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Universidade dos Aores
Departamento de Economia e Gesto
Histria do Pensamento
Econmico
Nuno Miguel Ornelas Martins
Angra do Herosmo, 2012
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ndiceA-Funcionamento da disciplina
0. Introduo................................................................................................................................ 4
1. A Economia e as Cincias Sociais.......................................................................................... 7
1.1. As definies de Economia de Mill, Marshall e Robbins.............................................. 7
2. O Pensamento Econmico anterior a Adam Smith............................................................ 10
2.1. A teoria do valor na idade antiga e medieval: as origens da Economia.................... 10
3.O Pensamento Econmico Clssico I: Adam Smith........................................................... 12
3.1. Os antecedentes da Riqueza das Naes: Mercantilismo e Fisiocracia..................... 12
3.2 O Pensamento Econmico de Adam Smith................................................................... 15
4. O Pensamento Econmico Clssico II: Say, Ricardo, Malthus e Mill.............................. 194.1. O pensamento econmico clssico ps-Smith.............................................................. 19
4.1.1. Jean-Baptiste Say...................................................................................................... 19
4.1.2. David Ricardo........................................................................................................... 20
4.1.3. Thomas Robert Malthus............................................................................................ 23
4.1.4. John Stuart Mill......................................................................................................... 25
5. Karl Marx.............................................................................................................................. 29
5.1 O contexto do idealismo alemo..................................................................................... 29
5.2. O materialismo dialctico.............................................................................................. 29
5.3. O materialismo histrico............................................................................................... 31
5.4. A tendncia do capitalismo para se auto-destruir....................................................... 33
5.5. O caminho para o Comunismo..................................................................................... 38
6. A revoluo marginalista e o pensamento econmico neoclssico.................................... 44
6.1. A revoluo marginalista de Menger, Jevons e Walras.............................................. 44
6.2. A Escola Neoclssica de Alfred Marshall..................................................................... 46
6.3. A expanso da matemtica Cartesiana dentro da Escola Neoclssica...................... 49
7. Methodenstreit - A Batalha dos Mtodos............................................................................ 52
8. A Escola Austraca................................................................................................................ 54
8.1. A crtica Austraca da Escola Neoclssica.................................................................... 54
8.2. O estudo Austraco da aco humana.......................................................................... 55
8.3. O Liberalismo Austraco e a crtica do Estado centralizado...................................... 57
9. O Institucionalismo Americano........................................................................................... 59
9.1. Thorstein Veblen............................................................................................................ 599.2. O estudo institucionalista da economia contempornea............................................. 62
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10 John Maynard Keynes e o Pensamento ps-keynesiano:................................................. 64
10.1. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.................................................... 64
10.2. A filosofia social da Teoria Geral e do Ps-Keynesianismo...................................... 67
10.3. A perspectiva Keynesiana dos mercados financeiros e as crises financeiras.......... 70
10.4. Piero Sraffa e o regresso aos clssicos no Ps-Keynesianismo................................. 74
10.5. A Economia Ortodoxa e o Keynesianismo................................................................. 77
10.6. As crticas Ps-Keynesianas funo de produo agregada.................................. 79
10.7. A controvrsia de Cambridge e a teoria econmica contempornea...................... 84
11. Joseph Schumpeter............................................................................................................. 89
12. O Evolucionismo.................................................................................................................. 91
13. Concluses............................................................................................................................ 93
Apndice I: Apndice matemtico sobre a teoria marginalista............................................ 98
Apndice II: Apndice matemtico sobre a teoria de Piero Sraffa..................................... 103
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0.INTRODUO
O programa da disciplina de Histria do Pensamento Econmico debrua-se sobre a
evoluo do pensamento econmico, comeando pelo pensamento econmico pr-
clssico, isto , o pensamento que antecede Adam Smith. Segue-se depois uma
discusso da filosofia moral e pensamento econmico de Adam Smith, que precede uma
anlise do pensamento econmico clssico iniciado por Smith.
Esta anlise do pensamento econmico clssico aps Smith centra-se no trabalho
de autores como Jean-Baptiste Say, David Ricardo, Thomas Robert Malthus, e John
Stuart Mill. Apesar da influncia destes autores sobre Karl Marx, este ltimo foi tratado
num captulo autnomo, devido complexidade filosfica e poltica que rodeia o seu
trabalho, de modo a poder considerar outras influncias sobre Marx para alm do
pensamento econmico clssico, como o idealismo alemo, e o socialismo.
Segue-se no programa da disciplina o tema da revoluo marginalista e do
pensamento econmico neoclssico, e uma explicao de como este pensamento se
tornou dominante, substituindo o paradigma clssico. As diferenas entre os diversos
autores do marginalismo, como Stanley Jevons, Leon Walras e Carl Menger, so
consideradas, com especial nfase no caso de Carl Menger, e nas diferenas
metodolgicas deste autor, que so posteriormente abordadas num captulo dedicado
Methodenstreit (ou Batalha dos Mtodos), e desenvolvidas tambm noutro captulosobre a Escola Austraca de Economia, desde Carl Menger at autores mais recentes
como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. O programa trata em seguida John
Maynard Keynes e o pensamento Ps-Keynesiano, seguindo-se uma anlise do
Institucionalismo Americano de Thorstein Veblen a John Kenneth Galbraith. O
pensamento de Joseph Schumpeter abordado no captulo seguinte, seguindo-se uma
discusso sobre o Evolucionismo noutro captulo. Algumas concluses sobre a
transformao do pensamento econmico so feitas neste captulo, seguindo-se algumasconsideraes finais sobre a Histria do Pensamento Econmico em geral.
Com este programa, pretende-se que o aluno desenvolva competncias ao nvel
da compreenso das diferentes tradies de pensamento econmico. Pretende-se
igualmente que o aluno seja capaz de proceder a uma anlise crtica das teorias
econmicas sugeridas pelas diferentes tradies de pensamento econmico e de avaliar
a sua relevncia na actualidade. Resumidamente, o programa o seguinte:
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1. A Economia e as Cincias Sociais
2. O Pensamento Econmico Pr-Clssico
3. O Pensamento Econmico Clssico I: Adam Smith
4. O Pensamento Econmico Clssico II: Say, Ricardo, Malthus e Mill
5. Karl Marx
6. A Revoluo Marginalista e o Pensamento Econmico Neoclssico
7. A Methodenstreit
8. A Escola Austraca
9. O Institucionalismo Americano
10. Keynes e o pensamento ps-Keynesiano
11. Joseph Schumpeter
12. O Evolucionismo
O regime de avaliao constitudo por duas frequncias a realizar ao longo do
semestre. Em alternativa, os alunos podem optar por efectuar um exame, ao qual quem
reprovar nas frequncias ter tambm acesso, com uma ponderao de 100% na nota
final.
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Contedos Programticos da
disciplina de
Histria do Pensamento
Econmico
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1.AECONOMIA E AS CINCIAS SOCIAIS
1.1.AS DEFINIES DE ECONOMIA DE MILL,MARSHALL E ROBBINS
A primeira questo que se coloca no estudo da Histria do Pensamento Econmico a
definio do tpico. Saber como se define a Economia enquanto rea de estudo
fundamental para compreender a sua evoluo. A Economia Poltica surge como rea
relativamente autnoma do saber com Adam Smith, com a publicao da sua obra
Riqueza das Naesem 1776.1A Economia Poltica consolida-se durante o sculo XIX,
altura em que o livro de John Stuart MillPrinciples of Political Economy, publicado em
1848, substitui o livro de Smith como o manual mais utilizado no ensino da Economia.2
Em 1890 Alfred Marshall publica o seuPrinciples of Economics, que se torna o manual
de ensino da Economia mais influente3, substituindo o livro de Mill, e em 1903 Alfred
Marshall funda a Faculty of Economics and Politics da Universidade de Cambridge,
comeando as Faculdades de Economia a surgir enquanto Faculdades autnomas dentro
da Universidades por volta desta poca.
A ligao entre tica, economia e poltica vai-se mantendo neste processo. Em
Aristteles estas reas no eram separadas, e autores como Adam Smith, John Stuart
Mill e Alfred Marshall demonstram uma grande preocupao em no separar a
Economia destas consideraes. No entanto, Lionnel Robbins criticar num famoso
ensaio de 1932 a mistura das questes normativas com as questes positivas da
Economia, incluindo a ligao desta ltima a questes normativas no mbito da Poltica,
o que contribui para que se abandone a designao de Economia Poltica, para se passar
a usar a designao de Economia.4
Trs influentes definies de Economia surgem neste processo, e so as de John
Stuart Mill, Alfred Marshall e Lionnel Robbins. John Stuart Mill, que procura
sistematizar o pensamento clssico iniciado por Adam Smith, enfatiza que a Economia
a cincia que estuda as causas da riqueza, e as actividades de produo, distribuio e
1Smith, A.,An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, London, Methuen
and Co., Ltd, 1776.2Mill, J. S.,Principles of Political Economy, London, J. P. Parker, 1848.
3
Marshall, A.,Principles of Economics, London, Macmillan and Co, 1920[1890].4 Robbins, L., An Essay on the Nature and Significance of Economic Science, London,Macmillan, 1935[1932].
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troca dessa riqueza. J Alfred Marshall, que procura continuar o pensamento clssico de
Smith e Mill, mas complement-lo com as novas ideias da revoluo marginalista,
numa concepo neoclssica, salienta que a economia o estudo da aco humana na
medida em que afecta as condies materiais do bem-estar. Lionel Robbins, por outro
lado, define a economia como a cincia que estuda os usos alternativos de recursos
escassos.
Cada uma destas definies enfatiza aspectos diferentes. Millsalienta ascausas
da riqueza, Marshallaaco humana, e Robbinsa existncia de necessidades mltiplas
e recursos escassos. Enquanto Marshall procura continuar a abordagem clssica de Mill,
procurando combinar a mesma com o marginalismo numa abordagem neoclssica,
Robbins criticou a anlise do bem-estar de Marshall e do seu discpulo em Cambridge
Arthur Cecil Pigou, que caracteriza a ala neoclssica de Cambridge, argumentando que
no possvel comparar a utilidade subjectiva de diferentes indivduos, e criticando a
mistura de questes normativas e questes positivas que essa anlise do bem-estar
implicaria.
Como Marshall tinha uma concepo da Economia segundo a qual esta consistia
no estudo da actividade humana na medida em que esta afecta as condies materiais do
bem-estar, esta concepo era uma concepo substantiva, em que a Economia se
definia em termos de um objecto de anlise, tal para os clssicos, como John Stuart
Mill, autor que influenciou fortemente Marshall, e para quem a Economia Poltica se
definia tambm em termos do estudo de um objecto, como a produo e distribuio da
riqueza.
J Robbins definia a Economia como o estudo dos usos alternativos de recursos
escassos, adoptando uma definio que sendo formal, e no substantiva, leva a uma
concepo em que a Economia poder estudar vrios objectos para alm das condies
materiais do bem-estar, ou da produo e distribuio de bens, utilizando os conceitosmarginalistas de optimizao e escassez.
Esta concepo formal de Robbins contribuiu para o abandono do realismo
Marshalliano dentro da escola neoclssica, e na Economia em geral, pois a partir do
momento em que a Economia se define em termos formais, e no substantivos, est
aberto o caminho para a utilizao dos mais variados modelos e mtodos,
independentemente de serem adequados ao estudo de uma dada realidade ou no. A
tendncia para o abandono do realismo na teoria econmica relaciona-se com esteprogresso do formalismo.
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Baseados nesta oposio entre a abordagem substantiva de Mill e Marshall, e a
abordagem formal de Robbins, podemos chegar a duas vises fundamentais acerca da
interdisciplinaridade entre as cincias sociais. Uma abordagem seria pensar que a
Economia deve aprender com as outras cincias sociais, na medida em que estas nos
permitem estudar a aco humana no seu conjunto, um aspecto enfatizado por Marshall
e Mill. Outra abordagem seria pensar que as outras cincias sociais devem aprender com
o mtodo econmico que estuda os usos alternativos de recursos escassos, que para
Robbins a essncia da Economia. Se a Economia caracterizada pelo mtodo, pode
ser aplicada a qualquer estudo, a qualquer rea. Estas duas tendncias, uma substantiva,
outra formal, sero as tendncias entre as quais oscilar a Economia, como iremos ver.
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2.OPENSAMENTO ECONMICO ANTERIOR A ADAM SMITH
2.1. A TEORIA DO VALOR NA IDADE ANTIGA E MEDIEVAL: AS ORIGENS DA
ECONOMIAConsideramos neste captulo dos pr-clssicostudo o que foi escrito sobre economia
antes de Adam Smith. Podemos distinguir aqui dois perodos que antecedem a idade
moderna. Um deles ser a Antiguidade, onde a matriz dominante no mundo ocidental
era a matriz greco-latina. O trabalho fundamental na rea da Economia aqui ser o de
Aristteles, que alis considerava em conjunto as reas da tica, politica e economia.
Outro perodo ser a Idade Mdia, onde as matrizes dominantes no mundo ocidental
passam a ser a matriz judaico-crist e a matriz greco-latina. Nos escritos destas pocas
encontramos os antecedentes de uma questo central da Economia, a teoria do valor.
A questo do valor tinha j sido tratada, mas no resolvida por Aristteles, por
exemplo no captulo 5 do livro 5 da tica a Nicmaco. Aristteles vai distinguir entre
valor de uso (valor atribudo em funo do uso que damos aos objectos) e valor de troca
(que pressupe comparao de algo comum). Mas deixa em aberto a questo de se o
(elemento comum que permite comparar o) valor de um bem depende do trabalho
necessrio para produzir esse bem, ou da utilidade do bem.
Como veremos, para a teoria clssica o preo de um bem depender do seu custo
de produo, que medido pelo trabalho necessrio para o produzir, enquanto na teoria
marginalista o preo de um bem depender da utilidade adicional do bem. A teoria dos
preos como custo de produo foi, como Joseph Schumpeter5salienta, formulada de
um modo mais claro apenas por Joo Duns Escoto, autor Franciscano que viveu a
transio do sculo XIII para o sculo XIV, dividindo o seu tempo entre as
Universidades de Oxford, Cambridge, Paris e Colnia, e que antecipou pois a teoria do
valor do pensamento econmico clssico que veremos adiante, onde o preo tende para
o custo de produo.
A anlise dos preos em termos das preferncias subjectivas, que apenas so
reveladas quando se manifestam num mercado competitivo, remonta ao trabalho de
Francisco de Vitria, autor Dominicano e fundador da Escola de Salamanca, de Lus de
Molina, autor Jesuta que dividiu o seu tempo entre as universidades de Coimbra, vora
5
Schumpeter, J.,History of Economic Ideas, London and New York, Routledge, 1997[1954], p.93.
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e Madrid, e Francisco Surez, autor tambm Jesuta que tambm acabou por dividir o
seu tempo entre Salamanca e Coimbra. Estes autores enquadram-se na fase final do
perodo escolstico Ibrico, que era crtico da teoria do preo como custo de produo
defendida por Joo Duns Escoto, autor Franciscano de uma fase anterior do pensamento
escolstico.
Deste modo, a mudana de paradigma acerca da teoria do valor, que se d no
pensamento econmico ocidental na dcada de 1870 com a revoluo marginalista, que
iremos estudar adiante, j se tinha dado de certo modo dentro da escolstica medieval.
Efectivamente, embora a questo do valor tivesse sido j abordada por Aristteles, a
distino entre preo como custo de produo, e preo como resultado da manifestao
de preferncias subjectivas, aparece de modo mais claro apenas no pensamento
escolstico medieval.
Como Schumpeter6 explica, tanto Adam Smith, como o pensamento clssico e
neoclssico que se segue, influenciado pela escolstica medieval, embora estas
tradies de pensamento econmico recebam maior influncia de fases diferentes da
escolstica medieval. A escolstica medieval abarca pois autores como Duns Escoto,
que defendem que o preo resulta do custo de produo (como defender depois o
pensamento econmico clssico), e autores de uma fase mais tardia da escolstica
Ibrica como Francisco Vitria, Lus de Molina ou Francisco Surez, para quem o
preo, resultando de um valor subjectivo, simplesmente o que for estabelecido em
qualquer mercado competitivo (como defendero mais tarde as escolas neoclssica e
Austraca). Este pensamento escolstico tardio Ibrico inspirou pois tradies de
pensamento econmico que consideravam o valor como algo subjectivo, e as tradies
econmicas liberais, como Schumpeter7explica, nas quais podemos enquadrar a escola
Austraca de Economia, que se baseia no trabalho do marginalista Carl Menger.8
No entanto, quando esta questo regressa ao pensamento econmico, havernaturalmente um contexto poltico e institucional muito diferente. Schumpeter explica
que a autoridade papal garantiu segurana face interferncia externa sobre aquilo que
nos mosteiros, conventos e abadias se estudava acerca de Economia. Ao longo do tempo
6Schumpeter, J., History of Economic Ideas, London and New York, Routledge, 1997[1954],pp. 93-94.7Schumpeter, J.,History of Economic Ideas, London and New York, Routledge, 1997[1954], p.
98-99.8Menger, C.Principles of Economics, New York, New York University Press, 1976[1871].
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existiu sempre uma tendncia para a poltica influenciar a teoria econmica. No entanto,
a poca medieval uma excepo pois o poder poltico real no intervinha devido ao
poder do Papa. Embora teologicamente houvesse uma preocupao com o contedo das
teorias por parte do Papado, por exemplo, no existia uma grande preocupao com o
contolo do contedo econmico das teorias.
Discusses centrais na escolstica medieval eram a legitimidade do juro, ou a
justia na distribuio. De facto, com o Cristianismo a pessoa humana passa a ser vista
como possuidora de uma dignidade inalienvel, e deixa de ser vista como algo que tem
de se adequar a uma ordem natural que inclui a escravatura, como defendiam autores
gregos como Aristteles. Isto significa que a justia comutativa nas transaces
econmicas, e a justia distributiva na sociedade, continuam a ser questes essenciais na
idade Mdia, como eram para Aristteles, mas que tero de ser abordadas tendo em
conta a dignidade inalienvel da pessoa humana.
Alfred Marshall explica isto claramente no seuPrinciples of Economics, notando
como a transio da tradio grega para a concepo crist de pessoa foi fundamental
para a (re)colocao das questes econmicas. Antes de reentrar na teoria econmica do
valor e distribuio, vamos agora estudar melhor essa concepo moral crist, e o papel
da pessoa humana nessa concepo.
3.OPENSAMENTO ECONMICO CLSSICO I:ADAM SMITH
3.1. OS ANTECEDENTES DA RIQUEZA DAS NAES: MERCANTILISMO EFISIOCRACIA
No apenas na teoria moral e na filosofia que David Hume deixou marca em autores
como Smith ou Kant, mas tambm no pensamento econmico, onde empiristas
britnicos como John Locke e David Hume foram autores influentes do conjunto de
princpios designados por Smith como mercantilismo. No momento em que estes
autores escrevem comea a surgir o estudo das variaes ao nvel dos preos e das
quantidades, comeando tambm a aparecer um estudo da economia com um maior
grau de separao das dimenses ticas e polticas do que antes, mas ainda muito ligado
a estas dimenses. No mercantilismo ainda no temos o estudo da economia enquanto
cincia autnoma, mas j existe um estudo mais centrado apenas em variveis
econmicas. O mercantilismo tem diversas variantes, e dificilmente pode ser
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considerado uma escola do pensamento. Constitui essencialmente um conjunto de
polticas econmicas baseadas na observao de variaes quantitativas na economia.
Na altura em que emerge o mercantilismo, o Estado-Nao a entidade poltica
mais importante, que nasce da centralizao do poder monrquico face aos nobres
feudais, desaparecendo o sistema descentralizado medieval, que d lugar ao Estado-
Nao centralizado moderno.9 Neste contexto, os autores mercantilistas vo-se
preocupar com a riqueza do Estado-Nao. Os autores mercantilistas vo argumentar
que a riqueza das naes consiste na acumulao de metais preciosos, atravs de
balanas comerciais favorveis.
Os mercantilistas vo defender que para conseguir uma balana comercial
favorvel, ser fundamental a importao de matrias-primas baratas, de modo a que a
agricultura possa ceder lugar ao desenvolvimento das indstrias e manufacturas, onde os
produtos possuem um maior valor acrescentado. Assim, a Nao produzir produtos de
maior valor acrescentado, que trocar por matrias-primas de menor valor acrescentado,
conseguindo uma balana comercial favorvel face a outras naes, e por conseguinte a
acumulao de metais preciosos. Nesta concepo a riqueza baseada pois na
actividade industrial, que permite vantagem no comrcio internacional.
Neste contexto, h uma tendncia para o proteccionismo da indstria, de modo a
poder desenvolver a indstria, e limitar as importaes de produtos manufacturados,
pois considera-se que o comrcio um jogo de soma nula. No entanto, apesar de se
recomendar a importao de matrias-primas baratas para que o sector primrio da
Nao possa dar lugar ao sector industrial, muitos autores mercantilistas consideram
que nunca se dever ficar totalmente dependente de matrias-primas do outro pas,
especialmente se estas forem essenciais, pois em caso de guerra, no existindo
comrcio, difcil obter essas matrias-primas.
David Hume defender no entanto que no possvel manter uma balanacomercial positiva para sempre. Isto porque a balana comercial positiva leva a aumento
dos metais preciosos (da moeda) no pas e logo a um aumento dos preos. Face ao
aumento dos preos, a competitividade dos bens do pas relativamente aos bens de
outros pases desce, logo h um decrscimo da balana comercial, dos metais preciosos
(moeda), e dos preos. Mas esta ltima baixa de preos traz de novo uma maior
9
Conforme explicado em Heilbroner, R., The Wordly Philosophers: The Lives, Times, andIdeas of the Great Economic Thinkers, 6th ed., New York, Touchstone, 1986 [1953].
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competitividade dos bens do pas relativamente aos bens de outros pases, logo uma
balana comercial favorvel, e reinicia o ciclo.
Todavia,Richard Cantillonafirmar que os preos vo aumentar com o influxo
de metais preciosos, mas em propores diferentes em diferentes sectores, o que pode
criar complicaes neste mecanismo. De resto, s aquilo que transformado no pas
teria preos mais elevados, devido s importaes de matrias-primas. Como veremos,
Adam Smith argumentar tambm que os mercantilistas deveriam olhar para a estrutura
da Economia e no apenas para os metais preciosos. Smith afirma que o mercantilismo
transferiu inapropriadamente para a economia uma ideia do senso comum: a ideia de
que ter metais preciosos ou moeda significa riqueza.
O mercantilismo ser no entanto defendido mais tarde por autores como John
Maynard Keynes, para quem os mercantilistas defenderam polticas apropriadas, porque
a importao de metais preciosos era na poca a nica forma de baixar a taxa de juro
implcita, e aumentar o investimento. O mercantilismo ser defendido tambm pela
Escola Histrica Alem, que explicar que a economia poltica um jogo de soma nula,
e os mercantilistas compreenderam bem este facto. As polticas proteccionistas
mercantilistas so de facto semelhantes s que a Alemanha foi seguindo desde a unio
aduaneira do Zollverein, liderada pela Prssia, e durante a sua unificao com Bismarck
e subsequente crescimento at s duas guerras mundiais.
Os Fisiocratas, oriundos de Frana, vo no entanto criticar as polticas
mercantilistas, que em Frana haviam sido defendidas por Colbert, e designadas muitas
vezes como Colbertismo. Para os Fisiocratas, o principal recurso da economia era a
terra, logo os Fisiocratas defendem que deveramos olhar para a Agricultura como fonte
de riqueza, e no para os metais preciosos. Franois Quesnay nota que na economia
existe o sector comprador e o sector vendedor, onde cada um destes papis pode ser
desempenhado por trs classes: agricultores, proprietrios fundirios e artesos. aprimeira vez que vamos ter um quadro que tenta retratar toda a actividade econmica.
Os Fisiocratas vo enfatizar a ideia de que o sistema econmico estar em equilbrio,
pois Quesnay explica que tudo aquilo que comprado foi vendido e tudo aquilo que
vendido foi comprado.
Esta perspectiva ter implicaes em termos de poltica econmica. Se toda a
riqueza vem da terra e a classe que detm a terra so os proprietrios, ento deveria
haver um imposto nico sobre quem detm os recursos, que so os proprietrios daterra. Os Fisiocratas vo defender que a moeda apenas um meio de troca, e no tem
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qualquer impacto na economia real. A economia real no afectada pela economia
monetria. Adam Smith ser um crtico feroz do mercantilismo, e manter um grande
respeito pela tradio fisiocrata. No entanto, chegar a uma teoria econmica que est
para alm de ambas estas concepes, como veremos.
3.2OPENSAMENTO ECONMICO DE ADAM SMITH
Geralmente considera-se que Adam Smith, que iniciou o pensamento econmico
clssico, possibilitou o aparecimento de uma cincia econmica autnoma, algo que j
se comeava a desenhar no pensamento mercantilista e fisiocrata. Uma questo
interessante ser investigar at que ponto o pensamento de Adam Smith realmente
possibilitou ou no uma separao entre a cincia econmica, e outras reas como atica e a filosofia moral, bem como o posterior desenvolvimento da economia como
uma cincia social autnoma.
A noo de liberdade individual, na qual se baseavam autores como Adam
Smith, pressupunha um indivduo relacional, que atravs da empatia (Adam Smith
utilizava o termo simpatia, como vimos), era capaz de se colocar na situao dos
outros agentes, levando a uma interaco entre indivduos baseada em sentimentos
morais. Mesmo os mercados, onde os agentes econmicos procuram o seu interesseprprio, surgem da propenso humana para o dilogo, baseada na empatia, e
pressupem a confiana mtua entre seres humanos, para Smith. Deste modo, a
concepo de um indivduo separado dos restantes indivduos, movido apenas pelo
egosmo, no corresponde concepo de indivduo de Smith, para quem as normas
ticas e sociais eram uma dimenso fundamental da realidade social.
Adam Smith especifica que a diviso do trabalho o ponto de partida para a
formao do sistema econmico. Mas a diviso do trabalho depende da existncia de
um mercado suficientemente vasto, e a existncia do mercado, segundo Adam Smith,
resulta da propenso do ser humano para a troca. J a propenso para a troca, segundo
Smith, depende de disposies ticas que possibilitam o dilogo e a confiana mtua.
Na ausncia destas disposies, o mercado no funciona.
Na medida em que a diviso do trabalho depende do mercado e da troca, e esta
depende de aspectos ticos, a separao entre tica e economia no foi estabelecida em
Smith que de resto era um professor de filosofia moral, cuja obra principal sobre o
tpico, a Teoria dos Sentimentos Moraiscontm uma viso integrada das disposies
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ticas que permitem o dilogo humano. A viso integrada das vrias dimenses do
processo de desenvolvimento, incluindo a prpria dimenso tica do problema,
encontrava-se j nos autores do pensamento econmico clssico, como Amartya Sen10
refere, criticando a interpretao de Adam Smith feita por George Stigler, que
argumenta que Smith explica toda a actividade econmica com base no interesse
prprio. Para Amartya Sen o interesse prprio no suficiente mesmo para Adam
Smith. preciso ter em conta o lado moral, simpatia e empatia, para conseguir explicar
e perceber as actividades econmicas, mesmo na perspectiva Smithiana. Sendo assim,
Smith no defende uma sociedade estruturada unicamente na procura do interesse-
prprio individual, como muitos autores que advogam que a sociedade emerge do
contrato social entre indivduos que procuram apenas o seu interesse prprio.
Contudo, Smith argumenta na Teoria dos Sentimentos Morais que a
benevolncia no suficiente para estruturar uma sociedade. Enquanto a benevolncia
ser o ornamento do edifcio da sociedade, a justia trar as fundaes do edifcio. No
entanto, no ser a prudncia a base da sociedade, muito menos uma prudncia apenas
egosta. Justia, prudncia, benevolncia e auto-controlo sero as quatro virtudes
necessrias para compreender a sociedade, sendo a justia a base a partir da qual as
outras trs virtudes permitiro aperfeioar a sociedade. David Hume j argumentava que
a benevolncia apenas ser suficiente para sustentar pequenos grupos, como a famlia.
Smith prope que para estruturar uma sociedade de maior dimenso, ser
fundamental a virtude da justia, que tem a sua base tambm em sentimentos morais, e
na responsabilidade que o indivduo sente perante a sociedade. Para explicar a evoluo
da economia e da sociedade, Smith adopta uma viso da histria em que esta progride
por fases, sendo preciso compreender o contexto moral e poltico subjacente a cada fase
para compreender a economia e a sociedade. com base nesta concepo da sociedade
que podemos agora passar para a anlise econmica de Smith.Na sua obra A Riqueza das Naes, Smith11 considerava que a diviso do
trabalho limitada pela dimenso do mercado, pois s a produo em maior quantidade
permite a diviso do trabalho e consequente aumento da produtividade. Para Smith, o
aumento da produtividade permite a existncia de lucros, que originam poupana, que
por sua vez ser reinvestida em capital, permitindo uma maior diviso do trabalho e
10
Sen, A., On Ethics and Economics, Oxford and New York, Basil Blackwell, 1987.11Smith, A.,An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, London, Methuenand Co., Ltd, 1776.
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mais uma vez maior produtividade. Neste caso, o crescimento econmico entra num
ciclo virtuoso. Como os autores Ps-Keynesianos clarificaro mais tarde, a poupana
gerada pelos lucros na medida em que a propenso a poupar de quem recebe lucros
superior, em mdia, propenso a poupar de quem recebe salrios. Deste modo, os
lucros so essenciais para a poupana.
Ao explicar em maior pormenor a sua concepo da economia, Adam Smith
analisou uma estrutura social mais especfica, o mercado, e explicou que a prossecuo
do interesse prprio dentro de um processo de mercado ser regulamentada pela
existncia de concorrncia entre os vrios agentes do mercado. Este argumento muitas
vezes usado para justificar as polticas que recomendam a reduo da regulamentao
do mercado, uma vez que a concorrncia no mercado seria suficiente para equilibrar o
mesmo. No entanto, Adam Smith formulou o seu argumento tendo em mente um
mercado relativamente descentralizado onde no haveria muita diferena entre a
competitividade dos diversos agentes econmicos, tendo cada empresa uma parte
relativamente pequena deste mesmo mercado. Neste contexto, o comrcio livre poderia
vir a ser uma melhor opo do que a adopo das polticas mercantilistas que Smith
criticou.
preciso notar que os argumentos de Smith baseavam-se no pressuposto de uma
economia de, diramos hoje, pequenas e mdias empresas, onde o poder de mercado de
cada empresa individual era relativamente reduzido. O mercado defendido por Smith
era um mercado descentralizado, em que os vrios agentes tinham um poder
competitivo semelhante que auto-regulava o interesse prprio de todos. Smith explicou
as virtudes do mercado e do comrcio internacional, considerando o mercado um
sistema onde a competio contrabalana o interesse prprio, sendo pois um processo
auto-regulado (e suportado por disposies ticas e normas morais), que gera benefcios
face diviso do trabalho que permite. Para Smith, um pas deve se especializar naproduo do bem em que tem maior produtividade absoluta e logo menores custos
absolutos, beneficiando para tal da diviso internacional do trabalho.
Isto no significa que para Adam Smith o interesse prprio no seja uma fora
importante. de facto juntamente com a competio, umas das duas foras
fundamentais da Economia, pois o interesse prprio impulsiona a aco e regulado
pela competitividade. Mas no actua fora de um contexto social e institucional. Na
concepo liberal dos autores clssicos, a liberdade humana pressupe uma estruturasocial e institucional que regula a aco humana, e em que se garante que nenhum grupo
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tem o poder para fazer os seus interesses prevalecer sempre sobre os interesses de
outros.
Dentro deste contexto de competio e equilbrio de poder de mercado, no
mercado forma-se um preo de mercado, que gravita em torno do preo natural, que o
preo para o qual o preo de mercado deve tender se o mercado estiver em equilbrio.
Este preo natural vai tender para o custo de produo, que se mede com base nas
unidades de valor-trabalho. Smith explica que o ouro mais caro do que a gua porque
demora mais horas de trabalho a extrair (e no por ser mais escasso e ter uma utilidade
marginal superior, como defender mais tarde a teoria marginalista neoclssica).
A Riqueza das Naes apresenta algumas inconsistncias porque contm ainda
algumas influncias dos pensamentos anteriores, como qualquer obra de grande
originalidade. Neste sentido, acabam por existir duas verses da teoria do valor-
trabalho, uma focando o trabalho como incorporado, isto , as horas de trabalho
necessrias para produzir algo; e outra focando o trabalho comandado, isto , as horas
de trabalho que poderemos comprar com o bem. Esta ltima verso, de trabalho
comandado, aquela que Smith adopta mais consistentemente, sendo por isso criticado
por Ricardo, e defendido por Malthus.
A concepo de mercado de Smith influenciada por Isaac Newton, e pela sua
concepo de gravitao em direco a um equilbrio, enquanto a dinmica da
transformao econmica Smithiana concebe a sociedade como algo em evoluo.
Neste contexto, em Adam Smith existem duas leis fundamentais que regem a dinmica
da transformao da economia, como Heilbroner refere, a Lei da Acumulao e a Lei da
Populao.12 Segundo a Lei da acumulao, a poupana que leva acumulao de
capital. O aumento de capital leva diviso do trabalho que leva especializao, que
traz mais produtividade, logo mais produo, uma maior acumulao de poupana, e
mais capital, continuando o processo num ciclo virtuoso.J segundo a Lei da populao, com maior produo, partida poder-se- pagar
mais salrios. Com mais salrios, a populao est em melhores condies, h uma
melhoria do nvel de vida, o que leva ao aumento da populao. Mas se a populao
cresce, os salrios voltam a diminuir, o que leva diminuio da populao, e diminui o
nmero de trabalhadores. A diminuio do nmero de trabalhadores leva ao aumento do
12
Heilbroner, R., The Wordly Philosophers: The Lives, Times, and Ideas of the GreatEconomic Thinkers, 6th ed., New York, Touchstone, 1986 [1953].
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salrio e o processo recomea. Os salrios flutuam assim em torno de um determinado
valor.
Esta perspectiva da acumulao, populao, e do valor-trabalho, acompanhar os
autores do pensamento econmico clssico, como Say, Ricardo, Malthus, Mill, e
mesmo o prprio Marx, que se distinguiro pelas suas interpretaes do pensamento de
Smith.
4.OPENSAMENTO ECONMICO CLSSICO II:SAY,RICARDO,MALTHUS E MILL
4.1.OPENSAMENTO ECONMICO CLSSICO PS-SMITH
4.1.1. Jean-Baptiste SayO pensamento econmico clssico foi iniciado por Adam Smith, e continuado por
autores como Jean-Baptiste Say, David Ricardo, Thomas Malthus e John Stuart Mill,
entre muitos outros. Uma das diferenas fundamentais entre a teoria destes autores e a
teoria neoclssica que depois se tornou dominante reside na questo do valor. Para os
clssicos, os preos correspondiam ao custo de produo, num contexto em que esse
custo era avaliado em termos do trabalho. Adam Smith utilizar diversas vezes a noo
de trabalho comandado, isto , as horas de trabalho que um bem vendido no mercado
poderia comprar, como Malthus far consistentemente, enquanto Ricardo usar o
conceito de trabalho incorporado, isto , horas de trabalho despendidas a produzir algo,
criticando a noo de trabalho comandado.
Para os clssicos, da produo resultaro diversos rendimentos, como o salrio,
renda, juro e lucro (estes dois ltimos no eram distinguidos muitas vezes, separando-se
cada vez mais com o progresso do capitalismo), sendo que os lucros levaro
poupana, que por sua vez leva acumulao de capital, e ao crescimento econmico.
Deste modo, a anlise clssica centrava-se na reproduo e distribuio de um
excedente produzido pelo trabalho, sendo atravs da reproduo e distribuio desse
excedente que se d o processo de crescimento e desenvolvimento econmico.
Todos os clssicos aceitavam esta lgica do processo econmico, que consistia
na reproduo e distribuio de um excedente produzido pelo trabalho. Jean-Baptiste
Say comea por ser um divulgador destes princpios da obra de Smith em Frana. Mas
ao clarificar a obra de Smith, considera que j est a contribuir para o evoluir da teoria.
Sayd-nos uma definio clara de Economia, na qual a Economia a cincia que estudao modo como se produzem, distribuem e consomem as riquezas. Esta definio, onde
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Say distingue como trs actividades econmicas fundamentais a produo, distribuio
e consumo, est muito prxima da definio que ser depois dada por John Stuart Mill.
Say era contra a matematizao das cincias sociais, e vai tentar clarificar que as
cincias sociais devem ser estudadas com base na teoria usada por Smith e no atravs
da matematizao. Segundo esta perspectiva, a matemtica no essencial para as
cincias sociais. Baseado no pensamento de Smith, Jean-Baptiste Say formulou uma
ideia que designada correntemente como a lei de Say, segundo a qual a oferta gera a
sua prpria procura, pois a actividade de produo gera rendimentos (salrios, lucros,
rendas, juros) que aps distribudos sero utilizados no consumo, gerando procura.
Atravs da sua anlise da produo, distribuio e consumo, Say conclui que se
a economia tende para o equilbrio, onde a produo que vai determinar a actividade
econmica. Esta produo iniciada com o investimento efectuado peloempreendedor,
conceito que Say vai trazer tambm para a anlise econmica, que ser posteriormente
desenvolvido por Schumpeter. Enquanto Say refere o empreendedor como o elemento
dinmico que coordena o investimento, Ricardo, tal como a maioria dos clssicos,
designar o detentor de capital, e investidor, como capitalista.
4.1.2. David RicardoA perspectiva de Smith e Say acerca do processo de mercado era optimista quanto
sustentabilidade do mesmo, processo este suportado pelas disposies ticas e morais
que permitiam o dilogo e o mercado. David Ricardo, como Smith, defendia que o
comrcio internacional pode ser vantajoso para as vrias partes envolvidas, desde que
cada pas se especializasse em reas nas quais teria vantagens competitivas (vantagens
absolutas, segundo Smith, ou vantagens comparativas, segundo Ricardo). Segundo
Ricardo, para haver comrcio internacional no necessrio que um pas tenha
vantagem absoluta na produo de um bem, como para Smith, basta haver vantagens
comparativas. Como, segundo Ricardo, existem limites mobilidade de capital mesmo
que um pas tenha vantagens absolutas em todas as indstrias, no poder dedicar-se a
todas essas indstrias. Esse pas ter ento de se especializar na produo dos bens em
que tem maior produtividade relativa, e logo menores custos relativos.
Assim, segundo Ricardo, dever ser sempre possvel a integrao de um pas no
comrcio internacional, pois mesmo que esse pas no tenha vantagens absolutas na
produo de nenhum bem, ter sempre vantagens comparativas em alguns deles.
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preciso notar que autores como Smith, Say e Ricardo no defendem que o comrcio
internacional levar inevitavelmente existncia de vantagens mtuas no comrcio, mas
apenas que por permitir criar um excedente (atravs dos ganhos de especializao), o
comrcio internacional tem o potencial de gerar benefcios mtuos. Claro que a
materializao desse potencial em ganhos mtuos depende da repartio desse
excedente, que por sua vez resulta da forma concreta como o comrcio internacional
conduzido.
Todavia, nem todos os autores clssicos partilharam a perspectiva optimista de
Smith acerca da sustentabilidade do crescimento econmico, incluindo o prprio
Ricardo. Ricardo, como Smith e os clssicos que lhe seguem, vai distinguir trs
rendimentos, rendas, lucros e salrios, que se repartem por trs classes sociais, os
rendeiros, capitalistas, e trabalhadores.13 Para Ricardo os lucros entre sectores sero
iguais dentro de um determinado pas devido competio entre os diferentes sectores
(o mesmo no se passando entre os pases havendo dificuldade na mobilidade de
capitais).
Para alm disto, os preos tendem para o custo de produo, o que criaria a
tendncia para a inexistncia de lucro. No entanto, na agricultura os bens produzidos
so usados como matria-prima na sua prpria produo, havendo ento um excedente
fsico na agricultura, determinado pela produtividade agrcola. Sendo assim, os lucros
nunca podero descer abaixo deste lucro determinado pelo excedente fsico da
actividade agrcola, pois a competio entre sectores far com que um lucro mais baixo
noutro sector redireccione o investimento para a agricultura. Logo, ser a actividade
agrcola que determinar o lucro da economia.
Marx adaptar mais tarde este esquema, substituindo no entanto na sua
adaptao deste esquema a produtividade agrcola pela produtividade laboral, dizendo
ser o trabalho que produz o excedente e determina o lucro, pois o trabalhador produzmais do que o que recebe. Enquanto Marx considerar o excedente do trabalho, que
ocorre porque para Marx o trabalho produz mais do que recebe, Ricardo considera o
excedente da terra, que ocorre porque para Ricardo a terra produz mais do que o que
recebe.
13
Ricardo, D., On the Principles of Political Economy and Taxation, London, John Murray,third edition, 1821[1817]. Com a evoluo do capitalismo, comear-se- a distinguir entre lucroe juro.
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Ricardo considerava no entanto que devido aos rendimentos decrescentes da
terra, a actividade agrcola teria uma produtividade cada vez menor medida que a
produo agrcola aumenta. Isto , a terra tem rendimentos decrescentes, e se
inicialmente usam-se terras frteis, quando estas acabarem teremos de utilizar as terras
menos frteis. Isto significa que nas primeiras terras a ser utilizadas obtm-se um
rendimento superior ao rendimento obtido noutras terras, gerando-se assim uma
diferena de rendimento, que a renda. Isto , para Ricardo a renda consiste na
diferena de rendimento decorrente da posse de recursos que no esto ao acesso de
todos, como por exemplo a maior fertilidade da terra.
Ricardo, no seu Principles of Political Economy and Taxation, publicado em
1817 e revisto em 1821, considera esta definio de renda como um dos conceitos mais
importantes da Economia Poltica, e atribui a sua origem a dois trabalhos independentes
de 1815, um deles de Thomas Robert Malthus, autor de Cambridge, sendo o outro
desses trabalhos feito por um autor de Oxford. Este conceito Ricardiano de renda difere
do de Adam Smith. Enquanto para Adam Smith a renda a remunerao da cedncia da
terra, para Ricardo a renda da terra decorrer das diferenas de produtividade entre as
vrias terras, havendo um movimento no sentido de ir usando terras cada vez menos
frteis, aumentando assim a diferena de produtividade entre as terras, e a renda, que
resulta deste diferencial de produtividade.
Isto significa que a actividade agrcola tem rendimentos decrescentes: quanto
maior a produo agrcola, menor a quantidade adicional (depois da revoluo
marginalista diria-se marginal) de produto, devido menor fertilidade das novas
terras. Isto resultaria numa diminuio dos lucros da actividade agrcola. Essa
diminuio dos lucros redireccionaria o investimento para a actividade industrial (e
manufactureira), aumentando a concorrncia nessa actividade, e causando uma
diminuio dos lucros nesta actividade tambm, pois a competio faz os lucros seremiguais em todos os sectores, e todos os sectores acompanham o decrscimo de lucro da
agricultura, que como vimos determina o excedente da actividade econmica. Este
processo continua, at que o crescimento econmico estagna em todos os sectores.
No entanto, no existe um grau de competio to acentuado entre os
proprietrios da terra, pois esta j est repartida. medida que a produo da terra
aumenta, os lucros diminuem face menor fertilidade das novas terras, mas as rendas
sobem face aos lucros, devido ao maior diferencial de produtividade das terras, que para
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Ricardo a fonte das rendas. Este processo aumenta os custos dos agricultores que
arrendam a terra, que so obrigados a subir o preo dos bens alimentares.
Quanto maior o preo dos bens agrcolas, maior o salrio de subsistncia, maior
o custo de vida, e menor o lucro. Os lucros so esmagados pelas rendas, pelo aumento
doa salrioa, e porque existe competio num contexto de produtividade decrescente.
Os lucros vo desaparecer, e restaro salrios e rendas. Sem lucro, no existe poupana,
no existe investimento, e o processo de crescimento econmico chega a um fim, pois
sem lucros, no se gera poupana para a acumulao de capital, e o crescimento
econmico acabar por estagnar. Neste sentido, segundo Ricardo, existe um limite para
o crescimento econmico, no sendo pois um processo sustentvel no longo prazo.
A metodologia de Ricardo uma metodologia dedutiva que postula uma srie de
hipteses e deduz com base nessas hipteses a estagnao do processo de crescimento.
Ricardo no utilizou uma metodologia matemtica, mas o seu mtodo dedutivo
facilmente adaptvel a tal metodologia. Alfred Marshall, todavia, argumentar que foi o
desleixo de Ricardo na escrita dos seus textos que levou percepo errada de que a sua
teoria e pensamento so mais generalistas e dedutivistas do que na realidade eram.
4.1.3. Thomas Robert MalthusNo seu livro Principles of Political Economy, publicado em 1820, Thomas Robert
Malthus criticar o uso excessivo de generalizaes na Economia Poltica, que
considera uma rea mais prxima das cincias morais e polticas do que da
matemtica.14 Malthus escrever grande parte desta obra em contraponto obra de
Ricardo, como o prprio Malthus refere.
Como Ricardo, Malthus considerava igualmente que o crescimento econmico
no seria sustentvel no longo prazo. Como, segundo Malthus, o crescimento
populacional superior taxa de crescimento do produto total, o crescimentoper capita
tender a decrescer. Enquanto a produo de alimentos cresce a uma progresso
aritmtica, a populao cresce a uma progresso geomtrica. Vai haver sempre mais
populao do que produo de alimentos para a alimentar. Os salrios vo ento tender
para o nvel de subsistncia, e a sociedade tendar para uma situao de pobreza e fome.
Os salrios no podero ser inferiores ao nvel de subsistncia porque a o
aumento da taxa de mortalidade diminuiria o crescimento populacional e levaria de
14Malthus, T.R.,Principles of Political Economy, London, John Murray, 1820.
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novo os salrios para o nvel de subsistncia. Mas tambm no podero ser superiores
ao nvel de subsistncia, pois a o aumento da populao consequente desse aumento
dos salrios levaria a uma maior competio entre um maior nmero de trabalhadores, e
a um retorno dos salrios ao nvel de subsistncia.
Malthus no aceitava a Lei de Say. Malthus explica que segundo a lei da
acumulao de Smith, a poupana leva acumulao de capital, logo ao investimento,
ao aumento da produo, e ao aumento do lucro. Mas os lucros no so usados no
consumo, como os salrios, mas sim para nova acumulao de capital, o que leva a mais
produo. Entretanto, como os salrios se mantm no nvel de subsistncia, devido
presso populacional, no existe procura suficiente para comprar toda a produo
existente, o que leva a uma crise de sobreproduo. Como Keynes dir mais tarde,
inspirado por Malthus como o prprio reconhece, a propenso a consumir de quem
recebe salrios superior propenso a consumir de quem recebe lucros, e portanto os
salrios so essenciais para o consumo, logo o nvel baixo dos salrios (que se mantm
no nvel de subsistncia) causa uma diminuio da procura face oferta, levando a
crises de sobre-produo ou de sub-consumo.
Para Malthus no vivel resolver esta questo transferindo rendimentos para
quem recebe salrios. Essa transferncia aumentaria o salrio no curto prazo. Mas esse
aumento do salrio leva a uma melhoria do nvel de vida, o que leva ao aumento da
populao. Este aumento da populao, por sua vez, traz um aumento do nmero de
trabalhadores, e a competio entre estes trabalhadores leva a que o salrio volte para o
nvel de subsistncia. Por outro lado, tambm no vivel aumentar os lucros, isto , os
rendimentos dos capitalistas, pois o aumento do lucro leva ao aumento do investimento
que, por sua vez, leva ao aumento da produo sem um correspondente aumento do
consumo, pois os lucros do capitalista so utilizados fundamentalmente para investir e
no para consumir. Isto levar tambm a uma crise de sobreproduo.Para Malthus, a soluo pois transferir rendimentos para quem recebe rendas,
isto , os proprietrios das terras, pois estes no vo poupar e investir, como os
capitalistas, e gastaro os seus rendimentos em mais consumo, sem que isso leve a um
aumento da populao. Ao contrrio de Ricardo, que acusa os proprietrios da terra de
prejudicarem o interesse nacional, Malthus defender que os interesses dos proprietrios
de terra sero os mesmos que os interesses da Nao, e podero mesmo ajudar a
suplantar a falta de procura agregada.
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Neste sentido, para Malthus a lei de Say no se verifica (a oferta no gera a sua
prpria procura), e torna-se necessrio criar formas de estimular a procura. Mas no
longo prazo, o crescimento econmico tende a estagnar devido presso populacional.
Sendo assim, para alm da interveno dos proprietrios de terra atravs do seu
consumo, necessrio tambm controlar o crescimento populacional da classe
trabalhadora. Para Malthus, o problema fundamental para a sustentabilidade decorria do
facto do crescimento econmico no permitir responder presso demogrfica. Era uma
inconsistncia entre dois fluxos (medidos respectivamente pela taxa de crescimento
econmico e pela taxa de crescimento populacional), e no pelo esgotamento de um
stock de recursos.
Malthus discordar de Ricardo no apenas devido ao facto de, ao contrrio de
Ricardo, Malthus apoiar os proprietrios de terras, mas tambm ao nvel da teoria do
valor, pois enquanto Ricardo considera o trabalho incorporado, Malthus considera o
trabalho comandado, defendendo que esta a verso da teoria do valor-trabalho mais
consistente com Adam Smith. Malthus reclamar-se- tambm herdeiro de Smith na sua
defesa da ideia de que o interesse nacional est em sintonia com o interesse dos
proprietrios das terras, ideia que estava em Smith, mas que Ricardo tinha rejeitado.
4.1.4. John Stuart MillJohn Stuart Mill15 foi uma das figuras dominantes do seu tempo. Mill fortemente
influenciado por Jeremy Bentham e pelo seu pai James Mill, amigos de David Ricardo.
Na teoria econmica, John Stuart Mill procurar continuar a tradio Ricardiana,
seguida tambm pelo seu pai, enquanto ao nvel da filosofia moral, Mill procurar
desenvolver a teoria Utilitarista de Jeremy Betham. O Utilitarismo pode ser definido
como a teoria tica segundo a qual o valor tico, ou moral, das aces humanas depende
da utilidade gerada por essas aces para os indivduos da sociedade.
Kant desvalorizava as consequncias da aco, que no so relevantes para a
moralidade da mesma, dado que o que interessa a inteno, no as consequncias.
Enquanto a teoria tica Kantiana uma teoria tica deontolgica, onde apenas interessa
se a mxima seguida na aco universalizvel ou no, independentemente das
consequncias dessa aco, o Utilitarismo uma teoria tica consequencialista, isto ,
onde a aco avaliada em funo das consequncias das aces, e onde essas
15Mill, J. S.,Principles of Political Economy, London, J. P. Parker, 1848.
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consequncias so medidas em termos da utilidade subjectiva, por exemplo em termos
da felicidade que geram. Assim, enquanto a felicidade , como as consequncias,
irrelevante para a moralidade da aco segundo Kant, j para o Utilitarismo felicidade e
consequncias so elementos fundamentais para a moralidade da aco, pois a
moralidade da aco depende precisamente do facto desta ter como consequncia o
aumento da felicidade, e da utilidade, dos indivduos da sociedade.
John Stuart Mill tornou-se, como Aristteles e Kant, num dos autores
fundamentais da filosofia moral, dado que actualmente considera-se que as trs
principais teorias morais so a tica das virtudes (de inspirao Aristotlica, e
semelhante teoria moral que Adam Smith viria a defender), a moral Kantiana, e o
Utilitarismo, iniciado por Jeremy Bentham e John Stuart Mill.
No entanto, John Stuart Mill acabar por atribuir um papel muito importante aos
sentimentos morais, e por considerar que a felicidade humana depende de aspectos
muito diferentes que no so redutveis a uma unidade mensurvel, como Bentham
argumentava. Sendo assim, o Utilitarismo de Mill ter muitas semelhanas com a teoria
tica Aristotlica e de Adam Smith, ao contrrio da teoria tica de Jeremy Bentham da
qual partiu. A existncia de uma pluralidade de sentimentos morais ser importante
tambm para a teoria econmica de Mill, que argumentar, tal como Smith, que a aco
humana no pode ser resumida a uma procura egosta do interesse prprio, ao contrrio
do modo como os clssicos desde Smith, incluindo o prprio Mill, foram sendo
interpretados.
Ao nvel da teoria econmica, Mill definia a produo, distribuio e troca como
as actividades fundamentais a estudar na Economia, que era a cincia que estuda as
causas da riqueza, como vimos. Mill defendia que a produo depende essencialmente
da tecnologia, enquanto a distribuio depende das instituies sociais. Deste modo, no
a produtividade que determina a distribuio do rendimento em Mill, mas asinstituies sociais. Apenas o crescimento econmico depende essencialmente da
tecnologia. Mill explica ento que como actualmente (actualmente para Mill
significava meados do sc. XIX, aquando da publicao dos seusPrinciples of Political
Economy em 1848) a tecnologia j permite produzir em quantidades suficientes, a
questo fundamental a resolver no futuro no seria o problema do crescimento
econmico, mas sim a criao de arranjos institucionais que permitam uma melhor
distribuio do rendimento.
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Mill distingue entre vrios sistemas institucionais, como o sistema de
propriedade privada, o socialismo (em que os meios de produo so propriedade
colectiva) e o comunismo (em que os meios de produo so igualmente propriedade
colectiva, mas o rendimento distribudo de forma igualitria, sendo que segundo
Marx, seria de acordo com as necessidades de cada um).
Mill defende que, dada a situao actual da sociedade (referindo-se a meados do
sc. XIX), o comunismo no ser vivel (embora no coloque de parte a possibilidade
de vir a ser vivel no futuro), mas que possvel melhorar a distribuio de rendimento,
por exemplo pela criao de cooperativas em substituio das empresas de propriedade
individual. Surgiram diversas cooperativas na Gr-Bretanha no tempo de Mill. Mill
discute uma dessas cooperativas, Rochdale, que era um smbolo do movimento
cooperativo. Mill argumenta que a vantagem relativa da cooperativa trazida pela
motivao que advm da actividade participativa e partilha de resultados. A vantagem
relativa da propriedade privada, por outro lado, a capacidade de decidir e impor
autoridade com grande rapidez e flexibilidade.
Mas mesmo as cooperativas, segundo Mill, teriam de ser competitivas no
mercado para sobreviver, surgindo espontaneamente. Mill explica que cooperativas
como Rochdale comearam a tornar-se menos competitivas quando, durante os seu
crescimento, comearam a admitir membros sem os mesmos direitos dos membros mais
antigos da cooperativa. Isto reduziu a motivao dos novos membros, fazendo a
cooperativa perder a vantagem relativa motivacional que advinha da actividade
participativa e partilha de resultados. Neste sentido, a cooperativa em causa ficou sem a
vantagem competitiva natural s cooperativas, e como no possuia tambm a vantagem
competitiva da propriedade privada, que resulta da capacidade de decidir e impor
autoridade com grande rapidez e flexibilidade, acabou por entrar em declnio face
reduo da sua competitivdade. Este caso concreto ajuda a perceber o grandedinamismo do movimento cooperativo observado por Mill no sculo XIX, e o seu
subsequente declnio face propriedade privada.
Segundo Mill, o sistema de propriedade privada traz problemas devido
distribuio desigual de rendimento que impe, e ao abuso dos direitos de propriedade,
mas a sociedade no est preparada para uma mudana radical do sistema. Mill defende,
como Smith, a propriedade privada nos contextos em que temos um mercado
descentralizado, mas defende a nacionalizao nos casos em que existe naturalmenteuma tendncia para a concentrao, como nos casos em que h um monoplio natural.
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De facto, Mill notou tambm a possibilidade de existncia de monoplios naturais, onde
a natureza da actividade econmica do sector leva concentrao, e o grau de
concorrncia tende a tornar-se insignificante. O pensamento de Mill mostra claramente
como as diferenas entre os clssicos residem mais nas suas crenas quanto tendncia
do capitalismo e do mercado para gerar concentrao, e como em contextos diferentes o
mesmo autor clssico pode defender solues institucionais diferentes. Tal no resulta
de uma inconsistncia terica, dado que a teoria econmica fundamentalmente a
mesma, mas das diferentes anlises institucionais que os clssicos fazem a partir da sua
teoria da produo e distribuio do excedente produzido pelo trabalho.
A questo da distribuio fundamental para Mill, pois um processo de
crescimento econmico indefinido levaria ao esgotamento dos recursos necessrios a
esse crescimento. Por conseguinte, para Mill a soluo para as desigualdades existentes
na sociedade e na economia no reside em mais crescimento econmico, mas na criao
de arranjos institucionais que permitam uma melhor distribuio do rendimento gerado
pela economia.
De facto, a questo do esgotamento dos recursos naturais est presente nos
autores clssicos de Ricardo e Malthus a Mill. A causa dos rendimentos decrescentes
apontados por Ricardo relaciona-se com a produtividade decrescente de um recurso
natural, a terra, enquanto Malthus explica como o crescimento populacional trar
presso sobre os recursos naturais, e John Stuart Mill refere tambm explicitamente o
perigo do esgotamento dos recursos naturais. Deste modo, Ricardo, Malthus e Mill
traro uma viso pessimista do desenvolvimento e crescimento econmico, que
contrasta com a viso optimista de Smith.
Podemos pois verificar que autores que se seguiram a Adam Smith no sc. XIX,
como Ricardo, Malthus e Mill, consideravam que um processo de crescimento
econmico ilimitado no era sustentvel, e apontaram contradies entre as esferaseconmica, social e ecolgica, ou mesmo dentro da prpria esfera econmica, como a
causa para a insustentabilidade do processo de desenvolvimento. Para alm disso, todos
estes economistas clssicos, procuravam analisar temas como a tica, a poltica, e a
sustentabilidade de um modo integrado. Podemos dividir os economistas clssicos de
Smith a Mill entre os economistas mais optimistas, como Smith e Say, e os mais
pessimistas que se seguiram a Smith, como Ricardo, Malthus e Mill.
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5.KARL MARX
5.1OCONTEXTO DO IDEALISMO ALEMO
Se o idealismo alemo rejeita a matria em favor do mundo inteligvel, j Marxdefender precisamente uma concepo materialista. O materialismo de Marx leva este
autor ao estudo da economia, e de como a poltica e a ideologia emergem da economia.
No seu estudo da economia, Marx ser fortemente influenciado pelo pensamento
econmico clssico e autores como Smith e Ricardo, cujo pensamento tenta
compatibilizar com as suas ideias socialistas, e com o pensamento filosfico de Georg
Wilhelm Friedrich Hegel. Este pensamento Hegeliano era extraordinariamente influente
na Alemanha, onde Marx fez o seu doutoramento. Para compreender melhor a posiode Marx, pois importante perceber o contexto do idealismo alemo, que parte de Kant,
e prossegue com autores como Fichte, Schelling e Hegel, pelo que este tpico ser agora
abordado.
5.2.OMATERIALISMO DIALCTICO
Marx argumentava que todo o ser humano tem uma essncia, caracterizada por uma
dada estrutura humana, e critica no s o idealismo por rejeitar a dimenso material do
ser humano, como o utilitarismo de Jeremy Bentham por no distinguir entre diferentes
tipos de necessidades humanas, e utilizar uma mtrica homognea. Para Marx, podem
existir contradies entre a estrutura e a essncia do ser humano e o meio econmico em
que est inserido, ou contradies dentro do prprio sistema econmico, como veremos.
Marx vai se inspirar no s em Hegel, e na inverso do pensamento de Hegel
preconizada por Feuerbach que vimos na seco anterior, mas tambm no socialismo
francs, e no pensamento econmico clssico Britnico, especialmente em David
Ricardo. O seu trabalho muitas vezes interpretado como uma aplicao do sistemadialctico (inspirando-se em Hegel) economia (inspirando-se em David Ricardo), com
vista explicao cientfica do socialismo.
Marx define as seguintes foras de produo: trabalho, matrias -rimas, e
ferramentas (tecnologia). Esta diviso semelhante dos autores clssicos em que
Marx se baseia. Marx utiliza uma terminologia diferente dos clssicos e separa o
trabalho dos outros factores produtivos: terra e capital. Marx explica que as foras de
produo esto organizadas de acordo com a tecnologia, e esta tecnologia leva adeterminadas relaes de produo, relaes sociais que surgem entre as pessoas em
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funo das posies que estas ocupam na economia (por exemplo, donos de fbrica e
operrios). Logo, para Marx, a economia e a socieadade emerge do modo de produo,
constitudo pelas foras de produo e relaes de produo (ao conjunto das relaes
de produo e das foras de produo, Marx chama portanto de modo de produo). A
partir do modo de produo, surge uma superstrutura (politica, ideologia, religio).
Marx admite a eficcia causal das ideias, hbitos de pensamento, e da ideologia
em geral, reconhecendo no entanto que estas emergiram a partir da actividade prtica
humana. Podemos dizer que, segundo Marx, a economia, ou o modo de produo, e
incluindo portanto as foras de produo e as relaes de produo, so a base material
da qual emerge a superestrutura, mas a superestrutura, incluindo os aspectos polticos e
ideolgicos, pode ter um efeito causal sobre a base da qual emergiu, num processo
recproco de interaco contnua.
A base determinante em ltima instncia na medida em que a superestrutura
emergiu a partir da base, independentemente de qualquer eventual influncia causal que
a superestrutura emergente possa ter posteriormente sobre a base. Usando a
terminologia empregue anteriormente ao descrever a concepo de emergncia do
realismo crtico, podemos dizer que a base determinaria completamente a superstrutura
apenas se esta fosse superveniente, e no emergente, face base. Formaes ideolgicas
emergentes podem ter um efeito causal sobre a base da qual elas surgiram, e de resto,
so fundamentais para a reproduo das estruturas sociais, incluindo a economia e a
cultura, como Louis Althusser explica.16
Se as ideias so emergentes, e no supervenientes, face actividade econmica e
prtica, a sua eficcia causal sobre a actividade econmica e prtica no pode ser
negada a priori. A noo de emergncia em particular, mostra como o papel causal das
ideias compatvel com os argumentos de Marx sobre o papel da vida prtica na criao
das ideias, mas leva a uma compreenso no-reducionista da relao entre a economia ea restante realidade social. A estrutura social (incluindo a ideologia) que emerge a partir
da aco humana pressuposta por esta mesma aco humana, estrutura esta
permanentemente reproduzida e transformada pela aco humana. Deste modo, a
estrutura social, enquanto ontologicamente distinta, no redutvel aco humana
(como no individualismo atomista), nem a aco humana totalmente determinada pela
estrutura social, dado que a ltima apenas um recurso usado na livre aco humana.
16Althusser, L.,For Marx, London, Verso, 2005[1965].
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Estas estruturas (econmicas, sociais e tecnolgicas) levam existncia de uma srie de
aces potenciais que so permitidas pelas mesmas, e restringem outras aces. Sendo
assim, formam os contornos da liberdade humana. Assim, a liberdade humana existe,
mas depende das (sem ser completamente determinada pelas) estruturas econmicas,
tecnolgicas e sociais (incluindo as normas ticas e culturais).
5.3.OMATERIALISMO HISTRICO
Marx considerava que as contradies existentes e descritas neste esquema do
materialismo dialctico levariam transformao da economia e da sociedade. A
economia e sociedade evoluiriam passando pelas seguintes fases: comunismo primitivo,
onde existe a partilha de bens e terras comuns numa economia de subsistncia;esclavagismo, que um sistema no qual os prprios trabalhadores (e no a terra, como
no feudalismo, ou o capital, como no capitalismo) so propriedade dos seus donos;
feudalismo, que o sistema onde os trabalhadores esto vinculados terra e no ao
proprietrio, e a terra que por sua vez pertence ao proprietrio; capitalismo, o sistema
no qual os trabalhadores no so donos do capital (ferramentas, materiais) que utilizam,
e vendem o seu trabalho, ou melhor, o seu poder de trabalho, aos donos do capital;
socialismo, o regime no qual os meios de produo so colectivizados; e o comunismo,que o regime no qual os meios de produo so colectivos e cada um produz de
acordo com as suas possibilidades, mas a distribuio feita de acordo com as
necessidades de cada um.
Marx diz que a histria ocorre devido a contradies que vo gerar tenses e que
por sua vez originam a transformao. O modo de produo o motor da histria, pois
vai ser neste que residem as contradies que fazem com que a histria avance. Para
Marx existem contradies dentro da economia, e entre a economia e o resto da
sociedade, como vimos. Estas contradies vo destruir cada sistema e assim h
evoluo do esclavagismo para o comunismo.
Numa fase de comunismo primitivo, comeam a existir excedentes da
agricultura aps a revoluo agrria na transio do paleoltico para o neoltico. Ento
existem incentivos para tentar adquirir esse excedente ou os meios de produo desse
excedente, e desenvolve-se a noo de posse que, segundo Marx, acabar por dar lugar
mais tarde noo de propriedade. Surge uma contradio entre a coexistncia pacfica
do comunismo primitivo e a existncia de posses na famlia e tribo. Com o
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aparecimento da posse, e de ferramentas, passam a existir motivos (e meios) para o
conflito. As relaes de produo pacfica passam a entrar em conflito com as foras de
produo. Ento passamos a ter as relaes de produo do esclavagismo.
No esclavagismo, existe uma contradio entre a posio de escravo e a
tendncia humana para a liberdade. Com o avanar do modo de produo medieval,
passamos do esclavagismo para o feudalismo. Com o feudalismo, os trabalhadores, isto
, os servos, passam a estar vinculados terra, em vez de ser posse de algum. Como os
servos esto vinculados terra, no se podem desligar dela. A produo nestas relaes
de autoridade gera conflitos pelo poder entre os nobres e os reis. Os reis procuram
diminuir o poder econmico dos senhores feudais, incentivando a transferncia da
actividade econmica para as cidades, como Adam Smith tinha j explicado.
Com isto, comea a existir mercado e trocas de excedente. Mas para o mercado
funcionar no podem existir as restries feudais relacionadas com a terra, trabalho e
capital. medida que se desenvolve o mercado, destroem-se estas relaes feudais.Com
a evoluo do sistema de mercado, vo surgir contradies entre as foras de produo e
as relaes de produo: os trabalhadores esto ligados terra mas haver o incentivo
para ir para as cidades para trabalhar no comrcio regido por guildas, e mais tarde nas
fbricas. Surgem tenses entre o campo e a cidade, das quais emerge a burguesia
citadina em oposio aristocracia feudal, processo que leva ao capitalismo.
Para haver capitalistas, Marx explica, tem haver a acumulao primitiva, que
para Marx foi um roubo. Marx escreve que no regime feudal, muitas terras eram ainda
comuns. Como Marx explica, grande parte dessas terras era propriedade da Igreja e das
ordens religiosas, que permitia que a populao utilizasse essas terras. Mas a certa altura
vai haver um processo de expropriao dessas terras comuns, e das terras da Igreja, por
parte do poder poltico, acabando essas terras por passar posteriormente para a posse
dos capitalistas. com este processo de expropriao que se inicia o capitalismo, que
caracterizado por Marx como um processo de expropriao, iniciado com esta
acumulao primitiva, onde terras que eram comuns passaram a ser usadas apenas por
alguns. Esta acumulao primitiva pois um roubo segundo Marx, onde os camponeses
ficaro sem meios de subsistncia, o que os leva a trabalhar para outros, surgindo assim
o capitalismo. Para Marx o capitalismo surge porque, e onde, houve expropriao das
terras, pois para Marx o capitalismo consiste num movimento de expropriao, que leva
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as populaes a deixarem de ter meios de subsistncia autnoma, e a ter de entrar no
sistema capitalista, indo trabalhar para os capitalistas.
No capitalismo vamos ter um sistema econmico muito complexo, cuja
compreenso obriga a um conhecimento mais profundo da economia, agora mais
complexa. Para compreend-lo, Marx ir buscar apoio no pensamento econmico
clssico, como veremos agora, explicando como o capitalismo tender para a sua
destruio.
5.4.ATENDNCIA DO CAPITALISMO PARA SE AUTO-DESTRUIR
Marx adopta a teoria do valor-trabalho, que tinha j sido adoptada pelos autores do
pensamento econmico clssico. Logo, para Marx, quando se vende um produto, ovalor do produto vem do trabalho. Quando o produto depois trocado no mercado, ser
comprado e vendido pelo seu valor de troca, que tende para o custo de produo, que
depende do trabalho. Enquanto Smith e Malthus argumentam que a medida deste valor
o trabalho comandado, Ricardo dir que a medida deste valor o trabalho
incorporado. Marx resolver esta questo dizendo que a medida deste valor o trabalho
necessrio para produzir o bem, que pois a medida do seu valor no mercado.
Mas o valor do que se paga ao trabalhador menor do que o valor do produto,ficando o capitalista com o excedente, que a diferena entre o valor pelo qual se vende
o produto, e o valor que o trabalhador recebe. Assim, para Marx, o trabalho a nica
mercadoria que produz um valor superior quele pelo qual foi paga. Isto porque
enquanto as restantes mercadorias so vendidas de acordo com o seu valor em termos de
trabalho (necessrio para a sua produo), o trabalhador no vende o seu trabalho, mas o
seu poder de trabalho, pago ao preo de mercado conforme a competio entre
trabalhadores no mercado. Mas vendido o poder de trabalho, que acaba por ser uma
venda do prprio trabalhador pelo salrio que lhe pagarem, este trabalhador, ou o seu
poder de trabalho, pode ser usado para produzir um valor acima do trabalho pago (isto
, acima do salrio). O trabalhador portanto a nica mercadoria que acrescenta valor
ao produto, pois as restantes mercadorias so vendidas por um dado valor dado.
Enquanto as restantes mercadorias usadas na produo possuem um valor que
simplesmente transferido para o valor final do produto, o trabalhador acrescenta valor
ao produto, valor esse superior ao valor do salrio que recebe, sendo portanto a fonte do
excendente e do lucro.
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Tal como em Ricardo a terra produz mais do que recebe, gerando um excedente,
em Marx o trabalhador que produz mais do que recebe, gerando o excedente, pois a
terra e o capital nada produzem sem a aco do trabalhador. Marx no s adapta o
esquema Ricardiano desta forma, como aceita que a taxa de lucro tender a ser igual em
todos os sectores devido competio, como Ricardo, e aceitar tambm a teoria
Ricardiana da renda, onde a renda resulta do diferencial de produtividade resultante do
acesso a recursos que no esto ao alcance de todos. Marx, seguindo Ricardo, aponta
especificamente os recursos naturais ou a localizao geogrfica como factores
importantes para a determinao da renda que o territrio permite, na medida em que
vantagens nesses factores permitiro um menor custo de produo, que ser apropriado
pelo detentor do territrio sob a forma de renda. O excedente produzido pelo trabalho
pois dividido em lucros, juros, salrios e rendas, sendo o juro o montante pago pelo
financiamento.
Segundo Marx, o capital detido por um pequeno nmero de indivduos, que
retirando o excedente criado pelo trabalho, sob a forma de lucro, deixam apenas a parte
remanescente do valor de um produto para ser paga sob a forma de salrio ao
trabalhador, pagando tambm juro pelo capital emprestado, e renda pelo uso de recursos
que no esto ao alcance de todos, como a terra. Deduzidos estes rendimentos (renda,
juro e salrio) resta a parte do excedente que constitui o lucro.
Para Marx, a taxa de lucro a razo entre esse excedente produzido pelo
trabalho, e a soma do capital constante (as mquinas por exemplo), e capital varivel,
que o trabalho. A razo entre o capital constante e o capital varivel o grau de
mecanizao. No processo capitalista existe uma tendncia geral para o aumento do
grau de mecanizao. O aumento do grau de mecanizao leva existncia de menos
trabalho para ser explorado. Sendo o trabalho a fonte do excedente e do lucro, estes
descero. Logo, existe uma tendncia decrescente da taxa de lucro, como dizia DavidRicardo, mas em Marx tal acontece por razes diferentes. A diminuio da taxa de lucro
leva a menos poupana. Se h menos poupana, haver menos acumulao de capital
constante.
A tendncia decrescente da taxa de lucro no se manifesta permanentemente,
pois surgem diversas contratendncias tendncia decrescente da taxa de lucro. Uma
delas que com a mecanizao, o capital fica mais barato, e a mesma poupana (ou
mesmo uma menor poupana) permite investir mais. Outra contratendncia que com osurgimento de eventuais inovaes, precisa-se cada vez menos de capital, dado que o
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mesmo capital pode servir para aumentar a produtividade do trabalho. Alm disso, o
aumento do grau de explorao do trabalho, que a razo entre o excedente extrado do
trabalho, e o valor pago ao trabalho, ajudaro a contrariar a tendncia decrescente da
taxa de lucro. Para Marx, estas contratendncias podem fazer com que a taxa de lucro
no decresa, e at aumente, mas s durante algum tempo. Porm, no longo prazo a
tendncia decrescente da taxa de lucro vai-se manifestar, pois as inovaes vo acabar
por no ser suficientes.
Marx argumentou que a reduo da taxa de lucro leva a uma concentrao do
capital em empresas de maior dimenso, com um maior poder de mercado, e que estas
empresas sobrevivem precisamente devido ao seu maior poder de mercado. Isto porque
apenas empresas com dimenso e poder de mercado suficientemente elevadas sero
suficientemente competitivas numa fase avanada do capitalismo, ea maior quantidade
vendida compensa os menores lucros por unidade vendida. Alm disso, a concorrncia,
e a necessidade de aumentar a taxa de lucro, leva as empresas a procurar recursos menos
onerosos em pases estrangeiros, e a expandir-se para mercados estrangeiros,
expandindo tambm o prprio mercado para vrias esferas da aco humana, como
Marx refere, algo que obriga obteno de uma certa dimenso.
Mas o capitalista depende dos trabalhadores no s para o funcionamento da
unidade produtiva, mas tambm para o consumo dos produtos produzidos. Marx aceita
a teoria dos clssicos segundo a qual os salrios tendem a estar no nvel de subsistncia,
logo os trabalhadores no tm rendimento suficiente para comprar a produo, e no
existe procura suficiente para a oferta existente. O facto do salrio no incluir o
pagamento do excedente reduz o rendimento dos trabalhadores, que desse modo tero as
suas possibilidades de consumo limitadas, levar a crises de sub-consumo e sobre-
produo. A nica sada que os capitalistas encontram para este problema a procura de
novos mercados internacionais para escoar a produo. Esta concorrncia internacionalcontribui ainda mais para a concentrao das empresas, para evitar a tendncia
decrescente dos lucros e a mecanizao. Isto leva ao aparecimento de empresas de
grande dimenso e tambm diminui o nmero de capitalistas, aumentando a
concentrao do capital nas mos de alguns poucos capitalistas.
Para alm disso, a concentrao do capital leva concentrao da riqueza,
reduzindo as possibilidades de consumo da populao. Dado que o crdito permite uma
maior dimenso, trazendo pois vantagem s empresas que a este recorrerem, para almde permitir financiar o consumo que garante a procura agregada, as instituies
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financeiras tero um papel determinante nesta fase do capitalismo, no s no
financiamento do investimento (retirando uma parte do excedente ao lucro sob a forma
de juro), como no financiamento do consumo.Sendo assim, o juro ser um rendimento
cada vez mais importante, o que juntamente com a tendncia decrescente da taxa de
lucro, levar a uma situao em que na economia havero apenas trs rendimentos
fundamentais: o salrio, que estar ao nvel necessrio subsistncia do trabalhador, a
renda, que resulta da explorao de recursos que no esto ao alcance de todos, e o juro,
que o rendimento obtido pela cedncia do capital, e que gradualmente vai substituindo
o lucro, que tende a desaparecer. Nesta fase, ter-se- passado do capitalismo industrial
para o capitalismo financeiro.
A inovao tecnolgica foi identificada por Marx como um atenuante agindo
contra a tendncia da queda da taxa de lucro. Mas ao fornecer melhor condies
tecnolgicas de transporte e comunicao, a inovao tecnolgica facilita novamente o
surgimento de empresas de maior dimenso, que se tornam os principais actores de uma
economia mundial onde cada um enfrenta um grau muito menor de concorrncia do que
as pequenas empresas do capitalismo comercial a que Smith se referia. Sendo assim,
agora preciso ter em conta a alterao das condies de concorrncia pressupostas por
Smith na sua defesa do mercado livre.
Para alm disso, a mecanizao do processo produtivo torna este mais intensivo
em capital, e cada vez menos intensivo em trabalho. Como o lucro resulta da explorao
do excedente gerado pelo trabalho, o facto do processo produtivo ser cada vez menos
intensivo em trabalho faz com que se reforce ainda mais a tendncia de longo prazo
para a diminuio da taxa de lucro. Logo os capitalistas tero de recorrer cada vez mais
aos trabalhadores de pases onde os salrios sejam inferiores (e as matrias primas
menos onerosas) para contrabalanar esta tendncia para o decrscimo da taxa de lucro.
Deste modo, o processo de desenvolvimento do comrcio internacional torna-seum processo de imperialismo econmico, onde os pases capitalistas sero obrigados a
colocar outros pases numa relao de dependncia para garantir o escoamento dos seus
produtos, e salrios reduzidos (bem como matrias primas menos onerosas). Para tal,
estabelecem-se relaes de poder entre um centro (constitudo pelos pases capitalistas)
e a periferia (constituda pelos pases em vias de desenvolvimento). Para manter essas
relaes de poder, os pases capitalistas recorrem s elites locais dos pases em vias de
desenvolvimento (incluindo empresrios, militares, ou polticos, por exemplo) que so
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recompensados por garantir a manuteno da ordem capitalista mundial, algo que
conseguem atravs de polticas favorveis ao sistema capitalista.17
Haver crises cclicas neste processo. De facto, segundo Marx o aumento da
produo e da existncia de bens alimentares levar ciclicamente ao aumento dos
salrios, levando ao aumento da procura, e ao novo aumento da produo. Mas chega-se
a um ponto em que o aumento dos