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ii
MANUEL SILVEIRA FALLEIROS
ANATOMIA DE UM IMPROVISADOR:
O ESTILO DE NAILOR AZEVEDO.
Dissertao apresentada Faculdade de Msica do Instituto de Artes
da Universidade Estadual de Campinas, para obteno do ttulo de
Mestre em Msica.
CAMPINAS 2006
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[ficha catalogrfica]
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iv
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v
[Folha de Aprovao]
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vi
Dedico este trabalho aos meus professores.
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viii
AGRADECIMENTOS
Aos msicos que concederam entrevistas to valiosas, e que sem
elas a realizao deste trabalho no seria possvel.
Raquel Silveira, pela carinhosa co-orientao em tempo
integral.
Brbara Falleiros, pela dedicada reviso e incentivo, mesmo quando
distante.
Faculdade de Msica da Unicamp, na figura de seus professores,
que ao longo destes anos contriburam para o meu crescimento
profissional e intelectual. Por sua pacincia, boa vontade e
apoio.
Aos meus familiares.
A todos que contriburam direta ou indiretamente no decorrer
deste trabalho.
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ix
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x
RESUMO
Esta pesquisa teve por finalidade analisar o desenvolvimento da
improvisao de Nailor Azevedo.
Nailor Azevedo Proveta saxofonista, clarinetista, arranjador e
compositor. Suas obras tm sido destaque no cenrio da msica popular
brasileira. Contudo, o fato mais peculiar de sua potica a presena
constante da improvisao musical em suas obras. Este fato
interessante pelo nvel altamente desenvolvido e complexo que os
solos improvisados de Nailor atingem no contexto da msica
brasileira.
Apresentamos como Nailor adquiriu certas habilidades musicais e
o tipo de prtica que o levaram a elas. Estas habilidades foram
determinantes para o desenvolvimento e consolidao de seu estilo de
improvisao.
Verificamos que Nailor atingiu um nvel verdadeiramente profundo
e original em sua improvisao. Isto foi comprovado atravs de
transcries e anlises sobre seus solos improvisados. E por fim,
reunimos as caractersticas mais particulares de seu estilo e as
relacionamos com as fases de seu aprendizado musical.
Palavras-chave: Improvisao, Msica Brasileira, Anlise.
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xi
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xii
SUMRIO
Introduo 1
Captulo 1: Biografia 2
1.1. Vivncia musical no interior 2
1.2. Primeiras lies em Leme 17
1.3. Novas demandas 30
1.4. Produo musical 36
1.5 Concluso 38
Captulo 2: Estudo do Processo Criativo de Nailor Azevedo
Proveta
42
2.1. Processo Criativo 42
2.2. Anlise Musical 59
2.2.1 Anlise do solo introdutrio S Louco
62
2.2.2 Anlise do solo em A lenda do Abaet
81
2.2.3 Anlise do solo em Joo Valento
89
2.2.4 Anlise do solo em 1 x 0
94
Captulo 3: A Construo da Originalidade 107
Bibliografia 112
Anexo: Entrevista 116
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xiii
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1
Introduo
Este trabalho enfoca uma discusso sobre o processo criativo
musical de Nailor Azevedo. Considerado um dos maiores
representantes do saxofone no pas, suas produes musicais tm
relevncia no cenrio internacional devido sua originalidade como
solista.
Pretendemos demonstrar os aspectos estilsticos que constituem
sua originalidade como solista. Ao longo do trabalho discutiremos
temas que envolvem o seu desenvolvimento musical.
Este trabalho est estruturado em trs captulos, no qual o
primeiro trata de traar uma biografia preocupada em destacar a sua
formao musical, o segundo se ocupa de discutir seu processo
criativo, exemplificando atravs de seus solos improvisados, e o
terceiro, uma concluso das informaes obtidas.
O primeiro captulo consiste em um levantamento biogrfico
realizado atravs de entrevistas, que nos permita o contato com sua
formao musical, suas experincias
profissionais, enfim a sua vivncia, no intuito traar um paralelo
desta com sua produo musical posterior, a fim de esclarecer como
estas experincias de vida o influenciaram posteriormente na criao
de seu estilo. Com isso podemos traar uma linha de seu
desenvolvimento musical. Utilizaremos suporte terico para
demonstrar a que nveis se encontram as habilidades de Nailor como
improvisador.
No segundo captulo buscamos alcanar a compreenso da estrutura
criativa de Nailor atravs dos elementos providos pelo captulo
anterior. Para melhor ilustrar, e no intuito de enriquecer o
trabalho, sero usados, como exemplo, anlises sobre transcries de
seus solos improvisados. Estas anlises nos revelam elementos tpicos
de sua concepo musical.
No terceiro captulo, atravs dos dados contidos nos dois captulos
anteriores, buscamos reunir algumas das caractersticas estilsticas
de Nailor Azevedo. Este captulo discute a originalidade da obra de
Nailor.
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2
Captulo 1: Biografia
1.1. Vivncia Musical no Interior
A formao musical de Nailor passa por uma escola tpica observada
no pas, em especial, entre os instrumentistas de sopro: o
aprendizado atravs das corporaes musicais, quer dizer, as Bandas de
Msica1. neste espao que Nailor toma contato com muitas formas de
expresso da msica. O ambiente vivenciado por ele na infncia foi
decisivo para seu desenvolvimento musical; e, as duas figuras de
destaque neste ambiente foram: a famlia e a Banda de Msica.
A pequena cidade de Leme, no interior paulista, foi o cenrio no
qual os primeiros anos da vida musical de Nailor transcorreram. Uma
estao ferroviria (fundada em 1877), que passava pelas terras do
fazendeiro Manuel Leme, deu incio ao que viria a ser esta cidade
(fundada em 1906, com ento apenas 800 habitantes).
Mesmo sendo uma cidade pequena, a atividade musical era
marcante. Afinal, apenas 12 anos aps o nascimento da cidade
inaugurado o Theatro Guarany , que contava com uma orquestra
dirigida pelo maestro ngelo Constantino. Sob o nome deste maestro,
trs anos aps a inaugurao do teatro, fundada a Corporao Musical
Municipal Maestro ngelo Constantino , com uma banda que possua uma
agenda regular de ensaios e apresentaes, e que envolvia os msicos
da regio.
Uma cidade pequena do interior, que contava com uma orquestra e
seu teatro, e uma banda com sua sede e coreto na praa. Em 25 de
maio de 1961, ela foi o bero para o filho de Geraldo Azevedo e
Eufrozina Martins Azevedo, que mais tarde seria conhecido por
Proveta (uma referncia ao beb de proveta ).
Como se no bastasse nascer nesta cidade onde a msica era uma
atividade marcante, sua famlia era de msicos. Seu pai era
acordeonista, assim como seu av paterno, Manoel Joaquim, que era
neto de escravos. Manoel tocava acordeom nos finais de
1 Banda de Msica
adotaremos este termo para designar as bandas civis de
instrumentos de sopro e percusso que contavam, geralmente, com um
quadro de professores responsveis pela instruo terica musical e
aprendizado prtico de instrumento.
-
3
semana quando no estava atarefado com o trabalho na fazenda. Mas
a msica estava longe de ser um lazer aps o esforo do trabalho, era
na verdade sua profisso, e por isso ele se dedicava a ela com muita
seriedade. O av de Nailor era um acordeonista habilidoso, e muito
exigente na execuo dos choros2:
... ele [o av] era um acordeonista muito exigente... e tocava
choro, tocava baile pra ganhar uma grana, e durante o dia
trabalhava na roa, morava em fazenda. 3
Existiu no Brasil um fenmeno com relao msica de que, durante
muito tempo, ela foi uma atividade praticamente exclusiva dos
negros escravos. Escravos com a habilidade de tocar ou cantar
tinham mais valor no mercado, mais regalias, alm de gozarem de um
certo prestgio. Conscientes desse valor, aqueles que tinham chance
se empenhavam em adquirir o mais alto nvel musical que podiam.
Como j dissemos, o pai de Nailor aprendeu acordeom e as
primeiras noes de msica com o av. Posteriormente, fez aulas
particulares, melhorou sua tcnica e aprendeu outros instrumentos,
como o saxofone, clarineta e rgo.
Nailor, constantemente, gosta de afirmar que veio de uma tradio
, de uma linhagem . Certamente isto se refere tradio da msica,
advinda de seu pai, que por sua vez a recebeu do av, e este sendo
neto de escravos, provavelmente aprendeu, alm dos conhecimentos
tcnicos, obviamente, que a msica era capaz de proporcionar uma
condio de vida melhor. Nailor percebeu desde cedo que a msica no
devia ser tratada como divertimento.
2 Gnero de msica brasileira que nasce de uma maneira prpria dos
msicos populares interpretarem o repertrio estrangeiro do sculo
XIX. Quanto ao gnero choro, no dispensa o uso de modulaes
imprevistas, armadas com o propsito de pr prova a capacidade ou o
senso polifnico dos acompanhadores . Em Enciclopdia da Msica
Brasileira: popular, erudita e folclrica
3 ed.
So Paulo: Art editora: Publifolha, 2000. Somos levados a crer,
desse modo, que a inteno do comentrio se presta a qualificar o
msico. 3 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
-
4
A tradio da msica, na casa de Nailor, no era exclusiva dos
homens da famlia, suas quatro irms tambm tocavam, cada uma, algum
instrumento musical. Nailor viu que a msica uma atividade familiar
e que ela se d em conjunto.
A sua casa recebia constantemente a visita de outros msicos da
cidade e da regio. Nailor sempre esteve atento s conversas sobre
msica que seu pai tinha com os convidados. Desde a infncia, Nailor
acompanhou estas conversas e tambm os ensaios:
... eu via meu pai tocar, ele tinha um regional, e tinha uns
amigos dele que freqentavam l na minha casa, o pessoal l de
Leme...tinha o Joozinho Moraes, que tocava cavaquinho, tinha o Dito
Pires que tocava o violo de sete cordas, tinha Vitor Quirino que
tocava...bateria, o Vitor Quirino era albino, sabe aqueles negros
albinos, que nem o Hermeto, morava l em Leme, tocava bateria, e
tocava caixa na banda, era caixista na Corporao Musical; e tinha
outro amigos envolvidos nessa histria... 4
Segundo o prprio Nailor, a msica era muito natural 5; e no
poderamos imaginar que fosse diferente, afinal sua viso do mundo,
desde muito jovem, era, por todos os lados, cercada pela msica. No
entanto, no seria responsvel afirmarmos que, por fim, Nailor seguiu
a carreira de msico profissional apenas porque as condies eram
favorveis.
Ainda que se viva em uma cidade onde a msica algo presente e se
tenha nascido em uma famlia de msicos, no podemos dizer que
exclusivamente isto determine a deciso de se tornar msico
profissional. Afinal nem todos da famlia de Nailor se tornaram
msicos, e apenas Nailor ganhou maior projeo no cenrio profissional.
Vitor Alcntara, neste depoimento, explica que esta escolha pela
carreira de msico muitas vezes se d por ser considerada a melhor
opo:
4 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
5 Idem.
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5
... uma coisa que o Proveta teve, que para mim foi
tambm parecido: a necessidade. Ou vai tocar bem para sobreviver,
ou vai colher cana, colher algodo, trabalhar de office-boy. No
tinha escolha, no tem essa coisa de: eu vou fazer faculdade depois
eu vejo o que eu fao .
Era diferente: voc tem que trabalhar, ganhar dinheiro, ajudar a
pagar as contas. Eu tambm era assim. 6
Mas diferente de outros msicos, para Nailor, havia algo que
estava alm da questo de escolher uma profisso, quer pela vocao ou
pela necessidade financeira. Lembrando uma fala de seu pai, Nailor
faz um comentrio acerca de ser msico. Este um comentrio ao qual
Nailor d muita importncia, e que segundo ele marcou a sua vida:
Mas ele [seu pai] no falava que a msica era a ltima coisa do
mundo, ele falava: Olha vamos tocar, que isso que a gente sabe
fazer ...
O tom de naturalidade, que Nailor ressalta na fala de seu pai,
nos demonstra que seguir o caminho da msica era apenas mais uma das
atividades que se poderia executar na vida concomitantemente s
outras. Mas, esta fala tambm traz a mensagem de que ser msico uma
condio inquestionvel. Pois esta era a condio que a tradio lhe
impunha: isso que a gente sabe fazer . Para Nailor significa que
ele est no mundo para tocar, claro, no apenas para isso, mas isso o
que a herana lhe deu de melhor. Por este motivo o pai de Nailor
quem diz: Voc pode fazer, voc no pode desperdiar essa chance 7.
Esta afirmao marca a construo de um sentimento de dever, que
viria a gerar um forte compromisso para com a msica. Este nasceu no
seu mago e encontrou terreno
frtil nas demonstraes de esperana pelo sucesso, vindas seu pai,
que assim que percebeu
6 Vitor Alcntara, em entrevista concedida.
7 Lembrando a fala de seu pai, Nailor Azevedo em entrevista
concedida.
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6
que Nailor correspondeu a este sentimento comeou a administrar
mais rigorosamente o desenvolvimento musical do filho.
Voc vai tocar l, voc s tem 10 anos, no tem compromisso, mas seu
pai fala: Olha, no vai errar! , e voc aprende de cedo que a vida :
voc vai brincar, jogar sua bola, mas vai tirar aquela uma hora para
voc fazer o seu dever de casa .8
Nailor, a partir de ento, adotou um papel em relao sua famlia
que foi o de representar a esperana do sucesso. A partir de ento,
podemos notar que todos os esforos dos familiares comeam a se
direcionar para este fim. Dessa forma, foi-se alimentando o seu
sentimento de responsabilidade. Vitor Alcntara diz que este fato se
deu nos anos em que Nailor esteve em Leme, mas perdurou
posteriormente:
[...] o Proveta era a esperana da famlia, a esperana de ser bem
sucedido .
Manuel: Voc acha que at hoje ele carrega essa carga?
Vitor: Carrega sim, sempre teve isso, ele carrega isso sim .
Portanto, para que pudesse assumir o papel de representar a
esperana de ser bem sucedido musicalmente perante a famlia, Nailor
desenvolve uma nsia por no frustrar esse papel, primeiramente
frente a seu pai, depois frente a sua famlia e por extenso a toda
sociedade, o que mais tarde se expande em relao a todo o mundo.
Percebendo tal empenho familiar, mesmo ainda bem jovem, Nailor
adotou comportamentos que o permitiram chegar a nveis de excelncia
como instrumentista.
8 Wlamir Gil, comentando sobre o pai de Nailor, em entrevista
concedida.
-
7
Sua vida familiar portanto permeada pela msica; e o incentivo
dos pais, familiares e amigos sempre foi muito presente no sentido
de contribuir para que Nailor alcanasse o sucesso. Para a famlia
modesta de cidade pequena, sem muitos recursos para proporcionar
uma formao especializada, a msica representa um veculo de formao
intelectual e profissionalizante, uma possibilidade de renda, e
ainda uma atividade que supre a carncia cultural. Este foi o
ambiente familiar que compreendeu a infncia de Nailor.
Pequeno demais para sustentar o acordeom, Nailor, antes dos sete
anos, apenas dedilhava as msicas enquanto seu pai manejava o fole.
E j recebia elogios do pai: ah, voc tem ritmo, acho que voc vai
estudar msica .
Seus estudos musicais seguem com o ingresso de Nailor na
Corporao Musical ngelo Concentino , aos sete anos de idade, aps
receber a aprovao de seu pai, afinal Nailor estava apto a estudar
msica, pois tinha ritmo . Nailor ingressa na corporao tocando o
saxofone alto.
...era assim e com sete anos de idade eu entrei na
banda...Corporao Musical Maestro ngelo Concentino, onde estava l o
maestro Ari Basciotti, que foi meu professor, que ainda vivo hoje.
Comecei a estudar solfejo, etc...eu sei que em seis meses eu estava
entendendo perfeitamente, era muito natural, pois eu estava numa
famlia de msicos, quando eu vi eu estava com um saxofone alto, com
sete anos de idade, tocando na banda, lendo [partituras]. 9
A cidade de Leme, assim como tambm foi comum em outras cidades
interioranas, contava com uma corporao musical que concentrava
msicos e o que se
podia obter de informaes sobre msica. Esta foi uma escola comum
para muitos instrumentistas de sopro no Brasil. Assim como Nailor,
muitos msicos iniciaram seus estudos em msica nas Bandas de Msica.
Tambm era comum que as bandas contassem
9 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
-
8
com professores de instrumento e teoria, e de um maestro, mas na
maioria das vezes todas essas funes eram exercidas por uma s
figura: o Mestre de Banda. A corporao atuava como um ncleo que
fomentava o desenvolvimento dos msicos e a produo da msica. O
flautista Marcos Mathey10 nos d uma idia da presena destas,
contando-nos sobre sua experincia pessoal com as Bandas de Msica no
interior paulista:
[...] toda cidade tinha sua banda e seu coreto. Toda! [...] pelo
menos... todas do interior. Eu toquei na banda de So Sebastio,
toquei em Tatu. Hoje em dia no existe mais, de uns 20 anos para c
sumiram mais de 500 bandas s no estado de So Paulo .
Mesmo que nos dias de hoje a Banda de Msica esteja mais apagada
no contexto social, Joel Barbosa nos revela a abrangncia e
importncia da Banda de Msica para a formao do instrumentista de
sopro no Brasil:
A maioria dos instrumentistas brasileiros de sopro que trabalham
profissionalmente em bandas militares, civis, ou orquestras,
recebeu sua formao elementar em bandas. As bandas de msica tem sido
um dos meios mais utilizados no ensino elementar da msica
instrumental, de sopro e percusso, no nosso pas. O nmero destas
instituies supera o nmero de escolas de msica, a maioria das
escolas de msica no ensinam instrumentos de sopro e das que
ensinam, apenas alguns desses instrumentos so oferecidos. Enquanto,
as bandas tm ministrado aulas de todos os instrumentos que
compreendem o seu quadro. 11
10 Marcos Faria Mathey, conhecido por Sabi , flautista da cidade
de So Paulo. Trecho extrado da entrevista concedida. 11
BARBOSA, Joel, revista ABEM apud: Lima, Marcos Aurlio de. A
Banda e seus Desafios: Levantamento e anlise das tticas que a mantm
em cena. Campinas, SP: 2000 (dissertao de mestrado).
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9
A Banda de Msica um fenmeno predominante no Brasil desde o tempo
de colnia. Suas razes nos transportam para as bandas militares, as
bandas jesutas, e tambm para os agrupamentos de negros escravos que
tocavam nas fazendas de acar e caf, at, pelo menos, ser decretada a
abolio da escravatura. primeira vista, nos parece que a funo da
banda seria apenas a de preencher o vazio cultural da vida na
fazenda.12 Embora a banda tivesse realmente esta funo, ela na
verdade contribua para o prestgio do proprietrio das terras, como
uma maneira de apresentar sociedade e aos outros fazendeiros
rivais, a sua riqueza e poder num jogo de ostentao:
Na verdade, possuir um grupo de msicos numa fazenda, alm de
preencher um vazio de exigncia cultural, tendo em vista a distncia
das cidades
onde as igrejas e, a partir do fim de 1700, as primeiras casas
de pera, j atendiam, bem ou mal, a necessidade
passou com o tempo a valer tambm por uma ruidosa demonstrao de
poder .13
Este foi um quadro particular e ao mesmo tempo abrangente no
pas. Segundo o depoimento que encontramos no livro de Bruno
Kiefer:
Era normal, coisa de bom tom e sinal de distino, ter negros
choromelleyros14 no inventrio de uma casa de gente abastada. Os
choromeleiros aparecem abundantemente citados nas procisses e actos
pblicos em geral [...] . Quando D. Pedro de Almeida e Portugal veio
s Minas Gerais, em 1717, o Capito Mor de Vila Rica, Henrique Lopes,
teve especial cuidado de agradar ao ilustre Governador geral quando
o convidou para ser hspede da sua casa.
12 Considerando as distncias entre as fazendas e a cidade, a
fazenda funcionava como um ncleo que proporcionava comunidade toda
estrutura educacional, religiosa, cultural, etc. 13 TINHORO, Jos
Ramos. Msica Popular de ndios, Negos e Mestios. Petrpolis: Vozes,
1972. 14
Aqueles que tocavam a charamela, instrumento de palheta dupla,
influncia da cultura lusitana.
-
10
Comprou, para uma funo de recebimento trs negros choromelleyros
[...] 15
Aps a abolio da escravatura, estes negros libertos passam a
ocupar os centros urbanos se inserindo e aumentando o contingente
de msicos em corporaes militares, nas bandas de igreja, formando
blocos carnavalescos e de festas folclricas, e tambm formando
Bandas de Msica. Estes msicos tinham a conscincia de que a msica
era a nica coisa que afirmava sua superioridade (cultural) em relao
classe que a consumia, e que oferecendo estes servios musicais em
dias de festejos e comemoraes, encontravam, na msica, uma
possibilidade de renda.
Mesmo que imaginemos que isto represente alguma estratgia de
autonomia do grupo, a banda (herdeira deste passado subjugado), com
o papel de protagonista do fazer artstico e principal atrao
cultural na cidade pequena de hoje, se v envolvida em um jogo de
poder ligado diretamente ao governo local, como comenta Marcos
Aurlio de Lima:
Nas pequenas cidades, de menor nmero de habitantes, onde a banda
figura como um dos principais atrativos artsticos, o poltico
profissional, sendo mais facilmente localizvel, geralmente tem mais
interesse em investir na banda do que o prefeito da capital. Nas
cidades de pequeno porte, os prefeitos vem a banda como um meio
importante para enaltecer a sua
administrao em propagandas polticas . 16
Portanto, a fim de representar o xito administrativo, a Banda de
Msica deve contar com uma estrutura organizada em que o controle
venha a garantir sempre a excelncia no desempenho dos msicos. Quer
dizer, a tenso que nasce do anseio do
15 LANGE, Francisco Curt, A Organizao Musical no Perodo Colonial
Brasileiro. Separata do vol. IV das
Actas do V Colquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros,
Coimbra, 1966. In: KIEFER, Bruno. Histria da Msica Brasileira, dos
Primrdios ao Incio do Sculo XX. Porto Alegre: Instituto Nacional do
Livro, 1923. 16 Lima, Marcos Aurlio de. A banda estudantil em um
toque alm da msica. Publicao do grupo FOCUS/FE - Unicamp, (cpia em
xerox).
-
11
governo local em que a Banda de Msica seja uma representao de
seu xito administrativo, recai, em ltimo ponto, sobre o
instrumentista, e assim aparece o uso das ferramentas que a
disciplina exige e dispe. Somado a isto, e provavelmente se
aproveitando destas ferramentas, a classe dos msicos buscou aes que
se configuraram em estratgias para o acmulo de capital cultural,
que por conseqncia, representavam, por fim, para esta classe o seu
sustento. Como vemos, a banda manteve o seu papel de instrumento de
ostentao da classe dominante.
Contemporneo de Nailor, Carlos Malaquias, nesta passagem que se
faz muito interessante por reconstruir em cores vivas uma cena
cotidiana da Banda de Msica, nos d a oportunidade de observarmos os
tipo de aes com que os professores mantinham a disciplina, atravs
de castigos e suspenses:
E tinham os maestros, os professores, que eles
gritavam com voc se brincava; eles pegavam na sua orelha, no
tinha brincadeira, era sentar ali e no tinha que conversar nada,
sentou e ficou quieto ali; voc era suspenso se fosse fazer
traquinagens [...]17
A disciplina no estudo e a responsabilidade para com as
apresentaes na banda, faziam com que o fato de se estar ligado
msica, participando da banda, fosse motivo de orgulho para os pais
dos jovens que atuavam nestas corporaes musicais. Ou seja, alm de
sua presena efetiva na cidade pequena enquanto principal
entretenimento, a banda tem um papel formador, mas no apenas no
sentido musical, forma tambm o carter. Carlos Malaquias18 fala
sobre sua experincia quanto disciplina e o orgulho:
Isso era comum, no interior sim, um orgulho para a
famlia, o pai ver o filho ali, mesmo para o pai que no
era msico, ele gostava porque isso a tambm ajudava
17 Cac , saxofonista da Banda Mantiqueira liderada por Nailor,
conviveu muitos anos com Nailor dividindo o mesmo apartamento em So
Paulo. Trecho extrado da entrevista concedida. 18
Carlos Antnio Malaquias, em entrevista concedida.
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12
na disciplina do cara, do ser humano, do msico. Na disciplina,
do cara todo dia ali ter aquela lio para estudar, e ter aquele
horrio de ensaiar, era uma disciplina mesmo, voc tinha que ensaiar
todo dia .
Mas no apenas pelo fato de a Banda de Msica ensinar disciplina e
proporcionar cultura s crianas, atravs de suas atividades, que ela
recebe o apoio e incentivo dos pais. A atividade da Banda de Msica
proporciona uma forma de controle muito desejada para os pais:
Para as comunidades, a manuteno desses grupos significa no
somente o estmulo ao aprendizado musical, o que j bastante
enriquecedor, mas tambm a garantia de um espao que permite aos pais
saberem onde esto seus filhos e o que fazem, com quem se
relacionam; longe das drogas e da marginalidade. 19
A corporao musical proporciona o espao fisco para ensaios, aulas
de msica e de instrumento, a prtica na banda, e uma agenda regular
de apresentaes. Segundo o ponto de vista de Walmir Gil, a msica foi
o meio encontrado pelo pai de Nailor para proporcionar aos filhos
uma atividade cultural em uma cidade com poucas opes neste
setor:
Na verdade o pai dele teve uma grande viso. Imagina voc criar um
filho no interior, numa cidade que no tem uma parte cultural, no
tem nada. Tem a banda l para voc tocar de domingo, escola e o resto
jogar bola o dia inteiro. O Proveta gostava de jogar bola. O pai
dele levou ele para o caminho da msica, no s ele, mas as irms tambm
tocavam, e tocam ainda, tem uma irm, a mais velha, que toca
clarinete, no toca mais porque administra uma
19 LIMA, Marcos Aurlio de. A Banda e seus Desafios: levantamento
e anlise das tticas que a mantm em
cena. Campinas, SP. 2000. Dissertao (mestrado) Universidade
Estadual de Campinas.
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13
loja, mas toca ainda de vez em quando, a outra toca
saxofone...foi uma maneira que o pai dele encontrou para passar uma
parte cultural para a famlia, numa cidade que voc no tem cinema, no
tem playcenter, no tem clube, ento voc vai fazer msica, vai tocar.
E ele at acompanhava o pai, com uns 10 anos de idade, nos bailes,
de vez em quando subia l e tocava uma msica. 20
Foi neste ambiente de orgulho, disciplina e responsabilidade na
Banda de Msica, que Nailor esteve imerso durante toda sua infncia
at sua adolescncia.
A Banda de Msica uma formao que foi muito representativa no
cenrio da msica brasileira e de importncia histrica na formao do
msico instrumentista, em especial de instrumento de sopro. E que
para Nailor, a formao calcada na Banda de Msica marcou
profundamente a sua maneira de agir e interpretar o mundo e a
msica.
A Banda de Msica e a famlia representavam para Nailor um espao
delimitado dos conhecimentos musicais, que certamente no eram mais
largos do que o prprio contedo musical do repertrio de banda. Mas
este fato foi o que lhe inspirou segurana e confiana no seu fazer
musical (qualidades importantes para um aprendizado slido). Afinal,
a msica delimitava ao redor dele limites bem claros e definidos,
dentro dos quais ele podia atuar com segurana, condio que Nailor
buscaria tambm no futuro.
Em sua infncia na cidade pequena Nailor teve a felicidade de
experimentar um clima geralmente amistoso entre os msicos. Era
conhecido de todos, e conhecido como bom instrumentista. Passava o
dia todo com o saxofone, e tocava a qualquer oportunidade, em
qualquer lugar. Logo aprendeu como a msica podia lhe dar algumas
retribuies to desejadas na infncia:
Diz que ele no interior saa com o saxofone pendurado no pescoo,
de bicicleta, ele passava naquelas vendas, assim, lojinha que vende
doce, a os meninos falavam assim: Oh Nailor, toca aquele choro l
para ns! , a ele: O que voc me d? , Te dou um doce ... ele
20 Walmir Gil, em entrevista concedida.
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14
parava, encostava a bicicleta, tocava o choro pro cara, o cara
dava o doce e ele ia embora. 21
Aos nove ou dez anos de idade, Nailor toma, pela primeira vez,
contato com uma produo musical de vanguarda, e isso o deixa
perplexo, pela complexidade, refinamento e habilidade tcnica dos
msicos:
Da um dia apareceu um disco de [que pertencia a] um outro amigo
de Leme, que tocava saxofone, tambm um cara da classe mdia que
tinha contato j em So Paulo, da o cara apareceu um dia com dois
discos, um disco era Frank Russolino, Bill Homan [...]. Apareceu
este disco em 1970 em Leme... era muito louco, era punk: voc tinha
uma carroa com um cavalo l e um disco de jazz (risos)! [...] Ento
eu falei assim: Caramba! , que eu ouvi o tenorista, ele chama
Richie Camuca, ele tocava junto com um quarteto famoso chamado Four
Brothers .22
Portanto, adotando esta postura, nada do que se refere msica
deveria ser considerado imprprio ou impossvel para Nailor. O
encantamento com a novidade que choca e paralisa a ao do intelecto,
pela falta de ferramentas para a compreenso, foi diminudo,
controlado e substitudo por uma postura mais analtica. Seu pai se
preocupou em transmitir esta postura para Nailor para que ele nunca
se demonstrasse inferiorizado ao que desconhecia, ou ao que lhe
parecia maior que suas capacidades; e para que pudesse, aos poucos,
descobrir por seus prprios meios o significado das coisas:
Olha, isso a um jeito de tocar . um jeito de tocar. No o jeito
de tocar. No a ltima palavra. Voc tem que conhecer esta linguagem,
voc vai precisar
21 Vitor Alcntara, em entrevista concedida.
22 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
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dela, uma ferramenta que voc vai usar futuramente .23
Ao adotar esta postura, Nailor teve que lutar muito, sua
maneira, para mant-la: buscando conhecimentos musicais na mais
variada sorte de livros e praticando intensamente o seu
instrumento. Desta maneira seu pai o havia preparado e ao mesmo
tempo protegido para agir sobre situaes musicais que obviamente
estariam fora de sua compreenso.
A partir da, Nailor criou e desenvolveu uma maneira de se
relacionar com o mundo atravs de eufemismos e rodeios, nunca
revelando de maneira direta seus pensamentos e preocupaes:
Uma coisa que eu sempre peguei no p do Proveta que s vezes ele
muito prolixo. Fica explicando muito tempo a mesma coisa. Cansa.
Ele no muito direto no. 24
Todo este conjunto de estratgias foi necessrio porque, segundo
Nailor diz: vrias vezes em So Paulo eu me perdi . Isto quer dizer
que toda a vez que seus limites
estticos e tcnicos eram alargados pelo contato com o volume
imenso de informaes que os discos, outros msicos e, posteriormente,
a grande metrpole trouxeram, ele tinha estratgias para refutar a
odiosa sensao de assombro e a conseqente falta de rumo que esta
vastido trazia; e assim se reencontrar em sua msica. Este fato foi
de grande importncia para a formao de seus conceitos musicais.
Nailor aprendeu a dar mais valor ao que ele prprio pensava sobre a
msica, e a interpretar exclusivamente segundo seus princpios aquilo
que vinha do lado externo.
Enfim, o ambiente em que Nailor esteve envolvido na infncia
contou com estes dois personagens principais: a famlia e a Banda de
Msica. Estes dois proporcionaram a
23 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
24 Walmir Gil, em entrevista concedida.
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ele uma experincia responsvel por determinar seu comportamento
principalmente nas questes prticas relacionado aquisio de
habilidades musicais. Destas experincias, as mais importantes,
destacamos:
a) msica algo que est permanentemente sua volta;
b) orgulho, exigncia e disciplina so termos diretamente ligados
experincia musical;
c) sua famlia o apia e espera seu sucesso com a msica.
Segundo Patricia Campbell, o ambiente familiar tem um papel
importante no aprendizado musical. Sua pesquisa nos mostra que nas
casas em que os pais tm mais ligao com a msica, seja cantando,
tocando ou ouvindo, as crianas desenvolvem mais rapidamente e de
maneira mais sofisticada suas habilidades musicais. [...] ambientes
que proporcionam oportunidades de msica so benficos
seno determinantes
para o
desenvolvimento .25
Como dissemos, a banda de msica representou para Nailor no
apenas um espao para o incio de sua formao como msico,
possibilitando a ele a prtica e o aprendizado da msica, mas tambm
da formao de seu carter e, por conseqncia, de seu comportamento em
relao ao aspecto da prtica do instrumento, que se aproxima a uma
devoo, em razo da disciplina imposta. Antes que um estudante
desenvolva sua prpria vontade de praticar, e de praticar
eficientemente, necessrio que ele receba uma motivao extrnseca.
Roger Chaffin e Anthony Lemieux, em seu texto General Perspectives
on Achieving Musical Excellence26, reforam que a motivao para
praticar primeiro vem de fora da pessoa (extrnseca) para depois ir
se tornando cada vez mais intrnseca. Para Nailor, as motivaes
iniciais vieram de sua agenda cheia de tarefas musicais, ainda na
infncia.
Nos parece que seu empenho em ser um excelente instrumentista
ganhou muito
impulso frente a duas demandas. Primeira, dar seqncia tradio da
msica na famlia; e, em segundo lugar, sua responsabilidade em no
frustrar o papel que assumira: representar a
25 CAMPBELL, Patricia Shehan. Lessons from the word: a
cross-cultural guide to music teaching and learning. New York:
Macmillan, 1991. Traduo deste autor. 26 CHAFFIN, Roger e LEMIEUX,
Anthony F. General Perspectives on Achieving Musical Excellence. In
WILLIAMON, Aaron, Musical Excellence. New York: Oxford University
Press, 2004.
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esperana de ser bem sucedido como msico frente a ele mesmo,
famlia, e sociedade. No mesmo texto, Chaffin e Lemieux descrevem
este comportamento como uma fome pela excelncia , ou seja, uma
concentrao intensa com o objetivo de resolver um problema e
adquirir uma habilidade. Para os autores, este comportamento um dos
componentes essenciais para se atingir a excelncia como
instrumentista.
Portanto, existe um conjunto de fatos, ocorridos na infncia, que
contriburam significativamente para a construo de comportamentos
relacionados ao fazer musical de Nailor. Estes, por sua vez, so
base para um aprendizado consistente e para aquisio de um elevado
nvel musical. Ainda segundo Chaffin e Lemieux, as caractersticas
fundamentais para se adquirir excelncia musical so: concentrao,
determinar e encontrar objetivos, auto-avaliao constante, uso de
estratgia (para o aprendizado); entre outras. Desta forma, podemos
afirmar que a motivao da famlia, o ambiente de disciplina na banda,
sua relao de compromisso com a msica, levaram Nailor a assumir
comportamentos que definiram seu sucesso como exmio
instrumentista.
Neste aspecto, a dedicao de seu pai foi preponderante. Seu pai
lutou para que Nailor estivesse musicalmente sempre acima da mdia ,
para isso deu a ele tarefas rduas e criou mecanismos de controle
com premiaes. Desta forma, fica claro que o papel de seu pai como
professor foi fundamental, e o valor de suas lies tambm foi
participante na construo das concepes musicais de Nailor.
1.2. Primeiras lies em Leme.
As primeiras lies de msica vieram para Nailor de seu pai,
Geraldo Azevedo. Embora seu pai tivesse aprendido msica com seu av,
teve tambm aulas particulares de acordeom. Geraldo tocava ainda
clarineta, saxofone e rgo.
Portanto, alm de um conhecimento tcnico da msica, mesmo que
comparativamente limitados, seu pai tinha algo mais intangvel para
transmitir a Nailor: uma tradio. Quer dizer, o conjunto de valores,
e tambm crenas, que determinam
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comportamentos. Aos poucos Nailor se viu completamente imerso em
algo que unia a sua
existncia, pelo menos do seu ponto de vista, com a de seu pai e
de seu av. O contato com o seu pai foi muito significativo para
Nailor emocional e musicalmente. Nailor comenta que
dos sete aos quatorze anos foi a grande, esse contato do lado do
meu pai, [...] foi assim, fenomenal, eu achei demais 27.
Provavelmente os irmos experimentaram, como comum, a disputa por
uma parcela de amor e ateno dos pais. Apesar de no podermos
precisar este fato, muito provvel que a relao entre Nailor e seu
pai fora se estreitando como prmio de seu xito musical crescente,
na infncia. E nesta disputa pelo amor dos pais, as crianas entregam
sua energia, desenvolvem e aplicam estratgias, e isto nos faz
pensar que, alm de sua capacidade de absorver conhecimento, Nailor
concentrou suas foras para desenvolver uma extraordinria velocidade
no aprendizado da msica.
Portanto, alm de participar das aulas oferecidas pela corporao
musical, Nailor estreitou a relao com seu pai e passou tambm a
fazer aulas semanais com ele.
[...] de segunda e quarta tinha aula noite de msica, de solfejo,
tera e sexta tinha os ensaios, toda tera e sexta-feira s sete e
meia ns estvamos ensaiando na sede da banda; de sbado eu fazia
baile com meu pai, no domingo tinha a retreta. De quinta feira eu
tinha aula com o meu pai [...] .28
Nailor destaca o fato de que o aprendizado da msica sempre lhe
foi uma coisa viva , quer dizer, que ele aplicava imediatamente,
nas apresentaes, o que aprendia. Um
dos meios de aprendizado comum na msica popular o aprendizado
oral, sem um veculo de notao. Nailor aprendia as msicas atravs de
gravaes, fazendo transcries ou simplesmente aprendendo a
reproduzi-las ao instrumento.
27 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
28Idem.
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19
Em sua infncia, Nailor esteve atribulado por uma poro de tarefas
relativas msica e entre estas tarefas est uma que vinha de seu pai,
a de aprender choros de ouvido para que eles pudessem tocar juntos,
to rpido quanto Nailor estivesse apto a execut-los.
[...] quando ele tinha seis anos de idade o pai dele pegava o
disco de um msico, um choro, e falava para ele: Olha, tira isso a
que noite quando eu chegar eu quero tocar junto com voc . Ento eu
acho que no tem melhor escola que essa. Voc aprende ouvindo, voc
aprimora a msica ouvindo. E se voc comea cedo assim muito mais fcil
para voc assimilar tudo. Desenvolver essa parte a de percepo, ele
desenvolveu muito cedo isso .29
Muitos fatos se transformam em histrias sob a luz de um nico
ponto de vista. Atravs das entrevistas, no podemos determinar com
exatido o quanto Nailor dispunha de seu tempo para esta tarefa,
tampouco podemos precisar qual sua facilidade em cumprir estas
tarefas e ainda, quanto tempo ele levava para conclu-las. Mas vemos
que ele sempre tratou de aprender novas msicas com uma intensidade
voraz, mesmo que s vezes toda a vontade no partisse somente de
Nailor. Lembrando seu pai, temos uma pista que nos leva a imaginar
que esta tarefa de decorar msicas do repertrio de choro era uma
tarefa rdua, e que seu pai o cobrava com austeridade:
Mas no era essa beleza toda, eu chorava. Tinha dia que o pau
quebrava: Voc no est conseguindo tocar
[lembrando o pai], O que est acontecendo? , tinha hora que ele
era enrgico, ele exigia. Ele dizia Voc tem que conseguir, seno...!
.30
Dessa maneira, sabemos que Nailor talvez necessitasse de um
estmulo forte e recorrente para realizar e concluir este tipo de
tarefa. Afinal, como vimos no captulo
29 Walmir Gil, em entrevista concedida.
30 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
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20
anterior, a msica no devia ter tom de passatempo nem de
brincadeira, o que certamente no alivia o trabalho de ter que
praticar por horas diariamente e de constantemente mostrar seus
xitos para seu pai. Mas seu pai sabia que esta habilidade em
aprender msicas e toc-las sem partitura traria muitas vantagens
para Nailor, ainda que talvez, devido s condies (escassez de
partituras), fosse, por vezes, a nica maneira de fazer msica.
Segundo Jane Ginsborg, em seu estudo Strategies for Memorizing
Music31, apresenta uma srie de vantagens prticas na execuo de msica
sem fazer uso da leitura da partitura. Contudo, o mais importante o
fato de que, quando se tem uma msica memorizada, a ligao que o
intrprete estabelece com ela sempre muito mais ntima. Desta forma,
a relao do intrprete com o pblico se torna mais sincera, o que por
sua vez enriquece a apresentao de vrias maneiras.
O desenvolvimento da habilidade de tocar qualquer msica de
ouvido no trabalho de obteno deste repertrio foi contnuo para
Nailor, desde sua infncia. Este processo consiste em tocar a msica
que est primeiramente sedimentada na memria, guardada atravs da
audio. Esta prtica, a de tocar musica de cor, ao longo da infncia
providenciou para Nailor o desenvolvimento de duas habilidades
distintas. A primeira uma memria privilegiada, com o registro bem
detalhado daquilo que escutava. E a segunda, a de reproduzir o que
est em sua memria, sem dificuldades, tocando, e inclusive
escrevendo em partitura:
[...] transcrevia s ouvindo, pegava a primeira nota para poder
conferir, depois ele fazia sem instrumento. [...] O forte dele
exatamente isso: ele ouve, se ele conhece, se ele j ouviu alguma
vez, ele toca. Em qualquer tom, em qualquer situao, qualquer
andamento .32
A facilidade que ele tem de ouvir, justamente deste treino que
ele teve na infncia .33
31 GINSBORG, Jane. Strategies for Memorizing Music
. In WILLIAMON, Aaron, Musical Excellence. New York: Oxford
University Press, 2004. 32
Vitor Alcntara, em entrevista concedida. 33
Walmir Gil, em entrevista concedida.
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21
Quer dizer, nesse caso ouvir no apenas deixar a msica passar,
mas impor julgamentos. Educadores afirmam que a transcrio um dos
melhores exerccios pra melhorar a percepo, pois na tarefa de
transcrever necessrio ouvir cuidadosamente.
Nailor usou estratgias diferenciadas para guardar as msicas na
memria durante diversas fases de sua vida. Estas estratgias so
possveis porque se servem da estrutura da memria. Esta estrutura se
divide, segundo o modelo adaptado por Jane Ginsborg34 a partir de
Atkinson e Shiffrins, em trs partes principais. So elas: depsito
sensorial, memria curta (memria de trabalho) e memria extensa. No
depsito sensorial ficam as memrias que recebemos de estmulos do
ambiente atravs de nossos diversos sentidos (viso, audio, etc.).
Quando existe alguma informao que considerada interessante, esta se
transfere para a memria curta, a memria de trabalho. Neste estgio,
a informao pode ser estudada e elaborada de maneira a ser guardada,
ou seja, assimilada juntamente ao conhecimento existente na memria
extensa. nesse momento que devemos voltar nossa ateno para um
fenmeno que ocorre neste processo. A memria extensa a
responsvel
por guardar as informaes em trs componentes diferentes: de
procedimento (o como fazer), semntico (o que ) e episdico (os
acontecimentos particulares da vida de cada um). O importante que
estes trs componentes devem se relacionar para que possamos
executar nossas atividades a partir da memria. Como exemplo, quando
o msico toca uma melodia, ele est ativando estes trs componentes da
memria, usando a sua tcnica (procedimento) para acionar o
instrumento, usando seu conhecimento de intervalos e ritmos
(semntico) para criar a melodia, e suas lembranas pessoais
(episdico) que esto inseridas na maneira de tocar (lembranas da
primeira vez que a ouviu, ou da ltima).
Portanto, o processo de transcrio, para a obteno de repertrio,
teve um importante papel no desenvolvimento da memria musical de
Nailor. Pois bem, o primeiro passo para que ao final possamos deter
na memria uma msica, por mais complexa ou extensa que seja, o nosso
contato com ela atravs de nossos sentidos. Obviamente se estamos
falando de uma transcrio, este primeiro contato se d atravs da
audio, e uma audio com propsito de captar informaes mais acurada no
sentido de particularidades
34 GINSBORG, Jane. Strategies for Memorizing Music
. In WILLIAMON, Aaron, Musical Excellence. New York: Oxford
University Press, 2004.
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22
do som. A segunda etapa consiste em organizar esta informao
recebida de maneira que ela possa ser compreendida; numa transcrio
esta etapa se refere escrita em partitura, que organiza os sons no
sistema musical usual e possibilita que a inteligncia identifique
estruturas e possa agir na compreenso. A ltima etapa, na qual a
msica vai ser
armazenada por um longo tempo na memria extensa ocorre quando
suas trs componentes esto prontas para se relacionar entre si. Quer
dizer o importante de notarmos nesta etapa final que a tcnica, o
conhecimento e os episdios pessoais so trazidos tona para que a
memria se efetive. Por este motivo que vemos muitas vezes Nailor se
referir s
estruturas musicais por meio de figuras de linguagens ou
acontecimento muito pessoais, recheados de imaginao, o que muitas
vezes no se restringe ao campo estritamente musical; afinal, isto
nada mais do que a tentativa de comunicar, atravs da lngua oral, a
manifestao de um das componentes de sua memria musical.
A escolha das msicas que viriam a formar seu repertrio parece
que obedecia um certo critrio. Eram msicas que seu pai elegia por
dois motivos. Primeiro, a fim de incrementar um repertrio que
Nailor tocava regularmente, afinal, ainda criana j acompanhava seu
pai nos bailes de sbado:
Fazia baile assim: ele ficava dormindo atrs do palco, o pai dele
falava: Vai l tocar, hora do show , a ele tocava meia-dzia de
choros [...] voltava a dormir .35
E, segundo motivo, proporcionar a Nailor um desafio tcnico,
fazendo com que ele tivesse que se superar a cada msica.
Incluindo a Banda de Msica, os estudos e os bailes que fazia com
seu pai; o repertrio de Nailor era formado por uma miscelnea de
estilos que incluam: trechos de rias de peras transcritas para
banda sinfnica, toda sorte de composies eruditas das mais variadas
pocas, marchas e dobrados, maxixes, msica comercial do rdio, samba,
gafieira, vrios estilos de jazz, choro. Nailor no empregava, ou no
fazia nenhuma
35 Vitor Alcntara, em entrevista concedida.
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23
distino segundo valores estticos sobre o repertrio, tocava todo
tipo de msica. No elegia um estilo preferido, sequer manifestava
preconceito por outro:
[...] a gente aprendia tudo, era o repertrio de msica [...]
Sabe uma coisa bacana que tinha naquela poca? [...] Eu acho que
se fazia msica, , funcional... Hoje, por exemplo, eu vejo as
pessoas com preconceito, [...] no existia isso .36
Alm disso, este treinamento apresentou outro resultado, para o
campo criativo, muito positivo para Nailor, afinal antes de ele
entrar na adolescncia ele j havia acumulado msicas que formavam um
repertrio considervel.
Ento dos sete at os treze eu j tinha um repertrio muito grande,
j de antena, de cabea [de cor]. Por que meu pai [...] ele arrumava
s vezes umas partituras [...] .37
Este trabalho de aprendizado de um repertrio, decorando msicas e
assim como transcrevendo tambm, trouxeram, segundo o prprio Nailor,
vantagens no seu desenvolvimento musical. Uma delas, muito
importante para a improvisao o reflexo de reproduzir no instrumento
uma msica que se encontra na memria, e obvio que isto depende de
uma memria musical que seja ntida.
A importncia deste repertrio, segundo comentou Nailor, que ele
representa um ponto decisivo na constituio da linguagem musical,
uma vez que o repertrio foi o campo de amostras de sua experincia
emprica em busca de seus conceitos musicais:
36 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
37Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
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24
[...] a necessidade de organizar uma coisa que a gente no sabia
o que era, mas hoje eu sei: que a tal da linguagem. [...] vai
precisar tocar muito, fazer muito repertrio, que uma coisa que no
se faz hoje, a diferena essa, as pessoas no tem repertrio hoje em
dia, ele no tem material suficiente para poder absorver para depois
fazer isso virar uma linguagem .38
Portanto, segundo o ponto de vista de Nailor, neste momento j
haviam sido estabelecidos os pr-requisitos para que ele pudesse
iniciar-se na improvisao, e estes foram: a compreenso intuitiva da
construo de uma linha meldica juntamente com a habilidade para
faz-la; e o repertrio em quantidade, que formava seu campo de
amostras.
Nailor estava pronto para a lio considerada por ele a mais
importante das que recebeu de seu pai, e aqui se encontra o cerne
deste trabalho, que foi o conceito de improvisao.
Voc toca uma melodia; quando voc voltar [fizer a repetio do
tema], voc toca uma outra melodia, mas fique perto da primeira , a
lio dele era assim. [...] ele sabia que a improvisao era uma
melodia. Ento ele falava assim: Fica perto da primeira, no fica
longe porque voc no consegue voltar mais , foi a primeira e
a ltima aula que eu tive de improvisao .39
Nailor j havia tido contato com improvisao anteriormente, por
volta dos 10 anos de idade, quando, por indicao de seu pai, comeou
a transcrever solos de saxofonistas, clarinetistas e outros
instrumentistas de jazz como, por exemplo, Richie Camuca, Frank
Russolino, Bill Holman e Benny Goodman. No entanto, a compreenso
deles, Nailor ainda no atingia. Eu ouvia e falava para o meu pai:
Eu no entendo isso
38 Nailor Azevedo, em entrevista concedida. 39
Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
-
25
aqui! 40. A poca, o local, enfim, as condies gerais em que
Nailor se encontrava, no facilitavam a ele o acesso ao material
especializado referente improvisao. Seu pai, ento, fez uso de
figuras e metforas como recursos para aproximar Nailor deste
conhecimento. Esta maneira de ensino musical, voltado a termos
subjetivos e s vezes abstratos, deixou marcas na sua maneira de
expressar-se sobre sua msica. Tais recursos, que estimularam sua
imaginao, participaram tangentemente na formao de sua estrutura
formal de pensamento musical. Nailor se orienta, mesmo em seus
trabalhos atuais, por estes recursos de imagens apontados em direo
fantasia.
[...] voc tem que aprender a imaginar as msicas .41
Talvez sem saber, seu pai estava ento exercitando os componentes
da memria musical de Nailor. Por isso, Nailor possui um vocabulrio
prprio para expressar sua prpria potica, e acredita que este eficaz
na sua funo e muito claro. Contudo, por ser to pessoal e na maior
parte das vezes relacionado a elementos extra-musicais, acaba por
gerar dificuldades quando pretendemos compreend-los, na tentativa
de sistematiz-los. Por outro lado, sua concepo musical se baseia
diretamente neste vocabulrio, o qual ele traduz artisticamente
muito bem.
Este conceito de improvisao como uma variao da melodia original
se tornou muito presente no pensamento criativo de Nailor, algumas
vezes ele transportou este conceito para outras reas de sua produo
musical, como o arranjo.
Seu pai o ps em contato com o arranjo ainda quando Nailor era
criana. Com a sua ajuda e sugesto, Nailor comea a produzir arranjos
que eram executados na Banda de Msica da sua cidade:
Era fcil de ver, do jeito que ele explicava [...], mas a fiz
vrios para a banda, arranjos simples no era nada... Mas era a
oportunidade que eu estava tendo de escrever
40 Idem.
41 Nailor Azevedo, em entrevista concedida, comentando a fala do
pai.
-
26
para uma banda. Era um negcio impressionante para mim na poca,
ouvir o arranjo, e o maestro ajudava, ele queria ver. 42
Assim como de seu pai, Nailor recebeu na corporao musical,
muitas lies que mostram importncia no seu desenvolvimento tcnico
instrumental (alm do comportamental, como j falamos no captulo
anterior), na percepo e na concepo musical.
Alm de notarmos, no captulo anterior, a nfase de Carlos
Malaquias ao nos apresentar como se dava a questo da disciplina, em
outro trecho, ele ressalta sobre o papel formador da banda:
Era uma escola. Era um lugar para aprender msica, porque voc
aprendia tudo nessas bandas. Voc aprendia a tocar, a tocar afinado,
porque tinha um maestro ali e normalmente os maestros [...] tinham
conhecimento...
Como vimos tambm, no captulo anterior, Nailor ingressou na
Corporao Musical Maestro ngelo Constantino, na qual recebeu lies de
solfejo, teoria e saxofone. Seu professor l, Ari Basciotti, era o
Mestre de Banda, quer dizer, tinha a funo de reger a banda, dar
aulas de teoria e tambm ensinar todos os instrumentos. Foi ele quem
proporcionou a Nailor o contato com os primeiros exerccios de
saxofone.
J ficou claro que a Banda de Msica representa no contexto
nacional uma das mais importantes instituies, e por vezes a nica,
na qual possvel desenvolver estudos bsicos em msica. Todos os
msicos entrevistados para este trabalho concordam que a banda de
msica proporciona uma formao que qualifica, em especial o msico de
sopro, para o mercado profissional. E que este profissional formado
na Banda de Msica em geral, por motivos variados, est mais equipado
de habilidades para, se for o caso, vir a se tornar
42 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
-
27
um msico profissional. Acreditamos que isso se passa no
exatamente pela qualidade do ensino, j que muitas vezes verificamos
que as condies no so ideais - como professores sem conhecimento
especfico (quanto mais aprofundado) e condies fsicas precrias. Na
verdade, o que conta neste caso a experincia da msica na sua
multiplicidade, isto , tocar o instrumento sozinho, com o naipe,
fazer as matrias de teoria, solfejo, harmonia, e no caso de Nailor,
escrever arranjos desde a infncia.
A disciplina e a formao do carter especfico do msico na Banda de
Msica o diferencia daqueles que no tiveram esta formao. Esta
experincia passada na infncia , segundo a opinio de Carlos
Malaquias, o que diferencia musicalmente, no sentido de habilidades
profissionais, o trabalho atual de Nailor. Segundo Carlos, uma das
habilidades que a banda de msica responsvel por fornecer um
treinamento relativo percepo, o que, segundo ele, proporciona uma
habilidade de tocar em conjunto:
...normalmente o cara no est ouvindo, no est ouvindo o naipe,
muitas vezes voc est unssono com outro instrumento, e o cara que no
passou em banda, a gente no est generalizando, principalmente aqui
no Brasil que no tem essa disciplina, no tem essa escola...
A linguagem musical tambm discutida na Banda de Msica, onde os
msicos aprendem a distinguir os gneros musicais e os elementos
identitrios de cada. Mais adiante na entrevista, Carlos afirma que
o msico de banda, em oposio ao msico que no teve esta formao, est
treinado para executar as msicas em conjunto e interpret-las com
mais propriedade, por conta do conhecimento prtico que ele adquire
atravs da variedade de estilos musicais encontrada no repertrio.
Carlos comenta os erros cometidos por aquele msico que no foi
ensinado atravs da banda, esclarecendo as diferenas:
Ento fica cada um individualmente tocando para ele. No coletivo.
uma maneira de pensar. E isso tem as linguagens tambm, alm do
problema da sonoridade,
-
28
porque em banda de msica se toca maxixe, frevo, voc toca valsa,
voc toca choro, voc toca de tudo, ento quando voc vai tocar numa
big band, o cara que j passou por essa banda ele j sabe
naturalmente que a linguagem aquela e que ele est tocando com
algum, e ele presta mais ateno na prpria dinmica da msica, porque
ele aprendeu com um maestro na frente dele falando toda hora: Aqui
piano, aqui crescendo, aqui forte, aqui articulado, aqui no ...
So estes comentrios que nos revelam a importncia da Banda de
Msica na formao musical prtica do msico brasileiro, em especial o
instrumentista de sopro. A viso que Vitor Alcntara43 nos d,
referente s habilidades de leitura primeira vista, composio e
arranjo, tocar em conjunto, serve-nos bem para sintetizar os
exemplos anteriores acerca das habilidades de Nailor, resultado
exclusivo dos anos de estudo na Banda de Msica:
O cara no toca por acaso, ele no construiu aquele conceito por
acaso, ele foi muito inteligente para se organizar. Isso existe
no
Proveta, o forte dele aquilo que ele mais treinou. O que o forte
do Proveta? Ele tocou muito em banda, ento que acontece? Ele tem
uma noo de som de grupo, de metais, que fundamental para voc
escrever arranjo, ento ele escreve pensando nos saxofones, nos
trompetes, nos trombones, ele no escreve aleatoriamente, que nem
muito arranjador de computador, depois que escreve: Mas no era isso
que eu pensei ! Por favor, eu queria respirar , no tem lugar
para respirar, foi feito pelo computador, n? E ele tem essa
preocupao. Essa coisa do choro, da famlia dele, da tradio do
interior, deu para ele uma coisa que ele decorava os choros de
ouvido. A bandinha, alm de ter dado essa coisa de noo de grupo, deu
para ele tambm a noo de leitura...
M: A banda uma escola importante no Brasil?
43 Vitor Alcntara ex-membro da Banda Mantiqueira liderada por
Nailor. Esteve por mais de 20 anos ao
lado de Nailor, como seu aluno e depois como colega de trabalho.
Trecho extrado da entrevista concedida.
-
29
V: Na poca era fundamental. [...] .
A familiaridade com a escrita para a banda, apesar de que no
possamos garantir que os resultados naquela poca fossem
representativos de seu estilo, certamente foi uma prtica que Nailor
seguiu e na qual se aprimorou atravs de cursos e aulas que tomou
posteriormente. Seus trabalhos atuais, mesmo que vestidos com mais
sofisticao, nos remetem muitas vezes aos traos de seu passado.
Nailor cita um conceito de improvisao como a primeira e ltima
aula de improvisao que teve, o que no , em todo, verdade. Afinal,
como veremos adiante, o contato com msicos mais experientes neste
aspecto proporcionou-lhe a troca e aquisio
de conhecimento sobre procedimentos formais no estudo da
improvisao. Mas o conceito dado por seu pai foi e o guia de Nailor
na construo, em sentido de macro-estrutura, de seus solos
improvisados, como veremos mais detalhadamente em breve.
Como pretendamos demonstrar, pudemos concluir, com base nos
acontecimentos que compreendem a infncia e a adolescncia de Nailor,
que as lies recebidas de seu pai foram determinantes na construo de
seu pensamento musical, e que elas constituem um guia para sua
expresso musical atual. Das lies de seu pai, aquela que permeou
toda sua experincia com msica e que se tornou mais a relevante para
seus trabalhos atuais :
a) O conceito de improvisao como variao da melodia,
Podemos enumerar outras, que em realidade no so lies
diretamente, mas habilidades que surgiram no decorrer de prtica nos
estudos solicitados por seu pai:
b) Desenvolvimento da habilidade de reproduzir o que est em sua
memria, e aplicar a qualquer situao musical.
c) Conhecimento musical trazido por intermdio de figuras de
linguagem, metforas.
Aos poucos, Nailor se afastou de sua cidade natal e de seus
professores. Com doze anos de idade comeou a tocar em bandas de
baile. Conheceu outros msicos e viajou para outras cidades. Por
volta de 1975, tocou em Pirassununga, e depois em Valinhos com um
grupo chamado Banda do Brejo . Em 1976, com 15 anos de idade,
ingressa no
-
30
Conservatrio Carlos Gomes em Campinas, estudando clarineta.
Participa de recitais e concursos, toma contato com o repertrio
clssico, voltado para o instrumento, mas, ainda assim, continua
tocando em bailes.
O contato com msicos mais bem informados e experientes comea
quando Nailor, ento com 16 anos, ingressa na Orquestra de Slvio
Mazzuca, fato que lhe gerou uma nova demanda em tcnica de
instrumento, alm de ampliar seus conhecimentos sobre interpretao,
escrita e improvisao. So estes os assuntos que sero comentados em
mais detalhes no captulo seguinte.
1.3. Novas Demandas
Elegeremos como ponto de sua entrada no cenrio musical da
capital paulista o seu ingresso como saxofonista na orquestra de
baile de Slvio Mazzuca44. A Orquestra de Slvio Mazzuca foi um grupo
de msica que se apresentava em festas e bailes do mais alto nvel
profissional. Com um repertrio que contava com arranjos e tambm
composies do prprio Mazzuca, em uma escrita sofisticada e exigente.
At ento o significado de arranjo era, para Nailor, algo que estava
distante das harmonias dissonantes e de uma escrita mais
ousada.
Nailor, com 16 anos de idade, ingressou nesta orquestra em uma
posio sem muito destaque, a de quarto saxofone tenor, aquele que,
geralmente neste tipo de orquestrao, toca notas que compe o acorde,
em linhas que raramente tem sentido quando tocadas separadamente, e
na regio grave do instrumento, um pouco mais exigente tecnicamente
em termos de sonoridade e afinao. Em um curto perodo de tempo
Nailor foi subiu degraus at o posto de primeiro saxofone alto, com
a responsabilidade sobre o naipe. Os ensinamentos que Nailor recebe
nesta orquestra lhe serviram, segundo ele, veio
44A Orquestra de Slvio Mazzuca possua um repertrio de msicas
norte-americanas e brasileiras, com arranjos prprios e composies do
prprio Mazzuca. Sua orquestra foi a mais solicitada para os bailes
paulistanos na dcada de 1950 . Em Enciclopdia da Msica Brasileira:
popular, erudita e folclrica
3 ed.
So Paulo: Art editora: Publifolha, 2000.
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31
dando um acabamento para as coisas . Quer dizer, aquilo que j
fazia parte de sua prtica, mas, no entanto, carecia de conhecimento
formal e estruturado, ele pode finalmente encontrar atravs do
contato que teve com os msicos da orquestra de Mazzuca. Sendo a
mais bem sucedida orquestra de baile da poca, ela reunia os
melhores msicos do cenrio paulistano e absorvia outros, como
Nailor, de outras cidades.
Muito atento e observador, Nailor se valeu desta oportunidade
para absorver conhecimento de tudo o que estava sua volta:
Agora tem um lado dele que ele muito inteligente, muito
observador [...] Muita coisa dele de ouvir mesmo, observao
mesmo
45
[...] a logo de cara achei ele ligado no ambiente da orquestra,
sabe? Baixo, bateria [...] No estou ouvindo o baixo... , foi a onde
eu comecei a me ligar. Que cara ligado, era difcil numa poca dessa.
Voc v, hoje no, hoje tem mais percepo, naquela poca no era qualquer
msico que tinha percepo de tocar numa big band e ouvir .
O contato com msicos do cenrio paulistano proporcionou-lhe
tornar-se conhecido de msicos como Roberto Sion46, que o ajudou com
uma srie de exerccios e mtodos especficos para a improvisao. Com o
material mais organizado e especfico que ele adquire, Nailor passa
a compreender melhor aquilo que ele j aplicava no seu trabalho
Nos estudos tcnicos do instrumento, Nailor tem a oportunidade de
fazer aulas com especialistas no instrumento, pois at ento, para
citar um exemplo, seu professor de clarineta na verdade era
trombonista:
45 Vitor Alcntara, em entrevista concedida.
46 Msico e professor de saxofone, um dos primeiros a trazer para
o Brasil a sistemtica norte-americana de ensino de improvisao.
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32
[...] professor Rafael Gagliardi, que deu aula depois pra mim de
clarinete, depois dos vinte anos que eu fui estudar clarinete com
um clarinetista! 47
Alm do contato com os arranjos que tocava na orquestra de
Mazzuca, Nailor estava ciente dos aspectos atuais, para a poca, de
orquestrao, atravs daquele que pode ser considerado um dos maiores
arranjadores brasileiros: Cyro Pereira.
[...] eu ouvia o Cyro j falando dos arranjos, uma coisa
impressionante[...] 48
Os trabalhos com a Orquestra de Mazzuca comeam a minguar por
conta das mudanas na esttica da msica comercial. No havia tanto
espao para o som da big band. Nessa poca eu j estava saindo do
Mazzuca. Porque o Mazzuca j estava meio em
decadncia, porque a discoteque chegou no Mazzuca , comenta
Nailor. Ento, com a idade de 19 anos, ele parte em busca de outras
fontes de renda. Muda-se para Mairipor, onde trabalha numa fbrica
de instrumentos consertando saxofones. Mas no foi um emprego
duradouro, permaneceu apenas seis meses no cargo. Quando ento
ingressou na Banda Sinfnica de So Bernardo do Campo e se mudou para
esta cidade. Esta banda, na verdade no era mais uma banda, tinha
sido uma banda sinfnica, ela tinha o nome mais no era
mais. Tinha um fagote, uma trompa, s. Era uma banda padro
segundo comenta Nailor. Contudo, para esta formao, ele alm de tocar
clarineta tambm escreveu arranjos. Dois anos depois, surge o
convite para Nailor ingressar em um grupo que estava se formando
com a funo de acompanhar artistas internacionais. Era a banda do
150 Night Club no hotel Maksoud Plaza. Essa banda contava com uma
seleo dos melhores instrumentistas da poca.
Recebendo um bom salrio e gozando de conforto material, Nailor
pde dedicar todo seu tempo livre aos estudos. Segundo ele, foi
quando eu comecei a estudar mesmo . Na realidade, Nailor nunca
deixou de se dedicar intensamente msica, mas at ento
47 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
48 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
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33
aquilo a que ele esteve exposto no passava de um refinamento do
que ele fazia desde seus primeiros contatos com msica, ou seja,
tocar em conjunto, escrever arranjos, tocar transcries. Contudo,
neste ponto exato de sua carreira, surge para ele uma nova demanda,
a de solista improvisador:
Uma poca legal. Saa do Maksoud, ia comer nos restaurantes. Foi a
poca que eu ca de cabea no jazz. Todo mundo tocava jazz, era o
mercado da poca [...] Era o mercado. Todo mundo tinha que sair
solando, porque o que tocava no Brasil.
claro que dentro da Orquestra de Mazzuca, como em outros
ambientes, Nailor j havia experimentado o solo e a improvisao. No
entanto, agora so em termos muito distintos que ele deve colocar a
sua msica. O solista improvisador neste contexto solitrio, no
sentido de ser o responsvel pelo resultado artstico, quer dizer,
ele deve criar, inventar e, se possvel, se distinguir dos outros
pelo seu estilo.
Depois de experimentar algumas moradias, Nailor divide um
apartamento com outros msicos que tambm trabalhavam no 150 Night
Club . Estes, que eram os mais atuantes na cena musical paulista,
formam no apartamento uma espcie de ncleo musical , que foi
responsvel, posteriormente, pelo surgimento de grupos musicais de
relevncia artstica no pas. Mas antes disso era o local onde
praticavam juntos e atraam a presena de outros msicos:
Era jazz, a gente fazia roda de playback de Jamey Aebersold,
ficava eu e o Gil, ele, s vezes ia l Wilson Teixeira, era o
Alexandre Mihanovicth, 49
Nesta fase nos revelado mais claramente o carter obsessivo de
Nailor para com a msica. Algumas vezes interpretado por seus
prximos como uma dedicao e uma
49 Carlos Malaquias, em entrevista concedida.
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34
disciplina rgida, na verdade este comportamento apresenta traos
de obsesso, afinal ele dispensava sua vida social e pessoal e se
fechava num mundo habitado apenas por msica:
Eles ficavam estudando, o Proveta ficava estudando o dia inteiro
.50
Mas o Proveta no, ele estudava o dia inteiro, a parte da manh de
clarinete e a parte da tarde ele pegava o saxofone e noite a gente
ainda fazia uns playbacks, fazia duetos, estudava o dia inteiro.
Anos e anos .51
[...] quando ele pega o instrumento dele para tocar, o mundo
acabou, ele e a msica .52
Estes foram os anos em que o jazz, mais especificamente o estilo
de bebop estava em voga no mercado musical instrumental. Este
estilo marcado por uma valorizao do solista improvisador e uma
certa liberdade de expresso que se apresenta sob a forma de uma
autonomia artstica no ato de solar improvisadamente. Assim como
comum na msica popular em diversas culturas, o aprendizado desta
habilidade geralmente se d por meio dos estudos sobre os solos de
outros instrumentistas. Para Nailor o ato de fazer uma transcrio
era algo que fazia parte dos seus estudos em msica desde a infncia
e com o que ele tinha muita familiaridade, contudo agora no bastava
apenas transcrever, era necessrio criar.
A partir de ento, Nailor se ocupa de buscar compreender melhor,
atravs de anlises dos materiais que obtinha por meio de transcries
ou em partitura, a estrutura que organiza a criao, passando, assim,
a refletir sobre seus prprios solos. No apenas com solos
improvisados, mas tambm com grades de orquestra e na falta delas,
ele prprio tratava de transcrever o trecho da msica que queria
analisar. Portanto alm de aprimorar a tcnica ao instrumento, Nailor
esteve preocupado em analisar o processo de criao dos solistas,
arranjadores e compositores.
50 Vitor Alcntara, em entrevista concedida.
51 Walmir Gil, em entrevista concedida.
52 Walmir Gil, em entrevista concedida.
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35
A fim de esclarecer os pontos relevantes de sua formao musical,
compreendida neste perodo, destacamos estes:
a) Contato com um conhecimento mais aprofundado, e prtica mais
acurada.
b) Carter obsessivo em relao ao estudo da msica.
c) Transcries e anlise como veculo para a compreenso.
O contato com os msicos da capital paulista, que tinham mais
acesso s informaes recentes sobre o mundo da msica, obviamente pela
conexo mais constante com outras culturas, permitiu que Nailor
aprimorasse sua tcnica musical e elev-la a nveis
mais refinados.
A experincia com msicos internacionais e o padro elevado que era
exigido para tal, impuseram a Nailor novas demandas para sua vida,
e para sua msica.
O carter obsessivo lhe proveu um incremento na tcnica do
instrumento, o que lhe proporcionou uma maior fluncia, superior
quela encontrada por msicos de sua categoria. Isso se reflete
principalmente, neste momento, nos seus solos improvisados.
Porm, Nailor ainda deveria descobrir uma maneira de organizar
toda a sua experincia de vida em uma linguagem prpria que melhor
representasse a sua arte e que o livrasse de se enveredar por um
estilo que no lhe prprio. Nailor um profundo apreciador do jazz, e
sendo assim, logo percebeu a complexidade do gnero e a dificuldade
de realmente absorver a linguagem e todas as vertentes de estilos
que ele comporta.
Sua sincera preocupao em dar ao pblico algo genuno levou-o a
procurar o terreno no qual ele pudesse demonstrar com mais
propriedade a execuo.
O problema no voc no gostar de jazz, voc falar a coisa errada em
poca errada. No ter conhecimento disso, por isso que eu prefiro
tocar um choro [...]. Se eu for tocar cada um destes estilos, eu
sei exatamente a linguagem de cada um. Eu tenho uma certa
responsabilidade de tentar ajudar numa organizao daquilo que eu vou
chamar de linguagem amanh .53
53 Nailor Azevedo, em entrevista concedida.
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36
1.4. Produo Musical
A produo musical de Nailor abundante, contnua e diversa, e ainda
carece de algum tipo de organizao. Sua obra no est dividida
seguindo qualquer tipo de categorizao. Como atua com diversos
artistas de diversos gneros musicais, no possvel, muitas vezes, nem
para o prprio Nailor, resgatar na memria todas estas passagens
musicais. Dados recolhidos atravs de amigos, e outras fontes, assim
tambm como na Internet, nos do informaes que no coincidem e muitas
vezes se contradizem. Dessa forma, tentamos esboar um resumo de sua
produo musical separando tpicos bem definidos de reas de produo, e
ficamos ento com o que, dentre o que temos, imaginamos mais
significativo para o desenvolvimento de sua maturidade musical.
Seus trabalhos autorais se constituem de dois discos, gravao da
banda Mantiqueira da qual lder e arranjador, o primeiro, chamado
Aldeia, e o segundo Bixiga. O primeiro cd foi lanado em 1997, pelo
selo Pau Brasil e foi indicado ao Prmio Grammy, em 1998, na
categoria de Melhor Performance em Jazz Latino. O segundo cd,
lanado em 1999, tambm pelo selo Pau Brasil. Nestes discos
encontramos arranjos de temas consagrados na msica popular e tambm
composies dos integrantes do grupo, incluindo do prprio Proveta. A
Banda Mantiqueira encontrou uma das respostas para o anseio dos
msicos de sua gerao que conheciam a linguagem da big band, mas que
buscavam uma expresso brasileira. A banda participou e presena
constante em festivais internacionais de msica, relacionamos alguns
deles a seguir: em 1996, participa do centenrio comemorativo de
Pixinguinha, em 1998, foi convidada para representar o Brasil em
Portugal na Expo98, no mesmo ano participou do Free Jazz Festival
no Rio de Janeiro e em So Paulo. Em 2000, se apresentou na Sala So
Paulo, no lanamento do segundo lbum.
Entre seus trabalhos como instrumentista em gravaes e tambm como
arranjador, destacamos as gravaes ao lado dos artistas: Simone,
Raul Seixas, Cludia, Clia, Peri Ribeiro, Agnaldo Rayol, Nelson
Gonalves, Anna Caran, Celso Vifora, Genebra, Vnia Bastos, Jane
Duboc, Guinga, Joyce, Martinho de Vila, Elza Soares, Mnica Salmaso.
Assim como participou dos lbuns, para citar alguns dos artistas
mais ativos no cenrio da msica instrumental brasileira: 10 anos e
Estao Brasil de Arismar do Esprito
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37
Santo, frico de Srgio Santos, Cara do Brasil de Celso Vifora, Da
minha Terra de Jane Duboc e Sebastio Tapajs, Foras D'Alma de Tutty
Moreno, Iai de Mnica Salmaso, Luzes da Mesma Luz de Eduardo Gudin e
Ftima Guedes, Mestio do grupo Terra Brasil, Meu Brasil de Teco
Cardoso, Mulato de Srgio Santos, Msica Popular do Brasil com a
Orquestra Jazz Sinfnica, N de Na Ozzetti, Ninhal de La Freire,
Perto do Corao de Nelson Ayres, Paisagem Bailarina de Carlinhos
Antunes, Porto Seguro de Fil Machado, Quinto Elemento de Sizo
Machado, Sanfonemas de Toninho Ferragutti, Moderna Tradio do grupo
homnimo no qual so elaboradas releituras de choros.
Foi solista da Orquestra de Universidade Livre de Msica em So
Paulo, no ano de 1994.
Na lista de seus trabalhos com artistas internacionais constam
apresentaes com: Benny Carter, Roger Newman, Anita O Day, Paul
West, Joe Willians, Barry White, Natalie Cole, Paquito D Rivera, e
com a orquestra de Ray Conniff, com a qual fez diversas apresentaes
em turn pelo Brasil.
Com grupos menores se apresentou com Csar Camargo Mariano no
Kirin The Club no festival de Jazz em Tquio no ano de 1994, tambm
em Fukuaka no Japo em 1996 no Club Blue Note. Com a cantora e
compositora Joyce se apresentou no Latin & Brasilian Jazz
Festival em Tquio no ano de 1996, e com Maurcio Carrilho, Pedro
Amorim e Jorginho do Pandeiro, no Latin Jazz Festival em Tquio,
Nagaya, Gifu e Hiroishi no ano de 2000.
Sua atividade como professor se constitui em palestras e
oficinas. convidado para dar cursos de msica e saxofone: S Sax
no SESC Consolao (So Paulo
SP), Projetos Bandas da Secretaria de Estado da Cultura de So
Paulo, Festival de Inverno de Campos do Jordo em 1994 e 1995, em
1999 na VII Oficina de Msica de Curitiba, e no mesmo ano na
Universidade Federal da Paraba, em 2000 na VIII Oficina de Msica de
Curitiba, e ainda no mesmo ano Prtica de Big Band na Universidade
Federal da Paraba, na III Oficina de Msica de Itaja e III Oficina
de Msica de Gois. Atualmente ministra um curso na Universidade
Livre de Msica sob o ttulo de Prtica da Linguagem Brasileira da
Msica Popular , no qual desenvolve a prtica de grupo sob o
repertrio brasileiro de big band, coreto e gafieira.
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38
1.5 Concluso
Nailor teve uma vida musical intensa na infncia. Com aulas de
teoria musical e solfejo na corporao musical, aulas particulares
com o seu pai, apresentaes semanais com a banda da corporao musical
e com a banda de baile de seu pai.
Posteriormente, na adolescncia, em bandas de cidades vizinhas,
como Araras, Cordeirpolis e Valinhos. Aos 16 anos de idade, Nailor
ingressa no Conservatrio Carlos Gomes em Campinas, para estudar
clarineta e teoria, contudo, no havendo professor de clarineta,
busca ajuda de outros professores e colegas. O impacto de um
conservatrio musical, aos seus olhos, fervilhando de estudantes de
msica e o contato com msicos da orquestra da cidade, faz com que
Nailor se aprofunde na tcnica do instrumento. Arrisca-se em um
concurso de clarineta, em Piracicaba, famoso por ser o mais
concorrido da poca, no qual conhece grandes nomes da clarineta.
Em seguida, estudando msica erudita, atravs do repertrio para
clarineta e tocando ao saxofone msica popular em bandas de baile
para conseguir seu sustento, Nailor convidado e integrar o conjunto
do maestro Slvio Mazzuca, o grupo mais reconhecido no cenrio das
orquestras de baile em So Paulo, na poca. Um grupo de alto nvel
profissional, pela produo de arranjos e composies originais que
eram executados. Neste grupo que Nailor, como ele mesmo relembra,
toma contato com algo que at ento lhe era desconhecido, o glamour
das orquestras de jazz. Foi a poca em que o repertrio consistia de
msica danante com arranjos bem elaborados, e com isso recai uma
maior exigncia ao msico executante. Tambm faziam parte do repertrio
composies e arranjos do prprio Mazzuca, de temas de msica popular
brasileira que apresentavam uma orquestrao original e de qualidade.
Nailor comeou nesta orquestra em uma posio sem muito destaque, a de
quarto saxofone tenor. Em um curto perodo de tempo, Nailor foi
alcanou o posto de primeiro saxofone alto, com a responsabilidade
sobre o naipe. Os ensinamentos
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39
que Nailor recebe nesta orquestra lhe serviram como, segundo ele
mesmo, para dar um acabamento ao seu som54.
Contudo, Nailor no trabalhou por muito tempo apenas com esta
orquestra. Aparece, nas pistas de dana, um outro estilo de msica
que no fazia mais uso das grandes orquestras de baile, aos poucos
os trabalhos para a orquestra foram desaparecendo. Na passagem para
a vida adulta, Nailor trabalha na fbrica de instrumentos Weril, em
Mairipor, e como clarinetista em uma banda sinfnica em So Caetano,
o que no era novidade para ele em termos tcnicos ou de repertrio.
Apesar de no serem empregos muito significativos em termos
artsticos ou que apresentavam alguma novidade musical,
possibilitaram-lhe garantir seu sustento e manter-se prximo dos
msicos que estavam tocando na capital. A proximidade com outros
msicos, obviamente, foi o que proporcionou-lhe, alm de outras
oportunidades de trabalho, o contato com outras formas de expresso
musical.
Aps esta fase surge o trabalho que pode ser considerado uma fase
de novas demandas para Nailor. Ele convidado a integrar uma banda
formada para tocar arranjos de jazz em uma casa noturna chamada 150
Night Club no Maksoud Plaza Hotel, em So Paulo. Com uma formao
reduzida, Nailor ganha uma posio de muito destaque: a de solista
improvisador. Esta nova demanda de mercado, com a qual Nailor se
depara, era a de improvisar numa linguagem do jazz conhecida como
bebop55 . Segundo o prprio Nailor, foi esta a poca em que o jazz
estava em alta no mercado e que ele se dedicou ao estudo e se
aprofundou o mximo que pode nesta linguagem. Numa poca de pouco
acesso a informaes especializadas, ou professores, atravs dos
amigos conseguiu mtodos e informaes para estudar em casa; e nos
bares, espao para aplicar o estudo ao vivo. Aqui est um aspecto
marcante, segundo ele, para o seu desenvolvimento musical: que o
seu estudo e a prtica na msica estavam sempre associados, quer
dizer, tudo o que ele praticava de dia, aplicava imediatamente
noite.
54 Som est aqui no apenas no sentido do timbre do instrumento,
mas tambm se refere interpretao do fraseado, articulao e, no caso
desta orquestra em uma maneira mais elegante faz-lo soar, quer
dizer aplicar determinadas tcnicas para obter um bom resultado
neste contexto. 55 O que caracterizava o bebop, para os ouvintes da
poca, era a sua incrvel flexibilidade e a sua conduo meldica
extremamente nervosa . Em BERENDT, Joachim. Jazz: do rag ao rock.
So Paulo: Perspectiva, 1975.
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40
O contato com arranjos mais bem acabados, elaborados com
material harmnico e timbrstico mais avanado, suscitou em Nailor uma
curiosidade em direo a esta escrita, pois, afinal, ele j tinha
experincia como arranjador desde a infncia com a banda de sua
cidade natal. A falta de estudos mais especficos na rea de arranjo
e orquestrao foi sanada com a criatividade e a aguada audio
analtica que a experincia e o estudo lhe haviam proporcionado. Para
Nailor era fcil assimilar uma linguagem de arranjo e composio, pois
teria passado por um treinamento desde a infncia. A partir de ento,
procura por grupos para poder ter contato e tambm experimentar a
escrita.
Coube banda Aquarius , uma banda dissidente da banda que tocava
no 150 Night Club possibilitar a Nailor um contato com arranjos
importados, que trouxeram a ele um aprofundamento na linguagem do
jazz. Com uma formao de big band56 este grupo tocava exclusivamente
repertrio de jazz norte-americano de grandes arranjadores como
Sammy Nestico e Ted Jones. Os msicos envolvidos se dedicaram
exclusivamente a absorver a maneira de executar e interpretar este
estilo, praticando e baseando-se nas gravaes existentes.
A partir deste ponto, podemos dizer que a passagem por diversos
grupos e o acmulo experincias o fizeram sentir a necessidade pela
experimentao, quer dizer, a necessidade de trabalhar agora com
outros conceitos musicais e no apenas em busca da tcnica na execuo
do instrumento.
Nailor participa da Banda Savana, dirigida pelo maestro Branco57
que num determinado momento estava voltada para encontrar uma
expresso prpria de msica brasileira instrumental; assim como tambm,
na mesma poca, participou de outros grupos. O contato com este
grupo em especial, e com seus objetivos em termos mais estticos,
colocou Nailor diante de um questionamento acerca de suas prprias
razes.
Surgiu em Nailor a necessidade de uma potica musical que
respondesse a este questionamento, despertado pelas pessoas com
quem conviveu. O trabalho que melhor
56 Terno usado para designar as bandas de swing dos anos 30 e
40, que consistam de 10 a 15 instrumentos. [...] . [...] Por volta
dos anos 40 bandas como as orquestras de Kenton e Herman contavam
com 5 trompetes, 4 trombones (3 tenores e 1 baixo), 5 saxofones (2
altos, 2 tenores, 1 bartono), e seo rtmica[...] . In The New Grove
Dictionary of Jazz. 2nd.Ed. Macmillan Pub. New York, NY, 2002. 57
Jos Roberto Branco, arranjador, fundador da Banda Savana, que
contribuiu na busca por uma identidade brasileira na msica
instrumental.
-
41
representou esta nsia em conciliar suas experincias diversas foi
um grupo inusitado chamado Sambop . Nele, Nailor encontrou espao
para experimentar uma fuso de conceitos musicais que conviviam com
algum conflito em sua mente. O resultado foi uma srie de arranjos
de temas de bebop em ritmo de samba e de msica popular brasileira
com tratamento jazzstico.
Depois deste momento, Nailor percebe que no bastava apenas
colocar os elementos conflitantes andando sob o mesmo trilho, mas
era que necessria a alquimia do arranjo e a sntese da composio para
realmente satisfazer aquilo que desejava expressar musicalmente de
uma maneira que pudesse ser absorvido pelo pblico.
Depois destas experincias, o que faltava para que Nailor
delineasse melhor um estilo que estava em busca, era um grupo
musical com o qual ele pudesse experimentar arranjos prprios e
composies que traduzissem sua necessidade por organizar suas
experincias musicais do passado. Este papel foi assumido pela Banda
Mantiqueira , grupo que representa seu trabalho nos dias de hoje.
Nos parece que a intensidade da msica na vida de Nailor em nada
diminuiu at ento.
***
-
42
Captulo 2: Estudo do Processo Criativo
2.1. Introduo
Conforme apresentada no captulo anterior, a trajetria musical de
Nailor, reveladora de uma rica vivncia musical, mostra-nos tambm
como suas experincias se articularam na formao de seus conceitos
sobre msica e conseqentemente na sua potica musical.
Uma formao musical rica em sua variedade, quase pitoresca e ao
mesmo tempo to comum ao msico de sopro brasileiro, nos d a chance
de investigarmos como possvel, neste contexto, surgirem expoentes
da msica como Nailor.
Como vimos, desde o incio de sua carreira profissional, Nailor
se destacou no apenas como intrprete no seu instrumento, mas tambm
como arranjador, compositor e improvisador.
[...] alm de dominar os intricados meandros de harmonia e
orquestrao, tem tambm um imenso talento natural para achar a frase
bem construda, o ritmo preciso [...] 58
Esse talento natural , contudo, o resultado daquilo que foi
adquirido por Nailor ao longo de anos, atravs dos estudos formais
ou informais nas diversas reas de conhecimento da msica, como
tcnica no instrumento, interpretao, orquestrao, composio e
improvisao, histria da msica, percepo, e que no se atm aos limites
de gnero ou estilo musical.
Seus estudos de msica incluem uma srie de transcries de solos
improvisados de grandes jazzistas (uma prtica comum na metodologia
do ensino do jazz), mas tambm,
58 Depoimento do maestro Nelson Ayres sobre Nailor, publicado na
contracapa do primeiro Cd da banda Mantiqueira.
-
43
a fim de se aprofundar em outros estilos, Nailor transcreveu
obras sinfnicas e, na verdade, transcreveu e analisou tudo o que
lhe instigava:
Phill Woods com certeza, Dexter Gordon, Jonny Griffin, Charlie
Parker quase todos os solos, John Coltrane, Eddie Daniels de
clarinete, ele transcreveu tudo isso a. Isso como tambm, por
exemplo, trechos de uma sinfonia que interessava a ele, botava o
disco l e ficava tirando. Tirava uma introduo, uma coisa que a
gente sempre fez, a gente procurava muito score de msica erudita
para poder ouvir e acompanhar, e o Proveta no s fazia isso como
tambm analisava, sentava l e analisava, queria analisar tudo.
59
No captulo anterior, discutimos a importncia desta atividade de
transcrio para a obteno de conhecimentos musicais, por meio da
formao de um repertrio e tambm de um campo de amostras. Estas
ajudaram Nailor a inferir sobre o funcionamento das estruturas
musicais. No poderemos tampouco deixar de verificar se a variedade
de estilos que ele transcreveu possa ter contribudo na riqueza de
sua criao musical.
Da mesma maneira como utiliza a transcrio de obras e de trechos
musicais para lanar um olhar analtico sobre os aspectos musicais,
Nailor se vale da improvisao como uma ferramenta que possibilita o
uso conjunto deste conhecimento adquirido, na experimentao do mesmo
pela habilidade instrumental. Este procedimento tem um papel
central no aprimoramento de estruturas musicais, absoro de
conceitos e das idiossincrasias do estilo, como tambm lhe traz
fluncia tcnica no instrumento:
Se voc quer entender a harmonia do choro, improvise umas linhas
de baixaria60, no seu instrumento 61
59 Walmir Gil em entrevista concedida.
60 Contraponto meldico feito na regio grave executado geralmente
pelo violo de 7 cordas, caracterstica
tpica do estilo. 61Depoimento de Nailor Azevedo recolhido em
aula aberta, promovida pelo Conservatrio de Tatu, 2002.
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44
Nailor se refere baixaria, uma linha que descreve a harmonia de
forma ornamentada, muito caracterstica do estilo do choro
(geralmente executada pelo violo). Este exerccio funciona de forma
interessante porque serve conjuntamente a vrios aspectos no
desenvolvimento musical: ao passo que se aprende a cadncia harmnica
de uma determinada msica, tambm se faz consideraes sobre o estilo
contribuindo na interpretao, e ainda exige uma tcnica no
instrumento que proporciona raciocnio rpido e reflexo
condicionado.
A improvisao uma atividade musical que carrega consigo o fato de
ser comumente caracterizada como um fazer espontneo. Contudo,
muitos compositores, de diversos gneros, utilizam a prtica da
improvisao como uma maneira de vasculhar sua mente em busca de
idias, temas, desenvolvimentos, enfim: de possibilidades. Utilizam,
dessa forma, a improvisao como uma ferramenta para outras poticas
musicais.
Quase toda a tradio da msica ocidental encontra na prtica
improvisatria uma fonte de criao musical. J. S. Bach criou boa
parte de suas obras a partir de improvisaes ao rgo e ao cravo (como
as Variaes Goldberg, por exemplo). Mozart, como inmeros
compositores do classicismo, tambm praticava a improvisao, chegando
mesmo a utiliz-la como parte integrante da forma musical, como, por
exemplo, nas cadncias dos concertos para piano. O msico improvisava
sob os parmetros da harmonia, do contraponto e da forma musical.
Dessa maneira, era possvel obter um resultado espontneo, mas tambm
coerente e organizado .62
Neste ponto podemos fazer uma distino sobre duas formas pelas
quais a improvisao se apresenta. Primeira: que ela pode servir de
ferramenta para o fazer musical, assim como um caderno de esboo de
desenhos, cheio de croquis inacabados que, futuramente, podem ser
transportados grande tela e ganh