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Marxismo Analtico & Funcionalismo
Prof. Srgio Luis Boeira* Faculdade de Comunicao e Artes -
FACOART Universidade do Vale do Itajai
Doutorando do Programa Interdisciplinar em Cincias Humanas
Sociedade e Meio Ambiente - CFH UFSC
Resumo
Este artigo tem por objetivo participar do debate sobre marximo
analtico, funcionalismo e teoria dos jogos, iniciado por Jon
Elster, Cohen e Andrs de Francisco entre 1988 e 1990. As teses
destes autores so confrontadas e hierarqui-zadas com base na
pertinncia de seus principais conceitos (individualismo
metodolgico, holismo radical, funcionalismo, etc.). A questo da
interdis-ciplinaridade enfatizada, com
Abstract
This article aims to contribute to the debate on analytical
marxism, functiona-lism, and game theory as begun by Jon Elster,
Cohen and Andr de Francisco between 1988 and 1990. These authors'
theses are contrasted and hierarchically organized accor-ding to
the relevance of their main concepts (methodological individualism,
radical holism, functionalism, etc.). The inter-disciplinary issue
is emphasized
* Agradeo os comentrios do Dr. Paulo Krischke a primeira verso
deste trabalho.
Revista de Cincias Humanas Florianpolis v. 14 n.20 p.9-34
1996
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uma anlise
critica da relao entre marxismo
analtico (principalmente o conceito de foras
produtivas) e meio am-biente.
Palavras-chave: Funciona-lismo, Marxismo, Teoria dos Jogos, Meio
Ambiente.
by means of a critical analysis of the relation between the
environment and analytic marxism (mainly the concept of productive
forces). Keywords: Funcionalism, marxism, Theory of games,
environment.
Introduo
0 presente artigo tem como objetivo participar do debate sobre
marxismo, funcionalismo e teoria dos jogos (Elster, 1989a e 1989b;
Cohen, 1990; Francisco, 1988).
1 Funcionalismo 2 Marxismo analitico e tica 3 Individualismo
metodolgico e anti-reducionismo 4 Elster e a crtica ao
funcionalismo em Marx 5 Cohen e a teoria da histria em Marx 6
Contribuies ao debate
1 Funcionalismo:
O termo funcionalismo no designa uma teoria, mas uma tendncia
metodolgica que perpassa as cincias naturais e sociais. No mbito
destas ltimas, a trajetria do termo constitui-se de trs fases: de
valorizao, de depreciao e de revalorizao critica.
Na primeira fase, ainda no sculo XIX, a nog -do de funo
(mas no de funcionalismo) est presente nas cincias sociais na
medida em que estas procuram imitar o mtodo das cincias naturais e
exatas, particularmente a biologia e a
fsica. Os
paradigmas newtoniano (mecanicista), darwiniano
(evolucionista,
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organicista), cartesiano (dualista), positivista e liberal
formam o contexto no qual os cientistas sociais pensam as regras de
funcionamento das sociedades, ou melhor, os seus segredos revelados
em forma de leis (estruturais) e funes correspon-dentes. Por
exemplo: a lei de oferta/demanda e preo, no
mbito da economia.
O termo funcionalismo surge na dcada de 1930, por iniciativa de
antroplogos e etnlogos, como Malinowski e Radcliffe-Brown, enquanto
este concebe a ordem social como essencialmente normativa (seguindo
Durkheim), Malinowski v na mesma a satisfao das necessidades
humanas (alimentao, abrigo, segurana, etc.). Nos anos 40 estes dois
autores trabalham na Universidade de Chicago e contribuem para o
reforo
da ideologia dominante ao conceber a sociedade como um sistema
basicamente harmnico, em que os conflitos podem ser tratados como
inocentes tenses. Tais perturbaes so desvendadas pela cincia como
simples preparao para uma ordem mais satisfatria.
Depois destes, outros dois funcionalistas norte-americanos
marcam poca: Talcott Parsons e Robert Merton. Parsons intitula seus
primeiros escritos (at meados dos anos 50) de
"estrutural-funcionalismo" . 0 sistema normativo apresentado por
ele como funcional na medida em que resolve os problemas provocados
pela situao ou estrutura (contexto definido como conjunto de
restries estveis e coerentes no qual esta colocado o sistema de
ao). Parsons abandona a expresso estrutural-funcionalismo em 1960,
talvez devido ao risco de cair no tautologismo, ao forar a
congruncia entre estrutura/situao e funo (ou soluo funcional), ou
ao fazer da primeira o decalque (reproduo mimtica) da segunda.
Com
Parsons, portanto, termina a fase de valorizao e tem inicio a da
depreciao do termo. Robert Merton empenha-se em dissociar a nog -do
de funo
da de finalidade. Para isso ele destaca alguns fenmenos cujos
resultados, sem corresponder As expectativas iniciais dos atores,
procedem de suas iniciativas e de suas intenes ou, antes, da
maneira pela qual se combinam e das diversas
coeres a que esta sujeita sua ao. Merton
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aplica o mtodo no sociedade como um todo, mas a partes
especificas da estrutura social. Ele distingue entre
funes explicitas e latentes.
Buscar a funo latente de uma regra ou de um costume no procurar
sua finalidade o lugar que ela ocuparia no contexto social;
investigar seu sentido, a maneira pela qual esse sentido se
constituiu e se mantm. Por isso, "o conceito de
funo sai ileso das criticas dirigidas ao funcionalismo",
concluem Boudon e Bourricaud (1993).
O funcionalismo tem sido apontado como ideologia conservadora,
mas Merton sustenta que, se h um vis de direita, tambm h uma
interpretao de esquerda. Com
o reconhecimento deste fato, tem inicio uma revalorizacdo
critica da nog -6o de funcionalismo, com o debate sobre sua
presena e validade ou no nos textos de Marx.
Enquanto Elster se destaca como critico do funcionalismo nas
cincias sociais e particularmente no marxismo, Cohen critica Elster
por interpretar superficialmente a anlise funcional e reconhece
que, de fato, h explicaes funcionais em Marx. Mas veremos isso por
partes.
2 Marxismo analtico e tica:
Andrs de Francisco (1988), concordando com P Anderson, afirma
que o marxismo ocidental tem sido vitima de dois grandes desvios:
da pratica politica do movimento operrio, por um lado, e em direo a
filosofia, a esttica e
a teoria do conhecimento, por outro. A causa bsica destes
desvios parece ser a ausncia de revolues nos 'Daises capitalistas
avanados e a ausncia de um proletariado autnomo desde a
ultima grande guerra. Assim, a
Escola de Frankfurt desenvolveu, diz ele, uma teoria critica que
resultou na reduo da cincia e da politica a filosofia. A sociedade
capitalista teria, segundo esta critica, chegado a integrao via
implantao da razo instrumental, do principio formal do clculo, com
o conseqente desencantamento do mundo contemporneo.
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Assim, para a Escola de Frankfurt a especulao filosfica
substituiria a investigao
emprica, j que estava dissolvida toda
unido entre teoria e praxis. Entretanto, assinala Francisco,
desde meados dos anos 700
panorama do marxismo tem dado uma guinada de 180 graus. Surge
um
outro tipo de cultura marxista, orientada primordialmente
no sentido das questes de ordem econmica, poltica
ou social. Nisto o autor v a superao da chamada "crise do
marxismo". Ele observa, tambm, que tem havido simultaneamente um
deslocamento geogrfico da criao marxista em direo ao mundo de
lingua inglesa, paralelo ao colapso da tradio latina, francesa e
principalmente italiana.
0 marxismo analtico
que, assim, emerge critica o "primitivism() metodolgico" da
cincia social do sculo XIX. E avana
interdisciplinariamente, estabelecendo uma distino bsica
entre teoria e mtodo. Para os marxistas analticos no h um mtodo
marxista, um procedimento explicativo
caracterstico com
origem em Marx. 0 que h de especifico o "conjunto de
pressupostos tericos contidos no corpus doutrinal do materialismo
histrico" (Francisco, 1988:220).
Mas a distino
entre teoria e mtodo deve ser vista como problemtica, sustenta
Francisco, observando diferenas entre os marxistas
analticos. HA quem aceite a anlise funcional como
inerente ao materialismo histrico (Cohen) e quem utilize a
teoria dos jogos (Elster) como ncleo de atualizao do marxismo.
Andrs de Francisco observa tambm que o marxismo analtico
acaba por isolar a reflexo sobre tica daquela que feita sobre
teoria e mtodo. "Com efeito, toda teoria cientifica
independentemente do mtodo aplicado aspira a explicar a realidade,
no a valor-la", diz ele, acrescentando que "a tica patrimnio da
filosofia, no da
cincia". 0 autor se conforma em
constatar o fato, reconhecendo mas no analisando a fragmentao
ontolgica que esta posio supe.
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O filsofo Karl-Otto Apel, um herdeiro contemporneo da Escola de
Frankfurt, certamente discordaria da passividade de Francisco
quanto a este tema. A principal preocupao de Apel encontrar uma
soluo democrtica e racional para a tica. Ele analisa as tradies
iluministas, particularmente a obra de Kant, e conclui que h uma
contradio inerente s cincias, na medida em que a tica foi associada
a irracionalidade e vida privada, enquanto a racionalidade, em si,
pressupe acordo quanto a normas ticas. (Ape!, 1994).
No marxismo, observa Apel, o partido revolucionrio que impe uma
moral altrusta. Tanto as cincias naturais ou exatas quanto as
sociais e empricas surgiram afastando-se dos juizos de valor, mas
s6 o fizeram porque explica ele encobriram a necessidade de acordo
sobre valores que todo discurso racional requer. A argumentao neste
sentido consistente e coloca em xeque a honestidade dos cientistas.
Apel aposta na constituio de uma comunidade de comunicao e numa
tica do discurso, semelhana do que faz Habermas.
Resta, portanto, o alerta: o marxismo analtico, na sua guinada
de 180 graus em relao filosofia, pode estar deixando pelo caminho
contribuies fundamentais desta.
3 Individualismo metodolgico e anti-reducionismo:
Andrew Levine, Elliot Sober e Erik Olin Wright (Levine et
a1,1989) definem algumas expresses que permeiam o marxismo
analtico, tais como "individualismo metodolgico",
"anti-reducionisrno", "holismo radical" e "atomismo'. O objetivo
dos autores criticar a posio de Jon Elster que defende o
individualismo metodolgico e, a partir deste, a teoria dos jogos
como forma de encontrar microfundamentos e superar o
funcionalismo.
No debate terico, os que defendem o individualismo metodolgico
rotulam os anti-reducionistas como holistas radicais e os
defensores de posies anti-reducionistas s vezes
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tratam os adeptos do individualismo metodolgico como atomistas.
Levine, Sober e Wright partem destas constataes.
O atomismo, dizem eles, uma concepo metodolgica que nega toda
capacidade explicativa as relaes, quer se dem entre
indivduos, quer se produzam entre entidades sociais. Os
autores argumentam que as relaes entre as pessoas, e no somente
as
crenas e desejos destas, so fatores importantes na explicao
dos
fenmenos sociais.
0 individualismo metodolgico (IM) compartilha com o atomismo a
concepo de que a explicao sociolgica 6, em ltima instncia,
redutvel ao
nvel individual. Elster define o IM como:
a doutrina de que todos os fenmenos sociais sua estrutura e sua
mudana so, em
princpio, explicveis por fatores que envolvem apenas as pessoas,
suas propriedades, seus objetivos, suas crenas e suas aes. Passar
das instituies sociais e dos padres agregados de comportamento para
os
indivduos uma operao semelhante passagem das clulas s molculas.
(Elster, 1989a). Note-se que Elster utiliza o termo "doutrina" na
sua
definio.
E veja-se a comparao que Edgar Morin faz entre ideologia, teoria
e doutrina:
0 que uma ideologia do ponto de vista informacional? um sistema
de idias feito para controlar, acolher, rejeitar a informao. Se a
ideologia teoria, ela 6, em principio, aberta informao que no
conforme a ela, que a pode questionar. Se doutrina, ela 6, em
principio, fechada a toda informao no-conforme. (Morin, 1986:45).
Levine, Sober e Wright esclarecem que Elster no um
atomista porque aceita que muitas propriedades individuais, como
a de ser poderoso, so inerentemente relacionais, de modo que a
descrio correta de um
indivduo pode implicar a referncia a
outros. O IM distingue-se, tambm, do holismo radical (HR) e
do
anti-reducionismo (AR) por sua insistncia em que apenas as
relaes entre indivduos so
irredutveis. Nega que categorias
sociais agregadas tambm o sejam. Para o IM, se uma
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propriedade social explicativa porque pode ser reduzida
propriedades das relaes entre indivduos particulares.
O holismo radical (HR), dizem os criticos de Elster, contrasta
com o IM afirmando que as relaes individuais so essencialmente
epifenmenos das explicaes macrossocio-lgicas. Estas relaes so
geradas pela operao do todo por si mesmas nada explicam. "No se
trata, apenas, de que "o todo mais do que a soma de suas partes",
mas de que o todo a causa exclusiva e as partes so meros artefatos,
ainda que constitudos a partir de relaes sociais. As categorias
macrossociais, como capitalismo, Estado, relaes de classe, no so
apenas irredutveis a processos microssociais: elas no so afetadas
por esses processos" (Levine et al.,1989). Os autores consideram
que na tradio marxista, devido a sua nfase na "totalidade" , esta
presente o HR. Citam como exemplos o raciocinio teleolgico na
teoria da historia, as formulaes extremadas em defesa da
causalidade estrutural e o que se pode chamar de argumento da "ao
coletiva". Concluem que, neste tipo de interpretao, os fatos
sociais explicam os fatos sociais diretamente, sem que haja
qualquer funo interpretativa para os mecanismos que agem no plano
individual.
Levine, Sober e Wright, e tambm Elster, trabalham sobre critrios
apenas metodolgicos, mas mostram-se bastante desatualizados quanto
a histria do termo "holismd (BrCiseke, 1995; Weil, 1987; Brando e
Crema, 1991; Ribeiro, 1989 e Koestler, 1981). Desde 1926, com o
livro Holism() e Evoluo, de Jean Smuts, o termo holismo tem sido
associado a idia de complexidade mais do que de todo ou inteiro,
como indica a raiz grega holos. Certamente houve distores no
sentido do globalisrno, do predomnio do todo sobre as partes, mas
Koestler, em 1968, no Simpsio Beyond Reductionism, apresentou o
conceito de hlon, tornando o debate mais rico e consistente (na
medida em que define hlon como estrutura intermediria e dinmica
entre um todo e suas partes). Finalmente, em 1986, a UNESCO
promoveu em Veneza o colquio A cincia face aos
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confins do conhecimento (Weil, 1987), no qual a abordagem
holistica foi associada interdisciplinaridade e
transdisci-plinaridade.
Em sua Carta Magna a Universidade Holistica Internacional (UnHI)
declara-se "consciente dos perigos do englobamento e da fragmentao
(totalitarismo e reducionismo)". Portanto, a UnHI "pretende
combinar o rigor necessrio
anlise do particular e a
abertura necessria intuio da interrelao inerente a todas as
coisas (holos)". O anti-reducionismo (AR) segundo Levine, Sober
e Wright
reconhece a importncia do plano micro de anlise na explicao dos
fenmenos sociais, mas defende a irredutibilidade das interpretaes
de nvel macro. Para o IM, explicar um fenmeno apenas fornecer uma
descrio dos microme-canismos que o produzem, resumem. O AR, ao
contrrio, no prejulga, diante de um problema, se as explicaes
macrossociais so redutveis afinal a anlises individualistas. Banir
os tipos sociais como objetos de pesquisa empobrecer as finalidades
explicativas da cincia social, bem como contraditar prticas
racionais de anlise, dizem os autores, assumindo-se como marxistas
analticos anti-reducionistas.
4 Elster e a critica ao funcionalismo em Marx:
No artigo "Marxismo, Funcionalismo e Teoria dos Jogos" e no
livro "Marx Hoje" Jon Elster sustenta que:
ao assimilar os princpios da sociologia funcionalista, reforada
pela tradio hegeliana, a anlise social marxista adquiriu uma teoria
aparentemente slida que na verdade encoraja o pensamento indolente
e a ausncia de polmica.
Alm disso, acusa os marxistas de terem rejeitado a teoria da
escolha racional e em particular a teoria dos jogos, que de "valor
inestimvel para qualquer anlise do processo histrico centrado na
explorao, conflito, alianas e revoluo" (Elster, 1989b). Ele
suspeita que a recusa esteja relacionada 6 idia de
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que o individualismo metodolgico (IM) traduz o individualismo no
sentido tico ou politico e, por isso, argumenta em favor do IM tal
como foi definido anteriormente.
Elster tem por objetivo encontrar microfundamentos para a anlise
social e por isso critica a teoria marxista do Estado ou da
ideologia que esto em "estado lastimvel". Em particular, diz ele,
os marxistas no aceitaram o desafio de mostrar como a hegemonia
ideolgica se gera e se consolida no plano individual. Portanto, a
psicologia social, no seu entender, deveria ser para a teoria
marxista da ideologia o que a microeconomia para a economia
marxista. Sem um conhecimento "slido sobre os mecanismos que operam
em
nvel individual" as teses marxistas
de amplo alcance sobre rnacroestruturas e as mudanas de longo
prazo
"esto condenadas a permanecer como especulaes"
(Elster, 1989b:165). Elster passa, ento, anlise do
funcionalismo, cuja origem
esta:
provavelmente na teodicia crista, que alcana seu apogeu em
Leibniz: tudo para o melhor no melhor dos mundos
possveis. Os males tm
conseqncias positivas de um ponto de vista mais amplo, e devem
ser explicados por estas conseqncias.
Vimos anteriormente que o funcionalismo passou por trs fases.
Elster, no entanto, discordaria desta percepo seqencial, afirmando
que na realidade existem trs paradigmas funcionalistas: um fraco,
um principal e um forte. Ele considera que todos permeiam as
cincias sociais e que isto uma falha grave, j que, nestas, s
deveriam ter lugar as explicaes causais e as intencionais.
Nas cincias sociais, segundo esta posio,
pode-se fazer distino entre causalidade subintencional e
causalidade supra intencional.
A primeira se refere a processos causais que ocorrem dentro
do
indivduo, na formao ou perverso de suas
intenes.
A ltima se refere a interao causal entre individuos. 0
comportamento humano e o comportamento animal
devem ; segundo Elster, ser estudados com as
noes de
funo e
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de inteno
como idias reguladoras. Nem todo comportamento animal funcional
e nem todo comportamento humano racional ou intencional. 0 autor
apenas presume que esses casos sejam tpicos.
Na anlise da metodologia marxista (Elster, 1989a:35 a 55), o
autor rejeita em bloco trs elementos formadores desta: o holismo
metodolgico, a explicao funcional e a deduo dialtica. Todos tendem
a bloquear a busca de microfundamentos, que devem ser investigados
a partir de dentro, "endogenamente", diz Elster, na defesa do
individualismo metodolgico. Este considerado "uma forma de
reducionismo", que "nos leva a explicar fenmenos complexos em
termos de seus componentes mais simples". Este principio
reducionista, prprio do paradigma dominante nas cincias (Santos,
1993), visto por Elster como uma "estratgia fundamental da cincia",
responsvel pela criao de disciplinas como a biologia molecular e
a
fsico-qumica. Na perspectiva deste autor, Marx falha ao utilizar
a explicao
funcional tanto para dar conta da estabilidade das sociedades
como para
demonstrar sua tendncia inerente a desenvolver-se na direo
do comunismo. Apesar disso, afirma que Marx tambm teve "intuies
extremamente inovadoras".
1-16 na obra marxista "duas instncias principais de holismo
metodolgico": o capital, como entidade coletiva
irredutvel
firmas individuais, e
humanidade, que aparece no materialismo histrico como sujeito
coletivo, cujo florescimento no comunismo, constitui o fim da
histria.
Marx freqentemente aponta para as necessidades dessas entidades
coletivas a fim de explicar eventos e instituies que aparecem, como
que por magia, para atender aquelas necessidades. Sua
crena na lgica
independente dos agregados s vezes enfraquece sua motivao ao
estudo mais fino da estrutura e das mudanas sociais. Elementos
especulativos coexistem, muitas vezes no mesmo trabalho, com
proposies mais solidamente fundamentadas (Elster, 1989a:39). At
aqui, Elster parece combater toda forma de
estruturalismo. Mas ele reconhece que:
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sabemos alguma coisa sobre: como crenas e preferncias so
moldadas pela estrutura social. Existem, em particular, evidncias
de que as pessoas ajustam seus desejos ou crenas de modo a reduzir
a dissonancia cognitiva, isto 6, a tenso produzida quando se
acredita que no se pode alcanar aquilo que se quer. Os oprimidos
freqentemente acabam por aceitar sua situao porque muito dificil
viver a alternativa. Mas sabemos muito pouco sobre os limites
dentro dos quais esse mecanismo opera, e alm dos quais a revolta se
torna uma possibilidade real. (Op.cit.:43). Com esta afirmagdo, o
autor se contradiz, reconhecendo a
forte influncia das estruturas sociais. A causa da aceitao da
opresso e da dissonncia cognitiva acima referidas ultrapassa a
causalidade subintencional e a supra-intencional, j que h uma
moldagem estrutural implicada. Quer sejam encontrados ou no os
micro fundamentos neste caso, Elster j conhece sua causa
contraditria com relao ao dogma do individualismo metodolgico.
Cabe lembrar a anlise de Michael Taylor sobre as revolues
francesa, chinesa e russa, nas quais o autor mostra a forte relao
entre ao coletiva, racionalidade e estruturas sociais em contextos
histricos especficos. (Taylor, 1990).
Elster, alm deste reconhecimento em abstrato da influncia das
estruturas, aponta a maior contribuio metodolgica de Marx como
sendo a "anlise da estrutura de conseqncias no pretendidas" que ele
considera "uma ferramenta de preciso para o estudo da mudana
social" (Elster, 1989a:53).
Para exemplificar esta contribuio, o autor se afasta das
"contradies psicolgicas" e passa a tratar das "contradies
sociais":
urn paradoxo central do capitalismo que cada capitalista queira
que seus empregados tenham baixos salrios, porque isso bom para os
seus lucros, mas que os trabalhadores empregados por todos os
outros capitalistas tenham salrios altos, porque isso cria demanda
por seus produtos. (...) cada capitalista quer ocupar uma posio
que, por razes puramente lgicas, nem todos podem ocupar. Embora o
desejo de cada capitalista seja internamente consistente, os
desejos dos capitalistas em seu conjunto so contraditrios. No
existe mundo possvel em que todos possam ver seus desejos
satisfeitos. (Elster, 1989a:52).
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Teria sido melhor para todas as firmas se tivessem deixado de
reduzir os salrios, mas cada uma "sempre ver a reduo de salrios
como uma alternativa atraente".
Como aceitar que a ao neste caso segundo a teoria dos jogos
racional e portanto tpica, se, na realidade, ela se mostra
irracional? Andrs de Francisco afirma que necessrio um conceito
mais amplo de racionalidade que inclua os processos de formao de
nossas crenas, desejos e aspiraes. Ele conclui que "os parmetros
institucionais da ao social restringem e constrangem
substancialmente a autonomia individual que est na base da teoria
da escolha racional" (Francisco, 1988:242).
O individualismo metodolgico de Elster pode ter sido eficaz na
explicao de fenmenos como alianas no terreno politico e de certas
condutas no sistema econmico. Entretanto, parece-nos unilateral e
contraditrio na medida em que defende um reducionismo psicolgico e
uma concepo de racionalidade que simultaneamente racional e
irracional, mas que tomada, ainda que apenas para efeitos de
investigao, como puramente racional. Os fatos da conscincia por
exemplo, o clculo econmico de cada capitalista no podem ser tomados
como realidades dadas. A rigor, no existem tais realidades. Toda
percepo implica em algum grau de concepo. Isto j est claro desde
Kant. Os dados na realidade so tomados, so, em parte, projees do
sujeito observador. Esta concluso, entretanto, tambm parcial e
hipottica. As obras de Edgar Morin (1986b e 1991) contm contribuies
consistentes sobre este aspecto em particular.
5 Cohen e a teoria da histria em Marx:
Na sua "Resposta ao Artigo Marxismo, Funcionalismo e Teoria dos
Jogos, de Jon Elster" Cohen resume suas posies, que so mais
desenvolvidas no seu livro Karl Marx' Theory of History (1978):
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1 Explicaes funcionais esto no ncleo do materialismo histrico
(MH);
2 A teoria dos jogos, portanto, no pode substituir as explicaes
funcionais no contexto da anlise marxista da sociedade;
3 No ha tampouco lugar para a teoria dos jogos no ncleo do MH ao
lado das explicaes funcionais;
4 Mas a teoria dos jogos til com respeito a proposies
que esto prximas do centro do MH; 5 No h erro metodolgico nas
teses explicativas funcionais
do MK 6 Mas os marxistas no tm feito muita coisa para
demonstrar que elas so verdadeiras. Se a explicao funcional
permanece to insuficiente na pratica (por oposio a sua adequao na
alta teoria), as proposies fundacionais do MH podero ser
severamente modificadas. Posies de grande autoridade tradicional
talvez tenham que ser abandonadas.
Para demonstrar a primeira posio, Cohen cita o "Prefcio"
Contribuio Critica da Economia Poltica,
de 1859, em que Marx escreve:
Na produo social de suas vidas os homens entram em relaes
necessrias e independentes de suas vontades; essas relaes de produo
correspondem a um estgio definido do desenvolvimento de suas
foras produtivas materiais. A soma total dessas relaes constitui
a estrutura econmica da sociedade, a base sobre a qual se eleva uma
superestrutura legal e poltica.
Ao analisar o texto Cohen observa que as foras
produtivas so os vrios recursos usados no processo de trabalho:
meios de produo, por um lado, e fora
de trabalho, por outro. Meios de produo so recursos
produtivos
fsicos,
como ferramentas, mquinas, matrias-primas e instalaes. A
fora
de trabalho inclui no apenas a fora dos produtores,
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mas sua habilidade e o conhecimento tcnico que eles no precisam
compreender utilizado no trabalho. A dimenso subjetiva das foras
produtivas "mais importante que a dimenso objetiva, ou seja, que os
meios de produo" afirma Cohen, concordando com Marx. Alm disso,
nesta dimenso mais importante a parte mais suscetvel de
desenvolvimento o conhecimento. Nos seus estdios mais avanados,
portanto, o desenvolvimento das foras produtivas funde-se ao
desenvolvimento da cincia aplicada produo.
Cohen ressalta um pressuposto de Marx, de que "as foras
produtivas crescem continuamente". E argumenta que o critrio mais
relevante para medir esse crescimento "6 quanto (ou melhor, quo
pouco) trabalho deve ser despendido por uma determinada fora de
trabalho para produzir o necessrio para satisfazer as necessidades
fsicas inescapveis dos produtores imediatos". Em defesa deste
critrio, Cohen afirma que se tipos de estrutura econmica
correspondem a nveis de poder produtivo ento essa maneira de medir
o poder produtivo torna a tese da correspondncia mais plausvel. Ele
no sustenta que a nica caracterstica explicativa do poder produtivo
6 sua quantidade: "suas caractersticas qualitativas tambm ajudam a
explicar o carter das estruturas econmicas". Conclui que "se o que
importa a quantidade de poder produtivo, a quantidade relevante o
tempo de reproduo da fora de trabalho".
Neste ponto preciso fazer uma referncia a Andrs de Francisco
(1988), que tangencia um problema relevante o fato de que "el
desarrollo produtivo va intimamente ligado a la creacin de fuerzas
destrutivas del entorno natural: destruccin de ecosistemas y
agotamiento de recursos. Y en este sentido, el capitalismo es
maximamente irracional". De outra parte, o capitalismo maximamente
racional diz ele porque no pode existir sem revolucionar
incessantemente os instrumentos de produo, sendo, portanto, o
modelo econmico "que ms eficazmente promueve el desarrollo de ias
fuerzas produtivas
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(dejando al margen, naturalmente, el problema social)"
(Francisco, 1988:226).
H um problema bsico, neste aspecto, que revela falta de uma
analise interdisciplinar do conceito de foras produtivas. Ao
incluir as matrias-primas como parte dos meios de produo, feita
uma leitura economicista, portanto redutora, da natureza e dos
ecossisternas. Mesmo que utilizssemos a noo instrumental de
"recursos" para analisar em que consistem as matrias-primas,
teriamos que distinguir entre recursos renovveis e outros no
renovveis (em relao ao tempo de vida na escala humana). Com esta
distino seria improcedente considerar as matrias-primas como
capital constante (ou ilimitado). E isto teria certamente vrias
conseqncias tericas. Elster faz algumas consideraes sobre este
aspecto das
foras produtivas. A mais relevante delas a seguinte:
A crescente sofisticao tecnica pode ser contrabalanada, por
exemplo, pelo esgotamento de recursos exauriveis. Numa formulao
completa da teoria de Marx devemos levar em considerao tanto o
nivel real de produtividade quanto o
nvel hipottico que seria alcanado sob condies
externas constantes (Elster, 1989a:123). Sobre este tema,
observam dois autores ecossocialistas que los esquemas marxistas de
"reproduccin simple" y de "reproduccin ampliada" no tienen en
cuenta si la falta de recursos agotables puede poner un limite
incluso a la "reproduccin simple". Eso refleja el estatus
metaffsico que el concepto de "produccin" ha tenido en la economia
marxista, al igual que en la cincia econmica convencional (Alier e
Schltipmann, 1991). No capitulo XIII da obra citada os autores
analisam a relao
entre o marxismo e a economia ecolgica, com particular ateno
correspondncia entre Podolinsky, Marx e Engels sobre as leis
da termodinmica no setor produtivo. Apesar da insistncia de
Podolinsky para que a lei de entropia e o clculo de fluxos de
matria-energia fossem incorporados anlise materialista da produo,
no houve receptividade a idia, particularmente por parte de Engels,
que dissuadiu Marx de inovar neste sentido:
24
-
Engels pens que la ley de entropia de Clausius era contraditria
con la ley de la conservacin de la energia, y expres la esperanza
de que se hallaria una manera de utilizar de nuevo el calor
irradiado al espacio (Alier e Schltipmann, 1991:272). Parece
necessrio, alm disso, rever a nog -do de "meios"
de produo: so apenas instrumentos? No ha em principio nenhuma
diferena entre um martelo e um explosivo na area da construo civil?
A idia implcita de que as ferramentas so neutras decorre de uma
percepo equivocada. Nela se basearam os governos ditos proletrios
do Pacto de Varsvia para degradar seus ecossistemas, tanto ou mais
que os pases capitalistas do Ocidente. A anlise marxista, neste
ponto, deveria distinguir entre tecnologia de alto impacto
ambiental e a de baixo impacto (que gera menos eniropia e que,
fundamentalmente, no leva nenhum ecossistema ao chamado ponto de no
retorno, a partir do qual o desequilbrio se torna irreversvel e tem
conseqncias imprevisveis).
Com estas observaes, assinalo que Cohen falha ao privilegiar o
aspecto quantitativo sobre o qualitativo na anlise do crescimento
das foras produtivas.
Cohen define as relaes de produo como relaes de poder econmico
que as pessoas tm (ou no) sobre a fora de trabalho e os meios de
produo. A totalidade destas relaes constitui a estrutura econmica
numa determinada sociedade base ou fundao da superestrutura. A
estrutura econmica, acentua o autor, "no inclui as foras
produtivas". E a superestrutura, embora tenha demarcao controversa,
inclui certamente as instituies legais e estatais. "Com certeza no
verdade que todo fenmeno social no-econmico superestrutural",
conclui e quanto a este aspecto Elster com ele concordaria.
A partir deste ponto Cohen se limita a analisar a relao da ordem
legal com as relaes de produo e com as foras produtivas, a fim de
demonstrar que entre elas existe de fato
25
-
uma explicao marxista de tipo funcional. Nas suas palavras, "o
grau de desenvolvimento das
foras produtivas explica a natureza das relaes de produo", que
por sua vez "explicam o
carter da superestrutura". Uma explicao funcional para o autor
consiste "numa
explicao em que um fato no mbito
de uma certa ordem explica a ocorrncia do evento tipo prprio
dessa ordem, a qual construmos previamente como hiptese. Eu chamo
as leis que justificam as explicaes funcionais de leis de
conseqncia".
Exemplifica de forma abstrata: "Suponhamos uma causa, E, e seu
efeito, E A causa da explicao no 'E ocorreu porque F ocorreu "
porque neste caso ha o defeito de explicar-se um evento por outro
que lhe posterior. A forma correta, diz ele, "E ocorreu porque
causaria F" ou "E ocorreu porque a situao era tal que um evento do
tipo E causaria um evento do tipo F".
O autor resume assim seu argumento:
1 0 grau de desenvolvimento das foras produtivas numa
sociedade
explica a natureza da sua estrutura econmica; 2 A estrutura
econmica explica a natureza da superestrutura.
"Considero as proposies 1 e 2 explicaes funcionais porque de
outra forma no posso reconcilia-las com duas outras teses
marxistas, a saber";
3 A estrutura econmica de uma sociedade promove o
desenvolvimento de suas
foras produtivas; 4 A superestrutura estabiliza sua estrutura
econmica. Das
proposies 3 e 4 decorre que a estrutura econmica funcional para
o desenvolvimento das
foras produtivas, e que a superestrutura funcional para a
estabilidade da estrutura econmica. Isso no implica por si s que as
estruturas econmicas e as superestruturas so explicadas pelas
referidas
funes (Cohen, 1990:186).
Elster coloca em dvida a tese de Cohen ao escrever que a teoria
da base-estrutura no afirma que para que existam
poltica e ideologia
preciso que haja produo. Ela afirma que tipos
especficos
26
-
de atividades polticas e intelectuais observadas em sociedades
de classes podem ser explicadas por referncia a formas igualmente
especificas de organizao
econmica. Longe de ser trivialmente verdadeira, essa teoria
falsificvel e, de fato, falsa. Fenmenos politicos tm um
considervel grau de autonomia (Elster, 1989a:130).
Afinal, as teses centrais do materialismo histrico so ou no
funcionais? Esta pergunta s pode ser respondida depois de uma
definio do que seja uma explicao funcional. Mas Cohen e Elster tm
percepes e objetivos diferentes quanto a isto, o que torna bastante
complexo o debate. Enquanto Cohen v na explicao funcional mais
precisamente definida um fato no censurvel nas cincias sociais e no
marxismo, Elster ataca todas as formas de funcionalismo, talvez
encontrando mais explicaes funcionais do que na realidade existem.
Mas inegvel seu interesse em abrir um espao no materialismo
histrico para a teoria dos jogos. Neste sentido sua critica da
correspondncia da superestrutura base econmica (relaes de produo)
genrica, mas em alguns pontos tambm mais precisa do que a defesa
que Cohen faz do texto de Marx. E o caso do "considervel grau de
autonomia" da atividade poltica. Elster, na busca de micro
fundamentos, mais arguto do que seu adversrio ao tratar da
superestrutura. Talvez este seja de fato um campo frtil para a
teoria dos jogos.
Contestando Elster, Cohen argumenta que a teoria dos jogos pode
iluminar o comportamento de classe, mas o marxismo tem a ver
fundamentalmente com as foras e relaes que condicionam e orientam o
comportamento, "no com o comportamento em si". Quando se analisa o
conflito de classe em termos de longo prazo, "a teoria dos jogos
perde utilidade" (Op .cit. :188) .
Elster interviria aqui para responder que "na falta de uma
teoria que circunscreva os limites do longo prazo, essa afirmao
infalsificvel e, portanto, no cientifica" (Elster, 1989a:131). Mas
pode-se contra argumentar observando que o prazo-limite
27
-
dado pela revoluo, que no um produto da teoria, mas da praxis
politica e de vrios outros fatores histricos e econmicos. Seria
correto impor ao materialismo histrico a tese da falsificabilidade
de Popper7
E uma questo das mais complexas, mas me inclino, neste caso e
provisoriamente, a favor da posio de Cohen, porque Marx no teve
propsito exclusivamente cientifico e porque o saber cientifico pode
ser diferente, mas no superior a qualquer outro.
A teoria da luta de classes mistura intenes politicas e
cientificas. Seria preferivel distingui-las, mas no separ-las.
At que ponto, no entanto, isto possivel?
Cohen prossegue no seu ataque a teoria dos jogos: "A dialtica
entre foras e relaes de produo, que constitui o pano de fundo da
luta de classes, "no analisvel em termos de jogo".
A teoria dos jogos ajuda a explicar as vicissitudes da luta, e
as estratgias ali adotadas, mas no pode dar uma resposta marxista
questo de por que as guerras de classe (por oposio a suas batalhas)
tm tal desenlace e no outro. A resposta marxista que a classe que
governa num period, ou emerge triunfalmente dos conflitos de uma
poca, consegue faz-lo porque 6 a classe mais adequada, mais capaz e
disposta, para presidir o desenvolvimento das foras
produtivas num dado momento. (Op.cit.:188). Sobre isto Andres de
Francisco faz uma observao aguda.
Ele no v no proletariado um equivalente funcional da burguesia
durante o perodo de
transio, justamente porque as
foras
produtivas so tambm parte de um sistema destrutivo.
No hay una clase aparte la actualmente dominante que ms pudiera
impulsar la productividad del sistema hasta hacerle entrar en
contradiccin com las relaciones capitalistas de propriedade
(Francisco, 1988:227). Com esta
combinao entre as divergncias de Cohen e Elster
e a ltima observao de Francisco chegamos a um grave problema,
provavelmente central para a continuidade do debate sobre o
marxismo
analtico.
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-
Se a teoria dos jogos insuficiente para tratar das relaes de
classe em termos de longo prazo, ento ela no um instrumento de
anlise realmente estratgico pode ser apenas ttico. A argumentao de
Cohen no clara quanto a isto, nem detecta o problema apontado por
Francisco. Procurando dialogar diplomaticamente com Elster, escreve
Cohen:
Quando confrontados a um problema estratgico, tal como o
problema de transformar a sociedade, ns necessitamos de um
pensamento estratgico, no funcionalista. Mas quando Marx conclama
os trabalhadores a revolucionar a sociedade, ele no estava pedindo
a eles que realizassem aquilo que explicaria as suas aes, ou seja,
a exausto da capacidade de progresso da ordem capitalista e a
disponibilidade de poder produtivo suficiente para instalar uma
ordem socialista. (Op.cit.:189). Este me parece o ponto mais frgil
de todo o artigo de
Cohen. 0 autor parece esquecer que quando Marx faz a referida e
famosa convocao aos trabalhadores ele no esta fazendo teoria ou
anlise, mas um manifesto O Manifesto Comunista. A transformao da
sociedade capitalista em socialista, sob a liderana da classe
operria, requer sem dvida um pensamento estratgico e democrtico, no
funcionalista. Mas ento o que dizer da racionalidade desta
estratgia, se verdade que o sistema produtivo a um s tempo
maximamente racional e maximamente irracional?
Andrs de Francisco mais uma vez vai alm de Elster e Cohen ao
reconhecer que "no es fcil encontrar esa o esas clases capaces de
actuar racionalmente contra la destructividade ecolgica del
capital" (...)
...tampoco es fcil imaginar a un proletariado industrial de los
'Daises avanzados reconvertido ecologicamente, pues es
intuitivamente inmediata la contradiccin entre la dindmica de la
lucha sindical (inserta en la nueva divisin internacional del
trabajo) y la lucha ecolgicamente orientada que de seguro supondria
el desmantelarniento y reconversin de gran parte de la indstria
contaminante, con la subsiguiente prdida masiva de puestos de
trabajo. (Francisco, 1988: 227).
29
-
6 Contribuies ao debate:
No que foi dito destaca-se a problemtica da racionalidade
utilizada no marxismo
analtico e suas conseqncias para a anlise da hiptese de superao
das sociedades capitalistas.
No caso de Elster, h um reducionismo evidente, assumido. A
normatividade do seu individualismo metodolgico se afasta dos
juizos de valor e se restringe 6 racionalidade instrumental
objetiva e lgica apenas aparentemente. Os juizos de valor so
inerentes ao trabalho cientifico, j que a percepo das informaes s
ganha sentido na medida em que acompanhada de um processo de
recontextualizao imaginaria (Kant, 1996), que historicamente
reconhecido como um processo de formao da ideologia. Elster parece
intuir este fato, mas o encobre assumindo o individualismo
metodolgico como doutrina. Assim, em vez de avanar em relao teoria,
ele recua, fechando ainda mais sua ideologia 6.
informao desviante. Este fechamento, por sua vez, prprio do
reducionismo, o impede de ver e compreender a complexa relao entre
racionalidade e irracionalidade. Dai seu apego 6 aparente ordem que
deve ser buscada nos micro fundamentos, vistos como mecanismos
internos.
Com isto Jon Elster instala-se comodamente no paradigma
dominante. Ele parece incapaz de tratar do desvio como algo no
necessariamente irracional, mas a-racional e potencialmente
formador de uma nova forma de racionalidade. A relao ordem-desordem
e as
caractersticas holonmicas, hologramticas e holoscpicas da
percepo-rememorao-concepo (Morin, 1986:100) no so sequer discutidas
pelo autor. A separao que ele parece conceber (isto no est explcito
nas suas obras) entre biologia e psicologia implica em tomar a
mente ou a conscincia individual como entidade separada dos
neurnios e do crebro. A separao entre a mente e a natureza
desmistificada, por exemplo, em Steps to an Ecology of Mind, em que
Gregory Bateson afirma que o sistema mental que governa o modo como
pensamos e aprendemos do mesmo tipo de sistema que governa a evoluo
e a ecologia de toda a vida na Terra.
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-
A interpretao que Elster faz da teoria da escolha racional s
aparentemente trata dos indivduos como seres racionais, porque ao
restringir-lhes a racionalidade a um conjunto vivel de opes (timas
ou subtimas) o que ele est fazendo, na realidade, restringir a
concepo de liberdade ao direito de escolha e a racionalidade 'a sua
face instrumental e descontextualizada historicamente (por meio da
abstrao em jogos idealizados). Ora, basta concebermos a liberdade
como inerente razo, tal como no Iluminismo (Kant, 1996), para
ultrapassarmos o direito de escolha e visualizarmos a liberdade
tambm como o poder de criar possibilidades, inventar caminhos,
regras, jogos.
A realidade fenomnica nunca dada, mas inevitavelmente tomada, ou
seja, em algum grau interpretada e criada. E, neste ato de criar,
emerge a questo da tica, dos juizos de valor e de suas conseqncias
polticas de curto, mdio e longo prazos. A teoria dos jogos, bem
criticada por Cohen, no cla conta das questes ticas nem das que
envolvem o longo prazo. E uma teoria mais da ttica (meios) do que
da estratgia (meios-fins) de transformao histrica. Por isso, e
pelos argumentos elaborados por Cohen e Francisco, no se pode
substituir no marxismo as teses funcionais do materialismo
histrico.
Quanto resposta de Cohen, ha tambm que perguntar-se sobre o
paradigma que orienta sua racionalidade. Suas criticas a Elster
parecem em geral argutas, mas sua defesa da explicao funcional no
interior das cincias humanas e particulatmente no materialismo
histrico no vo muito longe, na medida em que recorre a um
abstracionismo justificatrio das idias de Marx. Cohen defende uma
interpretao da explicao funcional e a transforma em leis de
conseqncia. E difcil avaliar o alcance desta "lei" apenas pela
leitura de seu artigo. Mas est clara sua inteno ideolgica na medida
em que, como ele prprio expressa, trata-se de uma justificao: "Eu
chamo as leis que justificam as explicaes funcionais de leis de
conseqncia" (Cohen, 1990:183). Seu objetivo explicito dar coerncia
ao materialismo histrico. Mas
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nesse intento ele se considera um solitrio, no recorre a nenhum
outro marxista e, pelo contrrio, critica seus colegas de forma
genrica e contundente ao afirmar que "a maioria dos marxistas so
metodologicamente inconscientes de si". (Op.cit.:192). Por este
caminho de defesa e ataque, ele chega a comparao do materialismo
histrico (MH) com a teoria darwinista da histria natural,
concluindo que o MH "est, no melhor dos casos, na situao da histria
natural antes de Darwin" (Op.cit.:191).
Os pensamentos tanto de Elster quanto de Cohen esto a meu ver
enredados no contexto do paradigma dominante da racionalidade
moderna. Suas obras privilegiam a anlise sobre a sintese de uma
forma unilateral e redutora. Sua abertura interdisciplinaridade
ainda muito acanhada e seu apego a frmulas sirnplificadoras da
realidade fenomnica exagerado. A relao individuo-sociedade-meio
ambiente 6 muito mais complexa do que aquela que aparece nas suas
anlises.
"Um pensamento de organizao que no compreende a relao
auto-eco-organizadora, isto 6, a relao profunda e intima com o meio
ambiente, que no compreende a relao hologramtica entre as partes e
o todo, que no compreende o principio de recursividade, um tal
pensamento est condenado insipidez, trivialidade, isto 6, ao erro"
(Morin,1990:179).
Andrs de Francisco o mais perspicaz dos trs e o que mais
contribui, nesta comparao preliminar, para o avano
do marxismo analitico. Andres de Francisco percebe as limitaes
da racionalidade tanto de Elster quanto de Cohen. Seu equivoco a
respeito da tica precisa ser relativizado, na medida em que ele
claramente optou por no questionar a fragmentao ontolgica do
marxismo
analtico. Como conseqncia do que foi dito cabe perguntar: a
chamada "crise do marxismo" foi realmente superada pelo
marxismo
analtico? Este esta de fato aberto ao desafio da
interdisciplinaridade? At
que ponto?
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