Tendncias pedaggicas na prtica escolar
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TENDNCIAS PEDAGGICAS NA PRTICA ESCOLAR
Cipriano Luckesi
Nos captulos anteriores, fizemos um esforo para compreender a
relao existente entre Pedagogia e Filosofia, mostrando, de um lado,
que pedagogia se delineia a partir de uma posio filosfica definida;
e, de outro lado, compreender as perspectivas das relaes entre
educao e sociedade. Verificamos que so trs as tendncias que
interpretam o papel da educao na sociedade: educao como redeno,
educao como reproduo e educao como transformao da sociedade.
Neste captulo, vamos tratar das concepes pedaggicas propriamente
ditas, ou seja, vamos abordar as diversas tendncias tericas que
pretenderam dar conta da compreenso e da orientao da prtica
educacional em diversos momentos e circunstncias da histria humana.
Desse modo, estaremos aprofundando a compreenso da articulao entre
filosofia e educao, que, aqui, atinge o nvel da concepo filosfica
da educao, que se sedimenta em uma pedagogia. Genericamente,
podemos dizer que a perspectiva redentora se traduz pelas
pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias
progressistas.
Essa discusso tem uma importncia prtica da maior relevncia, pois
permite a cada professor situar-se teoricamente sobre suas opes,
articulando-se e autodefinindo-se.
1 O presente captulo de autoria de Jos Carlos Libneo a reproduo
do captulo 1 - "Tendncias Pedaggicas na Prtica Escolar" - do livro
Democratizao da escola pblica: pedagogia crtico-social dos
contedos, So Paulo, Loyola, 1985, autorizada pela Editora e pelo
autor, aos quais agradecemos. Foram introduzidas modificaes na
Introduo do captulo para articul-lo com o contedo deste livro.
Para desenvolver a abordagem das tendncias pedaggicas utilizamos
como critrio a posio que cada tendncia adota em relao s finalidades
sociais da escola. Assim vamos organizar o conjunto das pedagogias
em dois grupos, conforme aparece a seguir:
l. Pedagogia liberal
1.1 tradicional
1.2 renovada progressivista
1.3 renovada no-diretiva
1.4 tecnicista
2. Pedagogia progressista
2.1 libertadora
2.2 libertria
2.3 crtico-social dos contedos
evidente que tanto as tendncias quanto suas manifestaes no so
puras nem mutuamente exclusivas o que, alis, a limitao principal de
qualquer tentativa de classificao. Em alguns casos as tendncias se
complementam, em outros, divergem. De qualquer modo, a classificao
e sua descrio podero funcionar como um instrumento de anlise para o
professor avaliar a sua prtica de sala de aula.
A exposio das tendncias pedaggicas compe-se de uma caracterizao
geral das tendncias liberal e progressista, seguidas da apresentao
das pedagogias que as traduzem e que se manifestam na prtica
docente.
1. Pedagogia liberal
O termo liberal no tem o sentido de "avanado", "democrtico",
"aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como
justificao do sistema capitalista que, ao defender a predominncia
da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu
uma forma de organizao social baseada na propriedade privada dos
meios de produo, tambm denominada sociedade de classes. A pedagogia
liberal, portanto, uma manifestao prpria desse tipo de
sociedade.
A educao brasileira, pelo menos nos ltimos cinqenta anos, tem
sido marcada pelas tendncias liberais, nas suas formas ora
conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendncias se
manifestam, concretamente, nas prticas escolares e no iderio
pedaggico de muitos professores, ainda que estes no se dem conta
dessa influncia.
A pedagogia liberal sustenta a idia de que a escola tem por funo
preparar os indivduos para o desempenho de papis sociais, de acordo
com as aptides individuais, por isso os indivduos precisam aprender
a se adaptar aos valores e s normas vigentes na sociedade de
classes atravs do desenvolvimento da cultura individual. A nfase no
aspecto cultural esconde a realidade das diferenas de classes,
pois, embora difunda a idia de igualdade de oportunidades, no leva
em conta a desigualdade de condies. Historicamente, a educao
liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razes de
recomposio da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia
renovada (tambm denominada escola nova ou ativa), o que no
significou a substituio de uma pela outra, pois ambas conviveram e
convivem na prtica escolar.
Na tendncia tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por
acentuar o ensino humanstico, de cultura geral, no qual o aluno
educado para atingir, pelo prprio esforo, sua plena realizao como
pessoa. Os contedos, os procedimentos didticos, a relao
professor-aluno no tm nenhuma relao com o cotidiano do aluno e
muito menos com as realidades sociais. a predominncia da palavra do
professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente
intelectual.
A tendncia liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da
cultura como desenvolvimento das aptides individuais. Mas a educao
um processo interno, no externo; ela parte das necessidades e
interesses individuais necessrios para a adaptao ao meio. A educao
a vida presente, a parte da prpria experincia humana. A escola
renovada prope um ensino que valorize a auto-educao (o aluno como
sujeito do conhecimento), a experincia direta sobre o meio pela
atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. A tendncia
liberal renovada apresenta-se, entre ns, em duas verses distintas:
a renovada progressivista2, ou pragmatista, principalmente na forma
difundida pelos pioneiros da educao nova, entre os quais se destaca
Ansio Teixeira (deve-se destacar, tambm a influncia de Montessori,
Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada no-diretiva
orientada para os objetivos de auto-realizao (desenvolvimento
pessoal) e para as relaes interpessoais, na formulao do psiclogo
norte-americano Carl Rogers.
A tendncia liberal tecnicista subordina a educao sociedade,
tendo como funo a preparao de "recursos humanos" (mo-de-obra para a
indstria). A sociedade industrial e tecnolgica estabelece
(cientificamente) as metas econmicas, sociais e polticas, a educao
treina (tambm cientificamente) nos alunos os comportamentos de
ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a
realidade contm em si suas prprias leis, bastando aos homens
descobri-las e aplic-las. Dessa forma, o essencial no o contedo da
realidade, mas as tcnicas (forma) de descoberta e aplicao. A
tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos, com base no
conhecimento cientfico) o meio eficaz de obter a maximizao da
produo e garantir um timo funcionamento da sociedade; a educao um
recurso tecnolgico por excelncia. Ela " encarada como um
instrumento capaz de promover, sem contradio, o desenvolvimento
econmico pela qualificao da mo-de-obra, pela redistribuio da renda,
pela maximizao da produo e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da
conscincia polticaindispensvel manuteno do Estado autoritrio3.
Utiliza-se basicamente do enfoque sistmico, da tecnologia
educacional e da anlise experimental do comportamento.
2 A designao "progressivista" vem de "educao progressiva", termo
usado por AnsioTeixeira para indicar a funo da educao numa
civilizao em mudana, decorrente do desenvolvimento cientifico (idia
equivalente a "evoluo" em biologia). Esta tendncia inspira-se no
filsofo e educador norte-americano John Dewey. Cr. Ansio Teixeira,
Educao progressiva.
3 Kuenzer, Accia A. e Machado, Luclia R. S. "Pedagogia
tecnicista". In: Mello, Guiomar N. de (org.), Escola nova,
tecnicismo e educao compensatria. 3 ed. So Paulo, Ed. Loyola,
[1988]. p. 34.
1.1 Tendncia liberal tradicional
Papel da escola - A atuao da escola consiste na preparao
intelectual e moral dos alunos para assumir sua posio na sociedade.
O compromisso da escola com a cultura, os problemas sociais
pertencem sociedade. O caminho cultural em direo ao saber o mesmo
para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim, os menos
capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu
lugar junto aos mais capazes. Caso no consigam, devem procurar o
ensino mais profissionalizante.
Contedos de ensino - So os conhecimentos e valores sociais
acumulados pelas geraes adultas e repassados ao aluno como
verdades. As matrias de estudo visam preparar o aluno para a vida,
so determinadas pela sociedade e ordenadas na legislao. Os contedos
so separados da experincia do aluno e das realidades sociais,
valendo pelo valor intelectual, razo pela qual a pedagogia
tradicional criticada como intelectualista e, s vezes, como
enciclopdica.
Mtodos - Baseiam-se na exposio verbal da matria e/ou demostrao.
Tanto a exposio quanto a anlise so feitas pelo professor,
observados os seguintes passos: a) preparao do aluno (definio do
trabalho, recordao da matria anterior, despertar interesse); b)
apresentao (realce de pontos-chaves, demonstrao); c) associao
(combinao do conhecimento novo com o j conhecido por comparao e
abstrao); d) generalizao (dos aspectos particulares chega-se ao
conceito geral, a exposio sistematizada); e) aplicao (explicao de
fatos adicionais e/ou resolues de exerccios). A nfase nos
exerccios, na repetio de conceitos ou frmulas na memorizao visa
disciplinar a mente e formar hbitos.
Relacionamento professor-aluno - Predomina a autoridade do
professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer
comunicao entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o
contedo na forma de verdade a ser absorvida; em conseqncia, a
disciplina imposta o meio mais eficaz para assegurar a ateno e o
silncio.
Pressupostos de aprendizagem - A idia de que o ensino consiste
em repassar os conhecimentos para o esprito da criana acompanhada
de uma outra: a de que a capacidade de assimilao da criana idntica
do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas, ento, devem ser
dados numa progresso lgica, estabelecida pelo adulto, sem levar em
conta as caractersticas prprias de cada idade. A aprendizagem,
assim, receptiva e mecnica, para o que se recorre freqentemente
coao. A reteno do material ensinado garantida pela repetio de
exerccios sistemticos e recapitulao da matria. A transferncia da
aprendizagem depende do treino; indispensvel a reteno, a fim de que
o aluno possa responder s situaes novas de forma semelhante s
respostas dadas em situaes anteriores. A avaliao se d por
verificaes de curto prazo (interrogatrios orais, exerccio de casa)
e de prazo mais longo (provas escritas, trabalhos de casa). O
esforo , em geral, negativo (punio, notas baixas, apelos aos pais);
s vezes, positivo (emulao, classificaes).
Manifestaes na prtica escolar - A pedagogia liberal tradicional
viva e atuante em nossas escolas. Na descrio apresentada aqui
incluem-se as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientao
clssico-humanista ou uma orientao humano-cientfica, sendo que esta
se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa histria
educacional.
1.2 Tendncia liberal renovada progressivista
Papel da escola - A finalidade da escola adequar as necessidades
individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de
forma a retratar, o quanto possvel, a vida. Todo ser dispe dentro
de si mesmo de mecanismos de adaptao progressiva ao meio e de uma
conseqente integrao dessas formas de adaptao no comportamento. Tal
integrao se d por meio de experincias que devem satisfazer, ao
mesmo tempo, os interesses do aluno e as exigncias sociais. escola
cabe suprir as experincias que permitam ao aluno educar-se, num
processo ativo de construo e reconstruo do objeto, numa interao
entre estruturas cognitivas do indivduo e estruturas do
ambiente.
Contedos de ensino - Como o conhecimento resulta da ao a partir
dos interesses e necessidades, os contedos de ensino so
estabelecidos em funo de experincias que o sujeito vivencia frente
a desafios cognitivos e situaes problemticas. D-se, portanto, muito
mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a
contedos organizados racionalmente. Trata-se de "aprender a
aprender", ou seja, mais importante o processo de aquisio do saber
do que o saber propriamente dito.
Mtodo de ensino - A idia de "aprender fazendo" est sempre
presente. Valorizam-se as tentativas experimentais, a pesquisa, a
descoberta, o estudo do meio natural e social, o mtodo de soluo de
problemas. Embora os mtodos variem, as escolas ativas ou novas
(Dewey, Montessori, Decroly, Cousinet e outros) partem sempre de
atividades adequadas natureza do aluno e s etapas do seu
desenvolvimento. Na maioria delas, acentua-se a importncia do
trabalho em grupo no apenas como tcnica, mas como condio bsica do
desenvolvimento mental. Os passos bsicos do mtodo ativo so: a)
colocar o aluno numa situao de experincia que tenha um interesse
por si mesma; b) o problema deve ser desafiante, como estmulo
reflexo; c) o aluno deve dispor de informaes e instrues que lhe
permitam pesquisar a descoberta de solues; d) solues provisrias
devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta do
professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as solues
prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida.
Relacionamento professor-aluno - No h lugar privilegiado para o
professor; antes, seu papel auxiliar o desenvolvimento livre e
espontneo da criana; se intervm, para dar forma ao raciocnio dela.
A disciplina surge de uma tomada de conscincia dos limites da vida
grupal; assim, aluno disciplinado aquele que solidrio,
participante, respeitador das regras do grupo. Para se garantir um
clima harmonioso dentro da sala de aula indispensvel um
relacionamento positivo entre professores e alunos, uma forma de
instaurar a "vivncia democrtica" tal qual deve ser a vida em
sociedade.
Pressupostos de aprendizagem - A motivao depende da fora de
estimulao do problema e das disposies internas e interesses do
aluno. Assim, aprender se torna uma atividade de descoberta, uma
auto-aprendizagem, sendo o ambiente apenas o meio estimulador.
retido o que se incorpora atividade do aluno pela descoberta
pessoal; o que incorporado passa a compor a estrutura cognitiva
para ser empregado em novas situaes. A avaliao fluida e tenta ser
eficaz medida que os esforos e os xitos so pronta e explicitamente
reconhecidos pelo professor.
Manifestaes na prtica escolar - Os princpios da pedagogia
progressivista vm sendo difundidos, em larga escala, nos cursos de
licenciatura, e muitos professores sofrem sua influncia.
Entretanto, sua aplicao reduzidssima, no somente por falta de
condies objetivas como tambm porque se choca com uma prtica
pedaggica basicamente tradicional. Alguns mtodos so adotados em
escolas particulares, como o mtodo Montessori, o mtodo dos centros
de interesse de Decroly, o mtodo de projetos de Dewey. O ensino
baseado na psicologia gentica de Piaget tem larga aceitao na educao
pr-escolar. Pertencem, tambm, tendncia progressivista muitas das
escolas denominadas "experimentais", as "escolas comunitrias" e
mais remotamente (dcada de 60) a "escola secundria moderna", na
verso difundida por Lauro de Oliveira Lima.
1.3 Tendncia liberal renovada no-diretiva
Papel da escola - Acentua-se nesta tendncia o papel da escola na
formao de atitudes, razo pela qual deve estar mais preocupada com
os problemas psicolgicos do que com os pedaggicos ou sociais. Todo
esforo est em estabelecer um clima favorvel a uma mudana dentro do
indivduo, isto , a uma adequao pessoal s solicitaes do ambiente.
Rogers4 considera que o ensino uma atividade excessivamente
valorizada; para ele os procedimentos didticos, a competncia na
matria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importncia, face ao
propsito de favorecer pessoa um clima de autodesenvolvimento e
realizao pessoal, o que implica estar bem consigo prprio e com seus
semelhantes. O resultado de uma boa educao muito semelhante ao de
uma boa terapia.
Contedos de ensino - A nfase que esta tendncia pe nos processos
de desenvolvimento das relaes e da comunicao torna secundria a
transmisso de contedos. Os processos de ensino visam mais facilitar
aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os
conhecimentos que, no entanto, so dispensveis.
Mtodos de ensino - Os mtodos usuais so dispensados, prevalecendo
quase que exclusivamente o esforo do professor em desenvolver um
estilo prprio para facilitar a aprendizagem dos alunos. Rogers
explicita algumas das caractersticas do professor "facilitador":
aceitao da pessoa do aluno, capacidade de ser confivel, receptivo e
ter plena convico na capacidade de autodesenvolvimento do
estudante. Sua funo restringe-se a ajudar o aluno a se organizar,
utilizando tcnicas de sensibilizao onde os sentimentos de cada um
possam ser expostos, sem ameaas. Assim, o objetivo do trabalho
escolar se esgota nos processos de melhor relacionamento
interpessoal, como condio para o crescimento pessoal.
Relacionamento professor-aluno - A pedagogia no-diretiva prope
uma educao centrada no aluno, visando formar sua personalidade
atravs da vivncia de experincias significativas que lhe permitam
desenvolver caractersticas inerentes sua natureza. O professor um
especialista em relaes humanas, ao garantir o clima de
relacionamento pessoal e autntico. "Ausentar-se" a melhor forma de
respeito e aceitao plena do aluno. Toda interveno ameaadora,
inibidora da aprendizagem.
Pressupostos de aprendizagem - A motivao resulta do desejo de
adequao pessoal na busca da auto-realizao; , portanto um ato
interno. A motivao aumenta, quando o sujeito desenvolve o
sentimento de que capaz de agir em termos de atingir suas metas
pessoais, isto , desenvolve a valorizao do "eu". Aprender,
portanto, modificar suas prprias percepes; da que apenas se aprende
o que estiver significativamente relacionado com essas percepes.
Resulta que a reteno se d pela relevncia do aprendido em relao ao
"eu", ou seja, o que no est envolvido com o "eu" no retido e nem
transferido. Portanto, a avaliao escolar perde inteiramente o
sentido, privilegiando-se a autoavaliao.
Manifestaes na prtica escolar - Entre ns, o inspirador da
pedagogia no-diretiva C. Rogers, na verdade mais psiclogo clnico
que educador. Suas idias influenciam um nmero expressivo de
educadores e professores, principalmente orientadores educacionais
e psiclogos escolares que se dedicam ao aconselhamento. Menos
recentemente, podem-se citar tambm tendncias inspiradas na escola
de Summerhill do educador ingls A. Neill.
4 Cf. Rogers, Carl. Liberdade para aprender.
1.4 Tendncia liberal tecnicista
Papel da escola - Num sistema social harmnico, orgnico e
funcional, a escola funciona como modeladora do comportamento
humano, atravs de tcnicas especficas. educao escolar compete
organizar o processo de aquisio de habilidades, atitudes e
conhecimentos especficos, teis e necessrios para que os indivduos
se integrem na mquina do sistema social global. Tal sistema social
regido por leis naturais (h na sociedade a mesma regularidade e as
mesmas relaes funcionais observveis entre os fenmenos da natureza),
cientificamente descobertas. Basta aplic-las. A atividade da
"descoberta" funo da educao, mas deve ser restrita aos
especialistas; a "aplicao" competncia do processo educacional
comum. A escola atua, assim, no aperfeioamento da ordem social
vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o
sistema produtivo; para tanto, emprega a cincia da mudana de
comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse
imediato o de produzir indivduos "competentes" para o mercado de
trabalho, transmitindo, eficientemente, informaes precisas,
objetivas e rpidas. A pesquisa cientfica, a tecnologia educacional,
a anlise experimental do comportamento garantem a objetividade da
prtica escolar, uma vez que os objetivos instrucionais (contedos)
resultam da aplicao de leis naturais que independem dos que a
conhecem ou executam.
Contedos de ensino - So as informaes, princpios cientficos, leis
etc., estabelecidos e ordenados numa seqncia lgica e psicolgica por
especialistas. matria de ensino apenas o que redutvel ao
conhecimento observvel e mensurvel; os contedos decorrem, assim, da
cincia objetiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. O
material instrucional encontra-se sistematizado nos manuais, nos
livros didticos, nos mdulos de ensino, nos dispositivos
audiovisuais etc.
Mtodos de ensino - Consistem nos procedimentos e tcnicas
necessrias ao arranjo e controle nas condies ambientais que
assegurem a transmisso/recepo de informaes. Se a primeira tarefa do
professor modelar respostas apropriadas aos objetivos
instrucionais, a principal conseguir o comportamento adequado pelo
controle do ensino; da a importncia da tecnologia educacional. A
tecnologia educacional a "aplicao sistemtica de princpios
cientficos comportamentais e tecnolgicos a problemas educacionais,
em funo de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e
abordagem sistmica abrangente"5. Qualquer sistema instrucional (h
uma grande variedade deles) possui trs componentes bsicos:
objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos
observveis e mensurveis, procedimentos instrucionais e avaliao. As
etapas bsicas de um processo ensino-aprendizagem so: a)
estabelecimento de comportamentos terminais, atravs de objetivos
instrucionais; b) anlise da tarefa de aprendizagem, a fim de
ordenar seqencialmente os passos da instruo; c) executar o
programa, reforando gradualmente as respostas corretas
correspondentes aos objetivos. O essencial da tecnologia
educacional a programao por passos seqenciais empregada na instruo
programada, nas tcnicas de microensino, multimeios, mdulos etc. O
emprego da tecnologia instrucional na escola pblica aparece nas
formas de: planejamento em moldes sistmicos, concepo de
aprendizagem como mudana de comportamento, operacionalizao de
objetivos, uso de procedimentos cientficos (instruo programada,
audiovisuais, avaliao etc., inclusive a programao de livros
didticos)6.
Relacionamento professor-aluno - So relaes estruturadas e
objetivas, com papis bem definidos: o professor administra as
condies de transmisso da matria, conforme um sistema instrucional
eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem; o
aluno recebe, aprende e fixa as informaes. O professor apenas um
elo de ligao entre a verdade cientfica e o aluno, cabendo-lhe
empregar o sistema instrucional previsto. O aluno um indivduo
responsivo, no participa da elaborao do programa educacional. Ambos
so espectadores frente verdade objetiva. A comunicao
professor-aluno tem um sentido exclusivamente tcnico, que o de
garantir a eficcia da transmisso do conhecimento. Debates,
discusses, questionamentos so desnecessrios, assim como pouco
importam as relaes afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no
processo ensinoaprendizagem.
Pressupostos de aprendizagem - As teorias de aprendizagem que
fundamentam a pedagogia tecnicista dizem que aprender uma questo de
modificao do desempenho: o bom ensino depende de organizar
eficientemente as condies estimuladoras, de modo a que o aluno saia
da situao de aprendizagem diferente de como entrou. Ou seja, o
ensino um processo de condicionamento atravs do uso de reforamento
das respostas que se quer obter. Assim, os sistemas instrucionais
visam ao controle do comportamento individual face objetivos
preestabelecidos. Trata-se de um enfoque diretivo do ensino,
centrado no controle das condies que cercam o organismo que se
comporta. O objetivo da cincia pedaggica, a partir da psicologia, o
estudo cientfico do comportamento: descobrir as leis naturais que
presidem as reaes fsicas do organismo que aprende, a fim de
aumentar o controle das variveis que o afetam. Os componentes da
aprendizagem - motivao, reteno, transferncia - decorrem da aplicao
do comportamento operante Segundo Skinner, o comportamento
aprendido uma resposta a estmulos externos, controlados por meio de
reforos que ocorrem com a resposta ou aps a mesma: "Se a ocorrncia
de um (comportamento) operante seguida pela apresentao de um
estimulo (reforador), a probabilidade de reforamento aumentada".
Entre os autores que contribuem para os estudos de aprendizagem
destacam-se: Skinner, Gagn, Bloon e Mager7.
Manifestaes na prtica escolar - A influncia da pedagogia
tecnicista remonta 2 metade dos anos 50 (PABAEE - Programa
Brasileiro-americano de Auxlio ao Ensino Elementar). Entretanto foi
introduzida mais efetivamente no final dos anos 60 com o objetivo
de adequar o sistema educacional orientao poltico-econmica do
regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalizao do
sistema de produo capitalista. quando a orientao escolanovista cede
lugar tendncia tecnicista, pelo menos no nvel de poltica oficial;
os marcos de implantao do modelo tecnicista so as leis 5.540/68 e
5.692/71, que reorganizam o ensino superior e o ensino de 1 e 2
graus. A despeito da mquina oficial, entretanto, no h indcios
seguros de que os professores da escola pblica tenham assimilado a
pedagogia tecnicista, pelo menos em termos de iderio. A aplicao da
metodologia tecnicista (planejamento, livros didticos programados,
procedimentos de avaliao etc.) no configura uma postura tecnicista
do professor; antes, o exerccio profissional continua mais para uma
postura ecltica em torno de princpios pedaggicos assentados nas
pedagogias tradicional e renovada8.
5Auricchio, Lgia O. Manual de tecnologia educacional, p. 25.
6 Cf. Kuenzer, Accia e Machado,Luclia R.S.,op.cit.,p.47.
7 Para maiores esclarecimentos, cr. Auricchio, Lgia de O. Manual
de tecnologia educacional; Oliveira, J. G. A. Tecnologia
educacional: teorias da instruo.
8 Sobre a introduo da pedagogia tecnicista no Brasil, cf.
Freitag, Brbara. Escola, Estado e Sociedade; Garcia, Laymert G. S.
Desregulagens - Educao, planejamento e tecnologia como ferramenta
social; Cunha, Luis A. Educao e desenvolvimento social no Brasil
entre outros.
2. Pedagogia progressista O termo "progressista", emprestado de
Snyders9, usado aqui para designar as tendncias que, partindo de
uma anlise crtica das realidades sociais, sustentam implicitamente
as finalidades sociopolticas da educao. Evidentemente a pedagogia
progressista no tem como institucionalizar-se numa sociedade
capitalista; da ser ela um instrumento de luta dos professores ao
lado de outras prticas sociais.A pedagogia progressista tem-se
manifestado em trs tendncias: a libertadora, mais conhecida como
pedagogia de Paulo Freire; a libertria, que rene os defensores da
autogesto pedaggica; a crtico-social dos contedos que,
diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos contedos no
seu confronto com as realidades sociais.
As verses libertadora e libertria tm em comum o
antiautoritarismo, a valorizao da experincia vvida como base da
relao educativa e a idia de autogesto pedaggica. Em funo disso, do
mais valor ao processo de aprendizagem grupal (participao em
discusses, assemblias, votaes) do que aos contedos de ensino. Como
decorrncia, a prtica educativa somente faz sentido numa prtica
social junto ao povo, razo pela qual preferem as modalidades de
educao popular "no-formal".
A tendncia da pedagogia crtico-social dos contedos prope uma
sntese superadora das pedagogias tradicional e renovada,
valorizando a ao pedaggica enquanto inserida na prtica social
concreta. Entende a escola como mediao entre o individual e o
social, exercendo a a articulao entre a transmisso dos contedos e a
assimilao ativa por parte de um aluno concreto (inserido num
contexto de relaes sociais); dessa articulao resulta o saber
criticamente reelaborado.
9 Cf. Snyders, Georges. Pedagogia progressista. Lisboa, Ed.
Almedina.
2.1 Tendncia progressista libertadora
Papel da escola - No prprio da pedagogia libertadora falar em
ensino escolar, j que sua marca a atuao "no-formal". Entretanto,
professores e educadores engajados no ensino escolar vm adotando
pressupostos dessa pedagogia. Assim, quando se fala na educao em
geral, diz-se que ela uma atividade onde professores e alunos,
mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o
contedo de aprendizagem, atingem um nvel de conscincia dessa mesma
realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformao
social. Tanto a educao tradicional, denominada "bancria" - que visa
apenas depositar informaes sobre o aluno -, quanto a educao
renovada - que pretenderia uma libertao psicolgica individual - so
domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade
social de opresso. A educao libertadora, ao contrrio, questiona
concretamente a realidade das relaes do homem com a natureza e com
os outros homens, visando a uma transformao - dai ser uma educao
crtica10.
Contedos de ensino - Denominados temas geradores", so extrados
da problematizao da prtica de vida dos educandos. Os contedos
tradicionais so recusados porque cada pessoa, cada grupo envolvido
na ao pedaggica dispe em si prprio, ainda que de forma rudimentar,
dos contedos necessrios dos quais se parte. O importante no a
transmisso de contedos especficos, mas despertar uma nova forma da
relao com a experincia vivida. A transmisso de contedos
estruturados a partir de fora considerada como "invaso cultural" ou
depsito de informao porque no emerge do saber popular. Se forem
necessrios textos de leitura estes devero ser redigidos pelos
prprios educandos com a orientao do educador.
Em nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertador
Paulo Freire, deixa de mencionar o carter essencialmente poltico de
sua pedagogia, o que, segundo suas prprias palavras, impede que ela
seja posta em prtica em termos sistemticos, nas instituies
oficiais, antes da transformao da sociedade. Da porque sua atuao se
d mais a nvel da educao extra-escolar. O que no tem impedido, por
outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por
numerosos professores.
Mtodos de ensino - "Para ser um ato de conhecimento o processo
de alfabetizao de adultos demanda, entre educadores e educandos,
uma relao de autntico dilogo; aquela em que os sujeitos do ato de
conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido"
(...) "O dilogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de
conhecer: educador-educando e educando-educador".
Assim sendo, a forma de trabalho educativo o "grupo de discusso
a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o contedo e a
dinmico das atividades. O professor um animador que, por princpio,
deve descer ao nvel dos alunos, adaptando-se s suas caractersticas
ao desenvolvimento prprio de cada grupo. Deve caminhar "junto",
intervir o mnimo indispensvel, embora no se furte, quando
necessrio, a fornecer uma informao mais sistematizada.
Os passos da aprendizagem - Codificao-decodificao, e
problematizao da situao - permitiro aos educandos um esforo de
compreenso do "vivido", at chegar a um nvel mais crtico de
conhecimento e sua realidade, sempre atravs da troca de experincia
em torno da prtica social. Se nisso consiste o contedo do trabalho
educativo, dispensam um programa previamente estruturado, trabalhos
escritos, aulas expositivas assim como qualquer tipo de verificao
direta da aprendizagem, formas essas prprias da "educao bancria",
portanto, domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliao da pratica
vivenciada entre educador-educandos no processo de grupo e, s
vezes, a autoavaliao feita em termos dos compromissos assumidos com
a pratica social.
Relacionamento professor-aluno - No dilogo, como mtodo bsico, a
relao horizontal, onde educador e educandos se posicionam como
sujeitos do ato de conhecimento. O critrio de bom relacionamento a
"' total identificao com o povo, sem o que a relao pedaggica perde
consistncia. Elimina-se, por pressuposto, toda relao de autoridade,
sob pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientizao, de
"aproximao de conscincias". Trata-se de uma "no-diretividade", mas
no no sentido do professor que se ausenta (como em Rogers), mas que
permanece vigilante para assegurar ao grupo um espao humano para
"dizer sua palavra" para se exprimir sem se neutralizar.
Pressupostos de aprendizagem - A prpria designao de "educao
problematizadora" como correlata de educao libertadora revela a
fora motivadora da aprendizagem. A motivao se d a partir da
codificao de uma situao-problema, da qual se toma distncia para
analis-la criticamente. "Esta anlise envolve o exerccio da abstrao,
atravs da qual procuramos alcanar, por meio de representaes da
realidade concreta, a razo de ser dos fatos".
Aprender um ato de conhecimento da realidade concreta, isto , da
situao real vivida pelo educando, e s tem sentido se resulta de uma
aproximao crtica dessa realidade. O que aprendido no decorre de uma
imposio ou memorizao, mas do nvel crtico de conhecimento, ao qual
se chega pelo processo de compreenso, reflexo e crtica. O que o
educando transfere, em termos de conhecimento, o que foi
incorporado como resposta s situaes de opresso - ou seja, seu
engajamento na militncia poltica.
Manifestaes na prtica escolar - A pedagogia libertadora tem como
inspirador e divulgador Paulo Freire, que tem aplicado suas idias
pessoalmente em diversos pases, primeiro no Chile, depois na frica.
Entre ns, tem exercido uma influencia expressiva nos movimentos
populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com a maior
parte das experincias do que se denomina "educao popular". H
diversos grupos desta natureza que vm atuando no somente no nvel da
prtica popular, mas tambm por meio de publicaes, com relativa
independncia em relao s idias originais da pedagogia libertadora.
Embora as formulaes tericas de Paulo Freire se restrinjam educao de
adultos ou educao popular em geral, muitos professores vm tentando
coloc-las em prtica em todos os graus de ensino formal.
10 Cf. Freire, Paulo. Ao cultural como prtica de liberdade;
Pedagogia do Oprimido e Extenso ou comunicao?
2.2 Tendncia progressista libertriaPapel da escola - A pedagogia
libertria espera que a escola exera uma transformao na
personalidade dos alunos num sentido libertrio e autogestionrio. A
idia bsica introduzir modificaes institucionais, a partir dos nveis
subalternos que, em seguida, vo "contaminando" todo o sistema. A
escola instituir, com base na participao grupal, mecanismos
institucionais de mudana (assemblias, conselhos, eleies, reunies,
associaes etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas
instituies "externas", leve para l tudo o que aprendeu. Outra forma
de atuao da pedagogia libertria, correlata primeira, - aproveitando
a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com
princpios educativos autogestionrios (associaes, grupos informais,
escolas autogestionrios). H, portanto, um sentido expressamente
poltico, medida que se afirma o indivduo como produto do social e
que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A
autogesto , assim, o contedo e o mtodo; resume tanto o objetivo
pedaggico quanto o poltico. A pedagogia libertria, na sua
modalidade mais conhecida entre ns, a "pedagogia institucional",
pretende ser uma forma de resistncia contra a burocracia como
instrumento da ao dominadora do Estado, que tudo controla
(professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia11.
Contedos de ensino - As matrias so colocadas disposio do aluno,
mas no so exigidas. So um instrumento a mais, porque importante o
conhecimento que resulta das experincias vividas pelo grupo,
especialmente a vivncia de mecanismos de participao crtica.
"Conhecimento" aqui no a investigao cognitiva do real, para extrair
dele um sistema de representaes mentais, mas a descoberta de
respostas as necessidades e s exigncias da vida social. Assim, os
contedos propriamente ditos so os que resultam de necessidades e
interesses manifestos pelo grupo e que no so, necessria nem
indispensavelmente, as matrias de estudo.
Mtodo de ensino - na vivncia grupal, na forma de autogesto, que
os alunos buscaro encontrar as bases mais satisfatrias de sua
prpria "instituio", graas sua prpria iniciativa e sem qualquer
forma de poder. Trata-se de "colocar nas mos dos alunos tudo o que
for possvel: o conjunto da vida, as atividades e a organizao do
trabalho no interior da escola (menos a elaborao dos programas e a
deciso dos exames que no dependem nem dos docentes, nem dos
alunos)". Os alunos tm liberdade de trabalhar ou no, ficando o
interesse pedaggico na dependncia de suas necessidades ou das do
grupo.
O progresso da autonomia, excluda qualquer direo de fora do
grupo, se d num "crescendo": primeiramente a oportunidade de
contatos, aberturas, relaes informais entre os alunos. Em seguida,
o grupo comea a se organizar, de modo que todos possam participar
de discusses, cooperativas, assemblias, isto , diversas formas de
participao e expresso pela palavra; quem quiser fazer outra coisa,
ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento,
o grupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto
momento, parte para a execuo do trabalho.
Relao professor-aluno - A pedagogia institucional visa "em
primeiro lugar, transformar a relao professor-aluno no sentido da
no-diretividade, isto , considerar desde o incio a ineficcia e a
nocividade de todos os mtodos base de obrigaes e ameaas". Embora
professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o
professor se ponha a servio do aluno, sem impor suas concepes e
idias, sem transformar o aluno em objeto". O professor um
orientador e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma
reflexo em comum.
Se os alunos so livres frente ao professor, tambm este o em
relao aos alunos (ele pode, por exemplo, recusar-se a responder uma
pergunta, permanecendo em silncio). Entretanto, essa liberdade de
deciso tem um sentido bastante claro: se um aluno resolve no
participar, o faz porque no se sente integrado, mas o grupo tem
responsabilidade sobre este fato e vai se colocar a questo; quando
o professor se cala diante de uma pergunta, seu silncio tem um
significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que
o grupo assuma a resposta ou a situao criada. No mais, ao professor
cabe a funo de "conselheiro" e, outras vezes, de instrutor-monitor
disposio do grupo. Em nenhum momento esses papis do professor se
confundem com o de "modelo", pois a pedagogia libertria recusa
qualquer forma de poder ou autoridade.
Pressupostos de aprendizagem - As formas burocrticas das
instituies existentes, por seu trao de impessoalidade, comprometem
o crescimento pessoal. A nfase na aprendizagem informal, via grupo,
e a negao de toda forma de represso visam favorecer o
desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivao est, portanto, no
interesse em crescer dentro da vivncia grupal, pois supe-se que o
grupo devolva a cada um de seus membros a satisfao de suas aspiraes
e necessidades.
Somente o vivido, o experimentado incorporado e utilizvel em
situaes novas. Assim, o critrio de relevncia do saber sistematizado
seu possvel uso prtico. Por isso mesmo, no faz sentido qualquer
tentativa de avaliao da aprendizagem, ao menos em termos de
contedo.
Outras tendncias pedaggicas correlatas - A pedagogia libertria
abrange quase todas as tendncias antiautoritrias em educao, entre
elas, a anarquista, a psicanalista, a dos socilogos, e tambm a dos
professores progressistas. Embora Neill e Rogers no possam ser
considerados progressistas (conforme entendemos aqui), no deixam de
influenciar alguns libertrios, como Lobrot. Entre os estrangeiros
devemos citar Vasquez c Oury entre os mais recentes, Ferrer y
Guardia entre os mais antigos. Particularmente significativo o
trabalho de C. Freinet, que tem sido muito estudado entre ns,
existindo inclusive algumas escolas aplicando seu mtodol2.
Entre os estudiosos e divulgadores da tendncia libertria pode-se
citar Maurcio Tragtenberg, apesar da tnica de seus trabalhos no ser
propriamente pedaggica, mas de crtica das instituies em favor de um
projeto autogestionrio.
11 Cf. Lobrot, Michel. Pedagoga institucional, la escuela hacia
la autogestin.
12 Cf., a esse respeito, Snyders, G. Para onde vo as pedagogias
no-diretivas?
2.3 Tendncia progressista crtico social dos contedos
Papel da escola - A difuso de contedos a tarefa primordial. No
contedos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociveis
das realidades sociais. A valorizao da escola como instrumento de
apropriao do saber o melhor servio que se presta aos interesses
populares, j que a prpria escola pode contribuir para eliminar a
seletividade social e torn-la democrtica. Se a escola parte
integrante do todo social, agir dentro dela tambm agir no rumo da
transformao da sociedade. Se o que define uma pedagogia crtica a
conscincia de seus condicionantes histrico-sociais, a funo da
pedagogia "dos contedos" dar um passo frente no papel transformador
da escola, mas a partir das condies existentes. Assim, a condio
para que a escola sirva aos interesses populares garantir a todos
um bom ensino, isto , a apropriao dos contedos escolares bsicos que
tenham ressonncia na vida dos alunos. Entendida nesse sentido, a
educao "uma atividade mediadora no seio da prtica social global",
ou seja, uma das mediaes pela qual o aluno, pela interveno do
professor e por sua prpria participao ativa, passa de uma
experincia inicialmente confusa e fragmentada (sincrtica) a uma
viso sinttica, mais organizada e unificada13.
Em sntese, a atuao da escola consiste na preparao do aluno para,
o mundo adulto e suas contradies, fornecendo-lhe um instrumental,
por meio da aquisio de contedos e da socializao, para uma
participao organizada e ativa na democratizao da sociedade.
Contedos de ensino - So os contedos culturais universais que se
constituram em domnios de conhecimento relativamente autnomos,
incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face
s realidades sociais. Embora se aceite que os contedos so
realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e no
simplesmente reinventados eles no so fechados e refratrios s
realidades sociais. No basta que os contedos sejam apenas
ensinados, ainda que bem ensinados, preciso que se liguem, de forma
indissocivel, sua significao humana e social.
Essa maneira de conceber os contedos do saber no estabelece
oposio entre cultura erudita e cultura popular, ou espontnea, mas
uma relao de continuidade em que, progressivamente, se passa da
experincia imediata e desorganizada ao conhecimento
sistematematizado. No que a primeira apreenso da realidade seja
errada, mas necessria a ascenso a uma forma de elaborao superior,
conseguida pelo prprio aluno, com a interveno do professor.
A postura da pedagogia "dos contedos" - Ao admitir um
conhecimento relativamente autnomo - assume o saber como tendo um
contedo relativamente objetivo, mas, ao mesmo tempo, introduz a
possibilidade de uma reavaliao crtica frente a esse contedo. Como
sintetiza Snyders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de
um lado, de obter o acesso do aluno aos contedos, ligando-os com a
experincia concreta dele - a continuidade; mas, de outro, de
proporcionar elementos de anlise crtica que ajudem o aluno a
ultrapassar a experincia, os esteretipos, as presses difusas da
ideologia dominante - a ruptura.
Dessas consideraes resulta claro que se pode ir do saber ao
engajamento poltico, mas no o inverso, sob o risco de se afetar a
prpria especificidade do saber e at cair-se numa forma de pedagogia
ideolgica, que o que se critica na pedagogia tradicional e na
pedagogia nova.
Mtodos de ensino - A questo dos mtodos se subordina dos
contedos: se o objetivo privilegiar a aquisio do saber, e de um
saber vinculado s realidades sociais, preciso que os mtodos
favoream a correspondncia dos contedos com os interesses dos
alunos, e que estes possam reconhecer nos contedos o auxlio ao seu
esforo de compreenso da realidade (prtica social). Assim, nem se
trata dos mtodos dogmticos de transmisso do saber da pedagogia
tradicional, nem da sua substituio pela descoberta, investigao ou
livre expresso das opinies, como se o saber pudesse ser inventado
pela criana, na concepo da pedagogia renovada.
Os mtodos de uma pedagogia crtico-social dos contedos no partem,
ento, de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do
saber espontneo, mas de uma relao direta com a experincia do aluno,
confrontada com o saber trazido de fora. O trabalho docente
relaciona a prtica vivida pelos alunos com os contedos propostos
pelo professor, momento em que se dar a "ruptura" em relao
experincia pouco elaborada. Tal ruptura apenas possvel com a
introduo explcita, pelo professor, dos elementos novos de anlise a
serem aplicados criticamente prtica do aluno. Em outras palavras,
uma aula comea pela constatao da prtica real, havendo, em seguida,
a conscincia dessa prtica no sentido de referi-la aos termos do
contedo proposto, na forma de um confronto entre a experincia e a
explicao do professor. Vale dizer: vai-se da ao compreenso e da
compreenso ao, at a sntese, o que no outra coisa seno a unidade
entre a teoria e a prtica.
Relao professor-aluno - Se, como mostramos anteriormente, o
conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interao entre
o meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o
mediador, ento a relao pedaggica consiste no provimento das condies
em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir
essas trocas. O papel do adulto insubstituvel, mas acentua-se tambm
a participao do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua
experincia imediata num contexto cultural, participa na busca da
verdade, ao confront-la com os contedos e modelos expressos pelo
professor. Mas esse esforo do professor em orientar, em abrir
perspectivas a partir dos contedos, implica um envolvimento com o
estilo de vida dos alunos, tendo conscincia inclusive dos
contrastes entre sua prpria cultura e a do aluno. No se contentar,
entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e carncias; buscar
despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os mtodos de
estudo, exigir o esforo do aluno, propor contedos e modelos
compatveis com suas experincias vividas, para que o aluno se
mobilize para uma participao ativa.
Evidentemente o papel de mediao exercido em torno da anlise dos
contedos exclui a no-diretividade como forma de orientao do
trabalho escolar, por que o dilogo adulto-aluno desigual. O adulto
tem mais experincia acerca das realidades sociais, dispe de uma
formao (ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e
a ele cabe fazer a anlise dos contedos em confronto com as
realidades sociais. A no-diretividade abandona os alunos a seus
prprios desejos, como se eles tivessem uma tendncia espontnea a
alcanar os objetivos esperados da educao. Sabemos que as tendncias
espontneas e naturais no so naturais, antes so tributrias das
condies de vida e do meio. No so suficientes o amor, a aceitao,
para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar
mais, de progredir: necessria a interveno do professor para levar o
aluno a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais longe, a
prolongar a experincia vivida.
Pressupostos de aprendizagem - Por um esforo prprio, o aluno se
reconhece nos contedos e modelos sociais apresentados pelo
professor; assim, pode ampliar sua prpria experincia.O conhecimento
novo se apia numa estrutura cognitiva j existente, ou o professor
prov a estrutura de que o aluno ainda no dispe. O grau de
envolvimento na aprendizagem dependa tanto da prontido e disposio
do aluno, quanto do professor e do contexto da sala de aula.
Aprender, dentro da viso da pedagogia dos contedos, desenvolver
a capacidade de processar informaes e lidar com os estmulos do
ambiente, organizando os dados disponveis da experincia. Em
conseqncia, admite-se o princpio da aprendizagem significativa que
supe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno j sabe. O
professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou
fazem, o aluno precisa compreender o que o professor procura
dizer-lhes. A transferncia da aprendizagem se d a partir do momento
da sntese, isto , quando o aluno supera sua viso parcial e confusa
e adquire uma viso mais clara e unificadora.
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado,
no como julgamento definitivo e dogmtico do professor, mas como uma
comprovao para o aluno de seu progresso em direo a noes mais
sistematizadas.
Manifestaes na prtica escolar - O esforo de elaborao de uma
pedagogia dos contedos est em propor modelos de ensino voltados
para a interao contedos-realidades sociais; portanto, visando
avanar em termos de uma articulao do poltico e do pedaggico, aquele
como extenso deste, ou seja, a educao "a servio da transformao das
relaes de produo". Ainda que a curto prazo se espere do professor
maior conhecimento dos contedos de sua matria e o domnio de formas
de transmisso, a fim de garantir maior competncia tcnica, sua
contribuio "ser tanto mais eficaz quanto mais seja capaz de
compreender os vnculos de sua prtica com a prtica social global",
tendo em vista (...) "a democratizao da sociedade brasileira, o
atendimento aos interesses das camadas populares, a transformao
estrutural da sociedade brasileira"14.
Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a
experincia pioneira, mas mais remota do educador e escritor russo,
Makarenko. Entre os autores atuais citamos B. Charlot, Suchodolski,
Manacorda e, de maneira especial, G. Snyders, alm dos autores
brasileiros que vem desenvolvendo investigaes relevantes,
destacando-se Demerval Saviani. Representam tambm as propostas aqui
apresentadas os inmeros professores da rede escolar pblica que se
ocupam, competentemente, de uma pedagogia de contedos articulada
com a adoo de mtodos que garantam a participao do aluno que, muitas
vezes sem saber avanam na democratizao do ensino para as camadas
populares.
13 Cf. Saviani, Dermeval. Educao: do senso comum conscincia
filosfica, p. 120; Mello, Guiomar N. de. Magistrio do 1..., p. 24;
Cury, Carlos R. J. Educao e contradio:elementos..., p. 75.
14 Saviani. Dermeval. Escola e democracia, p. 83.