94 DOM Na busca da “perfeição” racionalista, dois ícones seriam inutilmente perseguidos: muitos dados e modelos perfeitos! Inútil, tempo desnecessariamente gasto, mesmo que dados e modelos tenham alguma utilidade. Os primeiros demoram tempo demais para serem con- solidados e tornados úteis, e dizem respeito ao passa- do. Os últimos estão inscritos no “maldito” rol das soluções fáceis. E tudo que uma empresa não tem é tempo nem direito de ser igual. Nenhuma dúvida quanto aos dilemas levantados pelos autores, principalmente pelo fato de que estão avaliando a possibilidade de uma estratégia como práxis, como instru- mento de domínio e controle no mun- do dos negócios. Como no primeiro livro, eles passam longe da discussão científica sobre os conhecimentos acu- mulados pela pesquisa e pela formu- lação teórica da estratégia. O ensaio de proposta que eles apresen- tam resvala em respostas fáceis, baseadas em conceitos tão ou mais nebulosos que os utilizados pela estratégia racionalista: a estratégia seria criatividade, “intuição bem infor- mada”. O bom estrategista é “visionário”, “vê” o futuro ao invés de pensar o futuro. E esta visão não leva em conta o que se viu no passado, pois ela é exatamente a antecipação de descontinuidades. Criatividade, construir imagens, ter intenção e flexibilidade (termos sobre os quais não existe acordo na psicologia) passam a ser a nova fórmula para evitar o racionalismo dos métodos e conceitos atuais. Para tais princípios, não existem técnicas possíveis. Enquanto caminha pela crítica aos métodos e con- ceitos tradicionais da estratégia empresarial aplicada (insisto na distinção), o livro é bom, leve, engraçado, provocador. Mas quando tenta a arte de afirmar (da qual se constrói e se muda o mundo), cai quase na vulgaridade, utilizando conceitos que trazem mais confusão que respostas. Pior, apresentados como fatos científicos em outras ciências, o que não corresponde à realidade. O diagrama que ilustra a proposta dos autores para o novo processo estratégico precisará de um sacerdote experiente para explicá-lo aos mortais e colocá-lo em prática. As idéias não são novas, a forma é divertida e a conclusão deixa a desejar. Pão requentado continua sendo pão? Sim, mas terá sempre o sabor, o cheiro e o gosto de pão velho! POR LUIZ CARLOS CARVALHO - LICAL LUIZ CARLOS FERREIRA DE CARVALHO - LICAL é professor e coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Duas visões diferentes sobre uma mesma obra. Esse é o propósito desta seção, que analisa livros nacionais e inter- nacionais sobre temas de Gestão. Convidamos dois espe- cialistas em Estratégia para o primeiro exercício. Estratégia empresarial, mesmo que os vários autores não concordem sobre uma definição formal, implica levar a empresa a posições inesperadas frente ao mercado, com produtos, serviços ou um agregado dos dois que a diferen- ciem das outras e que atraiam mais participação de mercado ou maiores margens. Na medida em que reflete a inovação e o inesperado, a “boa lógica” nos diz que, se pudermos formalizar o conheci- mento que gere boas estratégias, qual- quer pessoa (leia-se empresa) de posse desse conhecimento poderia gerar boas estratégias. Isto destruiria a possibili- dade de se construir vantagem competi- tiva, pois, literalmente, todas as empre- sas poderiam fazer o mesmo. Que a estratégia não é um plano, já se havia concordado, mas os autores deste livro investem contra o próprio processo estratégico, contra a maneira de construir o pensamento estratégico. Este é o problema abordado, de novo, por eles (ver Mintzberg at all, 2000). Desta vez, com uma lin- guagem mais leve, reunindo metáforas e provocações, já publicadas em outros livros e periódicos, destroem de forma sistemática, com inteligência e bom humor, os argumentos e pressupostos racionalistas (brilhante exemplo dado pelo pictograma que descreve o proces- so de planejamento estratégico da Kaiser Aluminium, na década de 60) que embasam boa parte das “teo- rias” e modelos de estratégia. Na concepção dos autores, o aprendizado a partir das análises e formulações propiciadas pelas várias metodologias existentes é tão importante quanto a necessidade de se deixar espaço para a criatividade e a inovação, para a descontinuidade e a ruptura. Claro, sem esquecer que a participação de colaboradores dos vários níveis da empresa acrescenta ao processo noção da realidade diária do negócio e facilita o mais importante aspecto da estratégia: sua característica “emergencial” e o fato de que sua implementação é parte do mesmo objeto (e não uma etapa posterior à sua formulação). A estratégia só existe se implantada, e não é só o CEO que faz estratégia. “Strategy Bites Back: It Is Far More, and Less, than You Ever Imagined” Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand, Joseph Lampel. (Pearson Prentice Hall, 2005)
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LUIZ CARLOS CARVALHO - LICAL - acervo.ci.fdc.org.bracervo.ci.fdc.org.br/AcervoDigital/Artigos FDC/Artigos DOM 01... · (Safári de Estratégia e Ascensão e Queda do ... de Gary Hamel
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Na busca da “perfeição” racionalista, dois ícones seriaminutilmente perseguidos: muitos dados e modelosperfeitos! Inútil, tempo desnecessariamente gasto,mesmo que dados e modelos tenham alguma utilidade.Os primeiros demoram tempo demais para serem con-solidados e tornados úteis, e dizem respeito ao passa-do. Os últimos estão inscritos no “maldito” rol dassoluções fáceis. E tudo que uma empresa não tem étempo nem direito de ser igual.
Nenhuma dúvida quanto aos dilemas levantadospelos autores, principalmente pelo fato de que estão
avaliando a possibilidade de umaestratégia como práxis, como instru-mento de domínio e controle no mun-do dos negócios. Como no primeirolivro, eles passam longe da discussãocientífica sobre os conhecimentos acu-mulados pela pesquisa e pela formu-lação teórica da estratégia.
O ensaio de proposta que eles apresen-tam resvala em respostas fáceis,baseadas em conceitos tão ou maisnebulosos que os utilizados pelaestratégia racionalista: a estratégiaseria criatividade, “intuição bem infor-mada”. O bom estrategista é“visionário”, “vê” o futuro ao invés depensar o futuro. E esta visão não levaem conta o que se viu no passado, poisela é exatamente a antecipação dedescontinuidades. Criatividade, construir
imagens, ter intenção e flexibilidade (termos sobre osquais não existe acordo na psicologia) passam a ser anova fórmula para evitar o racionalismo dos métodose conceitos atuais. Para tais princípios, não existemtécnicas possíveis.
Enquanto caminha pela crítica aos métodos e con-ceitos tradicionais da estratégia empresarial aplicada(insisto na distinção), o livro é bom, leve, engraçado,provocador. Mas quando tenta a arte de afirmar (daqual se constrói e se muda o mundo), cai quase navulgaridade, utilizando conceitos que trazem maisconfusão que respostas. Pior, apresentados comofatos científicos em outras ciências, o que não correspondeà realidade. O diagrama que ilustra a proposta dosautores para o novo processo estratégico precisará deum sacerdote experiente para explicá-lo aos mortais ecolocá-lo em prática.
As idéias não são novas, a forma é divertida e a conclusãodeixa a desejar. Pão requentado continua sendo pão?Sim, mas terá sempre o sabor, o cheiro e o gosto depão velho!PO
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LUIZ CARLOS FERREIRA DE CARVALHO - LICAL é professor e coordenador doNúcleo de Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, mestre emPsicologia pela Universidade de São Paulo.
Duas visões diferentes sobre uma mesma obra. Esse é opropósito desta seção, que analisa livros nacionais e inter-nacionais sobre temas de Gestão. Convidamos dois espe-cialistas em Estratégia para o primeiro exercício.
Estratégia empresarial, mesmo que os váriosautores não concordem sobre uma definição formal,implica levar a empresa a posições inesperadas frenteao mercado, com produtos, serviços ouum agregado dos dois que a diferen-ciem das outras e que atraiam maisparticipação de mercado ou maioresmargens.
Na medida em que reflete a inovação eo inesperado, a “boa lógica” nos dizque, se pudermos formalizar o conheci-mento que gere boas estratégias, qual-quer pessoa (leia-se empresa) de possedesse conhecimento poderia gerar boasestratégias. Isto destruiria a possibili-dade de se construir vantagem competi-tiva, pois, literalmente, todas as empre-sas poderiam fazer o mesmo. Que aestratégia não é um plano, já se haviaconcordado, mas os autores deste livroinvestem contra o próprio processoestratégico, contra a maneira de construiro pensamento estratégico.
Este é o problema abordado, de novo, por eles (verMintzberg at all, 2000). Desta vez, com uma lin-guagem mais leve, reunindo metáforas e provocações,já publicadas em outros livros e periódicos, destroemde forma sistemática, com inteligência e bom humor,os argumentos e pressupostos racionalistas (brilhanteexemplo dado pelo pictograma que descreve o proces-so de planejamento estratégico da Kaiser Aluminium,na década de 60) que embasam boa parte das “teo-rias” e modelos de estratégia.
Na concepção dos autores, o aprendizado a partir dasanálises e formulações propiciadas pelas váriasmetodologias existentes é tão importante quanto anecessidade de se deixar espaço para a criatividade ea inovação, para a descontinuidade e a ruptura. Claro,sem esquecer que a participação de colaboradoresdos vários níveis da empresa acrescenta ao processonoção da realidade diária do negócio e facilita o maisimportante aspecto da estratégia: sua característica“emergencial” e o fato de que sua implementação éparte do mesmo objeto (e não uma etapa posterior àsua formulação). A estratégia só existe se implantada,e não é só o CEO que faz estratégia.
“Strategy Bites Back: It Is Far More, and Less, than You Ever Imagined”Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand, Joseph Lampel. (Pearson Prentice Hall, 2005)
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POR
ROBE
RTO
COST
A FA
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A mensagem é menos pessimista do que a dolivro anterior de Mintzberg (Ascensão e Queda doPlanejamento Estratégico, publicado no Brasilpela Bookman, 2004), pois, como há outros caminhosabertos ao modelo analítico formal, vendido comosolução para as empresas, a queda deixou de seruma fatalidade: há descobertas que renovam aidéia de estratégia. Isto é, soluções flexíveis, par-ticipativas e criativas são possíveis.
Se o leitor está em busca de um modelo parachegar à criatividade, certamente não o encon-trará neste livro – um conjunto de perspectivasque se contradizem e forçam o leitor a pensar (seele quiser). Os exemplos provêm dos mais variadoscampos: desde o próprio campo empresarial maisclássico (Nokia), até exemplos do campo da moda(o pretinho básico criado pela Coco Chanel), emesmo do campo dos animais (como orangotangosaprendem; a lebre e a tartaruga: uma fábula paraexecutivos seniores; ou que é preferível sermoscas do que abelhas, para descobrir saídasestratégicas).
Para quem está familiarizado com os textos deHenry Mintzberg, pouco há que faça o leitor revi-rar-se na cama (se é nela que está lendo). Noentanto, o tom geral do livro, menos formal, maiscoloquial, e sempre provocativo, é nitidamentedistinto. Mas, para uma leitura proveitosa, é con-veniente o conhecimento pelo menos superficialde algumas de suas proposições, encontráveis emobras anteriores, já traduzidas para o português(Safári de Estratégia e Ascensão e Queda doPlanejamento Estratégico).
O livro tem uma estrutura gráfica original (capítu-los curtos e com letras graúdas, entremeados porcitações originais no início e com destaque paraexpressões sintetizadoras das idéias expostas).Quanto ao conteúdo, muitos capítulos são repro-duções ou excertos autorizados de vários textosdos próprios autores e de outros (por exemplo,Karl Weick, Jeanne Liedtka, Gary Hamel, BruceHenderson, Michael Porter, John Seeger, H.Edward Wrapp, Spyros G. Makridakis), evidencian-do que diferentes autores, em diferentes épocas edistintos contextos, coincidem no entendimentodas falácias e dos problemas envolvendo o con-ceito de estratégia e, particularmente, a criaçãoda estratégia.
Além das referências a Coco Chanel e a seu “pretinhobásico”, há pequenos textos que chegam a Mozart(e a sua concepção global de uma sinfonia), aHans Christian Andersen (e a fábula do “rei nu”),a Mao Tse Tung (e a sua concepção de planeja-mento global), sem contar as referências clássicasà miopia de marketing de Theodore Levitt e àinterpretação colhida por Richard Pascale sobre osucesso das motocicletas Honda Supercubs 50ccno mercado americano, em contradição à interpre-
tação do Boston Consulting Group, que partira deuma teoria e tudo justificava com base nela.
O livro mostra assim, fundamentalmente, as insu-ficiências dos modelos clássicos de planejamentoestratégico, ou da visão de que estratégia é ofuturo cogitado cuidadosamente e chamado de“planejamento estratégico”. É fácil de ler, o quenão quer dizer que seja extremamente fácil dedigerir. Ao longo da leitura dos capítulos, é pre-ciso pensar sobre as conseqüências na prática doplanejamento e da gestão. Apesar de não ter o viésacadêmico de citações e de desenvolvimento, deforma extensa, do pensamento dos diferentesautores, cada capítulo pode servir como texto debase para uma bela discussão em sala de aula.
É difícil resumir numa única frase a mensagem dolivro, mas talvez pudéssemos lançar mão da frasede Gary Hamel reproduzida na página 5: “Opequeno e triste segredo da indústria da estratégia éque ela não possui nenhuma teoria sobre a criaçãode estratégias”. Ou, quem sabe, da frase de umprêmio Nobel, Louis Alvarez, possivelmente apre-sentando uma disciplina que ensinaria: “Esta é adisciplina de Física Avançada, o que significa queo professor acha a matéria um tanto complexa ouconfusa. Se ele não tivesse esse conceito, a disci-plina seria chamada de Física Elementar”. Ouseja, o livro trata de Estratégia Avançada!...
Ao seguirem-se os capítulos, Mintzberg, Ahlstrande Lampel transitam entre bytes (capítulos reserva-dos para textos mais sérios) e bites (atribuídos atextos algo menos sérios ou respeitáveis) intro-duzidos por poucos parágrafos, justificando, porassim dizer, por que tais textos foram incluídosnaquela seqüência. O seguinte parágrafo dá umaidéia do sabor do livro, e dos desafios conceituaisque ele apresenta:
“Estratégias são para as organizações o que osantolhos são para os cavalos: elas fazem-nas caminharnuma linha reta, mas impedem o uso da visão periféri-ca. (...) Estabelecendo-se num curso pré-determi-nado em águas desconhecidas é a forma perfeitade navegar direto para um iceberg. É, às vezes,melhor movimentar-se vagarosamente, um poucoem cada momento, olhando não muito à frente,mas com muito cuidado, de forma tal que o com-portamento possa ser modificado num determina-do momento.” (p.30).
Em suma, um livro para provocar dúvidas. E paramostrar que análises formais não resolvem osproblemas, é preciso, antes de tudo, deixar espaçopara o pensar. E pensar exige escapar de modelosprontos, que resolvam tudo!
ROBERTO COSTA FACHIN é professor convidado da Fundação Dom Cabral, pro-fessor adjunto da PUC Minas e professor titular aposentado da UFRGS, compós-doutorado pela McGill University e HEC, do Canadá.