MARIANA FURTADO GRANATO DE ALBUQUERQUE TRATAMENTO DO GLICEROL BRUTO PROVENIENTE DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL VISANDO A GERAÇÃO DE METANO. Ouro Preto, MG 2014
MARIANA FURTADO GRANATO DE ALBUQUERQUE
TRATAMENTO DO GLICEROL BRUTO PROVENIENTE DA PRODUO DE
BIODIESEL VISANDO A GERAO DE METANO.
Ouro Preto, MG
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CINCIAS EXATAS E BIOLGICAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS BIOLGICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM BIOTECNOLOGIA
TRATAMENTO DO GLICEROL BRUTO PROVENIENTE DA PRODUO DE
BIODIESEL VISANDO A GERAO DE METANO.
AUTORA: Mariana Furtado Granato de Albuquerque
ORIENTADORA: Profa. Dr
a. Silvana de Queiroz Silva
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Biotecnologia, da
Universidade Federal de Ouro Preto, como
parte dos requisitos necessrios para a
obteno do ttulo de Mestre em
Biotecnologia.
Ouro Preto, MG.
2014
Catalogao: [email protected]
A345t Albuquerque, Mariana Furtado Granato de.
Tratamento do glicerol bruto proveniente da produo de biodiesel visando a gerao de metano [manuscrito] / Mariana Furtado Granato de Albuquerque - 2014.
xi, 80f.: il.,;color.; graf.; tab. Orientadores: Profa. Dra. Silvana de Queiroz Silva Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Cincias Exatas e Biolgicas. Ncleo de Pesquisas em Cincias Biolgicas. Programa de Ps-Graduao em Biotecnologia. rea de concentrao: Biotecnologia aplicada a processos e ao tratamento de doenas.
1. lcoois Teses. 2. Biodiesel Teses. 3. Metano - Teses. 4. Biogs - Teses. I. Silva, Silvana de Queiroz. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Ttulo.
CDU: 606:577.12
mailto:[email protected]
i
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus pais, Ronaldo e Marcia, e ao meu irmo Tlio,
por sempre me incentivarem a alcanar meus sonhos, por me apoiarem financeiramente
a continuar estudando e a seguir o caminho que escolhi para a minha vida: a carreira
acadmica.
Ao meu namorado, companheiro e melhor amigo Felipe, por sempre escutar
meus desabafos, por me aturar nos momentos de estresse e por ser responsvel pelo meu
sorriso ao final de cada dia.
minha orientadora Profa. Dr
a. Silvana de Queiroz Silva pela confiana em mim
depositada para exercer este projeto de pesquisa, pelos ensinamentos e contribuies
para que este trabalho fosse concludo.
Ao professor Dr. Srgio Francisco de Aquino, por me acompanhar de perto ao
longo do mestrado, pela grande colaborao e pacincia ao me ajudar a interpretar os
dados e por compartilhar seus conhecimentos.
Ao Bruno Bata, Diego, Aline e todos os alunos de iniciao cientfica por me
ajudarem a operar os reatores utilizados neste trabalho e a lidar com os imprevistos no
laboratrio. Ao pessoal dos laboratrios de Biologia e Tecnologia de Microrganismos
e de Controle Ambiental pelo convvio prazeroso e ensinamentos.
s minhas amigas de Belo Horizonte por me mostrarem que amizade verdadeira
vence tanto a distncia quanto a escolha de caminhos diferentes.
s irms da Repblica Doce Mistura, pelo apoio, torcida e pelos momentos de
diverso em Ouro Preto.
Aos professores Gustavo, Evandro e Arlete pelo apoio para que eu ingressasse
no mestrado e para que eu siga na carreira acadmica.
Aos professores do NUPEB que contriburam para minha formao e a todos
aqueles que, direta ou indiretamente, permitiram que eu chegasse at aqui.
Finalmente, gostaria de agradecer aos rgos de fomento: CAPES pela bolsa
de mestrado, ao CNPq por financiar este projeto e PROPP-UFOP pelo auxlio
participao em eventos.
ii
A tarefa no tanto ver aquilo que ningum viu,
mas pensar o que ningum ainda pensou sobre
aquilo que todo mundo v.
Arthur Schopenhauer
iii
RESUMO
Tradicionalmente, o tratamento de efluentes com alto teor de matria orgnica
realizado atravs da tcnica de digesto anaerbia, que por sua vez capaz de
transformar a matria orgnica complexa em gases com alto poder calorfico, como o
hidrognio e o metano. O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho de reatores
UASB no tratamento do glicerol bruto derivado da produo de biodiesel em diferentes
condies de concentrao de DQO inicial, temperatura e TDH, principalmente no que
tange remoo de DQO, produo de metano e acmulo de AGV. Alm disso,
comparou-se a degradao anaerbia do glicerol bruto com a da glicerina pura. Quatro
reatores UASB foram operados em 2 fases: na primeira, foram testados dois substratos
diferentes sob temperaturas diferentes, carga orgnica de 1 g DQO.L-1
.d-1
e TDH de 24
horas. Na Fase 2, a carga orgnica foi dobrada e sua influncia na degradao do
glicerol bruto em diferentes temperaturas foi avaliada. Os principais resultados do
estudo podem ser resumidos como a seguir: i) O glicerol bruto demonstrou no ser
txico biomassa anaerbia e possuir boa capacidade de produo a metano (AME =
0,51 gDQOmetano/gSSV.d e PM = 0,96 gDQOCH4/gDQOincubada); ii) Elevadas eficincias
medianas de degradao (77-84% de remoo de DQO) foram acompanhadas por
pequeno acmulo de AGV( 112170 mg DQOAGV/L) na Fase 1 aps um longo perodo
de adaptao dos microrganismos, sem diferena significativa entre os reatores
alimentados com glicerina pura e queles alimentados com glicerol bruto; iii) Uma
maior carga orgnica (2 g DQO.L-1
.d-1
) prejudicou a remoo de matria orgnica (21-
48% de eficincia) e aumentou o acmulo de AGV (272-563 mg DQOAGV/L); iv) A
baixa produo de metano na Fase 1, em comparao com a Fase 2, indica que a
quantificao deste gs foi subestimada. Portanto, pode-se inferir que o efluente da
produo de biodiesel pode ser utilizado na produo de metano, mas a eficincia do
processo fortemente dependente e sensvel carga orgnica. Dessa forma, este estudo
contribui fortemente para o avano do conhecimento nas reas de degradao anaerbia
do glicerol bruto e implantao desta tcnica nas indstrias de biodiesel.
Palavras-chave: glicerol bruto, biodiesel, degradao anaerbia, metano, UASB,
tratamento de efluente.
iv
ABSTRACT
Traditionally, treatment of effluents with a high content of organic matter is performed
by anaerobic digestion technique, able to transform complex organic matter in gases
with high calorific value such as hydrogen and methane. The purpose of this study was
to evaluate the performance of UASB reactors to treat crude glycerol from biodiesel
production in different conditions of initial DQO concentration, temperature and HRT,
mainly regarding to the COD removal, methane production and accumulation of VFA.
Moreover, a comparison between anaerobic degradation of crude glycerol and pure
glycerol was taken. Four UASB reactors were operated in two phases: in the first two
substrates, organic load of 1 g DQO.L-1
.d-1
and HRT of 24 hours were tested in different
temperatures. In Phase 2, the organic load was increased and its influence in the crude
glycerol degradation was investigated. The main results of the study can be summarized
as follow: i) The crude glycerol was not toxic for anaerobic biomass and has good
capacity for methane production (SMA = 0,51 gCODmethane/gSSV.d e MP = 0,96
gCODCH4/gCODincubated); ii) High median degradation efficiencies (77-84% COD
removal) were accompanied by small VFA accumulation (112-170 mg CODVFA / L) in
Phase 1 after a long period of adaptation of microorganisms, without significant
difference between the reactors fed with pure glycerin and those fed crude glycerol; iii)
A bigger organic load (2 g COD.L-1
.d-1
) decreased the organic material removal (21-
48% of efficiency) and increased VFA accumulation (272-563 mg CODVFA/L; iv) The
low methane production in Phase 1 indicates that gas quantification was
underestimated. Therefore, it can be inferred that the biodiesel production effluent can
be used to methane production but the process efficiency is strongly dependent and
sensitive to organic loading. Thus, this study contributes strongly to the advancement of
knowledge in the areas of crude glycerol anaerobic degradation and implementation of
this technique in the biodiesel industry.
Keywords: crude glycerol, biodiesel, anaerobic degradation, methane, UASB, effluent
treatment.
v
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1: Reao de transesterificao para produo de biodiesel ...........................06
Figura 2.2: Evoluo da produo de biodiesel de 2005 2012 ...................................08
Figura 2.3: Aplicaes do glicerol.................................................................................10
Figura 2.4: Vias metablicas de assimilao do glicerol por microrganismos anaerbios
e seus possveis produtos.................................................................................................13
Figura 2.5: Esquema ilustrativo da configurao de um reator UASB..........................17
Figura 2.6: Etapas da digesto anaerbia e seus principais microrganismos
atuantes............................................................................................................................18
Figura 4.1: Glicerol bruto obtido da indstria de biodiesel Biominas...........................27
Figura 4.2: Respirmetro automatizado ANKOM RF
GAS PRODUCTION
SYSTEM.........................................................................................................................29
Figura 4.3: Esquema ilustrativo dos dois tipos de reatores UASB................................33
Figura 4.4: Reatores UASB utilizados no presente estudo ...........................................33
Figura 4.5: Fluxograma para escolha do teste estatstico adequado............................. 41
Figura 5.1: Variao temporal da eficincia de remoo de DQO............................... 49
Figura 5.2: Box-plot da eficincia de remoo de DQO em todos os
reatores.............................................................................................................................50
Figura 5.3: Variao temporal da concentrao de DQOAGV presente no efluente dos
reatores.............................................................................................................................53
Figura 5.4: Box-plot da concentrao de DQOAGV presente no efluente dos
reatores.............................................................................................................................54
Figura 5.5: Estratificao da produo de AGV e relao entre os cidos actico e
propinico (A:P) nos reatores UASB nas diferentes fases de
monitoramento.................................................................................................................56
Figura 5.6: Converso da DQO do afluente nos vrios subprodutos da degradao
anaerbia nos quatro reatores durante a Fase 1...............................................................61
Figura 5.7: Converso da DQO do afluente nos vrios subprodutos da degradao
anaerbia em cada reator durante a Fase 2 ................................................................... 62
vi
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1: Evoluo da utilizao de diferentes matrias-primas para a produo de
biodiesel...........................................................................................................................07
Tabela 2.2: Propriedades fsico-qumicas do glicerol....................................................09
Tabela 2.3: Composio do glicerol bruto obtido durante a produo de biodiesel em
funo de diferentes matrias-primas..............................................................................10
Tabela 2.4: Tcnicas de purificao do glicerol bruto...................................................11
Tabela 2.5: Produtos com valor agregado derivados da digesto anaerbia do
glicerol.............................................................................................................................14
Tabela 2.6: Entalpia de combusto padro de um mol de vrios
combustveis....................................................................................................................15
Tabela 2.7: Comparao energtica de algumas reaes comuns da digesto
anaerbia..........................................................................................................................19
Tabela 2.8: Interferentes fsico-qumicos da digesto anaerbia...................................21
Tabela 2.9: Utilizao do glicerol bruto como substrato................................................22
Tabela 2.10: Estudos de co-digesto do glicerol bruto com outros substratos...............23
Tabela 4.1: Metodologias empregadas na caracterizao do glicerol bruto...................28
Tabela 4.2: Condies de incubao dos frascos para determinao da AME e do
efluente de biodiesel, glicerol e glicose...........................................................................30
Tabela 4.3: Composio da soluo nutriente................................................................35
Tabela 4.4: Condies de monitoramento para cada um dos quatro reatores em todas as
fases do estudo.................................................................................................................36
Tabela 5.1: Composio fsico-qumica do efluente da produo de
biodiesel...........................................................................................................................43
Tabela 5.2: Resultados dos testes em triplicata de AME do inculo e PM para os
diferentes substratos........................................................................................................46
Tabela 5.3: Resultados dos testes em triplicata de AME dos lodos presentes no interior
dos reatores ao final da Fase 2.........................................................................................47
Tabela 5.4: Produo de metano em cada fase operacional dos quatro
reatores.............................................................................................................................57
vii
Tabela 5.5: Percentual de recuperao de metano e produo de energia a partir da
DQO degradada...............................................................................................................59
viii
LISTA DE EQUAES
Equao 2.1: Combusto completa do metano..............................................................15
Equao 2.2: Combusto incompleta do metano (I) .....................................................15
Equao 2.3: Combusto incompleta do metano (II) ....................................................15
Equao 4.1: Converso da presso acumulada de metano produzido (psi) em volume
deste gs Lei dos gases ideias.......................................................................................30
Equao 4.2: Determinao do volume ocupado por 1 mol de gs nas condies do
laboratrio........................................................................................................................31
Equao 4.3: Converso do nmero de mols de metano em volume deste
gs....................................................................................................................................31
Equao 4.4: Clculo da AME.......................................................................................31
Equao 4.5: Clculo do PM de um substrato...............................................................32
Equao 4.6: Clculo da DQOAGV .................................................................................38
Equao 4.7: Clculo do nmero de mols de gs metano pela rea dos picos obtidos
por cromatografia gasosa.................................................................................................39
Equao 4.8: Converso do nmero de mols de metano em volume deste
gs....................................................................................................................................39
ix
LISTA DE ABREVIATURAS
3HPA: 3-hidroxipropionaldedo
Acetil-CoA: Acetil Coenzima A
AGCL: cidos Graxos de Cadeia Longa
AGV: cidos Graxos Volteis
AME: Atividade Metanognica Especfica
ASBR: Anaerobic Sequencing Batch Reactor (Reator Anaerbio em Batelada
Sequencial)
ASTM: American Society for Testing and Materials
ATP: Adenosina Trifosfato
CERH-MG: Conselho Estadual de Recursos Hdricos do Estado de Minas Getais
CNPE: Conselho Nacional de Poltica e Energtica
CO: Carga Orgnica
CONAMA: Conselho Nacional do Meio Ambiente
COPAM: Conselho Estadual de Poltica Ambiental
CSTR: Continuous Flow Stirred-Tank Reactor (Reator Contnuo de Tanque Agitado)
DA: Digesto Anaerbia
DBO: Demanda Biolgica de Oxignio
DHA: Dihidroxiacetona
DQO: Demanda Qumica de Oxignio
GB: Glicerol Bruto
GDHt: Glicerol Desidratase
GHD: Glicerol Desidrogenase
GP: Glicerina Pura
PM: Potencial Metanognico
PROBIODIESEL: Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnolgico do Biodiesel
SSV: Slidos Suspensos Volteis
TAG: Triacilglicerol
TDH: Tempo de Deteno Hidrulica
UASB: Upflow Anaerobic Sludge Bed Reactor (Reator Anaerbio de Fluxo Ascendente
e Manta de Lodo)
x
SUMRIO
1. INTRODUO ....................................................................................................... 2
2. REVISO DE LITERATURA .............................................................................. 6
2.1. A produo de biodiesel e a gerao de glicerol ................................................ 6
2.2. Biodegradao do glicerol e gerao de produtos com valor agregado ........... 11
2.3. O Tratamento Anaerbio .................................................................................. 15
2.3.1. Microbiologia e Bioqumica da Digesto Anaerbia ............................... 17
2.3.2. Fatores fsico-qumicos que interferem na digesto anaerbia ................. 20
2.4. Produo de metano a partir da degradao anaerbia do glicerol .................. 21
3. OBJETIVOS .......................................................................................................... 25
3.1. Objetivo Geral .................................................................................................. 25
3.2. Objetivos especficos ....................................................................................... 25
4. MATERIAIS E MTODOS ................................................................................ 27
4.1. O substrato e sua caracterizao fsico-qumica .............................................. 27
4.2. Medio da Atividade Metanognica Especfica (AME) do inculo e Potencial
Metanognico (PM) do substrato ................................................................................ 28
4.3. Confeco e inoculao dos reatores UASB ....................................................... 32
4.4. Preparo da soluo de alimentao e acrscimo de nutrientes ............................ 34
4.4.1. Diluio do efluente da produo de biodiesel ............................................. 34
4.4.2. Diluio da glicerina pura ............................................................................. 34
4.4.3. Preparo da soluo de nutrientes .................................................................. 34
4.4.4. Preparo da alimentao dos reatores ............................................................. 35
4.5. Monitoramento e operao dos reatores .............................................................. 36
4.5.1. Determinao do pH .................................................................................... 36
4.5.2. Determinao da temperatura ...................................................................... 37
xi
4.5.3. Monitoramento da vazo ............................................................................. 37
4.5.4. Determinao de slidos suspensos volteis (SSV) .................................... 37
4.5.5. Determinao da Demanda Qumica de Oxignio (DQO) .......................... 37
4.5.6 Determinao dos cidos graxos volteis (AGV) .......................................... 38
4.5.7. Anlise do biogs e quantificao do metano .............................................. 39
4.6. Clculo da energia recuperada em forma de metano ........................................... 40
4.7. Anlise estatstica ................................................................................................ 40
5. RESULTADOS E DISCUSSO .......................................................................... 43
5.1. Caracterizao fsico-qumica do glicerol bruto: ................................................. 43
5.2. Atividade metanognica especfica (AME) do lodo anaerbio e potencial
metanognico (PM) do efluente oriundo da produo de biodiesel ........................... 45
5.3. Monitoramento dos reatores UASB ..................................................................... 48
5.3.1. Remoo de matria orgnica residual ......................................................... 48
5.3.2. Avaliao do acmulo de AGV .................................................................... 52
5.3.3. Produo de biogs e metano ........................................................................ 57
5.3.4. Balano de Massa ......................................................................................... 60
6. CONCLUSES ..................................................................................................... 63
7. PERSPECTIVAS FUTURAS .............................................................................. 65
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 67
ANEXOS ........................................................................................................................ 75
1 Introduo
2
1. INTRODUO
Em 1892, Rudolf Diesel criou um prottipo de motor capaz de funcionar a base
de combustvel renovvel produzido a partir do leo de amendoim e outros leos
vegetais. Entretanto, em 1900, os combustveis destilados a partir do petrleo
apresentaram-se como alternativa mais barata e facilmente disponvel. Com isso, a
indstria de combustvel baseada em petrleo firmou-se no mercado mundial at os
anos 70, poca em que esse tipo de recurso no renovvel tornou-se escasso,
reacendendo o interesse nos combustveis alternativos e renovveis (RUPPEL; HALL,
2007).
Nos dias de hoje, busca-se intensivamente por fontes alternativas de energia e
processos sustentveis, visando reduo da poluio ambiental e superaquecimento
global do planeta. Ao mesmo tempo, a economia global est em crescimento e a
necessidade por energia limpa e recursos renovveis encontra-se em contnuo aumento
(RIVALDI et al., 2007), o que juntamente com as altas dos preos do petrleo incentiva
o mercado mundial de combustveis limpos (RUPPEL; HALL, 2007). Um bom
exemplo de combustvel ecologicamente correto o biodiesel. (RUPPEL; HALL,
2007).
De acordo com a American Society for Testing and Materials (ASTM), o
biodiesel um ster monoalquilado obtido atravs da reao de transesterificao de
cidos graxos de cadeia longa (ZHANG et al., 2003), presentes em leos vegetais ou
gorduras animais, com um monolcool, geralmente metanol, na presena de um
catalisador.
Este estudo tem como tema uma questo de relevncia mundial, principalmente
no Brasil, o qual se refere ao excesso de glicerol, subproduto da reao de
transesterificao empregada na produo de biodiesel. Segundo Xavier e colaboradores
(2007), tanto os setores privados quanto os setores pblicos esto envolvidos no descaso
com a problemtica do excesso de glicerol bruto, uma vez que a Poltica Nacional de
Biodiesel no prope alternativas para o excedente. Dessa forma, o controle e descarte
3
deste resduo fica sob responsabilidade das Secretarias Estaduais do Meio Ambiente,
que acabam por armazenar, despejar nos rios ou incinerar o mesmo (XAVIER et al.,
2007).
O tratamento deste resduo essencial devido ao seu potencial poluidor, pois,
caso no seja dada uma destinao adequada, ele pode poluir o solo, contaminar guas e
at mesmo gerar um impacto ecolgico ao ser lanado no ambiente. Em alguns casos, o
meio aqutico demonstra ter condies de receber e decompor os contaminantes at um
nvel que no cause alteraes acentuadas que prejudiquem o ecossistema. Entretanto,
nos casos de sobrecarga orgnica, o lanamento pode levar a uma degradao do
ambiente em decorrncia do consumo excessivo do oxignio dissolvido por
microrganismos hetertrofos aerbios resultando em problemas em toda a cadeia trfica
alimentar.
Devido ao alto teor de matria orgnica presente no glicerol bruto, o tratamento
biolgico seria uma boa alternativa para evitar o seu descarte indevido, uma vez que
grande parte deste resduo biodegradvel e a digesto anaerbia seria uma das opes
de tratamento.
A biodegradao anaerbia da glicerina pura (GP) relativamente bem
conhecida por se tratar de um produto intermedirio da degradao anaerbia de
gorduras (NOVAK; CARLSON, 1970; WENG; JERIS, 1976). Da reviso de literatura
feita, percebe-se que poucos estudos foram conduzidos para investigar a degradao do
glicerol bruto (GB) sob condies anaerbias. Apesar da degradao da GP ser modelo
para compreenso da degradao anaerbia do GB oriundo da produo de biodiesel, h
de se considerar que este contm quantidades variveis de sabo, lcool (metanol ou
etanol), monoacilgliceris, diacilgliceris, oligmeros de glicerol, polmeros e gua
(OOI et al., 2004). Assim, considera-se que a gerao de biogs a partir do resduo em
questo seja devido, no apenas ao glicerol, mas tambm aos demais compostos
presentes no rejeito.
Acredita-se que esta tecnologia tem potencialidade de ser aplicada no Brasil
para tratamento do resduo da produo de biodiesel, porm h necessidade de estudos
que forneam informaes acerca das melhores condies nutricionais e operacionais
do sistema biolgico de tratamento. Alm disso, no h muitas informaes sobre o
4
tratamento de resduo de glicerol em reatores anaerbios de fluxo ascendente e manta
de lodo (UASB) operados em condies mesoflicas (prximas temperatura
ambiente) com quantificao de metano no biogs visando seu aproveitamento
energtico.
Particularmente, a formao de biocombustveis, tais como etanol de segunda
gerao e biodiesel, tem sido incentivada nacional e internacionalmente nos ltimos
anos (MASIERO; LOPES, 2008). Apesar da falta de incentivo, os processos
biolgicos envolvidos na produo de metano a partir de glicerol tm sido alvo de
pesquisas no mbito da biotecnologia industrial, cuja relevncia situa-se no mbito
econmico (gerao de gases combustveis e sustentabilidade de processos
industriais), e no mbito da biotecnologia ambiental (reduo de poluentes de rejeitos
industriais).
2 - Reviso de literatura
6
2. REVISO DE LITERATURA
2.1. A produo de biodiesel e a gerao de glicerol
Biodiesel uma alternativa ecolgica de combustvel para veculos, produzido
pela transesterificao de cidos graxos de cadeia longa (AGCL), presentes em gorduras
vegetais e animais ou at mesmo em resduos gordurosos.
A transesterificao feita com um monolcool, geralmente metanol ou etanol, na
presena de um catalisador, cido ou bsico (FUKUDA et al., 2001; ZHANG et al.,
2003; GONALVES et al., 2009), sendo a transesterificao etanlica a mais utilizada
no Brasil (Figura 2.1). Os catalisadores alcalinos so mais comumente utilizados, dentre
eles esto o hidrxido de sdio e hidrxido de potssio (GONALVES et al., 2009).
Figura 2.1: Reao de transesterificao para produo de biodiesel
(Adaptada de LEONETI et al., 2012).
Ao final da etapa de transesterificao, o glicerol e steres formam uma massa
lquida de duas fases que podem ser facilmente separveis por decantao,
centrifugao, dentre outras tcnicas, sendo que, dependendo do processo de purificao
do biodiesel, resduos com diferentes composies so gerados. A fase superior, a mais
leve ou menos densa, contm os steres metlicos ou etlicos constituintes do biodiesel.
7
A fase inferior ou pesada, tambm denominada fase g, composta por GB e impurezas,
resultantes tanto da transesterificao (gua, sais, steres, lcool e leo residual) quanto
da formao de sabo devido reao dos cidos graxos livres com excesso de
catalisador (RIVALDI et al., 2007).
O biodiesel feito a partir de leo vegetal ou gordura animal funciona como se
fosse diesel de petrleo, porm, lanando emisses muito menos txicas na atmosfera.
A combusto do biodiesel procedente de leos vegetais no acrescenta nenhum dixido
de carbono atmosfera (RUPPEL; HALL, 2007).
O Brasil tem grande destaque no panorama mundial do biodiesel, devido a sua
grande diversidade em gros de onde extrado o leo vegetal, e sua extensa criao de
animais bovinos que fornecem gordura animal ou sebo (GONALVES et al., 2009). A
Tabela 2.1 ilustra a evoluo da utilizao das principais matrias-primas utilizadas na
produo de biodiesel.
Tabela 2.1: Evoluo da utilizao de diferentes matrias-primas para produo de biodiesel
(ANP, 2013).
Matrias-
primas
Produo de biodiesel (B100*) (m3)
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 736 69.012 408.005 1.177.638 1.614.834 2.387.639 2.672.771 2.719.897
leo de soja 226 65.764 353.233 967.326 1.250.590 1.980.346 2.171.113 2.105.334
leo de
algodo - - 1.904 24.109 70.616 57.054 98.230 116.736
Gordura
animal1
- 816 34.445 154.548 255.766 302.459 358.686 458.022
Outros
materiais
graxos2
510 2.431 18.423 31.655 37.863 47.781 44.742 39.805
*B100 = Biodiesel 100% puro
Frente a esse grande potencial de produo, ao final do sculo XX, o Governo
Federal intensificou as discusses sobre a produo e uso do biodiesel, sendo efetuados
vrios estudos por comisses interministeriais em parceria com universidades e centros
de pesquisa, e muitas estratgias foram traadas pelo ministrio brasileiro, dentre elas
foi criado o Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnolgico do Biodiesel
1 Inclui gordura de porco, gordura de frango e gordura bovina.
2 Inclui leo de palma, leo de amendoim, leo de nabo forrageiro, leo de girassol, leo de mamona,
leo de ssamo, leo de fritura usado e outros materiais graxos.
8
(PROBIODIESEL), programa que visa gradual substituio do diesel proveniente do
petrleo pelo biodiesel (GONALVES et al., 2009).
A produo nacional de biodiesel foi significativamente acelerada quando o
governo brasileiro estabeleceu a obrigatoriedade da adio de, no mnimo, 4% de
biodiesel ao combustvel de petrleo at 2013 mediante a Lei 11097/2005 (ANP, 2010).
Entretanto, o Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE), por meio da Resoluo
n 6/2009, reduziu este prazo e, desde o incio de 2010, o leo diesel comercializado em
todo o Brasil contm 5% de biodiesel. Esta contnua e rpida elevao do percentual de
biodiesel ao diesel demonstra o sucesso do Programa Nacional de Produo e Uso do
Biodiesel e da experincia acumulada pelo Brasil na produo e no uso em larga escala
de biocombustveis (ANP, 2012).
A Figura 2.2, ilustra a falta de incentivo produo de biodiesel no ano 2005,
ano em que a lei acima citada foi criada e aprovada. Nota-se tambm forte aumento no
volume total de biodiesel produzido a partir de 2008, ano em que a mistura de biodiesel
ao diesel tornou-se obrigatria. Porm, em 2010 j se encontrava 5% de biodiesel
associado ao diesel de petrleo no Brasil (ANP, 2010). Devido a este estmulo,
atualmente o Brasil est entre os maiores produtores e consumidores de biodiesel do
mundo, com uma produo anual, em 2012, de 2,7 bilhes de litros e uma capacidade
instalada, at este mesmo ano, para cerca de 20,5 bilhes de litros por dia (ANP, 2013).
Figura 2.2: Evoluo da produo de biodiesel de 2005 2012 (ANP, 2013).
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
milh
es m
9
A inusitada e alta valorizao do biodiesel acarretou uma pequena visibilidade
para o GB, muitas vezes tratado como um subproduto sem valor econmico, mesmo
sendo equivalente cerca de 10% de toda a produo de biodiesel (DASARI et al.,
2005; RIVALDI et al., 2007; ZHOU et al., 2008). Este cenrio culminou em um notvel
crescimento da produo do biodiesel e, por consequncia, numa elevada quantidade de
GB formado, contudo sem uma destinao definida pelas plantas produtoras. Dessa
forma, h uma maior disponibilidade deste resduo do que a demanda nas suas atuais
aplicaes (Figura 2.3), reduzindo o seu valor e abrindo um novo leque de pesquisas
devido necessidade de novas utilizaes deste subproduto (ZHOU et al., 2008). Esse
quadro ocasionou uma queda nos preos internacionais (50% desde 1995), de US$ 1,55
o quilograma para US$ 0,75, em mdia (ANP, 2010).
Apesar de o biodiesel ser o produto principal do processo de produo, o resduo
de glicerol tambm pode ser comercializado. Devido s suas caractersticas fsicas e
qumicas (Tabela 2.2), e ao fato de ser incuo, o glicerol possui inmeras aplicaes
industriais, principalmente nas indstrias de cosmticos, farmacutica, de detergentes;
podendo ainda ser usado na fabricao de resinas e aditivos e na indstria de alimentos
(Figura 2.3). Contudo, as impurezas presentes no glicerol da fase g reduzem seu custo, o
que compromete sua comercializao (OOI et al., 2004).
Tabela 2.2: Propriedades fsico-qumicas do glicerol (ARRUDA et al., 2007).
Peso molecular 92,09
Densidade (glicerol 100%) 25C 1,262 Kg/mG
Viscosidade 20 C 939 cps
Ponto de ebulio (101,3KPa) 290C
Ponto de fuso 18C
Ponto de inflamao 177C
Tenso superficial 20C 63,4 mN/m
Calor especfico (glicerol 99,94%) 26C 2,435 J/g
Calor de evaporao 55C 88,12 J/mol
As caractersticas fsicas, qumicas e nutricionais do GB dependem do tipo de
matria-prima, como pode ser observado na Tabela 2.3, e do tipo de catlise empregada
na produo de biodiesel (RIVALDI et al., 2007).
10
Figura 2.3: Aplicaes do glicerol (LOPES et al., 2011).
Tabela 2.3: Composio do glicerol bruto obtido durante a produo de biodiesel em funo de
diferentes matrias-primas (RIVALDI et al., 2007).
Composio Matria-prima
Mostarda* Mostarda** Canola Soja ROV
ppm
Ca 11,7 23,0 19,7 11,0 ND
K ND ND ND ND ND
Mg 3,9 6,6 5,4 6,8 0,4
P 25,3 48,0 58,7 53,0 12,0
S 21,0 16,0 14,0 ND 19,0
Na 1,17 1,23 1,07 1,2 1,4
% (p/p) C 24,0 24,3 26,3 26,0 37,7
N 0,04 0,04 0,05 0,04 0,12
*Ida Gold, **Pac Gold, ROV: resduos de leo vegetal (leo usado), ND: no detectado
Uma anlise detalhada da fase g realizada por Siles et al. (2010), revela que o
glicerol bruto contm elementos nutricionais, como, fsforo, enxofre, magnsio, clcio,
nitrognio e sdio, e que so factveis de serem utilizados por microrganismos para o
seu crescimento durante processos fermentativos (THOMPSON; HE, 2006 apud
RIVALDI et al., 2007).
11
Segundo Rivaldi et al. (2007), o excesso de glicerol proveniente da produo de
biodiesel, associado baixa demanda mundial (0,5 bilhes toneladas/ano) e ao baixo
custo, projetam um desequilbrio econmico nas indstrias oleoqumicas e de refino de
glicerol, ao tempo de colocar em risco a sustentabilidade econmica de usinas de
biodiesel no mundo. Alm disso, o acmulo crescente de glicerol proveniente da
expanso da indstria de biodiesel corresponde tambm a um problema ambiental, no
que se refere disposio e lanamento deste resduo.
O glicerol obtido resultante da transesterificao de triglicerdeos com lcool
apresenta impurezas como gua, sais, steres, lcool e leo residual, que lhe conferem
um baixo custo (OOI et al., 2004 apud RIVALDI et al., 2007). Existe um grande
interesse na purificao do glicerol (Tabela 2.4) ou no seu reaproveitamento direto, sem
tratamento, o que proporcionar a viabilizao do processo de produo de biodiesel,
permitindo que este se torne competitivo no crescente mercado de biocombustveis.
Tratamentos de purificao so de custo excessivamente elevados para pequenos e
mdios produtores nacionais de biodiesel. Devido a este fato, uma maior quantidade de
efluentes contendo glicerol poder ser descartada no meio ambiente sem nenhum
tratamento, aumentando consequentemente os problemas e riscos ambientais (RIVALDI
et al., 2007).
Tabela 2.4: Tcnicas de purificao do glicerol bruto.
Tcnica Objetivos
Troca inica Remover ons K+ e Na
+ utilizados como catalisadores
Destilao vcuo Remoo e recuperao de lcoois (etanol ou metanol)
Precipitao cida
(HCl, H2SO4, H3PO4)
Separar o glicerol e cidos graxos do sabo formado pelo
excesso de catalisador (precipitao de sais)
2.2. Biodegradao do glicerol e gerao de produtos com valor agregado
O glicerol considerado uma fonte de carbono altamente reduzida e assimilvel
por bactrias e leveduras sob condies aerbicas e anaerbicas para a obteno de
energia metablica, como regulador do potencial redox e para a reciclagem de fosfato
inorgnico dentro da clula (DILLS et al., 1980 apud RIVALDI et al., 2007). A
converso microbiana de glicerol por processos biotecnolgicos em produtos de maior
valor agregado como biomassa e biomolculas uma alternativa relevante para a maior
valorizao da produo de biodiesel (ITO et al., 2005).
12
O glicerol entra na clula por difuso, sem a dependncia de bactrias
hidrolticas. Estas sim teriam papel importante na etapa inicial da degradao de outros
compostos presentes no resduo, tais como leos e graxas. Esses microrganismos
hidrolticos fermentativos so capazes de hidrolisar lipdeos e formar glicerol e cidos
graxos de cadeia longa pela ao de lipases extracelulares. Dentro das clulas
microbianas, os cidos so incorporados a complexos lipdicos, tais como a membrana
plasmtica, ou catabolizados para a formao de compostos de baixa massa molar
(MENDES et al., 2005). J o glicerol pode ser metabolizado por diferentes rotas
metablicas independentes representadas na Figura 2.4.
A primeira rota a oxidao do glicerol pela desidrogenase (GDH)
dihidroxiacetona (DHA) com a gerao de equivalentes redutores (NADH2), a qual
ento fosforilada pela dihidroxiacetona quinase, dependente de ATP, e direcionada para
o metabolismo central.
A dihidroxiacetona fosfato considerada uma importante molcula
intermediria para a gliconeognese (sntese de hexoses), assim como para a obteno
de numerosos compostos atravs das vias oxidativas incluindo: cido ctrico, cido
succnico, cido actico, cido frmico, cido ltico, etanol e outros compostos de
interesse comercial (MOAT et al., 2002 apud RIVALDI et al., 2007).
Para tanto, a dihidroxiacetona fosfato convertida a fosfoenolpiruvato, que pode
dar origem aos cidos succnico e propinico ou ser convertido a piruvato. Este
composto, por sua vez, pode originar acetilcoenzima A (Acetil-CoA), cido ltico,
butanodiol e cido frmico que posteriormente pode ser transformado em hidrognio e
dixido de carbono. O Acetil-CoA ento convertido a cido actico, cido butrico,
etanol ou cido ctrico dependendo das condies de cultivo e dos microrganismos
envolvidos. O NADH2 pode ser utilizado tanto na formao de cido butrico quanto de
etanol e o NADH2 residual pode ser oxidado e produzir hidrognio. O hidrognio e
cido actico produzidos na via oxidativa podem ser convertidos a metano atravs da
ao de arqueas metanognicas.
13
Figura 2.4: Vias metablicas de assimilao do glicerol por microrganismos anaerbios e seus possveis
produtos (Adaptada de RIVALDI et al., 2007; CHATZIFRAGKOU; PAPANIKOLAOU, 2012; VIANA
et al., 2012).
BIOMASSA
C. PROPINICO
Acetona 2,3-BUTANODIOL
C. FRMICO CO2 e H2
Acetil-CoA
Malonil-CoA
TAG
METANO
Acetoacetil-CoA Butiril-CoA
3-hidroxibutiril-CoA
PHB
Butirilfosfato
C. BUTRICO
Butirilaldedo
n - BUTANOL
14
A segunda rota a desidratao do glicerol a 3-hidroxipropionaldeido (3HPA)
pela glicerol desidratase (GDHt), o qual convertido a 1,3-propanodiol pela enzima
1,3-propanodiol oxidoredutase (PDOR) com a oxidao do NADH2.
De acordo com Viana et al. (2012), atualmente, o glicerol bruto tem sido
utilizado como substrato orgnico para sntese biolgica de vrios compostos com
valor agregado (Tabela 2.5).
Tabela 2.5: Produtos com valor agregado derivados da digesto anaerbia do glicerol.
Produtos Emprego Microrganismos
produtores Fontes
1,3-propanodiol
Produo de
polisteres,
poliuretanos, tintas,
lubrificantes, resinas,
anticongelantes e
cosmticos.
Klebsiella,
Citrobacter,
Enterobacter,
Clostridium,
Propionibacterium,
Anaerobiospirillum
Rivaldi et al. (2007)
Etanol
Produo de bebidas
alcolicas, de
combustveis e de
biodiesel.
Kluyvera
cryocrescens,
Enterobacter
aerogenes
Ito et al. (2005),
Choi et al. (2011),
Chatzifragkou;
Papanikolaou (2012)
Hidrognio
Gerao de energia.
Enterobacter
Clostridium,
Rhodopseudomonas
Syntrophomonas
Ito et al. (2005),
Leoneti et al. (2012)
cidos orgnicos
Indstria de
alimentos, indstria
qumica e na
produo de
polmeros.
Yarrowia lypolitica,
Anaerobiospirillum
succiniciproducens,
Propionibacteria
Papanikolaou et al.
(2002),
Bories et al. (2004),
Rymowicz et al.
(2006),
Rivaldi et al. (2007)
Polihidroxi-
alcanoatos
Produo de
embalagens, na rea
mdica, indstria
farmacutica e na
agricultura.
Pseudomonas
Rivaldi et al. (2007),
Chatzifragkou;
Papanikolaou (2012)
Metano Produo de energia.
Methanoplanus,
Methanosaeta,
Methanosarcina,
Methanobacterium
Thompson; He (2006)
O gs metano uma importante fonte de energia, conforme pode ser observado
nas Equaes 2.1 a 2.3:
15
Combusto completa do metano:
CH4(g) + 2O2(g) CO2(g) + 2H2O (l) H = - 802 kJ/mol (Eq. 2.1)
Combusto incompleta do metano:
CH4(g) + 3/2 O2(g) CO(g) + 2H2O(l) H = - 520 kJ/mol (Eq. 2.2)
CH4(g) + O2(g) C(s) + 2H2O(l) H = - 408,5 kJ/mol (Eq. 2.3)
muito importante saber a quantidade de calor liberada pelos combustveis
para que seja possvel comparar o valor energtico de cada um deles. Na Tabela 2.6,
so mostradas as entalpias de combusto (Ho) para alguns combustveis, isto , a
energia liberada na queima completa de um mol de cada um.
Tabela 2.6: Entalpia de combusto padro de um mol de vrios combustveis (USP).
COMBUSTVEL FRMULA
MOLECULAR H(kJ/mol)
Carbono (carvo) C(s) - 393,5
Metano (gs natural) CH4 (g) - 802
Propano (componente do gs de cozinha) C3H8 (g) - 2.220
Butano (componente do gs de cozinha) C4H10 (g) - 2.878
Octano (componente da gasolina) C8H18 (l) - 5.471
Etino (acetileno, usado em maarico) C2H2 (g) - 1.300
Etanol (lcool) C2H5OH (l) - 1.368
Hidrognio H2 (g) - 286
O contedo energtico do glicerol presente no resduo de biodiesel situa-se em
torno de 16,3 MJ/Kg de glicerol bruto, o que sugere uma alta capacidade de produo
de biogs (THOMPSON; HE, 2006).
2.3. O Tratamento Anaerbio
O tratamento de resduos industriais essencial devido ao seu potencial
poluidor. Caso no seja dada uma destinao adequada, estes acabam poluindo o solo,
contaminando guas superficiais e subterrneas. Alm disso, existe o risco do impacto
ecolgico ao serem lanados no ambiente. O meio aqutico demonstra ter condies
16
de receber e decompor os contaminantes at um certo nvel que no cause problemas
ou alteraes acentuadas que prejudiquem o ecossistema. Entretanto, nos casos de
sobrecarga orgnica, o lanamento pode levar a uma degradao do ambiente em
decorrncia do consumo excessivo do oxignio dissolvido no corpo dgua por
microrganismos heterotrficos aerbios, levando a problemas em toda a cadeia trfica
alimentar. Um estudo conduzido por Fausto e colaboradores (2008) mostrou que uma
gua residuria tpica do processo de produo de biodiesel apresenta diversos
parmetros qumicos acima dos limites estabelecidos pela legislao CONAMA
357/2005 e CONAMA 430/2011, principalmente no que se refere s concentraes de
leos e graxas.
Apesar do CONAMA no estipular nenhum limite para Demanda Qumica de
Oxignio (DQO) e Demanda Biolgica de Oxignio (DBO) no que se refere ao
lanamento de efluentes e apenas exigir uma eficincia mnima de tratamento (60%), o
Conselho Estadual de Poltica Ambiental (COPAM) em conjunto com o Conselho
Estadual de Recursos Hdricos do Estado de Minas Gerais CERH-MG) estabeleceram,
em 2008, o limite de 60 mg DBO/L para lanamento de efluentes, concentrao bem
abaixo da encontrada em guas residurias da produo de biodiesel.
Uma alternativa para o tratamento do resduo de glicerol gerado na indstria de
biodiesel se refere aplicao do processo de digesto anaerbia. Neste processo
possvel reduzir a carga poluente presente no resduo por meio da converso biolgica
dos compostos orgnicos carbonceos a gases combustveis, o hidrognio (H2) e
metano (CH4).
As vantagens associadas aplicao do processo anaerbio ao tratamento do
glicerol inclui: i) a adoo de um sistema de tratamento de efluente de baixo consumo
energtico e baixa produo de lodo, ii) elevada eficincia de degradao dos
poluentes orgnicos presentes na gua residuria e iii) gerao de biogs, o qual pode
ser usado como fonte energtica in situ para gerao de calor e eletricidade
(CHERNICHARO et al., 2007; MENDES et al., 2005; FERNANDO et al., 2007;
SILES et al., 2010).
Atualmente, os reatores UASB compreendem a tecnologia anaerbia mais
empregada no mundo e muito utilizada no tratamento de esgotos domsticos,
17
especialmente em regies de clima quente e em muitos pases em desenvolvimento,
como o Brasil (CHERNICHARO, 2007). Segundo Aisse et al. (2000), tais reatores
consistem basicamente de um tanque Imhoff de fluxo vertical, com cmaras de
sedimentao e digesto anaerbia, sobrepostas. O esgoto a ser tratado distribudo
uniformemente no fundo do reator e passa atravs de uma camada de lodo biolgico, o
qual transforma a matria orgnica em biogs. Existe um perfil de slidos, com grande
concentrao na parte inferior (leito de lodo), e mistura completa entre lodo, lquido e
gs nas camadas acima do leito. Na parte superior do digestor existe um separador de
gases (decantador), no qual o lodo retorna cmara de digesto provocando, em contra
corrente com o fluxo ascendente, uma mistura bem uniforme (Figura 2.5).
Figura 2.5: Esquema ilustrativo da configurao de um reator UASB.
2.3.1. Microbiologia e Bioqumica da Digesto Anaerbia
A digesto anaerbia pode ser definida como a degradao da matria orgnica
complexa em compostos mais simples; como metano, dixido de carbono, gua,
dentre outros; atravs da atividade conjunta de diversos tipos de microrganismos.
Estes atuam de forma simbitica e cada grande grupo exerce um papel essencial e
especfico, de forma que, se algum dos grupos for inibido ou prejudicado, a digesto
anaerbia no se completa.
18
A digesto anaerbia pode ser dividida em 4 etapas, de acordo com a Figura
2.6. Entretanto, vale ressaltar que a eficincia global de converso da matria orgnica
em produtos estabilizados depende da eficincia de cada reao e do equilbrio entre as
diversas espcies e entre os grupos de bactrias presentes no sistema anaerbio
(LEMA et al., 1991 apud MENDES et al., 2005).
Primeiramente, as bactrias fermentativas hidrolticas ou acidognicas hidrolisam
polmeros complexos, tais como carboidratos, protenas e lipdeos, transformando-os em
compostos dissolvidos de menor peso molecular por meio de exoenzimas. As protenas so
degradadas em aminocidos, os carboidratos em acares solveis (mono e dissacardeos) e
os lipdeos, em cidos graxos de cadeia longa (C15 a C17) e glicerol. Em certas situaes, a
alta complexidade do material orgnico pode resultar em uma baixa velocidade de hidrlise,
tornando-a a etapa limitante de todo o processo de digesto.
Na segunda etapa, esse mesmo grupo de bactrias transformam essas
molculas menores em produtos intermedirios como cidos orgnicos (actico,
propinico, butrico, dentre outros), lcoois (etanol), cetonas (acetona), dixido de
carbono e hidrognio.
Figura 2.6: Etapas da digesto anaerbia e seus principais microrganismos atuantes.
Clostridium Micrococcus Staphylococcus
Clostridium Micrococcus Streptococcus Pseudomonas Escherichia Staphylococcus
Clostridium Syntrophomonas wolfei Syntrophomonas wolinii
Methanosaeta Methanosarcina Methanobacterium Methanoplanus
19
Os microrganismos fermentativos acidognicos so os que mais se beneficiam
energeticamente do processo, conforme demonstrado na Tabela 2.7, sendo um grupo
que possui baixo tempo mnimo de gerao e as maiores taxas de crescimento do
consrcio (AQUINO; CHERNICHARO, 2005).
Tabela 2.7: Comparao energtica de algumas reaes comuns da digesto anaerbia (Adaptado de
AQUINO; CHERNICHARO, 2005).
Etapa Reao G0
Acidognese
C6H12O6+2 H2O 2 CH3COO-+2 CO2+2H
++4H2
Glicose Acetato - 206 kJ
C6H12O6+2H2 2 CH3CH2COO-+2 H2O+2H
+
Glicose Propionato - 358 kJ
C6H12O6 CH3CH2CH2COO-+2 CO2+H
++2H2
Glicose Butirato - 255 kJ
Acetognese
CH3CH2COO-+3 H2O CH3COO
-+HCO3
-+H
++3 H2
Propionato Acetato + 76,1 kJ
CH3CH2COO-+ 2 HCO3
- CH3COO
-+H
++3 HCOO
-
Propionato Acetato + Formiato + 72,2 kJ
CH3CH2CH2COO-+ 2 H2O 2 CH3COO
-+H
++2H2
Butirato Acetato + 48,1 kJ
Metanognese
CH3COO-+ H2O CH4+ HCO3
-
Acetato Metano
- 31 kJ
H2+1/4 HCO3
-+
1/4 H
+
1/4 CH4 +
3/4 H2O
Hidrognio Metano - 33,9 kJ
HCOO-+
1/4 H2O+
1/4 H
+
1/4 CH4 +
3/4 HCO3
-
Formiato Metano - 32,6 kJ
Na terceira etapa, as bactrias sintrficas fermentativas acetognicas atuam sob
os produtos da acidognese, oxidando-os e transformando-os em acetato, hidrognio e
dixido de carbono. Na quarta e ltima etapa, as arqueias metanognicas convertem,
principalmente, o acetato e hidrognio metano e dixido de carbono.
O metano produzido pelas arqueias metanognicas por duas vias metablicas
principais: hidrogenotrfica e acetotrfica (ou acetoclstica). As arqueias
hidrogenotrficas so auttrofas, reduzindo CO2 a metano e usando H2 como doador de
eltrons, liberando H2O. As arqueias acetoclsticas so hetertrofas, produzindo o
metano e CO2 a partir da reduo do acetato produzido diretamente pelas bactrias
acidognicas ou pela ao sintrfica das bactrias acetognicas. A metanognese
acetoclstica tm grande importncia em reatores anaerbios, j que cerca de 70% do
20
metano produzido nestes sistemas resultante da degradao de acetato
(CHERNICHARO, 2007; JETTEN et al., 1992; YU et al., 2005).
Os microrganismos metanognicos so os mais sensveis e facilmente inibidos
do consrcio. Dentre eles, os acetoclticos so os mais importantes, uma vez que a
remoo de DQO da fase lquida depende da converso de acetato, composto no qual
so canalizados cerca de 70% dos eltrons do substrato original (MCCARTY, 1971
apud AQUINO; CHERNICHARO, 2005). J os hidrogenotrficos so de rpido
crescimento, com tempo de gerao mnimo de 6 horas (MOSEY, 1983 apud
AQUINO;CHERNICHARO, 2005) e, alm de contribuir para cerca de 30% do
metano formado, a presena deles ajuda a manter baixas concentraes de hidrognio
dissolvido em reatores anaerbios, favorecendo a degradao de propionato e butirato
(MOSEY, 1983; HARPER; POHLAND, 1986 apud AQUINO; CHERNICHARO,
2005).
Os microrganismos produtores de metano so de difcil isolamento e
identificao, e vrios processos e mtodos tm sido propostos para medir a sua
atividade. Uma importante forma de monitoramento da eficincia do lodo anaerbio
atravs da mensurao da atividade metanognica especifica (AME), que pode ser
definida como a capacidade mxima de produo de metano (Ex. gDQO/gSSV.d) por
consrcio de microrganismos anaerbios, realizada em condies controladas de
laboratrio, para viabilizar a atividade bioqumica mxima de converso de substratos
a biogs. A determinao da capacidade do lodo anaerbio em produzir metano
importante ainda para determinar o potencial metanognico (PM) de um determinado
efluente ou resduo a ser tratado. O PM indica a quantidade do gs combustvel
metano que pode ser produzido a partir de uma determinada quantidade de efluente
tratado (Ex. Nm3 CH4/Kg substrato inoculado) e importante para avaliar o contedo
energeticamente aproveitvel de um efluente ou resduo.
2.3.2. Fatores fsico-qumicos que interferem na digesto anaerbia
Para que a degradao total da matria orgnica na ausncia de oxignio ocorra
de forma eficiente, necessrio, alm de uma boa interao do consrcio microbiano,
otimizar condies especficas de operao como temperatura, pH, carga orgnica,
21
tipo de substrato, dentre outros (CAMPOS et al., 2004), pois cada um desses
parmetros capaz de interferir significativamente no desempenho do reator, como
demonstrado na Tabela 2.8.
Tabela 2.8: Interferentes fsico-qumicos da digesto anaerbia.
Parmetro Efeitos Fonte
Temperatura
Afeta a velocidade do metabolismo dos
microrganismos, o equilbrio inico e a
solubilidade dos substratos.
Campos et al. (2004)
pH
Valores baixos3 podem inibir determinados
microrganismos, como as arqueias
metanognicas, que so mais sensveis.
Campos et al. (1998)
Carga orgnica
Quando muito elevada, pode comprometer
degradao do acetato e levar ao acmulo de
AGV.
Aquino; Chernicharo
(2005)
Tempo de deteno
hidrulica (TDH)
Se muito reduzido, pode levar ao washout4
da biomassa do reator.
Aquino; Chernicharo
(2005)
Disponibilidade de
nutrientes5
Quando presentes na medida certa
estimulam a degradao anaerbia. Do
contrrio, o processo torna-se instvel.
Schmitt et al. (2006)
Atividade
Metanognica
Especfica (AME) do
lodo
Cada lodo possui uma AME especfica e
quanto maior ela , maior a eficincia na
produo de metano.
Aquino; Chernicharo
(2007)
Potencial
Metanognico (PM)
do efluente
Cada resduo tem um PM especfico, e
quanto maior ele for maior ser a quantidade
de metano formada a partir de determinada
massa de resduo degradada.
Aquino; Chernicharo
(2007)
2.4. Produo de metano a partir da degradao anaerbia do glicerol
Da reviso de literatura feita, percebe-se que poucos estudos foram conduzidos
para investigar a degradao do glicerol em condies anaerbias (Tabela 2.9).
3 Valores na escala de pH que so menores que 6,5.
4 Sada da biomassa do interior do reator devido alta velocidade de fluxo do efluente a ser tratado.
5 Principais nutrientes so: nitrognio, fsforo, cobalto, zinco, nquel e ferro.
22
Tabela 2.9: Utilizao do glicerol bruto como substrato.
Trabalho Reator Condies Remoo de
matria orgnica Produo de CH4
Yang et al.
(2008)
Leito fixo
imobilizado
com
poliuretano
CO = 1Kg
DQO/ m3.d
55C
87% 0,450 m
3 CH4/g
DQO
Hutnan et al.
(2009)
UASB
6,5 Kg
DQO/m3.d
61%
0,513 m3 CH4/Kg
glicerol
ASBR 5,6 Kg
DQO/m3.d
90% 0,526 m
3 CH4/Kg
glicerol
Leito et al.
(2011)
UASB 10 Kg
DQO/m3.d
Mais de 90% 61,5 L de biogs/d
com 60% de CH4
Viana (2011) UASB
2 10 Kg
DQO/m3.d
30C
97,5% 0,380 m
3 CH4/Kg
glicerol
Kolesrov et al.
( 2011) CSTR
2,2 Kg DQO/
m3.d
99% 0,415 m
3 CH4/Kg
glicerol
Em um reator estvel, operado sob condies timas de crescimento microbiano,
e na ausncia de fatores de estresse, as etapas acidognica, acetognica e metanognica
ocorrero em passos similares, de forma a haver uma equalizao nas taxas de produo
e consumo dos compostos intermedirios. Nesses casos no haver acmulo
significativo de cidos graxos volteis (AGV) e o processo deveria operar prximo s
condies de equilbrio dinmico. Entretanto, essa condio raramente observada em
estaes de tratamento de esgoto, devido s variaes na concentrao, composio e
vazo do afluente, e s mudanas de condies ambientais (temperatura, ausncia
temporria de nutrientes, presena temporria de compostos txicos) (AQUINO;
CHERNICHARO, 2005).
O conhecimento sobre a degradao anaerbia do glicerol baseia-se, em sua
maioria, por resultados referentes degradabilidade do glicerol puro, e somente
recentemente ateno tem sido dada investigao da sua degradabilidade na forma de
resduo de glicerol bruto (SILES et al., 2010).
23
De acordo com Bolzonella et al. (2006), a co-digesto de diferentes resduos
orgnicos levam a melhorias na eficincia dos sistemas de tratamento anaerbios. Por
esta razo, alguns estudos foram conduzidos para investigar a co-digesto do glicerol
com outros resduos presentes em efluentes lquidos, os quais mostraram a
aplicabilidade do glicerol como co-substrato (Tabela 2.10).
Tabela 2.10: Estudos de co-digesto do glicerol bruto com outros substratos.
Trabalho Substrato Teor de glicerol Resultados
Amon et al.
(2006)
Resduo de suinocultura
e processamento de
milho
6%
Aumento na produo de
metano de 569 para 679 NL/Kg
SSV.
Fountoulakis;
Manios
(2009)
Mistura de guas
residurias de um
matadouro e de
processamento de oliva
1%
Aumento na produo de
metano de 0,479 para 1,210 L/d.
Siles et al.
(2010)
gua de lavagem durante
purificao do biodiesel 25 100%
100% de remoo de DQO e
produo de metano de 310 mL
CH4/g DQO removida (1 atm,
25 C).
Fountoulakis
et al. (2010)
gua residuria de
estao de tratamento de
esgoto
1%
Aumento na produo de 1106
mL CH4/dia para 2353 mL
CH4/dia.
Nuchdang;
Phalakornkule
(2012)
Dejetos sunos
80%
Produo de 0,24 L de biogs/g
DQO removida com 62%
metano.
Larsen et al.
(2013) Resduo de fecularia 2% 1,97 L de biogs/L .d
Assim de acordo com informaes da literatura especializada, o tratamento
anaerbio do glicerol presente na fase g residual da produo de biodiesel
tecnicamente vivel tanto pelo alcance de boas eficincias de tratamento quanto pela
gerao de elevadas concentraes de metano. Desta forma, esta tecnologia tem
potencialidade de ser aplicada no Brasil para tratamento do glicerol bruto, porm h
necessidade de estudos que forneam informaes acerca das melhores condies
nutricionais e operacionais.
3 Objetivos
25
3. OBJETIVOS
3.1. Objetivo Geral
O objetivo geral do presente estudo avaliar, em diferentes condies
experimentais, o tratamento do resduo da produo de biodiesel e a gerao de metano
a partir do mesmo em reatores UASB.
3.2. Objetivos especficos
Caracterizar, por meio de anlises fsico-qumicas, o glicerol bruto obtido de
uma indstria produtora de biodiesel;
Determinar o potencial metanognico (PM) do glicerol bruto e compar-lo com
o de substratos puros, tais como glicerina e glicose;
Avaliar a degradao anaerbia do glicerol bruto em comparao glicerina
pura, em reatores UASB, em relao remoo de DQO, acmulo de subprodutos e
produo de metano;
Avaliar o efeito do controle da temperatura na biodegradao do glicerol bruto e
glicerina pura em reatores UASB operados temperatura ambiente e 35C;
Avaliar o efeito da carga orgnica aplicada na degradao anaerbia do glicerol
bruto.
4- Materiais e Mtodos
27
4. MATERIAIS E MTODOS
4.1. O substrato e sua caracterizao fsico-qumica
O glicerol bruto utilizado neste estudo (Figura 4.1) proveniente da indstria de
biodiesel Biominas, localizada no municpio de Itana, Minas Gerais.
No processo de produo de biodiesel e consequente gerao do glicerol bruto
nesta indstria, o leo de cozinha residual, utilizado como matria-prima, reage com o
metanol, monolcool de escolha, atravs da catlise bsica obtida pelo emprego do
metilato de sdio. Ao final deste processo produtivo, o glicerol bruto separado do
biodiesel por decantao e no submetido a nenhum tipo de pr-tratamento como
neutralizao cida, por exemplo.
Figura 4.1: Glicerol bruto obtido da indstria de biodiesel Biominas.
28
Foi feita uma caracterizao fsico-qumica do efluente da produo de biodiesel
(Tabela 4.1) antes de iniciar a operao dos reatores UASB, a fim de verificar sua
composio em termos de concentrao de alguns nutrientes como nitrognio e fsforo,
contedo de alguns contaminantes, como leos e graxas, teor de matria orgnica e
relao DQO/DBO5, por exemplo.
Tabela 4.1: Metodologias empregadas na caracterizao do glicerol bruto.
Componente Mtodo Fonte
Protenas Espectrofotomtrico Gornall et al. (1949)
Carboidratos Colorimtrico Dubois et al. (1956)
Lipdeos Colorimtrico Postma e Stroes (1968)
Fsforo Colorimtrico APHA/WER/WEF (2005)
Cloreto Argentomtrico APHA/WER/WEF (2005)
Glicerol Espectrofotomtrico Benassi et al. (1989)
Slidos Totais Gravimtrico APHA/WER/WEF (2005)
leos e Graxas Gravimtrico APHA/WER/WEF (2005)
DQO Colorimtrico APHA/WER/WEF (2005)
DBO5 Eletroqumico APHA/WER/WEF (2005)
4.2. Medio da Atividade Metanognica Especfica (AME) do inculo e Potencial
Metanognico (PM) do substrato
Os testes em batelada para determinao da AME foram realizados em
equipamento ANKOMRF
GS PRODUCTION SYSTEM (Figura 4.2) que, de forma
automatizada, faz o monitoramento da variao de presso de gs dentro de vrios
mdulos e, remotamente, faz o registro dos dados em planilhas eletrnicas. Este
mecanismo permite determinar a variao de gs produzido em tempo real de
incubao. No equipamento ANKOMRF
, a absoro de gs carbnico feita por
pastilhas de NaOH inseridas nos cabeotes, atravs do qual os gases so obrigados a
passar antes de atingirem o transdutor de presso. Cada mdulo acoplado a um frasco
com volume total de 590 mL.
Durante o teste da AME, para que houvesse suficiente contato da biomassa com
o substrato e para que no houvesse limitaes de transferncia de massa do substrato e
nutrientes, os frascos foram inseridos em incubadora de bancada (Shaker Solab) com
agitao orbital que, alm de garantir a agitao constante, permitiu o controle da
temperatura do teste.
29
Figura 4.2: Respirmetro automatizado ANKOMRF
GS PRODUCTION SYSTEM.
Realizaram-se trs testes em triplicata, com trs fontes de carbono distintas, de
modo que a relao alimento/microrganismo (A/M) fosse de 0,2 g DQO/g SSV, que
segundo Aquino et al. (2007) est dentro da faixa de valores que maximiza a atividade
metanognica.
A Tabela 4.2 apresenta os volumes e as concentraes de lodo, soluo nutriente
e substrato contidos em cada frasco teste. Nas primeiras 24 horas de experimento, os
frascos foram incubados a uma temperatura de 35 C e com agitao constante de 120
rpm contendo apenas o lodo anaerbio e a soluo de nutrientes. Para purga do
oxignio contido no headspace dos frascos, injetou-se nitrognio gasoso. De acordo
com Aquino et al. (2007), esta etapa de aclimatao importante para minimizar a
produo de metano de origem endgena.
Aps 24 horas de adaptao, foram adicionados em cada frasco os volumes de
glicose, glicerol e efluente de biodiesel indicados na Tabela 4.2. Os frascos passaram
ento por nova purga com nitrognio gasoso e, posteriormente, foram incubados a 35 C
e 120 rpm durante mais 4 dias, dando inicio ao teste que determina a AME do lodo e o
PM do efluente de biodiesel.
30
Tabela 4.2: Condies de incubao dos frascos para determinao da AME do efluente de biodiesel,
glicerol e glicose.
Frascos Substrato Lodo
(gSSV/L)
Volumes (mL) Concentrao Final
Lodo Substrato Sol.
nutriente
Lodo
(gSSV/L)
Substrato
(gDQO/L)
1, 2 e 3 Glicose 20 75 75 150 5 1
4, 5 e 6 Glicerina 20 75 75 150 5 1
7, 8 e 9 Glicerol
Bruto 20 75 75 150 5 1
O programa fornece a presso (psi) exercida pelo metano produzido. Esta
presso mensurada durante o teste pode ser convertida em nmero de mols de gs
produzido atravs da utilizao da Lei dos Gases Ideais, expressa pela Equao 4.1:
Lei dos Gases Ideais
n = p (V/ RT) (Eq. 4.1)
Onde:
n = nmero de moles de gs produzido
p = presso em kilopascal (kPa)6
V = volume do headspace do frasco (L)
T = temperatura em Kelvin (K)
R = constante dos gases (8.314472 LkPaK-1
mol-1
)
Posteriormente, o nmero de mols de gs produzido foi convertido a volume, em
mL, de metano atravs da Lei de Avogadro (Eq. 4.3).
6 1 psi = 6.894757293 kilopascal
31
Lei de Avogadro
Pela utilizao desta lei, 1 mol de gs vai ocupar 22,4 L nas condies normais
de temperatura e presso (CNTP 0C ou 273 K e 1 atm ou 101,325 kPa). Como o teste
no foi realizado nas CNTP, foi necessrio adequar os clculos em relao s condies
do laboratrio atravs da Equao 4.2. Dessa forma, 1 mol de gs passou a ocupar 28,71
L.
(Eq. 4.2)
Volume de gs produzido (mL) = n x 28,71 x 1000 (Eq. 4.3)
A AME do lodo foi calculada dividindo-se a quantidade de metano produzido
(expresso em g DQO) pela massa de biomassa inoculada (expressa em g SSV) e pelo
tempo de incubao (expresso em dias), de acordo com a seguinte expresso:
AME = Gp/SSV.t (Eq. 4.4)
Onde:
Gp = gs produzido (gDQO)
SSV= slidos suspensos volteis (g)
t = tempo de incubao (por dia)
Desta forma, preciso converter a produo volumtrica de metano, obtida
normalmente em mL, em demanda qumica de oxignio (DQO). Isso pode ser feito
sabendo-se o coeficiente estequiomtrico de oxidao do metano.
CH4 + 2 O2 CO2 + 2H2O
A reao qumica acima mostra que 1 mol de metano equivale a 2 mols de
oxignio ou 64 g de DQO. Como 1 mol de qualquer gs, na CNTP (O oC e 1 atm),
ocupa um volume de 22,4 L, pode-se dizer que 1 g de DQO destruda equivale, na
CNTP, a 0,35 L de metano formado. Nas condies em que a produo de metano foi
determinada, 1 mol de metano ocupa um volume de 28,71 L. Desta forma, possvel
32
dizer que a 35 oC e 0,88 atm (presso atmosfrica em Ouro Preto), 450 ml de metano
produzido equivalem a 1 g de DQO destruda.
Ao final do teste de AME (aps 4 dias), o potencial metanognico do efluente de
biodiesel foi calculado relacionando-se a produo acumulada de metano pela massa de
DQO utilizada no teste, de acordo com a seguinte expresso:
PM = Gp / DQO0 (Eq. 4.5)
Onde:
Gp = total de gs produzido (em Nm3)
DQO = DQO incubada (em Kg)
A degradabilidade anaerbia do resduo foi calculada atravs da relao entre a
massa de DQO metano produzida e a massa de DQO total incubada.
4.3. Confeco e inoculao dos reatores UASB
Quatro biorreatores UASB em escala de bancada foram construdos usando
juntas e conexes de cloreto de polivinila (PVC), e cada um destes reatores apresentava
um volume de trabalho de 3,4 L. Em cada reator foram colocadas trs torneiras em
diferentes alturas, para possibilitar amostragem do lodo anaerbio ao longo do
experimento; e um saco, na parte superior, para coletar o biogs produzido. As Figuras
4.3 e 4.4 ilustram os reatores.
Para dar incio ao ensaio contnuo, cada reator UASB foi inoculado um lodo
anaerbio proveniente de um reator UASB que trata esgoto sanitrio na Estao de
Tratamento de Esgoto (ETE) Arrudas, localizada em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Foram utilizados 1,5 L de inculo, com cerca de 16 g SSV.L-1
, em cada reator.
Ao final da Fase 1 e para dar incio Fase 2, os quatro reatores foram
reinoculados com o mesmo volume de lodo que inicialmente.
33
Figura 4.3: Esquema ilustrativo dos dois tipos de reatores UASB (A aquecido, B no aquecido e T1,
T2 e T3 - torneiras para amostragem de lodo de dentro dos reatores).
Figura 4.4: Reatores UASB utilizados no presente estudo.
Biogs
Termostato
Substrato + gua e nutrientes
Substrato + gua e
nutrientes
UASB UASB
Efluente tratado
Efluente tratado
Biogs
34
4.4. Preparo da soluo de alimentao e acrscimo de nutrientes
Em cada fase deste estudo, a alimentao dos reatores foi feita de uma maneira
diferente para atender os valores necessrios de DQO inicial e de nutrientes de acordo
com o objetivo.
4.4.1. Diluio do efluente da produo de biodiesel
Na Fase 1, 20 mL do efluente da produo de biodiesel foram adicionados a 20
litros de gua destilada a fim de diluir 1000 vezes o efluente e atingir a DQO inicial
desejada para teste (1 g DQO/L). A soluo era homogeneizada manualmente e
estocada em geladeira.
Na Fase 2, quando se tratava dos reatores UASB1 e 2, o glicerol bruto continuou
sendo diludo da mesma forma que na Fase 1 por operarem com uma concentrao
inicial de DQO igual a 1 g.L-1
. J para os reatores UASB 3 e 4, operados com DQO
inicial de 2 g.L-1
, 40 mL de glicerol bruto eram diludos em 20 L de gua destilada. A
homogeneizao da soluo era feita manualmente e a soluo era estocada em
geladeira.
4.4.2. Diluio da glicerina pura
Na Fase 1, nico perodo em que a glicerina pura foi utilizada, 23,75 g deste
substrato eram pesados e diludos em 20 L de gua destilada de forma a igualar a
concentrao de DQO inicial desta soluo com a soluo de glicerol bruto diludo. A
homogeneizao da soluo era feita manualmente e, quando pronta, era estocada em
geladeira.
4.4.3. Preparo da soluo de nutrientes
A Tabela 4.3 mostra, detalhadamente, os reagentes e as concentraes utilizadas
para o preparo da soluo nutriente para uma DQO de 1000 mg.L-1, baseada no
trabalho de Chernicharo (2007), que definiu as concentraes dos micro e macro
nutrientes a fim de manter uma proporo de DQO: N: P prximo da relao ideal de
350: 5: 1. Vale ressaltar que, como esta soluo era diluda 20 vezes quando adicionada
35
soluo substrato, o fator de diluio foi considerado no clculo da massa de reagentes
para preparo de 20 L de soluo nutriente. A soluo tambm era estocada em geladeira.
Tabela 4.3: Composio da soluo nutriente (Adaptada de CHERNICHARO, 2007).
Macro nutrientes
Concentrao
(mg/L) para
tratar 1000 mg/L
Massa (g) para
preparo de 20 L
de soluo
NH4Cl 2224,00 88,96
(NH4)H2PO4 306,25 12,25
(NH4)2HPO4 89,00 3,56
MgCl2.6H2O 1066,50 42,66
CaCl2.2H2O 500,50 20,02
NaHCO3 5000,00 200,00
Micronutrientes
Concentrao
(mg/L) para
tratar 1000 mg/L
Massa (g) para
preparo de 20 L
de soluo
FeCl3.6H2O 10,00 0,40
ZnCl2 0,25 0,01
MnCl2.4H2O 2,50 0,10
(NH4)6Mo7O24.4H2O 3,25 0,13
AlCl3.6H2O 2,50 0,10
CoCl2.6H2O 10,00 0,40
NiCl2.6H20 25,00 1,00
H3BO3 6,00 0,24
CuCl2.2H2O 16,00 0,64
HCl 0,2 % (v/v) 80(ml)
4.4.4. Preparo da alimentao dos reatores
Na Fase 1, pesava-se 0,20 g de extrato de levedura e este era solubilizado em
400 mL de soluo nutriente e 1,6 L de gua destilada. Aps homogeneizao em
agitador magntico, esta soluo era misturada com 6 L de substrato diludo (glicerol
bruto ou glicerina pura, dependendo do reator) e, nova soluo, eram adicionados
cerca de 22 g de bicarbonato de sdio para correo do pH. Aps nova
homogeneizao, a soluo era bombeada para o interior dos reatores.
36
Na Fase 2, a alimentao continuou sendo preparada da mesma forma que na
Fase 1 quando se tratava dos reatores UASB 1 e 2. J em relao aos reatores UASB 3
e 4, pesava-se 0,40 g de extrato de levedura e este era solubilizado em 800 mL de
soluo nutriente e 1,2 L de gua destilada. Aps homogeneizao em agitador
magntico, esta soluo era misturada com 6 L de glicerol diludo uma concentrao
de 2 mg DQO.L-1e nova soluo, eram adicionados cerca de 22 g de bicarbonato de
sdio para correo do pH. Aps nova homogeneizao, a soluo era bombeada para o
interior dos reatores.
4.5. Monitoramento e operao dos reatores
Ao longo de todo o experimento, foram testados, de maneira geral, diferentes
substratos, cargas orgnicas, TDH, concentraes de DQO inicial e tambm diferentes
temperaturas como resumido na Tabela 4.4.
Tabela 4.4: Condies de monitoramento para cada um dos quatro reatores em todas as fases do estudo.
Fases Parmetros Reatores
UASB1 UASB2 UASB3 UASB4
1
Carga orgnica 1 g DQO.L-1
.d-1
TDH 24 horas
DQO inicial 1000 mg.L-1
Temperatura 35C 35C Ambiente Ambiente
Substrato Glicerol bruto Glicerina pura Glicerol bruto Glicerina pura
2
Carga orgnica 2 g DQO.L-1
.d-1
TDH 12 horas 24 horas
DQO inicial 1000 mg.L-1
2000 mg.L-1
Temperatura Ambiente 35C Ambiente 35C
Substrato Glicerol bruto
4.5.1. Determinao do pH
O pH dos reatores foi medido diariamente usando pHmetro da marca Analion,
modelo PM 608, calibrado ao uso, com exatido de 0,2. Esta medida era realizada
com intuito de verificar a diferena do pH antes e aps o tratamento anaerbio e para
certificar que os valores deste parmetro estavam dentro da faixa considerada ideal (6,8
a 7,2) para uma boa atividade do consrcio microbiano.
37
4.5.2. Determinao da temperatura
Para a verificao da temperatura dos reatores, utilizou-se um termostato em
conjunto com um termmetro de mercrio, graduado de 0C a 110C, que era inserido
diariamente nos reatores.
4.5.3. Monitoramento da vazo
A verificao da vazo foi feita diariamente, 2 vezes por dia, para certificar que
o fluxo da soluo de alimentao estava na velocidade desejada para teste. Para tanto,
o volume de lquido que era bombeado para o interior dos reatores era medido durante 1
minuto e, quando a vazo no se encontrava dentro do intervalo de interesse, a bomba
peristltica era regulada para correo.
4.5.4. Determinao de slidos suspensos volteis (SSV)
A anlise de SSV foi realizada quinzenalmente atravs das orientaes presentes
no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater
(APHA/WER/WEF, 2005), a fim de estimar a concentrao de biomassa e o
crescimento e morte da mesma no interior dos reatores. Para executar esta anlise,
amostras de dentro dos reatores eram coletadas manualmente pelas torneiras localizadas
em diferentes locais dos mesmos. Posteriormente, as amostras eram centrifugadas,
sendo o pellet (frao slida) obtido na centrifugao ressuspendido em gua destilada e
encaminhado para anlise gravimtrica.
4.5.5. Determinao da Demanda Qumica de Oxignio (DQO)
Esta anlise foi realizada trs vezes por semana e tem o objetivo de estimar a
concentrao de matria orgnica presente na fase lquida antes e depois do tratamento
anaerbio, possibilitando estimar a eficincia do tratamento atravs da diferena das
concentraes final e inicial. Para tanto, as amostras foram previamente centrifugadas
3.600 rpm por 20 minutos (Fanem Centrifuga Excelsa II 206 BL) para a remoo de
slidos suspensos.
38
As medidas de DQO foram realizadas de acordo com o mtodo colorimtrico de
refluxo fechado, como descrito no Standard Methods for the Examination of Water and
Wastewater (AWWA/APHA/WEF, 2005).
4.5.6 Determinao dos cidos graxos volteis (AGV)
As anlises dos AGV (frmico-C1, actico-C2, propinico-C3, butrico e
isobutrico-C4 e valrico e isovalrico-C5) foram determinadas pela utilizao de um
cromatgrafo lquido de alta eficincia (CLAE) Shimadzu, com detector DAD, sendo a
anlise realizada no = 210 nm. A separao cromatogrfica foi realizada em coluna de
troca inica Aminex HPX-874 (Bio-Rad), mantida a 55C e utilizou-se como fase
mvel uma soluo de cido sulfrico 0,01 M com fluxo isocrtico de 0,6 mL/min. As
amostras foram previamente centrifugadas 3.600 rpm por 20 minutos (Fanem
Centrifuga Excelsa II 206 BL) e filtradas com filtro de 0,45 m de poro para remoo
de partculas slidas. O volume injetado foi de 10 L. O mtodo foi devidamente
validado segundo Mesquita et al. (2013). As concentraes de AGV foram usadas para
estimar a frao de DQO gerada por compostos intermedirios da digesto anaerbia, de
acordo com a Equao 4.6:
DQOAGV = (0,35.[AF]) + (1,07.[AA]) + (1,50.[AP]) + (1,82.[AB+AIB) + (2,04.[AV+AIV]) (Eq. 4.6)
Sendo:
AF = cido Frmico
AA = cido Actico
AP = cido Propinico
AB+AIB = cido Butrico + cido Isobutrico
AV+AIV = cido Valrico + cido Isovalrico
39
4.5.7. Anlise do biogs e quantificao do metano
O biogs foi coletado em sacos de 6 e 10 L (SUTEL TN, Supelco Analytica) e
analisado semanalmente. Para tanto, foram necessrios trs frascos mbar de 250 mL
para cada saco, uma vez que a anlise foi feita em triplicata. Os frascos foram tampados
com tampas de borracha e hermeticamente lacrados. Em seguida, a purga dos mesmos
foi feita com gs nitrognio e a presso do interior do frasco igualada presso
atmosfrica. Posteriormente, foram retiradas 3 alquotas de 1,5 mL de biogs de cada
saco, e injetou-se cada uma em um frasco mbar para diluio da amostra antes de ser
injetada no cromatgrafo gasoso para evitar saturao do detector.
Aps a diluio da amostra, uma alquota de 1mL era retirada do frasco e
injetada no CG-FID (marca Varian, modelo CP 3380, coluna DB Wax (J8W) 30m x
0.25mm x 0,5 m, hidrognio foi utilizado como gs de arraste, temperatura do detector
igual a 280C, temperatura da coluna e do injetor igual a 50C), dando inicio corrida.
Por fim, foram obtidos valores de reas que foram convertidos em mols de metano
atravs da equao da reta obtida a partir da construo de uma curva padro de gs
metano 99,9998 % (Equao 4.7):
rea = 7x1011
X +1811,6 ; (Eq. 4.7)
Sendo X = nmero de moles de metano.
A converso do nmero de mols de metano em volume de metano foi feita
atravs da Equao 4.8.
PV = nRT (Eq. 4.8)
Sendo:
P = Presso (atm)
V = Volume do gs (L)
n = nmero de moles
R = constante dos gases
T = temperatura (K)
40
Uma vez analisado o metano, o volume total de biogs em cada saco foi medido
atravs do deslocamento de gua contida em uma proveta, sendo o volume de gua
deslocado igual ao volume de biogs contido no saco. Sabendo-se o volume total de
biogs e o volume de metano contido em 1 mL de biogs, por regra de trs foi obtido o
volume total de metano produzido.
4.6. Clculo da energia recuperada em forma de metano
Para a determinao da quantidade de energia equivalente ao metano, utilizou-se
a mdia da massa de DQO removida por dia (gDQO/d) e calculou-se a produo
mxima terica (mol CH4 por dia) considerando que 1 mol de CH4 equivale a 64 g de
DQO. Atravs deste valor e, assumindo que o poder calorfico do metano de 191,5
Kcal/mol, foi possvel calcular a quantidade mxima de energia gerada por dia (Kcal/d).
Dividindo-se este valor pela quantidade de DQO que entra no reator por dia
(DQOafluente/d) obteve-se a quantidade de energia especfica potencialmente gerada
(Kcal/KgDQOafluente).
4.7. Anlise estatstica
A fim de verificar diferenas significativas entre os parmetros analisados em
cada reator durante cada fase operacional, o software BioStat foi utilizado. Atravs do
teste de normalidade de DAgostino-Pearson foi possvel observar qual o tipo de
distribuio dos dados analisados e escolher o teste estatstico mais adequado, conforme
Figura 4.5.
Quando os testes preliminares apontavam uma distribuio normal dos dados,
era feita a anlise de varincia com o teste paramtrico ANOVA. Quando era observada
distribuio anormal, os dados eram submetidos aos testes no paramtricos de Kruskal-
Wallis ANOVA, de Student-Newman e de Mann-Whitney. As comparaes dos dados
foram feitas avaliando-se os valores de p-valor. Quando o p-valor era < 0,05 a hiptese
de igualdade entre as amostras podia ser rejeitada com 95 % de confiana.
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* Ho a hiptese de igualdade (M1 = M2);
** a hiptese de desigualdade (M1 M2) em que os dados se
diferem em pelo menos 1 ponto; ***
a hiptese de desigualdade em que os dados so diferentes entre si.
Figura 4.5: Fluxograma para escolha do teste estatstico adequado.
Dois ou mais blocos de dados
Teste de Normalidade DAgostino-Pearson
Distribuio Normal
(Paramtrica)
Distribuio Anormal
(No-paramtrica)
p > 0,05 p < 0,05
ANOVA Kruskal-Wallis
ANOVA
Aceita Ho*
Rejeita Ho**
Aceita Ho*
Rejeita Ho**
p > 0,05
p 0,05 p > 0,05
p 0,05
Tuckes
Student-Newman
Rejeita Ho***
p 0,05
Rejeita Ho***
p 0,05
5 Resultados e Discusso
43
5. RESULTADOS E DISCUSSO
5.1. Caracterizao fsico-qumica do glicerol bruto:
Sabe-se que a composio fsico-qumica do resduo da produo de biodiesel
varia em funo da natureza dos leos vegetais e gorduras animais que podem ser
utilizados como matria-prima e tambm da rota de transesterificao empregada na
produo de biodiesel (MA; HANNA, 1999; THOMPSON; HE, 2006; VIANA et al.,
2012). As anlises fsico-qumicas s quais o glicerol bruto utilizado neste estudo foi
submetido apontaram a seguinte composio para o mesmo:
Tabela 5.1: Composio fsico-qumica do efluente da produo de biodiesel.
Componente Concentrao (g/L)
Protenas 23,20
Carboidratos 11,40
Lipdeos 612,10
Fsforo 2,02
Cloreto 5,01
Glicerol 634,86
Slidos Totais 828,10
leos e graxas 89,90
DQO 1122,80
DBO5 975,20
De acordo com a Tabela 5.1, observa-se que o glicerol oriundo da produo de
biodiesel possui 1122,80 g DQO/L, valor que se encontra dentro do esperado uma vez
que, segundo Ma et al. (2008); Siles Lpez et al. (2009), Hutnan et al. (2009) e Viana et
al. (2012), a DQO do glicerol bruto varia de 925 e 1600 g/L. Entretanto, Viana et al.
(2012) no recomenda a utilizao direta de substratos com este contedo elevado de
DQO, pois poderia causar sobrecarga orgnica, o que afetaria negativa