LIXO HOSPITALAR: UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA ENVOLVENDO DIFERENTES REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO Gislaine Ferreira Gomes 1 [email protected]Paulo Henrique da Silva Kazulle 2 [email protected]Karina Alessandra Pessôa da Silva 3 [email protected]RESUMO Neste trabalho abordamos o estudo de uma atividade de Modelagem Matemática que tem como tema o lixo hospitalar. A partir da compreensão do objeto matemático “função definida por várias sentenças”, por meio da coordenação entre os diferentes registros de representação abordados por Raymond Duval, é possível concluir que uma atividade de Modelagem Matemática pode propiciar um ambiente em que haja a coordenação entre diferentes registros de representação. Para tanto, foi desenvolvida uma atividade de Modelagem Matemática a partir dos dados obtidos em um laboratório de análises clínicas da cidade de Arapongas, PR. Dessa forma, pudemos entrar em contato com várias informações sobre o tema, abordar diferentes registros de representação semiótica e, ainda, mostrar como a Modelagem Matemática pode ser uma alternativa pedagógica no ensino e na aprendizagem da Matemática. PALAVRAS-CHAVE: Lixo Hospitalar; Modelagem Matemática; Funções. 1. INTRODUÇÃO Muito se tem falado na Educação Matemática sobre a utilização de encaminhamentos metodológicos que os professores podem seguir para desenvolver os conteúdos matemáticos e que podem propiciar a melhor assimilação de conhecimentos matemáticos por parte dos alunos. Nesses encaminhamentos, a Modelagem Matemática se faz presente, a fim de auxiliar no enriquecimento do processo pedagógico, pois propicia a intervenção dos alunos em problemas reais do ambiente social e cultural em que vivem e permite que eles tenham maior participação no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Neste trabalho, apresentamos uma atividade de Modelagem Matemática desenvolvida no âmbito de um projeto de extensão — Modelagem Matemática em 1 Graduanda de Licenciatura em Matemática, com ênfase em Informática, da FAP – Faculdade de Apucarana. 2 Graduando de Licenciatura em Matemática, com ênfase em Informática, da FAP – Faculdade de Apucarana. 3 Professora mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática. 36
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LIXO HOSPITALAR: UMA ATIVIDADE DE …µes ambientais: possibilidades para a sala de aula, de formação inicial de professores da Faculdade de Apucarana, PR. A atividade de Modelagem
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LIXO HOSPITALAR: UMA ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA
Neste trabalho abordamos o estudo de uma atividade de Modelagem Matemática que tem como tema o lixo hospitalar. A partir da compreensão do objeto matemático “função definida por várias sentenças”, por meio da coordenação entre os diferentes registros de representação abordados por Raymond Duval, é possível concluir que uma atividade de Modelagem Matemática pode propiciar um ambiente em que haja a coordenação entre diferentes registros de representação. Para tanto, foi desenvolvida uma atividade de Modelagem Matemática a partir dos dados obtidos em um laboratório de análises clínicas da cidade de Arapongas, PR. Dessa forma, pudemos entrar em contato com várias informações sobre o tema, abordar diferentes registros de representação semiótica e, ainda, mostrar como a Modelagem Matemática pode ser uma alternativa pedagógica no ensino e na aprendizagem da Matemática. PALAVRAS-CHAVE: Lixo Hospitalar; Modelagem Matemática; Funções.
1. INTRODUÇÃO
Muito se tem falado na Educação Matemática sobre a utilização de
encaminhamentos metodológicos que os professores podem seguir para desenvolver os
conteúdos matemáticos e que podem propiciar a melhor assimilação de conhecimentos
matemáticos por parte dos alunos. Nesses encaminhamentos, a Modelagem Matemática se
faz presente, a fim de auxiliar no enriquecimento do processo pedagógico, pois propicia a
intervenção dos alunos em problemas reais do ambiente social e cultural em que vivem e
permite que eles tenham maior participação no processo de ensino e aprendizagem da
Matemática.
Neste trabalho, apresentamos uma atividade de Modelagem Matemática
desenvolvida no âmbito de um projeto de extensão — Modelagem Matemática em
1 Graduanda de Licenciatura em Matemática, com ênfase em Informática, da FAP – Faculdade de Apucarana. 2 Graduando de Licenciatura em Matemática, com ênfase em Informática, da FAP – Faculdade de Apucarana. 3 Professora mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática.
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questões ambientais: possibilidades para a sala de aula, de formação inicial de
professores da Faculdade de Apucarana, PR. A atividade de Modelagem desenvolvida por
um dos grupos de estudo e que faz parte desse trabalho, refere-se à coleta de lixo hospitalar
em um laboratório localizado na cidade de Arapongas, no estado do Paraná.
Segundo Vertuan (2007), atividades de Modelagem Matemática proporcionam o
uso de diferentes registros de representação semiótica. Isso ocorre porque os objetos
matemáticos são inacessíveis à percepção, necessitando de uma representação para se
tornarem acessíveis.
Visando contribuir com a compreensão do objeto matemático “função definida
por várias sentenças”, presente nesta atividade de Modelagem Matemática, é que
utilizamos a Teoria dos Registros de Representação Semiótica, de Raymond Duval. Para o
autor, a utilização de diferentes registros de representação, associados a um mesmo objeto
matemático e à coordenação adequada entre estes registros, representa uma possibilidade
do aluno compreender o objeto matemático como um todo.
Ao utilizar o referencial teórico dos Registros de Representação Semiótica, de
Raymond Duval, e a Modelagem Matemática como alternativa pedagógica para o ensino e
a aprendizagem da Matemática, abordamos uma atividade de Modelagem Matemática e a
analisamos, a fim de verificar a disposição dos diferentes registros de representação
semiótica e a coordenação entre tais registros, envolvida nela.
2. QUADRO TEÓRICO QUE FUNDAMENTA O TRABALHO
2.1 Sobre o conceito de função e seus diferentes registros de representação
Perceber as regularidades que nos cercam auxilia-nos a observar a repetição de
certo fenômeno tantas vezes quanto julgarmos necessário, tentando prever resultados para
podermos elaborar estratégias de ação. Neste sentido, o conceito de função é muito
utilizado em várias áreas do conhecimento, pois permite explicar e modelar fenômenos
físicos e sociais.
No âmbito da Educação Matemática, como está explicitado nos PCNEM
(BRASIL, 1998), “é preciso que o aluno perceba a Matemática como um sistema de
códigos e regras que a tornam uma linguagem de comunicação de idéias e permite modelar
a realidade e interpretá-la”(p. 40).
Para Zuffi (2001), parece não existir consenso entre os diversos autores, sobre a
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origem do conceito de função. Alguns deles consideram que os babilônios já possuíam um
instinto do que é função, desde cerca de 2000 a.C., em seus cálculos com tabelas
sexagesimais de quadrados e de raízes quadradas, as quais podiam ser tomadas como
“funções tabuladas”, e que eram destinadas a um fim prático. Os gregos também possuíam
tabelas que faziam uma conexão entre Matemática e Astronomia, mostrando que
percebiam a idéia de dependência entre variáveis. Os franceses demonstraram indícios de
idéias primárias de função anteriores a 1361, quando Nicole Oresme descreveu
graficamente o movimento de um corpo com aceleração uniforme.
Segundo Youschkevitch (1976, apud ZUFFI, 2001), há três fases principais do
desenvolvimento da noção de função:
• a Antigüidade, na qual o estudo de casos de dependência entre duas
quantidades ainda não havia isolado as noções de variável e de função;
• a Idade Média, quando as noções eram expressas sobre uma forma
geométrica e mecânica, mas em que ainda prevaleciam, em cada caso
concreto, as descrições verbais ou gráficas;
• o período Moderno, a partir do século XVII, quando começam a
prevalecer as expressões analíticas de função.
De acordo com Zuffi (2001), foi Leibniz quem, na década de 1670, usou o termo
‘função’ para se referir a “certos segmentos de reta cujos comprimentos dependiam de
retas relacionadas a curvas”. Jean Bernoulli em 1673 utilizou o termo função para
designar quantidades que dependem de uma variável e utilizou várias notações para uma
função de x , das quais a que mais se aproxima da notação atualmente em uso é ‘ fx ’.
Segundo Sierpinska (1992, apud ZUFFI, 2001), outra definição foi dada por
Leonard Euler,
uma função de uma quantidade variável é uma expressão analítica, composta de alguma maneira desta mesma quantidade e de números ou quantidades constantes. Assim, qualquer expressão analítica a qual, além da variável z , contém também quantidades constantes, é uma função de z (p. 12).
Euler trouxe grandes contribuições para a linguagem simbólica e as notações que
utilizamos hoje para denotar uma função de x , entre elas, )(xf .
Segundo Sierpinska (1992, apud ZUFFI, 2001), função, também foi definida pelo
matemático francês Jean-Louis Lagrange,
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Chama-se função de uma, ou várias quantidades, toda expressão de cálculo nas quais estas quantidades entram de uma maneira qualquer, misturadas ou não com outras quantidades, que se vêem como valores dados e invariáveis, de modo que as quantidades da função podem receber todos os valores possíveis. Assim, nas funções consideram-se somente as quantidades que sejam variáveis, sem consideração às constantes que podem estar aí misturadas (p. 12).
Ainda como apresentado em SIERPINSKA (1992, apud ZUFFI, 2001), para o
matemático francês Augustin Cauchy, “chamam-se funções de uma ou várias quantidades
variáveis às quantidades que se apresentam, no cálculo, como resultados de operações
feitas sobre uma ou várias outras quantidades constantes ou variáveis” (p. 13).
Zuffi (2001) relata que em 1837, Peter Gustav Lejeune-Dirichlet, propôs a
seguinte definição geral de função, que foi amplamente aceita até meados do século XX
Se uma variável y está relacionada a uma variável x de modo que, ao se atribuir qualquer valor numérico a x , existe uma regra de acordo com a qual um único valor de y é determinado, então y é dito ser uma função da variável independente x (p. 13).
Neste trabalho consideramos a definição de função dada por Iezzi et all (2002).
“Se x e y são duas variáveis reais tais que para cada valor atribuído a x existe, em
correspondência, um único valor para y , dizemos que y é função de x ” (p. 40).
A função definida por várias sentenças é um objeto matemático que apresenta
diferentes registros de representação. A coordenação entre esses diferentes registros é
importante para que ocorra a conceitualização do objeto matemático em estudo.
2.1.1 Os diferentes registros de representação da função definida por várias sentenças
Em Matemática, a comunicação é feita basicamente por meio de representações.
Para ensinar conceitos, propriedades, estruturas e relações advindas dos objetos
matemáticos, o professor precisa levar em consideração as diferentes formas de
representação desse objeto. O que se estuda e se ensina são as representações dos objetos
matemáticos e não os próprios objetos matemáticos.
Para Damm (1999): A matemática trabalha com objetos abstratos. Ou seja, os objetos matemáticos não são diretamente acessíveis à percepção, necessitando para sua apreensão o uso de uma representação. Neste caso as representações através de símbolos, signos, códigos, tabelas, gráficos, algoritmos, desenhos são bastante significativas, pois permitem a comunicação entre os sujeitos e as atividades
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cognitivas do pensamento, permitindo registros de representação diferentes de um mesmo objeto matemático. Por exemplo, a função pode ser representada através da expressão algébrica, tabelas e/ou gráficos que são diferentes registros de representação (DAMM, 1999, p. 137).
Para Duval (2003), “o acesso aos objetos matemáticos passa necessariamente por
representações semióticas”. As representações semióticas são externas e conscientes na
pessoa. Elas realizam uma função de tratamento intencional, fundamental para a
aprendizagem humana. As representações semióticas desempenham o papel de comunicar,
exteriorizar as representações mentais, a fim de torná-las acessíveis às outras pessoas.
Entre os exemplos de representações semióticas, podemos destacar a escrita em
língua natural, a escrita algébrica e os gráficos cartesianos. Esses diferentes registros4 são
perceptíveis no estudo de função. No entanto, ao trabalhar com funções, por exemplo, os
gráficos, as tabelas e as equações são registros parciais do objeto matemático em questão
(funções). Para Dominoni (2005), sendo parcial, um registro pode complementar o outro.
No entanto, é preciso relacionar os diferentes registros de representação, com suas próprias
especificidades, para que se possa conceitualizar o objeto matemático.
Para que um sistema de representação semiótica seja considerado um registro de
representação semiótica, Duval (2003) afirma que é preciso que esse sistema permita três
atividades cognitivas:
• a formação de uma representação identificável, ou seja, a partir de um
registro de representação, saber qual é o objeto matemático que está sendo
representado;
• o tratamento de um registro de representação, ou seja, transformações de
representações dentro de um mesmo sistema de registros;
• a conversão de um registro de representação, ou seja, transformações de
representações onde há mudanças de sistemas de registros, conservando os
objetos estudados5.
É importante transitar entre os diferentes tipos de representação, fazendo a
conversão de um registro para outro. Para Duval (2003, p. 16), “[...] do ponto de vista
4 Em alguns momentos, utilizamos registros ou registros de representação para nos referirmos aos registros de representação semiótica, a fim de evitar repetição. 5 Neste trabalho, adotamos a conversão como uma atividade cognitiva que envolve mudança de sistemas de registros. Embora consideremos que a atividade de conversão pode ser vista como mais complexa ou menos complexa, de acordo com o fenômeno de congruência e não-congruência, não faremos essa análise neste trabalho.
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cognitivo, é a atividade de conversão que, ao contrário, aparece como a atividade de
transformação representacional fundamental, aquela que conduz aos mecanismos
subjacentes à compreensão”.
Para Damm (1999, p.144), quanto maior for a mobilidade com registros de
representação diferentes do mesmo objeto matemático, maior será a possibilidade de
apreensão deste objeto.
No entanto, para que ocorra a conceitualização do objeto matemático em estudo,
além de se realizar conversões de um registro para outro, é necessário que exista uma
coordenação entre os registros, ou seja, é preciso compreender que os diferentes registros
referem-se ao mesmo objeto matemático e podem se complementar no sentido de que um
registro pode expressar características ou propriedades do objeto matemático, que não são
expressas com clareza em outro registro.
O conceito “função” é utilizado em várias áreas do conhecimento e, levando em
consideração a importância do estudo da Função, definida por várias sentenças,
encaminhamos nossa proposta pedagógica para o estudo dos diferentes registros de
representação desta função.
A Função definida por várias sentenças pode ser representada por meio de
diferentes registros que transparecem suas propriedades. O estudo desses diferentes
registros pode contribuir para a construção da conceitualização desse objeto matemático.
No desenvolvimento do estudo de Função, definida por várias sentenças, podem-se
destacar registros de representação, como: o da língua natural, o tabular, o gráfico e o
algébrico.
A língua natural corresponde à linguagem materna com a qual o ser humano se
comunica. O registro de representação tabular usa uma disposição espacial, em forma de
tabela, que contém elementos de dois conjuntos. Para que uma tabela represente uma
Função definida por várias sentenças, ela deve incorporar as propriedades desta função. No
registro gráfico existe o plano cartesiano, onde estão dispostos dois eixos ortogonais, o x0
e o y0 , que têm a mesma origem, o 0 . Esse plano é utilizado para localizar pontos,
realizar construções geométricas, como linhas e curvas, que representam a função. A
representação algébrica utiliza-se de um conjunto de operações entre coeficientes
numéricos e variáveis, geralmente expressas por letras, de tal maneira que possa
representar a relação entre as variáveis.
Para Duval (2003), quando o trabalho com atividades matemáticas tende a
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diversificar os registros de representação, este uso diversificado tende a desenvolver
capacidades cognitivas do aluno e contribui fortemente para a aprendizagem. Vertuan &
Almeida (2007) perceberam que as atividades de Modelagem viabilizam a utilização e a
exploração de diferentes registros de representação semiótica, bem como o tratamento, a
conversão e a coordenação entre os registros.
Dessa forma, abordamos o uso da Modelagem Matemática como alternativa
pedagógica para estabelecer coordenação entre os diferentes registros de representação da
função definida por várias sentenças.
2.2 Sobre Modelagem Matemática na Educação Matemática
Segundo Caldeira (2005), a Modelagem Matemática, na área da Educação
Matemática, pode ser vista como uma alternativa pedagógica para que os alunos possam
ter uma visão mais clara da importância que a Matemática desempenha na vida das
pessoas, visto que suas aplicações esclarecem os conteúdos matemáticos que precisam ser
desenvolvidos, estabelecendo relações destes com o dia-a-dia, sua aplicação, utilização e
importância. Além disso, Bassanezi (2002, p. 31) afirma que “a modelagem eficiente
permite fazer previsões, tomar decisões, explicar e entender; enfim participar do mundo
real com capacidade de influenciar em suas mudanças”.
No trabalho com Modelagem Matemática, o professor desenvolve um papel de
colaborador e participante no processo de investigação dos alunos, dialogando com eles
sobre os procedimentos que estão sendo realizados e orientando-os quando precisarem.
Assumimos, neste trabalho, a Modelagem Matemática enquanto alternativa
pedagógica, caracterizada, por Almeida & Brito (2005), como sendo uma alternativa
pedagógica na qual fazemos uma abordagem, por meio da Matemática, de um problema
não essencialmente matemático, no qual a Modelagem6 pode proporcionar ao aluno a
possibilidade de atribuir sentido e construir significados para os conceitos matemáticos
com que se defronta nas aulas de Matemática.
Na Modelagem Matemática, o modelo matemático, segundo Almeida (2005),
pode ser definido como um conjunto consistente de estruturas e relações matemáticas que
descreve um fenômeno ou uma situação real. O modelo matemático é, assim, uma
representação da realidade. A Modelagem Matemática consiste na obtenção, aplicação e
validação deste modelo. 6 Quando utilizarmos o termo Modelagem estamos nos referindo à Modelagem Matemática.
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Segundo Bassanezi (2002), a Modelagem Matemática consiste, essencialmente,
na arte de transformar situações da realidade em problemas matemáticos, cujas soluções
devem ser interpretadas na linguagem usual, que é uma representação da situação que está
sendo estudada. Vertuan & Almeida (2007) perceberam que as atividades de Modelagem
viabilizam a utilização e exploração de diferentes registros de representação semiótica,
bem como o tratamento, a conversão e a coordenação entre os registros.
Assim, encaramos a Modelagem Matemática como um processo que procura
entender e explicar os fenômenos da realidade, ou seja, que trata, por meio da Matemática,
de assuntos não-matemáticos e que podem proporcionar a abordagem de diferentes
registros de representação.
Ao se trabalhar com a Modelagem Matemática é importante seguir algumas
etapas, como, por exemplo, segundo Burak (2004, p. 3): escolha do tema; pesquisa
exploratória; levantamento dos problemas; resolução dos problemas e desenvolvimento da
matemática relacionada ao tema; e análise crítica das soluções.
Levando em consideração algumas das contribuições da Modelagem, apontadas
na literatura, apresentamos uma situação de Modelagem Matemática por meio da qual é
possível desenvolver o estudo da função definida por várias sentenças. A situação
apresentada é oriunda de um trabalho desenvolvido em um projeto de Modelagem
Matemática.
3. ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA DESENVOLVIDA E OS
DIFERENTES REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO UTILIZADOS
Essa atividade foi desenvolvida por um grupo de estudantes do Curso de
Graduação em Matemática, com ênfase em Informática, em um projeto de Modelagem
Matemática, na FAP – Faculdade de Apucarana. A atividade iniciou-se com a reflexão
sobre qual é o destino do lixo produzido por hospitais e laboratórios, pois uma das
integrantes do projeto, que trabalha em um laboratório de análises clínicas na cidade de
Arapongas, disse que a empresa que coleta o lixo laboratorial (hospitalar) emitia
certificados mensais, salvo alguns meses em que a quantidade de lixo produzida era
pequena.
Com base nos dados que apuramos junto aos certificados emitidos pelo
laboratório, optamos por desenvolver a atividade. Interessados no estudo do tema “lixo
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hospitalar” procuramos informações em diferentes fontes e constatamos que, segundo
Sobreira (2009), lixo é definido como algo que não presta e que se joga fora, por não ter
mais utilidade, mas, ainda esse lixo que se joga, se não for tratado de maneira adequada,
pode ser muito prejudicial à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente. Em especial, o
lixo hospitalar apresenta risco potencial à saúde e ao meio ambiente, devido à presença de
material biológico, químico, radioativo, perfuro-cortante. O tratamento adequado previne
infecções cruzadas, proporciona conforto e segurança à clientela e à equipe de trabalho,
bem como mantém o ambiente limpo e agradável.
A partir dos certificados que coletamos, que correspondem aos meses de
julho de 2008 a abril de 2009, organizamos os dados em disposição espacial em forma de
tabela, obtendo os seguintes registros de representação tabular, apresentados nas Tabelas 1,
7 Por algum motivo não houve coleta no mês de setembro, logo, “tomamos a liberdade” de fazer uma média entre as coletas dos meses de agosto e de outubro.
A partir dos dados apresentados na Tabela 9, utilizando o programa
computacional Curve Expert e fizemos a conversão do registro tabular para o registro
gráfico (Figura 1).
S = 9.52154610r = 0.80900178
t (Anos)
Q (Q
uant
idad
e de
lixo
em
qui
los)
0.0 1.8 3.7 5.5 7.3 9.2 11.018.40
27.60
36.80
46.00
55.20
64.40
73.60
Figura 1: Registro gráfico do lixo hospitalar coletado de julho de 2008 a maio
de 2009
Observando o comportamento dos plotados no gráfico, chegamos à conclusão de
que a melhor hipótese a ser utilizada é a de que os dados se ajustam a uma função definida
por várias sentenças. A partir dessa hipótese, optamos por ajustar os dados em uma função
definida por três sentenças. Para tanto, separamos os dados coletados em três partes que
representamos nas Tabelas 10, 11 e 12.
9Tabela 10: PARTE 1 – Lixo coletado de julho de 2008 a outubro de 2008 t MÊS/ANO QUANTIDADE DE LIXO COLETADA (KG) 0 JULHO/2008 69 1 AGOSTO/2008 45 2 SETEMBRO/2008 34
8 Devido não ter sido feita a coleta no mês de fevereiro, fez-se uma média da coleta do mês de março. 9 Organizamos os dados das três partes da função em três tabelas para um melhor entendimento.
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3 OUTUBRO/2008 23
A partir dos dados da Tabela 10, fizemos uma conversão do registro tabular para o
registro algébrico, em que tais dados se ajustam a uma função exponencial do tipo bxeay .= , ou seja, utilizando as variáveis estabelecidas, bteatQ .)( = , cujos coeficientes10
são: 172095,68=a e 36692913,0−=b .
Assim, obtivemos a função 36692913,0.172095,68)( −= etQ , cuja representação
gráfica é apresentada na Figura 2.
S = 1.92391056r = 0.99680607
t (Anos)
Q (Q
uant
idad
e de
lixo
em
qui
los)
0.0 0.6 1.1 1.7 2.2 2.8 3.318.40
27.60
36.80
46.00
55.20
64.40
73.60
Figura 2: Gráfico Parte 1 – Lixo coletado de julho de 2008 a outubro de 2008
Ao fazer a conversão do registro algébrico para o registro gráfico, inferimos que
tais registros se referem ao mesmo objeto matemático “função exponencial”, no entanto,
possuem características e propriedades distintas que os complementam. Isso reforça o que
Dominoni (2005) afirma de que um registro pode complementar o outro, visto que um
registro é uma representação parcial do objeto matemático. Dessa forma, é preciso
relacionar os diferentes registros de representação, com suas próprias especificidades para
que se possa conceitualizar o objeto matemático “função exponencial”.
A Tabela 11 apresenta a segunda parte da função definida por várias sentenças.
Essa tabela foi obtida observando-se as regularidades dos dados.
Tabela 11: PARTE 2 – Lixo coletado de dezembro de 2008 a março de 2009
t MÊS/ANO QUANTIDADE DE LIXO COLETADA (KG)
10 Tais coeficientes foram obtidos com a ajuda do software Curve Expert, assim como os gráficos plotados.
Nesta atividade, os registros mobilizados foram: língua natural, tabular, algébrico
e gráfico. As atividades cognitivas (tratamento e conversão) estiveram presentes como
apresentada na Figura 6.
11 Devido ao fato deste ponto não se ajustar, nem na primeira, nem na segunda parte da função, decidimos não usá-lo na procura do modelo.
Língua natural Registro tabular Registro algébrico Registro gráfico
Conversão Conversão Conversão
Tratamento Tratamento
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Figura 6: Registros de representação e atividades cognitivas na abordagem da função definida por várias sentenças.
No desenvolvimento desta atividade de Modelagem Matemática, mobilizamos
diferentes registros de representação e diferentes objetos matemáticos estiveram presentes
— função exponencial, função quadrática e função linear — para obtermos a representação
do objeto matemático “função definida por várias sentenças”, que representa o tema em
estudo. Segundo Duval (2003), mais importante que a conversão, é a coordenação entre os
registros. Isso implica em perceber, nos diferentes registros, o mesmo objeto matemático,
no caso, a função definida por várias sentenças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que a Modelagem Matemática seja uma alternativa pedagógica
interessante para aproximar situações da realidade de conteúdos matemáticos
desenvolvidos em sala de aula. Com isso, a Modelagem Matemática pode proporcionar um
ambiente para o ensino e a aprendizagem de conceitos matemáticos.
A Modelagem Matemática, enquanto alternativa pedagógica, possibilita ao aluno
coordenar diferentes registros de representação e fazer conjecturas a partir de dados da
realidade para chegar a uma solução matemática do problema. Estes registros, segundo
Duval (2003), evidenciam o modo como os alunos entendem determinado objeto
matemático ao mesmo tempo que promovem novas interpretações acerca destes objetos e
de outros relacionados. Vale lembrar que “[...] passar de um registro de representação à
outro não é somente mudar de modo de tratamento, é também explicar as propriedades ou
os aspectos diferentes de um mesmo objeto” (DUVAL, 2003, p. 22).
Observando as características de cada registro de representação, percebemos que
um complementa o outro e que sua relevância no ensino e na aprendizagem do conceito da
Função definida por várias sentenças, pois é no reconhecimento, na conversão e na
coordenação entre os diferentes registros que é possível manipular o objeto matemático
abstrato, tornando-o significativo.
Registro tabular
Conversão
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Em termos gerais, verificamos, por meio da atividade descrita neste trabalho, que,
de fato, as atividades de Modelagem Matemática viabilizam a utilização e exploração de
diferentes registros de representação semiótica, bem como os processos de tratamento, de
conversão e de coordenação entre registros.
É importante destacar que o modelo matemático obtido nesta atividade não tem
como objetivo fazer previsões, mas perceber como a situação se comporta nos intervalos
de tempo estabelecidos e com os dados coletados.
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