Nosso Goethe
(Gyrgy Lukcs)Discurso solene proferido em 31 de agosto de 1949
em Berlim na Associao Cultural para a Renovao Democrtica da
AlemanhaDuzentos anos passaram desde o nascimento de Goethe, mais
que um sculo desde a sua morte. A longa vida de Goethe abrange
vrias etapas do desenvolvimento da humanidade interrompidas por
grandes transformaes revolucionrias. Ele mesmo est completamente
consciente da significao desta poca de transformao para a sua vida
e criao. Ele diz como idoso para Eckermann: Eu tenho a grande
vantagem de ter nascido numa poca, em que os maiores acontecimentos
do mundo vinham ordem do dia e prosseguiam por minha longa vida, de
modo que fui testemunha ocular da Guerra dos Sete Anos, em seguida
da separao da Amrica da Inglaterra, alm disso, da Revoluo Francesa
e finalmente de toda a poca napolenica at a queda do heri e dos
acontecimentos seguintes. Por este meio cheguei a resultados e
concluses bem diferentes do que ser possvel para todos aqueles que
agora nascem e devem assimilar aqueles grandes acontecimentos
atravs dos livros que eles no entendem. Aps essas explicaes Goethe
vivencia ainda a Revoluo de Julho e com ela o comeo do colapso do
Perodo da Restaurao.
Ainda maiores transformaes o sculo trouxe depois da sua morte. A
preparao imediata da Revoluo de 48 e esta mesma encerraram o perodo
ao qual Goethe pertenceu. Tanto no sentido mais restrito do perodo
artstico, para usar a expresso de Heine, como no sentido mais amplo
daquela grande poca de preparao da renovao democrtica da Alemanha
que comea com Lessing e termina com Heine. A derrota da Revoluo de
48 leva malograda fundao reacionria do Imprio Alemo, ao falso,
porque reacionrio restabelecimento da unidade nacional do povo
alemo. 1918 1945 trazem os colapsos catastrficos desta nacionalizao
surgida erroneamente. Como na vida de Goethe o tornar-se nao
continua a ser uma misso perante o povo alemo.
A isso chega ainda como de longe a mais decisiva revoluo o
Grande Outubro do ano de 1917, o surgimento da Unio Sovitica
socialista. Comea uma luta da humanidade pelas novas formas de vida
perfeitas, uma luta pela dominao das sociedades de classes, da
pr-histria da humanidade. Esse combate terminou com a realizao da
sociedade socialista na Unio Sovitica, com a grandiosa construo de
uma cultura socialista material, espiritual e moral. E a marcha
triunfal da nova forma humana do Socialismo no fica nas fronteiras
da Unio Sovitica. Ao oeste dela as novas repblicas populares comeam
a construir o Socialismo, ao leste dela o Socialismo triunfa
precisamente agora nas vitrias do exrcito revolucionrio chins.
S daqui para frente principalmente do aspecto do ano de 1917 do
Socialismo realizado na Unio Sovitica - tornou-se hoje examinvel e
pondervel: o que Goethe hoje apresenta objetivamente e para ns.
1.
Este modo de ver no significa de modo algum um atualizar de
Goethe. Ao contrrio: exatamente considerado deste ponto de vista
pode-se expressar a seu ser real, o mais profundo da sua
personalidade humana e potica. Pois somente daqui em diante visvel,
como o seu efeito hoje se pode renovar; a chamada imoralidade de um
grande poeta positivamente no nada mais que a renovada reproduo
contnua de sua eficcia viva. Grandes poetas como Goethe cumprem
sempre a exigncia do dia, mas eles expandem e aprofundam esta
sempre, no fato de que eles desenterram e destacam o real problema
humano que se encontra nela. Quem perde ou realiza incompletamente
este ltimo, envelhece imediatamente, cai no esquecimento.
Este modo de ver no nada novo. Todo perodo pratica-o ingnua ou
conscientemente. A questo apenas: em que perodo se torna visvel
alguma coisa de Goethe? A grandeza ou as fraquezas? E ambas: em
qual proporo?
Lancemos um olhar rpido nos perodos principais da crtica da obra
da vida de Goethe. Friedrich Schlegel rene a Revoluo Francesa, a
filosofia de Fichte e o Wilhelm Meiser como as tendncias principais
do iniciante sculo XIX. E se ns concebermos aqui a filosofia de
Fichte como representante do nascente pensar dialtico na Alemanha,
ento temos diante de ns a mais alta e a mais justa avaliao de
Goethe que foi possvel durante a sua atividade.
Aps a Revoluo de Julho, no tempo da preparao ideolgica imediata
para a transformao democrtica da Alemanha, a imagem de Goethe
oscila j mais fortemente. O democratismo de Brne muitas vezes
fortemente limitado v s aquelas rigorosas contradies que separam a
sua fase de desenvolvimento da de Goethe; para ele Goethe o servo
rimado ao lado do servo no rimado Hegel. Seu contemporneo aliado e
adversrio Heinrich Heine muito mais previdente considera de muito
mais justas tanto a oposio quanto a comunho intelectual. Ele
expressa com determinao inequvoca de um lado o fim do perodo
artstico, a separao do desenvolvimento literrio da Alemanha de
Goethe, mas por outro lado ele tambm no tem dvida sobre aquilo que,
observado de um ponto de vista histrico superior, todo o
desenvolvimento filosfico e potico da Alemanha desde Lessing
apresenta um perodo histrico uniforme, cujo apogeu com toda crtica
Goethe, o espelho do mundo, o Spinoza da poesia constitui.
A derrota da Revoluo de 48, a traio da burguesia alem sua prpria
revoluo e com isto unificao democrtica da nao alem, a sua capitulao
diante dos Hohenzollern produzem pouco a pouco uma imagem de Goethe
totalmente nova. S agora Goethe aparece como olmpico, como semideus
terreno elevado acima de todas as fraquezas, como um imediatamente
dado grande modelo da conduta da vida humana. Esta imagem de Goethe
ns vamos falar mais tarde mais detalhadamente sobre estas questes
no nada mais do que um estilizar de todas as fraquezas humanas e
poticas de Goethe, do que um deixar desaparecer dos seus maiores
atributos de todos, do que um misturar tudo dos traos
significativos restantes com as suas fraquezas e comprometimentos.
Esta imagem de Goethe frequentemente realizada com o tempo no nada
mais que uma cortina que encobre, para dissimular os
comprometimentos polticos da burguesia alem, o burgus decair moral
atravs dela, a permanecida misria alem em um fantasioso brilho do
novo reino, dito melhor, a tentativa de maquiar em torno esta
decadncia ideolgica universal em uma nova virtude.
No perodo imperialista acontece um crescer alm sempre mais forte
dessa imagem de Goethe para a aberta reao aberta militante. Goethe
j aparece em Nietsche como o sustentculo da filosofia de vida
imperialista, e esta tendncia intensifica-se sempre adiante em
Gundolf, em Spengler, em Klages, etc. No h uma nica tendncia do
Imperialismo reacionrio, irracionalista, inimigo da rao,
anticientfico, cuja justificao terica no se buscaria agora na obra
da vida de Goethe. E a sempre mais fortemente enfatizada oposio de
Goethe atualidade significa tanto aqui, que esta no continuaria ser
suficientemente retrgrada para as reivindicaes dos representantes
da reao imperialista.
Esta avaliao ns ouvimos tambm hoje entre os lderes das
ideologias burguesas. Aps doze anos do domnio hitlerista, aps os
anos terrveis da Segunda Guerra imperialista estes idelogos se
comportam ainda sempre como os Bourbonen do tempo da restaurao,
eles no aprenderam nada e nada esqueceram. Ortega y Gasset v a
essncia do mundo na insegurana, no seu estar dominado pelo poder
irracional do acaso. Ele v no ser humano uma essncia, que no
consegue ser o que . (Citao de Mallarm). E no se pode observar sem
ironia, como essas ordens de ideias conduzem Ortega y Gasset sempre
adiante e adiante de Goethe, de modo que ele prprio no fim se v
obrigado a esclarecer: Na situao geral do ser vivo dificilmente se
deixaria pensar em uma diferena maior que aquela que separa Goethe
de ns. Com que ns chegamos felizes com aquela teoria do sculo XIX
como perodo de segurana, com qual servente do Fascismo do tipo de
Alfred Bumler justificamos o necessrio aproximar-se do Nazismo.
Tambm isso no por acaso. Uma relao viva com o passado s aquele pode
ter, cuja perspectiva de futuro no obstruda. O Fascismo substitui
ambas com mentiras. Ortega y Gasset - dobrando com isso para trs ao
tempo de preparao do Fascismo, preparando uma nova variedade da
reao militante - se v obrigado a ficar parado pelo desespero e pela
falta de relao com o passado progressivo: Por isso deveramos nos
perguntar: como parece o passado a um ser humano, cujo futuro o
mais incerto, que jamais se confrontou com o gnero humano? O que
significa - para ns - o passado? O assunto fica preso no ar... como
um enorme ponto de interrogao...
Evidentemente houve tambm nesta poca progressivas
contratendncias. Ns salientamos aqui somente o maior vulto desta
tendncia: Thomas Mann. Em seus ensaios, em sua criao da figura de
Goethe salva e reestabelecida em um tempo sombrio de reao brbara,
da consequente falsificao da essncia de Goethe a sua progressiva e
justamente nessa progressividade grandiosa tendncia de vida. Mas
porque o olhar de Thomas Mann est dirigido concretamente s
problemtica sombria da contemporaneidade burguesa, porque a
perspectiva de futuro que hoje j atualidade viva quase na metade do
mundo ou amadurece ao encontro de tal atualidade, para ele s
aparece abstratamente no horizonte do pensamento, nele se torna de
Goethe um vulto gigantesco em um pequeno definhado mundo filisteu.
Este pessimismo histrico-filosfico no deixa amadurecer para a
concreta perfeio os extraordinrios arranques para a sua imagem de
Goethe. Nas confrontaes polmicas ele sempre tem razo, assim como
ele refutou j no romance de Fausto a opinio de Ortega y Gasset com
as palavras do diabo a Adrian Leverkhn, que Goethe em contraposio
arte burguesa de hoje no necessitava de um estmulo demonaco.
2.
Ns vemos: toda imagem de Goethe brotou das correntes e
necessidades sociais da respectiva atualidade. Esse conhecimento,
todavia, no significa nenhum relativismo histrico, como se o
acreditou na filosofia burguesa do perodo imperialista. Pois por
toda parte surge como critrio da verdade objetiva: em que sentido
de um ponto de vista de classe pode surgir um retrato de Goethe
completo e possivelmente adequado. A concepo de Ortega y Gasset
tambm at aqui notvel, porque ela contm a confisso no intencional de
que o Goethe ainda que to desfigurado para a inteligncia burguesa
da poca imperialista sempre se torna mais incompreensvel.
Por outro lado j alumia o aproximar do Socialismo, o destacar do
ponto de vista marxista na apreciao sempre mais clara da literatura
os traos justamente essenciais e positivos de Goethe. Assim Franz
Mehring j antes da Primeira Guerra Mundial imperialista salvou de
apuros uma mudana decisiva de sua vida, a viagem italiana, do campo
das lendas que falsificam e apresentou segundo a sua real essncia.
Mehring demonstra que Goethe queria como ministro de Weimar
reformar a sua pequena terra seguindo os princpios sociais do
Iluminismo, isto , liquidar nela os restos feudais. O fracasso
destes seus esforos e no uma eventual tragdia de amor com Charlotte
Von Stein levou-o a deixar Weimar quase em debandada, a abdicar da
atividade de ministro no sentido poltico e de agora em diante a se
dedicar exclusivamente cincia e arte.
Mas mostra-se tambm que esta mudana era ainda mais pronunciada
do que Mehring acreditava; certamente esse ponto alto surge
inteiramente em seu esprito. Goethe queria mesmo como ministro de
Weimar no somente uma poltica interior antifeudal, mas tambm
praticar uma poltica exterior antiprussiana, empreender uma
tentativa embora medrosa e acanhada na direo do estabelecimento da
unidade alem. Ns pensamos com isso a tentativa de fundar a assim
chamada aliana dos prncipes, que era imaginada originalmente como
unificao dos pequenos estados alemes contra a Prssia e a monarquia
dos Habsburg, mas que muito contra a vontade de Goethe, deslizou
para o outro lado da linha prussiana. certamente mais do que um
acaso que o fracassar de ambos os esforos de Goethe coincida em
relao ao tempo com a fuga para a Itlia.
J estes fatos do uma perspectiva completamente diferente sobre o
olmpico apoltico, sobre a sua solido que os interpretes burgueses
querem deduzir puramente da sua genialidade. Quando Goethe agora se
retira completamente da poltica ativa, assim isso foi o
reconhecimento de uma derrota, o reconhecimento de que da sua posio
com os meios que estavam sua disposio no podia fazer nenhuma
poltica progressiva. Por conseguinte uma profunda resignao. O
amadurecido e o idoso Goethe em Weimar assim um combatente
derrotado para a renovao da Alemanha, quase do mesmo modo que
Lessing em Wolfenbttel, ainda que sob essencialmente outras condies
externas como internas. O perodo artstico iniciado por Goethe
baseia-se pois neste fundamento social.
Um breve reanimar das tendncias anteriores da vida traz para
Goethe o perodo napolenico. O que significa Napoleo para Goethe? De
modo algum aquilo que a lenda da literatura burguesa defende desde
Nietsche e Gundolf: o encontro de dois gnios que como gnios se
atraram irresistivelmente um ao outro independente de tendncias
polticas e sociais. Napoleo via em Goethe o poeta representativo de
seu tempo que criou o grande conflito do perodo pr-revolucionrio em
Werther, o nico que seria capaz de escrever a grande tragdia
poltica da poca napolenica. Goethe por seu lado via em Napoleo o
herdeiro das tendncias scias da Revoluo Francesa segundo a expresso
de Hegel -, o grande professor de Direito Poltico em Paris, o
condutor esperado da liquidao do Feudalismo na Alemanha que no
precisa para isso reivindicar as foras plebeias do Jacobinismo.
Resumidamente: a simpatia de Goethe por Napoleo era a continuao da
sua poltica ministerial de Weimar, um partidarismo s aspiraes da
liga renana de Napoleo.
Esta atitude de Goethe esclarece por que ele at o ltimo momento
espera pela vitria de Napoleo, por que ele at o fim da sua vida
permaneceu admirador e adepto do corso. Isto explica tambm o seu
ceticismo, a sua desconfiana do movimento de libertao. Em uma
conversa com o historiador Luden no ano de 1813 ele expressa muito
claramente esta mais que justificada desconfiana:
Afinal, o povo est realmente acordado? Ele sabe o que quer e o
que ele pode? ... E cada movimento pois uma revolta? Revolta-se
quem descoberto fora? ... E o que foi pois ganho ou conquistado?
Eles dizem: a liberdade; mas talvez ns o chamaramos mais
corretamente de libertao, pois a libertao no do jugo dos
estrangeiros, mas de u m jugo estrangeiro (Destaque meu G. L.).
Esta linha de desenvolvimento de Goethe no do mesmo modo
episdica para a sua linha de desenvolvimento potica. No se
esqueceria de que s dois dos muitos esboos dramticos da juventude
de Goethe foram executados: Gtz e Fausto, ambos de modo algum por
acaso ocorrem na grande poca das crises do Feudalismo alemo que se
dissolve, na poca da Reforma e da guerra dos camponeses. Goethe j
sentia instintivamente em sua juventude o que Alexander von
Humboldt exprimiu claramente nos anos quarenta que a Guerra dos
Camponeses era mesmo uma mudana do destino do desenvolvimento
alemo, que a renovao da Alemanha teria de ser entabulada l, onde
esta sofreu uma derrota. Certamente o drama da juventude est ainda
profundamente repleto de uma glorificao romntica do salteador e
reacionrio Gtz von Berlichingen. Mas no se esquea de que o trabalho
de Goethe mais concentrado e mais difcil na segunda parte do Fausto
estava justamente dirigido para o fato de representar esta poca de
ora em diante com exatido, objetivamente, com base nas experincias
da Revoluo Francesa e da poca napolenica. E s esta representao, s a
invaso do Capitalismo moderno no mundo regente do sagrado reino
romano torna possvel a viso final do Fausto agonizante: Estar em um
solo livre com um povo livre.
J este esboo rpido da carreira de Goethe significa a destruio da
imagem de olmpico. Esta concepo enalteceu todas as derrotas, todos
os comprometimentos no modo de vida de Goethe e at mesmo como
sabedoria, como perfeio humana. Agora nosso dever descobrir
desconsideradamente todas essas derrotas e comprometimentos, tambm
aquelas, onde Goethe prosseguiu interiormente na adaptao s ms
tendncias de seu tempo, quando isto era necessrio para a proteo da
essncia da sua personalidade humana e potica.
Assim surge uma imagem de Goethe de todo outra. Ns vemos um
Goethe acorrentado em circunstncias adversas, repelido
reiteradamente em sues esforos principais, humilhado, um Goethe
amargamente silente, que se resigna ironicamente. Isto no mais a
rgida estatua de Zeus da burguesia retrgrada. ao contrrio o
Prometeu vivo, o que traz a luz, aquele que certamente na misria
alem foi forjado frequentemente na pedra, muitas vezes foi mordido
pelos abutres da reao.
Desta forma no verdade que Goethe jamais foi infiel s suas
tendncias da juventude. Ele pode ter- se comportado ainda to
diplomaticamente em relao ao seu poema Prometeu na velhice, fica
nisso a tendncia bsica desta poesia, a qual no somente era dirigida
contra o deus transcendente, mas tambm contra os semideuses
terrenos do absolutismo feudal alemo. Quando ns descobrimos tambm
no Goethe idoso, da mesma forma como no Hegel amadurecido uma
reconciliao com a realidade, assim em ambos esta tem dois lados,
ela , como Engels escreve sobre Goethe, ora colossal, ora
mesquinha. Ela por um lado o crescente e crescentemente aprofundado
reconhecimento da essncia da nova formao social do Capitalismo, a
investigao ideal e potica, de como seria possvel sob as condies
desta nova sociedade um desenvolvimento superior da humanidade,
portanto uma rejeio ao mesmo tempo do sistema utopista e
pessimista, uma tentativa para reconciliar o curso real da histria
com o desenvolvimento progressivo da humanidade, por outro lado,
entretanto, uma srie de comprometimentos com os maus e miserveis
modos de apario desta realidade, com a lenta capitalizao da
Alemanha sob a conservao das caractersticas principais da misria
alem. Mostrar como sob estas condies exteriores e interiores o
princpio do modo de viver de Goethe e a poesia de Goethe
permaneceu, porm, progressiva, porm de acordo com Prometeu, o dever
da atual pesquisa alem sobre Goethe.
3.
S desta base de vida as questes centrais da criao de Goethe
tornam-se visveis. Onde est este ponto central? Significativamente
nem imediato nem definitivo no puramente potico. Como todos os
poetas da poca Goethe tambm mais que um mero poeta. Em tempos mais
felizes para a arte este mais era, porm, como visvel em
Shakespeare, completamente incorporvel a toda obra da vida, no
saindo disso. No assim em Goethe. Goethe por um lado a ltima apario
da poca desde a Renascena, a ltima, cuja universalidade pode reunir
em si a ao prtica, a cincia e a arte, ainda que mais problemtica
que esta. Por outro lado Goethe a primeira grande apario da
literatura universal que est em permanente luta contra a sua prpria
poca, que no mais carregada por ela como os gnios dos tempos
artisticamente mais felizes.
Esta luta est intimamente ligada com uma das maiores qualidades
artsticas de Goethe. Ns no nos referimos aqui apenas sua mais forte
conscincia sobre os fundamentos sociais e humanos da arte e das
formas artsticas isoladas, sobre o que ns falaremos logo a seguir
mais detalhadamente. Alm disso, ns descobrimos em Goethe um recente
nascer de cada forma em cada uma de suas obras essenciais.
Da mais variada e individualizada maneira que Shakespeare tambm
pode ter criado, h porm uma forma tpica de Shakespeare do drama.
Entretanto no h nenhuma de Goethe. De Gtz von Berlichingen at
Fausto a forma dramtica recriada cada vez. (Se se observa a questo
da forma de fato exatamente, assim, por exemplo, o Tasso algo
formal totalmente novo em relao a Iphigenie, para nem se falar da
Filha Natural).
E da mais variada e universal maneira que Balzac tambm pode ter
criado, h de novo uma forma tpica de Balzac do romance. Mas no h
nenhuma de Goethe. Werther, ambos Wilhelm Meister,
Wahlverwandschaften (Afinidades Eletivas), para nem mencionar
Hermann e Dorohea, no tm nada em comum em sua construo pica, nos
ltimos princpios da sua estrutura narrativa.
Da mesma forma h uma forma lrica tpica para somente citar poetas
realmente importantes em Heine ou Baudelaire. Mas no h nenhuma em
Goethe. As cantigas e as odes do perodo da juventude no tm nada em
comum na essncia exatamente mais profunda da forma lrica com as
Elegias Romanas, com a lrica tardia.
Nas obras ocasionais passageiras Goethe no raramente
convencional ou amaneirado. Mas no essencial tudo nele sem igual,
tudo nascido da oportunidade nica do respectivo tema. O maneirismo
nunca chega a entrar nos momentos essenciais das suas obras
essenciais, como de modo algum raramente at mesmo em criadores to
importantes da qualidade de Balzac ou de Heine.
4.
Nesta particularidade mais profunda da poesia de Goethe
manifesta-se a sua luta contra a sua prpria poca. Esta luta dupla:
ela se dirige por um lado, como ns j vimos, contra a misria alem,
contra o mesquinho Absolutismo alemo impregnado dos despojos
feudais. Por outro lado ela contm uma crtica do capitalismo que se
aprofunda sempre, que est destinada a remover e destruir esta
miserabilidade feudal-absolutista.
A peculiaridade de Goethe consiste aqui no fato de que ele
afirma despreocupadamente tudo de positivo e o avanado no
Capitalismo. Conhecem-se as suas observaes sobre o Canal de Suez, o
Canal do Panam, o Canal Danbio-Reno, sobre a Amrica e assim por
diante; sabe-se que ele esperou a unificao da Alemanha pela
amplificao da circulao. Porm ao mesmo tempo Goethe v da mesma forma
claramente, como o triunfal capitalismo que se aproxima tem a
tendncia de dissolver, de corromper a cultura e a arte, a
personalidade humana.
A luta de Goethe contra a capitalizao do mundo, sua crtica a
ela, , portanto, muito complicada. Ele defende principalmente a
arte contra as suas tendncias que nivelam e destroem. Ele defende
ao mesmo tempo o artista, e at mesmo tanto contra as reivindicaes
exteriores arte e antiartsticas da sociedade capitalista como
contra aqueles esforos que surgem no prprio artista sob o efeito
destas circunstncias desfavorveis que o impelem a entrar para a sua
interioridade em direo a uma arte pura, para um alheamento da
vida.
Ns podemos naturalmente indicar estes problemas aqui s por
esboos. Eu remeto, pois, ao universalmente conhecido, ao mesmo
tempo com a nfase, quo atuais so estas posies de Goethe
precisamente em nossa poca do Capitalismo que degenera e das suas
atuaes que intoxicam sobre a cultura que ressurge. Conhece-se o
conceito de estilo de Goethe que se dirige tanto contra a simples
imitao da natureza, portanto contra o que hoje ns chamamos de
Naturalismo, como contra o estilo, com a expresso de hoje:
Formalismo. E Goethe reconhece, especialmente em seu importante
ensaio Der Sammler und die Seinigen(O Colecionador e os Seus) e
seus comentrios, numa correspondncia com Schiller, nestes problemas
as questes de estilo no somente do seu presente imediato, mas de
todo o desenvolvimento moderno da arte desde a Renascena. Aqui se
teria referido s s suas observaes sobre Raffael e Michelangelo e
outras celebridades da Renascena na correspondncia com
Schiller.
O efeito imediatamente desfavorvel do meio capitalista sobre a
arte manifesta-se principalmente na questo da confuso e mistura dos
gneros. A assim chamada criao de Goethe segundo o estilo antigo tem
como tendncia principal conservar a pureza artstica nesta questo
decisiva. Ele escreve uma vez a Schiller: Para mim nisto deu bem na
vista, como acontece, que ns modernos estamos to inclinados a
mesclar os gneros, sim, que ns de modo algum nem sequer estamos em
condies de distingui-los uns dos outros... A estas tendncias no
fundo infantis, brbaras, inspidas o artista deveria resistir agora
com todas as suas foras, distinguir obra de arte de obra de arte
atravs dos impenetrveis crculos mgicos, manter cada um em sua
qualidade e suas particularidades, assim como os antigos o fizeram
e atravs disso tornaram-se e foram justamente tais artistas. Mas
quem pode apartar o seu barco das ondas sobre as quais ele nada?
Contra a corrente e o vento percorrem-se s pequenas distncias.
Mas Goethe percebe ao mesmo tempo tambm alguns das essenciais
causas sociais desta situao: o romper da relao direta entre o
arista e o povo atravs da diviso do trabalho capitalista, atravs do
tornar-se mercadoria capitalista tambm da arte. Nesse sentido ele
escreve igualmente a Schiller: Lamentavelmente ns inovadores,
talvez, tambm nascemos acidentalmente como poetas e ns nos
esfalfamos ao redor de toda a espcie, sem saber ao certo em que
realmente estamos; pois as determinaes especficas, se eu no me
engano, deveriam a dizer a verdade vir de fora e a oportunidade
determinar o talento.
O empenho potico e terico-artstico de Goethe estava dirigido
para salvar tanto quanto possvel contra as tendncias objetivas da
poca este determinado de fora, portanto socialmente definido nas
obras de arte, na atividade artstica. Ns possumos para isso
grandiosos documentos no s na essncia de sua informao artstica,
cuja particularidade eu caracterizei anteriormente de maneira
rpida, mas tambm em suas exteriorizaes artstico-tericas. Talvez o
mais grandioso na separao do pico do dramtico na correspondncia com
Schiller, onde Goethe consegue descobrir aquelas formas
fundamentais do comportamento humano e da da subsequente orientao
artstica, das quais nascem as diferenas da configurao pica e da
dramtica.
Esta clareza esttica s foi possvel para Goethe, porque ele viu
claramente determinadas caractersticas importantes do Capitalismo
na medida em que isto para ele era possvel histrica e moderadamente
pelas classes sociais. Ele viu no s o desenvolvimento capitalista
das foras produtivas, qual desenvolvimento ele afirmou
incondicionalmente, completamente sem sentimentos como o episdio
Philemon e Baucis mostra na segunda parte do Fausto -, mas tambm as
contradies ligadas inseparavelmente com elas, novamente dentro das
fronteiras histricas e sociais esticadas a ele. J no Werther criada
esta problemtica; ambos os romances Wilhelm Meister do um quadro
amplo e profundo sobre a dialtica da atividade social do indivduo
na sociedade que se capitaliza; nos Wahlverwandschaften (Afinidades
Eletivas) ns vemos a dialtica do amor e do casamento na nova
sociedade burguesa, e assim vai isso adiante at o monumental final
na segunda parte do Fausto.
Marx j descobriu o carter capitalista da conhecida frase de
Mefistfeles:
Se eu posso pagar seis garanhes,
As suas foras no so as minhas?
Eu corro demais e sou um homem direito,
Como se eu tivesse vinte e quatro pernas.
E m meus estudos sobre Fausto eu tratei deste problema
pormenorizadamente.
Aqui seria chamada a ateno s para um nico, porm, decisivamente
importante problema para a dialtica da liberdade na sociedade
capitalista. Principalmente temo-lo a ver com a concepo
mefistoflica da liberdade no capitalismo. A forma de apario
exterior na verdade a da acumulao primitiva, a essncia vale,
entretanto, para toda a poca:
O mar livre liberta o esprito...
Eu no precisaria conhecer nenhuma viagem de navio:
Guerra, negcio e pirataria,
Eles trs so unidos, no se podem separar.
Bastante diferente o problema da liberdade est colocado para o
prprio Fausto. Ele se aproveitou at mesmo da ajuda de Mefistfeles,
ele pode construir na verdade s atravs das foras dela o seu
intermundium progressivamente capitalista no mundo feudal, que em
si se dissolve, ele observa na verdade sem arrependimento a
destruio das formas de vida primitivas atravs da marcha triunfal
deste Capitalismo, mas ele sabe com clareza sempre crescente, como
ele envolvido justamente assim na rede de magia demoniacamente
capitalista.
Por isso para Fausto a liberdade : a libertao da magia
mefistoflica, das condies de vida e de ao anti-humanas do
Capitalismo:
Ainda eu no me debati em campo aberto:
Se eu pudesse afastar a magia da minha senda,
Desaprender as frmulas mgicas completamente,
Se eu ficasse, natureza, diante de voc um homem sozinho,
A valeria a pena ser um ser humano.
. . . . . .
Agora o ar est to cheio de tal apario,
Que ningum sabe como ele a deve evitar.
Esta contradio insolvel no s para Fausto, mas tambm para Goethe.
A sua clara compreenso e a sua genialidade potica manifestam-se
justamente no aspecto de que ele cria a contradio insolvel como
insolvel, de que ele mostra o profundo trgico no indivduo Fausto,
ao mesmo tempo, porm, uma perspectiva para o gnero humano embora
transcendente apresentada como um todo, de que, apesar do trgico do
indivduo Fausto, Mefistfeles pois no permaneceu vitorioso. Assim
efetua-se a soluo da contradio entre ambos os conceitos da
liberdade s na viso de futuro de Fausto cego, agonizante: Estar em
solo livre com um povo livre.
Este contedo e esta forma de criao uma defesa enrgica da
integridade do ser humano contra o Capitalismo se tornou possvel s
na base de um genuno exame essncia do Capitalismo correspondente s
relaes. Goethe est com este exame, ao lado de Hegel, isolado entre
os seus contemporneos. Pois no se trata do fato de notar e criticar
determinados lados ruins do desenvolvimento capitalista,
determinados dos seus efeitos desfavorveis sobre a cultura. Isto
tambm os romnticos fizeram. O mais claramente marcado o seu estilo
diametralmente oposto ao de Goethe nos comentrios crticos de
Novalis a Wilhelm Meister. Tal anticapitalismo romntico havia na
Alemanha desde ento quase sempre, at que ele ento degenerado
completamente em demagogia reacionria no desenvolvimento que se
segue a Nietsche at o Fascismo. A preservao da arte baseia-se,
portanto, em Goethe em um verdadeiro reconhecimento da atualidade
que se aproxima, que forma, porm, mesmo para ele s um momento no
desenvolvimento progressivo de toda a histria da humanidade.
A defesa do artista contra a poca capitalista significa um
conflito com a diviso social do trabalho nesta formao. Esta defesa,
como ns vimos, tem seus dois lados. O mais simples a luta contra o
fato de que os artistas se submetem s exigncias falsas, prosaicas,
comerciais da economia capitalista de mercadorias. A clara
constatao da essncia, dos objetivos e meios de uma arte autntica
era neste sentido o centro da obra educativa de Goethe para as
geraes vindouras de escritores, e esta educao permaneceu ativa nos
melhores at os nossos dias.
Mais complicada a luta contra as reaes subjetivamente sinceras,
mas objetivamente falsas dos artistas a esta situao social da arte,
contra o ser introduzido dos escritores em uma subjetividade
obstinadamente fechada, em um isolamento e desagregao do modo de
viver, na execuo de uma arte por causa da arte. Ns j vimos que
Goethe se esforava para compreender as mais abstratas leis formais
do gnero como comportamento humano.
Aqui tambm a sua luta se dirige contra aquela relao para a vida
que surge em virtude de tal falsa reao ao presente. O prprio Goethe
sentia que este perigo tambm o ameaava.
A sua crtica deste comportamento que toca mais profundo
positivamente a tragdia de Tasso, daquele Werther elevado. Tasso em
Goethe aprisionado no prprio mundo artstico da imaginao; apesar de
permanente e verdadeiro anseio para a vida surge nele uma
estranheza perante a vida. Esta estranheza faz de Goethe a base da
sua queda trgica. Mas tambm no demais Goethe se esfora para mostrar
sempre como tal vida e a produo crescente de uma vida deve se
tornar necessariamente problemtica, e ope sempre a este
comportamento humano a ligao ntima com o presente, com a vida, o
aprender da vida. S de uma vida ricamente vivida pode surgir uma
arte autntica e rica nisso Goethe e Gorki esto de acordo.
Esta compreenso, esta obra educativa alastra-se para todos os
detalhes da atividade artstica. A crtica que Goethe exerce aqui
possui uma atualidade proftica para os nossos dias, nos quais este
alheamento da vida entre os escritores burgueses avanou muito mais
adiante que na poca de Goethe. Eu escolho da abundncia destas
crticas que vo ao detalhe somente uma, na qual Goethe outra vez
profeticamente - desmascara o mtodo de observao tornado comum desde
o Naturalismo. Ele diz a Eckermann: Eu nunca observei a natureza
com fins poticos. Mas porque o meu desenho anterior da paisagem e
depois a minha posterior investigao da natureza me levaram a uma
constante considerao precisa dos objetos naturais, ento eu decorei
gradualmente a natureza at os seus mnimos detalhes de tal modo que,
quando eu como poeta preciso de alguma coisa, isto est minha
disposio e eu no peco facilmente contra a verdade. Assim tambm
Balzac e Tolstoi observaram a sociedade. S de uma vida rica surge
uma literatura mais profundamente verdadeira.
5.
A literatura burguesa de Goethe fala sempre da grande
personalidade de Goethe. E a exemplaridade do olmpico serviu para o
fato de servir arte da vida dos estetas e egostas burgueses, que
sempre se torna mais vazia, mais superficial e mais frvola para o
apoio intelectual moral. No imperialismo anterior guerra esta parte
da vida ultrapassou gradualmente de Goethe a Oscar Wilde, entre
ambas as guerras mundiais a Kierkegaard.
O desenvolvimento do indivduo, a defesa da sua integridade
pessoal, intelectual, artstica e moral contra os efeitos cotidianos
do sistema capitalista criam na verdade um momento importante do
modo de viver e da obra de Goethe. O que decide, porm, a concepo de
personalidade, a concepo da relao entre o ser humano e o gnero.
Em contraposio ao desenvolvimento burgus posterior, esta relao
em Goethe a mais imaginavelmente estreita. Ele diz no ano da sua
morte a Eckermann:
No fundo, porm, todos ns somos seres coletivos, ns gostamos de
nos colocar como ns queremos. Pois como temos e somos pouco, o que
ns chamamos no mais puro sentido a nossa propriedade! Ns devemos
aceitar todos e aprender, tanto daqueles que estiveram antes de ns
como daqueles que esto junto a ns. Mesmo o maior gnio no chegaria
longe, se quisesse agradecer tudo ao seu prprio interior. Mas isso
muitos muito bons seres humanos no entendem e s apalpadelas andam
com seus sonhos de originalidade a metadeda vida na escurido...
Eu talvez possa falar de mim mesmo e dizer modestamente como eu
sinto. verdade, na minha longa vida eu fiz e realizei vrias coisas
do que eu pudesse talvez me vangloriar. Mas o que tive, se ns
desejamos ser sinceros, o realmente meu foi, como aptido e
inclinao, ver e ouvir, diferenciar e escolher, com algum esprito
vivificar o visto e o ouvido e com alguma habilidade interpretar.
Eu devo a minha obra em caso algum s minha prpria sabedoria
isoladamente, mas a milhares de coisas e pessoas alm de mim que me
ofereceram o material para ela... Eu no tinha nada mais a fazer do
que aproveitar a oportunidade e colher o que outros tinham semeado
para mim.
no fundo tambm uma tolice, se algum tem algo de si, ou se o tem
de outros, se algum atua atravs de si, ou se atua atravs de outros:
o principal que se tenha um grande querer e se possua a aptido e a
perseverana para execut-lo; todo o resto indiferente.
Assim olhando retrospectivamente para a prtica de sua vida
Goethe coloca o problema da ao recproca ntima e ininterrupta do ser
humano para o gnero, da certeza ininterrupta de cada exteriorizao
vital da personalidade atravs do desenvolvimento da espcie
humana.
Isto naturalmente um problema da poca, uma questo, que ocupa
fundo todos os grandes precursores e contemporneos de Goethe. J
Lessing coloca esta questo muito energicamente em seus ltimos
escritos; a filosofia da histria de Herder est determinada no lugar
mais fundo por esta posio do problema. Mas com clareza decisiva s o
maior pensador alemo e o maior poeta alemo deste perodo colocaram
este problema em questo: Hegel e Goethe. Esta relao junta as duas
maiores obras da poca clssica alem: o Fausto de Goethe e a
Fenomenologia do Esprito de Hegel. Ambas as grandiosas obras tm no
Iluminismo alemo os seus precursores importantes. Ma o que
distingue Goethe e Hegel aqui para com os seus antecessores e
contemporneos que eles esto em condio de colocar a questo central,
a relao e ao recproca entre o indivduo e a espcie humana mais
sensatamente, mais prximo realidade e mais dramaticamente. J no
fragmento do Fausto de 1790 aparece esta questo com todo o pattico
lrico-dramtico de Goethe. Fausto diz:
E o que concedido a toda humanidade,
Eu quero desfrutar em meu eu interior,
Com o meu esprito apanhar o mais alto e o mais profundo,
Acumular em meu peito o seu bem e a sua dor,
E assim expandir o meu prprio eu ao seu eu ...
Esta mudana mais dramtica, mais dialtica do problema s aparece
aps a Revoluo Francesa, um produto da nova situao mundial criada
por ela, uma generalizao das suas experincias. Nos grandes
iluministas vivia o ideal da possibilidade de realizao do reino da
razo. Este reino eles esperavam da Revoluo Francesa. Seu triunfo,
entretanto, criou uma situao bastante nova, mais dramtica e mais
dialtica, enquanto ela, despreocupada com a sua formulao ideolgica,
concretizou o contedo materialmente social deste ideal. Engels
exprime brilhantemente esta virada, quando ele constata que o reino
de razo realizado pela Revoluo Francesa mostra-se como o reino da
burguesia.
Com isso pela primeira vez as reais contradies entre indivduo e
espcie podem distinguir-se claramente na vida e ser compreendidas
de modo potico como ideal. O otimismo do desenvolvimento dos
grandes iluministas em princpio no problemtico, no trgico
(pensar-se-ia no fragmento de Fausto de Lessing) est com isso
fracassado. Mas isso est longe de significar uma desistncia do
otimismo do desenvolvimento em relao ao desenvolvimento da
humanidade. A linha do desenvolvimento da espcie que sempre indica
para cima consiste, portanto, agora de uma srie de tragdias
individuais. Hegel formulou essa constelao como a astcia da razo e
a exprimiu na poca da preparao da Fenomenologia do Esprito em relao
ao fim de Robespierre assim: A sua fora o abandonou, porquea
necessidade otinhaabandonado, e assim ele foi derrubado com
violncia. O necessrio acontece, mas cada parte da necessidade
costuma ser concedida s a indivduos isolados. Goethe escreve em uma
carta a Zelter exatamente no mesmo sentido:O ser humano dever ser
arruinado novamente!Todo ser humano especial tem uma determinada
misso que ele est designado a executar. Se ele a cumpriu, ento ele
no mais necessrio na terra nesta figura... E Hegel exprime assim em
sua Filosofia da Histria a relao universal deste problema: O
especial tem o seu prprio interesse na histria do mundo; ele algo
finito e como tal deve perecer. o especial, que se debate com o
outro at a exausto, e do qual uma parte arruinada. Mas na luta, na
queda do especial resulta o universal.
Tal filosofia tcita o fundamento da composio de Fausto: as
tragdias no microcosmo das individualidades particularizadas formam
o caminho para o se revelar do avano inexorvel no macrocosmo do
gnero humano. Da o otimismo inabalvel de Goethe, que toca o todo do
gnero humano, da a sua concepo e representao realisticamente no
sentimental das tragdias individuais ainda to profundamente
sentidas.
Nesta base filosfica surge a poesia universal de Fausto. Ela
abrange o desenvolvimento da humanidade em uma relao homognea que
alcana e abrange poeticamente at o presente de Goethe. Goethe est
inteiramente consciente sobre a particularidade desta composio. Por
ocasio da publicao do fragmento da Helena ele escreve a Wilhelm von
Humboldt: Eu tenho de vez em quando continuado a trabalhar nisso,
mas a pea no pode ser acabada como na abundncia dos tempos, porque
ela pois representa agora os seus 3000 anos completos, da queda de
Troia at a ocupao de Missolunghi. Isto se pode assim tambm tomar
por uma unidade do tempo, no sentido mais alto; mas a unidade do
lugar e da ao tambm observada o mais precisamente no sentido
habitual.
Mas esta unidade ideal e potica tem a sua base real no
desenvolvimento social, ainda que Goethe e Hegel no puderam
reconhecer adequadamente as suas verdadeiras leis. Esta base que o
ser humano cria para si prprio, desenvolve para si prprio est em
seu trabalho, atravs de seu trabalho. Marx em sua crtica
Fenomenologia de Hegel determinou o significado do trabalho at o
ponto em que o ser humano realmente tira dele todas as suasforas do
gnero... Isto o teor ideal e potico do ato final da segunda parte
do Fausto. Isto o que nem o Romantismo liberal de Vischer nem o
Romantismo reacionrio de Gundolf puderam e quiseram entender. Ambos
viram l uma prosa, onde Goethe criou a mais profunda poesia do
desenvolvimento da humanidade, sua automovimentao atravs da prpria
prtica, atravs do prprio trabalho.
Esta concepo do destino da humanidade grandiosa, real,
sobriamente no sentimental e ao mesmo tempo heroico-trgica
determina a clara profundidade da poesia de Goethe. Eu tentei
apresentar em outros contextos como a incomensurabilidade da forma
do poema de Fausto , pois, completamente racional e orgnica no
sentido potico, enquanto esta forma tambm aqui brota organicamente
de um material nico e simultaneamente racional. Mas isto s por isso
possvel, porque o material e sua organizao potica no contm somente
o humano no sentido individual, mas est ligado inseparavelmente com
o destino da espcie, com o destino da humanidade.
O poeta na acepo de Goethe o portador e anunciador deste
desenvolvimento superior do gnero humano sempre cercado de tragdias
individuais. Goethe renova aqui a antiqussima misso da arte e
literatura: de ser o veculo do desenvolvimento da conscincia da
humanidade sobre si mesmo. Eis porque isso um credo do poeta Goethe
que excede sobre a ocasio que provoca:
E se o ser humano emudece em sua dor,
Um deus deu-me a dizer o que eu sofro...
A poesia de Goethe a poesia da expresso idealmente articulada
que traz a realidade subjetiva como objetiva para a clareza, para a
ideia. Isto, entretanto, no uma questo da potica no sentido mais
restrito, mas a da viso do mundo. Pois o ato de se expressar de que
se trata aqui, no a clareza gramatical das locues isoladas, mas a
questo, se a poesia um exprimir da razo que se torna sempre mais
clara nos acontecimentos mundiais ou um emudecer diante da sua
falta de sentido e pretensa impossibilidade de expresso.
O ltimo a posio bsica humanamente potica da decadncia, se a sua
literatura quiser se expressar claramente nos seus pormenores ou -
de modo consequente - transcrever a confuso da imagem do mundo para
a expresso do detalhe, para a escolha da palavra, para a gramtica,
etc., como o fizeram o Dadasmo e o Surrealismo. Mas
independentemente de tais diferenas artsticas a arte da decadncia
significa a do irracionalismo, da impossibilidade de articulao
interna, do emudecimento em vista de um caos subjetivamente
percebido. E isto considerado deste contexto por causa de que o
indivduo que faz poesia em sua conscincia, em sua imaginao
presunosa desprendeu-se do destino da espcie, porque ele no mais
conscientemente quem trabalha como cocriador do destino da
espcie.
Dever-se-ia revisar toda obra da vida de Goethe para se destacar
devidamente esta oposio decadncia, que de decisiva importncia para
o atual desenvolvimento superior da literatura no pases onde ainda
a luta entre o velho e o novo no est decidida. Tambm aqui ns
podemos salientar s alguns pontos de vista importantes.
O caminho determinante do fazer poesia na decadncia a
introspeco. Enquanto se mergulha nas profundezas da prpria alma,
enquanto se sutilizaram mtodos pseudocientficos para este auto
pesquisar (Freudismo), julga-se atingir de agora em diante as
verdadeiras, as efetivas profundezas da vida. Goethe s vivenciou os
primeiros de todos os comeos de tais tendncias, mas j os refeitou
radicalmente. A sua rejeio, entretanto, vai, como em todas as
questes, muito alm da potica e da teoria da arte no sentido mais
restrito e se torna um problema generalizado do modo de viver. Em
uma conversa com Eckermann sobre essa questo Goethe diz o seguinte:
Disse-se e se repetiu em todos os tempos que se deveria pretender
conhecer-se a si mesmo. Isto uma estranha pretenso a que at agora
ningum bastou, e a que no fundo tambm ningum deve bastar. O ser
humano com todo o seu sentido e ambies depende do exterior, do
mundo em volta dele e ele o deve conhecer conquanto e conquanto se
sujeitar, quando ele o necessita para os seus propsitos. De si
mesmo ele s sabe quando ele desfruta ou sofre, e assim ele tambm s
se instrui atravs dos sofrimentos e alegrias de si, o que ele deve
buscar ou evitar. Para Goethe h, portanto, s um caminho para o
autoconhecimento, o da ao prtica na sociedade. Toda a introspeco
ele rejeita como caminho errado que conduz aos pntanos da
subjetividade vazia.
Se ns ento mencionamos como um segundo exemplo o posicionamento
de Goethe para com a burguesia, ns nos distanciamos aparentemente
para muito longe da decadncia. Na realidade trata-se de da mesma
questo, pois aos olhos de Goethe os seres humanos da subjetividade
exaltada so somente uma variedade do burgus. A sua definio nas
stiras mansas soa assim:
O que um burgus?
Uma tripa oca,
Ocupada com medo e esperana,
Valha-me Deus!
Aqui o medo e a esperana so as determinaes decisivas. Elas so as
formas do pensamento e do sentimento dos seres humanos que imaginam
ter se desprendido subjetivamente da prtica do gnero humano, para
os quais, portanto, a boa ou a m sada de seu destino individual o
nico decisivo. A grande filosofia da ascendente classe burguesa nos
limites das suas possibilidades combateu esta viso do mundo e tenta
sob a renovao do Estoicismo ou do Epicurismo, libertar a moral
destes vales e estreitezas egostico individualistas, sobretudo
assim Spinoza. E Goethe aqui continuador de Spinoza, quando ele no
Cordo Carnavalesco da segunda parte do Fausto apresenta encadeados
o medo e a esperana como os dois dos maiores inimigos da
humanidade. Tambm esta rejeio do medo e da esperana em Goethe vem
da ligao ntima do destino individual com o gnero humano. Enquanto
ele observa as tragdias individuais, tambm a sua prpria, serena e
no sentimentalmente desde esta altura da viso do mundo, ele pode
rejeitar o estar aprisionado subjetividade mera e abstrata da mesma
forma serenamente como burguesia.
Da tambm, para analisar esta questo uma vez do ponto de vista da
abordagem literria, a opinio de Goethe sobre a poesia de seus
contemporneos. Clssico eu denomino o saudvel, romntico o doente.
Saudvel e doente devem-se entender aqui neste sentido da ligao
consciente com a sociedade, com a humanidade e seu desenvolvimento
ou com a separao subjetivamente decadente dela. Por isso Goethe
rejeita Kleist como doente. E quando os admiradores atuais de
Kleist o acusam por isso com o fato de que ele no compreende o
artisticamente novo em Kleist, de que ele julgou de um ponto de
vista inadequado, antiquadamente classicista, ento deve-se
perguntar, por que Goethe no era por demais antiquadamente
classicista, para ser capaz de acolher com compreenso em seus
ltimos anos de vida as primeira grandes obras de Balzac e Stendhal?
O saudvel e o doente no so mesmo em Goethe categorias formalsticas
de uma potica classicista, mas expresses para um comportamento
correto ou distorcido para a vida social, do qual surge com
necessidade uma literatura adaptada realidade ou que reflete
distorcidamente.
6.
O ser direcionado do criar de Goethe sobre o saudvel possui,
entretanto, um destaque especial, pelo qual impossivelmente pode
passar despercebido mesmo o observar rpido da sua obra da vida. Ns
nos referimos ao problema da beleza e com ela o da relao
antiguidade.
Trata-se aqui de uma questo que ao mesmo tempo mais
profundamente condicionada histria e de grande importncia
universalmente esttica. A renovao da beleza da antiguidade em modo
diferente em conformidade com as pocas e as condies das classes a
grande anunciao esteticamente poltica, programaticamente ideolgica
da liquidao do Feudalismo na Europa. No perodo de preparao da
Revoluo Francesa, nela mesma e em suas consequncias imediatas
remove-se a nfase deste estilo clssico tambm sobre a luta contra a
monarquia absoluta. Goethe a figura mais expressiva desta tendncia
europeia que se estende de Winckelmann e Alfieri at Shelley e
Hlderlin.
O que importa aqui indicar resumidamente a posio especial de
Goethe neste contexto. Sobretudo deve-se ver claramente que justo
nele a questo da beleza est ligada mais intimamente com o problema
agora mesmo tratado, com a unio ntima, dialtica dos seres humanos
isolados e o gnero. A beleza s pode surgir para Goethe onde o
especial do ser humano isolado revela o gnero em todas as suas
determinaes, onde o seu mais individual modo de apario uma expresso
imediata do universal, da lei. Pela a lei, segundo a qual voc se
apresentou, assim voc deve ser...
Mas isso ainda uma determinao demais distante. Pois o impor-se
da lei pode ser organicamente sem problema ou distorcidamente
problemtico. E Goethe era excessivamente realista, assistia sua
poca por demais sensatamente sem problema, para deixar passar por
si despercebidamente as contradies que aqui surgiam. O ponto de
vista da sade, da relao do ser humano e o gnero produziu neste
caminho a perfeio artstica da forma de muitas de suas obras.
Entretanto tambm a perfeio artstica algo muito mais amplo que a
beleza. Goethe viu-se obrigado, quando ele comps o episdio da
Helena e tinha nisto receios e escrpulos, de incluir esta no
confuso mundo de Fausto, de recorrer s vantagens brbaras que seu
contedo prescreveu necessariamente para a forma.
Beleza um caso especial da perfeio artstica. Um especial, pois
nisso ele deve levar um contedo que contenha em si j a harmonia
para a sua prpria forma, para a beleza; um especial, pois a
purificao do contedo demais obsequiosa, demais cuidadosa pode muito
facilmente afastada a obra da vida, tornar o contedo abstrato e
superficial, a forma classicista-acadmica.
A aspirao beleza de Goethe esta ligada por um lado intimamente
com a sua grande concepo da natureza e suas regularidades. O belo,
diz ele, uma manifestao das leis ocultas da natureza, que sem esta
apario teriam ficado eternamente encobertas. E ainda mais
concretamente na Metamorphose der Tiere (Metamorfose dos
Animais):
Portanto, a forma determina o hbito do animal,
E o modo, de viver, ele exerce reao poderosa sobre todas as
formas...
Estes limites nenhum Deus estende, a natureza os respeita
Pois, somente assim limitado nunca o perfeito foi possvel.
Esta natureza to grande, mostrando-se compreendida
cientificamente to ampla no futuro determina em Goethe tambm a
beleza humana. O produto final da natureza que sempre se
intensifica, diz Goethe em sua publicao Winckelmann, o belo ser
humano. Mas a natureza pode produzi-lo s raramente e tambm ento sem
durao. Poder-se-ia dizer, seria somente um momento, no qual o belo
ser humano seria belo. Proporcionar durao s a arte pode, a obra de
arte; pois no que ela se desenvolve espiritualmente do total das
foras, assim ela absorve em si todo o maravilhoso, o digno de
respeito e de amor e se ergue, em que ela anima a figura humana, o
ser humano sobre si mesmo, fecha o seu crculo de vida e de atuao e
o idolatra para o presente, no qual o passado e o futuro esto
compreendidos,
Onde as circunstncias internas e externas da vida o permitiram a
Goethe conseguir exteriorizar de tais conhecimentos e convices,
surge no somente a perfeio artstica, mas tambm a beleza. O ensaio
Wilckelmann mostra a contento como aqui o modelo da antiguidade era
orientador. Todavia meramente no ser dirigido ao saudvel e
essencial humanamente, individualmente moderado pelo gnero, de modo
nenhum no sentido de um Classicismo que estiliza. O Goethe idoso
aconselha aos jovens artistas: O jovem artista juntar-se-ia s danas
dos camponeses domingos e feriados, ele ficaria sabendo do
movimento natural e daria moa do campo a roupagem de uma ninfa, ao
rapaz do campo um par de orelhas, quando no at ps de bode. Se ele
captura a natureza corretamente e sabe dar s personagens uma
decncia nobre e livre, assim nenhum ser humano percebe de onde ele
o tem e cada um jura, ele o teria tomado da antiguidade. De tal
modo de pensar, de tal prtica nasceram os grandes personagens de
Goethe da Iphigenie at a Gretchen, do Egmont at o Valentin.
Entretanto a vida na misria alem tornou para ele impossvel um
resistir consequente nesta conduta artstico-humanstica. Ele fala
consideravelmente sobre si mesmo, quando ele salienta a natureza
clssica de Winckelmann, que definitivamente no podia reprimir a
baixeza, o desgosto: Assim que ele apenas chegou a uma liberdade
conveniente para ele, ele aparece bastante completo, total+mente no
sentido clssico.
No prprio Goethe mistura-se - em diferentes perodos, em
diferentes crculos da vida diferentemente liberdade antiga e
resignao antiga tardia, estoico-epicurista. Ns vimos como para
Goethe a liberdade estava muito associada tambm como condio de vida
da arte, com a libertao da misria alem, com a libertao da magia
mefistoflica. H mais de uma dcada eu chamei a ateno com insistncia
para o seu importante ensaio sobre o Literarischen Sansculottismus
(Movimento Literrio dos Revolucionrios Proletrios) para o fato de
que os pressupostos sociais e nacionais ali citados de uma arte
clssica, a transformao democrtica, a unidade nacional criam a chave
para a sua concepo da arte. Mas ao mesmo tempo tambm para o fato de
que a concluso resignada: Ns no queremos desejar as transformaes
que poderiam preparar as obras clssicas na Alemanha, d o
esclarecimento a isto, por que Goethe nem sempre foi clssico-antigo
no sentido caracterizado acima por ele mesmo, mas inclinou-se no
raramente, mais ou menos, a um classicismo que estiliza. Tambm
aqui, como em toda parte, devem em Goethe ser separados a vitria e
a derrota, a resignao, o comprometimento, o colossal deve ser
divorciado do mesquinho (Engels).
7.
Esse Goethe em sua verdadeira grandeza, com os seus limites
histricos, sociais, da moderao de classes, com as suas derrotas e
comprometimentos tornou-se para ns s perfeitamente visvel desde que
a vitria do socialismo se tornou realidade.
Isto no deve significar de modo algum como se Goethe tivesse
sido um socialista em qualquer sentido, tambm nenhum precursor, nem
mesmo por um momento um pressagiador do Socialismo. pueril, quando
os intrpretes burgueses querem interpretar Os Anos de Aprendizagem
mais ou menos socialistamente. Goethe o maior, o mais universal, o
mais completo vulto de um estado anterior no qual est contido
efetivamente muito que remete ao futuro, mas na verdade s pode ser
compreendido, quando o estgio mais alto j foi realizado.
Para tornar isto realmente claro ns deveramos recapitular tudo a
partir daqui e colocar em um novo exame o que ns at agora expusemos
sobre Goethe. Isto infelizmente impossvel no limite de uma
conferncia. Eu s aponto para a concepo de Goethe sobre a
problemtica da arte no Capitalismo, para as suas tentativas de
superar esta problemtica, e para o fato de que o Socialismo do
ponto de vista social traz para a soluo exatamente isto, que
segundo Goethe a arte de seu tempo tornou to problemtico, que, como
se sabe, as determinaes especficas de fora, de fora da arte, so
levantadas da parte da sociedade, que assim no Socialismo a arte
perde justamente aquele isolamento social, sob o qual Goethe to
profundamente sofreu e de cujas consequncias devastadoras para o
desenvolvimento da arte ele tentou superar to heroicamente.
Desta mesma forma isto est na questo da nao. Goethe, como os
outros vultos importantes deste perodo , era um grande poeta
nacional sem nao. Ento justamente o desenvolvimento do socialismo
na Unio Sovitica resolveu exemplarmente o verdadeiro tornar-se nao.
At mesmo os povos, que at o Grande Outubro no tinham histria ou que
perderam a continuidade histrica de seu desenvolvimento nacional,
desenvolveram-se aqui em verdadeiras naes. E este tornar-se nao no
Socialismo, na Unio Sovitica est ligado inseparavelmente com a
unificao fraternal das diferentes naes, pelo que igualmente um
sonho de Goethe tornou realidade.
Tambm a questo da beleza aparece aqui em uma nova luz. A sua
natureza duvidosa, a sua raridade, a sua incapacidade para a
permanncia provm sim igualmente das contradies antagnicas das
sociedades de classes, sobretudo do Capitalismo. E justamente para
Goethe, para quem a beleza nunca foi um problema formal esttico em
sentido estrito, mas a expresso de uma harmonia real do indivduo
com a espcie, do ser humano com a natureza, como os seus
semelhantes, surge devido supresso das contradies antagnicas do
desenvolvimento social a realizao do seu mais profundo anseio pela
vida.
Ns poderamos continuar esta enumerao quase em todos os problemas
do modo de viver, da obra da vida de Goethe. Ns queremos nos
concentrar, todavia, aqui naquele problema que tambm at agora
esteve no centro de nossa apresentao, no problema da relao do
indivduo e a espcie. O que Goethe e Hegel viram e previram o que
eles nas circunstncias dadas de ento conseguiram para criar s em
uma solidariedade tragicamente antagnica, respectivamente para
levar ao conceito, hoje na Unio Sovitica Socialista uma experincia
quotidiana e grande, sensata e heroica de centenas de milhes de
seres humanos.
J quando Liebknecht e Dimitroff se defenderam como rus em um
tribunal da classe burguesa, a sua defesa evoluiu para uma acusao:
em nome da classe revolucionria, da nao progressiva, da humanidade,
da espcie humana, cujos genunos interesses progressivos eram
representados justamente pelo proletariado, a sua acusao
desmascarou os degenerados indivduos e as classes que impediam o
progresso.E quando Lenin e Stalin elevaram as experincias do
movimento revolucionrio dos trabalhadores ao termo e prtica
conscientemente conduzida do proletariado, deixou-se falar nisto,
na voz da classe trabalhadora, a do gnero, a da libertao da
humanidade e se uniu inseparavelmente com a voz, com a prtica da
vida destas imponentemente grandes personalidades.
E a prtica socialista da Unio Sovitica de mais de trinta anos
mostra: cada ser humano est em solo livre com um povo livre;
enquanto ele trabalha, enquanto ele absorve em si conscientemente
as experincias do trabalho da humanidade, enquanto ele aproveita o
seu desenvolvimento pessoal em seu trabalho para o enriquecimento
das experincias do gnero humano, enquanto a sua atividade provoca
nele mesmo e naqueles que com ele cooperam as verdadeiras foras da
espcie, est realmente l, atua e desenvolve-se realmente l, aonde
Fausto chega simplesmente nas suas vises do futuro depois de
longos, graves, trgicos erros.
Pois a libertao da magia, das correntes mgicas do Capitalismo um
problema tragicamente insolvel para Fausto j est aqui executada. O
Grande Outubro afugentou Mefistfeles juntamente com as suas foras
mgicas do palco da Histria.
Em segundo lugar a realizao de Fausto se tornou meramente
terrena. Goethe pode criar s a salvao do mais interior cerne humano
de Fausto diante de Mefistfeles. A prpria salvao, a realizao do
anseio de Fausto devia permanecer transcendente vista idealmente,
ser transferida artisticamente para o cu. Esta cena do cu um grande
sinal da sobriedade e honestidade ideal de Goethe, assim como da
sua fora de criao potica. Pois a inconsistncia vista
espontaneamente abstrata, que Fausto s pessoalmente, subjetivamente
no derrotado, que impossvel uma vitria objetiva sobre Mefistfeles
sob as circunstncias histrico-sociais de Goethe, mas que apesar
disso Mefistfeles vencido e a espcie humana afinal de contas de um
modo desconhecido para Goethe sempre triunfa e avana adiante: tudo
isto s pode ser evidenciado artisticamente atravs da cena do
cu.
O cu da ltima cena assim a criao da continuidade da vida da
espcie transcendente par Goethe, em concretizao terrena no
realizvel, infinita, progressista e nela a da realizao do indivduo.
Aqui a polmica de Goethe contra a esperana burguesa individual
recebe uma verdadeira neutralizao no sentido positivo como no
negativo: quando dada a perspectiva do desenvolvimento social
cientificamente fundamentada para cada indivduo tambm como a sua
prpria perspectiva de futuro, esta esperana deixa de existir, mas
ao mesmo tempo cumpriu-se todo o direcionar-se ao futuro, legtimo
pois ao mesmo tempo individual e coletivo.
O contedo histrico da cena do cu tornou-se terreno no
Socialismo: prosaico, quotidiano, prtico e heroico. Entretanto
justamente enquanto o novo desenlace de Fausto moderado pelas
classes e pelo contedo deve ir alm de Goethe, alm do seu mais amplo
horizonte, ele confirma as suas tendncias mais profundas da viso do
mundo e poticas. Pois estas precisamente so acima de tudo e o mais
profundamente terreno universais, terrenamente populares,
sensorialmente massivas. Goethe diz sobre si mesmo com razo que ele
teria sido em substncia muito mais democrtico que Schiller. Nunca
se esqueceria de quais esforos da sua sabedoria artstica isso
necessitou, para que o final celestial transcendente do Fausto
conseguisse ento uma imanncia patente do terreno ou ao menos se
aproximasse dela. O criador da Gretchen e da Klrchen, da Dorothea e
da Philine confirmado em sua mais genuna essncia potica, quando a
realizao da atividade humana, individualmente moderadora do gnero,
da vida individual se torna puramente terrena. O aluno e
contemporneo de Lukrez e Spinoza reconhecido em suas mais profundas
tendncias ideais, quando a encarnao da humanidade resulta puramente
das prprias foras, da humanidade imanente dos seres humanos
trabalhadores, da vitoriosa classe dos trabalhadores.
O Socialismo ultrapassa teoricamente para muito alm do horizonte
de Goethe e com maior razo em sua concretizao prtica. Mas
justamente a partir daqui os seus melhores, os seus mais altos
atributos recebem uma nova luz. Justamente porque ele no parece
reinar como olmpico acima das lutas humanas, justamente porque as
suas fraquezas e as suas mculas, as suas derrotas e os
comprometimentos, os seus limites tornam-se impiedosamente visveis
nesta luz, ele aparece como amigo e companheiro de viagem dos
atuais construtores de um novo mundo digno do ser humano, como guia
artstico para a sade para fora da lama de uma patologia da arte,
para fora da lama de uma simpatia com a doena e o apodrecimento,
com a decomposio e com a morte, como Thomas Mann o formulou to
corretamente para a arte moderna.
Um sculo e meio oscilou a imagem de Goethe tambm nos mais
honestos e melhores pesquisadores. Somente a realizao do
Socialismo, a vida dos povos livres da Unio Sovitica d um foco para
ver Goethe realmente de modo correto, um critrio para dignific-lo
imparcialmente, com amor conveniente. Concretizar esta imagem de
Goethe s agora tornada possvel a misso do nosso tempo.