-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
1/15
Marcel MaussEnsaios de Sociologiaor. ed. de Minuit, 1968.ed.
Perspctiva, S. Paulo 19991. Sociologia (1901)*
Paul Fauconnet e Marcel Mauss
Palavra criada por Augusto Comte para designar a cincia das
sociedades.Ainda que a palavra seja formada por um radical latino e
uma desinncia grega epor esta razo os puristas, por muito tempo, se
tenham recusado reconhec-la,encontra-se hoje na posse do direito de
cidadania em todas as lnguas europias.Procuraremos determinar
sucessvamente o objeto da sociologia e o mtodo queela emprega. A
seguir indicaremos as principais divises da cincia que se
constituisob este nome.
Notar-se-, sem dificuldade, que nos inspiramos diretamente nas
idiasexpressas por Dttrkheim em suas diferentes obras. Se, alm
disso, as adotamos,no somente porque nos parecem justificadas por
razes tericas, mas tambmporque nos parecem exprimir os princpios
pelos quais as diversas cincias sociais,no curso de seu
desenvolvimento, tendem a tornar-se sempre mais conscientes.1.
OBJETO DA SOCIOLOGIA
Pelo fato de a sociologia ser de origem recente e por estar
apenas saindo doperodo filosfico, ainda acontece contestar-se-lhe a
possibilidade. Todas astradies metafsicas que fazem do homem um ser
parte, fora da natureza, eque vem em seus atos fatos absolutamente
diferentes dos fatos naturais,resistem aos progressos do pensamento
sociolgico. Mas o socilogo no precisajustificar suas pesquisas por
meio de uma argumentao filosfica. A cincia
* Artigo tirado da Grande Encyclopdic, vol. 30, Sociedade Annima
da Grande Enciclopdia, Paris. [Trad. bras,feita a partir das
Oeuvres, Paris, Les Editions de Minuit, 1968-69, v. III, pp.
139-177.] 6 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA 7acidentais e locais
determinadas por causas csmicas, mas tambmacontecimentos normais,
regularmente repetidos, que interessam a todos osmembros do grupo
sem exceo, podem estar totalmente privados do carter defatos
sociais. Por exemplo, todos os indivduos, com exceo dos
doentes,desempenham suas funes orgnicas em condies sensivelmente
idnticas omesmo se passa com as funes psicolgicas: os fenmenos de
sensao, derepresentao, de reao ou de inibio so os mesmos em todos
os membros dogrupo e so submetidos todos s mesmas leis que a
psicologia pesquisa. Masningum sonha em disp-los na categoria dos
fatos sociais apesar de suageneralidade. E que no se referem de
forma alguma natureza do agrupamento,mas derivam da natureza
orgnica e psquica do indivduo. Por isso so os mesmos,seja qual for
o grupo ao qual o indivduo pertence. Se o homem isolado
fosseconcebvel, poder-se-ia dizer que seriam o que so mesmo fora de
toda sociedade.Se, pois, os fatos de que so teatro as sociedades s
se distinguissem entre si porseu grau de generalidade, no haveria
fatos dignos de serem considerados comomanifestaes prprias da vida
social e, por conseguinte, susceptveis deconstiturem o objeto da
sociologia.
No entanto, a existncia de tais fenmenos de tal evidncia que pde
serassinalada por observadores que no pensavam na constituio de uma
sociologia.Observou-se com freqncia que uma multido, uma assemblia
no sentiam, nopensavam e no agiam como teriam feito indivduos
isolados observou-se,outrossim, que os agrupamentos mais diversos,
uma famlia, uma corporao, umanao possuam um esprito, um carter,
hbitos como os indivduos tm os seus.Por conseguinte, em todos os
casos sente-se perfeitamente que o grupo, amultido ou a sociedade
tm verdadeiramente uma natureza prpria, que eledetermina nos
indivduos certas maneiras de sentir, de pensar e de agir, e
queestes indivduos no teriam nem as mesmas tendncias nem os mesmos
hbitosnem os mesmos preconceitos se houvessem vivido no meio de
outros gruposhumanos. Ora, esta concluso pode ser generalizada.
Entre as idias que teria, osatos que realizaria um indivduo
isolado, e as manifestaes coletivas, h talabismo que estas ultimas
devem ser referidas a uma natureza nova, a foras suigeneris: caso
contrrio, permaneceriam incompreensveis.
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
2/15
Tomemos, por exemplo, as manifestaes da vida econmica das
sociedadesmodernas do Ocidente: produo industrial das mercadorias,
diviso extrema dotrabalho, comrcio internacional, associao de
capitais, moeda, crdito, renda,lucro, salrio, etc. Pense-se no
nmero considervel de noes, de instituies, dehbitos que supem os
mais simples atos de um comerciante ou de um operrio queprocura
ganhar sua vida manifesto que nem um nem outro cria as formas que
suaatividade necessariamente assume: nem um nem outro inventa o
crdito, o lucro, osalrio, o intercmbio ou a moeda. Tudo o que se
pode atribuir a cada um deles uma tendncia geral a conseguir os
alimentos necessrios para proteger-se contraas intempries, ou
ainda, se se quiser, o gosto pelo empreendimento, pelo ganho,etc.
Mesmo os sentimentos que parecem totalmente espontneos, como o
amorpelo trabalho, a parcimnia, o luxo, so, na realidade, o produto
da cultura social,visto que no existem entre certos povos e variam
infinitamente no interior de~ma mesma sociedade, de acordo com as
camadas da populao. Ora, por si ss,estas necessidades
determinariam, para serem satisfeitas, um pequeno nmero deatos
muito simples que constrastam, da maneira mais pronunciada, com as
formasmuito complexas nas quais o homem econmico encerra hoje sua
conduta. E no somente a complexidade destas formas que d testemunho
de sua origem extra-individual, mas ainda e sobretudo a maneira
pela qual se impem ao indivduo. Esteest mais ou menos obrigado a se
lhe conformar. s vezes a prpria lei que oobriga, ou o costume to
imperativo como a lei. Assim que, no h muito, oindustrial era
obrigado a fabricar produtos de medida e qualidade determinadas,que
ainda agora est sujeito a todos os tipos de regulamentos, que
ningum poderecusar-se a receber como pagamento a moeda legal pelo
seu valor legal. Outrasvezes a fora das coisas contra a qual o
indivduo se faz em pedaos se procurarinsurgir-se contra elas: o
caso do comerciante que quisesse renunciar ao crdito,do produtor
que quisesse consumir seus prprios produtos, numa palavra, do
tra-balhador que quisesse recriar por si s as regras de sua
atividade econmica, ver-se-iam condenados runa inevitvel.
A linguagem outro fato cujo carter social aparece claramente: a
crianaaprende, pelo uso e pelo estudo, uma lngua cujo vocabulrio e
cuja sintaxe tmuma idade multissecular, cujas origens so
desconhecidas que ela recebe, porconseguinte, totalmente elaborada
e que obrigada a receber e a empregar assim,sem variaes
considerveis. Em vo tentaria criar para seu uso uma lnguaoriginal:
alm de no passar de uma imitao canhestra de algum outro idioma
jexistente, tal lngua no seria instrumento til expresso de seu
pensamentoconden-la-ia ao isolamento e a uma espcie de morte
intelectual. O simples fatode derrogar as regras e os usos
tradicionais j se chocaria, na maioria dos casos,com resistncias de
opinio muito vivas. Pois uma lngua no somente um sistemade palavras
tem um gnio particular, implica uma certa maneira de perceber,
deanalisar e de coordenar. Por
SOCIOLOGIAENSAIOS DE SOCIOLOGIAconseguinte, pela lngua, so as
formas principais de nosso pensamento que acoletividade nos
impe.
Poderia parecer que as relaes matrimoniais e domsticas
sonecessariamente aquilo que so em virtude da natureza humana, e
que basta, paraexplic-las, recordar algumas propriedades muito
gerais, orgncas e psicolgicas,do indivduo humano. Mas, de~ uma
parte, a observao histrica nos ensina que ostipos de casamentos e
de famlias foram e ainda so extremamente numerosos evariados ela
nos revela a complicao, s vezes extraordinria, das formas
docasamento e das relaes domsticas. E, de outra parte, todos ns
sabemos que asrelaes domsticas no so exclusivamente afetivas,
sabemos que entre ns e ospais, que podemos no conhecer, existem
vnculos jurdicos que se constituramsem nosso consentimento, sem
nosso conhecimento sabemos que o casamento no apenas um
acasalamento, que a lei e os usos impem ao homem que esposa
umamulher atos determinados, um processo complicado. E evidente que
nem astendncias orgnicas do homem a acasalar-se e a procriar, nem
mesmo ossentimentos de cime sexual ou de ternura paterna que alis
se lhe emprestariamgratuitamente, podem, em nenhum grau, explicar
nem a complexidade, nemsobretudo o carter obrigatrio dos costumes
matrimoniais e domsticos.
Da mesma forma, os sentimentos religiosos muito generosos que se
costumaatribuir ao homem e mesmo aos animais respeito ou temor a
seres superiores,tormento do infinito s poderiam gerar atos
religiosos muito simples eindeterminados: cada homem, sob o imprio
de suas emoes, representaria a seumodo os seres superiores e
manifestar-lhes-ia seus sentimentos como lheparecesse conveniente
faz-lo. Ora, uma religio to simples, to indeterminada,to individual
jamais existiu. O fiel acredita em dogmas e age segundo
ritosinteiramente complicados, que alm disso lhe so inspirados pela
Igreja, pelogrupo religioso a que pertence em geral, conhece muito
mal estes dogmas e estesritos, e sua vida religiosa consiste
essencial-mente numa participao longnquanas crenas e nos atos de
homens especialmente encarregados de conhecer ascoisas sagradas e
de entrar em contato com elas e estes mesmos homens noinventaram os
dogmas nem os ritos a tradio lhos ensinou e eles velam
sobretudopara preserv-los de toda alterao. Os sentimentos
individuais de nenhum fielexplicam, pois, nem o sistema complexo
das representaes e das prticas queconstitu uma religio, nem a
autoridade pela qual estas maneiras de pensar e deagir se impem a
todos os membros da Igreja.
Desta forma, as prticas segundo as quais se desenvolve a vida
afetiva,intelectual, ativa do indivduo, existem antes dele como
existiro depois dele. Por
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
3/15
ser homem, queele come, pensa, se diverte, etc., mas se
determinado a agir por tendncias queso comuns a todos os homens, as
formas precisas que assume sua atividade emcada momento da histria
dependem de condies totalmente diferentes quevariam de uma
sociedade para outra e mudam com o tempo no seio de uma
mesmasociedade: o conjunto dos hbitos coletivos. Entre estes hbitos
distinguem-sediferentes espcies. Uns exigem a reflexo em conseqncia
de sua prpriaimportncia. Toma-se conscincia deles e so consignados
em frmulas escritas ouorais que exprimem como o grupo tem o costume
de agir, e como exige que seusmembros ajam estas frmulas
imperativas so as regras do direito, as mximasda moral, os
preceitos do ritual, os artigos do dogma, etc. Outros continuam
deforma no expressa e difusos, mais ou menos inconscientes. So as
usanas, oscostumes, as supersties populares que se observam sem
saber que se est obri-gado a isto, nem mesmo em que consistem
exatamente. Mas, em ambos os casos, ofenmeno da mesma natureza.
Trata-se sempre de maneiras de agir ou depensar, consagradas pela
tradio e que a sociedade impe aos indivduos. Esteshbitos coletivos
e as ~~ansformae5 pelas quais passam incessantemente: eis oobjeto
prprio da sociologia.
Alm disso, a partir de agora possvel provar diretamente que
esteshbitos coletivos so as manifestaes da vida do grupo como
grupo. A histriacomparada do direito, das religies, tornou comum a
idia de que certas insti-tuies formam com certas outras um sistema,
de que as primeiras no podemtransformar-se sem que as segundas
tambm se transformem. Por exemplo,sabe-se que existem vnculos entre
o totemismO e a exogamia, entre uma eoutra prtica, entre uma e
outra organizao do cl sabe-se que o sistema dopoder patriarca1 tem
relao com o regime da cidade, etc. De modo geral, oshistoriadores
habituaram-se a mostrar as relaes que vigoram entre asdiferentes
instituies de uma mesma poca, a no isolar uma instituio domeio em
que apareceu. Enfim, -se cada vez mais levado a procurar
naspropriedades de um meio social (volume, densidade, modo de
composio, etc.) aexplicao dos fenmenos sociais que a se produzem:
mostram-se, por exemplo,as ~odificae5 profundas que a aglomerao
urbana acarreta para umacivilizao agrcola, como a forma do habitat
condiciona a organizaodomstica. Ora, se as instituies dependem umas
das outras e dependem todasda constituiO do grupo social, bvio que
exprimem este ltimo. Estainterdependncia dos fenmenos seria
inexplicvel se estes fossem os produtosde vontades particulares e
mais ou menos caprichosas explica-se, ao contrrio,se eles so
produtos de foras impessoais que dominam os prprios indivduos.
1-,
ENSAIOS DE SOCIOLOGIAOutra prova pode ser tirada da observao das
estatsticas. E sabido que as
cifras que exprimem o nmero dos casamentos, dos nascimentos, dos
suicdios, doscrimes numa sociedade, so notavelmente constantes ou
que, se variam, no pordesvios abruptos e irregulares, mas
geralmente com lentido e ordem. Suaconstncia e sua regularidade so
ao menos iguais quelas dos fenmenos que,como a mortalidade,
dependem sobretudo de causas fsicas. Ora, claro que ascausas que
levam tal ou tal indivduo ao casamento ou ao crime so
totalmenteparticulares e acidentais portanto no so estas causas que
podem explicar a taxado casamento ou do crime numa determinada
sociedade. E mister admitir aexistncia de certos estados sociais,
totalmente diferentes dos estadospuramente individuais, que
condicionam a nupcialidade e a criminalidade. No secompreenderia,
por exemplo, que a taxa de suicdio fosse uniformemente maiselevada
nas sociedades protestantes do que nas sociedades catlicas, no
mundocomercial do que no mundo agrcola, se .no se admitisse que uma
tendnciacoletiva ao suicdio se manifesta nos meios protestantes,
nos meios comerciais, emvirtude de sua prpria organizao.
Existem, pois, fenmenos propriamente sociais, distintos daqueles
queestudam as outras cincias que tratam do homem, como a psicologia
so eles queconstituem a matria da sociologia. Mas no basta ter
estabelecido sua existnciapor um certo nmero de exemplos e por
consideraes gerais. Desejar-se-ia aindaconhecer o sinal pelo qual
se pode distingui-los, de modo a no correr o risco nemde deix-los
escapar, nem de confundi-los com os fenmenos que dependem deoutras
cincias. De acordo com o que acabamos de dizer, a natureza social
temcomo caracterstica precisamente o fato de ser adicionada
natureza individualexprime-se por idias ou atos que, mesmo quando
contribumos para produzi-los,nos so de todo impostos a partir de
fora. Trata-se, pois, de descobrir este sinalde exterioridade.
Num grande nmero de casos, o carter obrigatrio que marca as
maneirassociais de agir e de pensar o melhor dos critrios que se
possa desejar.Gravadas no fundo do corao ou expressas por frmulas
legais, espontaneamenteobedecidas ou inspiradas por via da coero,
uma multido de regras jurdicas,religiosas e morais so rigorosamente
obrigatrias. A maior parte dos indivduosobedecem-lhes mesmo aqueles
que as violam sabem que faltam a uma obrigao e,em todo caso, a
sociedade lembra-lhes o carter obrigatrio de sua
ordeminfligindo-lhes uma sano. Sejam quais forem a natureza e a
intensidade dasano, excomunho ou morte, perdas e danos ou priso,
desprezo pblico,censura, simples notao de excentricidade, em graus
diversos e sob formasdiversas, o fenmeno sempre o mesmo: o grupo
protesta contra a violao das
SOCIOLOGIA
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
4/15
regras coletivas do pensamento e da ao. Ora, este protesto s
pode ter umsentido: que as maneiras de pensar e de agir que o grupo
impe so maneirasprprias de pensar e de agir. Se no tolera que sejam
derrogadas, que v nelasas ~~nifestae5 de sua personalidade e que,
derrogando-as, diminui-se e destri-se esta personalidade. E, alm
disso, se as regras do pensamento e da ao notivessem uma origem
social, de onde poderiam vir? Uma regra a qual o indivduo sejulga
sujeito no pode ser obra deste indivduo: pois, toda obrigao implica
umaautoridade superior ao sujeito obrigado, e que lhe inspira o
respeito, elementoessencial do sentimento de obrigao. Se, portanto,
se exclui a jntervenO deseres sobrenaturais, S se poderia
encontrar, fora e acima do indivduo, umanica fonte de obrigao: a
sociedade ou, melhor, a totalidade das sociedades deque membro.
A est, pois, um conjunto de fenmenos sociais facilmente
reconhecveis eque so de primeira importncia. Porque o direito, a
moral, a religio formam umaparte notvel da vida social. Mesmo nas
sociedades inferiores quase no hmanifestaes coletivas que no se
enquadrem numa destas categorias. O homemno tem a, por assim dizer,
nem pensamento nem atividade prprios a palavra, asoperaes
econmicas, a prpria vestimenta assumem freqentemente um
carterreligioso, por conseguinte obrigatrio. Mas, nas sociedades
superore5~ h umgrande nmero de casos em que a presso social no se
faz sentir sob a formaexpressa de obrigao: em matria econmica,
jurdicas e mesmo religiosa, oindivduo parece amplamente autnomo.
Isto no significa que toda coero estejaausente: mostramos atrs os
aspectos sob os quais ela se manifestava na ordemeconmica e
lingstica, e quo longe estava o indivduo de poder agir
livrementenestas matrias. Contudo no existe a obrigao proclamada,
nem sanesdefinidas a inovao, a derrogao no so, em princpio,
prescritas. Portanto mister procurar outro critrio que permita
distinguir estes hbitos cuja naturezaespecial no menos
incontestvel, embora menos imediatamente aparente.
Efetivamente, ela incontestvel porque cada indivduo os encontra
jformados e como que instituidos, uma vez que no o seu autor, que
ele osrecebe de fora so, pois, preestabelecidos. Seja ou no
proibido ao indivduo afastar-se deles, j existem a partir do
momento em que ele se consulta parasaber como deve agir so modelos
de conduta que eles lhe propem. Por issovemo-los por assim dizer,
num dado momento, penetrar nele a partir de fora. Namaior parte dos
casos, por intermdio da educao, quer geral, quer especial,que se
faz esta penetrao. Assim que cada gerao recebe da gerao maisvelha
os preceitos da moral, as regras da polidez usual, sua lngua,
seusgostos fundamentais, da mesma forma como cada trabalhador
recebe de seuspredecessores as regras de sua tcnica profissional. A
educao precisamentea operao pela qual o ser social acrescentado em
cada um de ns ao serindividual, o ser moral ao ser animal o
procedimento graas ao qual a criana rapidamente socializada. Estas
observaes nos fornecem uma caracterstica dofato social muito mais
geral do que a precedente: so sociais todas as maneirasde agir e de
pensar que o indivduo encontra preestabelecidas e cujatransmisso
geralmente se faz por meio da educao.
Seria bom que um termo especial designasse estes fatos especiais
e parece
que a palavra instituies seria o mais apropriado. Com efeito,
que umainstituio se no um conjunto de atos ou de idias que os
indivduos encontramdiante de si e que mais ou menos se lhes impe?
No h razo alguma parareservar exclusivamente, como de ordinrio se
faz, esta expresso s disposiessociais fundamentais. Entendemos,
pois, por esta palavra tanto os usos e os modos,os preconceitos e
as supersties como as constituies polticas ou asorganizaes jurdicas
essenciais porque todos estes fenmenos so da mesmanatureza e s
diferem quanto ao grau. A instituio , em suma, na ordem
socialaquilo que a funo na ordem biolgica:e assim como a cincia da
vida a cincia das funes vitais, da mesma forma acincia da sociedade
a cincia das instituies assim definidas.
Mas, dir-se-, a instituio o passado , por definio, a coisa fixa,
no acoisa viva. Produzem-se novidades a cada instante nas
sociedades, desde asvariaes cotidianas da moda at as grandes
revolues polticas e morais. Mastodas estas mudanas so sempre, em
graus diversos, modificaes de instituiesexistentes. As revolues
jamais consistiram na brusca substituio integral deuma ordem
estabelecida por uma ordem nova nunca so e nem podem ser mais doque
transformaes mais cu menos rpidas, mais ou menos completas. Nada
vem donada: as instituies novas s podem ser feitas com as antigas,
porquanto estasso as nicas que existem. E, por conseguinte, para
que nossa definio abracetodo o definido, basta que no nos atenhamos
a uma frmula estritamenteesttica, que no restrinjamos a sociologia
ao estudo da instituio suposta imvel.Na realidade, a instituio
assim concebida no passa de uma abstrao. Asverdadeiras instituies
vivem, isto , mudam sem cessar: as regras da ao noso nem
compreendidas nem aplicadas da mesma forma a momentos
sucessivos,mesmo quando as frmulas que as exprimem permanecem
literalmente as mesmas.So portanto as instituies vivas, tais como
se formam, funcionam e setransformam em diferentes momentos que
constituem os f enmenospropriamente sociais, objetos da
sociologia.
Os nicos fatos que poderamos considerar, no sem razo, como
sociais eque, entretanto, dificilmente entrariam na definio das
instituies, so aquelesque se produzem nas sociedades sem
instituies. Mas as nicas sociedades seminstituies so agregados
sociais ou bastante instveis e efmeros como as
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
5/15
multides, ou ento em curso de formao. Ora, pode-se dizer que
umas e outrasainda no so sociedades propriamente ditas, mas somente
sociedades em vias deformao, com a diferena que umas esto
destinadas a ir at o fim de seudesenvolvimento, a realizar sua
natureza social, enquanto que as outrasdesaparecem antes de se
constiturem definitivamente. Portanto, encontramo-nosaqui nos
lindes que separam o reino social dos remos inferiores. Os fenmenos
deque se trata no so propriamente sociais mas em vias de se
tornarem sociais. Nodeve, pois, surpreender que no possam entrar
exatamente nos quadros de algumacincia. No h dvida de que a
sociologia no pode desinteressar-se deles, masnao constituem seu
objeto prprio. Alm disso, pela anlise precedente~ de formaalguma
procuramos descobrir uma definio completa e definitiva de todos
osfenmenos sociais. Basta ter mostrado que existem fatos que
merecem serdesignados desta forma e ter indicado alguns sinais
pelos quais se podemreconhecer os mais importantes dentre eles. O
futuro certamente substituirestes critrios por outros menos
defeituosos.Da explicao sociolgica
Assim a sociologia tem um objeto prprio, visto que existem
fatospropriamente sociais resta-nos ver se satisfaz segunda das
condies queindicamos, isto , se h um modo de explicao sociolgico
que no se confundacom algum outro. O primeiro modo de explicao que
foi metodicamente aplicadoa estes fatos aquele que por muito tempo
esteve em uso naquilo que seconvencionou chamar a filosofia da
histria. Com efeito, a filosofia da histriafoi a forma de especulao
sociolgica imediatamente anterior sociologiapropriamente dita. Foi
da filosofia da histria que nasceu a sociologia: Comte osucessor
imediato de Condorcet, e este, mais do que fazer
descobertassociolgicas, construiu uma filosofia da histria. O que
caracteriza a explicaofilosfica que ela supe o homem, a humanidade
em geral predisposta por suanatureza a um desenvolvimento
determinado cuja orientao toda se procuradescobrir por uma
investigao sumria dos fatos histricos. Por princpiO e pormtodo ela
negligencia, pois, o pormenor para ater-se s linhas mais gerais.
No
14 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA 15
procura explicar por que, em tal espcie de sociedades, em tal
poca de seudesenvolvimento, depara com tal ou tal instituio:
procura somente pesquisarem que direo tende a humanidade, assinala
as etapas que julga terem sido ne-cessrias para aproximar-se de tal
objetivo.
E intil demonstrar a insuficincia de tal explicao. No s deixa de
lado,arbitrariamente, a maior parte da realidade histrica, mas como
hoje no maispossvel sustentar que a humanidade segue um caminho
nico e se desenvolve numnico sentido, todos estes sistemas
encontram-se, s por isso, privados defundamento. Mas as explicaes
que ainda hoje se encontram em certas doutrinassociolgicas no
diferem muito das precedentes, salvo talvez na aparncia. Sob
opretexto de que a sociedade s formada por indivduos, procuram na
natureza doindivduo as causas determinantes pelas quais tentam
explicar os fatos sociais. Porexemplo, Spencer e Tarde procedem
desta forma. Spencer consagrou quase todoo primeiro volume de sua
Sociologia ao estudo do homem primitivo fsico, emo-cional e
intelectual pelas propriedades desta natureza primitiva que explica
asinstituies sociais observadas entre os povos mais antigos ou mais
selvagens,instituies que em seguida se transformam no decurso da
histria, de acordo comleis de evoluo muito gerais. Tarde v nas leis
da imitao os princpios supremosda sociologia: os fenmenos sociais
so modos de ao geralmente teis,inventados por certos indivduos e
imitados por todos os outros. Encontra-se omesmo procedimento de
explicao em certas cincias especiais que so oudeveriam ser
sociolgicas. Assim que os economistas clssicos acham, nanatureza
individual do hotno occonomicus, os princpios de uma explicao
su-ficiente de todos os fatos econmicos: como o homem procura
sempre a maiorvantagem a preo do menor esforo, as relaes econmicas
deviam sernecessariamente tais e tais. Da mesma forma, os tericos
do direito naturalbuscam os caracteres jurdicos e morais da
natureza humana, e as instituiesjurdicas so, a seus olhos,
tentativas mais ou menos felizes para satisfazer osrigores desta
natureza aos poucos, o homem toma conscincia de si, e os
direitospositivos so realizaes aproximativas do direito que ele
traz em si.
A insuficincia destas solues aparece claramente desde que se
reconheceuque existem fatos sociais, realidades sociais, isto ,
desde que se distinguiu oobjeto prprio da sociologia. Se, de fato,
os fenmenos sociais so as mani-festaes da vida dos grupos como
grupos, so demasiadamente complexos paraque consideraes relativas
natureza humana em geral possam explic-los.Tomemos, mais uma vez,
como exemplo as instituies do casamento e da famlia.As relaes
sexuais esto sujeitas a regras muitocomplicadas: a organizao
familial, muito estvel numa mesma sociedade, variamuito de uma
sociedade para outra alm disso, est estritamente ligada organizao
poltica, organizao econmica que tambm apresentam
diferenascaractersticas nas diversas sociedades. Se nisto consistem
os fenmenos sociaisque se trata de explicar, problemas precisos se
colocam: como se formaram osdiferentes sistemas matrimoniais e
domsticos? E possvel uni-los entre si, dis-tinguir formas
posteriores e formas anteriores, apresentandose as primeirascomo o
produto da transformao das segundas? Se isto possvel, como
explicarestas transformaes, quais so suas condies? De que modo as
formaes daorganizao familial afetam as organizaes polticas e
econmicas? De outro lado,
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
6/15
tal regime domsfico, uma vez constitudo, como funciona? A estas
perguntas, ossocilogos que pedem unicamente psicologia individual o
princpio de suasexplicaes no podem fornecer respostas.
Efetivamente, no podem explicarestas instituies to mltiplas, to
variadas, a no ser unindo-as a algunselementos muito gerais da
constituio orgnico-psquica do indivduo: instintosexual, tendncia a
posse exclusiva e ciumenta de uma s mulher, amor maternal
epaternal, horror ao comrcio sexual entre consangneos, etc. Mas
semelhantesexplicaes so, de sada, suspeitas do ponto de vista
puramente filosfico:consistem simplesmente em atribuir ao homem os
sentimentos que sua condutamanifesta, ao passo que so precisamente
estes sentimentos que deveriam serexplicados o que se reduz, em
suma, a explicar os fenmenos pelas virtudesocultas das substncias,
a chama pelo flogisto e a queda dos corpos por suagravidade. Alm
disso, no determinam entre os fenmenos nenhuma relaoprecisa de
coexistncia ou de sucesso, mas os isolam arbitrariamente e
osapresentam fora do tempo e do espao, separados de todo meio
definido. Mesmoque se considerasse como uma exphcaao da mono-gamia
a afirmao de que esteregime matrimonial satisfaz melhor que outro
os instintos humanos ou conciliamelhor que outro a liberdade e a
dignidade dos dois esposos, seria aindanecessrio investigar por que
este regime aparece em determinadas sociedades eno em outras, em um
certo momento e no em outro do desenvolvimento de umasociedade. Em
terceiro lugar, as propriedades essenciais da natureza humana soas
mesmas em toda parte, com matizes e graus quase idnticos. Como
poderiamexplicar as formas to variadas que cada instituio assumiu
sucessivamente? Oamor paternal e maternal, os sentimentos de afeio
filial so sensivelmenteidnticos entre os primitivos e entre os
civilizados entretanto, que diferenaentre a organizao primitiva da
famlia e seu estado atual, e, entre estes ex-tremos, que mudanas se
produziram! Enfim, as tendncias
17 16 ENSAIOS DE SOCIOLOGIAindeterminadas do homem no poderiam
explicar formas to precisas e tocompletas sob as quais se
apresentam sempre as realidades histricas. O egosmoque pode impelir
o homem a apropriar-se das coisas teis no a fonte destasregras to
complicadas que, em cada poca da histria, constituem o direito
depropriedade, regras relativas posse e ao usufruto, aos mveis e
aos imveis, sservides, etc. E no entanto o direito de propriedade
in abstracto no existe. Oque existe o direito de propriedade tal
como ou foi organizado, na Franacontempornea ou em Roma antiga, com
a multido dos princpios que odeterminam. A sociologia assim
entendida s pode, pois, desta maneira, alcanar oslineamentos
inteiramente gerais, quase inapreensveis por fora da
indeterminaodas instituies. Se adotarmos tais princpios, deveremos
confessar que a maiorparte da realidade social, todo o pormenor das
instituies, permanece inexplicadoe inexplicvel. Unicamente os
fenmenos que a natureza humana em geraldetermina, sempre idnticos
em seu fundo, seriam naturais e inteligveis todos ostraos
particulares que do s instituies, de acordo com os tempos e os
lugares,seus caracteres prprios, tudo aquilo que distingue as
individualidades sociais, considerado como artificial e acidental
v-se, nisto, quer os resultados deinvenes fortuitas, quer os
produtos da atividade individual dos legisladores, doshomens
poderosos que dirigem voluntariamente as sociedades para
objetivosentrevistos por eles. E somos assim levados a pr fora da
cincia, comoininteligveis, todas as instituies muito determinadas,
isto , os prprios fatossociais, os objetos prprios da cincia
sociolgica. Isto significa aniquilar, com oobjeto definido de uma
cincia social, a prpria cincia social, e contentar-se empedir
filosofia e psicologia algumas indicaes muito gerais sobre os
destinosdo homem que vive em sociedade.
A estas explicaes que se caracterizam por sua extrema
generalidadeopem-se aquelas que poderiam ser chamadas as explicaes
propriamentehistricas: isto no significa que a histria no tenha
conhecido outras, masaquelas de que vamos falar aparecem
exclusivamente nos historiadores. Obrigadopelas prprias condies de
seu trabalho a apegar-se exclusivamente a umasociedade e a uma poca
determinadas, familiar ao esprito, lngua, aos traos decaracteres
particulares desta sociedade e desta poca, o historiador
temnaturalmente a tendncia a ver nos fatos somente aquilo que bs
distingue entre si,aquilo que lhes d uma fisionomia prpria em cada
caso isolado, numa palavra,aquilo que os torna incomparveis.
Procurando descobrir a mentalidade dos povoscuja histria estuda,
propenso a acusar de incompreenso, de incompetncia,todos aqueles
que no viveram, como ele, na intimidade destes povos. Por
conse-guinte, levado a desconfiar de toda comparao, de toda
SOCIOLOGIAgeneralizao. Quando estuda uma instituio, so seus
caracteres maisindividuais que lhe despertam a ateno, aqueles
devidos s circunstnciasparticulares nas quais ela se constituiu ou
modificou, e ela parece-lhe como queinseparvel destas
circunstncias. Por exemplo, a famlia patriarcal ser uma
coisaessencialmente romana, o feudalismo, uma ~stituiO prpria de
nossassociedades medievais, etc. Deste ponto de vista, as
instituies s podem serconsideradas combinaes acidentais e locais
que dependem de condiesigualmente acidentais e locais. Ao passo que
os filsofos e os psiclogos nospropunham teorias pretensamente
vlidas para toda a ~humanidade, as nicasexphcaoes que os his
toriadores julgam possveis s se aplicariam a umasociedade
determinada, considerada em certo momento preciso de sua evoluo.No
admitem que haja causas gerais atuantes em toda parte e cuja
pesquisa podeser utilmente empreendida assumem a tarefa de
concatenar acontecimentos
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
7/15
particulares com acontecimentos particulares. Na realidade,
supem nos fatosuma infinita diversidade assim como uma infinita
contingncia.A este mtodo estritamente histrico de explicao dos
fatos sociais, misterprimeiramente opor os ensinamentos devidos ao
mtodo comparativo: desde logoa histria comparada das religies, dos
direitos e dos costumes revelou aexistncia de instituies
incontestavelmente idnticas entre os mais diferentespovos
inconcebvel que se possa assinalar como causa destas concordncias
aimitao de uma sociedade pelas outras, e no entanto impossvel
consider-lascomo fortuitas: instituies semelhantes no podem
evidentemente ter emdeterminado agrupamentO selvagem causas locais
e acidentais, e em determinadasociedade civilizada outras causas
igualmente locais e acidentais. De outro lado,as instituies de que
se trata no so apenas prticas muito gerais que teriamsido, como se
poderia pretender, inventadas naturalmente por homens
emcircunstncias idnficas no se trata apenas de mitos importantes
como aqueledo dilvio, de ritos como aquele do sacrifcio, de
organizaes domsticas como afamlia maternal, de prticas jurdicas
como a vingana do sangue existemtambm lendas muito complexas,
supersties, usos totalmente particulares1prticas to estranhas como
as da incubao ou do levirato. Desde que seconstataram estas
semelhanas, tornou-se inadmissvel explicar os fenmenoscomparveis
por causas particulares de uma sociedade e de uma poca espritose
recusa a considerar como fortuitas a regularidade e a
semelhana.
E verdade que a histria, se no mostra por que razoes existem
instituies
anlogas nestas civilizaes aparentes, pretende s vezes explicar
os fatosconcatenando-os cronologicamente entre si, descrevendo
detalhadamente aseircuns1Y
18 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
tncias nas quais se produziu um acontecimento histrico. Mas
estas relaes depura sucesso nada tm de necessrio nem de inteligvel.
Pois de formatotalmente arbitrria, de modo algum metdica, e por
conseguintecompletamente irracional, que os historiadores atribuem
um acontecimento aoutro acontecimento que denominam sua causa. Com
efeito, os processosindutivos s so aplicveis l onde uma comparao
fcil. A partir do momentoem que pretendem explicar um fato nico por
outro fato nico, a partir domomento em que no admitem que haja
entre os fatos vnculos necessrios econstantes, os historiadores s
podem perceber as causas por uma intuioimediata, operao que escapa
a toda regulamentao assim como a todo ocontrole. Segue-se da que a
explicao histrica, incapaz de fazer compreenderas semelhanas
observadas, tambm incapaz de explicar um acontecimentoparticular s
oferece inteligncia fenmenos ininteligveis porque soconcebidos como
singulares, acidentais e arbitrariamente concatenados.
Totalmente outra a explicao propriamente sociolgica, tal como
deve ser
concebida se aceitarmos a definio que propusemos do fenmeno
social.Primeiramente no d apenas como tarefa alcanar os fenmenos
mais gerais davida social. Entre os fatos sociais no h lugar para
distines entre aqueles queso mais ou menos gerais. O mais geral to
natural quanto o mais particular,ambos so igualmente explicveis.
Por isso, todos os fatos que apresentam oscaracteres indicados como
sendo os do fato social podem e devem ser objetos depesquisas.
Existem fatos que o socilogo no pode atualmente integrar
numsistema, mas no h fatos que ele tenha o direito de pr, a priori,
fora da cincia eda explicao. A sociologia assim entendida no ,
pois, uma viso geral e longnquada realidade coletiva, mas uma
anlise mais profunda desta realidade e quantopossvel completa.
Obriga-se ao estudo do pormenor com uma preocupao deexatido to
grande como aquela do historiador. No h fato, por mais
insig-nificante que seja, que ela possa negligenciar como despido
de interessecientfico. E desde j podem-se citar fatos que pareciam
de mnima importncia eque so no entanto sintomticos de estados
sociais essenciais que podem ajudar acompreender. Por exemplo, a
ordem sucessorial est em ntima relao com aconstituio da famlia e,
no somente no um fato acidental que a partilha sejafeita por
estirpes ou por cabeas, mas ainda estas duas formas de
partilhacorrespondem a tipos de famlia muito diferentes. Do mesmo
modo, o regimepenitencirio de uma sociedade extremamente
interessante para quem querestudar o estado da opinio referente
pena nesta sociedade.
De outro lado, enquanto os historiadores descrevem os fatos sem
explic-los,a bem dizer a sociologia assume
SOCIOLOGIAa tarefa de dar-lhes uma explicao satisfatria para a
razo. Procura encontrarentre os fatos no relaes de simples sucesso,
mas relaes inteligveis. Quermostrar como os fatos sociais se
produziram e quais as foras de que resultam.Deve, pois, explicar
fatos definidos por suas causas determinantes, prximas eimediatas,
capazes de produzidos. Por conseguinte1 no se contenta, como
fazemcertos soeilogos, com indicar causas muito gerais e muito
remotas, em todo casoinsuficientes e sem relao direta com os fatos.
Visto que os fatos sociais soespecficos, s podem ser explicados por
causas da mesma natureza que eles. Por-tanto, a explicao sociolgica
procede partindo de um fenmeno social para outro.
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
8/15
S estabelece relao entre fenmenos sociais. Assim mostrar-nos-
como asinstituies se geram umas s outras por exemplo, como o culto
dos antepassadosse desenvolveu sobie o fundo dos ritos funerrios.
Outras vezes, perceberverdadeiras coalescncias de fenmenos sociais:
por exemplo, a noo todifundida do sacrifcio do Deus explicada por
uma espcie de fuso que seoperou entre certos ritos sacrificais e
certas noes mticas. s vezes so fatosde estrutura social que se
concatenam entre si por exemplo, pode-se relacionar aformao das
cidades aos movimentos migratrios mais ou menos vastos de aldeiasa
cidades, de distritos rurais a distritos industriais, aos
movimentos decolonizao, ao estado das comunicaes, etc. Ou ento pela
estrutura das so-ciedades de um tipo determinado que se explicam
certas instituiesdeterminadas, por exemplo a disposio em cidades
produz certas formas dapropriedade do culto, etc.
Mas como os fatos sociais se produzem assim uns aos outros?
Quandodizemos que instrtuioes produzem instituies por via de
desenvolvimento, decoalescncia, etc., no significa que as
concebemos como tipos de realidadesautnomas capazes de ter por si
mesmas uma eficcia misteriosa de um gneroparticular. Da mesma
forma, quando referimos forma dos grupos tal ou talprtica social,
no significa que consideramos como possvel que a repartiogeogrfca
dos indivduos afete a vida social diretamente e sem intermedirio.As
instituies s existem nas representaes que a sociedade faz delas.
Todasua fora viva lhes vem dos sentimentos de que so objeto se so
fortes erespeitadas, porque estes sentimentos so vivazes se cedem,
porqueperderam toda a autoridade junto s conscincias. Do mesmo
modo, se asmudanas da estrutura social agem sobre as ~nstituioe5, e
porque elasmodificam o estado das idias e das tendncias de que so
objeto por exemplo,se a formao da cidade acentua fortemente o
regime da famlia patriarca1, porque este complexo de idias e de
sentimentos que constitui a vida da famliamuda necessariamente
medida que a cidade
20 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA21
SOCIOLOGIAse fecha. Para empregar a linguagem corrente,
poder-se-ia dizer que toda a forados fatos sociais lhes advm da
opinio. E a opinio que dita as regras morais eque, direta ou
indiretamente, as sanciona. E pode-se mesmo dizer que todamudana
nas instituies , no fundo, uma mudana na opinio: porque
ossentimentos coletivos de compaixo para com o criminoso entram em
luta com ossentimentos coletivos que reclamam a pena que o regime
penal se amenizaprogressivamente~ Tudo se passa na esfera da opinio
pblica mas esta propriamente aquilo que chamamos o sistema das
representaes coletivas. Osfatos sociais so, pois, causas porque so
representaes ou atuam sobre asrepresentaes. O fundo ntimo da vida
social um conjunto de representaes.
Neste sentido, portanto, poder-se-ia dizer que a sociologia uma
psicologia.Aceitaramos esta frmula, mas com a condio expressa de
acrescentar que estapsicologia espeeificamente distinta da
psicologia individual. Efetivamente, asrepresentaes de que trata a
primeira so de natureza totalmente diversadaquelas de que trata a
segunda. E o que se deduz daquilo que dissemos apropsito dos
caracteres do fenmeno social, porque evidente que fatos quepossuem
propriedades to diferentes no podem ser da mesma espcie. 1-J,
nasconscincias, representaes coletivas que so distintas das
representaesindividuais. Sem dvida, as sociedades s so constitudas
de indivduos e, porconseguinte, as representaes coletivas s so
devidas maneira pela qual asconscincias individuais podem agir e
reagir umas sobre as outras no seio de umgrupo constituido. Mas
estas aoes e estas reaes produzem fenmenos psquicosde um gnero novo
que so capazes de evoluir por si mesmos, de se modificarmutuamente
e cujo conjunto forma um sistema definido. No somente as
re-presentaes coletivas so feitas de outros elementos que no as
representaesindividuais, mas ainda tm na realidade outro objeto.
Aquilo que exprimem,efetivamente, o prprio estado da sociedade.
Enquanto os fatos de conscinciado indivduo exprimem sempre de
maneira mais ou menos remota um estado doorganismo, as representaes
coletivas exprimem sempre, em certo grau, umestado de grupo social:
traduzem (ou, para empregar a lngua filosfica,simbolizam) sua
estrutura atual, a maneira pela qual reage diante de tal ou
talacontecimento, o sentimento que tem de si mesmo ou de seus
prprios interesses.A vida psquica da sociedade , pois, feita de
matria totalmente diversa daquelado indivduo.
Isto no significa, todavia, que haja entre elas uma soluo de
continuidade.Sem dvida, as conscincias de que formada a sociedade
esto a combinadassob formas novas de onde resultam as realidades
novas. No menosverdade que se pode passar dos fatos de conscincia
individual s representaescoletivas por uma srie contnua de
transies. Percebe-se facilmente alguns dosintermedirios: do
individual passa-se insensivelmente sociedade, por exemploquando
seriamos os fatos de imitao epidmica, de movimentos de multides,
dealucinao coletiva, etc. Inversamente, o social torna-se
individual. S existe nasconscincias individuais, mas cada
conscincia no tem mais do que uma parceladeste social. E mesmo esta
impresso das coisas sociais alterada pelo estadoparticular da
conscincia que as recebe. Cada qual fala a seu modo sua
lnguamaterna, cada autor acaba por constituir sua prpria sintaxe,
seu lxico preferido.Da mesma forma, cada indivduo faz sua moral,
tem sua moralidade individual. Deigual modo, cada um reza e adora
de acordo com seus pendores. Mas estes fatosno so explicveis se
apelarmos, para compreend-los, exclusivamente para os
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
9/15
fenmenos individuais ao contrrio, so explicveis se partirmos dos
fatos sociais.Tomemos, para nossa demonstrao, um caso preciso de
religio individual, o dototemismo individual. Em primeiro lugar, de
certo ponto de vista, estes fatospermanecem ainda sociais e
constituem instituies: um artigo de f em certastribos que cada
indivduo tem seu prprio totem da mesma forma, em Roma, cadacidado
tem seu genius, no catolicismo cada fiel tem um santo como patrono.
Mash mais: estes fenmenos provm simplesmente do fato de que uma
instituiosocialista * se refratou e desfigurou nas conscincias
particulares. Se, alm de seutotem de cl, cada guerreiro possui seu
totem individual, se um se julga parentedos lagartos, ao passo que
outro se sente associado aos corvos, porque cadaindivduo constituiu
seu prprio totem imagem do totem do cl.
V-se agora o que entendemos com a expresso representaes
coletivas eem que sentido podemos dizer que os fenmenos sociais
podem ser fenmenosde conscincia, sem ser por isso fenmenos da
conscincia individual. Vimostambm que gneros de relaes existem
entre os fenmenos sociais. Estamosagora em condies de precisar mais
a frmula que demos acima da explicaosocolgica, quando dissemos que
ela ia de um fenmeno social a outro fenmenosocial. Pudemos
entrever, pelo que precede, que existem duas grandes ordens
defenmenos sociais: os fatos de estrutura social, isto , as formas
do grupo, amaneira pela qual os elementos so a dispostos e as
representaes coletivasnas quais so dadas as instituies. Isto posto.
pode-se dizer que todaexplicao sociolgica entra num dos trs quadros
seguintes: 1.0 ou ela une umarepresentao coletiva a uma representao
coletiva, por exemplo a com
* Socialiste, em francs, mas o adjetivo aqui empregado sem
qualquer conotao ideolgica. (N. da E.)
LiSOCIOLOGIA
ENSAIOS DE SOCIOLOGIAposio penal vingana privada 2.0 ou une uma
representao coletiva a um fatode estrutura social como sua causa
assim, v-se na formao das cidades a causada formao de um direito
urbano, origem de boa parte de nosso sistema dapropriedade 3? ou
une fatos de estrutura social a representaes coletivas queas
determinaram: assim, certas noes mticas dominaram os
movimentosmigratrios dos hebreus, dos rabes do Isl o fascnio que
exercem as grandescidades uma causa da emigrao dos campnios. Pode
parecer, verdade, que tais explicaes giram num crculo, visto que
asformas do grupo so a representadas, ora como efeitos, ora como
causas dasrepresentaes coletivas. Mas este crculo, que real, no
implica nenhumapetio de princpios: o das prprias coisas. Nada to
intil como perguntar seforam as idias que suscitaram as sociedades
ou se foram as sociedades que, umavez formadas, deram origem s
idias coletivas. Trata-se de fenmenosinseparveis, entre os quais no
cabe se estabelecer uma primazia lgica oucronolgiea.
Portanto, a explicao sociolgica assim entendida no merece, em
graualgum, a censura de materialista que s vezes lhe foi assacada.
Em primeiro lugar,ela independe de toda metafsica, materialista ou
no. Ademais, na realidade,atribui uma funo preponderante ao
elemento psquico da vida social, crenas esentimentos coletivos.
Mas, de outro lado, escapa aos defeitos da ideologia. Poisas
representaes coletivas no devem ser concebidas como se se
desenvolvessempor si mesmas, em virtude de uma espcie de dialtica
interna que as obrigaria adepurarem-se sempre mais, a se
aproximarem de um ideal de razo. Se a famlia, odireito penal
mudaram, no foi em conseqncia dos processos racionais de
umpensamento que, aos poucos, retificaria espontaneamente seus
erros primitivos.As opinies, os sentimentos da coletividade s mudam
se os estados sociais de quedependem tambm mudaram. Assim, no
explicar uma transformao socialqualquer, por exemplo a passagem do
politesmo ao monotesmo, fazer ver que elaconstitui um progresso,
que mais verdadeira ou mais moral, porque a questo precisamente
saber o que determinou a religio a tornar-se assim mais
verdadeiraou mais moral, isto , na realidade, a tornar-se aquilo
que se tornou. Os fenmenossociais no so mais automotores do que os
outros fenmenos da natureza. Acausa de um fato social deve sempre
ser procurada fora deste fato. Isto significaque o socilogo no tem
como objeto encontrar no sabemos que lei de progresso,de evoluo
geral que dominaria o passado e predeterminaria o futuro. No h
umalei nica, universal, dos fenmenos sociais. H uma multido de leis
de inegvelgeneralidade. Explicar, em sociologia, como em toda
cincia, , pois, descobrir leismaisou menos fragmentria5~ isto ,
ligar fatos definidos segundo ~elae5 definidas.2. MIITODO DA
SOCIOLOGIA
Os ensaios sobre o mtodo da sociologia abundam na literatura
sociolgica.Em geral, encontram-se mesclados com todos os tipos de
consideraes filosficassobre a sociedade, o Estado, etc. As
primeiras obras onde o mtodo da sociologiafoi estudado de maneira
apropriada so as de Comte e de Stuart Mill. Mas,qualquer que seja
sua importncia~ as observaes metodologicas destes doisfilsofos
ainda conservavam, como a cincia que pretendiam fundar, uma
extremageneralidade. Recentemente, Durkheim procurou definir mais
exatamente amaneira pela qual a sociologia deve proceder no estudo
dos fatos particulares.
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
10/15
Sem dvida, no se trata de formular completa e definitivamente as
regrasdo mtodo sociolgico. Porque um mtodo s se distingue
abstratamente daprpria cincia. Ele no se articula e no se organiza
a nao ser a medida dosprogressos desta cincia. Propomo-n05 somente
analisar um certo nmero deprocessos cientficos j sancionados pelo
uso.Definio
Como toda cincia, a sociologia deve comear o estudo de cada
problema poruma definio. Antes de tudo, mister indicar e delimitar
o campo da pesquisa afim de saber de que se fala. Estas definies so
prvias, e, por isso, provisrias.No podem nem devem exprimir a
essncia dos fenmenos a estudar, massimplesmente design-los clara e
distintamente. Todavia, por mais exteriores queelas sejam, nem por
isso so menos mdtspensaveis. Na falta de definies, todacincia se
expe a confuses e a erros. Sem elas, no transcurso de um
mesmotrabalho, um socilogo dar diferentes sentidos a um mesmo
termo. Agindo destaforma cometer graves equvocos: assim, no que se
refere teoria da famlia,muitos autores empregam indiferentemente os
termos tribo, aldeia, cl, paradesignar uma s e mesma coisa. Alm
disso, sem definioes e impossivel haverentendimento entre
cientistas que discutem sem falar todos do mesmo assunto.Boa parte
dos debates levantados pela teoria da famlia e do casamento provm
daausncia de definies: assim, uns chamam monogamia aquilo que
outros nodesignam com o mesmo nome uns confundem o regime jurdico
que a monogamiaexige com a simples monogamia de fato outros, ao
contrrio, distinguem estasduas ordens de fatos, na realidade muito
diferentes. 24 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
25SOCIOLOGIA
Naturalmente, definies deste gnero so construdas. Rene-se e
designa-
se nelas um conjunto de fatos cuja similaridade fundamental se
prev. Mas noso construdas a priori so o resumo de um primeiro
trabalho, de uma primeiraviso rpida dos fatos, cujas qualidades
comuns se distinguem. Elas tm sobretudocomo objeto substituir as
noes do senso comum por uma primeira noo cien-tfica. E que, na
verdade, preciso, antes de tudo, desembaraar-se dospreconceitos
correntes, mais perigosos em sociologia do que em qualquer
outracincia. No se deve estabelecer sem exame, como definio
cientfica, umaclassificao usual. Muitas idias ainda em uso em
muitas cincias sociais noparecem baseadas nem na razo nem nos fatos
e devem ser banidas de umaterminologia racional por exemplo, a noo
de paganismo e mesmo aquela defeitieismo no correspondem a nada de
real. Outras vezes, uma pesquisa sria levaa reunir aquilo que o
vulgo separa, ou a distinguir aquilo que o vulgo confunde.
Porexemplo, a cincia das religies reuniu num mesmo gnero os tabus
de impureza eos de pureza, porque todos so tabus ao contrrio,
distinguiu cuidadosamente osritos funerrios e o culto dos
antepassados.
Estas definies sero tanto mais exatas e mais positivas se
nosesforarmos mais por distinguir as coisas por seus caracteres
objetivos. Chamam-se caracteres objetivos os caracteres que tal ou
tal fenmeno social tem em simesmo, isto , aqueles que no dependem
de nossos sentimentos e de nossasopinies pessoais. Assim, no por
nossa idia mais ou menos lgica do sacrifcioque devemos definir este
rito, mas pelos caracteres exteriores que apresenta,como fato
social e religioso, exterior a ns, independente de ns. Concebida
destemodo, a definio torna-se um momento importante da pesquisa.
Estes caracterespelos quais se define o fenmeno social a estudar,
ainda que exteriores, naocorrespondem menos aos caracteres
essenciais que a anlise discernir. Por isso,definies felizes podem
nos pr no caminho de importantes descobertas. Quandose define o
crime como um ato atentatrio aos direitos dos indivduos, os
nicoscrimes so os atos atualmente tidos como tais: o homicdio, o
roubo, etc. Quando ocrime definido como um ato que provoca uma reao
organizada da coletividade,-se levado a compreender na definio
todas as formas verdadeiramenteprimitivas do crime, em particular a
violao das regras religiosas, do tabu, porexemplo.
Enfim, estas definies prvias constituem uma garantia cientfica
deprimeira ordem. Urna vez estabelecidas, obrigam e ligam o
socilogo. Elas iluminamtodos os seus passos, permitem a crtica e a
discusso eficaz. Porque, graas aelas, todo um conjunto de fatos bem
designados se impeao estudo, e a explicao deve levar em considerao
todos eles. Afastam-seassim todas estas argumentaes caprichosas em
que o autor passa, a seu bel-prazer, de um assunto a outro, toma
suas provas s mais heterogneas categorias.Ademais, evita-se uma
falha que cometem ainda os melhores trabalhos desociologia, por
exemplo o de Frazer sobre o totemismo. Esta falha a de haverreunido
unicamente os fatos favorveis tese e em no ter pesquisado
suficiente-mente os fatos contrrios. Em geral, no h suficiente
preocupao com aintegrao de todos os fatos numa teoria s so reunidos
aqueles que sesobrepem exatamente. Ora, com boas definies iniciais,
todos os fatos sociaisde uma mesma ordem se apresentam e se impem
ao observador, e fica-se naobrigao de explicar no apenas as
concordncias, mas tambm as diferenas.Observao dos Jatos
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
11/15
Como vimos, a definio supe uma primeira viso geral dos fatos,
uma
espcie de observao provisria. E preciso falar agora da observao
metdica,isto , daquela que estabelece cada um dos fatos enunciados.
A observao dosfatos sociais no , como se poderia crer primeira
vista, um puro processonarrativo. A sociologia deve fazer mais do
que descrever os fatos, deve, narealidade, constitu-los. Em
primeiro lugar, como em qualquer outra cincia, emsociologia no
existem fatos brutos passveis, por assim dizer, de
seremfotografados. Toda observao cientfica refere-se a fenmenos
metodicamenteescolhidos e isolados dos outros, isto , abstrados. Os
fenmenos sociais, mais doque todos os outros, no podem ser
estudados de uma vez em todos os seusdetalhes, em todas as suas
relaes. So demasiado complexos para que no seproceda por abstraes e
por divises sucessivas das dificuldades. Mas aobservao sociolgica,
se abstrai os fatos, no menos escrupulosa e cuidadosaem
estabelec-los exatamente. Ora, os fatos sociais so muito difceis de
seremcaptados e desenvedados atravs dos documentos. E ainda mais
delicado analis-los, e, em alguns casos, de dar-lhes mensuraoes
aproximativas. So, pois,necessrios processos especiais e rigorosos
de observao so necessrios, parausar a linguagem habitual, mtodos
crticos. O emprego destes mtodos varianaturalmente com os fatos
variados que a soemlogia observa. Assim que existemmeios diferentes
para analisar um rito religioso e para descrever a formao deuma
cidade. Mas o esprito, o mtodo do trabalho permanecem idnticos, e s
possvel classificar os mtodos crticos de acordo com a natureza dos
documentosaos quais se aplicam: existem os documentos estatsticos,
quase todos modernos,recentes, e os documentos histricos. Os nume
26 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
27rosos problemas levantados pela utilizao destes documentos so
bastantediferentes, ao mesmo tempo que bastante anlogos.
Em todo trabalho que se apia em documentos estatsticos
importante,indispensvel, expor cuidadosamente a maneira pela qual
se chegou aos dados deque se lana mo. Porque, no estado atual das
diversas estatsticas judicirias,econmicas, demogrficas, etc., cada
documento exige a mais severa crtica.Consideremos, com efeito, os
documentos oficiais, que, em geral, oferecem maisgarantias. Estes
mesmos documentos devem ser examinados em todos os seusdetalhes, e
mister conhecer bem os princpios que presidiram sua confeco.Sem
minuciosas precaues, corre-se o risco de chegar a dados falsos:
assim, impossvel usar as informaes estatsticas sobre o suicdio da
Inglaterra, porque,neste pas, para evitar os rigores da lei, a
maior parte dos suicdios so declaradossob o nome de morte em
conseqncia de loucura a estatstica , assim, viciadaem seu
fundamento. Ademais, mister ter o cuidado de reduzir a
fatoscomparveis os dados de origens diversas de que se dispe. Por
no haveremprocedido desta maneira, muitos trabalhos de sociologia
moral, por exemplo,contm graves erros. Compararam-se nmeros que no
tm de modo algum amesma significao nas diversas estatsticas
europias. Com efeito, asestatsticas so baseadas nos cdigos, e os
diversos cdigos no tm nem a mesmaclassificao nem a mesma
nomenclatura por exemplo, a lei inglesa no distingue ohomicdio por
imprudncia do homicdio voluntrio. Alm disso, como todaobservao
cientfica, a observao estatstica deve procurar ser a mais exata e
amais detalhada possvel. Efetivamente, com freqncia o carter dos
fatos mudaquando uma observao geral substituda por uma anlise cada
vez mais precisaassim um mapa, por distritos, do suicdio em Frana,
leva a observar fenmenosdiferentes daqueles que aparecem num mapa
por departamentos.
No que se refere aos documentos histricos ou etnolgicos, a
sociologia deveadotar, grosso modo, os processos da crtica
histrica. No pode servir-se defatos inventados e, por conseguinte,
deve estabelecer a verdade das informaesde que se serve. Estes
processos de crtica so de um emprego tanto maisnecessrio quanto os
socilogos foram censurados com freqncia, e no semrazo, por sua
negligncia em empreg-los utilizaram-se, por exemplo, sem
muitodiscernimento, as informaes dos viajantes e dos etngrafos. O
conhecimentodas fontes, uma crtica severa teriam permitido aos
socilogos dar uma baseincontestvel s suas teorias referentes s
formas elementares da vida social.Alis, pode-se esperar que os
progressos da histria e da etnografia facilitarosempre mais o
trabalho, fornecendo informaes incontestveis. A sociologia spode
espeSOCIOLOGIArar vantagens dos processos destas duas disciplinas.
Mas, ainda que o socilogotenha as mesmas exigncias crticas do
historiador, deve conduzir sua crticasegundo princpios diferentes,
visto que estuda os fatos num outro esprito, emvista de outro
objetivo. Primeiramente, s observa, na medida do possvel, osfatos
sociais, os fatos profundos e sabe-se quo recentes so
preocupaesdeste gnero nas cincias histricas, onde h falta, por
exemplo, de numerosas eboas histrias da organizao econmica mesmo em
nossos pases. Depois, asociologia no faz aos fatos perguntas
insolveis e cuja soluo s oferea, almdisso, escasso valor
explicativo. Assim, na ausncia de monumentos certos, no
indispensvel datar com exatido o Rg-Veda: a coisa impossvel e, no
fundo,indiferente. No h necessidade de conhecer a data de um fato
social, de umritual de oraes para servir-se dele em sociologia,
contanto que se conheam seusantecedentes, seus concomitantes e seus
conseqentes, numa palavra, todo o
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
12/15
quadro social que o cerca. Enfim, o socilogo no pesquisa
exelusivamente odetalhe singular de cada fato. Depois de terem
feito sobretudo a biografia degrandes homens e de tiranos, os
historiadores tentam, agora, sobretudo fazerbiografia coletiva.
Detm-se nos matizes particulares dos costumes, das erenasde cada
grupo, pequeno ou grande. Procuram aquilo que separa, aquilo
quesingulariza, e tendem a descrever aquilo que h, de certo modo,
de inefvel emcada civilizao por exemplo, cr-se geralmente que o
estudo da religio vdica reservado unicamente aos sanscritistas. O
socilogo, ao contrrio, procuraencontrar nos fatos sociais aquilo
que geral e, ao mesmo tempo, aquilo que caracterstico. Para ele,
uma observao bem conduzida deve dar um resduodefinido, uma expresso
suficientemente adequada do fato observado. Paraservir-se de um
fato social determinado no necessrio o conhecimento integralde uma
histria, de uma lngua, de uma civilizao. O conhecimento relativo,
masexato, deste fato suficiente para que possa e deva entrar no
sistema que asociologia quer edificar. Porque, se em numerosos
casos ainda indispensvel parao socilogo remontar s ltimas fontes, a
falha no devida aos fatos, mas aoshistoriadores que no souberam
fazer sua verdadeira anlise. A sociologia exigeobservaes seguras,
impessoais, utilizveis para quem quer que venha a estudarfatos da
mesma ordem. O pormenor e o mbito de todos os fatos so infinitos,
eningum nunca poder esgot-los a histria pura jamais deixar de
descrever, dematizar, de circunstanciar. Ao contrrio, uma observao
sociolgica feita comcuidado, um fato bem estudado, analisado em sua
integridade, perde quase todadata, exatamente como uma observao de
mdico, uma experinciaextraordinria de laboratrio. O fato social, 28
ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
29cientificamente descrito, torna-se um elemento de cincia, e
deixa de pertencer atal ou tal pas, a tal ou tal poca. Est por
assim dizer colocado, por fora daobservao cientfica, fora do tempo
e fora do espao.Sistematizao dos Jatos
A sociologia no especula, como no o faz qualquer outra cincia,
sobre purasidias e no se limita a registrar os fatos. Tende a
dar-lhes um sistema racional.Procura determinar suas relaes de modo
a torn-los inteligveis. Resta-nos falardos processos pelos quais
estas relaes podem ser determinadas. Algumas vezes,alis mui
raramente, encontramo-los por assim dizer inteiramente
estabelecidos.Com efeito, existem em sociologia, como em toda
cincia, fatos to tpicos quebasta analis-los devidamente para
descobrir logo certas relaes insuspeitadas.Foi um fato deste gnero
que Fison e Howitt encontraram, quando lanaram novaclaridade sobre
as formas primitivas da famlia, explicando o sistema doparentesco e
das classes exogmicas em certas tribos australianas. Mas, em
geral,no atingimos diretamente, pela simples observao, fatos
cruciais. IS necessrio,pois, empregar todo um conjunto de processos
metdicos especiais paraestabelecer as relaes que existem entre os
fatos. Aqui a sociologia se encontranum estado de inferioridade com
relao a outras cincias. A experimentao no possvel no se pode
suscitar, voluntariamente, fatos sociais tpicos para, emseguida,
estud-los. IS mister, pois, recorrer comparao dos diversos
fatossociais de uma mesma categoria em diversas sociedades, a fim
de procurardepreender sua essncia. No fundo, uma comparao bem
conduzida pode dar, emsociologia, resultados equivalentes aos de
uma experimentao. Procede-se maisou menos como os zologos, como
procedeu particularmente Darwin. Este nopde, salvo para uma nica
exceo, realizar verdadeiras experincias e criarespcies variadas
teve de fazer um quadro geral dos fatos que conheciareferentes
origem das espcies e foi da comparao metdica destes fatos
quededuziu suas hipteses. Da mesma forma, em sociologia, Morgan,
tendo constatadoa identidade do sistema familial iroqus, havaiano,
fidji, etc., pde formular a hi-ptese do cl por descendncia materna.
Alis, em geral, quando a comparao foimanejada por verdadeiros
cientistas, sempre deu bons resultados em matria defatos sociais.
Mesmo quando no deixou resduo terico, como nos trabalhos daescola
inglesa antropolgica, ao menos conseguiu levantar uma classificao
geralde grande nmero de fatos.
Quanto ao mais, a gente se esfora e preciso esforar-se por
tornar acomparao sempre mais exata. Certosautores, entre outros
Tylor e Steinmetz, chegaram mesmo
SOCIOLOGIAa propor e a empregar, o primeiro a propsito de
casamento, o segundo a propsitoda pena e do endocanibalismo, um
mtodo estatstico. As concordncias e asdiferenas entre os fatos
constatados so a expressas em nmeros. Mas osresultados deste mtodo
esto longe de serem satisfatrios, pois se nomeiamfatos colhidos das
sociedades mais diversas e mais heterogneas, e registradosem
documentos de valor totalmente desigual. Atribui-se assim
excessivaimportncia ao nmero das experincias, dos fatos acumulados.
Demonstra-sepouco interesse pela qualidade destas experincias, por
sua certeza, pelo valordemonstrativo e pela comparabilidade dos
fatos. Provavelmente prefervelrenunciar a tais pretenses de
exatido, e melhor ater-se a comparaeselementares, mas severas. Em
primeiro lugar, importante s aproximar fatos damesma ordem, isto ,
fatos que entram na definio estabelecida no comeo dotrabalho.
Assim, ser conveniente, na teoria da famlia, a propsito do cl,
reunir
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
13/15
apenas fatos de cl e no reunir com eles informaes etnogrficas
que narealidade se referem tribo e ao grupo local, com freqncia
confundidos com ocl. Em segundo lugar, preciso alinhar os fatos
assim reunidos em sriescuidadosamente constitudas. Em outras
palavras, dispem-se as diferentesformas que apresentam segundo uma
ordem determinada, seja uma ordem decomplexidade crescente ou
decrescente, seja uma ordem qualquer de variao. Porexemplo, numa
teoria da famlia patriarcal, colocar-se- a famlia hebraica
debaixoda famlia grega, esta debaixo da famlia romana. Em terceiro
lugar, diante destasrie, dispem-se outras sries, constitudas da
mesma maneira, compostas deoutros fatos sociais. E das relaes que
se percebem entre estas diversasespcies que se vem desprenderem-se
as hipteses. Por exemplo, possvel ligara evoluo da famlia
patriarcal evoluo da cidade:dos hebreus aos gregos, destes aos
romanos no prprio direito romano, v-se opoder paterno crescer
medida que a cidade se fecha.Carter cientfico das hipteses
sociolgicas
Chega-se assim a inventar hipteses e a verific-las, com a ajuda
de fatosbem observados, para um problema bem definido. Naturalmente
estas hiptesesno so forosa-mente justas bom nmero daquelas que hoje
nos parecemevidentes sero abandonadas um dia. Mas se no trazem este
carter de verdadeabsoluta, trazem todas os caracteres de hipteses
cientficas. Em primeiro lugar,so verdadeiramente explicativas dizem
o porqu e o como das coisas. A no seexplica uma regra jurdica como
aquela da responsabilidade civil pela clssicavontade do legislador
ou pelas virtudes gerais da natureza humana que teriam
3(1 ENSAIOS DE SOCIOLOGIA
31SOCIOLOGIA
racionalmente criado esta instituio. IS explicada por toda a
evoluo do sistemada responsabilidade. Em segundo lugar, elas tm
este carter de necessidade e,por conseguinte, de generalidade que o
da induo metdica e que talvez permitaat, em alguns casos, a
previso. Por exemplo, pode-se quase estabelecer como leique as
prticas rituais tendem a rarefazer-se e a espiritualizar-se no
decurso dodesenvolvimento das religies universais. Em terceiro
lugar, e a est, em nossaopinio, o ponto mais importante, tais
hipteses so eminentemente criticveis everficaveis. Pode-se, num
verdadeiro trabalho de sociologia, criticar cada um dospontos
tratados. Estamos longe desta poeira impalpvel dos fatos ou
destasfantasmagorias de idias e de palavras que o pblico com
freqncia aceita porsociologia, mas onde no h idias precisas nem
sistema racional nem estudocerrado dos fatos. A hiptese torna-se um
elemento de discusso precisa pode-secontestar, retificar o mtodo, a
definio inicial, os fatos invocados, ascomparaes estabelecidas de
tal sorte que h a, para a cincia, progressospossveis.
Aqui, preciso prever uma objeo. Ter-se-ia a tentao de dizer que
asociologia, antes de se edificar, deve fazer um inventrio total de
todos os fatossociais. Assim, pedir-se-ia ao terico da famlia que
tivesse feito o examecompleto de todos os documentos etnogrficos,
histricos, estatsticos, relativosa esta questo. Devem-se temer
tendncias deste gnero em nossa cincia. Atimidez diante dos fatos to
perigosa como a excessiva audcia, as abdicaesdo empirismo to
funestas como as generalizaes apressadas. Primeiramente, sea cincia
requer exames dos fatos sempre mais completos, em parte alguma
exigeum inventrio total, alis impossvel. O bilogo no esperou
observar todos osfatos de digesto, em todas as sries de animais,
para tentar as teorias dadigesto. O socilogo deve fazer o mesmo
tambm ele no tem necessidade deconhecer a fundo todos os fatos
sociais de uma determinada categoria paraelaborar a teoria. Deve
passar imediatamente obra. A conhecimentosprovisrios, mas
cuidadosamente enumerados e precisados, correspondemhipteses
provisrIas. As generalizaes feitas, os sistemas propostos,
valemmomentaneamente para todos os fatos conhecidos e desconhecidos
da mesmaordem que os fatos explicados. Tem-se a liberdade de
modificar as teorias medida em que novos fatos chegam a ser
conhecidos ou medida em que a cincia,todos os dias mais exata,
descobre novos aspectos nos fatos conhecidos. Foradestas aproximaes
sempre mais cerradas dos fenmenos, s h lugar paradiscusses
dialticas ou enciclopdias eruditas, ambas sem verdadeira
utilidade,visto que no propem explicao alguma. E, alm disso, se o
trabalho de induofoi feito com mtodo,no possvel que os resultados
aos quais o socilogo chega sejam despidos detoda realidade. As
hipteses exprimem fatos, e, por conseguinte, possuem sempreao menos
uma parcela de verdade: a cincia pode complet-las,
retific-las,transform-las, mas nunca deixa de utiliz-las.3. DIVISO
DA SOCIOLOGIA
A sociologia pretende ser uma cincia e ligar-se tradio
cientficaestabelecida. Mas no menos livre face s classificaes
existentes. Poderepartir o trabalho de maneira diversa daquela
posta em prtica at aqui.
Em primeiro lugar, a sociologia considera como seu um certo
nmero deproblemas que, at aqui, dependiam de cincias que no so
ciencias sociais.
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
14/15
Decompe estas cincias, abandonando-lhes aquilo que seu objeto
prprio eretm todos os fatos de ordem exclusivamente social. Assim
que a geografiatratava at hoje das questes de fronteira, de vias de
comunicao, de densidadesocial, etc. Ora, estas no so questes de
geografia, mas questes de sociologia,visto que no se trata de
fenmenos csmicos, mas de fenmenos referentes natureza das
sociedades. Da mesma forma, a sociologia apropria-se dos
resultadosj adquiridos pela antropologia criminal referentes a um
certo nmero defenmenos que so, no fenmenos somticos, mas fenmenos
sociais.
Em segundo lugar, entre as cincias s quais ordinariamel]te se d
o nome decincias sociais, algumas h que, para falar com
propriedade, no so cincias.No tm mais do que uma unidade fictcia, e
a sociologia deve dissoci-las. IS ocaso da estatstica e da
etnografia, ambas consideradas como formando cincias parte, quando
no fazem mais do que estudar, de acordo com seus
respectivosprocessos, os fenmenos mais diversos, na realidade
dependentes de diferentespartes da sociologia. A estatstica, como
vimos, no seno um mtodo paraobservar fenmenos variados da vida
social moderna. Hoje, a estatstica estuda,indiferentemente,
fenmenos sociais, morais e econmicos Em nossa opinio, nodeve haver
a estatsticos, mas soeilogos que, para estudar os fenmenos
morais,econmicos, para estudar os grupos, fazem estatstica moral,
econmica,demogrfica, etc. O mesmo acontece com a etnografia. Esta
tem, como nicarazo de sua existncia, a tarefa de consagrar-se ao
estudo dos fenmenos que sepassam em naes ditas selvagens. Estuda
indiferentemente os fenmenos morais,jurdicos, religiosos, as
tcnicas, as artes, etc. A sociologia, ao contrrio, nodistingue
naturalmente entre as instituies das populaes selvagens e
aquelasdas naees brbaras ou civilizadas. Faz entrar em suas
definies os fatosmais elementares e os fatos 32 ENSAIOS DE
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA 33mais evoludos. E, por exemplo, num estudo
da famlia ou da pena, ver-se-obrigada a considerar tanto os fatos
etnogrficos como os fatos histricos,que so todos da mesma maneira
fatos sociais e que s diferem pelo modo comoso observados.
Em contrapartida, a sociologia adota e faz suas as grandes
divises, jpercebidas pelas diversas cincias comparadas das
instituies de que pretendeser herdeira: cincias do direito, das
religies, economia poltica, etc. Deste pontode vista, divide-se com
muita facilidade em soeiologias especiais. Mas adotandoesta
repartio, no segue servil-mente as classificaes usuais que, em
suamaioria, so de origem emprica ou prtica, como por exemplo as da
cincia dodireito. Sobretudo no estabelece entre os fatos estes
compartimentos estanquesque ordinaramente existem entre as diversas
cincias especiais. O socilogo queestuda os fatos jurdicos e morais
deve, com freqncia, para compreend-los,pesquisar os fenmenos
religiosos. Aquele que estuda a propriedade deveconsiderar este
fenmeno sob seu duplo aspecto jurdico e econmico, ao passoque estes
dois aspectos de um mesmo fato so ordinariamente estudados
pordiferentes cientistas.
Assim, mesmo ligando-se estreitamente s cincias que a
precederam, mesmoapropriando-se de seus resultados, a sociologia
transforma suas classificaes. ISde notar, alis, que todas as
cincias sociais tenderam, nos ltimos anos, aaproximar-se
progressivamente da sociologia tornam-se cada vez mais
partesespeciais de uma nica cincia. A nica diferena que, quando
esta chega aoestado de verdadeira cincia, com um mtodo consciente,
muda profundamente oprprio esprito da pesquisa e pode conduzir a
resultados novos. Por isso, ainda quenumerosos resultados possam
ser conservados, cada parte da sociologia no podecoincidir
exatamente com as diversas cincias sociais existentes. Por si
mesmas,elas se transformam, e a introduo do mtodo sociolgico j
mudou e mudar amaneira de estudar os fenmenos soclals.
Os fenmenos sociais dividem-se em duas grandes ordens. De uma
parte,existem os grupos e suas estruturas. 1-l, pois, uma parte
especial da soeio!ogiaque pode estudar os grupos, o nmero dos
indivduos que os compem e as diversasmaneiras pelas quais so
dispostos no espao: e a morfologia social. De outraparte, existem
os fatos sociais que se passam nestes grupos: as instituies ou
asrepresentaes coletivas. Estas constituem, para falar com verdade,
as grandesfunes da vida social. Cada urna destas fimoes, religiosa,
jurdica, econmica,esttica, etc., deve ser primeiro estudada parte e
constituir o objeto de urnasevie de pesquisas relativamente
independentes. Deste ponto de vista, hportanto uma sociologia
religiosa, unia sociologiamoral e jurdica, uma sociologia
tecnolgica, etc. Depois, feitos todos estesestudos especiais, seria
possvel constituir uma ltima parte da sociologia, asociologia
geral, que teria como finalidade pesquisar aquilo que constitui a
unidadede todos os fenmenos sociais.BIBLIOGRAFIA
19 Sobre a histria da sociologia: Espinas, Socits animales
(prefcio), 1867. Lvy-Brhl, Laphilosophie dAuguste Comte, 1900.
Fouitle, La science sociale contem poraine, 1855. Durkheim,Les
sciences morale.s en Allemagne, em Rente phlosophique, ano 1887 La
sociologie en France auXIXe sicle, em Revue bleue, maio de 1900.
Bougl, Les sciences sociales en Allemagne, 1896. Groppali, La
sociologie en Amerique, em A nnales de lInst. internat. de
sociologie, 1900.
29 Sobre a sociologia em geral: Comte, Cours de philosophie
positive (vol. 1V-VI). Spencer,Social Statics Descriptive
Sociology, 1874 e seguintes Principles of Sociology, 1876 e
seguintes,trad. franc., 1887 The Study o Sociology, 1873, trad.
franc., 1880, etc. Schffle, Bau und Leben
PedroNotaEtnografia
-
02/06/2015 MarcelMauss
http://home.dsoc.uevora.pt/~eje/mauss_ensaios_de_sociologia.htm
15/15
des sozialen Krpers, 1875-8 1. Espinas, op. cit., De Greef,
Introduction la sociologie, 1886-89Transformisme social, 1894.
Gumplowicz, Grundiss der Sociologie, 1885 Tnnies, Gemeinschaftand
Gesellschaft, 1887. Tarde, Les bis de limitation, 1890-95 Logique
sociale, 1895, etc. LesterWard, Dynamic Sociobogy, 1897 Outlines of
Sociobogy, 1898. Small, An Jntroducaion micSociobogy, 1897 Outlines
oJ Sociobogy, 1898. Small, An Intraduction to 0w Study of Society,
1894. Giddings, Principies of Sociobogy, 1896. Entre as principais
obras da escola organicista esto: Novicow, La lutte entre les
socits humaines, 1893 Conscience et volont soda/es, 1896, etc.
Worms,Organisme et socit, 1896. Massart et Vandervelde, Parasitisme
organique et parasitismc social, Demoor, Massart et Vandervelde,
Evolution rgressive en bio~ bogie et en sociobogie, 1897.
39 Os principais peridicos consagrados sociologia propriamente
dita so os seguintes: Renteinternationale de sociobogie Annales de
llnstitut international de sociobogie Anne sociobogiqueZeitschrijt
fiir Sozialwissenschat Rivista Italiana di Sociologia American
Journal of Sociobogy.
49 Sobre o mtodo da sociologia: Comte, op. cit., Stuart Mill,
Logique, I.V1. Durkheim, Rglesde la mthode sociobogique, 1898.
Langlois et Seignobos, Introduction aux tudcs historiques, 1898.
Tylor, On a Method of Investigating the Development of Institutions
etc., em Journal of theAnthropoborical Institute, XVIII, 1889.
Steinmetz, Studien zur crsten Entwicklung der Strafe,1893-95
(Introduo). Classification des types sociaux, em Anne sociobogiquc,
1900.