“Internações hospitalares de crianças menores de cinco anos por intoxicações medicamentosas no Brasil” por Marta da Cunha Lobo Souto Maior Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública. Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Carla Lourenço Tavares de Andrade Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro Rio de Janeiro, fevereiro de 2015.
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Marta da Cunha Lobo Souto Maior - Oswaldo Cruz Foundation
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“Internações hospitalares de crianças menores de cinco anos por
intoxicações medicamentosas no Brasil”
por
Marta da Cunha Lobo Souto Maior
Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em
Ciências na área de Saúde Pública.
Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Carla Lourenço Tavares de Andrade
Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro
Rio de Janeiro, fevereiro de 2015.
Esta dissertação, intitulada
“Internações hospitalares de crianças menores de cinco anos por
intoxicações medicamentosas no Brasil”
apresentada por
Marta da Cunha Lobo Souto Maior
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof.ª Dr.ª Taís Freire Galvão
Prof.ª Dr.ª Ilara Hämmerli Sozzi de Moraes
Prof.ª Dr.ª Carla Lourenço Tavares de Andrade – Orientadora principal
Dissertação defendida e aprovada em 27 de fevereiro de 2015.
Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública
M227i Maior, Marta da Cunha Lobo Souto
Internações hospitalares de crianças menores de cinco
anos por intoxicações medicamentosas no Brasil. / Marta
da Cunha Lobo Souto Maior. -- 2015.
xi,171 f. : tab. ; graf.
Orientador: Carla Lourenço Tavares de Andrade
Claudia Garcia Serpa Osorio de Castro
Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2015.
1. Envenenamento. 2. Lactente. 3. Pré-Escolar.
4. Preparações Farmacêuticas. 5. Sistemas de Informação
Hospitalar. 6. Hospitalização. 7. Brasil. I. Título.
CDD - 22.ed. – 615.9021
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e a todos os espíritos de luz que me auxiliaram em meus
momentos de aflição desde o início, quando ser aprovada para o mestrado era apenas um
sonho.
Agradeço a toda minha família, por ter me apoiado e respeitado meus momentos
de ausência durante esta jornada. Aos meus pais – Marly e Atila –, ao meu irmão Arnaldo,
aos meus avôs – Nuno e Ary –, aos meus tios e primos e à minha cunhada Roberta, fica
a minha eterna gratidão pela compreensão e a paciência em me ouvir.
Agradeço às minhas avós – Amélia e Doracy – por todo o amor que me passaram
em vida e que tentei, de alguma forma, transferir para este trabalho.
Agradeço a minha família emprestada – Luzia, Francisca, Cláudia, Daniel e
Gabriel – pelo apoio.
Agradeço às minhas orientadoras – Carla e Claudia - por toda a paciência e pelas
palavras de ânimo durante as etapas do mestrado. Só tenho a agradecer por tudo que
aprendi com vocês.
Agradeço a todos os funcionários da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca e a todos os professores que contribuíram no meu processo de formação, em
especial, às professoras Marismary Horsth De Seta e Cristiani Vieira Machado, por todo
o apoio durante os momentos difíceis.
Agradeço aos meus colegas de mestrado – Camille, Celita, Diana, Elias, Fernanda,
Lucas, Luisa, Marina, Raquel, Renata e Verena – por todos os momentos e sentimentos
compartilhados durante nossa trajetória.
Agradeço aos meus amigos, em especial, Rita Carvalho, Artur Serpa, Gilvan
Araújo e Rodrigo Barros, por terem me apoiado e acompanhado as etapas do mestrado
desde a minha inscrição no processo seletivo.
Agradeço aos meus chefes Arnaldo e Marcílio, no Hospital Estadual Adão Pereira
Nunes, e Vivian, na Coordenação de Emergência Regional Centro / Hospital Municipal
Evandro Freire, por me apoiarem e permitirem que a minha carga horária se adequasse à
do mestrado.
iv
RESUMO
No Brasil, os medicamentos são os principais agentes causadores de intoxicação e as
crianças entre um e quatro anos são o grupo etário com maior número de casos de
intoxicação por medicamentos. Este estudo teve como objetivo analisar as internações
hospitalares que ocorreram no Sistema Único de Saúde entre 2003 e 2012 por esta causa
nesta faixa etária. Para tal, foi realizado um estudo descritivo utilizando os arquivos do
tipo reduzido das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), disponibilizados pelo
DATASUS. Foram selecionadas as internações que envolviam menores de cinco anos de
idade e cujo diagnóstico principal e/ou secundário era um dos códigos da CID-10
relacionados às intoxicações medicamentosas. No período, ocorreram 17.725 internações
por esta causa. A região Sudeste foi responsável por 46,7% das internações. A faixa etária
com maior número de internações foi a de dois anos de idade. A taxa de mortalidade
destas internações foi de 0,42%. Os estabelecimentos públicos foram responsáveis por
46,3% das internações, no entanto, 70,7% dos óbitos ocorreram nas unidades de saúde
desta natureza. As regiões Norte e Nordeste apresentaram uma taxa de mortalidade
superior àquela observada para o país – 1,1% e 0,6%, respectivamente. As classes
terapêuticas que causaram um maior número de intoxicações foram os “outros fármacos
e os não especificados”, os “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos” e
os “antibióticos sistêmicos”. Para estas duas últimas classes terapêuticas, foi observada
uma diminuição no número de internações, o que pode ter relação com algumas
legislações que entraram em vigor no período. Em 38,5% das intoxicações não foi
possível estabelecer correlações entre as classes terapêuticas oriundas da CID-10 e a
classificação ATC. Todavia, mais da metade dos medicamentos envolvidos consistia
naqueles com ação no Sistema Nervoso – categoria N – e dos antibióticos e
antiparasitários – respectivamente, categorias J e P. Assim, as internações por intoxicação
medicamentosa em crianças refletem diferenças regionais do país e são uma importante
causa de mortalidade, frente a outras causas. As classes terapêuticas envolvidas parecem
refletir questões legais e sociais e sua análise é dificultada pelo preenchimento
inespecífico do campo na AIH.
Palavras-chave: Intoxicação; Lactente; Pré-escolar; Medicamentos; Sistemas de
Informação Hospitalar
v
ABSTRACT
In Brazil, medicines are the main cause of poisonings and children between one and four
years are the age group with the highest number of cases. This study aimed to analyze the
hospitalizations that occurred in the Unified Health System between 2003 and 2012 for
this cause in this age group. To this end, we performed a descriptive study using the
Autorizações de Internação Hospitalar (Hospital Admission Authorization Forms) (AIH)
reduced files, provided by DATASUS. Hospitalizations were selected if they involved
children under five years and if the main diagnosis and/or secondary diagnosis was one
of the ICD-10 codes related to drug poisoning. During the period, there were 17,725
hospitalizations for this cause. The Southeast region accounted for 46.7% of admissions.
The age group with the highest number of admissions was two years old. The mortality
rate of these hospitalizations was 0.42%. Public institutions were responsible for 46.3%
of admissions; however, 70.7% of the deaths occurred in health facilities of this nature.
The North and Northeast regions showed a mortality rate higher than that observed for
the country - 1.1% and 0.6%, respectively. The therapeutic classes that caused the major
number of poisonings were "other drugs and unspecified," “antiepileptic, sedative-
hypnotics and antiparkinsonian" and "systemic antibiotics." For these last two therapeutic
classes, we observed a decrease in the number of hospitalizations, which may be
associated with some legislation that came into force in the period. In 38.5% of poisonings
it was not possible to correlate the supposed therapeutic classes derived from the ICD-10
and the ATC. However, more than 50% of drugs involved in poisonings belonged to ATC
categories N (nervous system), J (systemic antiinfectives) and P (antiparasitic products,
insecticides and repellents). The hospital admissions for drug poisonings in children
reflect countrywide regional differences and are an important cause of mortality,
compared to other causes. The therapeutic classes involved seem to reflect legal and
social issues and their analysis is hampered by inadequacies in the filling out of AIHs.
Key words: Poisoning; Infant; Child; Hospital; Pharmaceutical Preparations; Information
Total 2.486 14,0 8.207 46,3 7.033 39,7 17.725 100,0
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
O número de óbitos envolvendo menores de cinco anos que foram internados por
intoxicações medicamentosas segundo Unidade Federativa está presente na Tabela 27 a
seguir. São Paulo é o estado com maior número de óbitos (18), seguido de Minas Gerais
e Bahia (seis óbitos, cada). A Tabela 27 também apresenta a taxa de mortalidade para
estas internações e a taxa de mortalidade por todas as causas no período.
92
Tabela 27. Comparação entre a mortalidade por internações por intoxicação
medicamentosa em menores de cinco anos e a mortalidade por todas as causas
segundo Unidade Federativa (UF) de residência do paciente, Brasil (SUS), 2003-12.
Unidade Federativa Mortes por todas as causas
Mortes por intoxicação
medicamentosa
n %1 n %2
Brasil 542.317 0,35 75 0,42
Região Norte 70.020 0,04 9 0,05
Rondônia 5.572 0,00 2 0,01
Acre 3.807 0,00 2 0,01
Amazonas 16.122 0,01 1 0,01
Roraima 2.074 0,00 2 0,01
Pará 33.742 0,02 2 0,01
Amapá 3.515 0,00 0 0,00
Tocantins 5.188 0,00 0 0,00
Região Nordeste 189.139 0,12 23 0,13
Maranhão 25.760 0,02 1 0,01
Piauí 11.497 0,01 3 0,02
Ceará 26.813 0,02 5 0,03
Rio Grande do Norte 8.763 0,01 0 0,00
Paraíba 12.239 0,01 2 0,01
Pernambuco 31.399 0,02 4 0,02
Alagoas 13.839 0,01 2 0,01
Sergipe 8.140 0,01 0 0,00
Bahia 50.689 0,03 6 0,03
Região Sudeste 185.469 0,12 29 0,16
Minas Gerais 46.331 0,03 6 0,03
Espírito Santo 8.513 0,01 2 0,01
Rio de Janeiro 39.060 0,03 3 0,02
São Paulo 91.565 0,06 18 0,10
Região Sul 57.607 0,04 7 0,04
Paraná 24.318 0,02 2 0,01
Santa Catarina 12.031 0,01 2 0,01
Rio Grande do Sul 21.258 0,01 3 0,02
Região Centro-Oeste 40.082 0,03 7 0,04
Mato Grosso do Sul 8.636 0,01 2 0,01
Mato Grosso 9.988 0,01 2 0,01
Goiás 15.085 0,01 0 0,00
Distrito Federal 6.373 0,00 3 0,02
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 1Cálculo: (somatório do número de mortes em menores de cinco anos entre 2003 e 2012 dividido
pelo somatório da população menor de cinco anos entre 2003 e 2012) x 100. 2Cálculo: (número de mortes em internações por intoxicação medicamentosa envolvendo menores
de cinco anos entre 2003 e 2012 dividido pelo número de internações por intoxicação
medicamentosa envolvendo menores de cinco anos) x 100.
93
Evolução no tempo
A evolução no tempo das internações por intoxicações medicamentosas em
menores de cinco anos segundo a idade do paciente está na Figura 2. No período, houve
um aumento do número de internações em recém-natos e menores de 28 dias. Ao
contrário, as internações em crianças acima de 28 dias diminuíram.
Figura 2. Evolução no tempo das internações por intoxicações medicamentosas em
menores de cinco anos por idade do paciente, Brasil (SUS), 2003-12.
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
A Figura 3 detalha as internações por ano de competência e natureza do
estabelecimento de saúde. Os estabelecimentos de natureza pública foram responsáveis
pelo maior número de internações em todos os anos, exceto em 2004. Neste ano, as
unidades de saúde conveniadas ao SUS foram responsáveis pelo maior número de
internações.
0
100
200
300
400
500
600
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nú
mer
o d
e in
tern
açõ
es
Ano de competência
0 dia 1 a 28 dias 29 a 364 dias 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos
94
Figura 3. Evolução no tempo das internações por intoxicações medicamentosas em
menores de cinco anos por natureza jurídica da unidade de saúde onde ocorreu a
internação, Brasil (SUS), 2003-12.
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
O número de internações que evoluíram ao óbito do paciente variou conforme o
ano de competência (Figura 4). O maior número de óbitos nestas internações ocorreu nos
anos de 2003 e 2009, quando ocorreram 13 e 10 mortes, respectivamente. O ano com
menor número de internações cuja evolução foi o óbito foi 2007 (dois óbitos).
Figura 4. Evolução no tempo das internações por intoxicações medicamentosas em
menores de cinco anos que evoluíram a óbito do paciente, Brasil (SUS), 2003-12.
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nú
mer
o d
e in
tern
açõ
es
Ano de Competência
Privado Público Conveniado
0
2
4
6
8
10
12
14
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nú
mer
o d
e ó
bit
os
Ano de Competência
95
Tempo de permanência
Em relação ao tempo de permanência, a média encontrada foi de três dias
enquanto a mediana foi dois dias. No entanto, embora a mediana tenha sido constante, o
tempo de permanência médio variou no período. Em 2005, ele passou de dois para três
dias, se mantendo neste valor até o fim do período de estudo – 2012. A Tabela 28 compila
vários dados relativos ao tempo de permanência médio dos pacientes estudados.
Observa-se que houve uma diminuição do tempo de permanência médio conforme
a idade do paciente aumentou. Assim, os recém-natos possuíram maior tempo de
permanência médio (quatro dias) enquanto as crianças com dois anos ou mais
permaneceram, em média, internadas por um tempo menor (dois dias).
Não houve diferença entre os sexos: meninos e meninas permaneceram
internados, em média, por dois dias.
As internações em que houve deslocamento do paciente tiveram maior tempo de
permanência do que aquelas em que não houve deslocamento.
Enquanto isso, as internações com utilização de UTI e as internações que não
evoluíram a óbito tiveram em média maior tempo de permanência em relação às
internações sem utilização de UTI e as que evoluíram a óbito, respectivamente.
O Rio Grande do Norte foi o estado com maior tempo de permanência médio –
seis dias -, seguido do Amapá (cinco dias). Nenhum estado teve tempo de permanência
médio menor que dois dias. Nos estados da região Sul, Sudeste (exceto o Rio de Janeiro)
e Centro-Oeste, o tempo de permanência médio foi menor – dois dias. Em relação ao
tempo de permanência mediano, Roraima e Distrito Federal tiveram o menor tempo – um
dia enquanto nenhum estado teve tempo de permanência mediano maior que três dias. Já
os estados com maior tempo de permanência mediano são Amapá, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Alagoas e Sergipe.
As internações que ocorreram em pacientes que vivem nas regiões Norte e
Nordeste tiveram maior tempo de internação médio. Ainda, as internações que ocorreram
em estabelecimentos de saúde conveniados ao SUS tiveram menor tempo de permanência
médio em relação às que ocorreram em estabelecimentos particulares e públicos (Tabela
29).
96
Tabela 28. Tempo de permanência médio das internações por intoxicações
medicamentosas em menores de cinco segundo idade do paciente, sexo, utilização de
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e evolução, Brasil (SUS), 2003-12.
Variável Tempo de Permanência (dias)
Média Mediana
Idade
0 dia 6 3
1 a 28 dias 3 2
29 a 364 dias 3 2
1 ano 3 2
2 anos 2 2
3 anos 2 2
4 anos 2 2
Sexo
Masculino 3 2
Feminino 3 2
Trajetória da internação
Mesmo município 2 2
Município diferente 3 2
Utilização de UTI
Sim 4 3
Não 2 2
Evolução
Óbito 3 2
Não-óbito 6 2
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
97
Tabela 29. Tempo de permanência médio das internações por intoxicações
medicamentosas em menores de cinco segundo natureza jurídica do estabelecimento
de saúde, região de residência e trajetória da internação, Brasil (SUS), 2003-12.
Variável Tempo de Permanência (dias)
Média Mediana
Região de Residência
Norte 3 2
Nordeste 3 2
Sudeste 2 2
Sul 2 2
Centro-Oeste 2 2
Natureza jurídica
Privado 3 2
Público 3 2
Conveniado 2 2
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Número de intoxicações
Como o critério de seleção para o estudo envolveu duas variáveis de diagnóstico
de intoxicação medicamentosa, as internações que constam no banco de dados podem ter
sido causadas por um ou dois diagnósticos de intoxicação. Essa relação está presente na
Tabela 30. Assim, cerca de um quarto das internações ocorreu por duas intoxicações
simultâneas por medicamentos.
Tabela 30. Distribuição percentual de internações por intoxicação medicamentosa
entre menores de cinco anos segundo o número de diagnósticos de intoxicação
medicamentosa, Brasil (SUS), 2003-12.
Internação com Frequência Percentual (%)
Uma intoxicação 13.055 73,7
Duas intoxicações 4.670 26,3
Total 17.725 100,0
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
98
A Figura 5 traz a evolução no tempo das internações com um ou dois diagnósticos
de intoxicação. É possível observar que o número de internações por dois diagnósticos de
intoxicações se manteve menor do que as internações com um diagnóstico de intoxicação
durante todo o período.
Figura 5. Evolução no tempo das internações por intoxicações medicamentosas em
menores de cinco anos segundo número de diagnósticos de intoxicação
medicamentosa por internação, Brasil (SUS), 2003-12.
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
A distribuição das internações por faixa etária seguiu um padrão semelhante tanto
para aquelas causadas por um diagnóstico de intoxicação quanto por dois diagnósticos.
Independentemente do número de diagnósticos de intoxicação, a faixa etária com maior
número de casos foi a de dois anos de idade. Ainda, a proporção de casos que necessitaram
utilizar leitos de UTI foi maior dentre as internações que ocorreram por dois diagnósticos
de intoxicação. No entanto, a taxa de mortalidade entre as internações por um diagnóstico
de intoxicação foi maior que aquelas que ocorreram por dois diagnósticos de intoxicação
(Tabela 31).
O tempo de permanência médio também variou conforme o número de
diagnósticos de intoxicação por internação. Aquelas causadas por um diagnóstico de
intoxicação por medicamento tiveram tempo de permanência médio de três dias enquanto
os pacientes cujas internações foram causadas por dois diagnósticos permaneceram
internados por dois dias em média (Tabela 32).
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nù
mer
o d
e in
tern
açõ
es
Ano de Competência
Uma intoxicação Duas intoxicações
99
Tabela 31. Distribuição percentual de internações por intoxicação medicamentosa
entre menores de cinco anos segundo número de diagnósticos de intoxicação
medicamentosa por internação e idade do paciente, necessidade de utilização de UTI
e evolução do paciente, Brasil (SUS), 2003-12.
Idade
Internações com Total
Uma intoxicação Duas intoxicações
n % n % n %
0 dia 282 90,1 31 9,9 313 100,0
1 a 28 dias 353 89,4 42 10,6 395 100,0
29 a 364 dias 1.743 76,8 527 23,2 2.270 100,0
1 ano 2.832 77,3 833 22,7 3.665 100,0
2 anos 3.071 71,4 1.231 28,6 4.302 100,0
3 anos 2.721 69,9 1.170 30,1 3.891 100,0
4 anos 2.053 71,1 836 28,9 2.889 100,0
Total 13.055 73,7 4.670 26,3 17.725 100,0
Utilização de UTI
Sim 886 6,8 405 8,7 1.291 7,3
Não 12.169 93,2 4.265 91,3 16.434 92,7
Total 13.055 100,0 4.670 100,0 17.725 100,0
Evolução
Não-óbito 12.992 99,5 4.658 99,7 17.650 99,6
Óbito 63 0,5 12 0,3 75 0,4
Total 13.055 100,0 4.670 100,0 17.725 100,0
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Tabela 32. Tempo de permanência médio das internações por intoxicação
medicamentosa em menores de cinco segundo: número de diagnósticos de
intoxicação medicamentosa por internação, Brasil (SUS), 2003-12.
Internações com Tempo de Permanência (dias)
Média Mediana
Uma intoxicação 3 2
Duas intoxicações 2 2
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
A possibilidade de haver dois diagnósticos de intoxicação na mesma internação
impossibilita que a análise das classes terapêuticas seja realizada por internação. Isso
ocorre porque as internações em que ocorreram dois diagnósticos de intoxicação
medicamentosa correspondem a duas intoxicações, sejam elas por duas classes distintas
de medicamentos ou por dois medicamentos da mesma classe terapêutica. Assim, o total
de intoxicações é maior que o número de internações. Para permitir a análise das classes
100
terapêuticas, é preciso, portanto, considerar o total de intoxicações que ocorreram entre
as 17.725 internações do período. A Tabela 33 demonstra que ocorreram 22.396
intoxicações no período. Além disso, embora o número de internações por duas
intoxicações medicamentosas represente 26,3% das internações, estas internações são
responsáveis por 41,7% das intoxicações.
Tabela 33. Distribuição percentual de internações por intoxicação medicamentosa
em menores de cinco anos e de intoxicações por medicamentos que geraram
internações em menores de cinco anos, Brasil (SUS), 2003-12.
Internação com Internações Intoxicações
n % n1 %
Uma intoxicação 13.055 73,7 13.055 58,3
Duas intoxicações 4.670 26,3 9.340 41,7
Total 17.725 100,0 22.395 100,0
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 1O cálculo de intoxicações que ocorreram em internações causadas por duas intoxicações foi feito
multiplicando o número de internações em que ocorreram duas intoxicações por dois.
Classes terapêuticas envolvidas
A distribuição de casos de intoxicação medicamentosa por classe terapêutica está
presente na Tabela 34. É importante ressaltar que ocorreram 4.670 internações com dois
diagnósticos de intoxicação medicamentosa, o que resultou em 9.340 intoxicações por
medicamentos somente nestas internações, conforme já explicitado anteriormente na
Tabela 33. Dentre essas intoxicações, 5.808 intoxicações ocorreram por classes
terapêuticas distintas na mesma internação enquanto 3.532 intoxicações ocorreram pela
mesma classe terapêutica na mesma internação.
A classe responsável pelo maior número de internações foi a “outros fármacos e
os não especificados”, seguida pelos “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e
antiparkinsonianos” e pelos “antibióticos sistêmicos”. Não foram registradas internações
causadas por intoxicação por “fármacos que atuam no sangue e na coagulação”.
As classes envolvidas em duas intoxicações pela mesma classe foram:
“analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos”, “antibióticos sistêmicos”,
“antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”, “fármacos que afetam o
Sistema Nervoso Autônomo”, “hormônios, seus substitutos sintéticos e seus
antagonistas”, “outros fármacos e os não especificados” e “fármacos de ação no trato
gastrointestinal”. Ainda, apenas as intoxicações por “fármacos estimulantes” estiveram
presentes exclusivamente em internações por uma intoxicação.
101
A Tabela 35 mostra a distribuição de intoxicações medicamentosas por ano de
competência e classe terapêutica. Entre as classes, é notória a diminuição no número de
internações causadas pelas intoxicações por “antibióticos sistêmicos”, principalmente a
partir de 2010, além dos “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”,
“hormônios, seus substitutos sintéticos e seus antagonistas” e “outros fármacos e os não
especificados”.
A Tabela 35 também mostra que as intoxicações por “vitaminas”, “fármacos de
uso tópico”, “fármacos de ação no trato gastrointestinal”, “fármacos que atuam sobre o
aparelho circulatório” e “enzimas, não classificadas em outra parte” aumentaram na
comparação entre o primeiro e o último ano do período analisado
A distribuição de intoxicações por idade e classe terapêutica está na Tabela 36.
Entre as crianças recém-nascidas e entre um e 28 dias, as principais classes envolvidas
foram, respectivamente, “outros fármacos e os não especificados” e os “antiepilépticos,
sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”. Entre as crianças dos demais grupos etários,
as seguintes classes foram as mais envolvidas: “outros fármacos e os não especificados”,
“antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos” e “antibióticos sistêmicos”.
Entre os recém-nascidos, não houve casos de internação por intoxicações
relacionadas às classes “agentes de diagnóstico”, “analépticos e antagonistas dos
receptores dos opiáceos”, “antídotos e quelantes, não classificados em outra parte”,
“diuréticos”, “fármacos antialérgicos e antieméticos”, “fármacos antineoplásicos e
imunossupressores”, “fármacos que agem sobre o metabolismo do ácido úrico”,
“inibidores do apetite”, “fármacos que agem sobre o equilíbrio eletrolítico, calórico e
hídrico”, “vitaminas” e por sequelas (Tabela 36).
Entre as crianças entre um e 28 dias, não ocorreram internações por intoxicação
por “analépticos e antagonistas dos receptores dos opiáceos”, “antídotos e quelantes, não
classificados em outra parte”, “diuréticos”, “fármacos antineoplásicos e
imunossupressores”, “fármacos que agem sobre o metabolismo do ácido úrico”,
“inibidores do apetite”, “fármacos que agem sobre o equilíbrio eletrolítico, calórico e
hídrico” e por sequelas (Tabela 36).
Não houve diferença entre as classes terapêuticas que causaram maior número de
intoxicações em relação à natureza jurídica do estabelecimento de saúde. Os três setores
atenderam, principalmente, as intoxicações por “outros fármacos e os não especificados”,
“antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos” e “antibióticos sistêmicos”.
A distribuição de intoxicações também variou conforme a região de residência do
paciente, como pode ser visto na Tabela 37. Para a classe de “analépticos e antagonistas
102
dos receptores opiáceos” não houve registro de intoxicações nas regiões Norte, Sul e
Centro-Oeste. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, não houve registro de internações por
intoxicações causadas pelos “antídotos e quelantes, não classificados em outra parte”.
Apenas na região Norte não houve registro de internações por intoxicações causadas pelos
“fármacos estimulantes”. Nas regiões Sul e Norte, não ocorreram internações por
intoxicações de “fármacos que agem sobre o equilíbrio eletrolítico, hídrico e calórico”.
Ao contrário, as internações por sequelas das intoxicações por medicamentos só
ocorreram nas regiões Sudeste e Sul.
A distribuição de intoxicações que evoluíram a óbito por ano de competência e
classe terapêutica está a seguir na Tabela 38. Apenas a classe terapêutica “outros fármacos
e os não especificados” foi responsável por óbitos durante todos os anos estudados. Os
anos de 2004 e 2007 foram os anos com o menor número de classes envolvidas – duas –
enquanto 2008 e 2010 tiveram o maior número de classes terapêuticas envolvidas com
óbitos – seis.
103
Tabela 34. Distribuição percentual do número de intoxicações medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos por classe
terapêutica do agente tóxico, Brasil (SUS), 2003-12. (continua)
Fármacos de ação no trato gastrointestinal 432 3,3 91 1,6 1 2 0,1 525 2,3
Fármacos de uso tópico 300 2,3 89 1,5 0 0 0,0 389 1,7
Vitaminas 34 0,3 24 0,4 0 0 0,0 58 0,3
Sequelas2 3 0,0 3 0,1 0 0 0,0 6 0,0
Outros fármacos e os não especificados 4.135 31,7 2.024 34,8 1.180 2.360 66,8 8.519 38,0
Total 13.055 100,0 5.808 100,0 1.766 3.532 100,0 22.395 100,0
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 1 Para o cálculo do número de intoxicações multiplicou-se por dois o número de internações em que ocorreram duas intoxicações. 2 Não configura em classe terapêutica mas está presente para fins de cálculo.
105
Tabela 35. Distribuição de intoxicações medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos por ano de competência e classe
terapêutica do agente tóxico, Brasil (SUS), 2003-12. (continua)
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 1 Não configura em classe terapêutica mas está presente para fins de cálculo.
107
Tabela 36. Distribuição percentual de intoxicações medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos por idade e classe
terapêutica do agente tóxico, Brasil (SUS), 2003-12. (continua)
Classe terapêutica
Idade
Total 0 dia 1 a 28 dias 29 a 364 dias 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 1 Não configura em classe terapêutica mas está presente para fins de cálculo.
109
Tabela 37. Distribuição das intoxicações medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos por classe terapêutica do agente
tóxico e região de residência do paciente, Brasil (SUS), 2003-12. (continua)
Outros fármacos e os não especificados 369 4,3 1.414 16,6 4.044 47,5 1.680 19,7 1.012 11,9 8.519 100,0
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS 1 Não configura em classe terapêutica mas está presente para fins de cálculo.
111
Tabela 38. Distribuição de intoxicações medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos e evoluíram a óbito do paciente
por ano de competência e classe terapêutica do agente tóxico, Brasil (SUS), 2003-12.
Fármacos que afetam o Sistema Nervoso Autônomo 0 0 0 0 0 2 0 1 1 0 4
Fármacos que atuam sobre o aparelho circulatório 1 0 0 1 0 1 0 1 0 0 4
Fármacos que atuam sobre os músculos lisos e esqueléticos
e sobre aparelho respiratório
0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 2
Hormônios, seus substitutos sintéticos e seus antagonistas 0 0 2 0 0 0 1 0 0 0 3
Narcóticos 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Fármacos de ação no trato gastrointestinal 0 0 0 0 0 2 0 1 1 0 4
Fármacos de uso tópico 0 0 0 0 0 1 0 2 1 0 4
Outros fármacos e os não especificados 7 3 1 6 1 2 1 1 4 6 32
Total 15 7 4 10 2 10 12 9 9 9 87
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 1 O total de intoxicações que ocasionaram óbitos é maior que o número de internações que ocasionaram óbitos pois algumas internações possuíram dois diagnósticos
de intoxicação medicamentosa.
112
O tempo de permanência médio variou conforme a classe terapêutica do
medicamento que causou a intoxicação, o que pode ser visto na Tabela 39. A classe
terapêutica envolvida em internações com maior tempo de permanência médio foi a de
“fármacos antineoplásicos e imunossupressores” (6,5 dias).
Tabela 39. Distribuição do tempo de permanência médio das intoxicações
medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos por classe
terapêutica do agente tóxico, Brasil (SUS), 2003-12.
Classe terapêutica Tempo de permanência
médio (dias)
Agente de diagnóstico 2,2
Analépticos e antagonistas dos receptores opiáceos 2,7
Analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos 2,7
Anestésicos e gases terapêuticos 2,3
Antibióticos sistêmicos 2,5
Antídotos e quelantes, não classificados em outra parte 1,8
Antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos 2,9
Diuréticos 2,1
Enzimas, não classificadas em outra parte 3,6
Fármacos antialérgicos e antieméticos 2,2
Fármacos antineoplásicos e imunossupressores 6,5
Fármacos estimulantes 2,3
Fármacos psicotrópicos 2,4
Fármacos que afetam o Sistema Nervoso Autônomo 2,6
Fármacos que agem sobre o metabolismo do ácido úrico 2,8
Fármacos que atuam sobre o aparelho circulatório 2,6
Fármacos que atuam sobre músculos liso e esquelético e
aparelho respiratório
2,3
Fármacos que atuam no sangue e na coagulação 0,0
Hormônios, seus substitutos e antagonistas 2,2
Inibidores do apetite 2,3
Múltiplos fármacos e fármacos psicoativos 4,0
Narcóticos 2,2
Fármacos que agem sobre o equilíbrio hidroeletrolítico,
calórico e hídrico
2,1
Fármacos anti-infecciosos e antiparasitários 2,5
Fármacos de ação no trato gastrintestinal 2,7
Fármacos de uso tópico 2,4
Vitaminas 1,9
Sequelas 3,5
Outros fármacos e os não especificados 2,5
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
113
Entre as internações que evoluíram a óbito, o tempo de permanência médio das
internações por classe terapêutica seguiu um padrão distinto daquele observado para o
total de internações. Como pode ser visto na Tabela 40, entre estas internações, os
“fármacos que atuam sobre o músculo liso e esquelético e aparelho respiratório”
estiveram envolvidos em internações com tempo de permanência médio de 18 dias. As
internações com óbito por intoxicação envolvendo “fármacos de ação no trato
gastrintestinal” e “outros fármacos e os não especificados” também tiveram um tempo de
permanência maior, respectivamente, 11,5 e 9,3 dias. Ao contrário, algumas classes foram
responsáveis por internações com óbito e com tempo de permanência médio menor, como
os “anestésicos e gases terapêuticos” (zero dia) e “fármacos psicotrópicos” (um dia).
Tabela 40. Distribuição do tempo de permanência médio das intoxicações
medicamentosas que geraram internações em menores de cinco anos e evoluíram a
óbito do paciente por classe terapêutica do agente tóxico, Brasil (SUS), 2003-12.
Classe terapêutica Tempo de permanência
médio (dias)
Analépticos e antagonistas dos receptores opiáceos 6,0
Analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos 3,7
Anestésicos e gases terapêuticos 0,0
Antibióticos sistêmicos 2,5
Antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos 2,5
Fármacos psicotrópicos 1,0
Fármacos que afetam o Sistema Nervoso Autônomo 1,3
Fármacos que atuam sobre o aparelho circulatório 1,3
Fármacos que atuam sobre músculos liso e esquelético e
aparelho respiratório
18,0
Hormônios, seus substitutos e antagonistas 2,0
Narcóticos 3,0
Fármacos de ação no trato gastrintestinal 11,5
Fármacos de uso tópico 5,3
Outros fármacos e não especificados 9,3
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
A Tabela 41 mostra a distribuição de intoxicações medicamentosas por classe
terapêutica e classificação ATC. A correlação da classe terapêutica com pelo menos uma
categoria ATC só foi possível em 13.777 intoxicações. Portanto, houve uma perda de
8.618 intoxicações – 38,5% das intoxicações. Considerando as intoxicações onde a
correlação foi possível, a maior parte dos agentes se concentrou na categoria ATC N, ou
seja, aquela que atua no Sistema Nervoso Central. Ainda, em 24,2% das intoxicações, a
classe terapêutica foi correlacionada com mais de uma categoria ATC.
114
Tabela 41. Distribuição percentual de intoxicações medicamentosas que geraram
internações em menores de cinco anos segundo classe terapêutica e classificação
ATC, Brasil (SUS), 2003-12. (continua)
Classe terapêutica Classificação ATC Total
n %
N 5.499 39,91
Antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e
antiparkinsonianos
N03A, N05C, N04 4.424 32,11
Fármacos psicotrópicos N 852 6,18
Narcóticos N 181 1,31
Fármacos estimulantes N06B 33 0,24
Analépticos e antagonistas dos
receptores dos opiáceos
N06 9 0,07
J e P 3.407 24,73
Antibióticos sistêmicos J 3.010 21,85
Fármacos anti-infecciosos e
antiparasitários
J, P 397 2,88
Vários 3.333 24,20
Analgésicos, antitérmicos e
antirreumáticos não opiáceos
N02A, M01A 1.455 10,56
Fármacos que afetam o Sistema
Nervoso Autônomo
N04A, N07A, A03A, A03B, A03C,
A03D, M03AB, R03AL, R03BB,
S01FA, R03DA02, R03DB02
660 4,79
Hormônios, seus substitutos sintéticos
e seus antagonistas
H, G03 501 3,64
Fármacos de uso tópico D, S, M02A, C05A, R01A 389 2,82
Fármacos antialérgicos e antieméticos R06A, D04A, A04A 146 1,06
Anestésicos e gases terapêuticos N01, V03AN 84 0,61
Agentes de diagnóstico V04, V09, SO1J 82 0,60
Enzimas, não classificadas em outra
parte
A09A, A16AB, B01AD, B06AA,
D03BA, M09AB
16 0,12
C 488 3,54
Fármacos que atuam sobre o aparelho
circulatório
C 447 3,24
Diuréticos C03 41 0,30
M e R 427 3,10
Fármacos que atuam sobre os
músculos lisos e esqueléticos e sobre
aparelho respiratório
M, R 413 3,00
Fármacos que agem sobre o
metabolismo do ácido úrico
M04AA, M04AB 14 0,10
115
Tabela 41. Distribuição percentual de intoxicações medicamentosas que geraram
internações em menores de cinco anos segundo classe terapêutica e classificação
ATC, Brasil (SUS), 2003-12. (continuação)
Classe terapêutica Classificação ATC Total
N %
A e B 610 4,43
Fármacos de ação no trato
gastrointestinal
A 525 3,81
Inibidores do apetite A08A 19 0,14
Vitaminas A11 58 0,42
Fármacos que agem sobre o equilíbrio
eletrolítico, calórico e hídrico
A, B 8 0,06
Fármacos que atuam no sangue e na
coagulação
B 0 0,00
L 8 0,06
Fármacos antineoplásicos e
imunossupressores
L01, L04 8 0,06
V 5 0,04
Antídotos e quelantes, não
classificados em outra parte
V03AB 5 0,04
Total 13.777 100,00
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
116
DISCUSSÃO
Quanto aos resultados gerais
Entre os anos de 2003 e 2012, ocorreram, no SUS, 116.797.800 internações no
país. Destas, 215.957 internações tiveram como diagnóstico principal e/ou secundário as
intoxicações medicamentosas, o que representa 0,18% do total de internações.
No mesmo período, ocorreram 13.536.990 internações envolvendo menores de
cinco anos de idade, o que representa 11,6% do total de internações. Dentre estas
internações, ocorreram 17.725 internações por intoxicações medicamentosas, ou seja,
0,13% das internações em menores de cinco anos no período foram relacionadas às
intoxicações por medicamentos. Assim, a proporção de internações por este tipo de
intoxicação foi menor entre os menores de cinco anos do que entre toda a população
brasileira – 0,13% e 0,18%, respectivamente.
Ainda, é possível inferir que as crianças menores de cinco anos foram
responsáveis por 8,2% das internações por intoxicação medicamentosa. Esse valor é
menor do que a participação desta faixa etária no número de internações por todas as
causas – 11,6%.
Na década de estudo, ocorreram 17.725 internações em menores de cinco anos
devido às intoxicações por medicamentos. No entanto, de um modo geral, o número de
internações diminuiu ano a ano. Em 2003, foram registradas 2.134 internações enquanto,
em 2012, ocorreram 1.568. Essa queda representa uma diminuição de 26,5% no número
de internações no período.
Esse resultado vai de encontro ao que foi divulgado pelo SINITOX e pelo SINAN,
o que pode significar que o número de casos de intoxicação que necessitam de internação
vem diminuindo a despeito do aumento do número de notificações por esta mesma causa.
Infelizmente, tanto o SINITOX quanto o SINAN não disponibilizam dados para todos os
anos do período de estudo, todavia, os dados disponíveis nestes bancos mostram que vêm
ocorrendo um aumento destas notificações. Em 2003, o SINITOX recebeu 9.792
notificações de intoxicação medicamentosa em menores de cinco anos enquanto, em 2011
(último ano disponível), as notificações subiram para 11.322. Considerando os registros
do SINAN, foram 1.368 notificações em 2007 (primeiro ano disponível) e 4.078
notificações em 2012.
117
Apesar dos dados mostrarem uma queda geral no número de internações, essa
queda não foi constante em todo o período. Ao contrário, este número oscilou, tendo
aumentado no ano de 2008. Para este mesmo grupo etário, as notificações divulgadas pelo
SINITOX também mostram uma oscilação nos dados, tendo aumentado nos anos de 2006
e 2007 e voltado a cair a partir de 2008.
Esta tendência de queda no número de internações em menores de cinco anos
devido às intoxicações medicamentosas se torna uma diferença notável entre o Brasil e
os Estados Unidos. Segundo Bond, Woodward & Ho (2012), neste país, as internações
por exposição a medicamentos em menores de cinco anos aumentaram em uma
velocidade acima do crescimento populacional. Contudo, embora a população brasileira
tenha crescido na década estudada, o mesmo não ocorreu no Brasil.
Outro contraste encontrado entre estes dois países diz respeito ao número de
internações por ano. Considerando as estimativas norte-americanas, as internações que
ocorreram no Brasil no mesmo período são menores. Franklin & Rodgers (2008)
estimaram em 11.000 as crianças norte-americanas internadas apenas em 2004. Neste
mesmo ano, foram realizadas 1.945 internações no Brasil pelo SUS. Já Schillie et al
(2009) consideraram que os menores de cinco anos seriam responsáveis por 83,5% das
hospitalizações por esta causa entre 2004 e 2005. No mesmo biênio, no Brasil, foram
3.778 internações em menores de cinco anos em um total de 37.135 internações por
intoxicação medicamentosa, ou seja, os menores de cinco anos foram responsáveis por
10,2% das intoxicações por esta causa no período. A diferença entre os valores
encontrados permite afirmar que o perfil de internações por esta causa no Brasil é bastante
distinto do que ocorre na população norte-americana.
Também é possível comparar a proporção de menores de cinco anos dentre
aqueles pacientes internados devido às intoxicações medicamentosas com a proporção de
menores de cinco anos na população do país durante o período. Observa-se que as duas
proporções diminuíram no período de 2003 a 2012. Entre as internações, a proporção
passou de 11,5 para 7,1 enquanto, na população, a proporção caiu de 9,2 para 7,2. Assim,
a diminuição do número de internações no período também pode ser reflexo da
diminuição da população de menores de cinco anos no país.
Ademais, é notável que, embora o número de internações por intoxicações em
menores de cinco anos tenha diminuído no período, o número de internações por esta
118
causa na população geral seguiu um perfil oposto, tendo aumentado, o que também
colaborou na menor participação desta faixa etária na proporção de internações.
Comparando-se a proporção de menores de cinco anos dentre as internações por
intoxicação medicamentosa e a proporção de menores de cinco anos na população
brasileira no período, segue-se um perfil singular: a proporção de crianças nas internações
foi maior que a da população geral em 2003, 2004 e 2005. Entre 2006 e 2009, a proporção
de crianças nas internações foi menor que a da população. A partir de 2010, os dois
valores se aproximaram, chegando a cerca de 7%, ao mesmo tempo que o número de
internações por intoxicação na população geral também variou menos, estando sempre
próximo a 22.000 internações por ano.
Ainda é possível estabelecer relações entre o número de internações por
intoxicação medicamentosa envolvendo menores de cinco anos e a população desta
mesma faixa etária no país. Esta relação variou pouco no período, tendo tido uma ligeira
queda – 0,013% em 2003 para 0,011% em 2012. Ademais, como essa relação pouco se
alterou no período, é provável que a queda observada, neste período, no número de
internações por intoxicação medicamentosa em menores de cinco anos seja um reflexo
da diminuição da população nesta mesma faixa etária.
Em relação à idade, o maior número de casos ocorreu em crianças com dois anos
– 24,3% das internações estudadas – seguida pela faixa etária de três anos, que
representou 22,0% das internações. Estas duas faixas etárias foram responsáveis por cerca
de metade dos casos – 46,3% das internações. Este resultado é próximo ao encontrado
por Matos, Rozenfeld & Bortoletto (2002), onde 58,2% das crianças estudadas tinha entre
dois e três anos de idade.
Ao mesmo tempo, os resultados encontrados neste estudo não são idênticos aos
encontrados por Lessa & Bochner (2008). Estas autoras concluíram que ocorreram 95
internações em menores de um mês e 787 internações em crianças entre um mês e um
ano entre os anos de 2003 e 2005. Todavia, no estudo atual, para o mesmo período,
ocorreram 97 internações em menores de um mês e 858 internações em crianças entre um
mês e um ano em todo o país. Esse resultado pode ser fruto da diferença entre os períodos
de coleta dos dados entre os dois estudos. Como o SIH apresenta uma entrada de dados
dinâmica, incluindo revisões da AIH e também o envio de AIH em atraso, no período
transcorrido entre as duas coletas de dados novas internações podem ter sido incluídas.
119
Considerando as internações que ocorreram na década 2003-2012, pode-se
afirmar que o número de internações aumentou segundo o aumento da idade da criança
até os dois anos. Foram 313 internações em pacientes com zero dia comparadas às 4.302
internações em pacientes com dois anos de idade. A partir dos três anos, o número de
internações passou a cair – 3.891 internações em pacientes com três anos e 2.889
internações envolvendo crianças de quatro anos. Essa tendência confirma parcialmente o
observado por Werneck & Hasselmann (2009). Estes autores analisaram as internações
em menores de seis anos em oito hospitais públicos da região metropolitana do Rio de
Janeiro entre abril de 2001 e março de 2004 e concluíram que a participação dos
medicamentos como agente tóxico aumentou conforme a idade.
É possível que a diferença entre os dois estudos tenha relação com o período
estudado, que foi diferente. Isso porque a diminuição no número de internações a partir
dos dois anos de idade não foi vista em todos os anos da década estudada. Nos anos de
2007 e 2008, o número de internações em crianças de três anos de idade foi ainda maior
do que as internações envolvendo crianças com dois anos. No entanto, em todos os anos
da década, o número de internações envolvendo crianças de quatro anos de idade foi
menor que o total de internações de crianças de três anos.
Como a população estudada por Werneck & Hasselmann incluiu uma faixa etária
excluída neste estudo – as crianças entre cinco e seis anos de idade – e não se limitou às
intoxicações por medicamentos, as diferenças na distribuição etária das internações por
intoxicações podem ser justificadas com base nestes aspectos.
Quanto ao sexo, os pacientes do sexo masculino foram a maioria, o que se repetiu
em todas as regiões do país. A diferença entre as internações dos dois sexos foi de 1.044
internações - 5,8% do total. Essa diferença também foi encontrada por outros autores.
Bertasso-Borges et al (2010) encontraram associação significativa entre a faixa etária de
um a quatro anos e sexo masculino. Matos et al (2008) e Alcântara, Vieira & Albuquerque
(2003) também encontraram maior incidência de eventos tóxicos em crianças do sexo
masculino. O sexo masculino também é mencionado como fator de risco para as
intoxicações pela OMS (OMS, 2008). Já Tyrrel et al (2012) não haviam encontrado
associação significativa entre o sexo da criança e a ocorrência de qualquer intoxicação.
Ainda, o número de internações por intoxicação medicamentosa em menores de
cinco anos durante o período estudado variou ao longo dos anos de forma diferente entre
os menores de um mês e as crianças mais velhas. Comparando o primeiro e o último ano
120
do período, percebe-se que enquanto o número de internações caiu para as faixas etárias
maiores do que 28 dias, nas idades menores, o número de internações aumentou.
Outra observação que colabora nessa análise é que o ano com maior número de
internações foi 2003 para as faixas etárias de 29 a 364 dias, dois, três e quatro anos.
Enquanto para as faixas etárias de zero dia e de um a 28 dias, os anos com mais
internações foram, respectivamente, 2008 e 2012.
Ainda, percebe-se que no ano de 2008, apenas as idades de 29 a 364 dias e três
anos não apresentaram aumento no número de internações em relação ao ano anterior.
Todavia, nos anos seguintes, a tendência de queda retornou a aparecer, exceto para a faixa
etária de um a 28 dias.
O ano de 2008 configurou um ano atípico pois houve um aumento no número de
internações por intoxicação medicamentosa tanto entre os menores de cinco anos quanto
para a população geral. No entanto, o total de internações que ocorreram no SUS neste
mesmo ano – tanto o geral quanto o de menores de cinco anos – diminuiu.
Neste ano, ocorreram algumas mudanças na política de medicamentos no país,
incluindo a publicação do Formulário Terapêutico Nacional – um documento que busca
orientar os profissionais de saúde a respeito dos medicamentos, trazendo informações
como suas indicações e doses corretas, baseadas em evidências clínicas –, a publicação
de uma nova versão da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e o
início de uma campanha educativa chamada de “A informação é o melhor remédio” que
distribuiu material informativo sobre o uso correto dos medicamentos. Essas três medidas
tinham como objetivo promover o uso racional de medicamentos (CFF, 2009). Ainda,
houve a publicação de uma nova RDC sobre a propaganda de medicamentos no país
(RDC 96/2008). Todas estas ações podem ter influenciado na diminuição no número de
internações por intoxicações medicamentosas em menores de cinco anos a partir deste
ano.
Contudo, esta queda no número de internações por intoxicações medicamentosas
em menores de cinco anos foi suficiente apenas para que os valores voltassem ao patamar
visto no período anterior a 2008. É possível que, em 2008, tenha havido uma melhora no
sistema de identificação dos diagnósticos de intoxicação, fazendo com que um maior
número de internações fosse identificado como causadas por intoxicações
medicamentosas.
121
Uma das causas dessa melhoria pode ter sido a implantação, em janeiro deste
mesmo ano, da Tabela Unificada de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e
Materiais Especiais do SUS. Esta tabela, publicada na Portaria GM/MS nº. 2.848, de 06
de Novembro de 2007, passou a estabelecer que o procedimento para o “tratamento de
intoxicação ou envenenamento por exposição a medicamento e substâncias de uso não
medicinal” fosse vinculado a um determinado rol de diagnósticos principais.
Com isto, a realização do procedimento e, portanto o pagamento da AIH, passou
a depender do preenchimento do campo “diagnóstico principal” com um dos diagnósticos
listados. Essa exigência pode ter aumentado o número de internações registradas como
tendo sido causadas por estas intoxicações.
Para verificar se essa hipótese é válida, comparou-se o número de internações em
que as intoxicações foram os diagnósticos principais entre os anos de 2007, 2008 e 2009.
No primeiro ano, ocorreram 932 internações apenas com diagnóstico principal
relacionado às intoxicações medicamentosas. Em 2008, foram 1.234 internações e, em
2009, foram 1.085 internações. Para as internações em que as intoxicações
medicamentosas foram registradas apenas como diagnósticos secundários, o aumento foi
menor: 292, 318 e 342 internações, respectivamente. O número de internações com dois
diagnósticos de intoxicação diminuiu no período.
Portanto, esses dados corroboram a hipótese de que a Portaria GM/MS nº. 2.848,
de 2007, fez com que houvesse um aumento de registros de intoxicações ao vincular o
procedimento de tratamento de intoxicação ao preenchimento do diagnóstico principal
com um dos códigos da CID-10 relacionados à intoxicação medicamentosa listado.
Quanto às regiões do país
A maior parte dos pacientes residia na região Sudeste no momento da internação.
A segunda maior região em número de internações foi a região Nordeste. Esta relação já
era esperada pois estas regiões concentram a maior parte da população brasileira – cerca
de 69,0% da população, segundo o IBGE (IBGE, 2011).
A região Sudeste foi a responsável pelo maior número de internações por esta
causa em todas as faixas etárias estudadas. Essa constatação já era esperada já que esta
região é a mais populosa do país e também aquela em que há maior riqueza. Assim, nesta
região, há uma população maior e, ao mesmo tempo, as suas famílias possuem uma renda
122
maior. A renda influencia positivamente a utilização de medicamentos, inclusive entre as
crianças, tornando-as sujeitas a um risco maior de intoxicações.
No entanto, apesar de ser a segunda região mais populosa do país, a região
Nordeste não foi a responsável pelo segundo maior número de casos em todas as faixas
etárias. Isso só ocorreu nas crianças de zero dia, um ano, três anos e quatro anos. Entre as
internações que ocorreram em crianças entre um e 28 dias, entre 29 e 364 dias e dois anos,
o segundo maior número de internações ocorreu na região Sul, responsável pelo segundo
maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, ou seja, a segunda mais rica do Brasil (IBGE,
2011). Com isso, percebe-se que tanto a questão econômica quanto a populacional
interferem no número de internações por intoxicação medicamentosa.
Outra observação é que a região Norte foi a região responsável pelo menor número
de internações, o que se repetiu para todas as idades exceto zero dia e entre 29 e 364 dias.
Além de apresentar o menor PIB, a população da região Norte está entre as menores do
país, o que justifica o menor número de internações no período. Ainda, esta região
apresenta inúmeras dificuldades para o deslocamento dos pacientes até as unidades de
saúde mais próximas, o que acaba se tornando um fator impedidor de internações. Além
disso, segundo o DATASUS, a região Norte é aquela com menor relação de número de
leitos/habitante, o que reduz ainda mais a possibilidade de internações. No caso das
internações envolvendo crianças de zero dia, o menor número de internações ocorreu na
região Centro-Oeste enquanto a região Nordeste registrou o menor número de internações
de crianças entre 29 e 364 dias.
Ainda, em relação à faixa etária, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o maior
número de internações ocorreu entre as crianças de dois anos de idade, acompanhando o
visto para todo o país. Contudo, na região Norte o maior número de internações ocorreu
em crianças de um ano enquanto na região Nordeste, as crianças de três anos
representaram a maior parte das internações. O maior número de internações entre
crianças acima de um ano pode indicar que estas internações são consequência de
intoxicações medicamentosas acidentais, já que nesta idade, as crianças possuem maior
independência em relação aos adultos.
Não se pode desprezar outras hipóteses que justifiquem o maior número de
intoxicações medicamentosas em crianças maiores de um ano. Como as crianças se
tornam mais independentes e curiosas a partir desta idade, esta é uma fase da infância
onde os pais e responsáveis devem ter um cuidado ainda maior com seus filhos. No
123
entanto, as crianças não estão sujeitas apenas aos casos de autointoxicação acidental.
Alguns fatores como a menor idade materna, baixa escolaridade dos pais, número de
filhos e outros determinantes sociais podem fazer com que os próprios pais intoxiquem
seus filhos acidentalmente (TYRREL et al, 2012).
Também não pode ser ignorado que alguns pais e responsáveis medicam seus
filhos para que eles se tornem menos agitados, o que poderia ser interpretado como um
abuso de medicamentos pelos pais, e que existe a possibilidade de uma intoxicação ser
consequência dos erros de medicação e não de uma causa acidental.
Ao se avaliar a distribuição de internações envolvendo as distintas faixas etárias,
observa-se que a maior proporção de casos envolvendo crianças de zero dia ocorreu na
região Norte – 3,7%. Nota-se, inclusive, que esta proporção é o dobro da proporção
nacional – 1,8%. A região Sudeste também teve proporção de internações nesta idade
maior que a nacional – 2,1%. Ao mesmo tempo, apenas 0,9% das internações que
ocorreram na região Sul envolveu pacientes com zero dia. Esta proporção é metade da
vista em âmbito nacional.
Entre as internações envolvendo crianças entre um e 28 dias, apenas a região
Sudeste teve proporção de casos maior que a proporção nacional – 3,5% e 2,2%,
respectivamente – enquanto, na região Nordeste, apenas 0,6% das internações por
intoxicação medicamentosa envolveu essa mesma faixa etária. Considerando-se as
crianças entre 29 e 364 dias, a região Nordeste foi aquela com menor proporção de casos
– 1,4% -, enquanto a proporção do Brasil foi de 12,8%. Entre as crianças acima de um
ano, não foram observadas diferenças significativas entre estas proporções.
O estado de São Paulo foi responsável por mais de 25% dos casos, considerando-
se tanto a Unidade Federativa de internação quanto a Unidade Federativa de residência.
Além disso, São Paulo também foi o estado de residência de 38,7% dos pacientes
internados com zero dia e de 62,0% das internações em crianças entre um e 28 dias. Os
cinco estados com maior número de casos (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
Bahia e Rio de Janeiro) somam cerca de 60% dos casos que ocorreram no país.
Ainda, a região do país não influenciou diferenças no número de internações entre
crianças do sexo masculino e feminino. Em todas elas, as crianças do sexo masculino
foram responsáveis pela maior parte das internações por intoxicação medicamentosa, o
que já havia sido observado para todo o país. Portanto, mais do que diferenças regionais,
o maior número de casos parece ser reflexo de diferenças comportamentais entre meninos
124
e meninas. No entanto, a região Norte foi aquela em que a participação das crianças de
sexo masculino foi maior – 54,5%.
Em relação à natureza jurídica do estabelecimento de saúde onde ocorreu a
internação, houve diferenças significativas entre as regiões brasileiras. Nas regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, o setor público foi responsável pelo maior número de
internações e a participação do setor privado foi maior que a do setor conveniado. As
regiões com maior participação do setor privado nas internações foram as regiões
Nordeste e Centro-Oeste. Já nas regiões Sul e Sudeste, o setor conveniado foi responsável
pelo maior número de internações seguidos pelos setores público e privado.
O maior número de internações em estabelecimentos públicos nas regiões Norte,
Centro-Oeste e Nordeste tem grande relação com a maior disponibilidade dos leitos
pediátricos públicos frente aos leitos de internações em estabelecimentos não-públicos
nestas regiões. Em dezembro de 2012, último mês do período estudado, as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste possuíam mais leitos públicos que leitos conveniados e privados
vinculados ao SUS (Tabela A1). Assim, era esperado que nestas regiões, a maior parte
das internações ocorresse em estabelecimentos públicos. Fora que o acesso aos planos de
saúde privados é menor naquelas regiões, fazendo com que uma maior parte dos
atendimentos ocorra nas unidades de saúde vinculadas ao SUS.
O mesmo não ocorreu nas regiões Sudeste e Sul, onde o número de leitos
pediátricos em estabelecimentos conveniados e privados era, em dezembro de 2012,
maior que os leitos públicos. Da mesma forma, era esperado que nestas regiões, a maior
parte das internações tivesse ocorrido em estabelecimentos não públicos, já que há maior
disponibilidade de leitos naqueles estabelecimentos. Além disso, nestas regiões, uma
grande parcela da população possui planos de saúde, o que faz com que exista mais leitos
disponíveis em estabelecimentos privados.
Quanto ao perfil de atendimento
Para o total de internações por intoxicação medicamentosa envolvendo menores
de cinco anos entre 2003 e 2012, 46,3% ocorreram nos estabelecimentos de saúde
públicos. Os leitos privados foram aqueles com menor participação no número de
internações – 14,0%. Independente da natureza jurídica, o maior número de internações
ocorreu entre as crianças de dois anos de idade. Os estabelecimentos de saúde públicos
foram responsáveis pelo maior número de internações em maiores de um mês. Já os
125
estabelecimentos conveniados foram responsáveis pelo maior número de internações em
crianças entre um e 28 dias. Entre as crianças com zero dia de vida, a participação dos
setores público e conveniado no total de internações foi semelhante.
É importante ressaltar que a natureza jurídica do estabelecimento de saúde pode
determinar padrões terapêuticos. Assim, pacientes internados em unidades particulares
podem utilizar um maior número de medicamentos do que os internados em outras
unidades, associação que já foi realizada por Osorio-de-Castro et al (2004) e Gomes et al
(1999). O maior consumo de medicamentos está associado a uma possibilidade maior de
intoxicações, principalmente na faixa etária estudada, devido à imaturidade de seu
organismo e o uso de medicamentos inapropriados. Contudo, neste estudo, o setor privado
foi responsável pela minoria das internações.
A evolução das internações por intoxicação medicamentosa em menores de cinco
anos por ano mostra que a diminuição no número de internações no período se refletiu
em estabelecimentos de todas as naturezas – públicos, privados e conveniados. Contudo,
percebe-se que a diminuição no número de internações no setor privado foi mais
acentuada do que nos demais estabelecimentos – as internações que ocorreram em 2012
(102) são menos de um terço das internações que ocorreram em 2003 (383). Ao mesmo
tempo, o ano de 2004 teve uma distribuição de internações diferente da que ocorreu nos
demais anos, já que o setor conveniado foi responsável pelo maior número de internações.
Seguindo a trajetória dos pacientes, um quarto destes foi internado em município
diferente do seu município de residência. O paciente também teve que se deslocar entre
as Unidades da Federação. Enquanto Piauí, Pernambuco, São Paulo e Distrito Federal
possuíram um número maior de pacientes internados do que pacientes residentes, outros
estados como Pará, Maranhão, Minas Gerais, Bahia e Goiás possuíram maior número de
pacientes residentes do que internados. Isso significa que aqueles estados receberam
pacientes de outras Unidades da Federação enquanto estes enviaram seus pacientes a
outros estados.
Em algumas Unidades Federativas, a internação fora do município de residência
do paciente ocorreu em proporções maiores que a observada no país, destacando-se
Sergipe e Espírito Santo. Nestes estados, a proporção de internações em municípios
diferentes atingiu 49% e 48% do total, respectivamente. Ou seja, nesses dois estados,
quase metade das internações por intoxicação medicamentosa envolvendo menores de
cinco anos ocorreu fora do município de residência do paciente. De modo contrário, o
126
estado do Amazonas foi aquele com menor proporção de internações em município
distinto daquele de residência – apenas 5% dos casos.
Uma hipótese a ser considerada para explicar estas observações é a de que o
número de municípios da Unidade Federativa pode interferir nesta análise, de modo que
as Unidades Federativas com maior número de municípios poderiam apresentar uma
quantidade maior de internações fora do município de residência. No entanto, Minas
Gerais – o estado com maior número de municípios do país – e o Distrito Federal – que é
uma unidade administrativa única – apresentaram proporção de internações fora do
município de residência semelhantes – 30% e 29%, respectivamente. Portanto, esta
hipótese não pode ser a única explicação para a diferença entre todas as Unidades
Federativas.
Todavia, o número de internações fora do município de residência também deve
se relacionar com a possibilidade de deslocamento entre os municípios, já que esta pode
se sobrepor às necessidades de saúde do paciente. Assim, embora haja a necessidade, os
pacientes não são transferidos devido à impossibilidade de deslocamento. Isso justifica o
fato de estados onde essa locomoção é mais difícil terem tido uma proporção de
internações fora do município de residência menor do que a proporção nacional – 25,3%
– no período. Nesta condição, se encontram os estados da região Norte.
Outro fator que pode diminuir o deslocamento dos pacientes é a existência de uma
rede hospitalar maior no município de residência, como no caso do Rio de Janeiro e São
Paulo. Já a região Nordeste teve uma proporção de internações com deslocamento do
paciente maior que a nacional, o que pode ter relação com a menor estrutura das unidades
de saúde de alguns municípios. Essa última hipótese também se aplica aos casos onde um
único município ou um pequeno grupo de municípios possuem uma rede de assistência
hospitalar maior e atraem a clientela de outros municípios, através ou não da pactuação
entre os mesmos.
Estas hipóteses também podem justificar a relação de óbitos/número de
internações por região. As regiões Norte e Nordeste possuem, respectivamente, as duas
maiores relações – 1,1% e 0,6% –, superiores à relação de número de óbitos/número de
internações do país – 0,4%. A dificuldade de deslocamento na região Norte faz com que
a trajetória dos pacientes fique restrita aos seus municípios de residência. Já no Nordeste,
a menor estrutura dos municípios obriga os pacientes a se deslocarem a procura de
atendimento. Infelizmente, as duas situações fazem com que os casos de maior gravidade
127
não tenham a assistência hospitalar necessária no tempo correto. Assim, quando o
paciente chega aos serviços de saúde, seu estado de saúde é mais grave, o que acaba
levando o paciente ao óbito.
Ainda, a relação de internações com utilização de leitos de UTI/número de
internações na região mostra que a região Nordeste foi a que teve a menor relação. Ao
mesmo tempo, a região Norte teve uma utilização de UTI maior que a da região Sudeste.
Essa constatação corrobora a hipótese de que, na região Norte, a dificuldade de
deslocamento faz com que um maior número de pacientes chegue ao estabelecimento de
saúde em um estado mais grave em relação às demais regiões, o que levaria a uma maior
utilização de leitos de UTI. Já na região Sudeste, a dificuldade de deslocamento é menor,
e portanto, os casos mais graves podem ser atendidos mais rapidamente, sem que haja o
agravamento do estado de saúde dos pacientes. Ainda, na região Sudeste, como a
disponibilidade de leitos é maior, não só os casos mais graves de intoxicação são
atendidos, mas também aqueles menos graves. Isso faz com que a proporção de utilização
de UTI seja menor em relação à região Norte.
Ainda, deve-se considerar o número de leitos de UTI disponíveis em cada região
já que só podem ocorrer internações em UTI se estes leitos estiverem disponíveis.
Segundo dados do DATASUS, em dezembro de 2012, a região Norte era a região que
contava com o menor número de leitos complementares pediátricos (somando-se os
neonatais e os infantis) enquanto a região Sudeste era aquela com maior número destes
leitos (Tabela A2).
Em nenhuma das faixas etárias estudadas, o número de internações fora do
município de residência ultrapassou o número de internações sem necessidade de
deslocamento do paciente. Em números absolutos, os menores de um ano tiveram menor
necessidade de se dirigir a outro município para serem internados enquanto as crianças
de dois anos foram aquelas com maior necessidade de se deslocar. Considerando a
proporção de internações que ocorreram fora do município de residência dentre as
internações envolvendo a faixa etária, apenas as crianças entre um e 28 dias e as crianças
de um ano possuíram proporção menor que a encontrada para a população menor de cinco
anos. De modo oposto, as faixas etárias onde houve a maior necessidade de deslocamento
do paciente foram, respectivamente, crianças de quatro anos, crianças entre 29 e 364 dias
e crianças de três anos.
128
Pode-se considerar que a internação de recém-nascidos (faixa etária zero dia) é
uma consequência da internação da gestante. Assim, o deslocamento encontrado para esta
faixa etária indica provavelmente o deslocamento feito para que houvesse assistência ao
parto. A menor necessidade de internações fora do município para a faixa etária seguinte
– crianças entre um e 28 dias – mostra que existe uma estrutura de atendimento neonatal
em um maior número de municípios, diminuindo a necessidade de deslocamento do
paciente. Nas demais faixas etárias, a necessidade de internação fora do município oscila,
o que pode ser reflexo tanto da gravidade do estado do paciente quanto das condições
estruturais da unidade de saúde que o recebeu.
Houve diferença no perfil de trajetória em relação aos tipos de leitos de internação:
os casos que necessitaram da trajetória representaram 37,8% dos casos de internações
com uso de UTI e 24,4% de leitos comuns. Isso indica que a necessidade de utilização de
UTI obriga os pacientes a se deslocarem até os municípios onde estes leitos estão
disponíveis.
Por sua vez, a utilização de leitos de UTI ocorreu em 7,3% das internações
estudadas. Os leitos de UTI foram em sua maioria de estabelecimentos públicos, seguidos
dos conveniados e particulares. Essa distribuição tem relação com o número de leitos
complementares (UTI) neonatais e infantis disponíveis em dezembro de 2012, último mês
estudado (Tabela A2). Segundo o DATASUS, o maior número de leitos era público,
seguidos dos privados e dos conveniados. Assim, as internações envolvendo UTI em
estabelecimentos conveniados ocorreram em maior número do que nas unidades
particulares apesar do menor número de leitos disponíveis. Essa constatação pode indicar
que os estabelecimentos conveniados utilizam os leitos de UTI como um modo de
aumentar o valor pago pela internação e não apenas pela necessidade do paciente. No
entanto, esta última possibilidade pode ocorrer nos estabelecimentos de todas as
naturezas.
A faixa etária com maior número de internações em leitos de UTI foi a de dois
anos. No entanto, as crianças entre um e 28 dias e as entre 29 e 364 dias representam
aquelas em que os leitos de UTI foram utilizados, proporcionalmente, no maior número
de internações – 8,6% e 8,2%, respectivamente. Estas duas faixas etárias e as crianças
com dois anos de idade tiveram proporção de utilização de UTI maior que a encontrada
para a mesma causa na população menor de cinco anos. De modo oposto, as crianças de
129
um ano e zero dia foram aquelas com menor utilização proporcional – 6,0% e 6,4%,
respectivamente.
Esta variação da utilização conforme a faixa etária pode ter ocorrido devido a uma
melhora na qualidade da atenção neonatal, fazendo com que as crianças menores de um
ano sejam melhor assistidas. Ainda, segundo o DATASUS, em dezembro de 2012, último
mês do período estudado, os leitos complementares de UTI neonatais estavam disponíveis
em maior número do que os mesmos leitos pediátricos – 4.055 e 2.279, respectivamente,
considerando apenas os leitos vinculados ao SUS. Assim, essa maior oferta de leitos
neonatais pode ter favorecido a internação desta faixa etária nestes leitos.
Ainda, a utilização de leitos de UTI variou conforme a região de residência do
paciente. Em termos de utilização de UTI entre as internações ocorridas em cada região,
tem-se que a região Sul foi aquela em que esta ocorreu com maior intensidade – 13,9% -
enquanto na região Nordeste, esta proporção foi a menor do país – 4,2%. Todavia, a região
Sul possuía menos leitos complementares neonatais e pediátricos do que as regiões
Sudeste e Nordeste em dezembro de 2012.
Assim, estas duas regiões apresentam dois perfis distintos: a região Nordeste
apresentou a maior proporção de internações fora do município de residência ao mesmo
tempo em que a utilização de leitos de UTI foi a menor do país. No Nordeste, ocorreram
21,0% das internações por intoxicação medicamentosa em menores de cinco anos do país
e 12,2% das internações envolvendo UTI por esta causa. Já a região Sul foi responsável
por 17,4% das internações por intoxicação medicamentosa e 33,2% das internações
envolvendo UTI por esta causa. No Sul, também houve a maior proporção de internações
com necessidade de UTI e a menor relação de número de óbitos por internação.
Destas informações, pode-se concluir que na região Nordeste, o principal motivo
de deslocamento de pacientes não foi a utilização de leitos de UTI, o que indica mais uma
vez a baixa estrutura assistencial para os casos de intoxicação medicamentosa que
necessitam internação. Ainda, pode-se dizer que a região Sul utiliza, proporcionalmente,
mais leitos de UTI do que as demais regiões. No entanto, esta característica pode estar
relacionada ao menor número de óbitos, demonstrando uma melhor qualidade no
atendimento destes pacientes.
Além da utilização de leitos de UTI, o tempo de permanência do paciente também
é um fator indicativo da gravidade de seu estado de saúde. De modo geral, entende-se que
os pacientes mais graves demorarão mais tempo para se reestabelecer. Portanto, pode-se
130
inferir que quanto maior o tempo de permanência do paciente no estabelecimento de
saúde, maior a gravidade de seu estado de saúde.
Considerando as intoxicações medicamentosas, vários fatores podem interferir na
gravidade do quadro, entre eles, o agente tóxico envolvido e a idade do paciente. Durante
o período estudado, o tempo médio de permanência foi de três dias. Este valor é bastante
superior ao encontrado por Olguín et al (2011), no México, onde nenhuma criança
permaneceu mais de 24 horas hospitalizada. Já Moreira et al (2010) encontraram tempo
de permanência para intoxicações medicamentosas nesta faixa etária de 2,9 dias, bem
próxima a encontrada neste estudo.
A mediana do tempo de permanência foi um pouco menor, tendo sido de dois dias.
Ainda, houve uma ampla variação no número de dias que os pacientes estiveram
internados. Segundo os registros da AIH, esses valores variaram entre zero e 745 dias.
No entanto, nenhuma das internações em que o tempo de permanência foi maior que cem
dias eram AIH de longa permanência (tipo 5). Desta forma, entende-se que estes valores
provavelmente não configuram o tempo real que o paciente esteve internado mas sim,
representam erros no preenchimento das informações presentes na AIH, podendo estar o
erro tanto na data de entrada na unidade de saúde quanto a data de saída. Infelizmente,
não é possível saber o tempo correto de permanência destas internações e, portanto, o
tempo médio de permanência encontrado é mais alto do que o real.
Os pacientes com menor idade permaneceram internados por um período maior
do que as crianças mais velhas. As crianças de zero dia tiveram um tempo de permanência
de seis dias e mediana de três dias. Para as crianças mais velhas, a mediana de
permanência foi de dois dias para todas as faixas etárias. Já o tempo de permanência
médio foi de três dias para as crianças de um a 28 dias, 29 a 364 dias e um ano enquanto
para as faixas etárias de dois, três e quatro anos, a permanência média foi de dois dias.
É compreensível que o tempo de permanência médio diminua conforme a idade
aumente. Isso ocorre porque as crianças mais velhas possuem um organismo mais maduro
e que, portanto, pode metabolizar melhor os fármacos com os quais entra em contato.
Ainda, a disponibilidade de medicamentos apropriados para a faixa etária que as consome
é maior para as crianças mais velhas.
Por sua vez, não houve variação no tempo de permanência médio conforme o sexo
do paciente. Meninos e meninas tiveram tempo de permanência médio igual a três dias e
mediana de permanência de dois dias. Ao mesmo tempo, a utilização de leitos de UTI
131
entre os dois sexos foi semelhante à distribuição de todas as internações, tendo os meninos
ocupado 54,0% destes leitos. Esses resultados indicam que não houve diferença entre a
gravidade dos casos entre crianças do sexo masculino e feminino.
A necessidade de sair do município de residência para ser internado teve tempo
de permanência médio de três dias. Pacientes que não necessitaram deste deslocamento
ficaram, em média, dois dias internados. Apesar da diferença no tempo de permanência
média, a mediana do tempo de permanência para ambos os casos foi de dois dias. Esse
achado indica que a necessidade de deslocamento aumenta o tempo de permanência
médio destas internações, o que também foi observado por Moreira et al (2010), em
estudo realizado em Juiz de Fora. Estes autores observaram que os pacientes de outras
localidades passaram mais tempo internados do que os pacientes locais. Todavia, os
autores avaliaram intoxicações por todas as causas e faixas etárias.
Isso pode acontecer devido a três hipóteses: a primeira é que o deslocamento
ocorreu porque o paciente se encontrava em um estado mais grave e, portanto, necessitou
de um atendimento mais especializado, em outro município; a segunda, é que o
deslocamento agiria tanto como uma barreira de entrada quanto de saída do paciente,
fazendo com que ele fique mais tempo internado, e; a terceira seria que a necessidade de
deslocamento levaria ao agravamento do quadro clínico do paciente e, portanto, ele
levaria um período maior para receber alta.
A utilização de UTI também gera maior tempo de permanência médio, o que
parece ser consequência da maior gravidade destes casos. Quando há a utilização destes
leitos, o tempo de permanência médio é de quatro dias face aos dois dias de permanência
na sua não-utilização. Nestes casos, a mediana também se alterou: três dias quando houve
a utilização de UTI e dois dias quando não houve.
As internações onde o paciente evoluiu ao óbito tiveram tempo de permanência
médio de seis dias enquanto as que não tiveram a mesma evolução tiveram tempo de
permanência médio de três dias. Todavia, a mediana de permanência foi a mesma,
independente da evolução da internação – dois dias. Assim, pode-se entender que os casos
de óbito demandam um maior tempo de internação médio em relação aos demais, o que
reflete a gravidade destes casos.
As regiões Norte e Nordeste apresentaram maior tempo de permanência médio
(três dias) frente às demais regiões (dois dias). A mediana não se alterou, sendo de dois
dias para todas as regiões. Aparentemente, o maior tempo de permanência das regiões
132
Norte e Nordeste tem relação com o discutido a respeito da relação número de
óbitos/número de internações, onde os pacientes dessas duas regiões podem chegar às
unidades de saúde em um estado mais grave. No entanto, no caso da região Nordeste, é
possível que esteja presente um fator confundidor, já que nas internações onde houve
necessidade de deslocamento, o tempo de permanência médio foi maior e esta região foi
aquela em que houve o maior número de internações fora do município de residência do
paciente.
Considerando as Unidades Federativas, o Amapá teve o maior tempo de
permanência médio (cinco dias), seguido do Acre (quatro dias). Nove estados tiveram
tempo de permanência médio de dois dias – Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal. Os
demais estados tiveram tempo de permanência médio de três dias.
O tempo de permanência médio em estabelecimentos conveniados foi
ligeiramente menor (dois dias) em relação aos estabelecimentos privados e públicos (três
dias). A mediana não se alterou, sendo de dois dias para o estabelecimento de todas as
naturezas jurídicas.
Apesar do número de internações, deve-se considerar que 26,3% destas
internações foram geradas por duas intoxicações medicamentosas. Deste modo, as
internações causadas por duas intoxicações foram responsáveis por 41,7% das
intoxicações. Assim sendo, mesmo sendo a minoria das internações, as internações por
dois diagnósticos de intoxicação causam uma importante parcela das intoxicações.
Considerando o período de estudo, no geral, o número de internações caiu tanto
para aquelas causadas por um quanto por dois diagnósticos. No entanto, em 2008, o
número de internações por uma intoxicação medicamentosa aumentou enquanto o
número de internações por duas intoxicações medicamentosas diminuiu. Já, em 2012,
ambas aumentaram.
O número de internações por um diagnóstico de intoxicação e por dois
diagnósticos de intoxicação aumentou conforme a idade até os dois anos de idade, a partir
da qual ambas diminuíram. Esse padrão é igual ao observado para o conjunto de
internações.
Para todos os grupos etários, o número de internações por uma intoxicação foi
maior do que aquelas causadas por duas intoxicações. Proporcionalmente, as crianças de
três anos foram aquelas envolvidas em um maior número de internações por duas
133
intoxicações – 30,1% – enquanto as crianças de zero dia foram as que menos se
envolveram nestas internações.
Um maior número de internações por um diagnóstico de intoxicação utilizou leitos
de UTI em vista às internações com dois diagnósticos de intoxicação – 886 e 405,
respectivamente. Mas as intoxicações por dois diagnósticos de intoxicação foram as que
utilizaram maior proporção de leitos de UTI – 8,7%. Esse resultado é razoável já que,
quando ocorrem duas intoxicações ao mesmo tempo, a criança está duplamente exposta
aos seus riscos e, portanto, apresentaria um quadro mais grave do que aquelas expostas a
apenas um medicamento. No entanto, essa não é uma regra geral, visto que a gravidade
dos casos também depende dos agentes tóxicos envolvidos e não apenas do número de
agentes tóxicos envolvidos.
Além disso, o tempo de permanência foi maior para as internações com um
diagnóstico de intoxicação (três dias) do que para aquelas com dois diagnósticos de
intoxicação (dois dias). Em termos de mediana de permanência, o número de dias não se
alterou em relação ao número de intoxicações, se mantendo em dois dias.
Como algumas internações foram provocadas por mais de uma intoxicação,
ocorreram mais intoxicações do que internações. No total, ocorreram 22.395 intoxicações
medicamentosas em 17.725 internações, o que representa uma proporção de 1,26
intoxicações/internação.
Quanto à mortalidade
No período, ocorreram 75 óbitos, o que leva a uma taxa de mortalidade de 0,4%.
O número de óbitos foi menor do que os encontrados nos Estados Unidos, por exemplo.
Segundo Mowry et al (2013), apenas em 2012, ocorreram 46 óbitos em menores de cinco
anos por esta causa. No mesmo ano, ocorreram sete óbitos no Brasil entre as intoxicações
que necessitaram de internação. No entanto, os dados de Mowry et al (2013) são oriundos
das ligações feitas aos Centros de Informações Toxicológicas norte-americanos e não de
registros hospitalares.
Apesar de não ter relação com a realidade norte-americana, este estudo encontrou
dois óbitos em menores de um mês e sete óbitos em crianças entre um mês e um ano,
entre 2003 e 2005. Estes valores foram os mesmos encontrados por Lessa & Bochner
(2008).
134
A proporção de óbitos em internações por intoxicações medicamentosas em
menores de cinco anos diminuiu conforme a idade. Isso já era esperado pois, à medida
que a criança cresce, seu metabolismo se desenvolve e se torna cada vez mais capaz de
metabolizar os medicamentos adequadamente. Ao mesmo tempo, muitos medicamentos
já são indicados para a faixa etária acima de dois anos de idade, diminuindo o número de
intoxicações devido ao uso não indicado desses medicamentos.
A faixa etária com maior número de óbitos foi a de crianças de um ano de idade.
Também houve uma queda no número de internações que evoluíram a óbito durante o
período de estudo – de 13 óbitos, em 2003 para sete óbitos, em 2012, representando uma
diminuição de aproximadamente metade dos casos. No entanto, este valor oscilou no
período, atingindo o menor valor em 2007 (dois óbitos).
Entre os casos de óbito, 70,7% ocorreram em estabelecimentos de saúde públicos
e 28,0% em estabelecimentos conveniados. Comparativamente, a proporção de
internações que evoluíram ao óbito foi bastante superior à proporção de internações nos
estabelecimentos públicos – 70,7% e 46,2%, respectivamente. De modo contrário, os
estabelecimentos particulares foram responsáveis por 14,1% das internações mas apenas
1,3% das internações com óbito ocorreram nestes estabelecimentos.
Esses achados podem indicar que os casos mais graves são encaminhados aos
estabelecimentos públicos. Outra possibilidade é que os estabelecimentos públicos não
estejam preparados para atender essa população adequadamente. A taxa de mortalidade
entre os estabelecimentos de diferentes naturezas jurídicas ilustra essas diferenças: 0,04%
nos estabelecimentos privados; 0,3% nos conveniados e 0,6% nos públicos. Nota-se que
tanto o setor privado quanto o público possuem taxas de mortalidade menores daquela
vista no país – 0,4%.
Comparando-se estes dados a respeito da mortalidade e aqueles que indicam a
gravidade dos casos, tem-se que a utilização de leitos de UTI entre as diferentes naturezas
jurídicas foi de 8,1% para estabelecimentos privados, 8,0% para públicos e 6,2% para os
conveniados. Já o tempo de permanência médio entre estes estabelecimentos – três dias
para estabelecimentos privados e públicos e dois dias para os conveniados. Assim, em
relação à proporção de casos graves, não houve diferença entre os estabelecimentos
públicos e privados que justifique a diferença na taxa de mortalidade encontrada para
estes estabelecimentos.
135
O número de óbitos foi maior nas internações que ocorreram na região Sudeste.
Os pacientes que residiam em São Paulo foram 24% dos casos de óbito. No entanto, é
importante lembrar que este estado foi responsável por cerca de 25% das internações, o
que torna a proporção de óbitos compatível com o número de internações. Já a relação de
internações que evoluíram a óbito por número de pacientes internados foi maior nas
regiões Norte e Nordeste e, em contrapartida, menor na região Sul. Segundo Travassos,
Oliveira & Viacava (2006), o Norte é a região onde a utilização de serviços de saúde é a
menor do Brasil. Isso pode ser entendido ao se considerar as dificuldades de deslocamento
presentes nesta região e que impossibilitam o atendimento nas unidades de saúde,
inclusive a internação de crianças intoxicadas. Deste modo, apenas os casos mais graves
seriam atendidos e a maior proporção de óbitos se justificaria pela maior gravidade destes
pacientes.
Em relação à região Nordeste, observou-se que nesta região o deslocamento de
pacientes foi o maior do país. Uma hipótese para a necessidade dessa trajetória do
paciente seria uma baixa estrutura assistencial, o que também justifica o número de óbitos
por internação maior que a encontrada para todo o país. Já na região Sul, essa relação foi
menor do que a vista em nível nacional. Nessa região, foi observada uma maior proporção
de internações com necessidade de UTI por internação. Esta observação indica um melhor
atendimento das crianças envolvidas em intoxicação medicamentosa e, portanto, elas
evoluiriam para quadros mais favoráveis e haveria um menor número de internações com
óbitos.
Em 63 internações por um diagnóstico de intoxicação e em 12 internações por
dois diagnósticos de intoxicação ocorreram óbitos. Em uma primeira análise, parece
contraditório que o número de óbitos tenha sido maior entre as internações por uma
intoxicação medicamentosa, afinal, duas intoxicações simultâneas configuram um quadro
mais grave. No entanto, proporcionalmente ao número de internações, esses valores
representam uma taxa de mortalidade de 0,5% e 0,3%, respectivamente. Essas taxas são
próximas à taxa de mortalidade vista para o total de internações por intoxicação
medicamentosa. Assim, o número de intoxicações que levaram à internação da criança
não parece ser um fator de risco para seu óbito.
Embora a taxa de mortalidade das internações de crianças menores de cinco anos
por intoxicação medicamentosa tenha sido baixa – 0,42% -, comparativamente, esta taxa
é maior do que a vista por todas as causas na mesma faixa etária – 0,35%. Isto se repetiu
136
para todas as regiões do país, exceto na Sul, onde elas foram iguais. Portanto, as
intoxicações medicamentosas representam um perigo maior para a população infantil do
que o conjunto de problemas relacionados à saúde e acidentes.
Quanto aos medicamentos envolvidos
No que tange as classes terapêuticas envolvidas nas intoxicações, não foram
registradas internações por intoxicações causadas por fármacos que atuam no sangue e na
coagulação em nenhum ano do período para a faixa etária estudada. Ainda, só foram
registradas internações por duas intoxicações pela mesma classe terapêutica para as
seguintes classes: “analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos”,
“antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”, “antibióticos sistêmicos”,
“fármacos que atuam no Sistema Nervoso Autônomo”, “hormônios, seus substitutos
sintéticos e seus antagonistas”, “outros fármacos e os não especificados” e “fármacos de
ação no trato gastrintestinal”. Ao contrário, a única classe terapêutica que só esteve
presente em internações causadas por um diagnóstico de intoxicação foi a de “fármacos
estimulantes”.
As classes terapêuticas mais envolvidas nos casos de intoxicação foram: “outros
fármacos e os não especificados” (38,0%), “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e
antiparkinsonianos” (19,8%), “antibióticos sistêmicos” (13,4%) e “analgésicos,
antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos” (6,5%). Estas quatro classes juntas
representam 77,7% das intoxicações medicamentosas em menores de cinco anos no
período.
Esse perfil é bastante diferente do registrado nos Estados Unidos, onde, em 2012,
os analgésicos foram a principal classe terapêutica envolvida nas intoxicações em
menores de cinco anos, seguida das preparações tópicas, vitaminas e anti-histamínicos
(MOWRY et al, 2013). Mesmo se a comparação for feita entre os registros do ano de
2012, o perfil brasileiro continua sendo diferente: “outros fármacos e os não
especificados”, “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”, “analgésicos,
antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos” e “antibióticos sistêmicos” foram as classes
envolvidas em maior número de internações. No entanto, o registro norte-americano trata
de notificações e não de internações, como no estudo atual.
Notificações de outros países seguem padrão semelhante ao norte-americano. Na
Suécia, por exemplo, os medicamentos mais envolvidos nesta faixa etária foram:
137
analgésicos, medicamentos para tosse, fitoterápicos, medicamentos de uso tópico,
vitaminas e anti-histamínicos, e; na Bélgica, onde as notificações foram, em sua maioria,
devido aos analgésicos, fármacos que atuam no sistema respiratório, fármacos que atuam
no Sistema Nervoso Central e fármacos de uso tópico (SWEDISH POISONS
INFORMATION CENTRE, 2013; CENTRE ANTIPOISONS, 2013).
Nota-se que os analgésicos estão entre os medicamentos com maior número de
registros de exposição em todos os países mencionados. Isto se deve, em muito, à sua
facilidade de aquisição e consumo excessivo em muitas sociedades. De modo contrário,
no Brasil, os “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos” e “antibióticos
sistêmicos” estão entre as quatro principais classes terapêuticas envolvidas nos casos de
internação por intoxicação medicamentosa.
No entanto, nos Estados Unidos, por exemplo, os anticonvulsivantes não
apareceram entre as dez principais classes terapêuticas responsáveis por notificações de
intoxicação medicamentosa em menores de cinco anos no ano de 2012. Esta última
diferença pode ocorrer por dois motivos: o primeiro seria a diferença entre populações, já
que neste estudo, apenas as internações foram estudadas e, portanto, considera-se que só
houve necessidade de internação para aquelas intoxicações de maior gravidade, e; o
segundo motivo seriam as diferenças de acesso e consumo destas classes terapêuticas
entre as populações dos países citados.
A hipótese de diferença nas populações de estudo – internações no Brasil e
notificações em outros países – pode ser comprovada comparando os resultados deste
estudo com o realizado por Shotar (2005) envolvendo os casos de internação por
intoxicação medicamentosa em menores de seis anos entre 1996 e 2001, na Jordânia. Este
autor concluiu que as classes terapêuticas mais envolvidas foram os psicotrópicos,
seguidos de contraceptivos orais, anti-histamínicos, analgésicos e antibióticos. Este
resultado guarda mais semelhanças com o encontrado no Brasil e indica que o viés
relativo às internações é importante ao estabelecer comparações.
A hipótese de diferenças no acesso e consumo aos medicamentos pode ser
comprovada ao compararmos os resultados deste estudo às notificações registradas por
classe terapêutica. No estudo realizado por Matos et al (2008) abordando os registros
envolvendo crianças feitos pelo CIVITOX, no Mato Grosso do Sul, as classes terapêuticas
mais envolvidas foram os fármacos que atuam no Sistema Nervoso Central (22,7%),
seguidos dos antimicrobianos e antiparasitários (14,9%) e dos fármacos que atuam no
138
sistema respiratório (13,0%). Portanto, os psicofármacos e os fármacos antimicrobianos
e antiparasitários apareceram não só como as classes mais envolvidas em internações por
intoxicação medicamentosa, mas também como as classes mais envolvidas nas
notificações por esta causa. Por se tratar do mesmo país, esse resultado indica que as
crianças estão mais expostas a estes medicamentos de forma geral.
Algumas classes terapêuticas causaram menos de dez internações na década
estudada. Elas foram: “analépticos e antagonistas dos receptores dos opiáceos”,
“antídotos e quelantes, não classificados em outra parte”, “fármacos antineoplásicos e
imunossupressores”, “fármacos que agem sobre o equilíbrio eletrolítico, calórico e
hídrico”, além das sequelas causadas pelas intoxicações medicamentosas.
Apenas três classes terapêuticas tiveram um número maior de intoxicações em
internações com dois diagnósticos de intoxicação do que em internações com um
diagnóstico de intoxicação. Elas foram: os “fármacos psicotrópicos”, os “fármacos que
afetam o Sistema Nervoso Autônomo” e “outros fármacos e os não especificados”.
É notável que a classe “outros fármacos e os não especificados” indica um mau
preenchimento das informações da AIH ou, até mesmo, a impossibilidade de aprimorar o
diagnóstico de intoxicação. Infelizmente, o fato desta classe ser responsável pelo maior
número de internações encontradas no período prejudica a análise dos dados. Isto porque
a indefinição da real classe terapêutica causadora da intoxicação mascara os resultados
encontrados.
O preenchimento da AIH contendo dois diagnósticos de “outros fármacos e os não
especificados” levanta a questão de que, muitas vezes, é difícil definir a classe terapêutica
responsável pela intoxicação, já que os sinais e sintomas variam conforme o agente
tóxico, a quantidade de medicamento ingerida e a via utilizada – ingestão, inalação, etc.
Ainda, o peso da criança e a sua resistência individual também influenciam na sua
resposta clínica. Desta forma, sinais e sintomas podem ser variados e muito inespecíficos,
dificultando a determinação da classe terapêutica correta e obrigando o médico a utilizar
categorias CID-10 também inespecíficas.
No entanto, esse mau preenchimento também pode ocorrer por outros motivos
como o desconhecimento dos códigos da CID-10 referentes aos casos de intoxicação por
cada classe terapêutica e a dificuldade de correlacionar as classes terapêuticas aos códigos
da CID-10, já que algumas dessas categorias são muito abrangentes ou muito específicas.
139
Os diagnósticos por esta classe terapêutica diminuíram, comparando-se o primeiro
e o último ano do período estudados. Contudo, esta queda não parece indicar uma melhora
no preenchimento das AIH mas ser consequência da diminuição no número total de
internações que ocorreram no período.
Relacionando o número de intoxicações por classe terapêutica e ano, percebe-se
que o número de intoxicações por “antibióticos sistêmicos” diminuiu consideravelmente
em dois períodos: entre 2007 e 2008 ocorreu a primeira queda no número de internações
e, a partir de 2010, ocorreu a segunda queda. Esta última coincidiu com a publicação da
RDC/ANVISA n. 44/2010 e da RDC/ANVISA n. 20/2011 que tornaram a venda desta
classe restrita à retenção de prescrição médica. Esse resultado indica que havia um mau
uso desta classe terapêutica e, portanto, a restrição de sua venda representou um benefício
para a sociedade.
O número de internações por intoxicação causadas por “antiepilépticos, sedativo-
hipnóticos e antiparkinsonianos” também caiu no período. A queda mais acentuada
ocorreu entre 2007 e 2008, coincidindo com o período em que houve a primeira queda
nas internações por “antibióticos sistêmicos”. Esta diminuição pode estar relacionada
tanto ao seu uso mais racional quanto a um melhor sistema de vigilância a respeito de sua
aquisição e consumo, já que estes medicamentos são de venda restrita sob retenção de
prescrição médica, incluídos na Portaria n. 344, de 12 de maio de 1998.
Sobre este último aspecto, é necessário destacar a RDC n. 27, de 30 de março de
2007, que instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados
(SNGPC) e o implantou nas drogarias de todo o país. Esse sistema consiste num meio
informatizado de coleta de informações sobre a produção, circulação, comércio e uso das
substâncias ou medicamentos sujeitos a controle especial. Através deste sistema, a
vigilância sobre esses medicamentos aumentou, dificultando sua venda sem as devidas
prescrições. Desta forma, esta RDC pode justificar a queda ocorrida no número de casos
de internações por intoxicação por aquela classe terapêutica.
A classe terapêutica de “fármacos estimulantes” apresenta um perfil bastante
singular. As primeiras duas internações ocorreram apenas em 2007. No entanto, no ano
seguinte, ocorreram 13 internações e em 2009, voltaram a ocorrer duas internações. Essas
internações ocorreram no mesmo período em que foram publicados na revista Nature
alguns artigos relacionando o medicamento metilfenidato, mais conhecido pelo seu nome
comercial Ritalina®, com o aprimoramento cognitivo e o transtorno do Déficit de Atenção
140
e Hiperatividade (TDAH). O metilfenidato é, atualmente, o estimulante mais consumido
no mundo e o crescimento de seu consumo é relacionado ao tratamento destas indicações
(ORTEGA et al, 2010).
O fato de os primeiros registros de internações relacionadas à intoxicação por esse
medicamento terem ocorrido na mesma época em que os estudos foram publicados em
uma revista mundialmente conhecida pode indicar que essas intoxicações têm alguma
relação com a divulgação destas informações. Sem entrar no mérito da discussão a
respeito da real necessidade de tratamento destas crianças, é compreensível que os artigos
podem ter influenciado médicos ao redor do mundo a prescrever este medicamento.
Todavia, não é possível atribuir o aumento de internações por esta classe terapêutica
apenas a este medicamento.
Para muitas classes terapêuticas, houve uma oscilação anual no número de
internações. Entre elas estão os “fármacos de ação no trato gastrintestinal”, “fármacos
anti-infecciosos e antiparasitários”, “narcóticos”, “fármacos estimulantes”, “fármacos
que atuam sobre o aparelho circulatório”, “fármacos que atuam sobre os músculos lisos e
esqueléticos e sobre aparelho respiratório”, “fármacos de uso tópico” e “hormônios, seus
substitutos sintéticos e seus antagonistas”. Todas estas classes apresentaram um aumento
no número de internações no ano de 2008.
Embora tenha ocorrido um aumento no número de internações por intoxicação
medicamentosa em menores de cinco anos em 2008, ele não atingiu todas as classes da
mesma forma. Para algumas delas, o número de internações neste ano chegou a diminuir,
como nos casos dos “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”,
“antibióticos sistêmicos”, “outros fármacos e os não especificados” e “analgésicos,
antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos”.
Entre o primeiro e o último ano do período estudado, houve aumento no número
de intoxicações por “vitaminas” (cinco vezes mais) e “medicamentos de uso tópico” (duas
vezes mais). Estas duas classes terapêuticas estão presentes entre aquelas com maior
número de notificações nos Estados Unidos e na Suécia (MOWRY et al, 2013; SWEDISH
POISONS INFORMATION CENTRE, 2013). É importante considerar que a superfície
corporal das crianças é três vezes maior que a dos adultos, fazendo com que as crianças
tenham uma maior absorção dos medicamentos de uso tópico (KIMLAND & ODLIND,
2012). Desta forma, é compreensível que estes medicamentos possam causar intoxicações
nesta faixa etária.
141
Já a respeito da classe de “inibidores do apetite”, chama a atenção o fato de que
ocorreram duas internações em 2012. Neste ano, já estava em vigor a RDC n. 52, de 6 de
outubro de 2011. Essa RDC proibiu o uso de vários desses inibidores no país e também
restringiu a dose máxima daquele cuja venda continuou sendo permitida (sibutramina).
Ainda, no ano de publicação da RDC, não foram registradas internações por esta classe
terapêutica. Portanto, apesar da medida restritiva, continuaram ocorrendo intoxicações
pela classe, indicando que estes medicamentos continuaram disponíveis mesmo após a
proibição de sua comercialização.
As diferentes faixas etárias estudadas apresentaram perfis de intoxicação por
classes terapêuticas distintos. Entre os pacientes com menos de 28 dias, as classes
terapêuticas com maior participação foram, por ordem de importância: os
“antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”, “outros fármacos e os não
especificados”, “antibióticos sistêmicos” e “analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos
não opiáceos”. Esse perfil se alterou entre os pacientes entre 29 e 364 dias onde, por
ordem de importância, as classes mais encontradas foram “outros fármacos e os não
especificados”, os “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos”,
“antibióticos sistêmicos” e “analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos”.
Ainda, a proporção de internações por classe terapêutica causadora de intoxicação
variou conforme a idade. Para as crianças entre um e 28 dias, os “antiepilépticos, sedativo-
hipnóticos e antiparkinsonianos” representaram mais da metade das intoxicações. Para as
crianças de zero dia, essa mesma classe foi o agente tóxico em 34,6% das intoxicações.
Para fins de comparação, entre todas as intoxicações, 19,8% foram causadas por esta
classe.
De modo contrário, as crianças de zero dia e entre um e 28 dias tiveram menor
proporção de intoxicações causadas pelos “antibióticos sistêmicos” do que a proporção
vista para todos os menores de cinco anos – 13,4% - enquanto a proporção foi de 9,3%
para as crianças de zero dia e 5,9% para as crianças entre um e 28 dias.
As crianças entre um e 28 dias também tiveram menor proporção de intoxicações
por “outros fármacos e os não especificados” (22,6%) do que a proporção vista para todos
os menores de cinco anos (38,0%).
Estas diferenças nas classes terapêuticas mais envolvidas conforme a faixa etária
já eram esperadas pois o consumo de medicamentos varia conforme a idade e, nas
crianças mais velhas, aumenta a possibilidade de intoxicação acidental. Esta segunda
142
causa pode ser comprovada pelo maior número de classes terapêuticas envolvidas nos
casos de intoxicação entre as crianças mais velhas. Embora não tenham observado as
mesmas classes terapêuticas, Gandolfi & Andrade (2006) também observaram que as
classes mais envolvidas variavam conforme a idade.
Outra indicação de que o aumento da idade influencia no aumento de intoxicações
é a observação de que nenhuma classe terapêutica teve maior número de casos entre os
menores de um mês. Além disso, duas classes tiveram mais de metade dos casos
concentrados em uma determinada categoria etária: 60% das intoxicações por “antídotos
e quelantes, não classificados em outra parte” ocorreram em crianças de três anos e 50%
das intoxicações por “fármacos antineoplásicos e imunossupressores” ocorreu em
crianças de quatro anos.
Os pacientes de dois anos foram responsáveis pela maior proporção de
intoxicações em quase todas as categorias etárias. As exceções foram as intoxicações por
“antídotos e quelantes, não classificados em outra parte” (três anos), “fármacos
antineoplásicos e imunossupressores” (quatro anos), “fármacos antialérgicos e
antieméticos” (29-364 dias), “fármacos que agem sobre o metabolismo do ácido úrico”
(29-364 dias e três anos), “fármacos que agem sobre o equilíbrio eletrolítico, calórico e
hídrico” (um ano), “fármacos de ação no trato gastrointestinal” (um ano) e “fármacos de
uso tópico” (um ano).
Considerando a natureza jurídica dos estabelecimentos de saúde, não ocorreram
internações por sequelas de intoxicações e intoxicações causadas pelas classes
terapêuticas “fármacos antineoplásicos e imunossupressores” e “analépticos e
antagonistas dos receptores dos opiáceos” em estabelecimentos privados. Enquanto isso,
os setores conveniado e público tiveram internações causadas por intoxicações de todas
as classes. Ao mesmo tempo, o setor privado e o setor conveniado não foram responsáveis
pela maior proporção de internações em nenhuma classe terapêutica. Já o setor público
atendeu 73,7% das intoxicações por “inibidores do apetite”; 85,7% das sequelas de
intoxicações e 70,7% das intoxicações por “diuréticos”.
A distribuição de intoxicações também variou conforme a região de residência do
paciente. Apenas a região Sudeste registrou internações por todas as classes terapêuticas,
exceto a de “fármacos que atuam no sangue e na coagulação”, pois não houve internações
para esta classe em todo o período. Ainda, a região Sudeste apenas não foi responsável
pela maior parte das intoxicações que originaram as internações entre as intoxicações por
143
“fármacos que agem sobre o metabolismo do ácido úrico”, “antídotos e quelantes, não
classificados em outra parte” e nos casos de sequelas.
No entanto, nesta mesma região, ocorreram 77,8% das intoxicações por
“analépticos e antagonistas dos receptores dos opiáceos” e mais da metade das
intoxicações por “inibidores do apetite”, “enzimas, não classificadas em outra parte”,
“fármacos psicotrópicos”, “diuréticos”, “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e
antiparkinsonianos”, entre outras classes.
Se estas informações forem analisadas sob o ângulo do número de intoxicações
por região teremos que, em todas as regiões, a principal classe terapêutica causadora de
intoxicações foram os “outros fármacos e os não especificados”, conforme ocorreu para
todo o país. No entanto, nas regiões Norte e Nordeste, o segundo maior número de
intoxicações foi devido às intoxicações por “antibióticos sistêmicos” enquanto nas demais
regiões, este lugar foi ocupado pelos “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e
antiparkinsonianos”.
Além disso, proporcionalmente, a região Norte foi aquela com maior proporção
de intoxicações por “fármacos anti-infecciosos e antiparasitários”. Neste sentido, deve-se
considerar que, nesta região, doenças como a malária são muito prevalentes, o que torna
o consumo destes medicamentos maior do que em outras regiões. O mesmo ocorreu para
a classe de “fármacos de ação no trato gastrointestinal”, “fármacos que atuam sobre o
aparelho circulatório” e “fármacos que afetam o Sistema Nervoso Autônomo”. No Sul,
as intoxicações por “analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos” foram
proporcionalmente menores do que as vistas nas demais regiões e no Norte, as
intoxicações por “fármacos psicotrópicos” seguiram o mesmo perfil.
Ao analisar as classes terapêuticas que causaram internações por intoxicação,
apenas a classe terapêutica “outros fármacos e os não especificados” foi responsável por
óbitos durante todos os anos estudados. Os anos de 2004 e 2007 foram os anos com o
menor número de classes envolvidas – duas – enquanto 2008 e 2010 tiveram o maior
número de classes terapêuticas envolvidas com óbitos – seis.
De modo geral, as classes terapêuticas mais envolvidas com as intoxicações que
evoluíram a óbito foram “outros fármacos e os não especificados”, “analgésicos,
antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos” e “antibióticos sistêmicos”. Mais uma vez,
o perfil brasileiro não possui correlação direta com o norte-americano. Segundo Bond,
Woodward & Ho (2012), nos Estados Unidos, entre 2001 e 2008, a maior parte dos casos
144
fatais de intoxicação medicamentosa envolvendo menores de cinco anos estavam
relacionados aos analgésicos opióides e fármacos cardiovasculares.
O maior número de intoxicações que evoluíram a óbito ocorreu nos anos de 2003
e 2009, onde, respectivamente, foram 15 e 12 intoxicações. Apenas ocorreram casos de
óbito em internações por duas intoxicações da mesma classe quando a classe envolvida
era “outros fármacos e os não especificados” e “analgésicos, antitérmicos e
antirreumáticos não opiáceos”.
Ocorreram 87 intoxicações nas 75 internações que evoluíram a óbito. Isso resulta
em uma proporção de 1,16 intoxicações/internação. Esse valor é menor do que a
proporção de intoxicações/internação geral, que foi de 1,26.
As classes terapêuticas que causaram as intoxicações com maior tempo de
permanência médio na internação foram: os “fármacos antineoplásicos e
imunossupressores”, os “múltiplos fármacos e os fármacos psicoativos”, as “enzimas, não
classificadas em outra parte” e as sequelas das intoxicações medicamentosas. Estas três
classes apresentaram tempo de internação médio maior que três dias. Já as classes
terapêuticas com menor tempo de permanência foram os “antídotos e quelantes, não
classificados em outra parte” e as “vitaminas”.
Em Taiwan, o maior tempo de permanência ocorreu nas intoxicações por fármacos
do Sistema Nervoso Central enquanto o menor tempo de permanência ocorreu por
intoxicação por agentes cardiovasculares (LIN et al, 2011). Embora o perfil brasileiro seja
diferente do que foi observado no país asiático, as classes que levaram às internações com
maior tempo de permanência possuem características que justificam essa observação.
Em relação às internações que evoluíram ao óbito do paciente, o tempo de
permanência foi maior do que entre as internações em que houve outra evolução. As
classes terapêuticas com maior tempo de permanência foram: “fármacos que atuam sobre
os músculos lisos e esqueléticos e aparelho circulatório”, “fármacos de ação no trato
gastrintestinal” e “outros fármacos e os não especificados”. Também chama a atenção
que os “anestésicos e gases terapêuticos” tiveram tempo de permanência médio de zero
dia entre as internações em que houve óbito do paciente, o que indica a gravidade da
intoxicação por esta classe. No entanto, como só ocorreu um óbito de paciente devido à
intoxicação por esta classe, essa média diz respeito a apenas este caso.
Ainda é possível destacar que a classe terapêutica com maior tempo de
permanência entre as internações com óbito do paciente foi a de “fármacos que atuam
145
sobre os músculos lisos e esqueléticos e aparelho respiratório”. Nesta classe, encontram-
se medicamentos comumente utilizados entre as crianças para o tratamento de problemas
respiratórios.
Ao mesmo tempo, os “analgésicos, antitérmicos e antirreumáticos não opiáceos”
e os “antiepilépticos, sedativo-hipnóticos e antiparkinsonianos” foram responsáveis por
intoxicações com evolução a óbito com tempo de permanência próximo a média
encontrada. Assim, ao contrário dos “fármacos que atuam sobre os músculos lisos e
esqueléticos e aparelho respiratório”, a intoxicação por aquelas classes terapêuticas
possui um caráter mais agudo, que pode ser justificado pela sua farmacocinética e
farmacodinâmica.
A classe terapêutica “outros fármacos e os não especificados” foi a responsável
pelo maior número de internações por intoxicação em que o paciente foi a óbito. Além
disso, essas intoxicações estiveram entre aquelas com maior tempo de permanência entre
as internações onde houve óbito. Essas informações destacam a importância da
identificação correta da classe terapêutica envolvida pois, desse modo, o paciente pode
receber o tratamento correto – através de antídotos ou medidas de suporte - ou
procedimentos pertinentes. Em boa parte das internações por intoxicação, há apenas
necessidade de medidas de suporte, sem a necessidade de administração de antídotos.
Todavia, o estado de saúde da criança pode mudar rapidamente, sendo necessário que a
equipe de saúde esteja atenta e saiba atuar corretamente diante destas mudanças.
Em relação à categoria ATC, não foi possível correlacionar duas classes
terapêuticas com nenhuma de suas categorias – “outros fármacos e os não especificados”
e “múltiplos fármacos e fármacos psicoativos”. Os casos de sequela por intoxicação
também foram retirados para essa discussão. Após a exclusão das intoxicações por estas
classes, permaneceram 13.777 intoxicações onde foi possível correlacionar a classe
terapêutica com pelo menos uma categoria ATC. Em relação ao total de intoxicações,
houve uma perda de 8.618 intoxicações, ou seja, 38,5%. Esse valor é demasiadamente
alto e demonstra como a qualidade dos registros de intoxicação através da classificação
CID-10 é prejudicada quando se trata de medicamentos.
Como a classificação ATC se baseia na região anatômica onde o medicamento
atua, um medicamento pode ter várias ATC, dependendo de sua indicação clínica. Por
conta disso, algumas classes terapêuticas incluem medicamentos de vários grupos ATC,
como no caso dos “fármacos que atuam no Sistema Nervoso Autônomo”, constituído por
146
fármacos de cinco grupos ATC – N, A, M, R e S. Nestas situações, a utilização da CID-
10 é menos específica que a classificação ATC e uma parte importante da informação é
perdida. Essa correlação com mais de uma categoria ATC ocorreu em 24,20% das
intoxicações.
Ainda, percebe-se um predomínio dos medicamentos com ação no Sistema
Nervoso – categoria N – e dos antibióticos e antiparasitários – respectivamente, categorias
J e P. Juntas, estas três categorias representam mais da metade das intoxicações onde foi
possível correlacionar a classe terapêutica e a categoria ATC. As demais categorias em
que a correlação foi possível somam 11,16%.
Portanto, recomenda-se que ocorra um refinamento das tabulações na AIH para
que, quando houver o preenchimento de um diagnóstico de intoxicação medicamentosa
por classe terapêutica inespecífica, seja criado um novo campo na AIH para a
identificação do medicamento utilizado pelo paciente e suspeito de ser o agente tóxico
nas internações por intoxicação medicamentosa. Acredita-se que, com isto, seria possível
obter mais informações a respeito destes medicamentos e, portanto, facilitaria o
monitoramento das classes terapêuticas mais envolvidas nestas internações. Ainda, as
informações deste campo complementariam o diagnóstico, mesmo que este indicasse uma
classe terapêutica inespecífica.
Limitações e Facilidades no desenvolvimento do estudo
Deve-se considerar as limitações dos estudos envolvendo o SIH - a inclusão das
internações que ocorreram apenas através do SUS. Portanto, estas internações não
representam a totalidade de internações que ocorreram no período. Contudo, estima-se
que o SUS seja responsável por cerca de 70% das internações que ocorrem no país.
Outra limitação também relacionada ao SIH é a necessidade de preenchimento
dos campos “diagnóstico principal” e/ou “diagnóstico secundário” com um dos códigos
da CID-10 utilizados como critério de inclusão no estudo. Assim, eventuais internações
em que ocorreram intoxicações por medicamentos mas onde estas variáveis não foram
preenchidas com estes códigos não puderam ser identificadas.
Também não foi possível estabelecer relações de causalidade entre os diagnósticos
registrados nas internações estudadas. Deste modo, não se pode afirmar se estas
intoxicações foram a causa da internação da criança ou se ela ocorreu durante a
internação, sendo, portanto, uma consequência do cuidado assistencial.
147
A dificuldade de interpretação das categorias da 10ª Revisão da Classificação
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) limitou a
definição das classes terapêuticas utilizadas, já que algumas destas categorias são muito
abrangentes ou muito restritas. Essa limitação também se refletiu em dificuldades durante
a correlação entre as classes terapêuticas e suas categorias ATC correspondentes.
A ausência de arquivo do tipo reduzido referente a um único mês (outubro de 2007
do estado do Amapá) representa uma limitação do estudo pois pode-se ter subestimado o
número real de internações por esta causa no período.
Por fim, por se tratar de um estudo descritivo, não foi possível estabelecer
correlações entre os dados encontrados e suas causas. Deste modo, novas pesquisas são
necessárias para investigar a fundo as hipóteses levantadas.
Como um ponto positivo, pode-se destacar a facilidade de acesso aos arquivos do
tipo reduzido das Autorizações de Internação Hospitalar. Para toda a década estudada,
apenas um arquivo estava indisponível enquanto os demais 3.239 arquivos puderam ser
baixados.
148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação aos objetivos do estudo, foi possível analisar as internações
hospitalares relacionadas às intoxicações medicamentosas em crianças menores de cinco
anos, no período de 2003 a 2012, em todo o Brasil. Assim, o perfil destas internações foi
descrito, destacando-se algumas características relacionadas a elas, principalmente a
respeito de diferenças regionais entre estas internações.
Sempre que possível, outros elementos foram discutidos para auxiliar na
compreensão do comportamento de algumas características apontadas pelas variáveis de
estudo e, finalmente, das internações que o motivaram. Entre estes elementos, estão
incluídas algumas legislações que entraram em vigor no período e alguns dados a respeito
do SUS. Deste modo, considera-se que todos os objetivos foram atingidos.
Este estudo tem algumas limitações. A principal delas está relacionada ao próprio
SIH, pois ele não contempla em seus registros a totalidade de internações que ocorreram
no país, mas apenas as internações que ocorreram através do SUS. Ainda, só foram
incluídas no estudo, aquelas internações em que o diagnóstico de intoxicação
medicamentosa ocorreu e foi registrado em um dos dois campos de diagnóstico da AIH.
Outra consequência do modo de registro destas informações é que não é possível
estabelecer relações de causa-consequência entre os dois diagnósticos registrados. Dessa
forma, não se pode diferenciar as intoxicações que ocorreram dentro da unidade de saúde
daquelas que originaram a internação. Por fim, por se tratar de um estudo descritivo, as
correlações feitas entre as variáveis de estudo e alguns elementos apontados – tais como
marcos legais e fatos ocorridos no período – dependem de estudos mais aprofundados
para serem confirmadas.
Os resultados desse trabalho mostram que ocorreram 17.725 internações por
intoxicação medicamentosa em menores de cinco anos na década de 2003 a 2012. A
principal faixa etária envolvida foram as crianças de dois anos de idade.
A taxa de mortalidade para estas internações foi de 0,42%. Os estabelecimentos
de saúde públicos foram responsáveis por 46,3% das internações. No entanto, 70,7% dos
óbitos ocorreram nos estabelecimentos desta natureza, o que pode indicar tanto uma
deficiência na assistência quanto o atendimento de um maior número de pacientes em
estado de saúde mais crítico. As regiões Norte e Nordeste apresentaram uma taxa de
mortalidade superior àquela observada para o país – 1,1% e 0,6%, respectivamente.
149
Entre as classes terapêuticas que causaram as intoxicações, as mais envolvidas
foram os “outros fármacos e os não especificados”, os “antiepilépticos, sedativo-
hipnóticos” e os “antibióticos sistêmicos”. Para estas duas últimas classes terapêuticas,
foi observada uma diminuição no número de internações, o que pode ter relação com
algumas legislações que entraram em vigor no período.
Embora tenha ocorrido uma queda no número de internações por este tipo de
intoxicação durante o período estudado, foi observado um aumento no número dessas
internações no ano de 2008. Esse aumento parece estar relacionado com mudanças na
Tabela de Procedimentos do SUS que entraram em vigor no mesmo ano. Contudo, este
estudo não foi capaz de comprovar esta hipótese e permanece a necessidade de uma
investigação mais profunda sobre o dado.
Não foi possível estabelecer correlações entre as classes terapêuticas oriundas da
CID-10 e a classificação ATC em 38,5% das intoxicações. Além disso, em 24,20% das
intoxicações, essa correlação foi feita com mais de uma categoria ATC. Já as categorias
mais envolvidas foram aqueles com ação no Sistema Nervoso – categoria N – e os
antibióticos e antiparasitários – respectivamente, categorias J e P.
Dentre as internações estudadas, chama atenção a predominância de diagnósticos
de intoxicações por medicamentos de classes terapêuticas não especificadas, ou seja, em
que não foi possível determiná-la. Esta observação pode ser consequência do mau
preenchimento da AIH, em que os campos referentes ao diagnóstico recebem menor
importância; da dificuldade de identificar o código da CID-10 em que a intoxicação se
enquadra, pois este código é, por vezes, muito inespecífico ou muito específico e; da
dificuldade de interpretar os sinais e sintomas que a criança apresenta nos episódios de
intoxicação.
Para superar este cenário, propõe-se que seja criado um campo mais específico na
AIH para a identificação do medicamento utilizado pelo paciente e suspeito de ser o
agente tóxico nas internações por intoxicação medicamentosa, sempre que o diagnóstico
for intoxicação medicamentosa envolvendo uma classe terapêutica inespecífica. Assim,
seria possível obter mais informações a respeito destes medicamentos, o que facilitaria o
monitoramento das classes terapêuticas mais envolvidas nestas internações. Estas
informações complementariam o diagnóstico, mesmo que este indicasse uma classe
terapêutica inespecífica.
150
A adoção de medidas de restrição ao acesso das crianças aos medicamentos é uma
proposta para diminuir o caso de intoxicações acidentais nesta faixa etária. Para tal, deve-
se fomentar a cultura de segurança doméstica entre os pais e responsáveis por menores
de cinco anos. Neste mesmo sentido, faz-se importante a discussão a respeito da adoção
de embalagens especiais de proteção à criança.
Outro ponto interessante seria a adoção de medidas que promovessem a pesquisa
clínica de medicamentos específicos para esta idade. Essas pesquisas possibilitariam um
maior conhecimento a respeito dos medicamentos, fazendo com que apenas aqueles
considerados seguros para esta faixa etária pudessem ser comercializados.
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REFERÊNCIAS
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hospital in Riyadh, Saudi Arabia. Saudi Pharmaceutical Journal, s.l., v.19, n.1, p. 57–
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Brasileira em Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 16, n. 1-2, p.10-16, 2003.
AMADOR, J. C et al. Perfil das intoxicações agudas exógenas infantis na cidade de
Maringá (PR) e região, sugestões de como se pode enfrentar o problema. Pediatria, São
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AMARAL, J.J.F.; PAIXÃO, A.C. Estratégias de prevenção de acidentes na criança e
adolescente. Revista de Pediatria. v.8, n.2, p.66-72, jul.- dez. 2007.
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). RDC nº 52, de 6
de outubro de 2011. Dispõe sobre a proibição do uso das substâncias anfepramona,
femproporex e mazindol, seus sais e isômeros, bem como intermediários e medidas de
controle da prescrição e dispensação de medicamentos que contenham a substância
sibutramina, seus sais e isômeros, bem como intermediários e dá outras providências.
______. RDC nº 20, de 5 de maio de 2011. Dispõe sobre o controle de medicamentos à
base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição médica,
isoladas ou em associação e dá outras providências. Disponível em: