito reside no conjunto de
possibilidades interpretativas que o relato da norma oferece.
Tais possibilidades interpretativas podem decorrer, por exemplo,
(i) da discricionariedade atribuda pela norma ao intrprete, (ii) da
pluralidade de significados das palavras ou (iii) da existncia de
normas contrapostas, exigindo a ponderao de interesses vista do
caso concreto. Da a constatao inafastvel de que a aplicao do
Direito no apenas um ato de conhecimento revelao do sentido de uma
norma pr-existente , mas tambm um ato de vontade escolha de uma
possibilidade dentre as diversas que se apresentam11. O direito
constitucional define a moldura dentro da qual o
10 Marilena Chaui, Convite filosofia, 1999, pp. 85-7. 11 Tal
concluso tem a adeso do prprio Hans Kelsen, que intentou
desenvolver uma
teoria jurdica pura, isto , purificada de toda a ideologia
poltica e de todos os elementos de cincia natural, considerando que
o problema da justia, enquanto problema valorativo, situa-se fora
da teoria do direito. Em sua celebrada Teoria pura do direito uma
das obras de maior
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intrprete exercer sua criatividade e seu senso de justia, sem
conceder-lhe, contudo, um mandato para voluntarismos de matizes
variados. De fato, a Constituio institui um conjunto de normas que
devero orientar sua escolha entre as alternativas possveis:
princpios, fins pblicos, programas de ao.
O constitucionalismo chega vitorioso ao incio do milnio,
consagrado pelas revolues liberais e aps haver disputado com
inmeras outras propostas alternativas de construo de uma sociedade
justa e de um Estado democrtico12. A razo de seu sucesso est em ter
conseguido oferecer ou, ao menos, incluir no imaginrio das pessoas:
(i) legitimidade soberania popular na formao da vontade nacional,
por meio do poder constituinte; (ii) limitao do poder repartio de
competncias, processos adequados de tomada de deciso, respeito aos
direitos individuais, inclusive das minorias; (iii) valores
incorporao Constituio material das conquistas sociais, polticas e
ticas acumuladas no patrimnio da humanidade.
Antes de encerrar este tpico, de proveito confrontar estas idias
reconfortantes e apaziguadoras com o mundo real volta, com a
histria e seus descaminhos. A injustia passeia impunemente pelas
ruas; a violncia social e institucional o smbolo das grandes
cidades; a desigualdade entre pessoas e pases salta entre os
continentes; a intolerncia poltica, racial, tribal, religiosa povoa
ambos os hemisfrios. Nada assegura que as concluses alinhavadas nos
pargrafos acima sejam produto inequvoco de um conhecimento
racional. Podem expressar apenas a ideologia ou o desejo. Um esforo
de estabilizao, segurana e paz onde talvez preferissem luta os dois
teros da populao mundial sem acesso ao frutos do progresso, ao
consumo e mesmo alimentao.
A crena na Constituio e no constitucionalismo no deixa de ser
uma espcie de f: exige que se acredite em coisas que no so direta
e
significao no sculo que se encerrou escreveu ele (4 ed., trad.
Joo Baptista Machado, Armnio Amado, Coimbra, 1979, pp. 466-70): A
teoria usual da interpretao quer fazer crer que a lei, aplicada ao
caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipteses, apenas uma
nica soluo correta (ajustada) e que a justeza (correo)
jurdico-positiva desta deciso fundada na prpria lei. (...) A
interpretao de uma lei no deve necessariamente conduzir a uma nica
soluo como sendo a nica correta, mas possivelmente a vrias solues
que na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar tm
igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo
no ato do rgo aplicador do Direito. (...) Na aplicao do Direito por
um rgo jurdico, a interpretao cognoscitiva (obtida por uma operao
de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de
vontade em que o rgo aplicador do Direito efetua uma escolha entre
as possibilidades reveladas atravs daquela mesma interpretao
cognoscitiva.
12 V. Lus Roberto Barroso, Doze anos da Constituio brasileira de
1988, in Temas de Direito Constitucional, 2001: O
constitucionalismo tem se mostrado como a melhor opo de limitao do
poder, respeito aos direitos e promoo do progresso. Nada parecido
com o fim da histria, porque valorizar e prestigiar a Constituio no
suprime a questo poltica de definir o que vai dentro dela. Mas o
fato que as outras vias de institucionalizao do poder praticadas ao
longo do tempo no se provaram mais atraentes. Vejam-se algumas
outras propostas que tiveram relevncia ao longo do sculo. O
marxismo-leninismo colocava no centro do sistema, no a Constituio,
mas o Partido. Os militarismo anti-comunista gravitava em torno das
Foras Armadas. O fundamentalismo islmico tem como pea central o
Coro. Nenhuma dessas propostas foi mais bem sucedida.
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imediatamente apreendidas pelos sentidos. Como nas religies
semticas judasmo, cristianismo e islamismo , tem seu marco zero,
seus profetas e acena com o paraso: vida civilizada, justia e
talvez at felicidade. Como se percebe, o projeto da modernidade no
se consumou. Por isso no pode ceder passagem. No no direito
constitucional. A ps-modernidade, na poro em que apreendida pelo
pensamento neoliberal, descrente do constitucionalismo em geral, e
o v como um entrave ao desmonte do Estado social13. Nesses tempos
de tantas variaes esotricas, se lhe fosse dada a escolha,
provavelmente substituiria a Constituio por um mapa astral.
Captulo II
ALGUMAS BASES TERICAS
I. A DOGMTICA JURDICA TRADICIONAL E SUA SUPERAO14
O Direito uma inveno humana, um fenmeno histrico e cultural,
concebido como tcnica de soluo de conflitos e instrumento de
pacificao social. A famlia jurdica romano-germnica surge e
desenvolve-se em torno das relaes privadas, com o direito civil no
centro do sistema. Seus institutos, conceitos e idias fizeram a
histria de povos diversos e atravessaram os tempos. O Estado
moderno surge no sculo XVI, ao final da Idade Mdia, sobre as runas
do feudalismo e fundado no direito divino dos reis. Na passagem do
Estado absolutista para o Estado liberal, o Direito incorpora o
jusnaturalismo racionalista dos sculos XVII e XVIII, matria prima
das revolues francesa e americana. O Direito moderno, em suas
categorias principais, consolida-se no sculo XIX, j arrebatado pela
onda positivista, com status e ambio de cincia.
Surgem os mitos. A lei passa a ser vista como expresso superior
da razo. A cincia do Direito ou, tambm, teoria geral do Direito,
dogmtica jurdica o domnio assptico da segurana e da justia. O
Estado a fonte
13 Jos Eduardo Faria, in Prefcio ao livro de Gisele Cittadino,
Pluralismo, direito e justia distirbutiva, 1999: No limiar do sculo
XXI, contudo, a idia de constituio cada vez mais apontada como
entrave ao funcionamento do mercado, como freio da competitividade
dos agentes econmicos e como obstculo expanso da economia.
Insere-se nessa discusso a idia de Constituio meramente
procedimental, que estabeleceria apenas as regras do processo
poltico, sem fazer opes por valores ideologicamente engajados.
Sobre o tema, v. Ana Paula de Barcellos, A eficcia jurdica dos
princpios constitucionais. O princpio da dignidade da pessoa
humana, 2001, p. 20.
14 Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979; Norberto Bobbio,
Teoria do ordenamento jurdico, 1990; Karl Engisch, Introduo ao
pensamento jurdico, 1996; Karl Larenz, Metodologia da cincia do
direito, 1997; Ren David, Os grandes sistemas jurdicos, 1978;
Miguel Reale, Lies preliminares de direito, 1990; Claus-Wilhelm
Canaris, Pensamento sistemtico e conceito de sistema na cincia do
direito, 1996; Trcio Sampaio Ferraz, Funo social da dogmtica
jurdica, 1998; Jos Reinaldo de Lima Lopes, O direito na histria,
2000; Jos de Oliveira Ascenso, O direito: introduo e teoria geral,
1993.
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nica do poder e do Direito. O sistema jurdico completo e
auto-suficiente: lacunas eventuais so resolvidas internamente, pelo
costume, pela analogia, pelos princpios gerais. Separado da
filosofia do direito por inciso profunda, a dogmtica jurdica volta
seu conhecimento apenas para a lei e o ordenamento positivo, sem
qualquer reflexo sobre seu prprio saber e seus fundamentos de
legitimidade.
Na aplicao desse direito puro e idealizado, pontifica o Estado
como rbitro imparcial. A interpretao jurdica um processo silogstico
de subsuno dos fatos norma. O juiz la bouche qui prononce les
paroles de la loi15 um revelador de verdades abrigadas no comando
geral e abstrato da lei. Refm da separao de Poderes, no lhe cabe
qualquer papel criativo. Em sntese simplificadora, estas algumas
das principais caractersticas do Direito na perspectiva clssica: a)
carter cientfico; b) emprego da lgica formal; c) pretenso de
completude; d) pureza cientfica; e) racionalidade da lei e
neutralidade do intrprete. Tudo regido por um ritual solene, que
abandonou a peruca, mas conservou a tradio e o formalismo. Tmis,
vendada, balana na mo, o smbolo maior, musa de muitas geraes: o
Direito produz ordem e justia, com equilbrio e igualdade.
Ou talvez no seja bem assim.
II. A TEORIA CRTICA DO DIREITO16
Sob a designao genrica de teoria crtica do direito, abriga-se um
conjunto de movimentos e de idias que questionam o saber jurdico
tradicional na maior parte de suas premissas: cientificidade,
objetividade, neutralidade, estatalidade, completude. Funda-se na
constatao de que o Direito no lida com fenmenos que se ordenem
independentemente da atuao do sujeito,
15 Montesquieu, De lesprit des lois, livre XI, chap. 6, 1748. No
texto em portugus (O esprito das leis, Saraiva, 1987, p. 176): Mas
os Juzes da Nao, como dissemos, so apenas a boca que pronuncia as
palavras da lei; seres inanimados que no lhe podem moderar nem a
fora, nem o rigor.
16 Marx e Engels, Obras escolhidas, 2 vs., 1961; Luiz Fernando
Coelho, Teoria crtica do direito, 1991; scar Correas, Crtica da
ideologia jurdica, 1995; Michel Miaille, Introduo crtica ao
direito, 1989; Luis Alberto Warat, Introduo geral ao direito, 2
vs., 1994-5; Plauto Faraco de Azevedo, Crtica dogmtica e
hermenutica jurdica, 1989; Antonio Carlos Wolkmer, Introduo ao
pensamento crtico, 1995; Luis Alberto Warat, O outro lado da
dogmtica jurdica, in Leonel Severo da Rocha (org.), Teoria do
direito e do Estado, 1994; Robert Hayman e Nancy Levit,
Jurisprudence: contemporary readings, problems, and narratives,
1994; Enrique Mar et al., Materiales para una teoria critica del
derecho, 1991; Carlos Mara Crcova, A opacidade do direito, 1998;
scar Correas, El neoliberalismo en el imaginario juridico, in
Direito e neoliberalismo: elementos para uma leitura
interdisciplinar, 1996; Clmerson Merlin Clve, A teoria
constitucional e o direito alternativo (para uma dogmtica
constitucional emancipatria), in Direito Alternativo Seminrio
nacional sobre o uso alternativo do direito, Instituto dos
Advogados Brasileiros, 1993; Luiz Edson Fachin, Teoria crtica do
direito civil, 2000; Paulo Ricardo Schier, Filtragem
constitucional, 1999; Leonel Severo Rocha, Da teoria do direito
teoria da sociedade, in Teoria do direito e do Estado, 1994; Ted
Honderich (editor), The Oxford Companion to Philosophy, 1995;
Marilena Chaui, Convite filosofia, 1999; Marcus Vinicius Martins
Antunes, Engels e o direito, in Fios de Ariadne: ensaios de
intepretao marxista, 1999.
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10
seja o legislador, o juiz ou o jurista. Este engajamento entre
sujeito e objeto compromete a pretenso cientfica do Direito e, como
conseqncia, seu ideal de objetividade, de um conhecimento que no
seja contaminado por opinies, preferncias, interesses e
preconceitos.
A teoria crtica, portanto, enfatiza o carter ideolgico do
Direito, equiparando-o poltica, a um discurso de legitimao do
poder. O Direito surge, em todas as sociedades organizadas, como a
institucionalizao dos interesses dominantes, o acessrio normativo
da hegemonia de classe. Em nome da racionalidade, da ordem, da
justia, encobre-se a dominao, disfarada por uma linguagem que a faz
parecer natural e neutra. A teoria crtica preconiza, ainda, a atuao
concreta, a militncia do operador jurdico, vista da concepo de que
o papel do conhecimento no somente a interpretao do mundo, mas
tambm a sua transformao17.
Uma das teses fundamentais do pensamento crtico a admisso de que
o Direito possa no estar integralmente contido na lei, tendo condio
de existir independentemente da bno estatal, da positivao, do
reconhecimento expresso pela estrutura de poder. O intrprete deve
buscar a justia, ainda quando no a encontre na lei. A teoria crtica
resiste, tambm, idia de completude, de auto-suficincia e de pureza,
condenando a ciso do discurso jurdico, que dele afasta os outros
conhecimentos tericos. O estudo do sistema normativo (dogmtica
jurdica) no pode insular-se da realidade (sociologia do direito) e
das bases de legitimidade que devem inspir-lo e possibilitar a sua
prpria crtica (filosofia do direito)18. A interdisciplinariedade,
que colhe elementos em outros reas do saber inclusive os menos
bvios, como a psicanlise ou a lingstica tem uma fecunda colaborao a
prestar ao universo jurdico.
O pensamento crtico teve expresso na produo acadmica de diversos
pases, notadamente nas dcadas de 70 e 80. Na Frana, a Critique du
Droit, influenciada por Althusser, procurou atribuir carter
cientfico ao Direito, mas uma cincia de base marxista, que seria a
nica cincia verdadeira19. Nos Estados Unidos, os Critical Legal
Studies, tambm sob influncia marxista embora menos explcita ,
difundiram os fundamentos de sua crena de que law is politics,
convocando os operadores jurdicos a recompor a ordem legal e social
com base em princpios humansticos e
17 Proposio inspirada por uma passagem de Marx, na XI Tese sobre
Feuerbach: os
filsofos apenas interpretaram de diversos modos o mundo; o que
importa transform-lo. 18 Elas Daz, Sociologia y filosofia del
derecho, 1976, p. 54, apud Plauto Faraco de
Azevedo, Crtica dogmtica e hermenutica jurdica, 1989, p. 36. 19
scar Correas, Crtica da ideologia jurdica, 1995, pp. 126-32. Michel
Miaille,
Introduo crtica ao direito, 1989, p. 327: Esta experincia crtica
do direito abre campo a uma nova maneira de tratar o direito. (...)
o sentido profundo do marxismo, deslocar o terreno do conhecimento
do real, oferecendo uma passagem libertadora: o trabalho terico
liberta e emancipa condies clssicas da investigao intelectual pelo
fato deicisivo de o pensamento marxista refletir, ao mesmo tempo,
sobre as condies da sua existncia e sobre as condies da sua
interseo na vida social.
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comunitrios20. Anteriormente, na Alemanha, a denominada Escola
de Frankfurt lanara algumas das bases da teoria crtica,
questionando o postulado positivista da separao entre cincia e
tica, completando a elaborao de duas categorias nucleares a
ideologia e a prxis21 , bem como identificando a existncia de duas
modalidades de razo: a instrumental e a crtica22. A produo
filosfica de pensadores como Horkheimer, Marcuse, Adorno e, mais
recentemente, Jrgen Habermas, tero sido a principal influncia
ps-marxista da teoria crtica.
No Brasil, a teoria crtica do direito compartilhou dos mesmos
fundamentos filosficos que a inspiraram em sua matriz europia,
tendo se manifestado em diferentes vertentes de pensamento:
epistemolgico, sociolgico, semiolgico23, psicanaltico24 e teoria
crtica da sociedade25. Todas elas tinham como ponto comum a denncia
do Direito como instncia de poder e instrumento de dominao de
classe, enfatizando o papel da ideologia na ocultao e legitimao
dessas relaes. O pensamento crtico no pas alou vos de qualidade e
prestou inestimvel contribuio cientfica. Mas no foi um sucesso de
pblico.
Nem poderia ter sido diferente. O embate para ampliar o grau de
conscientizao dos operadores jurdicos foi desigual. Alm da
hegemonia quase absoluta da dogmtica convencional beneficiria da
tradio e da inrcia , a teoria crtica conviveu, tambm, com um
inimigo poderoso: a ditadura militar e seu arsenal de violncia
institucional, censura e dissimulao. A atitude filosfica em relao
ordem jurdica era afetada pela existncia de uma legalidade paralela
dos atos institucionais e da segurana nacional que, freqentemente,
desbordava para um Estado de fato. No eram tempos
20 Robert L. Hayman e Nancy Levit, Jurisprudence: contemporary
readings, problems,
and narratives, 1994, p. 215. Uma das lideranas do movimento foi
o professor de Harvard, de nacionalidade brasileira, Roberto
Mangabeira Unger, que produziu um dos textos mais difundidos sobre
esta corrente de pensamento: The critical legal studies movement,
1986. Para uma histria do movimento, v. Mark Tushnet, Critical
legal studies: a political history, 100 Yale Law Journal 1515,
1991. Para uma crtica da teoria crtica, v. Owen Fiss, The death of
the law, 72 Cornell Law Review 1, 1986.
21 Luiz Fernando Coelho, Teoria crtica do direito, 1991, p. 398:
As categorias crticas exsurgidas dessa dialtica so a prxis, que se
manifesta como teoria crtica, como atividade produtiva e como ao
poltica, e a ideologia, vista como processo de substituio do real
pelo imaginrio e de legitimao da ordem social real em funo do
imaginrio.
22 Marilena Chaui, Convite filosofia, 1999: Os filsofos da
Teoria Crtica consideram que existem, na verdade, duas modalidades
da razo: a razo instrumental ou razo tcnico-cientfica, que est a
sevio da explorao e da dominao, da opresso e da violncia, e a razo
crtica ou filosfica, que reflete sobre as contradies e os conflitos
sociais e polticos e se apresenta como uma fora libertadora.
23 Para um alentado estudo da intepretao jurdica sob esta
perspectiva, v. Lenio Luiz Streck, Hermenutica jurdica em crise,
1999.
24 Sobre esta temtica, vejam-se dois trabalhos publicados na
obra coletiva Direito e neoliberalismo, 1996: Agustinho Ramalho,
Subsdios para pensar a possibilidade de articular direito e
psicanlise; Jacinto de Miranda Coutinho, Jurisdio, psicanlise e o
mundo neoliberal.
25 Luiz Fernando Coelho, ob. cit., pp. 396-7.
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amenos para o pensamento de esquerda e para o questionamento das
estruturas de poder poltico e de opresso social.
Na viso de curto prazo, o trabalho de desconstruo desenvolvido
pela teoria crtica, voltado para a desmistificao do conhecimento
jurdico convencional, trouxe algumas conseqncias problemticas26,
dentre as quais: a) o abandono do Direito como espao de atuao das
foras progressistas; b) o desperdcio das potencialidades
interpretativas das normas em vigor. Disso resultou que o mundo
jurdico tornou-se feudo do pensamento conservador ou, no mnimo,
tradicional. E que no se exploraram as potencialidades da aplicao
de normas de elevado cunho social, algumas inscritas na prpria
Constituio outorgada pelo regime militar.
Porm, dentro de uma viso histrica mais ampla, impossvel
desconsiderar a influncia decisiva que a teoria crtica teve no
surgimento de uma gerao menos dogmtica, mais permevel a outros
conhecimentos tericos e sem os mesmos compromissos com o status
quo. A teoria crtica deve ser vista, nesse incio de sculo, na mesma
perspectiva que a teoria marxista: apesar de seu refluxo na quadra
atual, sobretudo aps os eventos desencadeados a partir de 1989,
conserva as honras de ter modificado e elevado o patamar do
conhecimento convencional.
A redemocratizao no Brasil impulsionou uma volta ao Direito27.
certo que j no se alimenta a crena de que a lei seja a expresso da
vontade geral institucionalizada28 e se reconhece que,
freqentemente, estar a servio de interesses, e no da razo. Mas
ainda assim ela significa um avano histrico: fruto do debate
poltico, ela representa a despersonalizao do poder e a
institucionalizao da vontade poltica. O tempo das negaes absolutas
passou. No existe compromisso com o outro sem a lei29. preciso,
portanto, explorar as potencialidades positivas da dogmtica
jurdica, investir na interpretao principiolgica, fundada em
valores, na tica e na razo possvel. A liberdade de que o pensamento
intelectual desfruta hoje impe compromissos tanto com a legalidade
democrtica como com a conscientizao e a emancipao. No h, no
particular, nem incompatibilidade nem excluso.
26 Paulo Schier, Filtragem constitucional, 1999, p. 34: Essas
teorias, de certa forma,
acabaram por desencadear algumas conseqncias problemticas,
dentre as quais (...): (i) a impossibilidade de se vislumbrar a
dogmtica jurdica como instrumento de emancipao dos homens em
sociedade e (ii) o esvaziamento da dignidade normativa da ordem
jurdica.
27 Pessoalmente, fiz a travessia do pensamento crtico para a
utilizao construtiva da dogmtica jurdica em um trabalho escrito em
1986 A efetividade das normas constitucionais (Por que no uma
Constituio para valer?), apresentado no VIII Congresso Brasileiro
de Direito Constitucional, Porto Alegre, 1987. Esse texto foi a
base de minha tese de livre-docncia, concluda em 1988, e que se
converteu no livro O direito constitucional e a efetividade de suas
normas (5 edio, Ed. Renovar, 2001).
28 Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, 1789, art. 6: A
lei a expresso da vontade geral institucionalizada.
29 Luis Alberto Warat, O outro lado da dogmtica jurdica, in
Teoria do direito e do Estado (org. Leonel Severo Rocha), 1994, pp.
83-5.
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Captulo III
ALGUMAS BASES FILOSFICAS30 I. ASCENSO E DECADNCIA DO
JUSNATURALISMO
O termo jusnaturalismo identifica uma das principais correntes
filosficas que tem acompanhado o Direito ao longo dos sculos,
fundada na existncia de um direito natural. Sua idia bsica consiste
no reconhecimento de que h, na sociedade, um conjunto de valores e
de pretenses humanas legtimas que no decorrem de uma norma jurdica
emanada do Estado, isto , independem do direito positivo. Esse
direito natural tem validade em si, legitimado por uma tica
superior, e estabelece limites prpria norma estatal. Tal crena
contrape-se a outra corrente filosfica de influncia marcante, o
positivismo jurdico, que ser examinado mais frente.
O rtulo genrico do jusnaturalismo tem sido aplicado a fases
histricas diversas e a contedos heterogneos, que remontam
antigidade clssica31 e chegam aos dias de hoje, passando por densa
e complexa elaborao ao longo da Idade Mdia32. A despeito das
mltiplas variantes, o direito natural apresenta-se,
fundamentalmente, em duas verses: a) a de uma lei estabelecida pela
vontade de Deus; b) a de uma lei ditada pela razo. O direito
natural moderno comea a formar-se a partir do sculo XVI, procurando
superar o dogmatismo medieval e escapar do ambiente teolgico em que
se
30 Norberto Bobbio, O positivismo jurdico, 1995; Bobbio,
Matteucci e Pasquino, Dicionrio de Poltica, 1986; Nicola Abbagnano,
Dicionrio de filosofia, 1998; Giorgio Del Vecchio, Filosofia del
derecho, 1991; Jos Reinaldo de Lima Lopes, O direito na histria,
2000; Antonio M. Hespanha, Panorama histrico da cultura jurdica
europia, 1977; Nelson Saldanha, Filosofia do direito, 1998; Paulo
Nader, Introduo ao estudo do direito, 1995; Cicero, Da repblica,
s.d.; Ren David, Os grandes sistemas do direito contemporneo, 1978;
Bertrand Russell, Histria do pensamento ocidental, 2001; Vladmir
Tumnov, O pensamento jurdico burgus contemporneo, 1984; Margarida
Maria Lacombe Camargo, Hermenutica e argumentao, 1999; Ana Paula de
Barcellos, As relaes da filosofia do direito com a experincia
jurdica. Uma viso dos sculos XVIII, XIX e XX. Algumas questes
atuais, Revista Forense 351/3.
31 O jusnaturalismo tem sua origem associada cultura grega, onde
Plato j se referia a uma justia inata, universal e necessria. Coube
a Ccero sua divulgao em Roma, em passagem clebre de seu De
republica, que teve forte influncia no pensamento cristo e na
doutrina medieval: A razo reta, conforme natureza, gravada em todos
os coraes, imutvel, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem
(...). Essa lei no pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem
anulada; no podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem
pelo senado (...). No uma lei em Roma e outra em Atenas, uma antes
e outra depois, mas uma, sempiterna e imutvel, entre todos os povos
e em todos os tempos; uno ser sempre o seu imperador e mestre, que
Deus, seu inventor, sancionador e publicador, no podendo o homem
desconhec-la sem renegar a si mesmo... (Cicero, Da repblica,
Ediouro, s.d., p. 100).
32 Santo Toms de Aquino (1225-1274) desenvolveu o mais influente
sistema filosfico e teolgico da Idade Mdia, o tomismo, demarcando
fronteiras entre a f e a razo. Pregando ser a lei um ato de razo e
no de vontade, distinguiu quatro espcies de leis: uma lei eterna,
uma lei natural, uma lei positiva humana e uma lei positiva divina.
Sua principal obra foi a Summa teologica. Sobre o contexto histrico
de Toms de Aquino, v. Jos Reinaldo de Lima Lopes, O direito na
histria, 2000, pp. 144 ss.
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desenvolveu. A nfase na natureza e na razo humanas, e no mais na
origem divina, um dos marcos da Idade Moderna e base de uma nova
cultura laica, consolidada a partir do sculo XVII33.
A modernidade, que se iniciara no sculo XVI, com a reforma
protestante, a formao dos Estados nacionais e a chegada dos
europeus Amrica, desenvolve-se em um ambiente cultural no mais
submisso teologia crist. Cresce o ideal de conhecimento, fundado na
razo, e o de liberdade, no incio de seu confronto com o
absolutismo. O jusnaturalismo passa a ser a filosofia natural do
Direito e associa-se ao iluminismo34 na crtica tradio anterior,
dando substrato jurdico-filosfico s duas grandes conquistas do
mundo moderno: a tolerncia religiosa e a limitao ao poder do
Estado. A burguesia articula sua chegada ao poder.
A crena de que o homem possui direitos naturais, vale dizer, um
espao de integridade e de liberdade a ser preservado e respeitado
pelo prprio Estado, foi o combustvel das revolues liberais e
fundamento das doutrinas polticas de cunho individualista que
enfrentaram a monarquia absoluta. A Revoluo Francesa e sua Declarao
dos Direitos do Homem e do Cidado (1789)35 e, anteriormente, a
Declarao de Independncia dos Estados Unidos (1776)36, esto
impregnados de idias jusnaturalistas, sob a influncia marcante de
John Locke37, autor emblemtico dessa corrente
33 O surgimento do jusnaturalismo moderno usualmente associado
doutrina de Hugo Grcio (1583-1645), exposta em sua obra clssica De
iure belli ac pacis, de 1625, considerada, tambm, precursora do
direito internacional. Ao difundir a idia de direito natural como
aquele que poderia ser reconhecido como vlido por todos os povos,
porque fundado na razo, Grcio desvincula-o no s da vontade de Deus,
como de sua prpria existncia. Vejam-se: Bobbio, Matteucci e
Pasquino, Dicionrio de poltica, 1986, p. 657; e Ana Paula de
Barcellos, As relaes da filosofia do direito com a experincia
jurdica. Uma viso dos sculos XVIII, XIX e XX. Algumas questes
atuais, Revista Forense 351/3, pp. 8-9.
34 Iluminismo designa a revoluo intelectual que se operou na
Europa, especialmente na Frana, no sculo XVIII. O movimento
representou o pice das transformaes iniciadas no sculo XVI, com o
Renascimento. O antropocentrismo e o individualismo renascentistas,
ao incentivarem a investigao cientfica, levaram gradativa separao
entre o campo da f (religio) e o da razo (cincia), determinando
profundas transformaes no modo de pensar e de agir do homem. Para
os iluministas, somente atravs da razo o homem poderia alcanar o
conhecimento, a convivncia harmoniosa em sociedade, a liberdade
individual e a felicidade. Ao propor a reorganizao da sociedade com
uma poltica centrada no homem, sobretudo no sentido de garantir-lhe
a liberdade, a filosofia iluminista defendia a causa burguesa
contra o Antigo Regime. Alguns nomes que merecem destaque na
filosofia e na cincia poltica: Descartes, Locke, Montesquieu,
Voltaire e Rousseau.
35 O Prembulo da Declarao afirma que ela contm os direitos
naturais, inalienveis e sagrados do Homem, tendo o art. 2 a
seguinte dico: Artigo 2. O fim de toda a associao poltica a
conservao dos direitos naturais e imprescindveis do homem. Esses
direitos so a liberdade, a propriedade, a segurana e a resistncia
opresso.
36 Da Declarao, redigida por Thomas Jefferson, constam
referncias s leis da natureza e ao Deus da natureza e a seguinte
passagem: Sustentamos que estas verdades so evidentes, que todos os
homens foram criados iguais, que foram dotados por seu Criador de
certos Direitos inalienveis, que entre eles esto a Vida, a
Liberdade e a Busca da Felicidade.
37 Autor dos Dois tratados sobre o governo civil, 1689-90 e do
Ensaio sobre o entendimento humano, 1690. Vejam-se John Locke,
Second treatise of government,
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15
filosfica e do pensamento contratualista, no qual foi antecedido
por Hobbes38 e sucedido por Rousseau39. Sem embargo da precedncia
histrica dos ingleses, cuja Revoluo Gloriosa foi concluda em 1689,
o Estado liberal ficou associado a esses eventos e a essa fase da
histria da humanidade40. O constitucionalismo moderno inicia sua
trajetria.
O jusnaturalismo racionalista esteve uma vez mais ao lado do
iluminismo no movimento de codificao do Direito, no sculo XVIII,
cuja maior realizao foi o Cdigo Civil francs o Cdigo de Napoleo ,
que entrou em vigor em 1804. Em busca de clareza, unidade e
simplificao, incorporou-se tradio jurdica romano-germnica a
elaborao de cdigos, isto , documentos legislativos que agrupam e
organizam sistematicamente as normas em torno de determinado
objeto. Completada a revoluo burguesa, o direito natural viu-se
domesticado e ensinado dogmaticamente41. A tcnica de codificao
tende a promover a identificao entre direito e lei. A Escola da
Exegese, por sua vez, ir impor o apego ao texto e interpretao
gramatical e histrica, cerceando a atuao criativa do juiz em nome
de uma interpretao pretensamente objetiva e neutra42.
O advento do Estado liberal, a consolidao dos ideais
constitucionais em textos escritos e o xito do movimento de
codificao simbolizaram a vitria do direito natural, o seu apogeu.
Paradoxalmente, representaram, tambm, a sua superao histrica43. No
incio do sculo XIX, os direitos naturais,
Indianapolis-Cambridge, Hacket Publishing Co, 1980; e John
Locke, Ensaio acerca do entendimento humano, Coleo Os Pensadores,
So Paulo, Nova Cultural, 1990.
38 Thomas Hobbes, Leviathan, Londres, Penguin Books, 1985 (a
primeira edio da obra de 1651). H edio em portugus na Coleo Os
Pensadores, So Paulo, Nova Cultural, 1999.
39 Jean-Jacques Rousseau, O contrato social, Edies de Ouro, s.d.
(a primeira edio de Du contrat social de 1762).
40 Em seu magnfico estudo On revolution, Londres, Penguin Books,
1987 (1 edio em 1963), Hannah Arendt comenta o fato intrigante de
que a foi a Revoluo Francesa, e no a Inglesa ou a Americana, que
correu mundo e simbolizou a diviso da histria da humanidade em
antes e depois. Escreveu ela: A Revoluo Gloriosa, evento pelo qual
o termo (revoluo), paradoxalmente, encontrou seu lugar definitivo
na linguagem poltica e histrica, no foi vista como uma revoluo, mas
como uma restaurao do poder monrquico aos seus direitos pretritos e
sua glria. (...) Foi a Revoluo Francesa e no a Americana que
colocou fogo no mundo. (...) A triste verdade na matria que a
Revoluo Francesa, que terminou em desastre, entrou para a histria
do mundo, enquanto a Revoluo Americana, com seu triunfante sucesso,
permaneceu como um evento de importncia pouco mais que local (pp.
43, 55-6).
41 Jos Reinaldo de Lima Lopes, O direito na histria, 2000, p.
188. 42 Sobre codificao, Escola da Exegese e fetichismo da lei,
vejam-se: Gustavo
Tepedino, O Cdigo Civil, os chamados microssistemas e a
Constituio: premissas para uma reforma legislativa, in Gustavo
Tepedino (org.), Problemas de direito civil-constituiconal, 2000;
Maria Celina Bodin de Moraes, Constituio e direito civil:
tendncias, in Anais da XVII Conferncia Nacional dos Advogados, Rio
de Janeiro, 1999.
43 Bobbio, Matteucci e Pasquino, Dicionrio de poltica, 1986, p.
659: Com a promulgao dos cdigos, principalmente do napolenico, o
Jusnaturalismo exauria a sua funo no momento mesmo em que celebrava
o seu triunfo. Transposto o direito racional para
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cultivados e desenvolvidos ao longo de mais de dois milnios,
haviam se incorporado de forma generalizada aos ordenamentos
positivos44. J no traziam a revoluo, mas a conservao. Considerado
metafsico e anti-cientfico, o direito natural empurrado para a
margem da histria pela onipotncia positivista do sculo XIX.
II. ASCENSO E DECADNCIA DO POSITIVISMO JURDICO
O positivismo filosfico foi fruto de uma idealizao do
conhecimento cientfico, uma crena romntica e onipotente de que os
mltiplos domnios da indagao e da atividade intelectual pudessem ser
regidos por leis naturais, invariveis, independentes da vontade e
da ao humana. O homem chegara sua maioridade racional e tudo
passara a ser cincia: o nico conhecimento vlido, a nica moral, at
mesmo a nica religio. O universo, conforme divulgado por Galileu,
teria uma linguagem matemtica, integrando-se a um sistema de leis a
serem descobertas, e os mtodos vlidos nas cincias da natureza
deviam ser estendidos s cincias sociais45.
As teses fundamentais do positivismo filosfico, em sntese
simplificadora, podem ser assim expressas:
(i) a cincia o nico conhecimento verdadeiro, depurado de
indagaes teolgicas ou metafsicas, que especulam acerca de causas e
princpios abstratos, insuscetveis de demonstrao;
(ii) o conhecimento cientfico objetivo. Funda-se na distino
entre sujeito e objeto e no mtodo descritivo, para que seja
preservado de opinies, preferncias ou preconceitos;
(iii) o mtodo cientfico empregado nas cincias naturais, baseado
na observao e na experimentao, deve ser estendido a todos os campos
de conhecimento, inclusive s cincias sociais.
o cdigo, no se via nem admitia outro direito seno este. O
recurso a princpios ou normas extrnsecos ao sistema do direito
positivo foi considerado ilegtimo.
44 Ana Paula de Barcellos, As relaes da filosofia do direito com
a experincia jurdica. Uma viso dos sculos XVIII, XIX e XX. Algumas
questes atuais, Revista Forense 351/3, p. 10: Em fins do sculo
XVIII e incio do sculo XIX, com a instalao do Estado Liberal e todo
o seu aparato jurdico (constituio escrita, igualdade formal,
princpio da legalidade etc.), o direito natural conheceria seu
momento ureo na histria moderna do direito. As idias desenvolvidas
no mbito da filosofia ocidental haviam se incorporado de uma forma
sem precedentes realidade jurdica. Talvez por isso mesmo, tendo
absorvido os elementos propostos pela reflexo filosfica, o direito
haja presumido demais de si mesmo, considerando que podia agora
prescindir dela. De fato, curiosamente, a seqncia histrica
reservaria para o pensamento jusfilosfico no apenas um novo nome
filosofia do direito como tambm mais de um sculo de ostracismo.
45 Em sentido amplo, o termo positivismo designa a crena
ambiciosa na cincia e nos seus mtodos. Em sentido estrito,
identifica o pensamento de Auguste Comte, que em seu Curso de
filosofia positiva (seis volumes escritos entre 1830 e 1842),
desenvolveu a denominada lei dos trs estados, segundo a qual o
conhecimento humano havia atravessado trs estgios histricos: o
teolgico, o metafsico e ingressara no estgio positivo ou
cientfico.
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17
O positivismo jurdico foi a importao do positivismo filosfico
para o mundo do Direito, na pretenso de criar-se uma cincia
jurdica, com caractersticas anlogas s cincias exatas e naturais. A
busca de objetividade cientfica, com nfase na realidade observvel e
no na especulao filosfica, apartou o Direito da moral e dos valores
transcendentes. Direito norma, ato emanado do Estado com carter
imperativo e fora coativa. A cincia do Direito, como todas as
demais, deve fundar-se em juzos de fato, que visam ao conhecimento
da realidade, e no em juzos de valor, que representam uma tomada de
posio diante da realidade46. No no mbito do Direito que se deve
travar a discusso acerca de questes como legitimidade e justia.
O positivismo comportou algumas variaes47 e teve seu ponto
culminante no normativismo de Hans Kelsen48. Correndo o risco das
simplificaes redutoras, possvel apontar algumas caractersticas
essenciais do positivismo jurdico:
(i) a aproximao quase plena entre Direito e norma;
(ii) a afirmao da estatalidade do Direito: a ordem jurdica una e
emana do Estado;
(iii) a completude do ordenamento jurdico, que contm conceitos e
instrumentos suficientes e adequados para soluo de qualquer caso,
inexistindo lacunas;
(iv) o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento
seguido para a sua criao, independendo do contedo. Tambm aqui se
insere o dogma da subsuno49, herdado do formalismo alemo.
46 Norberto Bobbio, Positivismo jurdico, 1995, p. 135, onde se
acrescenta: A cincia
exclui do prprio mbito os juzos de valor, porque ela deseja ser
um conhecimento puramente objetivo da realidade, enquanto os juzos
em questo so sempre subjetivos (ou pessoais) e conseqentemente
contrrios exigncia da objetividade. Pouco mais frente, o grande
mestre italiano, defensor do que denominou de positivismo moderado,
desenvolve a distino, de matriz kelseniana, entre validade e valor
do Direito.
47 Antonio M. Hespanha, Panorama histrico da cultura jurdica
europia, 1977, pp. 174-5: (...) As vrias escolas entenderam de
forma diversa o que fossem coisas positivas. Para uns, positiva era
apenas a lei (positivismo legalista). Para outros, positivo era o
direito plasmado na vida, nas instituies ou num esprito do povo
(positivismo histrico). Positivo era tambm o seu estudo de acordo
com as regras das novas cincias da sociedade, surgidas na segunda
metade do sculo XIX (positivismo sociolgico, naturalismo).
Finalmente, para outros, positivos eram os conceitos jurdicos
genricos e abstratos, rigorosamente construdos e concatenados,
vlidos independentemente da variabilidade da legislao positiva
(positivismo conceitual).
48 A obra prima de Kelsen foi a Teoria pura do direito, cuja
primeira edio data de 1934 embora seus primeiros trabalhos
remontassem a 1911 , havendo sido publicada uma segunda edio em
1960, incorporando alguns conceitos novos.
49 A aplicao do Direito consistiria em um processo
lgico-dedutivo de submisso lei (premissa maior) da relao de fato
(premissa menor), produzindo uma concluso natural e bvia, meramente
declarada pelo intrprete, que no desempenharia qualquer papel
criativo. Como visto anteriormente, esta concepo no tem a adeso de
Hans Kelsen.
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O positivismo tornou-se, nas primeiras dcadas do sculo XX, a
filosofia dos juristas. A teoria jurdica empenhava-se no
desenvolvimento de idias e de conceitos dogmticos, em busca da
cientificidade anunciada. O Direito reduzia-se ao conjunto de
normas em vigor, considerava-se um sistema perfeito e, como todo
dogma, no precisava de qualquer justificao alm da prpria
existncia50. Com o tempo, o positivismo sujeitou-se crtica
crescente e severa, vinda de diversas procedncias, at sofrer
dramtica derrota histrica. A troca do ideal racionalista de justia
pela ambio positivista de certeza jurdica custou caro
humanidade.
Conceitualmente, jamais foi possvel a transposio totalmente
satisfatria dos mtodos das cincias naturais para a rea de
humanidades. O Direito, ao contrrio de outros domnios, no tem nem
pode ter uma postura puramente descritiva da realidade, voltada
para relatar o que existe. Cabe-lhe prescrever um dever-ser e
faz-lo valer nas situaes concretas. O Direito tem a pretenso de
atuar sobre a realidade, conformando-a e transformando-a. Ele no um
dado, mas uma criao. A relao entre o sujeito do conhecimento e seu
objeto de estudo isto , entre o intrprete, a norma e a realidade
tensa e intensa. O ideal positivista de objetividade e neutralidade
insuscetvel de realizar-se.
O positivismo pretendeu ser uma teoria do Direito, na qual o
estudioso assumisse uma atitude cognoscitiva (de conhecimento),
fundada em juzos de fato. Mas resultou sendo uma ideologia, movida
por juzos de valor, por ter se tornado no apenas um modo de
entender o Direito, como tambm de querer o Direito51. O fetiche da
lei e o legalismo acrtico, subprodutos do positivismo jurdico,
serviram de disfarce para autoritarismos de matizes variados. A
idia de que o debate acerca da justia se encerrava quando da
positivao da norma tinha um carter legitimador da ordem
estabelecida. Qualquer ordem.
Sem embargo da resistncia filosfica de outros movimentos
influentes nas primeiras dcadas do sculo52, a decadncia do
positivismo emblematicamente associada derrota do fascismo na Itlia
e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos polticos e militares
ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e
promoveram a barbrie em nome da lei. Os principais acusados de
Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obedincia a ordens
emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra
Mundial, a idia de um ordenamento jurdico indiferente a valores
ticos e da lei como um estrutura meramente formal, uma embalagem
para qualquer produto, j no tinha mais aceitao no pensamento
esclarecido.
50 Vladmir Tumnov, O pensamento jurdico burgus contemporneo,
1984, p. 141. 51 Norberto Bobbio, O positivismo jurdico, 1995, p.
223-4. V. tambm Michael Lwy,
Ideologias e cincia social elementos para uma anlise marxista,
1996, p. 40: O positivismo, que se apresenta como cincia livre de
juzos de valor, neutra, rigorosamente cientfica, (...) acaba tendo
uma funo poltica e ideolgica.
52 Como por exemplo, a jurisprudncia dos interesses, iniciada
por Ihering, e o movimento pelo direito livre, no qual se destacou
Ehrlich.
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A superao histrica do jusnaturalismo e o fracasso poltico do
positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda
inacabado de reflexes acerca do Direito, sua funo social e sua
interpretao. O ps-positivismo a designao provisria e genrica de um
iderio difuso, no qual se incluem a definio das relaes entre
valores, princpios e regras, aspectos da chamada nova hermenutica e
a teoria dos direitos fundamentais53.
III. PS-POSITIVISMO E A NORMATIVIDADE DOS PRINCPIOS54
O Direito, a partir da segunda metade do sculo XX, j no cabia
mais no positivismo jurdico. A aproximao quase absoluta entre
Direito e norma e sua rgida separao da tica no correspondiam ao
estgio do processo civilizatrio e s ambies dos que patrocinavam a
causa da humanidade. Por outro lado, o discurso cientfico
impregnara o Direito. Seus operadores no desejavam o retorno puro e
simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou
metafsicos de uma razo subjetiva. Nesse contexto, o ps-positivismo
no surge com o mpeto da desconstruo, mas como uma superao do
conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetria guardando
deferncia relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo
as idias de justia e legitimidade.
O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos
valores, uma reaproximao entre tica e Direito55. Para poderem
beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da
filosofia para o mundo jurdico,
53 Sobre o tema, vejam-se: Antnio Augusto Canado Trindade, A
proteo
internacional dos direitos humanos: fundamentos jurdicos e
instrumentos bsicos, 1991; Ingo Wolfgang Sarlet, A eficcia dos
direitos fundamentais, 1998; Flvia Piovesan, Temas de direitos
humanos, 1998; Ricardo Lobo Torres (org.), Teoria dos direitos
fundamentais, 1999; Willis Santiago Guerra Filho, Processo
constitucional e direitos fundamentais, 1999; e Gilmar Ferreira
Mendes, Inocncio Mrtires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco,
Hermenutica constitucional e direitos fundamentais, 2000.
54 Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1997; Robert Alexy,
Teoria de los derechos fundamentales, 1997; J. J. Gomes Canotilho,
Direito constitucional e teoria da Constituio, 1998; Paulo
Bonavides, Curso de direito constitucional, 2000; Jrgen Habermas,
Direito e democracia: entre facticidade e validade, 1997; Jacob
Dolinger, Evolution of principles for resolving conflicts in the
field of contracts and torts, Recueil des Cours, v. 283, pp. 203
ss, Hague Academy of International Law; Miguel Reale, Filosofia do
direito, 2000; Nicola Abbagnano, Dicionario de filosofia, 1998;
Paulo Nader, Filosofia do direito, 2000; Giorgio del Vecchio,
Filosofia del derecho, 1997; Marilena Chaui, Convite filosofia,
1999; Ricardo Lobo Torres, O oramento na Constituio, 2000; Eros
Roberto Grau, A ordem econmica na Constituio de 1988, 1996; Juarez
de Freitas, Tendncias atuais e perspectivas da hermenutica
constitucional, Ajuris 76/397; Ruy Samuel Espndola, Conceito de
princpios constitucionais, 1998; Daniel Sarmento, A ponderao de
interesses na Constituio Federal, 2000; Margarida Maria Lacombe
Camargo, Hermenutica e argumentao: uma contribuio ao estudo do
direito, 1999; Oscar Vilhena Vieira, A Constituio e sua reserva de
justia, 1999; Marcos Antonio Maselli de Pinheiro Gouva, A
sindicabilidade dos direitos prestacionais luz de conceitos-chave
contemporneos, 2001; Ana Paula de Barcellos, A eficcia jurdica dos
princpios constitucionais. O princpio da dignidade da pessoa
humana, 2001.
55 Esse fenmeno referido por autores alemes como virada
kantiana. V. a respeito, Ricardo Lobo Torres, em remisso a Otfried
Hffe, Kategorische Rechtsprinzipien. Ein Kontrapunkt der Moderne (O
oramento na Constituio, 1995, p. 90).
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esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado
momento e lugar, materializam-se em princpios, que passam a estar
abrigados na Constituio, explcita ou implicitamente. Alguns nela j
se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem
embargo da evoluo de seus significados. Outros, conquanto clssicos,
sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a separao dos
Poderes e o Estado democrtico de direito. Houve, ainda, princpios
que se incorporaram mais recentemente ou, ao menos, passaram a ter
uma nova dimenso, como o da dignidade da pessoa humana, da
razoabilidade, da solidariedade e da reserva de justia.
A novidade das ltimas dcadas no est, propriamente, na existncia
de princpios e no seu eventual reconhecimento pela ordem jurdica.
Os princpios, vindos dos textos religiosos, filosficos ou
jusnaturalistas, de longa data permeiam a realidade e o imaginrio
do Direito, de forma direta ou indireta. Na tradio judaico-crist,
colhe-se o mandamento de respeito ao prximo, princpio magno que
atravessa os sculos e inspira um conjunto amplo de normas. Da
filosofia grega origina-se o princpio da no-contradio, formulado
por Aristteles, que se tornou uma das leis fundamentais do
pensamento: Nada pode ser e no ser simultaneamente, preceito
subjacente idia de que o Direito no tolera antinomias. No direito
romano pretendeu-se enunciar a sntese dos princpios bsicos do
Direito: Viver honestamente, no lesar a outrem e dar a cada um o
que seu56. Os princpios, como se percebe, vm de longe e desempenham
papis variados. O que h de singular na dogmtica jurdica da quadra
histrica atual o reconhecimento de sua normatividade.
Os princpios constitucionais, portanto, explcitos ou no57,
passam a ser a sntese dos valores abrigados no ordenamento jurdico.
Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados bsicos,
seus fins. Os princpios do unidade e harmonia ao sistema,
integrando suas diferentes partes e atenuando tenses normativas. De
parte isto, servem de guia para o intrprete, cuja atuao deve
pautar-se pela identificao do princpio maior que rege o tema
apreciado, descendo do mais genrico ao mais especfico, at chegar
formulao da regra concreta que vai reger a espcie. Estes os papis
desempenhados pelos princpios: a) condensar valores; b) dar unidade
ao sistema; c) condicionar a atividade do intrprete.
56 Ulpiano, Digesto 1.1.10.1: Honeste vivere, alterum non
laedere, suum cuique tribuere. V. Paulo Nader, Filosofia do
Direito, 2000, p. 82; e Jacob Dolinger, Evolution of principles for
resolving conflicts in the field of contracts and torts, Recueil
des Cours, v. 283, pp. 203 ss, Hague Academy of International
Law.
57 Lus Roberto Barroso, Interpretao e aplicao da Constituio,
1999, p. 149: Os grandes princpios de um sistema jurdico so
normalmente enunciados em algum texto de direito positivo. No
obstante, (...) tem-se, aqui, como fora de dvida que esses bens
sociais supremos existem fora e acima da letra expressa das normas
legais, e nelas no se esgotam, at porque no tm carter absoluto e
esto em permanente mutao. Em deciso do Tribunal Constitucional
Federal alemo: O direito no se identifica com a totalidade das leis
escritas. Em certas circunstncias, pode haver um mais de direito em
relao aos estatutos positivos do poder do Estado, que tem a sua
fonte na ordem jurdica constitucional como uma totalidade de
sentido e que pode servir de corretivo para a lei escrita; tarefa
da jurisdio encontr-lo e realiz-lo em suas decises. BVerGE 34, 269,
apud Jrgen Habermas, Direito e democracia: entre facticidade e
validade, v. 1, 1997, p. 303.
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Na trajetria que os conduziu ao centro do sistema, os princpios
tiveram de conquistar o status de norma jurdica, superando a crena
de que teriam uma dimenso puramente axiolgica58, tica, sem eficcia
jurdica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmtica moderna
avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas
constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes
categorias diversas: os princpios e as regras. Normalmente, as
regras contm relato mais objetivo, com incidncia restrita s situaes
especficas s quais se dirigem. J os princpios tm maior teor de
abstrao e uma finalidade mais destacada no sistema. Inexiste
hierarquia entre ambas as categorias, vista do princpio da unidade
da Constituio. Isto no impede que princpios e regras desempenhem
funes distintas dentro do ordenamento.
A distino qualitativa entre regra e princpio um dos pilares da
moderna dogmtica constitucional, indispensvel para a superao do
positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras jurdicas.
A Constituio passa a ser encarada como um sistema aberto de
princpios e regras, permevel a valores jurdicos suprapositivos, no
qual as idias de justia e de realizao dos direitos fundamentais
desempenham um papel central. A mudana de paradigma nessa matria
deve especial tributo sistematizao de Ronald Dworkin59. Sua
elaborao acerca dos diferentes papis desempenhados por regras e
princpios ganhou curso universal e passou a constituir o
conhecimento convencional na matria.
Regras so proposies normativas aplicveis sob a forma de tudo ou
nada (all or nothing). Se os fatos nela previstos ocorrerem, a
regra deve incidir, de modo direto e automtico, produzindo seus
efeitos. Por exemplo: a clusula constitucional que estabelece a
aposentadoria compulsria por idade uma regra. Quando o servidor
completa setenta anos, deve passar inatividade, sem que a aplicao
do preceito comporte maior especulao. O mesmo se passa com a norma
constitucional que prev que a criao de uma autarquia depende de lei
especfica. O comando objetivo e no d margem a elaboraes mais
sofisticadas acerca de sua incidncia. Uma regra somente deixar de
incidir sobre a hiptese de fato que contempla se for invlida, se
houver outra mais especfica ou se no estiver em vigor. Sua aplicao
se d, predominantemente, mediante subsuno.
Princpios contm, normalmente, uma maior carga valorativa, um
fundamento tico, uma deciso poltica relevante, e indicam uma
determinada direo a seguir. Ocorre que, em uma ordem pluralista,
existem outros princpios que abrigam decises, valores ou
fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A coliso de
princpios, portanto, no s possvel, como faz parte da lgica do
sistema, que dialtico. Por isso a sua incidncia no pode ser posta
em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se
reconhecer aos princpios uma dimenso de peso ou importncia. vista
dos
58 A axiologia est no centro da filosofia e tambm referida como
teoria dos valores, por consistir, precisamente, na atribuio de
valores s coisas da vida. V. Miguel Reale, Filosofia do direito,
2000, p. 37 ss.
59 Ronald Dworikin, Taking rights seriously, 1997 (a primeira
edio de 1977).
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elementos do caso concreto, o intrprete dever fazer escolhas
fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitveis, como
os que existem entre a liberdade de expresso e o direito de
privacidade, a livre iniciativa e a interveno estatal, o direito de
propriedade e a sua funo social. A aplicao dos princpios se d,
predominantemente, mediante ponderao60.
Nesse contexto, impe-se um breve aprofundamento da questo dos
conflitos normativos. O Direito, como se sabe, um sistema de normas
harmonicamente articuladas. Uma situao no pode ser regida
simultaneamente por duas disposies legais que se contraponham. Para
solucionar essas hipteses de conflito de leis, o ordenamento
jurdico se serve de trs critrios tradicionais: o da hierarquia pelo
qual a lei superior prevalece sobre a inferior , o cronolgico onde
a lei posterior prevalece sobre a anterior e o da especializao em
que a lei especfica prevalece sobre a lei geral61. Estes critrios,
todavia, no so adequados ou plenamente satisfatrios quando a coliso
se d entre normas constitucionais, especialmente entre os princpios
constitucionais, categoria na qual devem ser situados os conflitos
entre direitos fundamentais62. Relembre-se: enquanto as normas so
aplicadas na plenitude da sua fora normativa ou, ento, so violadas
, os princpios so ponderados.
A denominada ponderao de valores ou ponderao de interesses a
tcnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um
dos princpios contrapostos. Como no existe um critrio abstrato que
imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, vista do caso
concreto, fazer concesses recprocas, de modo a produzir um
resultado socialmente desejvel, sacrificando o mnimo de cada um dos
princpios ou direitos fundamentais em oposio. O legislador no pode,
arbitrarimente, escolher um dos interesses em jogo e anular o
outro, sob pena de violar o texto constitucional. Seus balizamentos
devem ser o princpio da razoabilidade (v.
60 O tema foi retomado, substancialmente sobre as mesmas
premissas, pelo autor alemo Robert Alexy (Teoria de los derechos
fundamentales, 1997, p. 81 ss), cujas idias centrais na matria so
resumidas a seguir. As regras veiculam mandados de definio, ao
passo que os princpios so mandados de otimizao. Por essas expresses
se quer significar que as regras (mandados de definio) tm natureza
biunvoca, isto , s admitem duas espcies de situao, dado seu
substrato ftico tpico: ou so vlidas e se aplicam ou no se aplicam
por invlidas. Uma regra vale ou no vale juridicamente. No so
admitidas gradaes. A exceo da regra ou outra regra, que invalida a
primeira, ou a sua violao.
Os princpios se comportam de maneira diversa. Como mandados de
otimizao, pretendem eles ser realizados da forma mais ampla
possvel, admitindo, entretanto, aplicao mais ou menos intensa de
acordo com as possibilidades jurdicas existentes, sem que isso
comprometa sua validade. Esses limites jurdicos, capazes de
restringir a otimizao do princpio, so (i) regras que o excepcionam
em algum ponto e (ii) outros princpios de mesma estatura e opostos
que procuram igualmente maximizar-se, impondo a necessidade
eventual de ponderao.
61 Sobre antinomias e critrios para solucion-las, v. Norberto
Bobbio, Teoria do ordenamento jurdico, 1990, pp. 81 e ss.
62 Robert Alexy, Coliso e ponderao como problema fundamental da
dogmtica dos direitos fundamentais, mimeografado, palestra
proferida na Fundao Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, em
11.12.98, p. 10: As colises dos direitos fundamentais acima
mencionados devem ser consideradas, segundo a teoria dos princpios,
como uma coliso de princpios.
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infra) e a preservao, tanto quanto possvel, do ncleo mnimo do
valor que esteja cedendo passo63. No h, aqui, superioridade formal
de nenhum dos princpios em tenso, mas a simples determinao da soluo
que melhor atende o iderio constitucional na situao
apreciada64.
Cabe assinalar, antes de encerrar a discusso acerca da distino
qualitativa entre regra e princpio, que ela nem sempre singela. As
dificuldades decorrem de fatores diversos, como as vicissitudes da
tcnica legislativa, a natureza das coisas e os limites da
linguagem. Por vezes, uma regra conter termo ou locuo de contedo
indeterminado, aberto ou flexvel, como, por exemplo, ordem pblica,
justa indenizao, relevante interesse coletivo, melhor interesse do
menor65. Em hipteses como essas, a regra desempenhar papel
semelhante ao dos princpios, permitindo ao intrprete integrar com
sua subjetividade o comando normativo e formular a deciso concreta
que melhor ir reger a situao de fato apreciada. Em algumas situaes,
uma regra excepcionar a aplicao de um princpio. Em outras, um
princpio poder paralisar a incidncia de uma regra. Enfim, h um
conjunto amplo de possibilidades nessa matria. Esta no , todavia, a
instncia prpria para desenvolv-las.
A perspectiva ps-positivista e principiolgica do Direito
influenciou decisivamente a formao de uma moderna hermenutica
constitucional. Assim, ao lado dos princpios materiais envolvidos,
desenvolveu-se um catlogo de princpios instrumentais e especficos
de interpretao constitucional66. Do ponto de vista metodolgico, o
problema concreto a ser
63 Juarez de Freitas, Tendncias atuais e perspectivas da
hermenutica constitucional, Ajuris 76/397, resgata um bom exemplo:
Caso emblemtico no Direito Comparado o do prisioneiro que faz greve
de fome. Aps acesa polmica, a soluo encontrada foi a de fazer valer
o direito vida sobre a liberdade de expresso, contudo o soro
somente foi aplicado quando o grevista caiu inconsciente, uma vez
que, neste estado, no haveria sentido falar propriamente em
liberdade de expresso.
64 Sobre o tema, na doutrina alem, Robert Alexy, Coliso e
ponderao como problema fundamental da dogmtica dos direitos
fundamentais, mimeografado, palestra proferida na Fundao Casa de
Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, em 11.12.98; Karl Larenz,
Metodologia da cincia do direito, 1997, pp. 164 ss; Klaus Stern,
Derecho del Estado de la Republica Federal alemana, 1987, p. 295.
Na doutrina nacional, vejam-se Lus Roberto Barroso, Interpretao e
aplcao da Constituio, 1999, p. 192; e Ricardo Lobo Torres, Da
ponderao de interesses ao princpio da ponderao, 2001, mimeografado.
E, ainda, as dissertaes de mestrado de Daniel Sarmento, A ponderao
de interesses na Consituio Federal, 2000, e de Marcos Antonio
Maselli de Pinheiro Gouva, A sindicabilidade dos direitos
prestacionais, 2001, mimeografado, onde averbou: No mais das vezes,
contudo, a aplicao da norma constitucional ou legal no pode ser
efetuada de modo meramente subsuntivo, dada a existncia de
princpios colidentes com o preceito que se pretende materializar
(...) luz do conceito-chave da proporcionalidade, desenvolveu-se o
mtodo de ponderao pelo qual o magistrado, considerando-se a
importncia que os bens jurdicos cotejados tm em tese mas tambm as
peculiaridades do caso concreto, poder prover ao direito postulado,
fundamentando-se na precedncia condicionada deste sobre os
princpios contrapostos (p. 381).
65 V. Jos Carlos Barbosa Moreira, Regras de experincia e
conceitos jurdicos indeterminados, in Temas de direito processual,
Segunda Srie, 1980, pp. 61 ss.
66 Lus Roberto Barroso, Interpretao e aplicao da Constituio,
1999, identifica o seguinte catlogo de princpios de interpretao
especificamente constitucional: supremacia da
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resolvido passou a disputar com o sistema normativo a primazia
na formulao da soluo adequada67, soluo que deve fundar-se em uma
linha de argumentao apta a conquistar racionalmente os
interlocutores68, sendo certo que o processo interpretativo no tem
como personagens apenas os juristas, mas a comunidade como um
todo69.
O novo sculo se inicia fundado na percepo de que o Direito um
sistema aberto de valores. A Constituio, por sua vez, um conjunto
de princpios e regras destinados a realiz-los, a despeito de se
reconhecer nos valores uma dimenso suprapositiva. A idia de
abertura se comunica com a Constituio e traduz a sua permeabilidade
a elementos externos e a renncia pretenso de disciplinar, por meio
de regras especficas, o infinito conjunto de possibilidades
apresentadas pelo mundo real70. Por ser o principal canal de
comunicao entre o sistema de valores e o sistema jurdico, os
princpios no comportam enumerao taxativa. Mas, naturalmente, existe
um amplo espao de consenso, onde tm lugar alguns dos protagonistas
da discusso poltica, filosfica e jurdica do sculo que se encerrou:
Estado de direito democrtico, liberdade, igualdade, justia.
Constituio, presuno de constitucionalidade das leis e dos atos
emanados do Poder Pblico, interpretao conforme a Constituio,
unidade da Constituio, razoabilidade e efetividade. Para uma
sistematizao sob perspectiva diversa, v. Juarez de Freitas,
Tendncias atuais e perspectivas da hermenutica constitucional,
Ajuris 76/397.
67 O mtodo tpico aplicado ao problema funda-se em um modo de
raciocnio voltado para o problema e no para a norma. A deciso a ser
produzida deve basear-se no exame de um conjunto de elementos, de
topoi (pontos de vista) relevantes para o caso alm da norma, os
fatos, as conseqncias, os valores , que dialeticamente ponderados,
permitem a soluo justa para a situao concreta examinada. O trabalho
clssico no tema de Theodor Viehweg, Tpica e jurisprudncia, 1979 (1
edio do original Topik und Jurisprudenz de 1953).
68 A obra fundamental da denominada teoria da argumentao do
belga Chaim Perelman, em parceria com Lucie
Olbrechts-Tyteca:Tratado da Argumentao: a nova retrica, 1996 (1
edio do original Trait de largumentation: la nouvelle rhetorique,
1958). Vejam-se, tambm, Antnio Carlos Cavalcanti Maia, Notas sobre
direito, argumentao e democracia, in Margarida Maria Lacombe
Camargo (org.), 1988-1998: uma dcada de Constituio, 1999; e Daniel
Sarmento, A ponderao de interesses na Constituio Federal, p. 89-90,
onde averbou: No campo das relaes humanas, as discusses se do em
torno de argumentos, prevalecendo aquele que tiver maiores condies
de convencer os interlocutores. No h verdades apodticas, mas
escolhas razoveis, que so aquelas que podem ser racionalmente
justificadas, logrando a adeso do auditrio.
69 Peter Hberle, Hermenutica constitucional. A sociedade aberta
dos intrpretes da Constituio: contribuio para a interpretao
pluralista e procedimental da Constituio, 1997 (1 edio do original
Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag zur
pluralistischen und prozessualen Verfassungsinterpretation, 1975),
p. 13: Prope-se, pois, a seguinte tese: no processo de interpretao
constitucional esto potencialmente vinculados todos os rgos
estatais, todas as potncias pblicas, todos os cidados e grupos, no
sendo possvel estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com
numerus clausus de intrpretes da Constituio.
70 V. Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento sistemtico e conceito de
sistema na cincia do direito, 1996, p. 281: (O sistema jurdico) no
fechado, mas antes aberto. Isto vale tanto para o sistema de
proposies doutrinrias ou sistema cientfico, como para o prprio
sistema da ordem jurdica, o sistema objetivo. A propsito do
primeiro, a abertura significa a incompletude do conhecimento
cientfico, e a propsito do ltimo, a mutabilidade dos valores
jurdicos fundamentais.
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H dois outros princpios que despontaram no Brasil nos ltimos
anos: o da razoabilidade e o da dignidade da pessoa humana. O
primeiro percorreu longa trajetria no direito anglo-saxo
notadamente nos Estados Unidos71 e chegou ao debate nacional
amadurecido pela experincia alem, que o vestiu com o figurino da
argumentao romano-germnica e batizou-o de princpio da
proporcionalidade72. O segundo a dignidade da pessoa humana ainda
vive, no Brasil e no mundo, um momento de elaborao doutrinria e de
busca de maior densidade jurdica. Procura-se estabelecer os
contornos de uma objetividade possvel, que permita ao princpio
transitar de sua dimenso tica e abstrata para as motivaes racionais
e fundamentadas das decises judiciais.
O princpio da razoabilidade73 um mecanismo para controlar a
discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao
Judicirio invalidar atos legislativos ou administrativos quando:
(a) no haja adequao entre o fim perseguido e o meio empregado; (b)
a medida no seja exigvel ou necessria, havendo caminho alternativo
para chegar ao mesmo resultado com menor nus a um direito
individual; (c) no haja proporcionalidade em sentido estrito, ou
seja, o que se perde com a medida tem maior relevo do que aquilo
que se ganha. O princpio, com certeza, no liberta o juiz dos
limites e possibilidades oferecidos pelo ordenamento. No de
voluntarismo que se trata. A razoabilidade, contudo, abre ao
Judicirio uma estratgia de ao construtiva para produzir o melhor
resultado, ainda quando no seja o nico possvel ou mesmo aquele que,
de maneira mais bvia, resultaria da aplicao acrtica da lei. A
jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal tem se valido do princpio
para invalidar discriminaes infundadas, exigncias absurdas e mesmo
vantagens indevidas.
71 Para uma breve anlise da evoluo histrica da razoabilidade no
direito norte-
americano, a partir da clusula do devido processo legal, v. Lus
Roberto Barroso, Interpretao e aplicao da Constituio, 1999, pp. 209
ss. V. tambm, Marcos Antonio Maselli de Pinheiro Gouva, O princpio
da razoabilidade na jurisprudncia contempornea das cortes
norte-americanas, Revista de Direito da Associao dos Procuradores
do Novo Estado do Rio de Janeiro, vol. V, 2000.
72 Guardada a circunstncia de que suas origens reconduzem a
sistemas diversos ao americano em um caso e ao alemo em outro
razoabilidade e proporcionalidade so conceitos prximos o suficiente
para serem intercambiveis. Cabe a observao, contudo, de que a
trajetria do princpio da razoabilidade fluiu mais ligada ao
controle dos atos normativos, ao passo que o princpio da
proporcionalidade surgiu ligado ao direito administrativo e ao
controle dos atos dessa natureza. Vale dizer: em suas matrizes,
razoabilidade era mecanismo de controle dos atos de criao do
direito, ao passo que proporcionalidade era critrio de aferio dos
atos de concretizao. Em linha de divergncia com a equiparao aqui
sustentada, v. Humberto Bergmann vila, A distino entre princpios e
regras e a redefinio do dever de proporcionalidade, Revista de
Direito Administrativo 215/151, 1999.
73 Sobre o tema, vejam-se alguns trabalhos monogrficos
produzidos nos ltimos anos: Raquel Denize Stumm, Princpio da
proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, 1995;
Suzana Toledo de Barros, O princpio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos
fundamentais, 1996; Paulo Armnio Tavares Buechele, O princpio da
proporcionalidade e a interpretao da Constituio, 1999. Tambm em
lngua portuguesa, com traduo de Ingo Wolfgang Sarlet, Heinrich
Scholler, O princpio da proporcionalidade no direito constitucional
e administrativo da Alemanha, Interesse Pblico 2/93, 1999.
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O princpio da dignidade da pessoa humana74 identifica um espao
de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua s
existncia no mundo. um respeito criao, independente da crena que se
professe quanto sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a
liberdade e valores do esprito como com as condies materiais de
subsistncia. O desrespeito a este princpio ter sido um dos estigmas
do sculo que se encerrou e a luta por sua afirmao um smbolo do novo
tempo75. Ele representa a superao da intolerncia, da discriminao,
da excluso social, da violncia, da incapacidade de aceitar o outro,
o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e
criar.
Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores
civilizatrios incorporados ao patrimnio da humanidade. O contedo
jurdico do princpio vem associado aos direitos fundamentais,
envolvendo aspectos dos direitos individuais, polticos e sociais.
Seu ncleo material elementar composto do mnimo existencial76, locuo
que identifica o conjunto de bens e utilidades bsicas para a
subsistncia fsica e indispensvel ao desfrute da prpria liberdade.
Aqum daquele patamar, ainda quando haja sobrevivncia, no h
dignidade. O elenco de prestaes que compem o mnimo existencial
comporta variao conforme a viso subjetiva de quem o elabore, mas
parece
74 Alguns trabalhos monogrficos recentes sobre o tema: Jos
Afonso da Silva,
Dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia,
Revista de Direito Administrativo 212/89; Carmen Lcia Antunes
Rocha, O princpio da dignidade da pessoa humana e a excluso social,
Anais da XVII Conferncia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil,
1999; Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituio brasileira de 1988, 2001; Cleber
Francisco Alves, O princpio constitucional da dignidade da pessoa
humana, 2001; Ana Paula de Barcellos, A eficcia jurdica dos
princpios c