www.jc.com.br/maisesportes » maisesportes Rafael Carvalheira [email protected] Marcos Leandro [email protected] O ano de 1930 foi emblemático para a história do Brasil. No dia 24 de outubro, estourou a revolução que levou o gaúcho Getúlio Vargas à presidên- cia da República. O golpe de Estado (Revo- lução de 1930) depôs o antecessor Wa- shington Luís, impediu a posse do presiden- te eleito Júlio Prestes e pôs fim à República Velha. Não imaginava o pai da CLT que a sua chegada ao poder seria decisiva tam- bém para o Torre Sport Club sagrar-se pe- la terceira vez campeão pernambucano. Foi a última das taças estaduais conquista- das pelo Madeira Rubra, cuja sede ficava em Ponte d’Uchoa, hoje Avenida Rui Bar- bosa (foto acima) em 23 participações na elite local. O alvoroço político pelo qual passava o Brasil, obviamente, invadiu as divisas per- nambucanas, afetando as mais variadas atividades locais, inclusive o futebol. O en- tão governador Estácio Coimbra, um con- fesso admirador do Torre, foi destituído do posto, assumindo em seu lugar Carlos de Lima Cavalcanti. A turbulência implicou a paralisação do Campeonato Pernambuca- no de 1930. Os dirigentes se viram sem condições de dar sequência ao torneio. O presidente da Liga Pernambucana de Desportes Terrestres (atual Federação Per- nambucana de Futebol), Renato Silveira, convocou assembleia extraordinária para o dia 12 de dezembro e encerrou a compe- tição, mesmo com 20 partidas ainda por realizar. Como liderava com 14 pontos, três a mais do que o América, o Torre foi declarado campeão. O último jogo do Ma- deira Rubra (assim conhecido pelo verme- lho predominante do seu uniforme) foi contra o Sport, quando venceu por 2x1, com gols de Silva e Maturano. O clube, aliás, parecia bafejado pela sorte quando a conjuntura, digamos, não era de calmaria. O título que caiu no colo por con- ta da turbulência causada pelo golpe de 1930 foi apenas o grand finale deste retros- pecto insólito. “Teve confusão, o Torre é campeão.” Quando queriam provocar o Tor- re, era esta frase que os rivais usavam. E, de toda maneira, com razão. Os outros dois tí- tulos pernambucanos do time do coronel Jo- sé da Silva Loyo Neto (Zeca Loyo) sofreram a influência de elementos extracampo. Em 1929, quando o madeira rubra fatu- rou seu segundo troféu, de forma invicta, diga-se de passagem, diversas partidas fo- ram interrompidas antes do final pela má condição do tempo, e, consequentemente, dos campos, para a prática do futebol. Uma delas, por sinal, acabou resultando no próprio título ao clube, que, se ainda es- tivesse em atividade, teria completado 100 anos de fundação no último dia 13 de maio. O jogo aconteceu no dia 6 de outubro de 1929 e foi paralisado quando faltavam ainda 35 minutos para o fim do duelo – o placar marcava 0x0. No complemento da partida, quatro meses depois, já em 16 de fevereiro de 1930, o Torre fez dois gols no Flamengo (Agnelo e Piaba), ficando com a taça. Já em 1926, quando quebrou a he- gemonia de Sport e América, que juntos haviam conquistado as últimas dez edi- ções, o Torre foi beneficiado pela briga de Sport, América e Peres contra a Liga Per- nambucana de Desportes Terrestres. Sentindo-se desprestigiados politicamen- te, os três romperam com a entidade. O im- passe durou seis meses, até que América e Sport decidiram entrar no Estadual, já no final, mesmo sabendo que não possuíam mais condições de brigar pelo título. O Pe- res, por outro lado, se manteve ausente. Toda essa confusão acabou gerando a transferência do atacante Péricles Caldas do Sport para o Torre. De futebol refinado – diziam que poderia jogar de smoking que não o sujaria de barro –, Péricles ti- nha sido campeão pelo rubro-negro em 1920, com apenas 17 anos, e tricampeão em 1923/24/25. No Torre, foi decisivo para a conquista do Estadual de 1926. Foi dele um dos gols da vitória por 2x0 sobre o América, na última partida da competição. “Meu pai era muito mão aber- ta. Por isso, não temos nenhuma recorda- ção dos tempos de Torre, como faixas, ca- misas ou medalhas. Mas lembro que era um jogador muito respeitado na época”, lembra seu filho, o escritor Paulo Caldas, 64 anos, acrescentando que, além de jogar futebol, o pai trabalhava em um banco es- trangeiro, já que a remuneração no fute- bol era muito diferente dos dias atuais. Péricles jogou pelo Torre ainda em 1927, retornando ao Sport em 1928, onde ganhou seu sexto título estadual ao lado dos irmãos Aloísio e Jubal. Faleceu em 1970, aos 67 anos. O Torre, por sua vez, in- terrompeu a sua trajetória bem antes dis- so. Atropelado pelo profissionalismo nos anos 30 e sem suporte de figuras políticas importantes do Estado, integrou a elite lo- cal pela última vez em 1940, encerrando sua história como vice-lanterna. (M.L.) Nas primeiras décadas do século passa- do, quando o futebol ainda era predomi- nantemente amador, eram comuns excur- sões de times de outros Estados – sobretu- do do Rio de Janeiro – a Pernambuco. A vinda do América-RJ, em 1915, por exem- plo, é apontado como um fator decisivo para a guinada do esporte pelas bandas de cá, trazendo ares de profissionalismo. Estes amistosos interestaduais eram considerados a abertura da temporada. Em 1925, mais precisamente no dia 16 de janeiro, o Flamengo do Rio veio ao Re- cife para enfrentar o Torre. Em disputa, o troféu Torre Sport Club, a ser entregue ao vencedor do “match”, ocorrido no campo da avenida Malaquias e arbitrado por Al- cindo Wanderley, Pitota, meia-esquerda de grande habilidade, que vestiu a cami- sa do Santa Cruz nos primeiros jogos da história do tricolor. O confronto está regis- trado nos arquivos oficiais da história do rubro-negro carioca (Flapédia). Na época, o Flamengo já havia con- quistado quatro títulos estaduais, 1914/15/20 e 21 e seria o campeão de 1925. Os visitantes tinham um bom trio de ataque, formado por Benevenuto, Jun- queira e Moderato. Já os anfitriões aposta- vam no goleiro Valença e na dupla Oswal- do Guimarães e Piaba, todos vestiriam, mais tarde, a camisa da seleção pernam- bucana. Piaba, inclusive, marcou 55 gols pelo Madeira Rubra em Campeonatos Pernambucanos, tornando-se o maior ar- tilheiro do clube na história da competi- ção. O duelo seguia equilibrado, até Piaba fazer 1x0 para o Torre, aos 34 minutos da etapa inicial. O Madeira Rubra, que havia sido vice-campeão pernambucano no ano anterior, segurou a vantagem até o final do primeiro tempo – na época, ca- da tempo tinha 40 minutos, e não 45. Mas, na etapa complementar, o Flamen- go impôs a sua melhor qualidade técnica e virou a partida para 3x1. Benevenuto, aos seis, Moderato, aos nove, e Junqueira, aos 24, comprovaram o favoritismo e de- ram a taça ao rubro-negro carioca. Além do Flamengo, o Torre também enfrentou o Botafogo, quando o alvine- gro carioca fez uma excursão ao Recife em 1927. Mas, dessa vez, as lembranças são mais cruéis: 4x0 para o time da Estre- la Solitária, no dia de Natal, tendo como palco novamente a avenida Malaquias. Vale a pena destacar que nessa mesma passagem por solo pernambucano, o Bo- tafogo derrotou o Sport (5x1), o Santa Cruz (1x0) e empatou com o América (1x1). (M.L.) Design: Yana Parente e Gustavo Correia Fotos: Acervos pessoais Tratamento de Imagem: Alexandre Lopes, Claudio Coutinho e Jair Teixeira O dia em que o Torre encarou o Flamengo-RJ N em somente da fábrica de tecelagem vivia o bairro da Torre nas primeiras décadas do século passado. Os moradores do local também vivenciaram a existência de um dos melhores times de futebol daquele período. O Torre Sport Club é o assunto do segundo dia da série Quatro Campeões. Amanhã, o JC destrinchará o Tramways.