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REA TEMTICA: Cidades, Campos e Territrios
Condomnios Habitacionais Fechados e Qualidade de Vida: uma
discusso sobre a Cidade
MARTINS, Marta
Doutoranda em Sociologia
ISCTE
[email protected]
Palavras-chave: Condomnios Habitacionais Fechados (chf); Espao;
Cidade; Qualidade habitacional; Qualidade de vida.
NMERO DE SRIE:
Resumo
Ausente, em Portugal, de um enquadramento legal preciso, a noo
de Condomnio Habitacional Fechado remete-nos considerao de um
universo arquitectnica, social e simbolicamente heterogneo.
O fenmeno do seu surgimento e expanso convida-nos a interpelar,
de forma indissocivel, Espao, Cidade e Democracia, revestindo-se,
tal interpelao, de um particular potencial estratgico na discusso
em torno da cidade que temos e sua transformao na cidade que
queremos.
Os marcadores materiais e simblicos operadores da distino dos
chf entre a generalidade dos condomnios, a imaginao sobre quem
neles vive, as razes e impactes subjacentes sua origem e expanso,
assumiram-se como temticas analiticamente orientadoras da provocao
e descoberta dos discursos de um conjunto de interlocutores social
e culturalmente diversos, distintamente associados produo e
apropriao social de alguns chf localizados na cidade de Lisboa. Um
dilogo estabelecido entre residentes, agentes associados oferta de
espao residencial, investigadores e decisores polticos, do qual por
entre linhas de ruptura emergem interessantes e preocupantes espaos
de consenso e compreenso mtuas, nele se aclarando elencos de
preocupaes e reivindicaes produzidas sobre a cidade "actualmente
existente", os quais se afiguram partilhados entre confessados
adeptos e assumidos opositores destes empreendimentos. Endereado o
desafio, como poder a Cidade responder?
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1.1 CONDOMNIO HABITACIONAL FECHADO (CHF): UMA NOO FECHADA?
De que falamos quando falamos de condomnios fechados?
A acepo a que, neste mbito, nos atemos, designa um modo de
agregao formal das vizinhanas compostas por empreendimentos
emergentes como produtos imobilirios vocacionados para uma funo
residencial.
Ausente, em Portugal, de um enquadramento legal preciso, a noo
de chf remete-nos, contudo, observao de um universo heterogneo,
desde logo na plasticidade morfolgica das paisagens
publicitadas/reconhecidas enquanto tal.
Os descritores que autonomizam uma noo de cf reportam, prope
Rita Raposo (2002: 59-60), conjugao das dimenses de: clausura
(impermeabilidade fsica dos permetros dos empreendimentos e
dispositivos/prticas de controlo da acessibilidade/circulao);
usufruto de amenidades de utilizao colectiva
(equipamentos/servios); e propriedade privada (...) colectiva de
espaos exteriores associados funo residencial (indissocivel da
propriedade privada e individualizada de fraces ou unidades de
habitao autnomas).
A inexistncia de uma definio consensual e a aplicao
internacionalmente generalizada (e equvoca) da expresso gated
community, legitimam, todavia, tipificaes diversas, assentes na
multiplicidade de enfoques tericos que orientam diferentes histrias
de pesquisai.
Adite-se que cf uma situao de facto e no de direito,
observando-se casos de empreendimentos que, legalmente inibidos de
controlar a entrada/circulao, pela clausura e interiorizao de
espaos de domnio pblico (com manuteno assegurada por entidades
pblicas), tornam de facto menos provvel a entrada de estranhos
(Idem, ibidem, 2002: 57-58; Low, 2003: 12).
Imagem 1 Portaria e cancela resguardam a entrada para o espao
interior, juridicamente pblico, da Quinta da Beloura, Sintra
Alm de qualquer afunilamento conceptual, cf tambm uma ideia que
viaja no senso comum, comummente resgatada para explicitar sentidos
e coisas outras, no necessariamente reportadas sequer a formas
materiais...
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De que falamos, pois, quando falamos de cf?
Imagem 2 Condomnios Fechados. Ttulo da fotografia de Muoz de
Oliveira, que acrescenta: estes sim merecem s-lo, para sua proteco
(www.olhares.com)
1.2 IMPRESSES E PERPLEXIDADES
O confronto com a simultnea condio fsica, social e simblica do
espao constitui problemtico e afamado desafio.
Recusado enquanto natureza exclusivamente material e aleatria
bioqumica na sua constituio, transformao e mudana, impondo-se
apenas como constrangimento a uma forada e reactiva homeostasia da
espcie o espao consubstancia um terreno significante de interaco.
Cenrio construdo, manipulado, de inscrio activa e criativa do Homem
no real fisicamente percepcionado, social e culturalmente percebido
existe tambm como palco e como recurso, consubstanciando um sistema
de coordenadas mentais de orientao e representao no/do mundo. O
discurso quotidiano apresenta-se como traduo simultnea do espao
socialmente incorporado, reconhecido e julgado pelos indivduos. Se
cada um sabe [ou imagina] a que se refere quando fala (...) do
largo da praa, do mercado, do centro comercial, de um lugar pblico,
etc (Henry Lefebvre, citado por Guerra, 1987: 113), porque as
referncias discursivas identificam convenes de usos socialmente
associados ao(s) espao(s), nelas se revelando conotaes e valoraes
normativas, socialmente produzidas sobre o(s) mesmo(s).
As viagens dos significados e sentidos, na distncia entre
objecto emprico e objecto conceptualmente construdo, reservam
serendipidades mltiplas.
Tome-se a resposta recorrentemente encontrada no decurso do
trabalho de campo, a uma pergunta simples: conhece algum cf em
Alcntara?
Repetimo-la algumas (no sistemticas) vezes, nas ruas de Alcntara
e em conversas informais com amigos e conhecidos, em contextos da
distantes. Nem sempre nomeado, o Alcntara XXI assumia-se
ordinariamente como resposta. Curioso, porquanto, naquele
empreendimento, os elementos usualmente propostos como descritores
de o que um cf esto ausentes. Aspectos diversos ressoavam como
contedos de outras possveis definies sobre o que um cf: por ter
jardins, porque bem cuidado, limpo..., por no se verem papis no
cho..., por aquilo ser meio fechado, ter uma parte atrs..., por
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no saber como se entra..., porque a arquitectura completamente
diferente do resto, por ser novo e ter uma grande rea
Ultrapassando qualquer delimitao terica de um objecto, a
considerao sobre se determinada paisagem ou no um cf, afigura-se
tambm como juzo social e culturalmente mediado.
Condomnio privado?
Imagens 3 e 4 Empreendimento Alcntara XXI
A ateno a tal experincia definiria a vocao de uma pesquisa, cujo
primordial questionamento convidava descoberta de alguns dos
contedos associados ideia de cf, por actores social e culturalmente
diversos, distintamente associados ao processo de produo e
apropriao social de chf localizados na cidade de Lisboa.
Dando corpo dissertao de licenciatura em Sociologia pelo ISCTE,
no mbito da qual se realizou um estgio no NESO-LNEC, o trabalho
decorreu entre 2005 e 2006.
Latente sua prossecuo, a seguinte preocupao: podemos captar,
pela coleco e anlise das representaes associadas ideia de chf, um
conjunto de reivindicaes em relao cidade, partilhadas de forma
socialmente mais extensa, no sendo especficas dos indivduos que
autonomamente optam por residir em empreendimentos considerados
como tal (e que no necessariamente gostariam de l viver)?
Desdobramento da questo de partida, os marcadores materiais e
simblicos operadores de distino dos chf entre a generalidade dos
condomnios, a imaginao sobre quem neles vive, as razes e impactes
subjacentes sua origem e expanso, assumir-se-iam como temticas
orientadoras da provocao e descoberta dos contedos associados ideia
de cf, seu surgimento e expanso. Um dilogo analtico que,
exploratoriamente, perseguindo-se a complementaridade e no a
comparabilidade dos dados (Freitas, 2001: 162), estabelecer-se-ia
entreii:
Agentes directamente associados ao uso/apropriao presencial em
chf (oito residentes em trs chf situados em Benfica, Graa e
Alcntara);
Actores associados oferta de espao residencial (um promotor, um
mediador imobilirio, um arquitecto projectista de um cf, um
profissional especializado na administrao destes
empreendimentos);
Interlocutores considerados privilegiados numa abordagem s
questes do Alojamento, no directamente associados ao fenmeno em
causa (4 arquitectos-investigadores sobre desenvolvimento da
qualidade habitacional);
Actores associados regulamentao/gesto/deciso autrquica (uma
gestora de topo e um tcnico intervenientes, na CML, na
interveno/planeamento territorial).
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1.3 ABERTO, FECHADO DICOTOMIAS OU CONTINUIDADES?
Os contedos associados ao surgimento e expanso dos chf guardam
um particular potencial estratgico na discusso sobre a cidade.
A pertinncia desta assero assenta na contemplao do espao
enquanto continuum em apreciao, algo explorado pela investigao
produzida sobre a formulao da satisfao residencial. Convidando
descentralizao dum olhar direccionado sobre a casa, esta ltima
constri-se num constante vai e vem entre as diferentes dimenses
espaciais do habitat que desenham uma espiral integrando, desde os
espaos e compartimentos no interior dos alojamentos s suas reas
envolventes, aos espaos de uso semi-pblico como os edifcios, [e
aos] de uso mais colectivo, como as vizinhanas prximas (Freitas,
2001: 269).
Imagem 5 Espiral de nveis fsicos residenciais (Freitas, 2001:
37), jogo da glria dirio (Coelho & Pedro: 2) desenhado pelos
percursos imaginados e concretizados pelos indivduos no espao
construdo.
Os factores eficientes do bem-estar residencial no apenas
reportam aos distintos nveis residenciais (Coelho, 1998: 140), como
no se reduzem, nica e primordialmente, s caractersticas
materialmente edificadas desse contexto. Mais do que um valor de
uso e valor intrnseco dos objectos, o valor simblico do alojamento
confere ao espao uma funo social de espelho do que so, ou se aspira
a que seja, [em determinados] quadros colectivos de aco, os
posicionamentos relativos aspirveis ou expectveis dos seus actores
(Freitas, 2001: 262). Assim,
() as necessidades habitacionais e residenciais e a manifestao
da sua satisfao por parte dos indivduos adquirem um estatuto
relacional entre os indivduos e a sociedade, que no se configura ao
alojamento ou ao conforto do lar; estas estendem-se cidade enquanto
cenrio de relao colectiva onde as coisas e os indivduos ganham e
constroem os seus valores no posicionamento relativo que ocupam e
conquistam (Freitas, 2001: 270).
Importa, contudo, notar que a apreciao do espao enquanto todo de
continuidades no se processa de forma linear, sendo intrinsecamente
estruturada por dinmicas relacionais de construo, comunicao e
traduo simblica de descontinuidades e dissemelhanas entre plos:
entre o percepcionado perto ou longe, fora ou dentro, l em cima ou
c em baixo, nosso ou deles (Menezes, 2004: 120), entre o julgado
feio/belo, confortvel/desconfortvel, entre o que se separa como
partes onde vamos e no vamos
Instrumentos inerentes organizao do tempo, espao e experincia
social e sensorial dos indivduos (manifestando esse ordenamento),
em tais processos reconhecemos as noes de limite e fronteira,
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entendidas no como sinalizaes materialmente edificadas de
inevitvel ruptura, mas como processos de negociao tensa dos
significados simblicos dos lugares, bem como da codificao e
(re)conhecimento dos rituais (de uso e pensamento) considerados
adequados (Leach, 1978: 44-46) no confronto e passagem entre plos
distintos. Sobretudo, no jogo entre a influncia sobre tal
ambiguidade e o acatamento de tais preceitos, que reside a
manifestao e (re)construo do Poderiii.
luz destas consideraes, a designao fechada de certos condomnios
habitacionais afigura-se particularmente enigmtica, importando
reflectir sobre o que se entende prprio de cada plo: o que
permanece dentro e fora do condomnio.
Imagens 5 e 6 Espao, continuum em apreciao...
Da necessidade de receber paisagens que rompem dicotomias e
mtuas excluses analticas, distinguindo-se entre naturezas jurdica,
de uso e apropriao do espao (Castro, 2002: 54), reforando-se a
construo social de categorias como pblico e privado.
Formulao da privacidade...
...Demarcao da propriedade
Imagens 7 e 8 A no linearidade de um continuum
Enquanto gradao de intimidades (Coelho & Pedro, 1998: 300),
a formulao arquitectnica da privacidade no implica necessariamente
um s modelo de comunicabilidade entre dois espaos, obstando autnoma
acessibilidade e promovendo a opacidade visual. No impedindo a
acessibilidade, a prgula ( esq.), transmite a sensao de transio
para um interior, reservado. Exterior e interior, assim
percepcionados, so espaos de acesso livre, no formalmente
controlado. Ante a frontaria do chf Residncias do Prncipe Real
(Lisboa) ( dir.), assiste-se a algo mais do que a formulao do
sentimento de privacidade; assiste-se exibio de um direito de
propriedade, manifesto pela demarcao imediatamente fsica de uma
rea, acedida sob determinadas condies.
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Jardim da Estrela Pblico fechado?Pteo Bagatella Privado
aberto?
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1.4 UM FENMENO POUCO CONSENSUAL
O surgimento e expanso dos chf parece corresponder reedio de um
fenmeno cujos antecedentes reportam s praas residenciais britnicas
(privatizadas por colectivos de residentes) e, pouco mais tarde, ao
subrbio romntico planeado anglo-americano (Raposo, 2002: 159-219).
Formas emergentes entre meados do sculo XVIII e finais do sculo
XIX, indissociveis de profundas transformaes que ditariam o derrube
jurdico e institucional do Antigo Regime um tempo em que a renovao
de barreiras acessibilidade/comunicabilidade surge, no que aos
modos de habitar concerne, como modo de reequilibrar posies e
estatutos entre novos e velhos grupos sociais, relacionados segundo
uma nova lgica econmica e cultural, capitalista.
Surgido na Califrnia (EUA) em finais da dcada de 60 do sculo XX,
o actual momento comporta importantes inovaes, manifestando-se em
diversos contextos scio-espaciais e concretizando-se em maior nmero
(Raposo, 2002: 225; Nunes em Ferreira et al., 2001: pg. 31; Low,
2003: 16).
Publicamente referenciado de forma dispersa (alm da crescente
produo acadmica), a visibilidade mais alargada do fenmeno em
Portugal decorre da episdica discusso sobre a construo de
empreendimentos concretos. A defesa do patrimnio, entendido como
valor histrico e ambiental de determinado contexto local, assume-se
como mote privilegiado obscurecendo, nas contendas, a questo
segregativaiv.
Esta insinuar-se-ia mais claramente aquando da campanha para as
eleies autrquicas de 2005, em Lisboa. Apontados como exemplos
paradigmticos de segregao scio-espacial, os chf seriam no raras
vezes apresentados como plos socialmente opostos aos designados
bairros sociais. Talvez possa contestar-se tal paralelo, olhando
quer s gneses de uns e outros espaos, quer subjacente considerao de
que se tratam de plos extremos da desigualdade social.
Desconfortavelmente reconhecendo a imoralidade e pouco rigor na
comparao entre misrias, dir-se- que os mais ricos no vivem
necessariamente em cf, assim como os mais pobres, no vivem nos
bairros sociais
Progressivamente manifestando-se num mbito cvico mais alargado
(Blakely & Snyder, 1997: VIII), o surgimento e expanso dos chf
vem alcanando uma visibilidade pblica marcadamente pouco
consensualv, visitada por concepes que, sobre tal fenmeno projectam
um conjunto de perigos e potencialidades.
Meios de reinveno e policiamento social da distino entre grupos
aproximados pela extensividade das crises econmicas e pelo
aprofundamento dos processos democrticos (Caldeira, 2000); habitao
sem cidade ou ninhos de uma cidade ameaada; reduto de todos os
individualismos e demisso, ou laboratrios de governana e
racionalidade econmica (Foldvary, 2006: 31) o quadro 1 resume
alguns dos principais eixos de debate.
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Quadro 1 Alguns eixos de debate em torno da expanso dos chf
Uma viso pessimista! Uma viso optimista!
Demisso de cidadania Exerccio de direito de cidadania (optar por
um cf)
Autodefesa e ideologia preventiva (ameaa ao monoplio pblico da
violncia)
Proteco contra a experincia de vitimao pelo crime
Demarcao ostensiva de desigualdades sociais (ameaa ao sentido de
coeso social)
Reforo do sentido de vizinhana, humanizao das relaes, a
redescoberta do outro
Desvalorizao da heterogeneidade social, (potenciar incompreenso
da diversidade do outro)
Instrumento de governana (promoo de modos de gesto comunitria do
espao)
Deslegitimao do papel/aco/poder do Estado Alvio das despesas do
Estado (envolvimento/responsabilizao dos privados)
Obstculo ao incremento de viso de conjunto na gesto de recursos
e ordenamento territorial
Contribuio para ordenamento global (proteco ambiental de
recursos estratgicos)
Fuga cidade Retorno cidade
No aprofundando aqui as especificidades e fracturas que os
estruturam, segue-se a apresentao de alguns fragmentos, genricos,
provenientes da anlise dos discursos recolhidos na pesquisa.
1.5 ALGUNS RESULTADOS
Apontada como principal razo para a procura de chf nos contextos
considerados de origem do fenmeno (EUA e o designado Terceiro
Mundo, no qual o Brasil, destacado, surge includo), o desejo de
proteco face criminalidade no ser, para os entrevistados, a razo
fundamentalmente subjacente ao surgimento e expanso destes
empreendimentos em Lisboa, cidade alis referenciada como (ainda)
segura no que respeita a tal problema social.
Desvalorizada pelos residentes, tal opo residencial
assumir-se-ia alis, geralmente, nos seus percursos de vida, como
uma boa oportunidade, surgida algures no tempo. Na generalidade dos
casos e semelhana do resultado encontrado noutras pesquisas
anteriormente realizadas (DURO et al., 2001; MARTINS et al., 2002)
deciso de mudana e subsequente procura de casa, no presidiu a
inteno deliberada de residir num chf.
Ao desenvolvimento do fenmeno em Lisboa preside, segundo os
entrevistados, uma multiplicidade de razes, associadas no apenas s
lgicas da procura, mas tambm s estratgias do mercado da oferta de
espao residencial, e dinmica de mtuo ajustamento e regulao dos dois
mercados, vector em que o Estado e polticas territoriais
particularmente chamado discusso.
Embora sejam diversos os posicionamentos ideolgicos de princpio
entre confessos adeptos e assumidos opositores dos chf (residentes
e/ou no), detecta-se, por entre profundas discordncias, compreenses
mtuas.
Um importante (e preocupante) espao de consenso refere-se ao
factor considerado mais eficiente para perceber a deciso de
residir, em Lisboa, nestes empreendimentos: a fuga falta de
qualidade urbana da cidade actualmente existente, ancorada no
descrdito/desiluso votados ao desempenho dos poderes pblicos na
gesto e manuteno da coisa pblica (e do espao pblico)vi.
Recuando infncia, referem os interlocutores que antes havia vida
nas ruas, o que decorreria de um efectivo exerccio de planeamento
urbano, afianam, plasmado na existncia de stios para sair rua:
cafs, esplanadas, piscinas pblicas... O maior espessamento das
relaes de vizinhana, o brincar na rua so memrias sublinhadasvii.
Crescimento desordenado, fealdade, dfice de manuteno do espao
urbano so marcas da cidade presente. Escasseiam equipamentos
colectivos e, merc da degradao do edificado e alheamento dos
poderes pblicos, os chf configuram excelentes oportunidades de
negcio para o
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mercado da oferta: investindo em espaos de custos inferiores (no
raras vezes, degradados), constroem empreendimentos que contrastam
com tal paisagem, rentabilizando investimentos.
Os contrastes articulam-se, quer em torno do passado e do
presente, quer em torno das designadas cidade-histrica e
cidade-dormitrio. No balano, no fascnio da cidade (Ferreira, 2004:
11), sobressai todavia o elogio, no apenas da centralidade da
cidade, mas do centro da cidade onde, nos designados bairros
antigos, ainda se imagina possvel observar ritmos de vida/comrcio
que, considerados tradicionais, lembram a cidade de antes. Um
processo paradigmtico da destradicionalizao (e, segundo os
entrevistados, consequente desqualificao do tecido urbano),
refere-se expanso dos centros comerciais, os quais rompem lgicas
consideradas tradicionais de consumos de proximidade. Os bairros
limtrofes constituem-se como mais fidedigno espelho do
desordenamento, neles se concentrando, consideram os entrevistados,
fenmenos de criminalidade/vandalismo, albergando uma populao que,
embora profissionalmente pendular, reside fsica e afectivamente
longe da cidade.
Quadro 2 A cidade actualmente existente, segundo os
entrevistados
Factores de atraco Factores de repulsa
Proximidade a mais e melhores servios e equipamentos colectivos
(escolas, transportes, hospitais);
Mais oportunidades de emprego;
Maior nmero de opes/ ofertas de lazer/ actividades culturais
(cinemas, teatros...);
Baixos nveis de criminalidade;
Simpatia de certas qualidades fsico-naturais (luz, clima);
Reminiscncias/hbitos tradicionais, nos bairros antigos.
Ausncia de planeamento urbanstico e excessiva densidade de
construo;
Fealdade do espao urbano;
Escassez de espaos verdes;
Deficiente manuteno do espao pblico;
Falta de equipamentos colectivos/stios para sair rua (falta de
animao nas ruas);
Cidade desabitada/degradada (edificado);
Descaracterizao da cidade (destradicionalizao do comrcio);
Falta de opes no mercado habitacional (casas caras, escalas
desajustadas);
Trnsito (perigo de atropelamentos, stress),;
Barulho, rudo (barulho dos transportes pblicos);
Falta de estacionamento;
Poluio;
Stress;
Maior incidncia e exposio ao crime
Desagregao das relaes sociais de vizinhana;
Ter de brincar em stios fechados (no brincar na rua).
Os chf surgem frequentemente referenciados como poderosos sinais
de atitudes de fuga em relao cidadeviii.
Segundo se depreende tambm doutras anlises sobre percursos de
residentes em chf (MARTINS et al., 2002), o sentido de fuga
significa sobretudo a conquista de uma distncia qualitativa em
relao envolvente, que no se mede em quilmetros (apenas) e que em
nada se confunde, apesar da crtica cidade actualmente existente,
com o no gostar de viver em/na cidade.
Por convenincia pessoal e/ou profissional, mas tambm por gosto,
importa notar, que, no caso dos residentes entrevistados, opo de
mudar da casa anterior presidiu a necessidade e, nalguns casos, a
vontade de viver em Lisboa. Os chf oferecem-se (para alguns) como
oportunidades de regressar e/ou melhor permanecer na cidade (e a
certas reas da cidade)ix. Sair noite de casa (descer e fumar um
cigarro
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fora de casa, noite), brincar na rua, jantar na varanda, luz das
velas, passear e usufruir de um jardim, assumem-se como experincias
tidas como excepcionalmente possveis num chf, pela generalidade dos
entrevistados.
Imagem 9 Da dimenso qualitativa da distncia e sua inveno
A Qualidade de Vida um tema frequente e transversal na definio
dos elementos diferenciadores dos chf e habitao convencional.
Balizada por definies do que civilizacional, cultural e
politicamente se tem vindo a entender por bem estar, definido quer
ao nvel individual, quer social ou colectivo (Freitas, 2001: 114),
a emergncia do tema desenvolve-se face progressiva notoriedade dos
efeitos perversos de um modelo econmico confrontado com
desequilbrios econmicos, a contaminao ambiental, a deteriorao das
condies de vida e as assimetrias de crescimento entre povos (Pinto,
2004: 99). O lado sombrio da modernidade (Giddens, 1998: 5),
articula o crescimento urbano massivo e desordenado, a conscincia
pblica sobre [tais] efeitos e a preocupao () [das] polticas pblicas
para melhorar a qualidade de vida nas cidades (Pinto, 2004: 99,
103). Contexto de estruturao de novos quadros culturais (Inglehart,
1997), a consolidao do Estado-Providncia, melhoria dos nveis de
vida e de formao dos indivduos (Pinto, 2004: 99, 103) e o
aprofundamento democrtico, contribui para que a discusso do
bem-estar social [deixe] de ser uma mera questo de satisfao de
necessidades bsicas decorrentes dos poderes de compra (Freitas,
2001: 453).
Recuperando o aforismo segundo o qual as pessoas no so coisas
que se metam em gavetas (Guerra, 1994), sublinha-se a ideia
enunciada por um dos residentes entrevistados, que, aparente
simples, retemos como expresso maior do que vimos referindo:
actualmente, as pessoas j no se contentam apenas com
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Quinta das Mil Flores (Sete Rios, Lisboa)
Belas Clube de Campo (Sintra)
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o beto. Exigem coisas novas, que a subida dos nveis de vida em
articulao com o aprofundamento dos sistemas democrticos deslocam
das aspiraes para os direitos: usufruir de um jardim, de espaos
devidamente tratados, de tempo(s) e equipamentos colectivos
vocacionados para o lazer, outrora eventualmente mais excntricos
(uma piscina, por exemplo)... coisas que, os chf, julgam os
entrevistados, tornam possvel.
Segundo ressalta dos discursos, a qualidade dos chf reportam no
tanto s caractersticas da casa, mas s caractersticas do conjunto
articulado entre edifcio e sua imediata vizinhana prxima: seja pela
existncia de equipamentos/espaos de posse e usufruto comum
(particularmente importantes, o ter espaos verdes), seja pelo
cuidado votado preservao/ manuteno desses espaosx.
Fisicamente no penetrveis e socialmente no acessveis so vrios os
sentidos associados pelos entrevistados ideia de fechamento,
apangio deste empreendimentos (quadro 3).
Quadro 3 Os distintos sentidos recobertos pela ideia de
Fechamento
Chf espaos no penetrveis Chf espaos no acessveis
Impermeabilidade do permetro: zonas fortificadas, muros,
artilharia porta, barreiras fsicas que impedem entrada no
espao;
Opacidade ao olhar pblico: olhando de fora (quando se passa na
rua), no se tem a noo do que est l dentro;
Unicidade e interiorizao da entrada para o interior do
empreendimento.
Restrio do livre direito de admisso, reservado a residentes e
autorizados;
Alienao face ao contexto externo: objectos arquitectnicos
voltados para dentro, implantados sem preocupao de articulao,
continuidade e dilogo com a envolvente prxima;
Isolamento social: residentes dos chfs vivem em funo de um
interior, no qual concentram a sua ateno e investimento afectivo,
no participando ou preocupando com a envolvente;
Exclusividade: s algumas pessoas tm condies objectivas para
viver num chf ( s para alguns).
Alm da fuga falta de qualidade urbana, o desejo de promoo social
, segundo os entrevistados, a principal razo para se residir, em
Lisboa, num chf. A reside quem, assim o desejando, dispe de condies
materiais objectivas que permitem sustentar uma deciso acessvel, em
Portugal, a franjas minoritrias.
A suposta homogeneidade social desse universo fragiliza-se,
contudo, por referncias que, insinuadoramente ou peremptoriamente
asseveradas, aconselham a diferenciao entre fontes/recursos de
prestgio social (dinheiro versus cultura), sendo os percursos de
vida importantes para julgar em que moldes se processa o acesso a
tais recursos (novos ricos versus ricos). A classificao dos
residentes expe-se em toda a sua complexidade, nela ressoando os
ecos de um jogo de mtuas estratgias de distino social (Bourdieu,
1979: 117-118).
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O chf afigura-se como veculo que permite a aparncia da
homogeneidade de estatutos: quer para os indivduos que experimentam
fortunas de primeira gerao (novos ricos, gente com dinheiro mas sem
cultura); quer para aqueles em que a diviso de custos no acesso a
equipamentos e espaos colectivos (apangio dos chf) permite que,
anteriormente tendo experimentado condies econmico-sociais
anteriormente mais favorecidas, preservar prticas e um estatuto
socialmente prestigiante.
Optar por um chf pode, assim, sinalizar trajectrias de
mobilidade social de sentidos opostos.
Na interessante expresso de uma arquitecta-investigadora, o chf
configura uma situao hbrida: a propriedade/usufruto colectivo de
reas comuns, a diviso de custos implcitas a tal colectivizao do
espao privado, no parece coadunar-se com o que seria prprio,
sugere, da classe natural de uma alta burguesia.
Aludindo-se diversificao do produto imobilirio, a distribuio da
heterogeneidade social dos residentes expressa e estrutura a
classificao dos empreendimentos: o universo dos chf arquitectnica,
social e simbolicamente heterogneo. H uma escala de apreciao em que
o estatuto dos chf no se reduz ao preo dos fogos um empreendimento
meditico como o Belas Clube de Campo, pode ser desvalorizado por
autorizar a passagem, no seu interior, de um autocarro pblico
(MARTINS et al., 2002).
Do percurso de investigao efectuado, poder considerar-se que,
quanto maior o nmero de habitantes, quanto mais denso,
tipologicamente mais diverso, e mais prximo (fisicamente mais
acessvel, em termos de transportes pblicos) menos exclusivo
tendencialmente considerado um chf. No deixa de ser curioso
verificar que, sendo a dimenso, a densidade e heterogeneidade
social elementos classicamente associados ao tipo ideal de cidade
(Wirth em Velho, 1967) os chf considerados mais prestigiados so os
que mais dela parecem afastar-se.
A sensao de controlo sobre a envolvente imediata, relativamente
qual se experimenta uma influncia directa e autnoma (sobretudo
negociada entre indivduos que, mais do que por desejos de
afinidades interpessoais, se obrigam e agrupam segundo interesses
comuns), define a essncia do chf.. O ascendente sobre a envolvente
(que a cidade comum no deixa estabelecer), manifesta-se numa srie
de elementos neles considerados, pelos entrevistados, usuais:
muros, vedaes, portaria, meios humanos de vigilncia e controlo do
acesso.
A pesquisa sugere a importncia de questionar a instrumentalizao
da noo de segurana na expresso de receios fundados em mltiplos
desconfortos e interesses estratgicos, os quais, aglutinados num
termo nico, perdem visibilidade prpria, geralmente, em prol do
acentuar do medo do crime.
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Estoril Domus (Estoril)
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VI CONGRESSO PORTUGUS DE SOCIOLOGIA
Uma ameaa algo social e culturalmente mediado (Kasperson, sd:
158-159). Sobretudo entendida como expresso de uma representao
social do meio (Frias, 2004: 2), a relao entre sentimento de
insegurana e expanso de chf um processo, segundo Francesco
Indovina, fundeado num modo de comportamento poltico, ao qual
subjaz, a projeco, no plano colectivo, de incertezas sociais
individuais (2001: 19).
No desencontro entre incremento do nvel de vida, e transformao
das necessidades/ aspiraes e exigncias perante a aco do Estado, a
construo social do sentimento de insegurana encontra mbitos
diversos de nidificao. Num mundo que se conhece mais e compreende
menos, de desconfiana difusa sobre as instituies polticas da
modernidade e ante a emergncia de novos paradigmas ecolgicos
(Catton e Dunlap, Burns e Flam, citados em Silva, 2002: 23-35),
optam alguns por sublinhar a vertente ontolgica de tal insegurana
(Giddens, 1998). Os sentidos recobertos pela ideia de segurana e de
insegurana reportam, nos discursos analisados, a mltiplos
sentidos.
No desprezando a proteco face ao crime reconhecida como marca
tendencialmente presente nos/dos chf o trnsito um factor
frequentemente referenciado como elemento ameaador, indutor de
repulsa pela cidade presente: pelo incmodo do rudo e poluio no
quotidiano; pelo que sinaliza de ausncia de ordem planeada e pela
ameaa que representa integridade fsica das crianas. Tambm pela
menor exposio ao trnsito e adopo de regras prprias internas, o chf
oferece a oportunidade de brincar ao ar livre, redescobrindo formas
de entretenimento mais comuns na cidade de antes. Algo relatado
noutros trabalhos, nomeadamente de Setha Low, para quem os
residentes nas gated communities querem recapturar elementos fsicos
das paisagens que imaginam como sendo da sua infncia assim
recriando e projectando nos filhos, memrias felizes (2003:
76-77).
A segurana dos chf espreita tambm quando referenciados como
espaos vocacionados para o enraizamento de afectos, territrios
percepcionados como efectivamente intervencionados e eficientemente
gerido pelos prprios indivduos, junto de outros que se obrigam s
mesmas regras de conduta. Mas nem
sempre os cf so considerados espaos de amenizao e controlo
preventivo da insegurana...
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Quinta da Graciosa (Estoril)
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VI CONGRESSO PORTUGUS DE SOCIOLOGIA
A generalidade dos entrevistados considera optar por um chf
beneficia a situao residencial particular das crianas, reformados e
donas-de-casa grupos tipos com maior disponibilidade de tempo para
aproveitar as amenidades, e maior necessidade de
acompanhamento.
Para os residentes entrevistados, a actual situao residencial no
potencia a vontade de mudar, em Lisboa, para outra casa.
O quadro 5 resume os principais impactes que, segundo emerge da
anlise dos contedos recolhidos, os condomnios fechados projectam ao
nvel individual (sobre os que neles residem); colectivo (sobre tais
residentes, enquanto colectivo de vizinhos) e sobre a cidade.
Quadro 5 Impactes dos chf
Positivos Negativos
Individuais Poupana, funcionalidade no acesso a espaos verdes,
deporto e lazer (abandonar sedentarismo de sof)
Facilidade de estacionamento
Silncio
Ter um jardim
Mais provvel delegao de funes de administrao
Envolvente prxima cuidada
Ter vistas lindas (ver jardins, espaos cuidados)
Autonomia da paisagem (despreocupao em relao evoluo da
envolvente)
Brincar ao ar livre (contacto com natureza, desenvolvimento de
competncias sociais de relacionamento das crianas
Artificialidade do meio (Dessocializao)
Custos manuteno onerosos
Preconceito em relao a quem vive num chf (snobs)
Potencial disperso do ncleo familiar
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Quadro 4 Segurana: um espao de atributos de sentidos dspares
Chf: espaos seguros Chf: espaos inseguros
Abrigo (proteco contra o crime)
Investimento (valorizao das habitaes)
Gesto preventiva do espao colectivo
Amparo (reforo de ideia de grupo de vizinhos que se espreitam,
mesmo no nos conhecendo)
Fiabilidade (estar entre vizinhos que se obrigam s mesmas
responsabilidades, comunidade de interesses)
Autonomia da paisagem (despreocupao relativa evoluo
actual/futura da envolvente prxima, a qual no afecta directamente o
espao interior do chf)
Proteco face ao trfego (defesa da integridade fsica das
crianas)
Preservao da integridade moral das crianas (no entram as
tentaes, ex: droga)
Salubridade do espao ao ar livre (limpeza)
Atraem a cobia dos ladres
Manuteno de equipamentos mais exigente, potencia riscos de maior
degradao do espao
Espaos de transgresso (crianas que brincam sozinhas no exterior,
fumar s escondidas no jardim)
Inacessibilidade (perigo em caso de incndio)
Bons espaos de fuga para criminosos (fuga para espao discreto,
cenrios perfeitos de vidas de fachada)
Reforo de sentimentos e fenmenos de insegurana (pela sinalizao
de suposta necessidade e convenincia de proteco)
Efeitos perversos na auto-sustentao da indstria da segurana
(histrias sobre quadrilhas criminosas associadas preservao dos
interesses desse sector)
Empreendimentos por excelncia de fachada para modos de vida
menos transparentes
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No ficar fechado em casa (sair de casa noite, fumar no
jardim)
Prestgio social
Colectivos Reforo de posio negocial face a prestadores de
servios
Envolvimento/responsabilizao na gesto colectiva do espao
Impor regras na envolvente prxima
Espessamento das relaes de vizinhana
Liberdade extra para os pais (crianas brincam na rua e circulam
entre as casas de vizinhos conhecidos)
Preveno (e no resoluo) de problemas
Previso e resoluo antecipada de problemas/conflitos Excessiva
regulao das relaes
Excessiva personalizao das relaes
Perda de privacidade (quebra do anonimato)
Mais equipamentosmais riscos de manuteno
Cidade Recuperar cidade degradada (envolvimento dos
privados)
Reanimar comrcio local
Rejuvenescimento
Prestgio
Re-humanizao da cidade (espessamento das relaes de
vizinhanas)
Saneamento financeiro dos poderes pblicos
Criao e proteco eficaz de espaos verdes
Abertura de reas outrora de propriedade/uso privativo
(quintas...)
Planeamento (harmonia entre beto e verde)
Desresponsabilizao do Estado na criao de equipamentos
colectivos
Segregao scio-espacial
Enclaves no penetrveis (prejudicam mobilidade pedonal e
viria)
Insegurana (Revolta dos excludos, formas mais elaboradas de
criminalidade)
Reforo do sentimento de insegurana (sinalizao da necessidade de
proteco, ruas ladeadas de muros se cair na rua, ningum v)
No articulao com envolvente (estagnao de um stio)
Cidadania de feudo, actuante apenas no que (formal e legalmente)
sua propriedade
1.6 INTERROGAES FUTURAS
O surgimento e expanso dos chf convida-nos a interpelar, de
forma indissocivel, Espao, Cidade e Democracia, revestindo-se tal
interpelao de um particular potencial estratgico na discusso em
torno da cidade que temos e sua transformao na cidade que
queremos.
A anlise das representaes associadas ao fenmeno despoleta a
exposio dum elenco de reivindicaes em relao cidade, tornando visvel
um conjunto de julgamentos, em alguns aspectos, indicia-se,
partilhados de forma socialmente mais extensa, no sendo especficas
daqueles que autonomamente escolhem residir nestes
empreendimentos.
No dilogo estabelecido entre actores diversamente associados
produo social de chf, emerge, por entre linhas de ruptura, um
interessante e preocupante espao de consenso, nele se aclarando um
conjunto de preocupaes sobre a cidade actualmente existente,
partilhadas entre confessados adeptos e assumidos opositores destes
empreendimentos. Ao elenco de reivindicaes captadas subjaz a
exigncia de novos padres de Qualidade de Vida, noo
multidimensional, relativa e evolutiva, historicamente tecida, no
sculo XX, entre o incremento do nvel e conforto de vida, e o
aumento das expectativas em relao aco dos poderes pblicos, num
caldo cultural marcado pela emergncia de valores
ps-materialistas.
A percepo e avaliao da qualidade da habitao no se confina ao
alojamento (enquanto objecto de referncia) estendendo-se, sim, aos
espaos em que os indivduos se posicionam, se movem, e se fazem
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representar num complexo campo relacional de expresso colectiva
(Freitas, 2001: 270). prpria noo de Qualidade intrnseca, pois, a
ideia de possibilidade de escolha:
a qualidade significa o poder e a capacidade para escolher (...)
significa a capacidade para gerir as diferenas na proximidade, a
possibilidade de comutar entre privado e pblico, o que local e
global, o que individual e o que comunal, o que foi ontem e o que
poder ser amanh, o que permanece e o que se transforma;
significando ainda, subsequentemente, a democratizao destes poderes
(...)e capacidades (Freitas, 2001: 444).
Na curiosa definio de uma entrevistada, a qualidade de vida a
vida que eu procuro.
Quando as representaes associadas s motivaes para a procura de
chf em Lisboa, distinguem no apenas uma componente reactiva (ante
um estado da cidade presente), mas tambm proactiva (associada
efectiva possibilidade de escolha e cumprimento, atravs dessa
procura, de estratgias residenciais dos indivduos), como poder a
cidade responder?
Endereado o desafio, quando colocada em evidncia a importncia da
vizinhana prxima na expresso das qualidades que distinguem chf da
envolvente prxima, que modelos de parceria, que
responsabilidades/espaos de negociao importa pensar perante
urgentes tarefas de reabilitao, revitalizao, reconverso,
regenerao... da cidade?
Quando a patrimonializao de alguns espaos da cidade se expe em
toda a sua complexidade e conflitualidade, que dinmicas de ocupao
do espao se escolhe privilegiar? A este propsito, pululam, em
Lisboa, potenciais objectos de estudo
A caracterizao da cidade presente, pontuada por concepes sobre a
cidade de antes que a retratam como espao idealizado,
obscurecendo-se os dados menos felizes (e contrariantes) desse
passado.
Contudo, os mesmos factores associados pelos entrevistados a uma
lamentvel desagregao das vizinhanas e penosa desumanizao da
cidade/empobrecimento da cidadania, so simultaneo espelho e
factores de desenvolvimento (ex: aumento do nvel de vida, acesso
generalizado aos meios de transporte, formas de comunicao
distncia). Deste ponto de vista, no raras vezes, o espessamento de
relaes de vizinhana prxima a que estilizadamente se alude sinaliza,
na prtica, contextos territoriais que usualmente classificamos como
socialmente excludos importando tambm reconhecer que a suposta
desumanizao da cidade algo que a investigao tende a relativizar,
detectada a existncia de prticas e representaes que confrontam o
clssico comunidade-sociedade como efectivo articulado
ideal-tpico.
No raras vezes (tambm no decurso da pesquisa), assiste-se
denncia dos residentes em chf como indivduos em dfice dos sentidos
de cidadania e responsabilidade social. Importa investir na
operacionalizao orientada para a explorao desta hiptese,
recorrentemente tida como essencialmente subjacente deciso de
residir num chf. Em que aspectos outros se concretiza tal
distanciamento? Como observar tal atitude e prticas, sendo que a
averiguao da acuidade da suposio convida ao estabelecimento de
grupos de controlo, representativos da populao que no reside
(porque no quer, porque no pode) em chf?
Numa resposta maioritria e recorrente noutros trabalhos,
salienta-se que na cidade ideal, no existiriam chf.
Sublinham alguns, tal existncia alcana sentido em meios (social)
ecologicamente imperfeitos e marcados pela desigualdade. Onde a
populao se assume genericamente equiparada rareiam tais
empreendimentos. Tal equiparao prende-se tambm com o acesso e
partilha de factores associados
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qualidade do espao urbano de acesso pblico; a qualidade do
contexto residencial estratgica no potenciar ou no a premncia da
distino social.
Em 6/2007, sob o tema Private Urban Governance: Production of
urban spaces, Interactions of public and private actors,
Sustainability of cities, Paris 1 acolheu a 4 conferncia de uma
rede internacional dedicada ao estudo do fenmeno. Manifestmos,
regressmos e mantemos: na tripla ancoragem da noo de governana
(dinmica entre instncias pblicas de governo, Privados e sociedade
civil) como entender a ideia de private urban governance? a parte
do processo que cabe ao sector privado (particularmente
espectacular nos casos de incorporao, previstos nos EUA)?
Reflectindo a dualidade patente nos posicionamentos crticos
sobre os impactes do fenmeno, fica outra interrogao, sobre a
imaginao da cidade ideal e do que, nessa cidade aconteceria Todos
viveramos em chf? No existiriam chf? Todos poderamos decidir viver
ou no em chf? No seria necessrio existir chf?
Provocao imaginao sociolgica, assumimos o reducionismo da
questo. Aceitamos a advertncia de um dos entrevistados: a discusso
sobre o surgimento e expanso dos chf no deve esquecer que nada
intrinsecamente mau. E geralmente, nem bom, acrescentamos.
Considerando as concepes dos chf como um mal/bem enquanto
posicionamentos ideal-tpicos, as possibilidades de resposta
enunciadas abrem caminho investigao de possveis perfis de
posicionamento perante o fenmeno.
E, para alimentar o debate, talvez valha a pena convidar-nos a
pensar sobre a possibilidade de resposta que cada um de ns, se a
tal instado, seleccionaria...
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www.olhares.com
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i Eventuais entendimentos e opes conceptual e metodologicamente
distintas explicam alguns desencontros abruptos: at 1993, para Jlia
Ferreira (2001: 64), seria possvel referenciar 21 chf em Portugal
continental; segundo recenseamento de Rita Raposo, at 1993,
haveria, s na AML, 44 chf (Raposo, 2002: 375).ii A entrevista
semi-directiva foi a tcnica de recolha de dados privilegiada,
complementada com episdios informais de observao directa nos chf e
suas vizinhanas prximas. Dispondo de reas/amenidades comuns
(jardins, piscina, existentes em todos), so clausurados, por efeito
de barreiras arquitectnicas (gradeamento, no caso da Graa;
gradeamento e prprio edificado nos outros casos), existncia de
portarias e meios humanos de vigilncia 24 horas por dia. Por relao
pessoal directa (residentes) ou profissional (casos do promotor
imobilirio, arquitecto projectista, mediador imobilirio, e gestor
da empresa de administrao de condomnios), os empreendimentos
congregavam alguns dos interlocutores. iii Referencie-se a reflexo
de Antnia Lima, sobre como as regras/rituais de estabelecimento de
contactos dificultam o exerccio da etnografia sobre as elites
(1997: 111-112).iv Casos mediticos recentes, os movimentos de
cidados contestando a construo dos empreendimentos Convento dos
Inglesinhos no Colgio (ou Convento) dos Inglesinhos (Bairro Alto) e
Terraos de Bragana, na antiga sede da PIDE-DGS. Para recenseamento
de contendas anteriores, consultar (Nunes in Ferreira, 2001).v O
fenmeno motivava a preocupao no State of the worlds cities 2006/07
do UN-Habitat, que sinaliza a emergncia de uma arquitectura do
medo, na qual os ricos [se] refugiam em comunidades encerradas
fundamentalmente atentatrias do crescimento urbano sustentvel (El
Pais 16-06-2006).vi por essa via que assumidos detractores afirmam
compreender as motivaes de quem opta por residir em chf.vii
Discurso semelhante ao encontrado noutros estudos, como o de Setha
Low (2003).viii Uma moradia no campo seria, alcana, na generalidade
dos entrevistados, o estatuto de casa ideal. Alm da proximidade
natureza, ao silncio, sublinha-se a autonomia que a moradia
possibilita se fisicamente desligada de outros fogos (permitindo
menor dependncia de outros na gesto sobre o espao). ix Importar
aprofundar a investigao acerca dos modos de gesto da distncia
qualitativa que, nos chf, considera conquistar-se em relao
envolvente prxima, reflectindo sobre a menor ou maior
distanciamento fsico relativamente a referncias que podem,
obviamente, no passar nem por cidades, nem por Lisboa (Martins et
al., 2002). x Na apreciao das qualidades dos chf e na avaliao da
actual situao habitacional, a casa (fogo) , para os residentes
entrevistados, um tema ausente ou secundarizado (inclusivamente na
descrio da mudana para a actual situao residencial). Um resultado
que importa relativizar porquanto, tambm da experincia de pesquisas
anteriores, suspeitamos poder relacionar-se com variveis
especficas, como o standing mais ou menos elevado dos
empreendimentos.
1.1 Condomnio habitacional Fechado (chf): uma noo fechada?1.2
Impresses e Perplexidades1.3 Aberto, fechado dicotomias ou
continuidades?1.4 Um fenmeno pouco consensual1.5 Alguns
resultados1.6 Interrogaes futurasbibliografia