Pedra Azul Monte Azul Esmeraldas Betim Manhuaçu Três Corações Paraopeba Sabará Itatiaiuçu Belo Horizonte Matozinhos Santa Luzia Contagem Vespasiano São Joaquim de Bicas Número de Famílias 1 - 4 5 - 8 20 105 Municípios Indicados de Destino das Famílias Removidas das Vilas São Tomás e Aeroporto ² 0 40 80 120 160 Km Base Cartográfica: IBGE, 2010 Datum: SAD 69 Coordenação: Pesquisa Cidade e Alteridade: Convivência Multicultural e Justiça Urbana Núcleo de Reassentamentos Urbanos - UFMG, 2013 Esmeraldas Betim Sabará Belo Horizonte Santa Luzia Contagem Matozinhos Ribeirão das Neves Vespasiano São Joaquim de Bicas São José da Lapa 0 5 10 15 20 Km Municípios RMBH
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MAPEAMENTO DOS ITINERÁRIOS E LOCAIS DE DESTINO DOS MORADORES QUE FORAM REMOVIDOS COMO CONSEQÜÊNCIA DAS INTERVENÇÕES DO VILA VIVA NA VILA SÃO TOMÁS E NO AGLOMERADO DA SERRA RELATÓRIO
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Pedra Azul
Monte Azul
Esmeraldas
Betim
Manhuaçu
Três Corações
Paraopeba
Sabará
Itatiaiuçu
Belo Horizonte
Matozinhos
Santa LuziaContagem
Vespasiano
São Joaquim de Bicas
Número de Famílias1 - 45 - 8 20 105
Municípios Indicados de Destino das Famílias Removidas das Vilas São Tomás e Aeroporto
²
0 40 80 120 160Km
Base Cartográfica: IBGE, 2010Datum: SAD 69
Coordenação: Pesquisa Cidade e Alteridade: Convivência Multicultural e Justiça Urbana
Núcleo de Reassentamentos Urbanos - UFMG, 2013
Esmeraldas
Betim
SabaráBelo Horizonte
Santa Luzia
Contagem
Matozinhos
Ribeirão das Neves
Vespasiano
São Joaquim de Bicas
São José da Lapa
0 5 10 15 20Km
Municípios RMBH
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!Tupi
Buritis
Solimões
Floramar
Céu Azul
São TomásAarão Reis
Serra Verde
São Bernardo
Novo Aarão Reis
São João Batista Ribeiro de AbreuConj. Felicidade
Distribuição das Famílias em Belo HorizonteNúmero de Famílias
! 1! 1 - 3
! 3 - 6
! 6 - 15
! 15 - 22
²
0 1 2 3 4Km
Base Cartográfica: Prodabel, 2000Datum: SAD 69
Coordenação: Pesquisa Cidade e Alteridade: Convivência Multicultural e Justiça Urbana
Núcleo de Reassentamentos Urbanos - UFMG, 2013
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MAPEAMENTO DOS ITINERÁRIOS E LOCAIS DE DESTINO DOS
MORADORES QUE FORAM REMOVIDOS COMO CONSEQÜÊNCIA DAS
INTERVENÇÕES DO VILA VIVA NA VILA SÃO TOMÁS E NO
AGLOMERADO DA SERRA
RELATÓRIO PARCIAL
Relatório parcial do Projeto Binacional de Pesquisa Cidade e Alteridade, iniciativa conjunta da UFMG, da UFV, da UI e do CES/UC, sob a Coordenação Geral da Professora Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin e do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos, apresentado à Coordenação de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG. Núcleo temático reassentamentos urbanos. Pesquisadores do Núcleo: Ananda M. Carvalho, Aline R. Pereira, Isabella G. Miranda, Fábio A. D. Merladet, Lívia Lages, Luana X. P. Coelho, Miracy B. S. Gustin, Paula Cançado, Ricardo A. P. de Oliveira, Thaís L. S. Isaías.
BELO HORIZONTE, 2013
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PROJETO BINACIONAL DE PESQUISA CIDADE E ALTERIDADE Convivência Multicultural e Justiça Urbana
Coordenação Geral
Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos
Coordenação de gestão e planejamento
Aline Rose Barbosa Pereira Fernanda de Lazari Cardoso Mundim Marisa Alves Lacerda
Coordenação de sub-eixos
Aderval Costa Filho Adriana Goulart de Sena Orsini Ana Beatriz Vianna Mendes Ana Flávia Santos Eloy Pereira Lemos Iara Menezes Lima Gregório Assagra de Almeida Miracy Barbosa de Sousa Gustin Márcia Helena Batista Corrêa da Costa Rennan Lanna Martins Mafra
Orientadores de campo
Aline Rose Barbosa Pereira Ana Paula Santos Diniz Carla Beatriz Marques Rocha e Mucci Gabriela de Freitas Figueiredo Rocha Luana Xavier Pinto Coelho Ludmilla Zago Andrade Mariana Fernandes Gontijo Raquel Portugal Nunes Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira
Pesquisadores
Ana Carolina Rodrigues Lilian Nássara Chequer
Ana Flávia Brugnara Lívia Mara de Resende
Ana Flávia Nogueira Lucélia de Sena Alves
Ana Luiza Rocha de Melo Santos Marcela Müller
Clênio de Sousa Rodrigues Maria Antonieta Gonçalves dos Santos
Dilson Nascimento Evandro Alair Camargos Alves
Patrícia Rodrigues Rosa Paula Cançado
Fábio André Diniz Merladet Paulo Alves Lins
Fernando Nogueira Martins Júnior Raíssa de Oliveira Murta
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Estudantes
Alissa Cristina Ananda Martins Carvalho
Juliana da Silva Rosa
Bárbara de Moraes Rezende Lívia Bastos Lages
Bruno Menezes Andrade Guimarães Nayara Rodrigues Medrado
Cátia Meire Resende Patrícia Dias de Sousa
Gislaine Alves Rodrigues Pedro de Aguiar Marques
Guilherme Abu-Jamra Rayanna Fernandes de Souza Oliveira
Guilherme Mendonça Del Debbio Regiane Valentim Leite
Humberto Francisco F. C. M. Filpi Thaís Lopes Santana Isaías
João Pedro Lima de Guimarães Vargas Yuri Alexandre dos Santos
Equipe responsável pelo relatório:
Pesquisa e redação: Núcleo de assentamentos urbanos
Coordenadora: Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin
Orientadores de Campo: Luana Xavier Pinto Coelho Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira
Pesquisadores: Aline Rose Barbosa Pereira Ananda Martins Carvalho Fábio André Diniz Merladet Isabella Gonçalves Miranda Paula Cançado Lívia Bastos Lages Thais Lopes Santana Isaias
Grazielly de Oliveira Spínolla Raquel Letícia Soares Martins
Isabella Gonçalves Miranda
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SUMÁRIO
Lista de Tabelas ......................................................................................................................... 5
Lista de Gráficos ......................................................................................................................... 6
Lista de Fotos .............................................................................................................................. 7
Lista de Quadros ........................................................................................................................ 8
Tabela 1: Informação/percepções dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação, das famílias removidas, com seus novos locais de residência ..................... 26
Tabela 2: Idade x Escolaridade – Vila São Tomás ...................................................... 34
Tabela 3: Grau de instrução do Chefe de família ........................................................ 35
Tabela 4: renda familiar, com destaque para as vilas São Tomás e Aeroporto ........... 36
Tabela 5: quadros de população segundo escolaridade e renda nas vilas do Aglomerado da Serra ............................................................................................................... 37
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Lista de Gráficos
Gráfico 1: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo seu tempo de residência no local ....................................................................................................................... 17
Gráfico 2: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de famílias removidas que conhecem. .......................................................................................... 24
Gráfico 3: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de pessoas removidas que conhecem ........................................................................................... 25
Gráfico 4: Informação/ percepção dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação das famílias removidas em seus novos locais de residência ......................... 26
Gráfico 5: Atual local de residência dos Indenizados Não Serra, segundo regiões selecionadas. Aglomerado da Serra, 2010-2011 ................................................................ 32
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Lista de Fotos
Foto 1: zona de remoção Vila São Tomás ........................................................................... 22
Foto 2: Zona de remoção vila Aeroporto .............................................................................. 22
Foto 3: zona de remoção vila São Tomás ............................................................................ 23
Foto 4: zona de remoção vila São Tomás ............................................................................ 23
Foto 5: Local de destino, caso 2 D. Amélia e S. José, Vespasiano ................................. 40
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Lista de Quadros
Quadro 1: Quadro Geral de Realocações do Aglomerado da Serra ............................... 19
Quadro 2: Quadro resumo de realocações das Vilas São Tomás e Aeroporto............ 21
Quadro 3: Distribuição das famílias indicadas pelos moradores entrevistados, segundo local de destino após remoção ............................................................................................... 27
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1 CONSIDERAÇOES INICIAIS
O presente relatório apresenta resultados parciais de investigação no
âmbito da pesquisa binacional “Cidade e alteridade: convivência multicultural e
justiça urbana”, iniciativa interdisciplinar da Universidade Federal de Minas
Gerais e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em
parceria com a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade de Itaúna.
Para a realização de seus objetivos, a pesquisa atua por meio de dois eixos
temáticos, respectivamente: Eixo I - Convivência multicultural e políticas
públicas de inclusão/integração no espaço urbano e Eixo II - Regulação e
efetivação de experiências de justiça urbana.
Os resultados indicados neste relatório encontram-se no âmbito de
investigação do segundo eixo temático. Dentre os objetivos abrangidos pelo
Eixo II da pesquisa, desenvolve-se a análise de efeitos e impactos dos
programas de assentamento e reassentamento da Prefeitura de Belo
Horizonte/MG, especificamente nas Vilas São Tomás e Aeroporto e no
Aglomerado da Serra, tendo como foco o exame do Programa Vila Viva.
O objetivo-fim de políticas de intervenção em vilas e favelas deve ser a
melhoria da qualidade de vida dos habitantes e a garantia do exercício de seus
direitos fundamentais, tais como previstos na Constituição Federal. Contudo,
para que tal objetivo efetivamente se concretize, as políticas públicas devem
compreender e responder às necessidades e demandas das populações nas
quais intervém, sob a ótica da diversidade social e cultural presente nas
cidades brasileiras.
O Vila Viva, programa da prefeitura de Belo Horizonte, tem atuado nos
espaços selecionados para a investigação e será, portanto, o objeto do
estudo. O programa começou a ser implementado em 2005, no Aglomerado da
Serra, tendo iniciado em 2011 o processo de remoção e reassentamento das
famílias nas vilas São Tomás e Aeroporto.
Tendo em vista a grande abrangência do programa Vila Viva (38% dos
moradores de vilas e favelas de Belo Horizonte serão diretamente afetados,
10
com a previsão de que 13.167 famílias sejam removidas) 1, e o fato de que há
ainda localidades onde o programa encontra-se em suas fases iniciais, torna-se
relevante analisar o impacto e os efeitos dessa intervenção para as
comunidades, tendo em vista o elevado número de remoções que implica.
Entende-se a análise de impacto de políticas públicas como a análise de
efetividade das intervenções determinadas por essas políticas. A efetividade,
nesta pesquisa, tem sido entendida como o cruzamento dos objetivos
propostos por essas políticas ou programas de intervenção com as
necessidades e demandas das populações objeto dessas políticas. No caso, as
políticas de reassentamento das populações periféricas em Belo Horizonte,
com foco no Programa Vila Viva como antes explicado.
A relevância da realização de um mapeamento dos locais de destino
dos moradores é a de levantar indicativos iniciais acerca de como o programa
tem afetado a qualidade de vida das famílias objeto de remoção, o que será
aprofundado em momento posterior, a partir de entrevistas com estas famílias.
Cabe destacar que o alto número de remoções pode se constituir num fator
inviabilizante para a melhoria da qualidade de vida não somente das famílias
removidas e reassentadas, mas também daquelas que permanecem nas
comunidades alvo do Programa e, em última instância, daquelas residentes
nos locais para onde os reassentados foram direcionados. Isto porque as
remoções têm impacto direto sobre os laços sociais dos envolvidos, destituindo
relações e vínculos muitas vezes construídos ao longo de décadas de convívio,
apoio e trocas. Do ponto de vista das comunidades receptoras dos
reassentados, a chegada de novos moradores – especialmente quando em
maior número – pode gerar problemas como intrigas de vizinhanças, alteração
no nível de demanda por serviços e equipamentos públicos, dentre outros.
Dentre as famílias removidas em virtude das obras do programa Vila
Viva, somente 40% (quarenta por cento) são reassentadas nos conjuntos
1 BELO HORIZONTE. URBEL: Vila Viva – integração das vilas à cidade. Disponível em: < http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=urbel&tax=8178&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&> Acesso em: 16/12/2012
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habitacionais construídos, geralmente, na mesma localidade2 onde as
remoções ocorrem3. Deste modo, a 60% (sessenta por cento) das famílias
removidas não é assegurada, pelo programa, a permanência na vila, devendo
as mesmas procurar novas moradias em locais onde há oferta disponível pelo
preço recebido a título de indenização.
Outro efeito pernicioso da intervenção nas vilas e favelas -
especialmente aquelas objeto de estudo, localizadas em locais centrais (Serra)
ou próximas a centros de serviços (São Tomas e Aeroporto) - é a alteração no
mercado imobiliário dentro da própria vila. O elevado número de remoções
coloca no mercado, de forma imediata, milhares de “compradores” potenciais.
Soma-se a isso o fato de que a própria remoção e consequente destruição dos
imóveis retira inúmeras casas do mercado, diminuindo a oferta. Por
consequência, a alta na demanda por imóveis nas favelas e a diminuição da
oferta, onde estas famílias residem, provoca uma alta nos preços das casas
disponíveis, fazendo com que cada vez mais as indenizações fornecidas pelo
programa sejam insuficientes para se comprar imóveis na própria vila. Como o
Programa acontece em toda a cidade de Belo Horizonte, a alta nos valores dos
imóveis nas favelas e vilas é efeito facilmente observável em toda a cidade.
Desse modo, aqueles que primeiro são removidos são os que,
possivelmente, conseguem adquirir imóveis na própria vila. Para os demais,
são poucas as opções de aquisição de moradia em locais próximos a suas
antigas residências, sendo obrigados a ir cada vez mais longe para encontrar
imóveis com preços acessíveis e correspondentes às indenizações recebidas.
A distância da antiga moradia implica, por consequência, uma precarização das
condições de vida, haja vista o rompimento com as relações anteriormente
constituídas, sejam elas de acesso a serviços, emprego ou mesmo
socioafetivas.
O mapeamento do local dos destinos dos moradores é relevante para
permitir uma reflexão acerca dos impactos do Programa Vila Viva na vida das
2 No caso estudado nas Vilas São Tomás e Aeroporto, apartamentos foram oferecidos em áreas do Bairro Juliana e não nos locais de origem. 3 Dado fornecido por técnicos da Urbel, em entrevista aos pesquisadores.
12
famílias objeto de remoção – ou seja, tanto daquelas que saem dos locais de
intervenção, quanto daquelas que ali permanecem - pois permite uma
visualização espacial da dispersão destas famílias. A próxima etapa do estudo
se voltará à compreensão da realidade dos locais receptores destes
moradores, o que permitirá avaliar a complexidade do impacto do programa de
urbanização na população de baixa renda de Belo Horizonte.
2. METODOLOGIA
2.1 Pressupostos teóricos e conceituais
A relação precípua de grupamentos humanos a um território é um
produto histórico de processos sociais e políticos. A territorialidade, como
definida por Little (2002), é um “esforço coletivo de um grupo social para
ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu
ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’”.
A relação com o lugar compõe a própria identidade coletiva do grupo,
uma vez que é no espaço que as relações sociais se desenvolvem, onde o
cotidiano se desdobra. A ida ao trabalho, a construção da casa, o cuidado com
a família, a interação com amigos e vizinhos, a relação política com os demais
membros da comunidade, são todos componentes do cotidiano que, sendo
produzidos em um território, dão sentido a ele, de forma que o sujeito pertença
ao território da mesma forma que este pertence àquele. Neste sentido ensina a
geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos:
O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é o lugar da vida. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga-se indissociavelmente a produção da vida. (CARLOS, 2007, p. 22)
Esta relação com o território, impregnado de significados quanto à
reprodução de um modo de vida, gera demandas e lutas próprias quanto à
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permanência dos grupos, demandas estas que podem se relacionar tanto a
melhorias na qualidade de vida, quanto à própria permanência no território.
Miracy B. S. Gustin (2002), ao discorrer acerca dos valores
independentes que compõem o conceito de capital social e humano, utilizado
também neste estudo para compreensão do impacto das intervenções na vida
das populações, apresenta o conceito de estabilidade, conjuntamente com a
sensação de pertencimento, e as consequências de tais valores para a vida da
comunidade:
A população em condições de estabilidade tende a manter uma relação de conservação e manutenção de melhorias do ambiente externo e do próprio domicilio onde habita, além do envolvimento com a sustentabilidade de opções de desenvolvimento da comunidade.
A sensação de pertencimento à comunidade onde reside motiva a conquista de melhorias individuais e coletivas de vida e de bem-estar. Entende-se, ainda, que a obtenção do acesso aos direitos à saúde, à educação, ao lazer, à regularização fundiária, à moradia sustentável, bem como à geração de renda, são direitos e relações contínuas que contribuem para a estabilidade da população no local onde mora, melhorando-o e tornando-se mais viável a constituição de capital social.
Percebe-se que, a relação da comunidade com o território, associada à
sensação de pertencimento, por consequência, fomenta a defesa ou demanda
por obtenção de melhorias coletivas. Fruto de um processo histórico, essa
relação auxilia a construir a rede de significados atribuídos ao espaço, que
conformam a própria identidade do grupo referido.
A ideia de remoção, de reconstrução – “urbanização”- importa na
ressignificação destes territórios. Este processo, quando promovido por uma
política pública padronizada ou homogênea, desconsidera estes significados
prévios atribuídos ao território, para imposição de uma nova forma de
compreensão deste, segundo modelo determinado por terceiros. Aliada a isso,
a expulsão de parcelas das comunidades para outros lugares importa na
readequação destes a novos territórios, com os quais não guardam qualquer
identidade.
O conceito de “linhas abissais”, cunhado por Boaventura de Sousa
Santos (2008), assume, portanto, uma grande centralidade neste estudo para
14
explicar a existência de desigualdades e exclusões radicais entre os diferentes
espaços das cidades e seus habitantes.
O teórico propõe que o pensamento ocidental moderno é um
pensamento abissal, pois ele assenta a sua hegemonia na produção de
ausências, na invisibilização, subalternização e ridicularização das
modernidades alternativas insurgentes e do imenso universo de conhecimentos
e lógicas de pensamento não modernos. Ou seja:
O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. (SANTOS, 2008, p. 3-4)
As linhas abissais são separações simbólicas fundadas no
conhecimento, no poder e no direito moderno ocidental hegemônico que
invisibilizam e desacreditam toda uma diversidade de formas de conhecimento,
relações sociais e legalidades existentes no mundo, assim como seus sujeitos.
Essas linhas são simbólicas, porém se tornam objetivas quando aplicado o
conceito a determinado fenômeno social.
É possível falar em cartografias abissais do poder político, da legalidade
e do conhecimento que estabelecem os termos da distinção entre “esse lado
da linha” e “o outro lado da linha”, onde nada que existe é considerado
relevante ou compreensível. Tudo o que acontece “do outro lado da linha” fica
invisível e, por isso, não põe em questão a ordem justa e democrática existente
“desse lado da linha”. Desta forma, o “outro lado da linha” tem sido
historicamente marcado pela predominância de processos de violência e de
expropriação.
15
2.2 Área de abrangência e público alvo
Este estudo abrange as vilas São Tomás, Aeroporto e Aglomerado da
Serra, em Belo Horizonte/MG, especificamente a área no entorno dos locais
onde ocorreram as remoções. Os moradores destas áreas específicas são o
público alvo do presente estudo. A estes foram incluídos moradores do bairro
São Bernardo, no caso, aqueles também residentes no entorno das áreas onde
ocorreram as remoções.
2.3 Metodologia de campo
Os dados para construção do mapeamento foram captados por meio de
fontes primárias e secundárias de informação. Nas vilas São Tomás e
Aeroporto foi feita a coleta de dados primários, através da realização de
entrevistas com moradores. No Aglomerado da Serra, foram utilizados dados
secundários, retirados da pesquisa realizada pelo Programa Pólos de
Cidadania, intitulada “Os efeitos do Vila Viva Serra na condição
socioeconômica dos moradores afetados” (2011). Esta foi uma pesquisa
financiada pelo CNPq e, desta forma, com respaldo de instituição científica
importante no país.
Uma fonte de dados secundária, que possibilitaria análise quantitativa
dos dados e, desta forma, uma indicação mais precisa quanto ao destino dos
moradores removidos, seria o cadastro da própria Companhia Urbanizadora de
Belo Horizonte, uma vez que esta mantém registro de endereços dos
moradores, ao menos do primeiro local de destino após a remoção. Contudo,
até a data de confecção do presente relatório, não nos foi fornecida a
informação, mesmo sendo informação pública conforme dispõe a Lei n.
12.527/2011: “informação relativa à implementação, acompanhamento e
resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas,
bem como metas e indicadores propostos;” (art. 7°, VII, a). Bem como no art.
31, § 3°, II:
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
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§ 3o O consentimento referido no inciso II do § 1o não será exigido quando as informações forem necessárias: II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;
A justificativa da Urbel pelo não fornecimento dos dados foi de que não
há uma obrigatoriedade, por parte da prefeitura em relação aos moradores
indenizados, de oferecer acompanhamento e, desta forma, as informações que
possuem sobre os endereços dos removidos são oriundas, somente, dos
registros necessários para as mudanças destas famílias para seus novos
endereços. Estes registros, segundo eles, não estariam sistematizados e
deveriam ser tratados, antes que a informação nos fosse fornecida. Cabe frisar,
contudo, que mediante uma reiteração do pedido, a responsável pelo posto da
Urbel na Vila São Tomás se comprometeu a repassar tais informações, assim
que tivesse pessoal disponível para fazer o levantamento dos dados
solicitados.
Dessa forma, para este relatório parcial de resultados, diante da
ausência de dados que pudessem fornecer subsídio quantitativo do número de
famílias removidas e o destino destas após a remoção, foi feita a opção pela
técnica de inquérito para aferir, junto aos moradores que permaneceram,
indicativos do destino dos moradores indenizados, a partir da suposição da
continuidade de redes de contatos de vizinhança ou de amizade anteriores ao
reassentamento.
No caso da fonte primária, conforme mencionado anteriormente, esta se
refere às informações coletadas por meio da aplicação, pela equipe, de
questionário nas Vilas Aeroporto e São Tomás, e no Bairro São Bernardo. Este
questionário, que se encontra anexado ao final do presente documento, contém
perguntas abertas, por meio das quais se buscou perquirir não somente o
destino dos moradores removidos, mas também a quantidade de removidos
conhecida por cada um dos entrevistados e se estes eram capazes de avaliar o
grau de satisfação dos removidos com a nova situação.
Os entrevistados foram escolhidos de forma aleatória, porém, buscou-se
garantir o máximo de espalhamento, ou de difusão, ao longo da área da
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mancha de remoção, com vistas a cobri-la por completo. No recrutamento,
foram abordados aqueles moradores que se encontravam em frente às suas
casas no momento da pesquisa e que se dispuseram a responder, no dia, o
questionário. Foi utilizado como linha de corte o tempo do morador na vila, já
que um morador mais antigo teria maior probabilidade de conhecer pessoas
removidas.
Ao todo, foram entrevistados 36 indivíduos, dos quais 20 no Bairro São
Bernardo e 16 na Vila São Tomás. Todos eles residem nos locais afetados
pelas remoções há, no mínimo, 10 anos. Exceção feita ao caso de dois
entrevistados, que disseram lá residir há apenas dois e oito anos,
respectivamente. No gráfico abaixo é possível ver a distribuição dos
entrevistados segundo seu tempo de residência nas respectivas vilas. Vê-se
que esta distribuição ocorre na faixa acima de dez anos de moradia e que a
maior concentração dá-se no intervalo de onze a vinte anos (13 respondentes).
Apesar de terem sido escolhidos de forma aleatória, sem grande rigor
quantitativo, por ser a pesquisa de cunho predominantemente qualitativo, este
dado sobre o tempo de residência daqueles que responderam ao questionário
valida a incorporação dos resultados da aplicação do questionário entre os 36
moradores.
Gráfico 1: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo seu tempo de residência no local
Fonte: tabulação própria (2013)
No caso dos dados advindos da pesquisa realizada pelo Programa Polos
de Cidadania - “Os efeitos do Vila Viva Serra na condição socioeconômica dos
18
moradores afetados” (2011) - estes são compostos pelo resultado de 60
entrevistas em profundidade com moradores do aglomerado da Serra e contém
a indicação de 45 famílias removidas em decorrência do Programa, sendo 15
reassentadas em unidades habitacionais, 15 realocadas no próprio aglomerado
e 15 realocadas em outras áreas ou cidades. Serão, portanto, utilizados os
dados do grupo categorizado como “indenizados não Serra”, ou melhor,
indenizados que não permaneceram no Aglomerado da Serra, a fim de servir
de base inicial de comparação sobre possíveis destinos dos moradores
removidos.
Além destas duas fontes de dados, serão apresentadas informações
coletadas por meio de entrevistas em profundidade realizadas pela equipe,
junto a moradores removidos. Deve-se destacar que estas entrevistas foram
incorporadas a este relatório com o intuito de exemplificar alguns pontos
considerados relevantes para a discussão ora proposta. Sua análise mais
aprofundada, no entanto, fará parte do próximo relatório a ser elaborado pela
equipe deste mesmo eixo ‘reassentamentos urbanos’, o qual terá como objeto
a análise dos impactos e efeitos das políticas públicas de reassentamento da
Prefeitura de Belo Horizonte.
3. REMOÇOES E DESTINOS DOS REMOVIDOS
3.1 A intervenção e as remoções
O cálculo das remoções necessárias para a execução da intervenção é
feito quando da elaboração do Plano Global Específico, ainda durante o
processo de planejamento. Contudo, esse cálculo pode ser alterado durante a
execução das obras, tendo em vista necessidades que surgem quando se
alteram os projetos, além dos riscos criados pela própria intervenção.
Segundo o Plano Global Específico para o Aglomerado da Serra (2001),
as remoções seriam conforme o quadro abaixo:
19
Quadro 1: Quadro Geral de Realocações do Aglomerado da Serra
Fonte: PGE, Serra (2001)
O reassentamento das famílias por meio do programa Vila Viva ocorre
de três formas distintas, quais sejam (1) reassentamento em conjuntos
habitacionais construídos pelo programa; (2) aquisição de nova moradia
através do Programa de Reassentamento de Famílias Removidas em
Decorrência da Execução de Obras Públicas – PROAS; e (3) indenização pelas
benfeitorias.
Assim, no Quadro 1 a sigla N.U.H corresponde à Novas Unidades
Habitacionais, que correspondem então à realocação na primeira modalidade
mencionada acima. Já o reassentamento por meio do PROAS se dá nos casos
de moradores com benfeitorias avaliadas em valor inferior a 40 mil reais4.
Os indenizados atendidos pelo PROAS devem adquirir sua nova
moradia através desse programa. Neste caso, a prefeitura não repassa
qualquer valor diretamente ao beneficiado, mas sim à nova moradia, dentro dos
padrões e critérios pré-definidos. Critérios estes que algumas vezes dificultam
a aquisição da moradia pelos reassentados, uma vez que o valor do PROAS é
muito baixo para arcar com uma habitação bem localizada e inserida no
contexto urbano.
Observa-se ainda que a terceira modalidade de reassentamento não foi
incorporada ao quadro, ocorrendo em situações cujas benfeitorias tiveram
avaliação superior ao valor atendido pelo PROAS. Assim, as famílias recebem
diretamente um cheque com o valor correspondente sem que haja
4 Valor em junho de 2013, mas que é periodicamente reajustado.
20
acompanhamento específico por parte do programa para a aquisição da nova
moradia. Tanto a busca de moradias à venda quanto a compra desta ocorre
sem qualquer supervisão do programa Vila Viva.
Conforme se vê, os mesmos conceitos usados como referência no
quadro de reassentamentos no âmbito do Vila Viva Serra são também
adotados no Quadro 2 que discrimina os números de realocação em
decorrência do Vila Viva São Tomás.
No Aglomerado da Serra, contudo, ao final da execução da primeira fase
do projeto, conhecido como Vila Viva 1, o total de remoções totalizava 2.269
famílias, dentre as quais 856 foram ou ainda serão reassentadas em novas
unidades habitacionais e 1.413 receberam indenizações pela URBEL (seja ou
não pelo PROAS).5
Nas vilas São Tomás e Aeroporto, a previsão de remoção no Plano
Global Específico, feito em 2001, foi diversa daquela executada quando do
início da obra em 2011, após ter sido refeito o cálculo da mancha de inundação
do Córrego da Pampulha, que estendeu a área de risco para um limite superior
ao previamente estabelecido no plano. O PGE (2001), previu as remoções num
total de 530 domicílios6, como aponta o quadro abaixo7:
5 Polos de Cidadania “Os efeitos do Vila Viva Serra na condição socioeconômica dos moradores afetados” (2011). 6 A metodologia utilizada nos Planos Globais Específicos para definição de família (Aglomerado da Serra) ou domicílio (Vilas São Tomás e Aeroporto) não são claras. Compreende-se que em ambos os casos o que se definiu por família ou domicílio foi a unidade que seria objeto de remoção com direito ao reassentamento individualizado. Em muitos casos, houveram relatos de moradores que discordavam dos critérios da Urbel em definir esta “unidade”, seja domicílio ou família, que seria objeto de indenização, por desconsiderar, por vezes, filhos que moravam em habitações construídas no mesmo terreno como uma unidade separada. Assim, a própria falta de metodologia clara da Urbel nestas distinções nos impossibilita de definir estes conceitos conforme parâmetros próprios, mas nos indica que os números ali fornecidos contabilizam o que eles compreendem por família ou domicílio, ou seja, a unidade a quem eles atribuíram o direito ao reassentamento individualizado. 7 PREFEITURA, BELO HORIZONTE. PGE Vila São Tomás e Aeroporto. Diagnóstico etapa 4.
Janeiro 2001
21
Fonte: PGE, Aglomerado da Serra, 2001
Porém, após as adaptações a fim de adequar o PGE de 2001 ao projeto
executivo, as previsões de remoções nas Vilas São Tomás e Aeroporto
chegam a um total de 1300 famílias8, destas 560 serão reassentadas em
conjuntos habitacionais, dentre os bairros São Tomás (440 unidades) e Juliana
(120 unidades), e 740 foram ou serão indenizadas, aproximadamente.
As fotos de 1 a 4 mostram a situação na zona de remoção nas vilas São
Tomás e Aeroporto no momento da realização desta pesquisa (jan-jun/2013).
Período este que as obras para a construção das unidades habitacionais e
demolição das casas ficaram paralisadas, agravando a situação de quem
permaneceu na vila ou que ainda esperava indenização e remoção.
Pelas fotos é ainda possível perceber, mesmo durante o processo de
remoção e demolição, a mudança física do território dentro da nova perspectiva
da política de urbanização, que traz ressignificados para o espaço. Toda esta
alteração, já se prolonga por três anos, afetando profundamente o cotidiano
das famílias que permanecem e, que, de uma forma ou de outra, também terão
que criar novas identidades e novo senso de comunidade, quando a
intervenção finalizar.
8 Informação fornecida pelos técnicos da Urbel.
Quadro 2: Quadro resumo de realocações das Vilas São Tomás e Aeroporto
22
Foto 1: zona de remoção Vila São Tomás
Foto 2: Zona de remoção vila Aeroporto
23
Foto 3: zona de remoção vila São Tomás
Foto 4: zona de remoção vila São Tomás
A análise dessas fotos demonstra, imediatamente, a violência simbólica
do descaso da administração pública em relação aos bairros periféricos. É
possível, ao ver tais imagens, relembrar a existência de uma linha abissal que
o poder político estabelece entre periferias e centros urbanos, entendendo os
primeiros como locais onde tudo que existe é considerado irrelevante e
invisível. As imagens apresentadas - poucas delas - permitem, de certa forma,
inferir os processos de violência e de expropriação a que essas populações
24
têm sido submetidas em processos de reassentamentos precariamente
planejados.
3.2 Apresentação e análise dos dados do mapeamento
Dos 36 entrevistados nas Vilas São Tomás e Aeroporto, todos
conheciam ao menos uma família que havia sido removida durante as obras do
Programa Vila Viva. Ao todo, foram mencionadas pelos entrevistados 169
famílias de conhecidos que foram removidas9, o que nos indica o grande
impacto na rede de contatos destes.
Cerca de 80,5% dos entrevistados residem no local há mais de 15 anos,
como já demonstrado no Gráfico I. Percebe-se, portanto, que o tempo de
residência tanto nas vilas quanto no bairro São Bernardo sugere que as
famílias mencionadas faziam parte de sua convivência cotidiana, mesmo que,
às vezes, fossem somente vizinhos ou conhecidos. Este fato valida a
informação dada e a metodologia utilizada.
A maioria dos entrevistados não sabia precisar nomes completos ou
endereços das famílias removidas que conheciam, argumentando que não
tinham mais contato com estas após a mudança, na maior parte dos casos. O
Gráfico 2 demonstra que a maior parte dos entrevistados conhecia ou sabia
informar o destino de 1, 2 ou 3 famílias, sendo que somente três entrevistados
informaram mais de 12 famílias e seus respectivos destinos.
Fonte: tabulação própria (2013)
9 Os números aqui se referem somente a quantidade de menções a famílias ou destinos e não há números absolutos de famílias.
Gráfico 2: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de famílias
removidas que conhecem.
25
Os entrevistados foram questionados também acerca da composição das
famílias que conheciam, ou seja, o número de pessoas que compunham a
unidade familiar indicada. Quase metade dos entrevistados não sabia precisar
o número de pessoas. Dentre aqueles que souberam responder (cerca de
56%), indicaram que a maioria das famílias eram compostas de 3 a 5
membros, como indicado no Gráfico 3, a seguir.
Fonte: tabulação própria (2013)
Foi perguntado aos entrevistados, a fim de aferir sua percepção acerca
da satisfação dos removidos quanto à sua nova moradia ou nova localização
após a mudança, se eles achavam que as famílias indicadas estavam
satisfeitas. Os entrevistados não se julgavam em condição de opinar sobre a
satisfação de 73 famílias das 169 famílias mencionadas (43% do total
mencionado). Entre as famílias mencionadas cuja situação atual os
entrevistados julgam conhecer, 58% acreditavam que a família não estava
satisfeita, enquanto 37% disseram acreditar que a família gostava da nova
moradia e/ou localidade de destino. Não foram contabilizados nestes dados, as
respostas genéricas fornecidas por aqueles que conheciam muitas famílias,
dizendo, por exemplo, que “ninguém está satisfeito com a mudança”, por
entender que não seria possível relacionar esta percepção às famílias
individualmente indicadas.
Gráfico 3: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de pessoas
removidas que conhecem
26
Tabela 1: Informação/percepções dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação, das famílias removidas, com seus novos locais de residência
Satisfação Número de famílias na situação
Gostou 35 Não gostou 55 Não sabe 5
Não respondeu 73
Gráfico 4: Informação/ percepção dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação das famílias removidas em seus novos locais de residência
Fonte: tabulação própria, 2013
O gráfico 4 demonstra que há, por parte dos moradores, uma tendência
a inferir que as famílias removidas não estão satisfeitas. O motivo da
insatisfação indicado pela maioria dos entrevistados foi a relutância dos
removidos em deixar seu local de residência, pois a comunidade em questão é
muito unida e a região é próxima a diversos serviços de qualidade.
Por certo não há como atestar a satisfação real dos removidos com base
na percepção de outros moradores, mas há uma indicação de que quem
permaneceu na vila também foi afetado pelo rompimento das redes
anteriormente estabelecidas e que veem a mudança de forma negativa.
Contudo, há ainda um número significativo de famílias mencionadas (38%) que
estariam satisfeitas, demonstrando que os entrevistados conseguiam distinguir
27
dentre aqueles que se encontravam adaptados e satisfeitos e aqueles que
demonstravam insatisfação.
O motivo da insatisfação não fez parte do inquérito, mas de qualquer
forma a resposta refletiria somente a opinião dos entrevistados com relação ao
tema, o que somente o contato com os próprios removidos poderia elucidar.
Mesmo assim, é relevante pontuar que a maioria dos entrevistados acredita
que as famílias removidas estão insatisfeitas e que gostariam de retornar a
viver no local de antiga moradia.
Algo que pode ser depreendido da fala dos respondentes quanto à
satisfação/insatisfação daqueles já removidos do local, ou seja, que,
possivelmente, se tivessem sido levantadas as demandas primordiais das
famílias a serem removidas poderia ter havido maior efetividade do Programa
quanto à satisfação dessas famílias em relação ao processo ocorrido. E, da
mesma forma, quanto às suas necessidades infraestruturais e sócio-afetivas.
Sobre as famílias removidas, os entrevistados informaram seus destinos
desde bairros da própria cidade de Belo Horizonte, até cidades da região
metropolitana - RMBH e, inclusive, cidades de outras regiões do estado de
Minas Gerais.
Muitos entrevistados indicaram que famílias removidas estavam
morando “de aluguel”, aguardando a entrega das unidades habitacionais pelo
programa. Este grupo foi destacado como “bolsa moradia”, somando-se
àqueles cujo destino foi a Vila São Tomás ou o Bairro São Bernardo, pois quem
se encontra nesta situação será reassentado e, assim, permanecerá na região
(não há como precisar quais dessas famílias mencionadas irão para
reassentamentos no Bairro Juliana).
O quadro 3 abaixo apresenta os destinos indicados pelos moradores
durante o inquérito nas Vilas São Tomás e Aeroporto.
Quadro 3: Distribuição das famílias indicadas pelos moradores entrevistados, segundo local de destino após remoção
28
O mapa 1, a seguir, mostra os destinos das famílias removidas, como
referido pelos entrevistados, conforme as cidades de destino. Importa frisar que
a metodologia utilizada não permite quantificar as famílias em números
absolutos, mas sim quantificar as menções a determinados destinos, uma
vez que não seria possível determinar se haviam repetições entre as famílias
referidas por cada entrevistado.
O mapa 2 mostra os destinos mencionados, com ênfase aos bairros da
cidade de Belo Horizonte.
Belo Horizonte 105 Vespasiano 31 Outros municípios
RMBH 25
Outros
municípios 8
Aarão Reis 3 Vespasiano 10
Ribeirão das
Neves 8 Manhuaçu 3
Bequinha 1 Gávea 7
São Joaquim de
Bicas 2 Monte Azul 2
bolsa moradia 12 Jardim da Glória 2 Betim 2 Paraopeba 1
Botafogo 1 Santa Clara 1 Ravena 2 Pedra Azul 1
Buritis 1 Santa Mônica 1 Santa Luzia 6
Céu Azul 1 Novo Horizonte 1 Contagem 2 Três Corações 1
Conj. Felicidade 13 Morro Alto 5 Esmeralda 1
Cristina 1 São José da Lapa 4 Itatiaiuçu 1
Floramar 2 Matosinhos 1
Jardim de Alá 1
Julio Maria 1
Lagedo 2
Nacional 1
Nova Pampulha 1
Novo Aarão Reis 6
Palácio do Governo 2
Pedra Branca 1
Puxa Faca 1
Ribeiro de Abreu 15
São Bernardo 19
São João Batista 1
São Tomás 10
Serra Verde 6
Solimões 1
Tupi 1
Zoológico 1
29
Mapa cidades (é necessário deixar páginas em branco para a impressão
dos mapas, por causa da numeração).
30
Mapa BH
31
Pelos mapas tem-se um indicativo que as famílias removidas encontram-
se dispersas em diferentes localidades, mas com grande concentração em
bairros periféricos da cidade de Belo Horizonte, tais como Ribeiro de Abreu, ou
Felicidade, e ainda, menção recorrente às cidades da região metropolitana,
como Vespasiano e Ribeirão das Neves. Nenhuma das famílias teve como
destino regiões centrais de Belo Horizonte ou bairros da zona sul, à exceção de
uma menção ao bairro Buritis, onde a família teria se abrigado na empresa
onde o chefe de família trabalha.
O Mapa 2, que explicita os destinos mencionados dentro da cidade de
Belo Horizonte, aponta que as famílias concentram-se na zona norte da cidade,
tendo muitas delas tomado sentidos mais distantes do centro, em direção a
zonas fronteiriças, como o Bairro Serra ou Céu Azul.
É clara, pela análise dos mapas, a dispersão das famílias no território,
seja da RMBH, seja na cidade de Belo Horizonte, o que por si já demonstra a
desconstituição da comunidade antes existente nas vilas São Tomás e
Aeroporto, e o consequente rompimento dos elos socioafetivos e de
solidariedade.
É alarmante, ainda, a alta referência a cidades da região metropolitana
como destino das famílias removidas, o que demonstra uma “exportação” de
contingentes de população de baixa renda para a RMBH. Ademais, destinos na
RMBH como Vespasiano e Ribeirão das Neves, que são municípios cuja
infraestrutura de serviços não é comparável ao da capital10, foram indicados
inúmeras vezes totalizando 23% das menções.
A continuação da pesquisa, com a entrevista destes moradores
removidos, poderá demonstrar como são as condições de vida nos novos
10
Produto Interno Bruto das cidades referidas pode dar uma base de comparação entre a disparidade de recursos das cidades da RMBH em comparação com a capital. Conforme IBGE/2008: Belo Horizonte (42.192 mi), Ribeirão das Neves (1499 mi), Vespasiano (991mi). (Produto Interno Bruto dos Municípios 2004-2008. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
32
destinos, se tais localidades contam com a mesma infraestrutura e acesso a
serviços que a anterior.
O resultado do inquérito nos dá, ainda, um indicativo que algumas
famílias conseguiram permanecer na própria região de moradia anterior,
adquirindo sua residência no Bairro São Bernardo ou, ainda, na vila São
Tomás, contando estes destinos com um percentual de 20% das referências
dos entrevistados.
No tocante ao destino dos moradores removidos do Aglomerado da
Serra, foram utilizados os dados coletados pela pesquisa realizada pelo
Programa Pólos de Cidadania, somente em relação aos indenizados que
saíram do aglomerado com a remoção:
Gráfico 5: Atual local de residência dos Indenizados Não Serra, segundo regiões selecionadas. Aglomerado da Serra, 2010-2011
Fonte: Pólos, 2010-2011.
Dentre o grupo “indenizados não Serra”, que a referida pesquisa
nomeou para indicar os moradores removidos para áreas fora do Aglomerado,
havia referências ao Bairro Taquaril e Santa Fé, em Belo Horizonte e na
RMBH, aos Municípios de Ribeirão das Neves, Contagem e Sabará.
Ainda segundo o Programa Pólos de Cidadania, a URBEL informou que
“do total de moradores removidos de suas casas 74% foram reassentados
dentro do próprio Aglomerado. Ou seja, um total de 26% do grupo afetado pelo
33
Vila Viva está atualmente residindo no entorno do Aglomerado, em outros
Bairros de Belo Horizonte, em outros municípios da RMBH ou, ainda, em
outros municípios no interior do estado de Minas Gerais” (PÓLOS, 2011).
Contudo, tal informação não pôde ser verificada, pois a Urbel não forneceu os
endereços de destinos dos removidos solicitados por aquela equipe de
pesquisa, sob o argumento de confidencialidade.
Neste caso, há mais uma vez um indicativo de que as famílias
removidas pelo Programa Vila Viva estão se dispersando pela Região
Metropolitana de Belo Horizonte, e em outros bairros não-centrais da capital. O
que demonstra que essas famílias possivelmente encontram-se mais distantes
de seus locais de trabalho, e tendo que se adaptar a nova conformação quanto
a serviços (especialmente saúde e educação). Isto sem mencionar a distância
criada entre essas famílias e seus familiares e amigos, que favorecem a
desconstituição do capital social e humano tão vital a manutenção da qualidade
de vidas destas populações.
3.3 Inferências iniciais acerca dos efeitos das remoções nas famílias indenizadas
O impacto da remoção para uma família varia conforme sua condição
socioeconômica, cultural e educacional anterior, considerando que a
composição populacional das vilas e favelas apresentam variações
consideráveis quanto a esses aspectos.
Se tomarmos os dados constantes nos diagnósticos feitos pela própria
prefeitura de Belo Horizonte, no plano global específico para as vilas Aeroporto
e São Tomás e para o Aglomerado da Serra, é possível perceber que a
população das vilas é composta majoritariamente por famílias em alto grau de
vulnerabilidade social, especialmente dentre aquelas objeto de remoção.
Observando os dados coletados durante a elaboração do diagnóstico
para as Vilas São Tomás e Aeroporto em 2001, tanto a escolaridade das
famílias, quanto a renda per capita mostrou-se extremante baixa, como
34
demonstram as tabelas e gráficos abaixo retirados do Plano Global Específico
para as Vilas São Tomás e Aeroporto.
A tabela abaixo, por exemplo, mostra que parte considerável das
crianças e jovens em idade escolar em 2001 não frequentavam as salas de
aula em idade regular. Cerca de 40% dos moradores frequentavam o período
de 5a a 8a série com idade entre 15 e mais de 31%, o que evidencia altos
índices de repetência, vez que essa etapa costuma ser concluída por volta dos
15 anos de idade.
Fonte: PGE São Tomás e Aeroporto, 2001
Deve-se destacar, também, a baixa escolaridade da maior parte dos
chefes de família na Vila São Tomás, onde cerca de 48% destes podiam ser
considerados analfabetos (5,21%) ou analfabetos funcionais (42,71%).
Situação semelhante era encontrada à época da elaboração do PGE (2001) na
Vila Aeroporto, onde 13,16% dos chefes de família eram analfabetos e 36,84%
podiam ser considerados analfabetos funcionais. Em ambos os casos poucos
foram os que chegaram a concluir o ensino médio (15,63% e 10,53%,
respectivamente) e mais raros ainda os chefes de família que tiveram acesso à
educação superior (2,08%, apenas no São Tomás).
Tabela 2: Idade x Escolaridade – Vila São Tomás
35
Tabela 3: Grau de instrução do Chefe de família
Fonte: PGE São Tomás e Aeroporto, 2001
Além da baixa escolaridade observada quanto aos chefes de família,
deve-se destacar que o perfil das famílias das regiões afetadas pelo Programa
Vila Viva relaciona-se também a rendas mais modestas. Predominam, em
ambas as vilas, renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos, sendo esta a
condição de 59,39% das famílias na Vila São Tomás e de 53,49% das famílias
na Vila Aeroporto. As famílias com renda superior a 3 e inferior a cinco salários
mínimos somavam 34,38% na Vila São Tomás e 34,88% na Vila Aeroporto.
36
Fonte: PGE Sao Tomás e Aeroporto, 2001
A baixa renda e escolaridade da maioria das famílias das regiões
afetadas reforçam a percepção dos pesquisadores quanto à invisibilidade dos
grupos atingidos nestes locais. Historicamente relegados pelo Poder Público,
ao sofrerem intervenção esses grupos seguem invisibilizados, vez que o Vila
Viva não promove uma política de acompanhamento dos removidos que
“optam” pela indenização, o que seria essencial ao monitoramento dos
impactos do programa sobre essas famílias pela prefeitura, a fim de
pensar/repensar suas intervenções futuras.
O Aglomerado da Serra, contava em 2001 com uma estimativa de 46 mil
habitantes, divididos em seis vilas: Vila Aparecida (6.166), Vila Cafezal (7.009),
Vila Conceição (7.828), Vila Fátima (13.291), Vila Marçola (7.944) e Vila Novo
São Lucas (3.848), segundo o Plano Global Específico.
Os dados socioeconômicos constantes do diagnóstico do PGE do
Aglomerado da Serra também indicam a presença de população de baixa
Tabela 4: renda familiar, com destaque para as vilas São Tomás e Aeroporto
37
renda e com baixa escolaridade, em todas as vilas que compõem o
aglomerado.
Tabela 5: quadros de população segundo escolaridade e renda nas vilas do Aglomerado da Serra
Para ilustrar as diferentes condições de adaptação de uma família frente
à remoção, comparamos dois casos paradigmáticos, cujas informações foram
38
colhidas durante entrevistas11 em profundidade realizadas com indivíduos
removidos pelo Programa Vila Viva.
O primeiro é o caso da D. Dileta12, que foi indicada por inúmeros
moradores como uma pessoa de referência, líder comunitária, conhecida em
toda a vila e que, por isto mesmo, participava dos grupos de referência
constituídos pela Urbel para acompanhamento e discussão das obras de
intervenção. O segundo caso é de D. Amélia e S. José, moradores da vila há
mais de 20 anos, porém residentes em uma área com maior vulnerabilidade,
perto do córrego e sempre sujeitos às mazelas das inundações, ambos
analfabetos e dependentes de serviços de saúde e assistência.
Nos dois casos as famílias foram removidas durante as obras de
intervenção do programa Vila Viva, foram indenizadas pelas benfeitorias que
possuíam e adquiriram nova moradia no município de Vespasiano, na região
metropolitana de Belo Horizonte.
No primeiro caso, D. Dileta foi indenizada pelo valor das benfeitorias de
uma casa bem feita e estruturada que possuía na Vila São Tomás, no valor de
R$ 92.000,00. Juntando o valor recebido a título de indenização com
economias que possuía, comprou uma casa ampla, bem estruturada, em
região urbanizada do município de Vespasiano. Sua condição de habitabilidade
melhorou, se comparada à moradia anterior, e D. Dileta encontra-se
plenamente satisfeita com a mudança. Para ela, o novo local é mais tranquilo,
longe da violência13 e tem ainda “ares do campo”, como se morasse na roça. A
distância da antiga moradia e toda a condição de vida diferente na nova cidade
não a incomoda, apesar de ter saudades da Vila São Tomás, das festas que
organizava e dos amigos que se dispersaram com a onda de remoções.
11 Entrevistas estas que estão sendo utilizadas aqui para dar subsídio às conclusões, mas que estão sendo coletadas para a pesquisa de análise de impacto e efeitos do Programa Vila Viva nas Vilas São Tomás e Aeroporto e no Aglomerado da Serra, cujo resultado será apresentado no relatório de mesmo título. 12 Os nomes foram alterados a fim de preservar a privacidade dos entrevistados. 13
Um dos fatores de desmobilização da comunidade do São Tomás foi a presença marcante do tráfico de drogas e da violência a ele associada no cotidiano das famílias, como ficará demonstrado no relatório final acerca dos efeitos do Programa Vila Viva nas vilas São Tomás e Aeroporto.
39
O segundo caso demonstra uma situação bem diferente do caso
anterior. D. Amélia e Sr. José foram indenizados pelas benfeitorias de uma
casa de poucos cômodos, totalizando R$ 26.000,00. Sr. José, que se
encontrava no gozo de benefício previdenciário (auxílio-doença), não podia
utilizar todo o recurso na compra de nova moradia, pois precisava do dinheiro
para custear despesas enquanto se encontrasse desempregado. Adquiriu nova
moradia em Vespasiano, onde outros membros de sua família também foram
após as remoções, no valor de R$22.000,00. Sua nova moradia encontra-se
em bairro periférico de Vespasiano (Morro Alto), longe da sede do município e
sem acesso a serviço adequado de transporte. Localiza-se em região
favelizada, sem regularização fundiária, sendo o endereço em um beco, cujo
acesso dá-se por uma escada íngreme, que fica quase interditada em períodos
de chuva. Devido à mudança de endereço, Sr. José perdeu o auxílio-doença,
por não comparecer a perícia junto à Previdência Social. Passaram a viver do
montante da diferença da indenização, pois ficaram sem renda. No novo local
de moradia, nem Sr. José nem D. Amélia conseguem encontrar emprego,
como ninguém os conhece não há indicações para “bicos” ou para empregos
formais. A falta de laços de solidariedade com a nova comunidade dificulta a
sobrevivência direta desta família, pois até mesmo a compra a crédito (fiado)
pressupõe relação de confiança, que inexiste. Tendo que se adaptar a uma
nova estrutura administrativa municipal, Sr. José não consegue tratamento de
saúde necessário para acompanhamento de sua doença, e vê sua condição
agravada. Até o momento da entrevista para os pesquisadores, o casal estava
sem renda há quase um ano (desde a mudança para Vespasiano), vivendo de
ajuda de uma das filhas, que também foi removida, mas cujo marido continuou
empregado. Ambos encontravam-se em casa, sem possibilidade de sair para
buscar novas alternativas, pois não possuíam dinheiro para o transporte
público, abatidos de uma depressão visivelmente paralisante. A vontade de
ambos é retornar ao São Tomás.
40
Foto 5: Local de destino, caso 2 D. Amélia e S. José, Vespasiano
Ao comparar os dois casos é possível perceber que quanto maior a
vulnerabilidade social das famílias removidas, maior será a dificuldade de
adaptação em novo ambiente. Famílias que detinham boa condição social
detém maior facilidade de adaptação ao novo local, pois sua possibilidade de
acesso a serviços, emprego e renda está relacionada a uma condição pessoal
de adaptabilidade.
Já nos casos de famílias em grave condição de vulnerabilidade social,
acometidas pelo analfabetismo ou pouco grau de instrução, sua sobrevivência
está intimamente ligada às condições de solidariedade construídas ao longo da
vida e que, em sua maioria, relaciona-se a um território (Gustin 2012), mesmo
que esta rede se estenda minimamente por laços familiares. Diz-se
minimamente, pois a rede tende a se desfazer com as grandes distâncias, uma
vez que essas pessoas não detém acesso à mobilidade própria da era da
informação14, isso é, não tem acesso a serviços como telefonia (alto custo das
14 Com a era da informação, a fluidez e a mobilidade de dados e pessoas faz levantar toda uma discussão acerca do “lugar” ou do espaço, que pode ser tanto mais fluido e menos relacionado ao seu referencial físico. (CARLOS, 2007) Porém, é relevante destacar que a era da
41
ligações) ou internet, e mesmo o deslocamento por transporte público implica
em um alto custo frente à renda familiar. Todas essas limitações na
comunicação implicam enfraquecimento da rede previamente construída tendo
por base um território.
O segundo caso é paradigmático para ilustrar como o rompimento dos
laços de confiabilidade e solidariedade, provocado pela remoção, importa em
privação imediata das condições de sobrevivência. A possibilidade de ter
acesso à renda através de pequenos bicos ou, no caso das mulheres, cuidado
com crianças ou idosos, depende da relação social que foi construída por anos
e que levou à confiança mútua em uma determinada comunidade
espacialmente consolidada. A vulnerabilidade destas famílias é ainda maior,
pois a falta de conhecimento acerca deles na nova comunidade também os
deixa expostos a situações de violência. No caso narrado, o casal tinha grande
medo de perder sua casa para o tráfico de drogas, pois até mesmo esta
relação com o mundo do crime que permeia as vilas e favelas é dependente de
relações de confiança para ser objeto de “proteção” ou de violência.
Estar “do outro lado da linha”, na concepção das linhas abissais que
dividem as cidades, significa ter que sobreviver dentro de perspectivas
próprias, diante à ausência do Estado e seus mecanismo de proteção, que
servem somente para quem está “dentro da linha”. Os moradores de vilas e
favelas, estando do lado da invisibilidade, não podem contar com a proteção ou
assistência do Estado para sua sobrevivência. E é justamente por isso que a
formação de capital social e humano é tão importante para estes, pois lhes
garantem meios de sobrevivência através da ajuda mútua e de redes de
solidariedade.
Os dados coletados, somados ao diagnóstico socioeconômico realizado
pela prefeitura nas vilas, apontam que a situação frente à remoção, ou seja, a
condição de adaptabilidade das famílias indenizadas tende a se aproximar em
informação, como apontam diversos autores (Sassen, 2001; Castells, 2003), não inclui a totalidade das pessoas, pois estar conectado a esta rede significa estar em locais determinados e ter acesso a tecnologias determinadas. Tanto mais a concentração de poder e renda referencial da era da informação, maior a exclusão de um grupo enorme de pessoas das possibilidades de se conectar e, desta forma, se beneficiar da fluidez que a rede proporciona.
42
maior medida do segundo caso narrado que do primeiro caso, especialmente
ao se considerar, ainda, que a localização das famílias com maior
vulnerabilidade era próxima ao córrego (vilas São Tomás e Aeroporto) ou em
áreas de grave risco geológico (Aglomerado da Serra), ou seja, locais onde se
concentram preferencialmente as remoções.
Certamente que somente um inquérito com um número representativo
de removidos poderia dar informações acerca das atuais condições das
famílias removidas. Contudo, os dados socioeconômicos das populações das
vilas aliados ao mapeamento dos destinos predominantes, indicam que grande
parte das famílias possivelmente tiveram sua qualidade de vida prejudicada,
assim como sua condição de sobrevivência nas novas localidades.
4. CONSIDERAÇOES FINAIS
Com base no mapeamento construído a partir das informações
recolhidas pelos moradores que permaneceram nas vilas São Tomás e
Aeroporto quanto ao possível destino das famílias removidas, é possível fazer
algumas considerações iniciais. Os dados coletados por meio do inquérito
realizado nas Vilas São Tomás e Aeroporto apontam uma grande dispersão
das famílias removidas, tendo sido mencionadas 15 cidades diferentes e, em
Belo Horizonte, 25 bairros.
Este indicativo inicial, que será posteriormente complementado pelos
dados fornecidos pela Urbel e pelas entrevistas a serem realizadas com as
famílias removidas, sugere o impacto que as remoções têm sobre a rede de
solidariedade, ou socioafetiva, das populações atingidas. Há, com a remoção,
uma desconstrução da comunidade consolidada num território ao longo de
várias décadas e que constituiu laços socioafetivos que suportavam inúmeros
aspectos de sua vida cotidiana. Esta comunidade encontra-se dispersa em um
território vasto, resultante do rompimento do liame territorial na desconstrução
das redes. Como pôde ser diagnosticado nas respostas dos entrevistados,
43
poucos deles mantinham contato com as famílias, depois que estas haviam
sido removidas.
A constituição de capital social e humano, como enfatizado por Gustin
(2012), para as populações de baixa renda é essencial para seu potencial
emancipatório, de unidade para luta por direitos e melhorias para sua região,
ou para sair do círculo da pobreza. A desconstituição deste, através das
remoções, leva ao agravamento da vulnerabilidade social à qual aquelas
famílias já se encontravam expostas.
É alarmente, ainda, a significativa menção à região metropolitana como
destino dos removidos. Isto nos dá indicativo, mesmo que parcial, de que o
programa de urbanização de Belo Horizonte está transferindo parcela de sua
população pobre para a RMBH.
O Vila Viva está afetando a RMBH de forma expressiva e intensiva , mas
sem que haja qualquer política conjunta entre esses municípios para a
recepção deste contingente populacional. Sabe-se que os municípios da RMBH
mencionados não possuem infraestrutura urbana e de serviços compatível ao
que é oferecido na capital, sem mencionar a diferença na tarifa do transporte
metropolitano, que interfere negativamente na renda das famílias.
A continuação dos estudos com os removidos buscará compreender
qual a situação destes após a mudança, especialmente no tocante ao acesso a
moradia digna em área urbanizada, às condições de empregabilidade e renda,
ao impacto nas redes pessoais e no acesso a serviços públicos. Essa
informação é fundamental para o estudo dos impactos do programa Vila Viva,
pois, uma vez que este visa melhorar a qualidade de vida das populações
afetadas, o alto número de removidos poderá ser um fator que acentua os
aspectos negativos da intervenção.
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5. REFERÊNCIAS
CARLOS, Ana Fani Alessandri. (2007) O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH.
GUSTIN, Miracy B S. “A governanca social em comunidades periférias e de exclusao: questoes de fundo sobre a efetividade.” Revista do Observatório do
Milênio de Belo Horizonte, n. 3 (jun 2012): 14-35.
LITTLE, Paul E. (2002) Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: Por uma antropologia da territorialidade. Série Antropologia. Brasília.
POLOS DE CIDADANIA. (2011), Relatório Final da pesquisa “Os efeitos do “Vila Viva” Serra na consição socioeconômica dos moradores afetados” financiada pela CNPq.
PREFEITURA, BELO HORIZONTE. PGE Vila São Tomás e Aeroporto. Diagnóstico etapa 4. Janeiro 2001.
PREFEITURA, BELO HORIZONTE. PGE Aglomerado da Serra. Etapa 5. Propostas e Hierarquização. Volume I – Texto. Novembro/2001
SANTOS, Boaventura de Souza (2008). Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecología de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 48.
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6. APENDICE Questionário: mapeamento do destino dos removidos
1) Sobre o entrevistado: Número: ______________________________________________________ Bairro: _________________________________________________________ Há quantos anos mora no local? _________________________________ 2) Sobre os removidos: Conhece alguma família que foi removida com as obras do Vila Viva? ____ sim _____ não Quantas famílias conhecidas foram removidas? _______________________________________________________ Cada família tem quantos membros? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Para onde foram? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Sabe se já mudaram novamente? Para onde? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ As famílias estão satisfeitas ou desejam retornar? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________