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Ministrio da Educao MEC
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CAPES
Diretoria de Educao a Distncia DED
Universidade Aberta do Brasil UAB
Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
Joo Rogrio Sanson
2011
-
2011. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os
direitos reservados.
A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do(s)
respectivo(s) autor(es). O contedo desta obra foi licenciado
temporria
e gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade
Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a
utilizar
o contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a
reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos
cursos.
A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais
poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem
auto-
rizao expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a
propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal,
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184, Pargrafos 1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis
espcie.
S229t Sanson, Joo RogrioTeoria das finanas pblicas / Joo Rogrio
Sanson. Florianpolis : Departamento
de Cincias da Administrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB,
2011.132p. : il.
Inclui bibliografiaBacharelado em Administrao PblicaISBN:
978-85-7988-100-8
1. Finanas pblicas. 2. Oramento. 3. Despesa pblica. 4. Educao a
distncia. I. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior (Brasil). II. Universidade Aberta do Brasil. III.
Ttulo.
CDU: 336.1/.5
Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071
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PRESIDENTA DA REPBLICA
Dilma Vana Rousseff
MINISTRO DA EDUCAO
Fernando Haddad
PRESIDENTE DA CAPES
Jorge Almeida Guimares
UNIvERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
REITOR
Alvaro Toubes Prata
VICE-REITOR
Carlos Alberto Justo da Silva
CENTRO SCIO-ECONMICO DIRETOR
Ricardo Jos de Arajo Oliveira
VICE-DIRETORAlexandre Marino Costa
DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO
CHEFE DO DEPARTAMENTOGilberto de Oliveira Moritz
SUBCHEFE DO DEPARTAMENTOMarcos Baptista Lopez Dalmau
DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA
DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA
COORDENAO GERAL DE ARTICULAO ACADMICALiliane Carneiro dos Santos
Ferreira
COORDENAO GERAL DE SUPERVISO E FOMENTOGrace Tavares Vieira
COORDENAO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOSJoselino Goulart
Junior
COORDENAO GERAL DE POLTICAS DE INFORMAOAdi Balbinot Junior
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COMISSO DE AvALIAO E ACOMPANhAMENTO PNAP
Alexandre Marino CostaClaudin Jordo de CarvalhoEliane Moreira S
de Souza
Marcos Tanure SanabioMaria Aparecida da SilvaMarina Isabel de
Almeida
Oreste Preti Tatiane Michelon
Teresa Cristina Janes Carneiro
METODOLOgIA PARA EDUCAO A DISTNCIA
Universidade Federal de Mato Grosso
COORDENAO TCNICA DED
Soraya Matos de VasconcelosTatiane Michelon
Tatiane Pacanaro Trinca
AUTOR DO CONTEDO
Joo Rogrio Sanson
EqUIPE DE DESENvOLvIMENTO DE RECURSOS DIDTICOS CAD/UFSC
Coordenador do ProjetoAlexandre Marino Costa
Coordenao de Produo de Recursos DidticosDenise Aparecida
Bunn
Superviso de Produo de Recursos Didticosrika Alessandra Salmeron
Silva
Designer Instrucional Denise Aparecida Bunn
rika Alessandra Salmeron SilvaSilvia dos Santos Fernandes
Auxiliar Administrativo Stephany Kaori Yoshida
Capa Alexandre Noronha
Ilustrao Adriano Schmidt Reibnitz
Projeto Grfico e EditoraoAnnye Cristiny Tessaro
Reviso Textual Claudia Leal Estevo Brites Ramos
Jaqueline Santos de vila
Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens
Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.
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Prefcio
Os dois principais desafios da atualidade na rea educacional do
Pas so a qualificao dos professores que atuam nas escolas de educao
bsica e a qualificao do quadro funcional atuante na gesto do Estado
brasileiro, nas vrias instncias administrativas. O Ministrio da
Educao (MEC) est enfrentando o primeiro desafio com o Plano
Nacional de Formao de Professores, que tem por objetivo qualificar
mais de 300.000 professores em exerccio nas escolas de Ensino
Fundamental e Mdio, sendo metade desse esforo realizado pelo
Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Em relao ao segundo
desafio, o MEC, por meio da UAB/CAPES, lana o Programa Nacional de
Formao em Administrao Pblica (PNAP). Esse programa engloba um curso
de bacharelado e trs especializaes (Gesto Pblica, Gesto Pblica
Municipal e Gesto em Sade) e visa colaborar com o esforo de
qualificao dos gestores pblicos brasileiros, com especial ateno no
atendimento ao interior do Pas, por meio de polos da UAB.
O PNAP um programa com caractersticas especiais. Em primeiro
lugar, tal programa surgiu do esforo e da reflexo de uma rede
composta pela Escola Nacional de Administrao Pblica (ENAP), pelo
Ministrio do Planejamento, pelo Ministrio da Sade, pelo Conselho
Federal de Administrao, pela Secretaria de Educao a Distncia (SEED)
e por mais de 20 instituies pblicas de Ensino Superior (IPES),
vinculadas UAB, que colaboraram na elaborao do Projeto Poltico
Pedaggico (PPP) dos cursos. Em segundo lugar, esse projeto ser
aplicado por todas as IPES e pretende manter um padro de qualidade
em todo o Pas, mas abrindo margem para que cada IPES, que ofertar
os cursos, possa incluir assuntos em atendimento s diversidades
econmicas e culturais de sua regio.
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Outro elemento importante a construo coletiva do material
didtico. A UAB colocar disposio das IPES um material didtico mnimo
de referncia para todas as disciplinas obrigatrias e para algumas
optativas. Esse material est sendo elaborado por profissionais
experientes da rea da Administrao Pblica de mais de 30 diferentes
instituies, com apoio de equipe multidisciplinar. Por ltimo, a
produo coletiva antecipada dos materiais didticos acaba por liberar
o corpo docente das IPES e faz com que haja maior dedicao ao
processo de gesto acadmica dos cursos; uniformiza um elevado
patamar de qualidade para o material didtico e garante o
desenvolvimento ininterrupto dos cursos, sem as paralisaes que
sempre comprometem o entusiasmo dos alunos.
Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importante passo
em direo democratizao do Ensino Superior pblico e de qualidade est
sendo dado, desta vez contribuindo tambm para a melhoria da gesto
pblica brasileira.
Celso Jos da Costa
Diretor de Educao a Distncia
Coordenador Nacional da UAB
CAPES-MEC
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Sumrio
Apresentao
............................................................................................................9
Unidade 1 Estado e Economia
Gramsci e a Hegemonia
..........................................................................................13
Hegemonia......................................................................................................14
Crise Hegemnica
...........................................................................................17
Schumpeter, Downs e a Concorrncia Poltica
.........................................................19
Cidados
.........................................................................................................20
Polticos
...........................................................................................................22
Partidos
...........................................................................................................24
Burocratas
.......................................................................................................26
Poderes e Nveis de Governo
...........................................................................28
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
A Fronteira entre os Setores Pblico e Privado
........................................................35
Rivalidade e Excluso
......................................................................................36
Externalidades
.................................................................................................41
Regulamentao de Utilidades Pblicas
..................................................................45
Carga Tributria
......................................................................................................48
A Crescente Participao do Setor Pblico
..............................................................51
A Lei de Wagner
..............................................................................................51
Situaes Polticas Excepcionais
......................................................................53
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Unidade 3 Tributo
Receitas
..................................................................................................................61
Tributos Segundo Categorias Econmicas
........................................................61
Base Tributria
................................................................................................62
Principais Tributos
...........................................................................................64
Incidncia
...............................................................................................................66
A Incidncia Econmica
..................................................................................66
Qualificaes
...................................................................................................71
Unidade 4 Despesa
Estrutura da Despesa
..............................................................................................79
O Estado como Produtor
........................................................................................82
Avaliao do Investimento Pblico
..........................................................................87
Redistribuio de Renda
.........................................................................................89
Incidncia de Impostos e Gastos Pblicos
................................................................93
Unidade 5 Dficit Pblico e Dvida Pblica
Tipos de Dficit Pblico
........................................................................................103
O Sistema Financeiro Nacional
.............................................................................109
Dficit Pblico e Nvel de Atividade Econmica
.................................................... 111
A Evoluo e a Sustentabilidade da Dvida Pblica
............................................... 114
Estabilizao e Crescimento Econmico
................................................................118
Federalismo Fiscal e a Estabilizao
......................................................................120
Consideraes Finais
............................................................................................125
Referncias
...........................................................................................................126
Minicurrculo.........................................................................................................130
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Mdulo 4 9
Apresentao
ApresentaoCaro estudante!
Esta disciplina pretende abordar assuntos muito interessantes da
Administrao Pblica. Voc nosso convidado para aprender e refletir
sobre temas que dizem respeito gesto das Finanas Pblicas.
O setor pblico a parte da economia associada prestao de servios
pblicos, pelo Estado, aos cidados de um pas qualquer. No Brasil, os
funcionrios pblicos, em suas respectivas organizaes, prestam
servios em nome do Estado brasileiro. Mas, como cidados, esses
mesmos funcionrios veem o Estado de outro ngulo. Eles so tanto
beneficirios como financiadores dos servios pblicos. Com o
entendimento de como funciona o Estado, de como as decises pblicas
so definidas politicamente e de como as Finanas Pblicas afetam a
situao econmica e social das pessoas, esperamos que voc possa no
apenas exercer melhor sua profisso de administrador pblico como
tambm participar das decises polticas do Pas de forma mais
consciente.
Buscamos, com este livro-texto de apoio aos seus estudos da
disciplina Teoria das Finanas Pblicas, continuar a sequncia de
disciplinas de seu curso de Administrao Pblica iniciado com as
disciplinas Introduo Economia, Cincia Poltica e Contabilidade
Pblica. Posteriormente, ela ser complementada mais diretamente pela
disciplina Oramento Pblico.
Na disciplina Teoria das Finanas Pblicas, a pergunta bsica
inicial : de onde saem as motivaes para as decises do setor pblico
e como isso envolve toda a sociedade? Para respond-la, faremos uma
breve incurso em temas complementares aos que voc estudou na
disciplina Cincia Poltica. O oramento pblico reflete todos os
grandes interesses dos vrios grupos que compem a sociedade, e a
interao entre eles ocorre via processo poltico. Trataremos, a
seguir, das fontes de receita pblica e dos tipos de
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Teoria das Finanas Pblicas
Bacharelado em Administrao Pblica10
despesas, com suas consequncias sobre a renda das pessoas e
sobre o crescimento econmico.
Na Unidade 1, apresentaremos o funcionamento do Estado.
Na Unidade 2, estudaremos a participao do setor pblico na
economia e, tambm, os conceitos teis definio dos tipos de bens e de
servios tpicos do setor pblico, estabelecendo assim uma espcie de
fronteira com o setor privado.
Na Unidade 3, veremos as principais receitas oramentrias e como
avaliar quem, realmente, as paga.
Na Unidade 4, caracterizaremos os principais tipos de despesas e
como elas afetam o padro de vida dos cidados.
Por fim, na ltima Unidade, discutiremos como o dficit pblico e,
por consequncia, a dvida pblica esto ligados estabilidade de preos
e ao nvel e ao crescimento de atividades da economia.
Nossa meta que, ao final dos estudos desta disciplina, voc veja
as questes de Finanas Pblicas com outros olhos!
Professor Joo Rogrio Sanson
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UnidAde 1
Objetivos especficos de aprendizagem
Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de:
ff Distinguir entre hegemonia e ideologia;
ff Identificar como os partidos polticos concorrem entre si
pelo
voto por meio de plataformas polticas; e
ff Verificar como a concorrncia entre partidos e grupos
polticos
tende a diminuir vantagens excessivas do exerccio do poder.
Estado e Economia
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vPara relembrar seu estudo anterior de Cincia Poltica marxista,
releia o trecho
relevante da Unidade 2 do
livro-texto da disciplina
Cincia Poltica.
Saiba mais Antonio Gramsci (18911937)
Jornalista e militante comunista italiano, ele desenvolveu
sua teoria de Estado como prisioneiro poltico durante
o perodo do regime fascista italiano. Fonte: .
Acesso em: 14 out. 2010.
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 13
Gramsci e a Hegemonia
Caro estudante, reflita conosco:
H diferentes abordagens de teoria marxista do Estado. Em termos
elementares, para a verso mais ortodoxa da teoria marxista, o
Estado o aparato poltico de uma classe social para fins de dominao
das demais, seja pela violncia, seja pela ideologia. Gramsci partiu
de ideias marxistas bsicas, mas introduziu novos elementos que
ampliaram o espao para o conceito de ideologia e de seu uso como
instrumento de poder. Para Gramsci, ideologia era mais uma viso de
mundo especfica a um grupo ou frao social, em vez de apenas a viso
de mundo da classe capitalista, vista como classe dominante. O
ponto de vista de Gramsci, no contexto histrico em que escreveu,
era o da busca da revoluo proletria na
Caro estudante,
Ao abordarmos teorias sobre o funcionamento do Estado, muitas
vezes pensamos na abordagem marxista, mas h outras correntes que
partem de outros pontos de vista. Uma dessas correntes parte da
ideia da concorrncia poltica. Voc ver, nessas teorias sobre o
funcionamento do Estado, assuntos muito atuais e importantes no
apenas para seus estudos como tambm para sua vida prtica.
Faa uma leitura atenciosa e busque informaes complementares aos
temas abordados. Por isso, recomendamos que voc pesquise em outras
fontes de conhecimento, em adio s indicaes sugeridas no Saiba mais,
e faa as atividades ao final de cada Unidade.
Bons estudos!
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vPara uma ampla lista de exemplos de ideologia, releia a
discusso sobre correntes
de pensamento econmico
em seu livro-texto da
disciplina Introduo
Economia.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
14
Itlia. Em contraste, nosso ponto de vista apenas o de explicar o
funcionamento do Estado sob a tica da teoria gramsciana.
Hegemonia
Para Gramsci, a sociedade civil representada pelo [...] complexo
das relaes ideolgicas e culturais, a vida espiritual e intelectual,
e a expresso poltica dessas relaes. (CARNOY, 1986, p. 93). uma das
partes da superestrutura institucional da sociedade. Note que, para
Marx e Engels, a sociedade civil parte da estrutura onde se d a
acumulao de capital e o Estado parte da superestrutura. Ainda para
Gramsci, a sociedade poltica, ou Estado, detm o monoplio do uso da
fora e tambm parte da superestrutura. O controle da sociedade por
um grupo social ocorre principalmente pela hegemonia, mas tambm
pela fora.
A hegemonia de um grupo, ou frao de classe, ocorre quando ele
usa elementos da sociedade civil para conquistar e manter sua
dominncia sobre a sociedade civil. Um dos instrumentos fundamentais
para isso a ideologia, tambm chamada de superestrutura ideolgica. A
superestrutura ideolgica a viso de mundo embutida na superestrutura
institucional que convence as pessoas a aceitarem a moral, os
costumes e as regras sociais at por consenso.
Uma das consequncias da teoria gramsciana que a superestrutura
ideolgica pode ter supremacia sobre a estrutura econmica. Gramsci,
apesar de aparentemente inverter um argumento essencial para muitos
marxistas (a estrutura determina tudo o que ocorre na
superestrutura), apenas diminui a importncia das relaes de produo
na determinao da superestrutura.
-
*Governos populistas
so governos que
adotam os mtodos do
populismo, que uma
forma de atuao pol-
tica em que se enfatiza
a relao direta entre
a cpula do estado e
as massas populares,
mediada pelo desem-
penho poltico de
um lder carismtico.
Fonte: Sandroni (1999).
*Intelectual orgnico
todo tipo de pessoa
que atua na divulgao
de uma ideologia. Esse
grupo composto de
religiosos, de professo-
res, de jornalistas e de
lderes profissionais,
sindicais, estudantis e
comunitrios, alm de
filsofos, de literatos
e de artistas. Fonte:
Sandroni (1999).
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 15
A fidelidade de Gramsci s ideias marxistas fica clara no
argumento de que a classe dominante ao nvel da produo dominante ao
nvel intelectual, pois tem os meios materiais para controlar o modo
de produo mental. Assim, o grupo dominante tentar influenciar o
modo como a educao conduzida para que sua viso de mundo seja
absorvida por toda a sociedade. governos populistas* cuidam
especialmente da questo ideolgica pelo controle quase total dos
meios de comunicao e dos currculos escolares e so exemplos de
governos considerados bastante independentes da classe capitalista.
O conceito gramsciano de domnio intelectual ajuda tambm a entender
a experincia sovitica, por exemplo. O Estado sovitico monopolizava
os meios de produo, o que era da essncia daquele experimento
social. Depois de ter eliminado a classe capitalista, passou a
controlar totalmente a produo mental.
Um ponto que destaca a anlise de Gramsci que a dominao hegemnica
molda o Estado. Isso expande a viso marxista mais popular de que os
capitalistas controlam o Estado devido apenas s suas necessidades.
O grupo hegemnico influencia a criao de leis e, portanto, a prpria
evoluo da forma do Estado.
Contudo, voc ver mais adiante que apenas dominar o Estado
no garante a hegemonia. Vamos entender como isso ocorre?
A forma como a hegemonia obtida depende crucialmente do
intelectual orgnico*. Os intelectuais orgnicos so produzidos
principalmente dentro do grupo hegemnico, mas podem ser tambm
recrutados entre as classes dominadas e aceitos como membros do
grupo hegemnico. Isso, em uma linguagem sociolgica, chamado de
ascenso social.
Embora as polticas pblicas sejam enviesadas em favor do grupo
dominante, precisam oferecer benefcios para a sociedade em
-
*Pases perifricos
so os que fazem parte
da periferia, definida
como o conjunto das
economias nacionais
s u b d e s e n v o l v i d a s
que esto integradas
economicamente aos
grandes centros do
capitalismo moderno.
Fonte: Sandroni (1999).
Saiba mais Teoria da Dependncia
Essa teoria, na interpretao de Fernando Henrique
Cardoso e Enzo Faletto, sugere que, apesar da dependncia
econmica e poltica dos pases perifricos em relao aos
pases centrais, as classes hegemnicas locais podem liderar
um processo de desenvolvimento econmico nacional sob
influncia estatal. Fonte: Carnoy (1986).
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
16
sua totalidade. Na verdade, o grupo hegemnico buscar sempre
caracterizar essas polticas como de interesse da sociedade em
geral. Isso garante que essas polticas sejam aceitas por todos.
Assim, uma poltica que busque gerar maiores ganhos para a classe
capitalista pode aparecer como uma atividade geradora de emprego e
de renda para toda a sociedade.
Em pases perifricos* h aliana de interesses entre o grupo
dominante nacional e os interesses do capital internacional de modo
que as polticas pblicas so tanto de interesse do capital
internacional como do grupo hegemnico nacional. Contudo, o grupo
hegemnico local faz alianas de seu prprio interesse. Seus objetivos
polticos e econmicos esto frente dessas polticas e seus membros no
so apenas marionetes manipuladas por grupos hegemnicos do exterior.
Ao mesmo tempo, precisamos lembr-lo de que os grupos dominados dos
pases centrais veem como de interesse prprio as vantagens obtidas
pelo capital internacional nos pases perifricos.
Esse tipo de argumento gramsciano caracteriza a Teoria da
Dependncia de Cardoso e Faletto. Nos ltimos anos, surgiu uma
nova categoria, a dos pases emergentes, que inclui o Brasil. So
pases perifricos que atingiram um nvel de renda mdia acima do
registrado nos pases mais pobres e que so grandes economias. Os
quatro membros mais importantes, Brasil, Rssia, ndia e China, so
conhecidos pela sigla BRIC.
Agora que conhecemos o conceito de hegemonia, vamos
entender o que crise hegemnica.
-
vA viso marxista de Estado
tem muitas variantes e
uma ampla literatura que
cobre desde a interpretao
do que Marx realmente
quis dizer em seus escritos
esparsos sobre o tema,
passando pela viso
ortodoxa dos soviticos, e
indo at desenvolvimentos
posteriores de seus
seguidores. Para ampliar
seu conhecimento sobre
essa teoria, verifique as
indicaes recomendadas na
seo Complementando.
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 17
Crise Hegemnica
Como vimos, tomar o aparato estatal, por exemplo, por meio de um
golpe de Estado, no garante a hegemonia. Do mesmo modo, um elemento
essencial da viso gramsciana que uma crise econmica no equivale a
uma crise hegemnica. Uma crise hegemnica pode decorrer de erros de
avaliao de estratgias que enfraquecem a liderana ou a legitimidade
poltica do grupo hegemnico.
A crise hegemnica, no entanto, pode ser estimulada por meio da
competio ideolgica. Parte desse processo de competio ideolgica o
que Gramsci chama de guerra de posio. Em vez de um ataque frontal
ao Estado, como em algumas revolues, ele achava que na Europa
Ocidental seria preciso um trabalho meticuloso de conquista das
mentes. Em analogia com o que ocorreu nos campos de batalha durante
a Primeira Guerra Mundial, essa conquista seria feita pelos
intelectuais orgnicos em pequenos ataques locais, ao mesmo tempo em
que buscariam a proteo das regras sociais existentes naquele
momento, como na guerra de trincheiras. O papel do intelectual
orgnico agora propagar uma ideologia concorrente quela da frao de
classe dominante.
A revoluo passiva uma estratgia do grupo dominante para
continuar hegemnico em momentos de crise. Um exemplo interessante,
contemporneo, diz respeito a mudanas institucionais como a liberao
gradual de empresas privadas, feitas pelo Partido Comunista Chins
para permanecer no comando da sociedade chinesa.
Quando a revoluo passiva, porm, deixa de funcionar, o grupo
dominante pode tentar o uso da fora para permanecer no poder. Na
disputa pela hegemonia, esse seria o momento para a guerra de
movimento, na forma como ocorreram vrias revolues, com o ataque
aberto das foras revolucionrias. Nesse sentido, Gramsci era
consistente com a viso marxista tradicional.
Do ponto de vista da explicao do processo poltico, fica claro
que a anlise gramsciana implica uma superestrutura ideolgica
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Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
18
dominante que pode ser deslocada por outra. No fundo, a viso
gramsciana inclui um processo competitivo entre fraes de classe na
busca da hegemonia sobre a sociedade civil. H uma alternncia de
poder entre esses grupos em um horizonte temporal de vrias dcadas.
Os intelectuais orgnicos so instrumentos essenciais nesse
processo.
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Joseph Alois Schumpeter (18831950)
Economista de origem austraca, ficou famoso
a partir de 1912 com a publicao de sua tese
doutoral sobre desenvolvimento econmico.
Exerceu os cargos de ministro das finanas
em seu pas e, posteriormente, o de professor
da Universidade Harvard nos EUA. Fonte: . Acesso em: 15
out. 2010.
Anthony Downs
Economista e estudioso das reas de polticas
pblicas e Administrao Pblica. A premissa
de Downs que polticos e eleitores agem
racionalmente. As motivaes dos polticos so
desejos pessoais, como renda, prestgio e poder
derivados dos cargos que ocupam. Como esses
atributos no podem ser obtidos sem que eles sejam eleitos,
as
aes dos polticos tm por objetivo a maximizao do apoio
poltico e suas polticas so orientadas meramente para esse
fim. Fonte: . Acesso em:
15 out. 2010.
Saiba mais
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 19
Schumpeter, Downs e a Concorrncia Poltica
Uma viso alternativa do processo poltico a da concorrncia entre
partidos polticos. Schumpeter (1982), num livro sobre capitalismo,
socialismo e democracia, publicado em 1942, em plena guerra contra
o nazismo, incluiu dois captulos sobre teorias da democracia. Nos
captulos 21 e 22 dessa obra, respectivamente, Schumpeter critica a
Teoria Contratualista e desenvolve as linhas gerais da Teoria da
Concorrncia entre Partidos Polticos com uma ideia que j estava no
ar h vrias dcadas. Downs (1999), com base na teoria de Schumpeter,
escreveu uma tese doutoral sobre o tema e a publicou em 1957 com o
ttulo Uma Teoria Econmica da Democracia. Esse trabalho se tornou
referncia bsica sobre o assunto. Schumpeter e Downs veem o processo
poltico pelas lentes da teoria econmica, inspirados no processo
concorrencial dos mercados de bens e de servios.
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Jonh Fitzgerald Kennedy (19171963)
Foi presidente americano e representava
uma era de esperana, paz e prosperidade.
A seduo que exerceu sobre os americanos
devia-se sua capacidade de estimular seus
ouvintes a aumentarem a confiana no pas
e a terem esperana no futuro. Como democrata, levava uma
mensagem de respeito aos direitos civis e sociais. Fonte: .
Acesso em:
15 out. 2010.
Saiba mais
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
20
Segundo a Teoria Econmica da Democracia, a sociedade composta de
indivduos, que podem ser classificados em trs tipos bsicos:
ff Os cidados: financiam os servios fornecidos pelo setor pblico
e tm preferncias definidas em relao estrutura dos gastos
pblicos.
ff Os polticos: agindo em nome dos cidados, tomam as decises
sobre os servios pblicos.
ff Os burocratas: so os que executam as decises dos
polticos.
Voc conhecia essa classificao de indivduos? A seguir,
veremos cada um deles detalhadamente.
Cidados
Os cidados tm vrias formas de manifestarem suas preferncias. Uma
dessas formas o apoio incondicional ao governo. Assim, o sonho dos
polticos conseguir que os cidados deem apoio incondicional ao
governo, algumas vezes cegamente, como buscam os governos
autoritrios e lderes carismticos eventuais em democracias e, outras
vezes, conscientemente. Essa lealdade
do cidado ao governo pode ter muitos graus. Com um pouco de boa
vontade, possvel tambm ver alguma semelhana com os conceitos
gramscianos de ideologia e de hegemonia. Veja a famosa frase do
presidente americano John Kennedy: No pergunte o que
-
*Lobby aes que
visam influenciar
atividades e deci-
ses das autoridades
pblicas dos Poderes
Executivo, Legislativo
ou Judicirio, median-
te argumentos, persu-
aso ou coao, de
modo que as decises
favoream os interes-
ses de determinado
grupo econmico ou
organizao. Fonte:
Lacombe (2004).
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 21
seu pas pode fazer por voc. Pergunte o que voc pode fazer por
seu pas. Uma verso empresarial : Vista a camisa da empresa. Voc
pode pensar em diferentes interpretaes para essas frases, mas uma
delas a do apoio incondicional, certamente.
Voc sabe como o cidado atua no contexto poltico do nosso
Pas?
Em uma democracia, os cidados so expostos s plataformas polticas
dos partidos durante as campanhas eleitorais. As plataformas e o
perfil ideolgico dos partidos polticos facilitam a escolha dos
eleitores e reduzem os custos de busca de informao sobre as vrias
decises que precisam ser tomadas pelo setor pblico. Por exemplo, em
vez de cada eleitor buscar informaes sobre para quem o governo deve
transferir renda nos programas sociais ou onde construir estradas
em regies distantes da sua, ele apenas presta ateno nas proposies
includas nas plataformas, conforme expressas pelos candidatos aos
cargos pblicos, e nas realizaes efetivas dos partidos quando esto
no poder. Mesmo nesses casos, os custos de informao so altos e o
eleitor tende a esquecer o que ocorreu durante os mandatos,
lembrando apenas dos fatos recentes.
A manifestao dessas preferncias pode ocorrer de diferentes
formas. A mais frequente delas pelo voto, mas possvel ter uma
participao mais direta via manifestaes pblicas ou engajamento em um
partido, dedicando parte do tempo livre para isso. Ou seja, a
pessoa participa com o prprio trabalho. Outra participao mais
direta a doao de recursos, financeiros ou materiais, a candidatos e
a partidos. O lobby*, que pode ser direto, com trabalho prprio ou
via contratao de pessoas especializadas nessa atividade, um tipo de
participao em busca de interesses especficos, tanto pessoais quanto
institucionais, em favor de empresas privadas, de corporaes
profissionais ou de grupos religiosos. Em todos esses casos, os
cidados aceitam a sociedade como ela , com suas instituies. Quando
as pessoas no aceitam as regras de funcionamento da sociedade,
elas
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Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
22
tm duas opes: a revolta ou a emigrao. A emigrao desse tipo mais
adequadamente descrita como exlio voluntrio.
Polticos
Os polticos so vistos, na Teoria da Concorrncia entre Partidos,
como profissionais que oferecem servios de deciso sobre servios
pblicos, tendo como motivao a maximizao de sua prpria renda real.
Mas a renda real vista de uma forma diferente da usual, que
considera o poder de compra dos rendimentos que a pessoa recebe.
Esse termo usado para os polticos talvez por falta de um termo mais
adequado. Um componente dessa renda real a remunerao que os cargos
polticos podem proporcionar. Muitas vezes, um nvel educacional
formal relativamente baixo pode ser compensado pela habilidade de
atrair votos, gerando para o profissional uma renda monetria muito
acima da que conseguiria em empregos regulares. O mesmo argumento
pode ser feito em relao s habilidades para a atividade empresarial,
que podem ser exercidas independentemente da educao formal, embora
a combinao da educao com a habilidade empresarial seja bastante
til. Para polticos que desenvolvem atividades econmicas paralelas,
pessoalmente ou com ajuda de familiares e amigos prximos, muitas
vezes, o exerccio da poltica d acesso antecipado a informaes sobre
a mquina pblica e sobre novas leis ainda em fase de negociao fora
do legislativo. Isso se reverte em vantagens comerciais para o
grupo, nem sempre consideradas moralmente inaceitveis ou proibidas
por lei.
Alm desse rendimento monetrio, h outros componentes nessa renda
real, aos quais os economistas costumam associar equivalentes
monetrios mais como uma simplificao da anlise. O exerccio de cargos
polticos gera satisfao pessoal pelo fato de a pessoa estar em posio
de comando, algo que qualquer pessoa em cargos administrativos
tambm pode sentir. Entretanto, esses cargos
-
vv
So exemplos desses ritos
o batismo e a primeira
comunho dos catlicos, e o
bar mitzvah dos judeus.
Quando perguntado pela
revista poca se sentia
saudade do poder, o
professor e ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso
disse que, alm das pessoas
mais prximas, sentia
falta da piscina do Palcio
Alvorada e do helicptero
presidencial.
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 23
tm seu lado negativo, pois envolvem a soluo de muitos conflitos
entre pessoas e a obrigao de emitir ordens que envolvem, muitas
vezes, consequncias desagradveis. Mas as disputas pelos cargos
mostram que o resultado lquido deve ser positivo na maioria dos
casos, mesmo que essas disputas no ocorram apenas pela satisfao
envolvida. H ainda o aspecto psicolgico de os polticos serem, em
muitos cargos, o centro das atenes e at de respeito e de
considerao.
Na vida privada, muitas festas e ritos de passagem, como a
primeira comunho dos catlicos e os casamentos, so formas de as
pessoas serem o centro das atenes por algumas horas. No caso de
muitos polticos, os ganhos psicolgicos pessoais do exerccio do
poder chegam a ser imensos. Alm disso, tal ateno acompanhada de
benefcios materiais que somente pessoas muito ricas podem ter.
Mas qual interesse predomina na escolha de um poltico ao se
candidatar?
Um poltico, contudo, no pode se lanar como candidato com uma
plataforma na qual declare uma motivao de maximizar sua renda real.
H uma cultura entranhada nas religies e nos valores herdados de
pocas em que os polticos no eram remunerados e nem escolhidos
popularmente. Predomina a ideia de que a representao pblica feita
pela busca desinteressada do bem comum. a ideia do poltico
idealista, que salva a sociedade dos males de causas diversas e da
incompetncia dos polticos que esto no poder. Note que isso
diferente de existirem polticos que buscam o interesse prprio. Em
contrapartida, trazem caractersticas de polticos que se guiam por
princpios ticos rgidos e pela ideologia partidria. Por conta disso,
os polticos procuram disfarar ao mximo os prprios objetivos ou os
dos grupos de interesse que os apoiam no custeio de campanhas
eleitorais. Mesmo em regimes polticos no democrticos, h a
necessidade de os ditadores passarem a imagem do desinteresse
pessoal. Essa necessidade de buscar o bem comum faz com que os
interesses especficos, pessoais ou de grupos, sejam
disfaradamente
-
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
24
apresentados como benefcios sociedade. Nesse aspecto, essa
teoria coincide com a teoria gramsciana.
Os polticos tendem a ser generalistas por conta do grande nmero
de questes discutidas nos rgos legislativos. E exatamente o fato de
terem de entender de tudo que lhes d a imagem de que no entendem de
nada, em comparao aos especialistas que povoam a sociedade,
principalmente aqueles com educao formal em reas especficas. Esse
generalismo permite, muitas vezes, que um mdico, com experincia no
exerccio de vrios cargos de representao poltica, torne-se um
competente Ministro da Fazenda, cargo que muitas pessoas talvez
esperassem que apenas economistas estivessem aptos a exerc-lo. Por
outro lado, o fato de os polticos estarem sempre informados e
entenderem de muitas questes ou estarem bem assessorados por
especialistas em temas mais complexos diminui os custos de busca de
informao para os eleitores; ou seja, em vez de gastar muito tempo
para se informar sobre todos os temas que so de interesse coletivo,
o cidado apenas escolhe seus representantes devido s suas posies
sobre as questes que ele prprio, eleitor, considera importantes. Os
detalhes na hora das decises ficam por conta desses
representantes.
Partidos
Os polticos se agrupam em partidos, que equivalem a empresas
privadas, do ponto de vista de venda de servios, embora as regras
de pertencimento possam ser menos rgidas nos partidos polticos. Uma
plataforma poltica de um partido reflete sua ideologia e resulta em
pacotes de polticas governamentais. Por outro lado, a ideologia
partidria equivale imagem de confiabilidade e de qualidade
associada s marcas das empresas privadas. Alm disso, a composio
complexa das plataformas equivale venda casada, em que a empresa
condiciona a venda de um produto compra de outro. Um exemplo seria
o eleitor que deseja os servios de um
-
*Duoplio situao
de mercado caracte-
rizada pela existncia
de apenas dois vende-
dores de determinada
mercadoria ou servio.
Fonte: Sandroni (1999).
*Oligoplio tipo de
estrutura de mercado,
nas economias capi-
talistas, cujas poucas
empresas vendedo-
ras detm o contro-
le da maior parcela
do mercado. Fonte:
Sandroni (1999).
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 25
novo posto de sade no seu bairro. Ao votar em um candidato que
promete esse posto, ele pode ter de ajudar no pagamento de um
viaduto em outra parte da cidade. Esse exemplo ilustra o outro lado
da moeda: junto com as promessas de benefcios via gastos pblicos h
a conta de impostos. Os eleitores tm conscincia disso, embora
saibam que o efeito individual pequeno, pelo menos quando se trata
de acrscimos de impostos em cima de uma conta j grande.
Uma vez no poder, o partido e os respectivos polticos tm o
monoplio da representao durante o mandato. Isso significa que podem
agir de forma independente dos interesses do eleitor. Esse monoplio
somente ser contestado ao final do mandato, que pode ter durao
fixa, em democracias como a brasileira, ou varivel, como no
parlamentarismo. O equivalente ao trmino de um mandato em regimes
autoritrios a derrubada do grupo que est no poder por um grupo
rival. Nesses regimes, dependendo da aceitao popular, esse exerccio
de poder pode ter longa durao at que seja contestado. Em casos de
duoplio* ou oligoplio*, a concorrncia desses grupos pode envolver
conflitos, pois entre empresas ocorrem guerras de preos. Entre os
grupos rivais que buscam o poder autoritrio, monopolista, muitas
vezes h conflitos armados.
As vantagens do poder, monetrias ou no, so distribudas em geral
via coordenao dos partidos, por isso a usual distribuio dos cargos
de confiana com base em alianas polticas. Contudo, em um ambiente
em que ocorre forte concorrncia, essas vantagens tendem a diminuir,
pois o exagero em seu uso pode ser tomado pelos partidos de oposio
como elementos de suas plataformas, na forma de crticas aos
partidos da situao. Ao mesmo tempo, exatamente esse processo
competitivo que permite melhor ajuste das aes poltico-partidrias s
preferncias dos eleitores. Quanto melhor for esse ajuste, mais
prximo do atendimento do bem comum estar o processo poltico, agora
definido de baixo para cima.
Essa ideia de reduo dos lucros muito altos devido competio entre
empresas ponto central nas explicaes de como funcionam mercados com
alto grau de competio. E, assim como as empresas no gostam de
competio, os partidos polticos tambm
-
vVoc pode comparar a presente discusso sobre burocracia com
a conceituao vista na
Unidade 5 da disciplina
Teorias da Administrao
I, nas Unidades 3 e 5
da disciplina Teorias da
Administrao ii e na
Unidade 2 da disciplina
Teorias da Administrao
Pblica.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
26
criticam o grande nmero de partidos, por isso a defesa frequente
de leis que restringem esse nmero.
No Brasil houve o estmulo ao surgimento de muitos partidos por
conta de regras para o uso de tempo obrigatrio na televiso e do
acesso a fundos pblicos para esses partidos. Por um lado, isso
saudvel, pois aumenta a competio poltica, mas, por outro, torna
ineficiente o debate na televiso e at no funcionamento do Poder
Legislativo.
Burocratas
Os burocratas, normalmente chamados de funcionrios pblicos,
tocam a mquina governamental. A burocracia uma estrutura com funes,
em geral hierarquizadas, e com rotinas pr-determinadas de servios
em que as pessoas so substituveis. Como inveno, precedeu a tcnica
de peas intercambiveis da indstria, tendo aparecido j na
Antiguidade. , tambm, a forma como as empresas so organizadas,
sendo os burocratas privados chamados de empregados ou de
funcionrios. Tcnicas administrativas de motivao portam designaes
alternativas para os burocratas do setor privado, como a de
colaborador, tendo sado de moda a de recursos humanos.
Talvez por crticas a casos de ineficincia administrativa no
setor pblico e pelo poder discricionrio que os burocratas possuem
sobre os cidados em Estados autoritrios, h uma imagem negativa
associada ao termo burocrata, surgida ao longo do sculo XX. Ns
mantemos o termo nesta disciplina por ele ter um sentido neutro na
teoria econmica que agora discutimos. Por exemplo, nesse contexto,
os professores universitrios so tambm burocratas. Podemos sentir
orgulho de saber que as estruturas burocrticas foram invenes que
viabilizaram o crescente grau de complexidade das
-
vVeja a breve matria sobre o tema quarentena, no stio do
Servidor Pblico, acessando
.
Acesso em: 27 jan. 2011.
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 27
sociedades e das civilizaes desde a Antiguidade. Em nossa poca,
ocorre apenas o aperfeioamento dessas estruturas organizacionais. O
prprio curso que voc faz neste momento parte do treinamento de
pessoas que podero substituir outras.
No que diz respeito aos objetivos pessoais, o burocrata maximiza
sua renda real, que composta de remunerao em termos monetrios, de
condies de trabalho e, eventualmente, de exerccio do poder, quando
em cargos de direo. Certos cargos pblicos do um bom conhecimento da
mquina governamental, e isso possibilita o exerccio de funes em
empresas privadas. Essa possibilidade de alcanar salrios maiores
posteriormente tambm parte da renda real ao longo da carreira
desses funcionrios, algumas vezes com salrios abaixo do mercado
para funes equivalentes em empresas privadas. Para evitar
vantagens, consideradas indevidas, a essas empresas, a passagem de
certos funcionrios pblicos ao setor privado frequentemente cercada
de restries. Um exemplo de funcionrios pblicos que sofrem essa
restrio so os funcionrios do alto escalo do Banco Central, que tm
por obrigao aguardar um perodo de quatro meses, no qual mantida a
remunerao do cargo que era exercido, antes da assuno de cargos no
setor financeiro privado. Esse perodo de espera chamado de
quarentena, que um termo adaptado da rea mdica.
O poder de burocratas em cargos de direo depende, em essncia, do
tamanho do rgo burocrtico que dirigem, definido pelo tamanho de
suas dotaes oramentrias anuais, dos ativos imobilizados de que
dispe e do nmero de funcionrios que controla. Esses cargos so
normalmente preenchidos por critrios polticos, exatamente por causa
das consequncias polticas que tm. Mas o nmero desses cargos varia
de pas a pas e, aparentemente, depende do grau de maturidade dos
regimes democrticos. A prpria concorrncia poltica e a frequente
alternncia de partidos no poder motivam a diminuio do nmero desses
cargos no longo prazo, como forma de diminuir as vantagens
eleitorais do partido de situao.
Um tipo especial de burocrata o tecnoburocrata. Este um
funcionrio especializado que em geral dirige importantes rgos
pblicos. No Brasil, os tecnoburocratas ganham identidade com os
-
Eugnio Gudin (18861996)
Engenheiro, economista e professor da UFRJ, foi tambm
Ministro da Fazenda (1954). Influenciou fortemente as
reformas
institucionais que levaram criao do Banco Central do Brasil.
Fonte: Sandroni (1999).
Roberto de Oliveira Campos (19172001)
Diplomata, economista, escritor e professor, foi presidente
do
Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico (BNDE) (1958
1959) e Ministro de Planejamento (19641967). Fonte: . Acesso em:
28 fev. 2011.
Celso Furtado (19202004)
Advogado e economista, foi diretor do BNDE (1953).
Idealizador
e primeiro dirigente da Superintendncia do Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE), foi Ministro de Planejamento (1961
1964). Fonte: Sandroni (1999).
Saiba mais
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
28
economistas e com os engenheiros que tiveram grande importncia
entre os anos 1950 e 1970. Essa variante do burocrata ajudou a
criar o sistema financeiro brasileiro e as grandes empresas
estatais, alm de todo o sistema de planejamento governamental.
Entre os exemplos mais importantes esto Eugnio Gudin, Roberto de
Oliveira Campos e Celso Furtado.
Poderes e Nveis de Governo
A questo fundamental que essa viso do processo poltico, baseada
na concorrncia entre partidos polticos, procura responder : como os
interesses dos cidados so em ltima anlise atendidos?
Nas democracias, os polticos precisam concorrer entre si para
conseguir que os cidados digam sim as suas plataformas e
ideologias. A ligao entre os polticos e os burocratas tende a
ocorrer de forma hierrquica dentro de cada poder.
A diviso em poderes Legislativo, Executivo e Judicirio uma forma
de dividir trabalho na burocracia governamental e, ao mesmo tempo,
de diminuir o poder poltico. A diviso em nveis de governo tambm
pode ser vista como uma desconcentrao de poder e de busca de maior
competio entre os polticos. Os grupos de
-
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 29
interesse tambm concorrem entre si, tanto em democracias quanto
em regimes autoritrios.
Nos regimes autoritrios, a concorrncia pode passar por longos
perodos de estabilidade enquanto o monoplio mantido, mas a
contestao do poder por novos concorrentes pode gerar instabilidade
at que o novo grupo consiga se legitimar politicamente. Mas isso,
como nos mercados, tambm competio. Assim, a resposta de como os
interesses dos cidados so atendidos, embora com desvios eventuais,
pela competio poltica, de forma parecida com o que ocorre entre as
empresas privadas.
Complementando...
Amplie seu conhecimento por meio das indicaes a seguir:
Estado e Teoria Poltica de Martin Carnoy. Esse um texto didtico
que aborda as vrias correntes marxistas.
Gramsci de Ivete Simionatto. Essa obra traz um aprofundamento
acerca das ideias polticas gramscianas.
Fundamentos da Economia de Jos L. de Carvalho et al. Essa obra,
em seu volume 1, captulo 6, apresenta uma exposio didtica da viso
schumpeteriana da concorrncia entre partidos, com nfase nos tipos
de agentes econmicos cidados, polticos e tecnoburocratas.
O Fiscal do Fiscal e o Combate Corrupo de Joo Rogrio Sanson.
Esse estudo aborda o papel da competio poltica no combate corrupo.
Disponvel em: . Acesso em: 12 nov. 2010.
Estudo: Suspeito de Corrupo tem Taxa de Reeleio Baixa da Agncia
Cmara. Essa publicao apresenta evidncias de como a corrupo
prejudica a reeleio. Disponvel em: . Acesso em: 12 nov. 2010.
-
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
30
ResumindoNesta Unidade, voc estudou duas teorias de Estado.
A teoria gramsciana enfatiza a hegemonia de fraes de classes
sociais, mantida por uma viso de mundo, a ideologia, que
propagada por seus intelectuais orgnicos. Essa liderana est
sujeita a contestaes por parte de outras fraes de classes
que apresentam ideologias alternativas. No longo prazo, com
a
eventual crise da classe hegemnica, que pode resistir tempo-
rariamente at pela fora, d-se a alternncia de poder. Por sua
vez, a Teoria da Concorrncia entre Partidos explica o
funciona-
mento do Estado a partir de comportamentos individuais. Em
um ambiente de alta concorrncia entre os polticos, organi-
zados em partidos polticos, a burocracia estatal, sob direo
dos polticos, deve atender s preferncias dos eleitores. Ao
mesmo tempo, essa concorrncia reduz as vantagens do poder
ao mnimo necessrio para reter os polticos interessados na
atividade. H, porm, fatores que restringem a velocidade de
ajuste a mudanas nessas preferncias, como a autonomia que
os polticos tm de desconsiderarem os interesses de seus
elei-
tores no curto prazo, como os eleitores que tm memria curta
em relao aos atos dos polticos e como o fato de grupos de
polticos evitarem a concorrncia, o que conseguido em alto
grau por governos autoritrios. Em comum, as duas teorias tm
as ideias da possvel alternncia no poder e de como o atendi-
mento das necessidades pblicas mais efetivo com essa alter-
nncia.
-
Unidade 1 estado e economia
Mdulo 4 31
Atividades de aprendizagem
1. Qual o papel da ideologia na hegemonia de um grupo sobre a
socie-
dade civil?
2. Caracterize o conceito de hegemonia, relacionando-o crise
hege-
mnica e revoluo passiva.
3. Novas ideologias so usadas como instrumento de contestao
ao
grupo hegemnico. Como os conceitos de intelectual orgnico e
de
guerra de posio se encaixam nesse processo?
4. Considere as sentenas, a seguir, e indique-as como falsas ou
verda-
deiras. Justifique sua escolha.
Na teoria poltica inspirada na concorrncia entre empresas:
a) os cidados escolhem combinaes de bens e de servios
pblicos por meio de plataformas de partidos polticos;
b) os burocratas so generalistas que tomam as decises
sobre as mltiplas questes que aparecem nas platafor-
mas polticas; e
c) plataformas polticas so um meio de reduzir custos de
informao na hora de escolher entre diferentes combi-
naes de bens e de servios pblicos.
Agora chegou a hora de voc recordar o contedo que estudou nesta
Unidade. Para tal, preparamos para voc algumas atividades, faa-as e
no hesite em voltar ao contedo para respond-las. Voc deve redigir
seu prprio texto, evite simplesmente copiar e colar. Em caso de
dvida, procure o seu tutor.
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 33
UNIDADE 2Os Setores
Pblico e Privado
Objetivos especficos de aprendizagem
Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de:
ff Distinguir entre diferentes tipos de bens, classificados de
acordo
com a forma como so consumidos;
ff Identificar porque muito caro cobrar por alguns tipos de
benefcios ou conseguir indenizao por sacrifcios sofridos;
ff Avaliar o tamanho do setor pblico pela renda total auferida
via
tributos; e
ff Distinguir entre duas conhecidas explicaes de porque o
setor
pblico vem tendo participao crescente na economia nas
ltimas dcadas.
-
Imprio Inca
A Sociedade Inca tinha uma economia totalmente centralizada,
a ponto de nem ter dinheiro como meio de troca, embora fosse
sofisticada produtora de objetos de ouro e de prata. A
produo
de bens era administrada coletivamente nas prprias vilas e
com trocas de bens tambm coordenadas coletivamente entre
elas. O governo central cuidava principalmente da coordenao
poltico-religiosa, do controle militar do imprio, da
tributao
e da infraestrutura de transporte. Fonte: Elaborado pelo
autor.
Saiba mais
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 35
A Fronteira entre os Setores Pblico e Privado
Uma das sociedades antigas em que tudo era setor pblico foi o
Imprio Inca. Outros casos dessa centralizao foram os experimentos
socialistas do sculo XX. O caso mais marcante historicamente foi o
da sociedade russa, na forma do experimento socialista sovitico.
Nessas sociedades, as decises alocativas eram totalmente
centralizadas e decididas por um corpo de funcionrios pblicos, o
que tornava a sociedade uma grande fazenda, como no Imprio Inca; ou
uma grande fbrica,
Caro estudante,
As decises sobre a alocao de recursos em algumas sociedades so
centralizadas e decididas por um corpo de funcionrios pblicos.
Historicamente, em sociedades muito antigas, ocorreu a gradual
descentralizao das decises de produo e de distribuio de bens com a
ajuda de mercados informais e depois institucionalizados. Mas como
podemos explicar essa descentralizao? Por que nem toda produo de
bens e de servios privatizvel? Como explicar os casos em que o
setor pblico apenas regulamenta a produo privada? Pela caracterizao
de diferentes tipos de bens e de servios, voc poder explicar a
diviso de trabalho entre o setor pblico e o setor privado.
Bons estudos!
-
Experimento socialista sovitico
O antigo imprio russo evoluiu para a Unio das
Repblicas Socialistas Soviticas em 1922 e durou
at 1991. Foi tambm um experimento social em que
todas as decises produtivas, especialmente no setor
industrial, eram feitas por rgos de planejamento
central. Fonte: Elaborado pelo autor.
Saiba mais
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
36
como no experimento socialista sovitico. Historicamente,
portanto, a partir de sociedades muito antigas, ocorreu a gradual
descentralizao das decises de produo e de distribuio de bens com a
ajuda de mercados informais e, depois, com mercados
institucionalizados.
Como podemos explicar essa descentralizao? Por que nem
toda produo de bens e de servios privatizvel? Como
explicar os casos em que o setor pblico apenas regulamenta a
produo privada?
A seguir, explicaremos a diviso de trabalho entre o setor pblico
e o setor privado pela caracterizao de diferentes tipos de bens e
de servios.
Rivalidade e Excluso
Inicialmente, classificamos bens e servios com base em duas
caractersticas: a rivalidade no consumo e a excluso de consumo. A
caracterstica da rivalidade tem um sentido fsico, de ocupao de
espao. Um bem ou servio consumido por uma pessoa rival no sentido
de que apenas ela pode fazer isso, pois no momento em que o consumo
ocorre no h possibilidade de outra pessoa faz-lo ao mesmo
tempo.
Exemplos de bens ou de servios com rivalidade: um delicioso
prato de carne de sol, uma cerveja bem gelada, um copo de gua
fresca, um bom atendimento mdico. Vrias pessoas tambm podem
consumir juntas uma poro de camaro acompanhada de uma cerveja bem
gelada, mas as quantidades ingeridas por cada
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 37
pessoa so consumidas apenas por elas. Veja, em contraste, alguns
exemplos de servios no rivais: a defesa nacional ou os sinais de TV
aberta. No caso de no rivalidade, muitas pessoas se beneficiam
simultaneamente do servio. Essa classificao de bens e de servios
segundo a rivalidade no consumo apenas admite duas opes: rival e no
rival.
A caracterstica da excluso de consumo ocorre quando possvel
impedir que algum possa consumir um determinado bem ou servio. A
excluso tende a ocorrer em casos de escassez do bem ou do servio em
questo. Bens livres, para os quais a disponibilidade est acima da
demanda, tanto no presente como em um futuro no muito distante,
podem ser consumidos vontade sem gerar excluso. Como exemplos,
temos o ar que respiramos e a gua. Veremos adiante que a poluio
muda essa situao.
Como voc considera ser possvel efetivar essa excluso? Quais
os graus de excluso admissveis?
A excluso pode ser difcil e cara, criando diferentes graus de
excluso possveis. Do ponto de vista dos custos, h muitas
possibilidades de formas de excluso. Uma forma institucional de
implementar a excluso de consumo, que envolve convenes ou normas
sociais, a do reconhecimento de direitos de propriedade. A
propriedade pode ser privada ou coletiva. A propriedade coletiva
envolve a excluso de quem no pertence quele grupo social. Alis,
isso est implcito na defesa de territrios por foras armadas.
A propriedade privada envolve a excluso de consumo dentro da
prpria sociedade. Assim, se voc possui um livro e as demais pessoas
reconhecem sua propriedade sobre ele, voc pode impedir outras
pessoas de o lerem. por isso que voc diz a seu amigo que poder lhe
emprestar o livro quando voc no o estiver necessitando. Voc tambm
pode emprestar algum tipo de alimento com a expectativa de que ter
de volta algo equivalente mais tarde. Se a devoluo ocorrer, isso
implica o reconhecimento de seu direito
-
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
38
de propriedade sobre o alimento emprestado. Contudo, quando se
trata de amigos, mais realstico considerar isso como doao. Eles at
reconhecem seu direito de propriedade, mas a clssica resposta do
devo, no nego, mas pago quando puder pode tornar intil esse
direito.
Os diferentes graus de excluso dependem da tecnologia para isso
e dos correspondentes custos. Por exemplo, excluir as pessoas de
assistirem a um jogo de futebol envolve os altos custos de construo
de um estdio. O conforto dado s pessoas, que nem sempre l essas
coisas, vem acompanhado da excluso dos no pagantes. So exemplos de
excluso a baixo custo: comidas de restaurantes, alimentos vendidos
em feiras, remdios ou servios mdicos. Exemplos de excluso cara:
peixes num grande lago, em rios ou no mar; ou espaos para veculos
rodarem numa estrada. Os sinais da TV aberta so um exemplo em que
se desiste da excluso, embora TV a cabo ou por satlite sejam
exemplos de excluso possvel para um servio no rival, apesar dos
altos custos.Se algum contratar os servios de uma empresa privada
para obras de saneamento na rea de sua residncia, ter muitas
dificuldades em excluir os vizinhos desse benefcio. Logo, a
classificao dos bens pela possibilidade da excluso de consumo
envolve um nmero muito grande de tipos de bens possveis.
Combinando as duas formas de classificao de bens e de servios,
ou seja, segundo a rivalidade ou a excluso, podemos definir vrios
tipos de bens. Em um extremo da dupla classificao, se o bem no
rival no consumo e se a excluso muito cara, ele chamado de bem
pblico.
Note que nessa definio no dizemos que o bem tem de ser produzido
pelo setor pblico para que seja caracterizado como bem pblico. Por
exemplo, em regies de fronteira, onde os servios de segurana pblica
ainda no chegaram ou so ineficazes, as pessoas podem formar uma
brigada de voluntrios ou at de vigias particulares
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 39
para se protegerem de ladres de gado. Assim, todos os
agricultores e os criadores de gado da rea so protegidos
simultaneamente. Isso tambm ocorre quando as pessoas pagam por
servios de vigilncia em uma determinada rua. Em algumas regies do
Brasil, as pessoas fazem trabalho comunitrio para a limpeza de
riachos e de valetas de escoamento de gua e de esgoto, com benefcio
simultneo para toda a localidade. A principal consequncia para os
que no colaboram , s vezes, o isolamento e o tratamento com o olhar
de desprezo dado aos indivduos que tiram proveito excessivo de seus
pares.
No outro extremo, se o bem envolve rivalidade e a excluso de
baixo custo, ele um bem privado. Esse o caso da carne de sol e da
cerveja.
A linguagem miditica tende a definir bens privados como aqueles
com proviso de mercado e bens pblicos como aqueles de proviso
pblica. Em geral, isso reflete um estudo apressado desses
conceitos, mas possvel que a influncia da mdia, no uso do termo,
seja maior do que a da academia no longo prazo.
Um caso intermedirio ocorre quando o bem rival, mas a excluso
cara. Esse o caso dos bens de uso comum. Um exemplo bastante
relevante para nossa poca a camada de oznio e a atmosfera como um
todo. A emisso de gases que destroem uma parte da camada de oznio,
na realidade consome aquela parte da camada. Como difcil definir
quem o dono da camada, quem chegar primeiro a consome.
Isso ilustrado mais diretamente por reas de pesca. Como difcil
definir a propriedade da maioria das reas de pesca, especialmente
nos mares internacionais, os donos dos grandes peixes ameaados de
extino so os que primeiro os capturam. Contudo, se esses pescadores
colocarem esses peixes de volta no mar, outros podem pesc-los e o
sacrifcio de no consumi-los ter sido em vo. O sacrifcio individual,
mas o benefcio de deixar os peixes atingirem idade apropriada para
no os ameaar de extino dividida com todos os pescadores. Logo, o
sacrifcio de deixar para pescar mais tarde muito maior do que o
beneficio de deixar para depois.
Porm, h situaes em que a excluso vivel, seja por acerto
comunitrio ou internacional, como os acordos para a preservao
-
vVoc ver mais sobre a regulao de empresas de utilidade pblica
na
disciplina Gesto da
Regulao.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
40
de espcies de baleias, os quais podem ocorrer por regulao
estatal, dentro de pases ou de mares cercados por poucos pases. No
caso da pesca, possvel haver a excluso quando se definem direitos
de propriedade sobre pequenas lagoas, como o sistema pesque e
pague, mas, nessas situaes, a pesca deixa de funcionar em regime de
recursos de uso comum para se tornar um bem privado.
Podemos sistematizar essa classificao de bens com ajuda do
Quadro 1. Para a combinao de rivalidade com baixos custos de
excluso, conforme o Quadro 1, temos o caso dos bens privados puros.
Outro caso extremo de bens pblicos puros, normalmente mencionados
na literatura de finanas pblicas apenas como bens pblicos. A
variabilidade dos custos de excluso gera casos mistos. Fica fcil
tambm localizar os bens de uso comum:
Rivalidade
Sim No
Custo de excluso
Baixo Privado puro Pblico privatizvel
Nveis intermedirios Misto Misto
Alto Uso comum Pblico puro
Quadro 1: Tipos de bens, segundo o custo de excluso e a
rivalidade Fonte: Adaptado de Jones (2000)
A partir da explicao da fronteira entre os setores pblico e
privado, podemos concluir que os Estados poderiam liberar para a
atividade privada aqueles bens em que a excluso barata,
independente de o bem ser rival ou no no consumo. Por exemplo, a
produo e at a proviso de remdios so em geral atividades do setor
privado, dada a facilidade da excluso. J a proviso de servios de
segurana pblica, cuja excluso difcil, normalmente fica nas mos do
setor pblico, embora a produo possa ocorrer via setor privado. Isso
tambm ocorre com a infraestrutura de transporte. Por exemplo, o
Estado prov os servios de estradas e de portos, mas a produo
privada, com pagamento pelo Estado, que na verdade apenas repassa
tributos.
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 41
Externalidades
O entendimento relativo s razes pelas quais a produo de bens e
de servios claramente privados e a de bens rivais de excluso barata
muitas vezes mantida publicamente necessita de mais um conceito: o
de externalidades. No caso de bens privados puros, o preo pago
pelos compradores reflete os benefcios proporcionados a eles por
esses bens, enquanto o mesmo preo, do ponto de vista dos
vendedores, reflete os custos de produo. Mas h casos em que
benefcios ou custos esto envolvidos sem que as instituies permitam
a cobrana de tais benefcios ou o ressarcimento de custos. No h,
portanto, um mercado para tais benefcios ou custos. uma falha
institucional que impede o acerto entre as partes do negcio sobre o
que a mercadoria ou de como cobrar adequadamente por ela. Do ponto
de vista institucional, o mais comum dizer que ocorre uma falha do
mercado.
Se h custos desconsiderados ou externos a uma transao de
mercado, dizemos que ocorrem externalidades negativas. Nesse caso,
a produo seria superior obtida se todos os custos fossem
considerados. Um exemplo importante o de agroindstrias avcolas que
poluem um rio. A poluio afeta o uso do rio como fonte de gua potvel
ou de lazer para a populao rio abaixo. Os compradores de frango nos
supermercados pagam um preo inferior ao que pagariam se os custos
de evitar a poluio fossem considerados. A quantidade de equilbrio
entre oferta e demanda nesse mercado maior do que a compatvel com
os verdadeiros custos, chamados de custos sociais.
Em princpio, drogas so bens privados. No entanto, seus efeitos
psicolgicos redundam em comportamentos socialmente inadequados,
que, muitas vezes, resultam em violncia contra terceiros, como no
caso de acidentes de trnsito, ou em doenas altamente custosas para
usurios e para pessoas expostas indiretamente a seus efeitos, como
o caso dos derivados do tabaco. Em uma sociedade com acesso
universal sade, isso resulta tambm em sobrecarga nas despesas
pblicas. A soluo para essas externalidades negativas tem sido a
proibio pura e simples de seu consumo ou a sua restrio,
-
vReleia o trecho sobre o
conceito de elasticidade
na Unidade 3 da disciplina
Introduo Economia.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
42
ignorando as preferncias dos usurios. Uma soluo frequente, que
respeita as preferncias dos usurios, a tributao bastante alta das
drogas lcitas de forma a compensar a sociedade por esses custos.
Mas nos casos de viciados, cuja elasticidade-preo da demanda
extremamente baixa, de modo a incorrer em pequena queda de
quantidade demandada por conta de grandes variaes de preos, a
tributao tem o efeito indesejado de piorar a situao de pessoas de
baixa renda e, tambm, de aumentar as despesas pblicas de sade.
Mas h casos em que ocorrem externalidades positivas, por conta
de benefcios que so desconsiderados em uma dada transao. Por
exemplo, uma empresa privada investe em Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) de novos produtos, mas pode ter os resultados copiados
por outras empresas que se beneficiaro sem ter contabilizado todos
os custos. Isso vale tambm para a autoria de trabalhos
intelectuais. Como as empresas que efetivamente gastam em P&D
apenas contabilizam seus prprios benefcios, investiro menos em
P&D do que se pudessem cobrar por todos os benefcios gerados
para a sociedade.
Outro exemplo o de um indivduo que tem hbitos de limpeza e de
ordem ao redor da sua residncia, embelezando-a com jardins, mas
evitando os criadouros de insetos transmissores de doenas. Ele
gera, desse modo, benefcios para os vizinhos. Como ele tem custos
para fazer isso, s levar em considerao os prprios benefcios, que tm
talvez mais a ver com a prpria satisfao de viver num ambiente bem
organizado do que com o combate a epidemias. O resultado um menor
investimento nesse tipo de atividade do que seria o nvel timo para
a sociedade. Mas se vrios vizinhos tiverem preferncias parecidas,
poder ocorrer um efeito em rede, em que quanto mais pessoas fizerem
o mesmo, maiores sero os benefcios para o grupo em termos puramente
estticos. Nesse caso, haveria um efeito adicional de combate
proliferao dos mosquitos.
Esses benefcios ou sacrifcios extras podem envolver os
diferentes tipos de bens, segundo a rivalidade e a excluso. Em
geral, os casos de no rivalidade e de altos custos de excluso so
mantidos nas mos do Estado. Contudo, se os custos de excluso forem
relativamente baixos, a externalidade pode ser solucionada via
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 43
contratos mercantis. Podemos pensar no exemplo de um produtor de
mel de abelha beneficiando plantadores de frutas das redondezas.
Normalmente, esse servio no remunerado e o produtor de mel leva em
conta somente seus prprios benefcios. Dependendo do tamanho dessas
atividades, pode ser vivel a algum se especializar no servio de
polinizao, deslocando as colmeias de acordo com a remunerao
recebida de produtos que se beneficiem de uma polinizao mais
intensiva.
H casos em que mesmo se tratando de bens privados, o governo
mantm a sua produo pblica. Um exemplo importante disso foi a produo
de ao brasileiro por uma empresa estatal, a Companhia Siderrgica
Nacional (CSN). Criada na Era Vargas para produzir e comercializar
um bem privado puro, a CSN envolvia externalidades ligadas defesa
nacional, segundo a avaliao poltico-militar durante um perodo de
grandes guerras mundiais. Em decorrncia disso, o Governo Federal
considerou essencial, poca, que o controle total da produo fosse
pblico.
Bens ou servios no rivais tm uma dimenso espacial, o que pode
lhes dar caractersticas locais. Um primeiro exemplo em que podemos
pensar a iluminao pblica, cujo alcance do servio limitado pela
potncia das lmpadas. apenas naquele permetro que vrias pessoas
podem se beneficiar do servio simultaneamente. Outro exemplo da
proteo contra certas doenas via obras de saneamento. Dada a
dificuldade de excluso de beneficirios, esses so servios encampados
pelo setor pblico.
Podemos pensar que o mesmo vale para externalidades.
Imagine como a poluio industrial de um rio pode afetar vrios
pases ou, em menor grau, vrios municpios. Um problema
contemporneo importante a poluio atmosfrica e a forte
possibilidade de aquecimento global.
-
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
44
Nesses casos, as diferentes unidades polticas precisariam
coordenar suas aes, como faria um grupo de indivduos em uma vila
remota para resolver problemas de externalidades. Dentro de um pas,
a prpria organizao do governo em diferentes nveis pode ser
parcialmente explicada pelas demandas locais. A iluminao pblica,
por exemplo, tem decises completamente locais. No entanto, a poluio
de um rio que afeta vrios municpios ao mesmo tempo j seria uma
questo regional ou estadual. Quando esses diferentes nveis de
governo tm relativa autonomia, temos a interveno da estrutura
federal de governo.
Portanto, a fronteira entre os setores pblico e privado
explicvel, em boa medida, pela existncia de bens com possvel
rivalidade, diferentes graus de exclusividade e de externalidade
associados a bens que normalmente ficariam nas mos do setor
privado. Quando ultrapassamos a fronteira do privado para o pblico,
dizemos que h falhas nas instituies de mercado que levam a ou mantm
a produo estatal.
-
vReleia a Teoria da
Regulao apresentada
de forma mais ampla na
Unidade 6 da disciplina
Introduo Economia.
vReleia a discusso sobre monoplios apresentada na Unidade 3 da
disciplina
Introduo Economia.
vConhea alguns desses
rgos, consultando os
sites sugeridos na seo
Complementando.
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 45
Regulamentao de Utilidades Pblicas
H uma rea cinzenta na fronteira entre os setores pblico e
privado que vai alm das consequncias das externalidades. Um exemplo
disso a regulamentao de atividades sob concesso pblica. Alguns
servios, mesmo quando produzidos pelo setor privado, esto sujeitos
regulamentao especial, em comparao com as atividades usuais de
produo de bens privados puros. Uma das razes para isso que a
tecnologia de produo e a natureza do bem ou do servio implicam
grande poder de mercado, ou monoplio natural para as empresas
produtoras. Esse o caso da produo e da distribuio de energia
eltrica, do transporte pblico, dos servios porturios, entre outros.
O excesso de poder de mercado, quando no contestvel por
concorrentes potenciais, leva a preos relativamente altos e a
produes relativamente baixas se comparados aos que a organizao
faria em um contexto competitivo. Isso motiva, muitas vezes, a
regulamentao de preos desses setores.
Mas como regulamentar essas atividades? Quais as
alternativas
para o controle de preos em servios sob concesso pblica?
A regulamentao de atividades sob concesso pblica pode ser feita
de vrias maneiras. Uma delas pela garantia institucional da
concorrncia entre as empresas privadas. Para isso, existem no
Brasil vrios rgos de defesa da concorrncia, como o Conselho
Administrativo de Defesa Econmica (CADE) e a Secretaria de Direito
Econmico (SDE). Para alguns setores, foram criadas as agncias
-
*Custo marginal
variao no custo total
por unidade produzida
de um bem a partir de
determinado nvel de
produo; o que signi-
fica que os custos fixos
no o influenciam.
Fonte: Elaborado pelo
autor.
*Custo de oportunida-
de custos represen-
tados pelos recursos
prprios, como capital
e mo de obra, que
deixam de ter remu-
nerao no mercado
ao serem utilizados
na prpria empresa.
Fonte: Elaborado pelo
autor.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
46
reguladoras setoriais, como a Agncia Nacional do Petrleo (ANP) e
a Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL). Para proteo contra
presses das prprias empresas reguladas e para garantir que motivaes
polticas governamentais de curto prazo no interfiram na
regulamentao dos servios, essas agncias em geral tm uma razovel
autonomia de deciso, e seus diretores tm mandatos que no coincidem
com os mandatos dos polticos.
Outra maneira de regular as utilidades pblicas pelo controle dos
preos do setor, ou melhor, pela definio dos reajustes. A ideia
considerar as variaes de custos de produo, o que inclui os bens e
os servios, entre os quais os de mo de obra, utilizados na produo
do servio. O ideal seria definir preos que cobrissem os custos por
unidade decorrentes de variaes de produo a partir do nvel de produo
em que a empresa opera. Isso chamado de cobrana pelo custo
marginal*. Mas a cobrana pelo custo marginal pode gerar prejuzos
para a organizao. Essa forma de cobrana no garante a cobertura dos
custos totais, pois preciso considerar tambm os custos fixos, que
so os que a empresa tem independentemente de produzir algo, e os
custos de oportunidade*. Em caso de estatizao, um custo de
oportunidade para a sociedade.
Para evitar o prejuzo no longo prazo, que inviabilizaria a
organizao e a prpria produo privada do servio, uma forma
alternativa de regulao de preos dividir o custo total pelo nmero de
unidades produzidas e definir o preo por esse custo mdio. O
problema com essa regulao que as empresa tm incentivos para relaxar
na eficincia tcnica. A busca da eficincia tcnica depende de
incentivo minimizao dos custos para cada nvel de produo. Na
determinao do preo pelo custo mdio, tambm os nveis de custos acima
do mnimo sero cobertos, pois a identificao desse mnimo, na ausncia
de critrios de lucratividade, muito difcil. No longo prazo, o
objetivo de reduzir preos no seria atendido, com o risco de o preo
tornar-se superior ao de monoplio. O rgo regulador pode tentar um
controle total da empresa com funcionrios que de alguma forma se
importem com a lucratividade do capital aplicado na atividade.
Nesse contexto, estaramos falando de um arranjo diferente, pois
seria, efetivamente, a estatizao do setor.
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 47
Podemos ainda regular pela definio de preos, tendo uma margem de
lucro sobre o capital que seja socialmente aceitvel para o setor.
Nesse caso, a busca ainda seria por preos prximos do custo mdio.
Dependendo da estrutura de custos, o setor pblico pode ter de dar
subsdios a essas empresas a partir do oramento pblico.
Como voc pode ver, h muitas alternativas para a regulao
de preos em reas de utilidades pblicas se o Estado quiser
estimular maior produo e melhores preos para a populao.
Alm dessas atividades, o Estado pode produzir diretamente bens e
servios, o que veremos na Unidade 4 pelas despesas oramentrias.
Outra atividade fundamental a redistribuio de renda, a ser
discutida tambm na Unidade 4. Nossos prximos passos sero,
inicialmente, definir uma medida do tamanho relativo do setor
pblico e, depois, explicar sua crescente participao na economia ao
longo das ltimas dcadas.
-
vEvite usar a expresso
carga tributria em sentido
equivalente estrutura
tributria (lista de tributos
vigentes no pas), pois so
conceitos diferentes. Para
relembrar o conceito de
PIB, releia o trecho sobre
Macroeconomia da Unidade
3 da disciplina Introduo
Economia.
*Imposto inflacion-
rio incide sobre o
dinheiro em circula-
o e calculado pelo
custo de oportunidade
de as pessoas reterem
esse dinheiro menos as
despesas de produzi-
-lo. Fonte: Elaborado
pelo autor.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
48
Carga Tributria
A carga tributria, que dada pela relao entre a arrecadao
tributria e o Produto Interno Bruto (PIB), propicia uma das formas
de medirmos o tamanho da interveno do Estado na economia.
Essa carga ignora a transferncia de renda do setor privado para
o setor pblico decorrente da alta emisso monetria, que pode ser
significante em anos de alta inflao, com o correspondente imposto
inflacionrio* chegando a vrios pontos percentuais do PIB. No perodo
de 1990 a 1994, por exemplo, o Governo Federal brasileiro arrecadou
3,3% do PIB dessa forma (GIAMBIAGI; ALM, 2001, p. 31). Atualmente,
com a relativamente baixa taxa de inflao, o imposto inflacionrio
representa uma fatia insignificante do total arrecadado e, por
isso, omite-se essa fonte de receita no clculo da carga
tributria.
Alm disso, a estimativa varia de acordo com a instituio que a
calcula, por conta de pequenas diferenas de definio do conceito. So
itens, como multas, juros, contribuies de melhoria etc., que podem
levar a diferenas em torno de dois pontos percentuais do PIB.
A carga tributria brasileira tem variado bastante ao longo do
tempo. Rezende (2001, p. 26) apresenta uma longa srie de dados
sobre a carga tributria brasileira, de 1947 a 1994, com base em
dados levantados pela Fundao Getlio Vargas (FGV) e o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Esses dados anuais so
comparveis entre si e esto ilustrados na Figura 1. A carga
tributria era de apenas 15% em 1947. Subiu levemente para ao redor
de 20% no perodo da construo de Braslia e, no perodo de saneamento
das contas pblicas dos anos 1960, subiu para novo patamar, em torno
de 25% do PIB. Com os vrios planos de estabilizao econmica
-
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 49
que visavam ao controle da alta inflao brasileira, um novo
patamar foi atingido no incio dos anos 1990, aproximadamente 30% do
PIB. Embora o grfico no apresente esse perodo, a partir do Plano
Real, em meados dos anos 1990, a carga tributria girava em torno de
33%, com tendncia de alta. Segundo a Secretaria da Receita Federal,
a carga tributria brasileira atingiu 34% do PIB em 2006 (BRASIL,
2007). Nesses mais de 50 anos, a carga tributria subiu
sistematicamente, mais do que dobrando sua participao no PIB. Isso
significa que a arrecadao tributria cresceu muito mais rpido do que
o prprio PIB.
Figura 1: Brasil carga tributria 19471994 Fonte: Rezende (2001,
p. 26)
No federalismo fiscal brasileiro, a carga tributria dividida em
trs nveis de governo. Ainda com base no documento da Secretaria da
Receita Federal (BRASIL, 2007), o Governo Federal teve a maior
participao na arrecadao de tributos em 2006, com 69,4%, seguido
pelos governos estaduais, com 26,3%, e pelos governos municipais,
com 4,3%. No sistema federal brasileiro h forte redistribuio de
recursos. Isso feito basicamente pelo Fundo de Participao dos
Estados e pelo Fundo de Participao dos Municpios. Alm disso, alguns
tributos, como o Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
(ICMS), so compartilhados entre Estados e municpios, embora sejam
arrecadados apenas pelos Estados.
-
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
50
Outra forma de medir o tamanho do setor pblico pelas despesas
pblicas em relao ao PIB. A principal diferena em relao carga
tributria a possibilidade de o resultado oramentrio no ser nulo.
Por exemplo, o Governo pode gastar menos do que arrecada. Nesse
caso, tem um supervit. A situao usual, inclusive no Brasil, a de se
gastar mais do que se arrecada e, por isso, o governo apresenta
dficit em suas contas, resultando em um coeficiente de despesa/PIB
maior do que a carga tributria. Esses dficits pblicos so cobertos
normalmente por meio de emprstimos, o que possibilita um nvel de
despesa superior receita. No perodo da alta inflao brasileira dos
anos 1990, o dficit chegou a 19% do PIB (REZENDE, 2001, p. 26).
Portanto, a medida do tamanho do setor pblico calculada pela
despesa d uma ideia melhor do quanto das despesas totais da
economia comandado pelo Estado.
Por que, ento, a carga tributria, eventualmente corrigida
pelo
imposto inflacionrio, mais usada como medida do tamanho
do setor pblico?
Porque as despesas incluem os pagamentos de juros da dvida
pblica, por exemplo. Essas despesas, do ponto de vista da
sociedade, no implicam transferncia de recursos produtivos para o
setor pblico. Se a sociedade fosse vista como uma pessoa fsica,
seria como transferir dinheiro de um bolso para outro. No entanto,
veremos, na Unidade 5, que uma dvida pblica muito alta pode,
dependendo da situao, reduzir o padro de vida das pessoas no
futuro.
-
Adolph H. G. Wagner (18351917)
Economista alemo e professor em diversas universidades
alems e austracas. De sua obra, o livro Finanzwissenschaft
(Cincia das Finanas) o mais lembrado. Fonte: Adaptado
de Sandroni (1999).
Saiba mais
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 51
A Crescente Participao do Setor Pblico
At aqui, vimos, com base na carga tributria, que o setor pblico
brasileiro cresceu em relao ao setor privado nas ltimas dcadas. H
duas explicaes usuais para isso. Uma delas parte das demandas que o
desenvolvimento econmico impe ao setor pblico. A outra explicao
considera que o processo poltico tem caractersticas intrnsecas que
levam ao aumento da participao do setor pblico.
A Lei de Wagner
Wagner estudou as presses crescentes sobre o Estado como forma
de promoo do progresso social e, ao mesmo tempo, constatou as
mudanas nas fontes de receita pblica, que haviam passado de
receitas de atividades produtivas para tributao. Com a
industrializao crescente em muitos pases, temos maior grau de
urbanizao e de crescimento populacional. Quando a renda mdia de um
pas cresce, a demanda de servios pblicos cresce mais rpido ainda.
Essa maior renda traz consigo a demanda de servios mais
sofisticados e complexos devido ao progresso tecnolgico. Por
exemplo, quando o pas rico o suficiente, ele pode fornecer melhores
servios de sade a uma fatia maior da populao, em vez de apenas
combater
-
*Lei de Wagner hip-
tese de que medida
que o nvel de renda
per capita se eleva em
pases que se desenvol-
vem industrialmente e
se urbanizam, cresce a
importncia relativa do
setor pblico. Fonte:
Elaborado pelo autor.
vEsse assunto ser discutido
na seo Avaliao do
investimento pblico da
Unidade 4.
Bacharelado em Administrao Pblica
Teoria das Finanas Pblicas
52
epidemias e fornecer servios bsicos. Essa explicao, aprofundada
posteriormente por outros estudiosos de finanas pblicas, , s vezes,
denominada Lei de Wagner*.
Com o maior nvel de atividade econmica, crescem tambm as
demandas de funo regulatria, que afetam os custos de realizar cada
transao econmica. Mas a regulamentao de atividades econmicas uma
faca de dois gumes, pois tanto facilita as negociaes entre as
pessoas e as organizaes, minimizando conflitos, quanto dificulta e
aumenta custos quando detalhada demais. o processo legislativo,
essncia do processo poltico, que pode atingir um nvel mais adequado
dessa atividade regulatria para cada poca. As demandas de
atividades de segurana tambm crescem com a populao e a
industrializao.
Do mesmo modo, crescem as demandas de diferentes tipos de
infraestrutura de apoio atividade econmica. Por fim, talvez mais
importantes sejam os gastos com educao, sade e redistribuio de
renda. Essas atividades decorrem tambm de novos valores que a
sociedade pode usufruir medida que enriquece, como a de que
inaceitvel que pessoas vivam em extrema penria numa sociedade cuja
maioria da populao tenha razovel padro de vida.
Contudo, se o produto por pessoa, gerado no pas, for muito
baixo, aquilo que o setor pblico poder comprar com alta carga
tributria ser de qualidade mdia inferior ao que um pas mais rico
pode comprar a partir de uma carga tributria menor. H uma interao
entre os setores pblico e privado, especialmente via gastos de
educao, sade e infraestrutura, que condiciona o prprio ritmo de
crescimento do produto por pessoa. Por isso, no vlido o argumento
de que o Brasil tem alta carga tributria, mas servios pblicos como
os de educao e de sade de baixa qualidade quando comparado com
pases mais ricos. O que devemos perguntar qual a ligao entre a
carga tributria e o nvel do produto por pessoa, o que passa pela
forma como o governo gasta sua arrecadao de impostos.
-
Juscelino Kubitschek (19021976)
Mdico, militar e poltico brasileiro. Conhecido como JK,
foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961 e o responsvel
pela construo da nova capital federal, Braslia. Fonte:
. Acesso em: 15 out. 2010.
Saiba mais
Unidade 2 Os Setores Pblico e Privado
Mdulo 4 53
Situaes Polticas Excepcionais
A outra explicao para o crescente tamanho do setor pblico,
desenvolvida nos anos 1960 por Alan Peacock e Jack Wiseman, que a
crescente demanda por gastos pblicos tem restries polticas e
econmicas. As pessoas querem os benefcios dos gastos pblicos, mas
resistem ao correspondente aumento da carga tributria. Os polticos
sabem disso, mas tambm gostariam de taxar mais para distribuir mais
benefcios, pois tal distribuio essencial na obteno de votos. Em uma
democracia competitiva, um comportamento que tendesse aos altos
gastos pblicos seria eliminado no longo prazo se a estrutura desses
gastos ficasse muito desalinhada com as preferncias dos eleitores.
Mesmo na teoria gramsciana, a preocupao em manter a hegemonia do
grupo dominante teria o efeito parecido de atender s demandas de
servios pblicos da populao, apesar de uma estrutura enviesada em
favor do grupo dominante.
Em situaes excepcionais, a populao tolera aumentos da carga
tributria. Na Europa, as situaes excepcionais que levaram a
significativos aumentos da carga tributria foram as grandes guerras
e a depresso econmica dos anos 1930.
No Brasil, essas situaes ocorreram durante a implementao do
plano desenvolvimentista do Governo Juscelino Kubitschek, no perodo
de saneamento das finanas pblicas do Governo Militar, para
controlar a inflao em meados dos anos 1960; e, depois, em novo
co