Vol. 5 - Nº 1 - 2005 35 MÚSI C A HOD IE 35 Resumo : O presente artigo é uma versão abreviada da dissertação de Mestrado em Música – Práticas Interpretativas, d e F rancisco K. Wildt, defendida em maio, 2004. O trabalho apresenta uma a plicação prática d o princípio de mapeam ento musical segund o Rebecca Pay ne Sh ockley ( Mappi ng Mu si c: fo r F ast e r Learni ng and S e cur e Me mo r y, 1997), procurando demonstrar a aplicabilidade do princípio na memorização de uma obra não tonal. O trabalho discute a importância da memorização n a execução pianística, bem como n o processo de aprendizado deste instrumento para então oferecer uma d emonstração d a aplicaçã o do princípio através de exemplos. Através de um a abordagem prática, o propósito é contribuir no que diz respeito ao desenvolvimento de processos sistemáticos de memorização na prática pianística. A peça escolhida para a aplicação é a Sonat i na Nº 3d e Juan Carlos Paz, composta em 1933. Palavras-chave:Memorizaçã o; Mapeamento; Execução pianística. The use of mapping for memorization in theAll egr o M oder atoo f S onati na N º 3by Juan Carlos Paz: a practical approach Abstract: T his stud y is a n a bbreviated version of the Master thesis in Piano Performance by Francisco K. Wildt, concluded in May, 2004. It presents a practical application of Rebecca Payne Shockley’s principle of mapping music ( Mappin g Musi c: fo r F ast e r Learni ng and Secure Memo r y, 1997) in the memorization of a non-tonal work. The stud y d iscusses the importance of memorization in pian o performance and teaching the instrument, as w ell as a demonstration of the application of th is principle through examples. In this practical approach , the goal is to contribute to the development of systematic processes of memorization in pian o practice. The w ork chosen w as Son atina No. 3 by Juan C arlos Paz, composed in 1933. Keywords: Memorizat ion; Mapping; Piano performance. Introdução Através da vivência nos meios em que se cultua e ensina a arte de tocar piano, chega-se à percepção de que o emprego de procedimentos O USO DE MAPEAMEN TO NA MEMORI ZAÇ ÃO DO ALLE GRO MODE RATO DASONATIN A N º 3, DE J UAN CARLOS PAZ: UMA ABORDAGEM PR ÁTIC A Francisco Koetz Wildt [email protected]Any Raquel Carvalho [email protected]Cristina Capparelli Gerling [email protected]
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Resumo: O presente artigo é uma versão abreviada da dissertação de Mestrado em Música –Práticas In terpretativas, d e Francisco K. Wildt, d efend ida em ma io, 2004. O trab alho apresentauma a plicação prática d o princípio de mapeam ento musical segund o Rebecca Pay ne Sh ockley(Mapp in g Music: for Faster Learn in g and Secur e Memory , 1997), procurando demonstrar aaplicabilidade do princípio na memorização de uma obra não tonal. O trabalho discute aimportância da memorização n a execução pianística, bem como n o processo de aprendizadodeste instrumento para então oferecer uma d emonstração d a aplicaçã o do princípio através deexemplos. Através de um a a bordagem prática , o propósito é contribuir no q ue diz respeito ao
desenvolvimento de processos sistemáticos de memorização na prática pianística. A peçaescolhida para a aplicação é a Sonati na Nº 3 de Juan Carlos Paz, com posta em 1933.
The use of mapping for memorization in the Al l egro M odera to of Sonat i na N º 3 by JuanCarlos Paz: a practical approach
Abstract: This stud y is a n a bbreviated version of th e Master thesis in Pia no Performan ce byFrancisco K. Wildt, concluded in May, 2004. It presents a practical application of RebeccaPayn e Shockley’s principle of mapping music (Mappi ng Music: for Faster Learn in g and Secure
Memory , 1997) in th e memorization of a n on-tona l w ork. The stud y d iscusses the importan ceof memorization in pian o performance and teaching the instrument, as w ell as a demonstrationof the application of th is principle through examples. In th is practical approach , the goal is tocontribute to th e development of systematic processes of memorization in pian o practice. Thew ork chosen w as Son atina No. 3 by Juan C arlos Paz, composed in 1933.
Keywords: Memorization; Mapping; Piano performance.
Introdução
Através da vivência nos meios em que se cultua e ensina a arte de
tocar piano, chega-se à percepção de que o emprego de procedimentos
O USO DE MAPEAMENTO NA MEMORIZAÇÃO DOALLEGRO MODERATO DA SONATINA Nº 3, DE
42 MÚSICA HODIE42 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
impostas pela obra estudada, também poderão conduzir o processo de
mapeamento, de modo q ue as peculiaridades de cada obra ou trecho musical
serão d etermina ntes na man eira d e se ma pear.
Sh ockley afirma q ue
[...] psicólogos e educa dores têm enfatiza do o va lor de fazer com qu eos aprendizes organizem material novo à sua própria maneira e orelacionem com a quilo q ue já conh ecem. Ao se tomar n otas em umapalestra ou em um livro, por exemplo, parafrasear e condensar asidéias-cha ve pode ser bem ma is útil do qu e simplesmente copiar tudointegralmente. De fato, as pessoas geralmente lembram mais quandotomam notas do q ue qua ndo n ão o fazem, até mesmo se não recorrema elas. Isto porqu e o simples ato de toma r notas exige que se selecione,organize e processe material em u m n ível mais profund o do q ue aosimp lesment e ouv ir ou ler (1997, p. 4).
O p r o c e s s o d e c o n f e c ç ã o d o s m a p a s é c a r a c t e r i z a d o p e l a
flexibilida de, pois não se dá através da formulaçã o d e uma séria de regras
rígidas. Para a autora, nã o há ma neiras certas ou errada s de ma pear – o q ue
func ionar é vá lido (1997, p. xiii). Os recursos gráficos a serem ut ilizad os na
confecção dos mapas compreendem símbolos representando os diversos
even tos mus ica i s da par t i tura , os qua is devem ser de pre ferênc ia
apresenta dos de ma neira clara e sucinta . Os símbolos devem, portanto, servistos não como uma substituição da notação tradicional, mas como uma
ferramenta de organiza ção d as informações de modo eficiente no q ue diz
respeito à memorizaçã o. A escolha dos elementos a serem representa dos e
a forma com q ue são simbolizad os depend e mais de significados pessoais
estabelecidos por cad a ind ivíduo do q ue de regras preestabelecida s.
Sh ockley sugere o uso de alguns símbolos bá sicos:
• Uma reta horizontal é usada para a representação da linha dotempo, sendo que pequenos traços perpendiculares a esta reta
servem para indicar a divisão da peça em compassos. Cada
subdivisão pode incluir um ou m ais compassos sendo qu e, em
determinad os casos, representar m ais d e um compasso em ca da
divisão da reta pode ser uma ma neira ad equad a de condensar as
informações musicais;
• Nomes de notas ind icam re ferênc ias de in íc io ou f im de
50 MÚSICA HODIE50 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
Os trechos 7 e 8 podem ser relacion ad os entre si tendo como ba se
um fragmento melódico aq ui considerad o pad rão, tanto q uan to seu desvio.
Uma vez estabelecido que o formato padrão é uma escala ascendente
culmin an do em b ordadu ra inferior/salto/borda du ra, a tribuí um a lógica q ue
encadeia os eventos musica is dos trechos 7 e 8 da seguin te man eira: o trecho7 apresenta o forma to pad rão na mã o esquerda e nos c. 29-31 é apresentad o
o seu d esvio (m.d .). O trecho 8 apresenta o formato pa drã o na mã o direita
(c. 32-33), seguido de um desvio deste padrão nos c. 34-36 (m.e.).
Trecho 10: c . 42-46
A cifra ind ica a forma ção triád ica (Mib menor, m.d.). Consta como
elemento im portan te neste mapa o FÁ da mã o d ireita (c. 42), por ser uma
nota estranha à esta tríad e. No início do c. 43, o S I é natural e nã o bemol
como no compasso anterior. O desenho descendente com quartas justas
aparece duas vezes, primeiro na mão esquerda (c. 43) e então nas duas
mã os (c.46).
Figura 10: c. 47-51 e respectivo m apa .
Trecho 12: c . 52-56
A mão esquerda realiza um m ovimento cromático, o q ue pode ser
observado dentro do â mbito d e uma oitava: MIb, MI, FÁ, FÁ# e SOL. Nos
c. 52-53 (m.d .), h á um arpejo a scendente com posto d e duas terças ma iores
e uma qu arta justa. No c. 54 tem início uma descida por q uartas justas q ue
abrange uma extensão envolvendo as duas mãos . Es te movimento
descendente foi associado a uma re ta em direção obl íqua e sent ido
54 MÚSICA HODIE54 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
Trecho 21: c . 85-89
Como elementos principais a serem indica dos n este mapa , foram
considerados a relaçã o bemol/bequad ro entre as duas vozes e o arpejo em
stacatto secco (c.86, m.d .). É significa tivo q ue o m ovimento seja conclu ído
com LÁ (m.e.) e LÁb (m.d.), pois isto reafirma a presença de relações desemitom neste al legro moderato .
Figura 21: Ma pa dos c. 85-89.
Conclusão
Os exemplos apresentados por Shockley em seu livro constituem-se,
na sua maioria parte, no processo de grafar estruturas que se salientam na
leitura da partitura. No caso da Sonatina Nº 3 , os elementos de referência tonal
permitiram que tal roteiro tenha sido elaborado através de conhecimentos de
teoria musical tradicional, aind a q ue se tratasse de uma composição do séculoXX. Através da aplicação do princípio de mapeamento musical, pode-se relatar
as seguintes observações realizadas no decorrer do processo que poderão
contribuir na utilização d este como ferramenta prática de memorização:
• O mapeamento musical demonstrou ser aplicável tendo em vista
sua fun ção específica como ferramenta ind ividual d e estudo e
memoriza ção. Deve-se salienta r, no entan to, que o mapeam ento
se destina a uma organizaçã o pessoal d as informações a serem
memorizada s. A elaboração dos ma pas ocorre, portanto, a partir
de decisões individuais no que diz respeito à abordagem da
56 MÚSICA HODIE56 WILDT, F. K.; CARVALHO, A. R.; GERLING, C. C. (p. 35-58)
• A prát ica da memorização mental longe do piano é par te
funda mental do processo de aprendiza do por mim experimentad o,
mas o aspecto relaciona do a o movimento e à a ção física sobre o
instrumento não deve ser negligenciad o. Aind a q ue tal aspecto
não tenha sido abordado neste trabalho, sua importância nãodeve ser diminu ída dentro da prática pianística, ha ja visto que a
execução em tempo real envolve dificulda des que nem sempre
podem ser sanad as a través do exercício puram ente mental.
• O ma peamento pode ser feito para san ar d ificuldades pontuais
dentro de uma obra, pod endo ser aplicado a penas para trechos
específicos. Nem sempre é necessário q ue a ob ra estudad a seja
integralmente mapeada .
A experiência com a aplicação do princípio de ma peamento revelou
que, como ferram enta d idática , este procedimento pod e proporcionar u ma
ampliaçã o d e recursos utilizad os na preparaçã o d e execuções, atribuindo
ao enfoque racional dos elementos musicais uma fun ção prática voltad a à
execução. Como afirma Shockley, “Como qualquer outro processo, [o
ma peamento] pode ser aperfeiçoad o com a prática ” (1997, p. 1). Através de
sua prática e aperfeiçoamento, este princípio tem muito a contribuir nabusca por soluções eficazes no que se refere à questão de como estudar
pian o. Toma do com o princípio aberto a ser desenvolvid o individ ua lmente
com a prática e não como um método fechado, o mapeamento musical
aponta caminhos que certamente conduzem a v ivências e fe t ivas de
aprendizado. Contando com elementos importantes à e laboração de
ma neiras eficientes de se estudar pia no, este princípio é merecedor d e uma
atençã o especial por pa rte de pianista s e professores de pian o.
Notas
1 Functional ski ll s , no original.2 A a b ord a gem p io nei ra d e mapas conceitua is (conceptual maps ) foi desenvolv ida
primeiramen te nos ca mpos d a ed uca ção e psicologia p or Joseph D. NOVAK, apartir d a Teoria da Aprend iza gem Significa tiva ou Teoria da Assimila ção d e
Dav id AU SU BEL (1963, 1968, 1978), d a á rea d e psicologia edu cacion al e q uet ra ta da representação do conhecimento na forma grá f ica (Novak, 2002 eAusu beL, 1963).
3 Apesar de ter sido interpretado com partitura, o All egro Moderato da Sonati na Nº 3
foi posteriormente memoriza do seguind o os mesmos passos sugeridos por Sh ockley.4 Leimer e Gieseking aconselham o estudo de pequenos trechos de cada vez, de
modo q ue se possa “ em pouco tempo, tocar melhor os pequenos trechos d e umafrase, e assim estuda -la n a ín tegra, com m ais perfeição” (1949, p. 37).
5 A presença de t ríades no All egro Moderato da Sonatina Nº 3 nã o estabelece relações
de funciona lidad e tonal. Por esta raz ão, utilizo o termo formação triádica.6 Trecho melódico associado à frase inicial do movimento (mão d ireita c. 1-2) e suas
recorrências. Será dorava nte ind icado pela sigla M. Op.7 S erá u ti li zada a des ignação ostinato sempre que houver um padrão repetitivo,
mesmo que de curta du ração.
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LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como devemos estudar piano . São Paulo:A Melodia, 1949.
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WILLIAMON, Aaron. John Rink, ed. Musical performance: a gui de to
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Francisco Koetz Wildt – Mestre em música pela U niversida de Federal do Rio Grand e do Su l, ondeobteve orientação pian ística de Cristina Ca pparelli Gerling. Elaborou sua dissertação sob orientaçã ode Any Raq uel Carvalho e com co-orientaçã o de Cristina Ca pparelli Gerling.
Any Raquel Carvalho– Doutora em mú sica pela U niversity of Georgia (US A) é professora de órgão,contraponto e fu ga no Departamento de Música e professora/orientad ora d e mestrado e d outoradono Programa d e Pós-Grad uaçã o em Música do Instituo de Artes da UFRGS. Atua como organista econferencista n o Brasil e no exterior. Como pesquisadora do CNPq tem publicado tra balhos na áreade contrapon to (dois livros), fuga, a nálise musical e mú sica brasileira pa ra órgão.
Cristina Capparelli Gerling – Doutora em música Cristina Capparelli Gerling, mestre em música
pelo New England Conservatory e doutor em m úsica pela B oston Un iversity, é professora titular depiano no Departamento de Música e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Grad uaçã o em Música d o Instituto de Artes da UFRGS. Apresenta-se freqü entemente como pian ista,camerista e solista e pub lica sobre aná lise musical e repertório pianístico latino-americano.