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10 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
1 O papel da atenO primria na cOnstruO dO sus
1.1 Introduo
Este captulo introdutrio aborda o conceito da Ateno Primria Sade
(APS) ou Ateno Bsica (AB), contextualizando o cenrio que levou adoo
do termo AB no Brasil e explicitando o entendimento de que Ateno
Bsica e Ateno Primria Sade tm o mesmo significado. Sero
apresentados os princpios da APS, detalhados no segun-do captulo, e
inicia-se a discusso da importncia da Ateno Primria para a
eficincia e efetividade dos sistemas de sade, independentemente do
estgio de desenvolvimento do pas, trazendo algumas recentes
evidncias da importncia da APS publicadas na lite-ratura.
Apresenta-se um breve histrico da APS no Brasil e a importncia do
seu fortale-cimento neste momento especfico da histria do SUS,
apontando evidncias de sucesso da estratgia brasileira para APS,
que a Sade da Famlia. Finaliza-se com o destaque de alguns desafios
agrupados em temas, entre os quais a valorizao do espao da APS,
recursos humanos, gesto da APS e prtica das equipes e
financiamento.
1.2 O papel da Ateno Primria na construo do SUS
A construo do Sistema nico de Sade avanou de forma substantiva
nos ltimos anos, e a cada dia se fortalecem as evidncias da
importncia da Ateno Primria Sa-de (APS) nesse processo. Os esforos
dos governos nas diferentes esferas administrativas (federal,
estaduais e municipais), da academia, dos trabalhadores e das
instituies de sade vm ao encontro do consenso de que ter a Ateno
Primria Sade como base dos sistemas de sade essencial para um bom
desempenho destes.
Nos pases com sistemas de sade universais, como os da Europa, o
Canad e a Nova Zelndia, o tema APS est na pauta poltica dos
governos, fazendo um contraponto fragmentao dos sistemas de sade,
superespecializao e ao uso abusivo de tecno-logias mdicas, que
determina necessidades questionveis de consumo de servios de sade.
Assim, mesmo considerando que tais sistemas tm diferentes arranjos
operati-vos, pode-se identificar princpios similares, quais sejam:
primeiro contato, coordenao, abrangncia ou integralidade e
longitudinalidade. Esses princpios vm sendo reforados pelo acmulo
de publicaes, em especial nos pases desenvolvidos, que demonstram
o
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11Ateno Primria e Promoo da Sade
impacto positivo da APS na sade da populao, no alcance de maior
equidade, na maior satisfao dos usurios e nos menores custos para o
sistema de sade.
O Brasil tambm j apresenta estudos que demonstram o impacto da
expanso da APS, baseada, sobretudo, na estratgia de sade da famlia
(MACINKO; GUANAIS; SOUZA, 2006; MINISTRIO DA SADE, 2005). Alm
desses, muitos outros estudos esto em curso, seja na esfera federal
ou nos estados, financiados em sua maioria com recursos do
Proesf1.
Outra vertente de discusso que vem ocorrendo concomitantemente
implementao e ao aperfeioamento da APS como base do sistema de sade
(SUS) o fortalecimento da promoo da sade no SUS. Como parte desse
movimento o Ministrio da Sade publi-cou a Poltica Nacional de
Promoo da Sade. Por se considerar a APS o locus privilegia-do para
a operacionalizao da promoo da sade, tratar-se- deste tema no
captulo 9.
1.3 A ateno sade nos sistemas nacionais e a importncia da
APS
A noo de proteo social como uma necessidade das populaes inclui
a desigual-dade social e a ampliao das brechas existentes entre os
mais ricos e os mais pobres, em especial na Amrica Latina (BAZZANI,
R. et al., 2006). Entretanto, a capacidade de resposta dos sistemas
de sade s necessidades da populao questionvel, em especial dentro
do modelo centrado no mdico e no hospital. Exemplo disso pode ser
visto em trabalhos que apontam que uma reduo de cerca de 6 a 12
meses na expectativa de vida da populao dos Estados Unidos pode ser
creditada iatrogenia mdica, sendo essa a terceira causa de bito
naquele pas (STARFIELD, 2000; KAWASHI apud Dubot, 2006). Por isso,
h que se garantir a universalizao do acesso, mas com ateno ao
consumo indiscriminado e mercadolgico dos servios de sade.
Entendendo que a sustentabilidade dos sistemas de sade baseados
nos modelos m-dico-hospitalocntricos tem demonstrado evidentes
sinais de esgotamento, aponta-se a necessidade de traar estratgias
claras, empiricamente suportadas, para o avano na melhoria dos
indicadores de sade da populao.
Nesse sentido, surgiu, na primeira metade dos anos 1990 nos
Estados Unidos, a pro-posta de redes de ateno sade, que avanou
pelos sistemas pblicos da Europa Oci-dental e Canad e depois
atingiu alguns pases em desenvolvimento (MENDES 2009).
1_ O Proesf um projeto em curso, com durao total prevista de
oito anos, realizado pelo governo brasileiro com parte dos recursos
de emprstimo do Banco Mundial, que inclui a disponibilizao de
recursos especficos para as SES, em especial para os componentes de
educao permanente e monitoramento e avaliao (para sa-ber mais, ver
www.saude.gov.br/proesf).
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12 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
Shortell et al. (1993) propem superar a fragmentao existente nos
sistemas de aten-o sade que configurem um contnuo coordenado de
servios para uma populao definida. Todd (1996) identificou que os
fatores-chave na integrao dos sistemas em uma experincia americana
foram eficcia dos sistemas de informao, integrao clni-ca, aumento
da produtividade dos servios hospitalares, realinhamento dos
incentivos financeiros, especialmente a superao do pagamento por
unidade de servios ou por procedimentos, e o reforo da ateno
primria sade. Alm disso, redefiniu o conceito de cadeia de valor na
ateno sade, tirando o foco das condies agudas e dirigindo--o para
as condies crnicas, o que significa dar centralidade s aes
promocionais e preventivas (MENDES 2009). Griffith (1997) estudou a
transformao de hospitais co-munitrios em organizaes integradas de
ateno sade e chegou concluso que os fatores de sucesso foram a
combinao de liderana interna e externa, a maior participa-o dos
mdicos, o fortalecimento da ateno primria sade e a introduo da
gesto da cnica, a partir de diretrizes clnicas.
Pointer et al. (1997) elaboraram uma sntese histrica dos
sistemas integrados de sade e identificaram os elementos centrais
nesses sistemas: a responsabilizao por uma populao, o foco na
melhoria dos nveis de sade dessa populao, a oferta de um cont-nuo
de servios, a coordenao dos cuidados pela ateno primria sade, a
integrao clnica e o pagamento por capitao.
Segundo Mendes (2009), no sistema pblico de ateno sade do Canad,
a experi-ncia de redes de ateno sade desenvolveu-se, em geral, sob
a forma de sistemas in-tegrados de sade, em que a porta de entrada
so os mdicos de famlia e o planejamento tem como base a necessidade
da populao. Na Europa Ocidental, a introduo das redes de ateno sade
vem crescendo constantemente. O trabalho precursor foi o clssico
Relatrio Dawson, produzido em 1920 (DAWSON, 1964), cujos pontos
essenciais foram a integrao da medicina preventiva e curativa, o
papel central do mdico generalista, a porta de entrada na ateno
primria sade, a ateno secundria prestada em unida-des ambulatoriais
e a ateno terciria nos hospitais.
Como se pode observar, a APS vem demonstrando ser um
elemento-chave na cons-tituio dos sistemas nacionais de sade, com
capacidade de influir nos indicadores de sade e com grande
potencial regulador da utilizao dos recursos de alta densidade
tecnolgica2, garantindo o acesso universal aos servios que tragam
reais benefcios sade da populao.
2_ O termo alta densidade tecnolgica refere-se a equipamentos e
instrumentais mdico-hospitalares, via de regra de alto custo.
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13Ateno Primria e Promoo da Sade
1.4 A evoluo do termo Ateno Primria Sade (APS)
As diferentes interpretaes da abrangncia e do escopo da ateno
primria nos di-versos pases e continentes, sua complexidade
conceitual e a evoluo de sua implemen-tao levaram utilizao de
diferentes termos para nomear essa forma de organizao dos sistemas
de servios de sade. Tal polissemia vista tanto na literatura
internacional quanto na nacional.
Da ateno primria proposta em Alma-Ata3 at hoje, surgiram
derivaes que apon-tam o que se considerava avano ou especificidade
em relao proposta original. Nesse sentido tem-se: ateno primria
sade, ateno primria seletiva4, ateno primria orientada para a
comunidade e, mais recentemente, a ateno primria renovada5.
No processo histrico brasileiro, tambm so apresentadas
diferentes interpretaes para a APS. A noo de que os cuidados
primrios de sade, ao assumirem, na primeira metade da dcada de
oitenta, um carter de programa de medicina simplificada para os
pobres de reas urbanas e rurais, em vez de uma estratgia de
reorientao do sistema de servios de sade acabou por afastar o tema
do centro das discusses poca (PAIM, 1998). interessante observar
que a utilizao pelo Ministrio da Sade do termo aten-o bsica para
designar ateno primria apresenta-se como reflexo da necessidade de
diferenciao entre a proposta da sade da famlia e a dos cuidados
primrios de
3_ A Conferncia de Alma-Ata, promovida pela OMS, aprovou, por
unanimidade, como meta de seus pases membros a sade para todos no
ano 2000, tendo como definio de ateno primria uma ateno sade
essencial, baseada em mtodos e tecnologias prticas, cientificamente
comprovadas e socialmente aceitveis, cujo acesso seja garantido a
todas as pessoas e famlias da comunidade mediante sua plena
participao, a um custo que a comunidade e o pas possam suportar, em
todas as etapas de seu desenvolvimento, com esprito de
auto-responsabilidade e auto-determinao. A ateno primria parte
integrante tanto do sistema nacional de sade, do qual constitui-se
como funo central e ncleo principal, como do desenvolvimento social
e econmico global da comunidade. Representa o primeiro nvel de
contato dos indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema de
sade, levando a ateno sade o mais prximo possvel de onde residem e
trabalham as pessoas, constituindo o primeiro elemento de um
processo permanente de assistncia sanitria (OMS, 1979).4_ Na APS
seletiva, o conjunto de atividades e servios so os seguintes:
identificao e controle de doenas pre-valentes, preveno e controle
de doenas endmicas, monitoramento do crescimento, tcnicas de
reidratao oral, amamentao e imunizao; algumas vezes incluam ainda
complementao alimentar, alfabetizao de mulheres e planejamento
familiar, educao em sade, promoo da sade mental, proviso de drogas.
Deve ser diferenciada da ateno primria orientada para a comunidade,
que uma terminologia utilizada para uma abordagem de ateno primria
surgida em reas rurais da frica do Sul na dcada de 1940, que busca
prover servios integrados de sade pblica e assistncia. A partir de
alguns pressupostos: definio de uma populao-alvo, definio dos
programas comunitrios a serem desenvolvidos, uso complementar de
habilidades clnicas e epidemiolgicas; acessibilidade; envolvimento
da comunidade na promoo de sua sade; coordenao das ati-vidades
incluindo a integrao de diferentes tipos de cuidado,
especialidades, servios e instituies; abordagem da ateno sade de
largo escopo e inclusiva (Kark & Kark, 1983).5_ Para saber mais
consulte: Opas - Renovao da Ateno Primria nas Amricas, disponvel
em. http://www.paho.org/portuguese/gov/cd/cd46-13-p.pdf.
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14 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
sade, interpretados como poltica de focalizao e ateno primitiva
sade (TESTA, 1987). Dessa forma, criou-se no Brasil uma
terminologia prpria, importante naquele momento histrico.
Atualmente, alguns autores (MENDES, 2002; TAKEDA, 2004), o pr-prio
CONASS e alguns documentos e eventos do Ministrio da Sade j vm
utilizando a terminologia internacionalmente reconhecida de Ateno
Primria Sade. Assim, claro que, no Brasil, o Ministrio da Sade
adotou a nomenclatura de ateno bsica para definir APS, tendo como
sua estratgia principal a Sade da Famlia (SF).
Para alm da terminologia empregada, esto as prprias concepes e
prticas de APS, que ainda hoje variam desde assistncia pobre para
pobres a base para qualquer reforma de um sistema de sade, ou a
chave para alcanar a sade para todos6. Em-bora exista um conceito
nacional que vem trazendo contribuies para a evoluo con-ceitual e
prtica da APS mundialmente, identifica-se, nos mais de cinco mil
municpios brasileiros, uma enorme gama de prticas sob a designao de
Ateno Bsica ou Sade da Famlia. Assim, mesmo considerando uma ateno
bsica ampliada, abrangente e inclusiva, como pensada pelos
formuladores de forma tripartite, pode-se ver, em alguns locais, a
APS focalizada ou excludente acontecendo, na prtica, no pas.
Atentando para essa questo, pode-se corrigir os rumos para a
construo do ideal de Ateno Primria Sade proposto.
1.5 A viso do CONASS sobre a APS e a Sade da Famlia
Ao longo dos ltimos anos, o CONASS tem contribudo efetivamente
para o fortaleci-mento da APS e para a consolidao da Estratgia Sade
da Famlia (ESF). Nos pargrafos a seguir destacam-se os principais
consensos publicados nas sries CONASS Documenta.
a. CONASS Documenta 2
Este documento, intitulado Ateno Primria Seminrio do CONASS para
Constru-o de Consensos, resultante das propostas aprovadas no 2
Seminrio do CONASS para a Construo de Consensos, realizado em
Salvador, Bahia, nos dias 27 e 28 de novembro de 2003, contando com
a presena das Secretarias Estaduais dos 27 estados brasileiros,
cujo tema foi a Ateno Primria Sade. No seu conjunto, os Secretrios
Estaduais de Sade propuseram que o Programa de Sade da Famlia (PSF)
deveria ser estabelecido como a estratgia prioritria para o
desenvolvimento da APS no SUS, sendo fundamental a promoo de sua
articulao, integrao e negociaes entre gestores e equipes do
PSF.
6_ Apresentado por Hannu Vuori no II Seminrio Internacional da
Ateno Primria, em Fortaleza, Cear, 2006. Disponvel no endereo
http://dtr2004.saude.gov.br/dab.
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15Ateno Primria e Promoo da Sade
Nesse documento, ficou clara a viso do CONASS sobre a Ateno
Primria Sade como estratgia de reorientao do modelo de ateno e no
como um programa limita-do de aes em sade de baixa resolubilidade.
Ao incorporar em seus documentos a viso do PSF como uma estratgia
de APS, o CONASS deu passo importante na qualificao dessa
estratgia. O PSF foi considerado como
uma estratgia de reorientao do modelo assistencial tendo como
princpios: a fa-
mlia como foco de abordagem, territrio definido, adscrio de
clientela, trabalho em
equipe interdisciplinar, corresponsabilizao, integralidade,
resolutividade, interseto-
rialidade e estmulo participao social.
um processo dinmico que permite a implementao dos princpios e
diretrizes da Ateno Primria, devendo constituir-se como ponto
fundamental para a organizao da rede de ateno, o (primeiro) contato
preferencial com a clientela do SUS.
Contudo, essa defesa da ESF como a estratgia para reorganizao do
SUS por meio da APS no impediu o CONASS de apresentar uma viso
crtica sobre a ESF naquele mo-mento de sua implantao. Foi realada a
necessidade de ampliar a capacitao de gesto e execuo de aes em sade
na ESF, a fim de criar condies necessrias para incorpo-rao dos
conjuntos de conhecimentos necessrios para que as equipes de SF
realmente mudassem sua prtica assistencial e se promovesse maior
integrao com outros nveis e reas do sistema. Para tanto, foram
realizadas propostas relacionadas s competncias das Secretarias
Estaduais de Sade (SES) em diversos mbitos, como descrito a
seguir:
definio de diretrizes para implantao das equipes pelas SES;
definio do nmero mximo de 750 habitantes por Agente Comunitrio
de Sade;
processo de qualificao e educao permanente de responsabilidade
das Secreta-rias Estaduais de Sade e Secretarias Municipais de Sade
pelos Polos de Educao Permanente independentemente do tamanho da
populao de cada municpio;
criao de formas de garantir a articulao das Unidades Bsicas de
Sade (UBS) e Unidades de SF com o restante da rede
assistencial.
Algumas das propostas originadas desse consenso do CONASS foram
posteriormente integradas Poltica Nacional da Ateno Bsica (por
exemplo, nmero mximo de ha-bitantes por ACS).
b. CONASS Documenta 7
Em 2004, seguindo a tendncia de produo de consensos, o CONASS
publicou do-cumento intitulado Acompanhamento e Avaliao da Ateno
Primria com objetivo de
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16 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
apresentar um levantamento da rea de Ateno Primria nas
Secretarias Estaduais de Sade, principalmente relacionado ao
processo de monitoramento e avaliao. Alm dis-so, esse documento
tambm apresentava dois textos com objetivo de subsidiar as equipes
estaduais para elaborao de instrumentos e metodologias de
monitoramento e avaliao da rea de Ateno Primria, a fim de
fortalecer a cooperao tcnica entre municpios e Secretarias
Estaduais. Esse documento integrava esforos do CONASS dentro do
Projeto de Fortalecimento das Secretarias Estaduais de Sade para
Cooperao Tcnica com os Municpios, com nfase na Regionalizao da
Assistncia e na Gesto da Ateno Prim-ria. No captulo 3 deste livro,
discute-se de forma aprofundada as responsabilidades e papel das
SES na Ateno Primria Sade, especialmente a questo de monitoramento
e avaliao.
c. Seminrio para a Construo de Consensos do CONASS:
Sustentabilidade da Ateno Primria Sade no Brasil
Em 26 de maio de 2009, foi realizado em Braslia um seminrio para
construo de consensos no CONASS, que teve como objetivo geral
discutir e propor estratgias para sustentabilidade da Ateno Primria
Sade (APS) no Brasil e como objetivos especfi-cos: discutir
estratgias para a implementao da APS no Brasil, propor outras
formas de financiamento da APS relacionadas ao custeio e ao
investimento, discutir estratgias para formao profissional, educao
permanente e fixao de profissionais na APS e o papel da Secretarias
Estaduais de Sade (SES) na organizao da APS.
1.6 Ateno Primria Sade
A Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) est regulamentada pela
Portaria n. 648, de 28 de maro de 2006, que estabeleceu a reviso de
diretrizes e normas para a organizao da Ateno Bsica, para o
Programa Sade da Famlia (PSF) e para o Pro-grama Agentes
Comunitrios de Sade (Pacs).
A PNAB ressalta que a Ateno Bsica caracteriza-se por um conjunto
de aes de sade no mbito individual e coletivo que abrangem a promoo
e proteo da sade, preveno de agravos, diagnstico, tratamento,
reabilitao e manuteno da sade. desenvolvida por meio do exerccio de
prticas gerenciais e sanitrias democrticas e participativas, sob
forma de trabalho em equipe, dirigidas a populaes de territrios bem
delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitria,
considerando a dina-micidade existente no territrio em que vivem
essas populaes. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa
densidade, que devem resolver os problemas de sade de maior
frequncia e relevncia em seu territrio. o contato preferencial dos
usurios
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17Ateno Primria e Promoo da Sade
com os sistemas de sade. Orienta-se pelos princpios da
universalidade, acessibilidade e coordenao, vnculo e continuidade,
integralidade, responsabilizao, humanizao, equidade e participao
social.
A Ateno Primria Sade (APS) considera o sujeito em sua
singularidade, com-plexidade, integralidade e insero sociocultural
e busca a promoo de sua sade, a preveno e tratamento de doenas e a
reduo de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas
possibilidades de viver de modo saudvel.
A APS tem como fundamentos, segundo a PNAB:
possibilitar o acesso universal e contnuo a servios de sade de
qualidade e resolu-tivos, caracterizados como a porta de entrada
preferencial do sistema de sade, com territrio adscrito a fim de
permitir o planejamento e a programao descentraliza-dos, e em
consonncia com o princpio da equidade;
efetivar a integralidade em seus vrios aspectos, a saber:
integrao de aes pro-gramticas e demanda espontnea; articulao das
aes de promoo sade, preveno de agravos, tratamento e reabilitao;
trabalho de forma interdisciplinar e em equipe e a coordenao do
cuidado na rede de servios;
desenvolver relaes de vnculo e responsabilizao entre as equipes
e a populao adscrita, garantindo a continuidade das aes de sade e a
longitudinalidade do cuidado;
valorizar os profissionais de sade por meio do estmulo e
acompanhamento cons-tante de sua formao e capacitao;
realizar avaliao e acompanhamento sistemtico dos resultados
alcanados, como parte do processo de planejamento e programao;
estimular a participao popular e o controle social.
Para operacionalizao da poltica no Brasil, utiliza-se de uma
estratgia nacional prio-ritria que a Sade da Famlia de acordo com
os preceitos do Sistema nico de Sade.
O entrelaamento dessas duas polticas vai ocorrer no campo das
prticas, nos muni-cpios e nas equipes de APS, como j se tem
demonstrado nas experincias em curso no pas (MINISTRIO DA SADE,
2006).
1.7 Entendendo o que APS no sistema de sade
De acordo com Mendes (2009), os sistemas de ateno sade
constituem respos-tas sociais, deliberadamente organizadas, para
responder s necessidades, demandas e preferncias das sociedades,
devendo ser articulados pelas necessidades de sade da populao, que
se expressam em situaes demogrficas e epidemiolgicas
singulares.
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18 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
Os Sistemas de Ateno Sade podem apresentar-se, na prtica social,
por meio de diferentes formas organizacionais. Na experincia
internacional contempornea, a tipo-logia mais encontrada de
sistemas fragmentados e Redes de Ateno Sade.
Os sistemas fragmentados de ateno sade, fortemente hegemnicos,
so aqueles que se (des)organizam por meio de um conjunto de pontos
de ateno sade isolados e incomunicados uns dos outros e que, por
consequncia, so incapazes de prestar ateno contnua populao. Em
geral, no h uma populao adscrita de responsabilizao. Neles, a APS
no se comunica fluidamente com a Ateno Secundria Sade, e esses dois
nveis tambm no se comunicam com a Ateno Terciria Sade.
Diferentemente dos sistemas integrados de ateno sade, as Redes de
Ateno Sade so aquelas organizadas em uma rede integrada polirquica
de pontos de ateno sade que presta assistncia contnua e integral a
uma populao definida, com comunicao fluida entre os diferentes
nveis de ateno sade (MENDES, 2009).
Nos sistemas fragmentados de ateno sade, vige uma viso de uma
estrutura hierr-quica, definida por nveis de complexidades
crescentes e com relaes de ordem e graus de importncia entre os
diferentes nveis, o que caracteriza uma hierarquia. Essa concep-o
de sistema hierarquizado vige no SUS, que se organiza segundo suas
normativas em ateno bsica, ateno de mdia e de alta complexidade.
Tal viso tem srios problemas. Ela se fundamenta em um conceito de
complexidade equivocado, ao estabelecer que a APS menos complexa do
que a ateno no nvel secundrio e no tercirio (MENDES, 2009).
Tal viso distorcida de complexidade leva, consciente ou
inconscientemente, a uma banalizao da APS e a uma sobrevalorizao,
seja material, seja simblica, das prticas que exigem maior
densidade tecnolgica e que so exercitadas no nvel secundrio e no
tercirio de ateno sade. Nas Redes de Ateno Sade, essa concepo de
hierar-quia substituda pela de poliarquia, e o sistema organiza-se
sob a forma de uma rede horizontal de ateno sade.
Assim, nas Redes de Ateno Sade, no h hierarquia entre os
diferentes pontos de ateno sade, mas a conformao de uma rede
horizontal de pontos de ateno sade de distintas densidades
tecnolgicas, sem ordem e sem grau de importncia entre eles. Todos
os pontos de ateno sade so igualmente importantes para que se
cum-pram os objetivos das Redes de Ateno Sade; apenas se
diferenciam pelas diferentes densidades tecnolgicas que
caracterizam os diversos pontos de ateno sade.
No contexto brasileiro e internacional, estudos voltados a
entender as necessidades de sade da populao e seus determinantes,
bem como conhecer os padres de utilizao
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19Ateno Primria e Promoo da Sade
dos servios de sade, demonstraram que algumas caractersticas so
comuns s mais diversas populaes7, e outras so muito
particulares.
A anlise das caractersticas comuns8 s diversas populaes orienta
a organizao de sistemas de servios de sade, conformando sistemas.
Com base nessas caractersticas, foi sistematizada uma proposta que
vem sendo aperfeioada nos ltimos 30 anos (qua-dro 2) e que
atualmente vem sendo adotada por um nmero cada vez maior de pases
que justamente a Ateno Primria Sade (APS).
A anlise das caractersticas particulares9 a cada populao (os
aspectos ambientais, socio-econmicos, demogrficos, culturais e de
sade) orienta a organizao local de cada servio.
A APS , ento, uma forma de organizao dos servios de sade que
responde a um modelo de ateno (com valores, princpios e elementos
prprios ver quadro 1), por meio da qual se busca integrar todos os
aspectos desses servios e que tem por perspectiva as ne-cessidades
de sade da populao. Em sua forma mais desenvolvida, a ateno primria
o primeiro contato com o sistema de sade e o local responsvel pela
organizao do cuidado sade dos indivduos, suas famlias e da populao
ao longo do tempo e busca proporcio-nar equilbrio entre as duas
metas de um sistema nacional de sade: melhorar a sade da populao e
proporcionar equidade na distribuio de recursos (STARFIELD,
2002).
A APS tambm uma concepo de sistema de sade, uma filosofia que
permeia todo o sistema de sade. Um pas s pode afirmar que tem um
sistema de sade baseado na APS, no sentido mais profundo da
expresso, quando seu sistema de sade se carac-teriza por: justia
social e equidade; autorresponsabilidade; solidariedade
internacional e aceitao de um conceito amplo de sade. Enfatiza a
compreenso da sade como um direito humano e a necessidade de
abordar os determinantes sociais e polticos mais am-plos da sade.
No difere, nos princpios, de Alma-Ata, mas sim na nfase sobre as
impli-
7_ Embora os diferentes pases/territrios tenham uma imensa
diversidade cultural (por exemplo, raa, etnia, situao
socioeconmica, estado de sade, afiliaes religiosas e polticas),
existem aspectos comuns entre as pessoas e suas preocupaes com
sade.8_ Caractersticas comuns s diversas populaes: (a) embora seja
ampla a variedade de problemas de sade das populaes, existem alguns
muito frequentes, responsveis por cerca da metade de toda a demanda
trazida pela populao; (b) os problemas de sade apresentados por
qualquer populao so de diversas naturezas, de todos os rgos e
sistemas e com frequncia no estritamente mdicos; (c) entre os
problemas mais frequentes em qualquer populao, encontram-se alguns
de grande complexidade, exigindo intervenes sobre indivduos,
fa-mlias e grupos sociais, bem como englobando elementos
cognitivo-tecnolgicos de diferentes disciplinas, como biomedicina,
sociologia, antropologia, psicologia, educao etc. Apesar disso,
tais problemas implicam menor custo financeiro, pois exigem menor
densidade tecnolgica (equipamentos) para sua resoluo.9_ para
responder s caractersticas particulares de cada populao que o modo
de fazer APS se modifica: a lista de problemas mais comuns pode
variar nos diferentes territrios e consequentemente pode variar o
tipo de profissional a compor a equipe multidisciplinar, bem como
as habilidades necessrias; o acolhimento pode ser um enfoque mais
ou menos necessrio, assim como outras formas de organizao dos
servios.
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20 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
caes sociais e polticas na sade. Defende que o enfoque social e
poltico da APS deixou para trs aspectos especficos das doenas e que
as polticas de desenvolvimento devem ser mais inclusivas, dinmicas,
transparentes e apoiadas por compromissos financeiros e de
legislao, se pretendem alcanar mais equidade em sade.
A ateno primria tem aspectos nicos, prprios dela, que a
caracterizam e diferen-ciam dos demais nveis de ateno. Para
realmente se entender o que a APS, deve-se conhecer os elementos
que a constituem (quadro 1) e como se articulam.
No Brasil, pode-se dizer que o sistema de sade que se busca, com
os avanos e con-quistas prprias, est perfeitamente afinado com a
APS, pois se identificam os valores e princpios essenciais para
estabelecer as prioridades nacionais (quadro 1) de um sistema de
sade voltado a enfatizar a equidade social, a corresponsabilidade
entre populao e setor pblico e a solidariedade, utilizando um
conceito amplo de sade.
Quadro 1 VAlORES, PRINCPIOS E ElEMENtOS DE uM MODElO DE SADE
BASEADO NA APS E DO
MODElO DE SADE ADOtADO PElO BRASIl. MODIFICADO DO quADRO DA
OPS.
SUS - BrASIl - A SADE DA FAmlIA
VAlORES
Expressam os valores dominantes em uma sociedade. So a ncora
moral para as polticas e programas de interesse pblico.
UniversidadeEqidadeIntegralidadeParticipao e controle social
PRINCPIOS
Provm as bases para a legislao, os critrios para a avaliao,
critrios para a alocao de recursos.
TerritorializaoIntersetorialidadeCarater substitutivo (baseado
na pessoa e no na doena)Equipes multiprofissionais
Baseado nas necessidades e expectativas das populaes
Voltado para a qualidade de vida
AtRIButOS (Ou ElEMENtOS Ou CARACtERStICAS DA APS)
So a base estrutural e funcional do sistema de sade. Permitem
operacionalizar as polticas, os programas e os servioes.
NICOS DA APS:
Primeiro contatointegralidadelongitudinalidadecoordenao
Derivados dos anterioresEnfoque na pessoa (no na doena) e na
famliaValorizao dos aspectos culturaisOrientado para a comunidadeNo
nicos da APS, mas essenciais:
Resgitro adequado
continuidade de pessoal
ComunicaoQualidade clnicaDefesa da clientela (advocacia)
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21Ateno Primria e Promoo da Sade
Quadro 2 AS DIFERENtES INtERPREtAES DA AtENO PRIMRIA SADE
INTErPrETAES DE APS DEFINIO OU CONCEITO DE APS
APS seletivaUm conjunto especfico de atividades e servies de
sade voltados populao pobre
A APS constitui-se em um conjunto de atividades e servies de
alto impacto para enfrentar alguns dos desafios de sade mais
prevalentes nos pases em desenvolvimetno (Gofin; Gofin, 2005).*
Um nvel de Atenoem um sistema de servios de sade.
APS refere-se ao ponto de entrada no sistema de sade quando se
apresenta um problema de sade, assim como o local de cuidados
contnuos da sade para a maioria das pessoas. Esta a concepo mais
comum da APS na Europa e em outros pases industrializados.
Uma estratgia para organizar os sistemas de ateno sade **
Para que a APS possa ser entendida como uma estratgia para
organizar o sistema de sade, este sistema deve estar baseado em
alguns princpios estratgicos simples: funcionalmente integrados
(coordenao); baseados na participao da comunidade, custo-efetivos,
e caracterizados por colaborao intersetorial.
Uma concepo de sistema de sade, uma filosofia que permeia todo o
sistema de sade.
Um pas s pode proclamar que tem um sistema de sade baseado na
APS, no sentido mais profundo da expresso, quando seu sistema de
sade se caracteriza por: justia social e equidade;
autoresponsabilidade; solidariedade internacional e aceitao de um
conceito amplo de sade. Enfatiza a compreenso da sade como um
direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais
e polticos mais amplos da sade (Ministrio da Sade, 2006).
No diferente nos princpios de Alma-Ata, mas sim na nfase sobre
as implicaes sociais e polticas na sade. Defende que o enfoque
social e poltico da APS deixaram para trs aspectos especficos das
doenas e que as polticas de desenvolvimento devem ser mais
indusivas, dinmicas, transparentes e apoiadas por compromissos
financeiros e de legislao, se pretendem alcanar mais eqidade em
sade.
1.8 O que queremos com a APS
Muitas mudanas foram empreendidas nas duas ltimas dcadas do
sculo XX, por meio de reformas em estruturas de governo/estado. Uma
das mais amplas foi a Reforma Sanitria. No caminho de sua
redemocratizao, o pas desencadeou um processo que procurou romper
as antigas formas de oferecer servios de sade populao para um
modelo baseado em princpios gerais de ordem doutrinria, como
universalidade, inte-gralidade e equidade, que passaram a
constituir um direito fundamental do povo bra-sileiro na rea da
sade. Para a consecuo de seus objetivos, a prpria reforma previu
mudanas por meio de princpios organizativos, permeados por
mecanismos de descen-tralizao, hierarquizao de servios e estrutura
de gerenciamento. Isso exigiu mudan-as profundas nas estruturas
organizacionais, nos servios de sade e no atendimento, suscitando
novas formas de prestao de aes e servios de sade populao.
O movimento da reforma sanitria, cujos esforos centraram-se em
questes mais gerais das polticas de sade, culminou na 8 Conferncia
Nacional de Sade, que foi
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22 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
fundamental para a construo do texto da sade da Constituio
promulgada em 1988 e a criao do Sistema nico de Sade (SUS),
organizado em princpios e diretrizes que definiram a APS como
diretriz norteadora e articuladora para a transformao do modelo de
ateno sade vigente.
Uma caracterstica marcante no sistema foi a descentralizao da
gesto e competn-cia da prestao dos servios aos municpios, com o
suporte tcnico e financeiro dos esta-dos e governo federal. Nesse
contexto, os municpios apresentam um papel relevante na execuo dos
servios de assistncia sade e, mais amplamente, da gesto do nvel de
APS (GIL, 2006; OLIVEIRA et al., 2007). Nesse sentido a estratgia
brasileira para APS, que a Sade da Famlia, tem sido positiva. A
pesquisa Sade da Famlia no Brasil Uma anlise de indicadores para a
ateno bsica (MINISTRIO DA SADE, 2006) descreve comparativamente, no
perodo de 1998 a 2004, a evoluo de oito indicadores de sade,
segundo estratos e cobertura da Sade da Famlia no Brasil,
considerando o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), renda e porte
populacional dos municpios. Como ten-dncia geral, o grande impacto
do PSF no sentido de melhorar os indicadores de sade foi observado
nos agrupamentos de municpios com IDH baixo (< 0,7). Essa
observao muito importante por traduzir que a Estratgia de Sade da
Famlia um fator de ge-rao de equidade. Ao demonstrar melhores
resultados no agrupamento de municpios de IDH mais baixo, conseguiu
aproximar os indicadores destes aos dos municpios de renda e IDH
mais alto, reduzindo a brecha existente entre os dois grupos de
municpios. Tambm o estudo de Macinko, Guanais e Souza em que foram
avaliadas variveis para reduo da mortalidade infantil, a Sade da
Famlia apresentou-se como a segunda va-rivel mais importante,
somente causando menor impacto que os anos de escolaridade materna.
O estudo demonstrou que a SF superou o acesso gua tratada como
fator de reduo da mortalidade. Tambm confirmou que o nmero de
leitos hospitalares per capita tem um peso pequeno nesse
indicador.
1.9 Desafios para a Sade da Famlia
Ao longo deste livro, sero levantados alguns desafios para a
Estratgia Sade da Famlia (ESF) que vm sendo apontados em encontros
nacionais e internacionais, discus-ses de grupos e oficinas sobre o
tema, promovidos pelo Ministrio da Sade, CONASS, Conasems,
Organizao Pan-Americana da Sade (Opas), Secretarias Estaduais e
Muni-cipais e instituies acadmicas, a partir de notas dos autores.
Todos os pontos aqui apon-tados sero discutidos nos captulos
subsequentes de forma mais detalhada, incluindo propostas em
implantao no pas.
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23Ateno Primria e Promoo da Sade
1.9.1 Valorizao poltica e social do espao da Ateno Primria
Sade
O desafio central, do qual derivam muitos outros, o da valorizao
poltica e social do espao da APS junto a gestores, academia,
trabalhadores, populao, mdia e todos os segmentos que, de uma
maneira ou de outra, influem na definio dos rumos do pas. A ESF,
apesar dos enormes avanos e conquistas nos ltimos anos, ainda
enfrenta muitos desafios para se tornar hegemnica como uma proposta
capaz de mudar o sistema de sade e fazer frente ao modelo
fragmentado existente.
A fragmentao coerente com o paradigma flexneriano, de
disciplinas isoladas, que domina as escolas mdicas e praticamente
todas as escolas do campo da sade. Esse modelo fragmentado tambm se
mostra muito mais coerente com as demandas do mer-cado do que com
uma proposta abrangente de ateno primria. Felizmente, seja pelo
caminho de reduo e racionalizao dos custos, seja pelo caminho das
evidncias de melhores resultados, da busca da equidade e da maior
solidariedade na sociedade, h um reforo e valorizao mundial da APS.
Tambm importante que o Brasil avance na cons-truo desse campo de
conhecimento e de prtica, ainda pouco explorado pela academia
brasileira, deixando ao largo preconceitos e ideias pr-formatadas,
ainda no superadas, dos pacotes assistenciais dos anos 1980 e
1990.
A ttulo de exemplo, a desvalorizao da APS reflete-se na
dificuldade de captao de mdicos nas residncias de medicina de
famlia, nas dificuldades de muitos atores de deixar de tratar a APS
como o postinho de sade e dos usurios de reconhecer que esse espao
crucial para apoi-los no emaranhado de servios e tecnologias
disponveis nos sistemas de sade.
1.9.2 recursos humanos
Um segundo grupo de desafios, e talvez o mais importante como
componente estru-tural, refere-se aos recursos humanos. Esse
desafio inicia-se na gesto da APS nos nveis centrais das trs
esferas de governo e chega ponta do sistema como uma dificuldade
patente de contratao pelo setor pblico, de profissionais com perfil
adequado ao que se pretende e se espera da APS.
Esse grupo de desafios tem razes no processo de formao dos
profissionais que, ape-sar dos esforos de mudana, consequente em
especial expanso da SF, persiste distante das necessidades do SUS
de integrao de conhecimentos clnicos e de sade coletiva. urgente,
tambm, a necessidade de qualificao do processo de educao permanente
dentro da perspectiva de atendimento demanda social, de um sistema
de sade resolu-tivo e eficiente, aumentando a presena das
universidades na estratgia de SF. Outro foco
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24 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
o da capacitao e educao permanente de gestores municipais e
locais, que muitas vezes no contempla aspectos da APS, cruciais
para o cotidiano das aes desses atores.
Uma importante estratgia nesse sentido foi a deciso do CONASS de
oferecer, em parceria com o Ministrio da Sade e a Universidade de
Toronto no Canad, formao para as equipes estaduais de gesto da APS
e o Projeto Aperfeioamento da Gesto da Ateno Primria Sade (Agap),
que est sendo desenvolvido em quatro estados do Nordeste
brasileiro, Alagoas, Piau, Paraba e Cear, com 41 projetos de
interveno na rea da ateno primria. Tambm so parceiros nesse projeto
a Sociedade Brasileira de Medicina de Famlia e Comunidade (SBMFC),
a Bireme e a Opas.
Vale destacar que o n crtico mais citado pelos gestores a falta
de mdicos de fa-mlia e comunidade com perfil e capacidade tcnica e
em quantidade suficiente para atender o processo de expanso em
curso. Mesmo com o esforo do aumento de vagas de residncia em
Medicina de Famlia e Comunidade (MFC), muitas delas nem mesmo so
preenchidas. O que se espera so passos concretos dos rgos
formadores para a criao de estruturas que sejam o espao desses
profissionais nas universidades. Nesse sentido, aponta-se que as
experincias internacionais mais recentes, como Canad e Espanha,
passaram pela criao de departamentos de medicina de famlia nas
faculdades de medi-cina como um importante definidor da deciso
poltica de se avanar na consolidao e reconhecimento desses
profissionais.
Pensando ainda no desafio da valorizao do espao da APS, que em
relao aos recursos humanos espelha-se na valorizao dos
profissionais, fundamental buscar es-tratgias diversas que
considerem a complexidade dos problemas. Certamente no s por meio
dos salrios que se vai resolver a questo. O reconhecimento social
desses profissionais, a possibilidade de educao permanente, a
melhoria da infraestrutura das unidades, a possibilidade de
participao em congressos e eventos e o estmulo produ-o intelectual
so cruciais para a fixao dos profissionais e a possibilidade de
viabili-zarem-se os princpios da APS. Tambm se deve atentar para as
formas de contratao que garantam a perenidade dos profissionais da
APS, com adoo de planos de carreira e remunerao adequados para
todos os profissionais da ESF, respeitando os arranjos locais
garantidos em lei.
Um terceiro grupo de desafios est na insero da APS, com todo o
seu potencial or-ganizador nos sistemas municipais de sade, no seu
papel de coordenao do cuidado na rede de ateno sade.
Em primeiro lugar, estamos falando de uma rede de servios que
ultrapassa 50 mil unidades, quase que exclusivamente pblicas. Essa
magnitude, por si s, demonstra a complexidade da integrao e
coordenao da rede a partir da APS. Tambm no se deve
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25Ateno Primria e Promoo da Sade
esperar que um dos processos mais complexos na construo de um
sistema de sade, que a articulao dos pontos de ateno em rede, seja
solucionado rapidamente com a implantao de uma nica estratgia.
Responsabilizar univocamente a Sade da Famlia um erro. Sem
dvida, precisa-se ampliar a insero da ESF no sistema, melhorando a
articulao, a comunicao e a ca-pacidade de coordenao do cuidado pela
ESF nos diversos pontos do sistema de sade, bem como necessrio
manter a ampliao da cobertura, pois j existem evidncias que grupos
de municpios com coberturas superiores a 70% apresentam melhores
resultados (MINISTRIO DA SADE, 2006), mas sem perder de vista a
observncia dos critrios de implantao previstos na PNAB.
1.9.3 Duplicao das redes de ateno
Outra questo derivada dessa discusso a duplicao de redes de
ateno com uni-dades tradicionais e unidades de sade da famlia que
atuam em um mesmo territrio, gerando, entre outros problemas,
competio pela clientela, dificultando a vinculao da populao,
conflitos entre as equipes com desqualificao do trabalho destas
diante da populao usuria e gastos adicionais desnecessrios. Soma-se
a isso a fragilidade da gesto na maioria dos mais de cinco mil
municpios, muitos dos quais nem mesmo possuem estruturas
organizadas de gesto em sade, bem como a baixa capacidade de apoio
tcnico de muitas das SES e, em especial, de suas estruturas
regionais, que so, em ltima instncia, o primeiro ponto de contato
do gestor municipal com o sistema regional e estadual de sade.
1.9.4 Prtica das equipes
Um quarto grupo de desafios localiza-se na prtica das equipes.
Promover a integrali-dade do cuidado em suas diversas vertentes um
enorme desafio para as equipes. Pode-se entender a integralidade
inicialmente pela capacidade da equipe em se articular
interna-mente, em um trabalho em equipe e no em grupo. Isso
significa mudar a prtica cotidia-na. Um segundo aspecto a
capacidade das equipes de atuar integrando as diversas reas
programticas com a demanda espontnea, respondendo de forma
equilibrada a essas duas demandas. O terceiro aspecto a necessidade
de prover servios para tratamento e reabilitao e tambm atuar no
controle dos riscos e danos em seu territrio, prevenindo agravos e
promovendo a sade com aes de cunho individual, de grupos e
populacional. O quarto ponto diz respeito interao com a comunidade
e capacidade de ao inter-setorial em seu territrio. Temos que
atentar para que no sejam transferidas s equipes de Sade da Famlia
responsabilidades de aes intersetoriais que so do gestor.
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1.9.5 Financiamento
Um quinto grupo est relacionado ao financiamento. Como todas as
outras aes e polticas no SUS, a APS no conta com os recursos
suficientes. Destaca-se que alguns estados j implantaram incentivos
especficos para ateno primria e para a sade da fa-mlia, alguns
deles vinculados ao desempenho, o que extremamente positivo nesse
mo-mento de qualificao da APS. Em relao reduo de custos, criticada
por alguns auto-res como o eixo de prioridades da APS, claro que s
ser possvel com a racionalizao da utilizao e do consumo de servios
de custo elevado. Entretanto, ainda estamos em um movimento
nacional de universalizao do acesso, dentro do processo de construo
do SUS, e muitos gestores apontam que a sade da famlia tem ampliado
despesas e no as reduzido. O que se espera nesse momento qualificar
a porta de entrada para que se possa cumprir o papel de dar acesso,
de forma racional, a todos.
1.9.6 Avaliao e instrumentos de gesto
Para finalizar, existem os desafios da avaliao e da utilizao de
uma gama im-portante de instrumentos de gesto disponveis, como o
Sistema de Informaes da Ateno Bsica (Siab), a Pactuao de
Prioridades, Objetivos, Metas e Indicadores do Pacto pela Sade para
o binio 2010/2011, de acordo com a Portaria GM/MS n. 2669, de 3 de
novembro de 2009, a Avaliao para Melhoria da Qualidade (AMQ) e a
Programao para Gesto por Resultados (Prograb). Esses so
instrumentos cons-trudos em parceria do Ministrio da Sade com o
CONASS e as Secretaria Estaduais de Sade, com o Conasems, as
Secretarias Municipais de Sade e outros atores po-dem ser
utilizados no processo de qualificao.
Vrias estratgias vm sendo usadas na busca da superao dessas
dificuldades. Transformar a sade da famlia de um programa a uma
estratgia dentro de uma poltica nacional um desses avanos.
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2 Os fundamentOs da atenO Primria sade 2.1 Introduo
2.2 As caractersticas da Ateno Primria Sade
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28 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
2 Os fundamentOs da atenO Primria sade
2.1 Introduo
Nos ltimos anos, acumularam-se evidncias de que um sistema de
sade baseado na Ateno Primria10 (APS) alcana melhores resultados
sade das populaes. As evi-dncias provm de estudos realizados em
diversos pases (MACINKO; GUANAIS; SOU-ZA, 2006; ALMEIDA; BARROS,
2005; STARFIELD, 2004; WYKE; CAMPBEL; MACIVER, 1992; BOWLING; BOND,
2001), incluindo o Brasil, e apontam quais caractersticas da APS
podem levar um sistema de sade a ser mais efetivo, ter menores
custos e ser mais satisfatrio populao e mais equnime, mesmo diante
de adversidades sociais.
Este captulo abordar, na primeira seo, as caractersticas da
Ateno Primria que esto relacionadas a oportunidades de melhores
resultados em sade, discutindo concei-tos, vantagens e limitaes em
cumpri-las.
Embora no haja dvidas da contribuio dos servios de sade e da sua
forma de organizao para a qualidade de vida dos indivduos e das
populaes, essa contribuio encontra seus limites. Equidade e maior
qualidade de vida exigem que se enfrente o con-junto de
determinantes da sade, o que requer polticas pblicas saudveis, uma
efetiva articulao intersetorial e a mobilizao da populao.
2.2 As caractersticas da Ateno Primria Sade
A APS uma forma de organizao dos servios de sade, uma estratgia
para in-tegrar todos os aspectos desses servios, tendo como
perspectiva as necessidades em sade da populao. Esse enfoque est em
consonncia com as diretrizes do SUS e tem como valores a busca por
um sistema de sade voltado a enfatizar a equidade social, a
corresponsabilidade entre populao e setor pblico, a solidariedade e
um conceito de sade amplo (BRASIL, 2006; TAKEDA, 2004). Em sua
forma mais desenvolvida, a Ateno Primria a porta de entrada ao
sistema de sade e o local responsvel pela
10_ A Ateno Primria no Brasil denominada Ateno Bsica. Para
maiores detalhes, ver captulo introdutrio.
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29Ateno Primria e Promoo da Sade
organizao do cuidado sade dos indivduos, suas famlias e da
populao, ao longo do tempo (STARFIELD, 1994; VUORI, 1982).
As evidncias demonstram que a Ateno Primria tem capacidade para
responder a 85% das necessidades em sade (STARFIELD, 1994),
realizando servios preventivos, curativos, reabilitadores e de
promoo da sade; integrando os cuidados quando existe mais de um
problema; lidando com o contexto de vida e influenciando as
respostas das pessoas aos seus problemas de sade.
A Ateno Primria diferencia-se da secundria e da terciria por
diversos aspectos, entre eles: dedica-se aos problemas mais
frequentes (simples ou complexos) que se apre-sentam, sobretudo em
fases iniciais, e que so, portanto, menos definidos11. Nas
unida-des de sade, consultrios comunitrios, escolas ou asilos e nos
espaos comunitrios, observam-se grande variedade de necessidades em
sade, forte componente dedicado preveno de doenas, alta proporo de
pacientes j conhecidos pela equipe de sade e maior familiaridade
dos profissionais, tanto com as pessoas quanto com seus
problemas.
A Ateno Primria tem, portanto, qualidades nicas que a
caracterizam e diferen-ciam dos demais nveis de ateno. Para
realmente entendermos o que a APS, devemos conhecer os elementos
que a constituem (quadro 1). Para fins didticos, essas
caracters-ticas so, a seguir, apresentadas separadamente, mas se
salienta que elas so interdepen-dentes e complementares.
2.2.1 Primeiro contato (porta de entrada ao sistema de sade)
Primeiro contato12 significa acesso e utilizao do servio de sade
para cada novo evento de sade ou novo episdio de um mesmo evento.
Um servio porta de entrada
11_ Mdicos de famlia e comunidade so procurados em estgios
iniciais dos sintomas (febre, dores de cabe-a, mal estar etc.), e
frequentemente esses sintomas nunca evoluem para uma patologia.
Diferentemente dos especialistas em enfermidades (cardiologistas,
neurologistas, gastroenterologistas etc.) que mais comumente
recebem pacientes quando os problemas se encontram em estgios
avanados e, portanto, em fases em que a patologia encontra-se mais
definida. Equipes de APS tm capacidade para lidar com vrios
problemas ao mesmo tempo. Exemplo: mulher, 45 anos, com diabete,
hipertenso e obesidade, cujo marido etilista encontra-se
de-sempregado e o filho menor enfrenta dificuldades escolares a
situao em seu conjunto caracteriza-se como de grande complexidade,
exigindo atuao de uma equipe que atue interdisciplinarmente, o que
no ocorre na ateno secundria.12_ O conceito de porta de entrada ou
primeiro contato aqui utilizado encontra-se no contexto da
orga-nizao de sistemas de servios de sade em ateno primria,
secundria e terciria/quaternria. A ateno primria, capaz de
responder a cerca de 85% das necessidades de sade das populaes,
considerada a mais adequada porta de entrada ao sistema de sade
para virtualmente todas as demandas. Servios de emergncia no se
caracterizam como um nvel de ateno sade e a proporo de necessidades
a que foram desenha-dos para responder (as emergncias) pequena no
conjunto de necessidades das populaes. Portanto, no so considerados
porta de entrada dentro desse conceito ampliado.
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30 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
quando a populao e a equipe identificam-no como o primeiro
recurso de sade a ser buscado quando h uma necessidade/problema de
sade. Para isso, deve ser de fcil acesso e disponvel. Se no o for,
a procura ser adiada, talvez a ponto de afetar negati-vamente o
diagnstico e o manejo do problema (STARFIELD, 2004).
O acesso tem dois componentes:
a. o acesso geogrfico, que envolve caractersticas relacionadas
distncia e aos meios de transporte a serem utilizados para obter o
cuidado;
b. o acesso scio-organizacional, que inclui aquelas
caractersticas e recursos que fa-cilitam ou impedem os esforos das
pessoas em receber os cuidados de uma equipe de sade. Por exemplo,
o horrio de funcionamento, a forma de marcao de consulta, a presena
de longas filas podem significar barreiras ao acesso. O mesmo
ocorre com: as horas de disponibilidade da unidade de sade; a
oferta de cobertura aps o horrio de funcionamento e a explicitao
dos servios a serem utilizados pela populao quando a unidade de
sade no est disponvel; a facilidade de acesso para idosos e
portadores de deficincias fsicas; o tempo mdio gasto na sala de
espera; a ausncia de dificuldades com linguagem; as barreiras
relacionadas a gnero; as acomodaes; a aceitabilidade das diferenas
culturais; a disponibilidade de brechas para consultas de
emergncias; o intervalo de tempo entre marcar e consultar; a
disponibilidade para visitas domiciliares; a oferta de cuidados
para grupos que no procuram espontaneamente o servio; a busca ativa
etc. A organizao da agenda para garantir consultas programadas
permite que as aes de promoo e preveno em sade, tais como
acompanhamento pr-natal e acon-selhamento em doenas crnicas, sejam
realizadas.
A utilizao dos servios de APS pela populao depende da boa
resolutividade das equipes, do acolhimento, da capacidade de
delimitar os recursos necessrios para resol-ver os problemas e de
uma prtica baseada na pessoa (e no na doena), na famlia e na
comunidade.
As equipes de Sade da Famlia tm inovado na busca de formas que
garantam acessi-bilidade e maior utilizao da APS como primeiro
contato com o sistema de sade. O aco-lhimento13, a exposio de
cartazes com horrios de funcionamento e disponibilidade dos
integrantes da equipe, os turnos vespertinos e agenda aos sbados so
alguns exemplos de esforos nesse sentido. O trabalho em parceria
com as comunidades para diminuir as barreiras de acesso e melhorar
a utilizao dos servios essencial.
13_ Acolhimento uma proposta de organizao do atendimento da
demanda espontnea nos servios de sa-de, de forma que todas as
pessoas que procurarem os servios tenham suas demandas ouvidas e
encaminhadas a alternativas de soluo de forma humanizada.
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31Ateno Primria e Promoo da Sade
As diretrizes da Estratgia Sade da Famlia buscam a ampliao do
acesso e da uti-lizao dos servios de APS como porta de entrada ao
sistema, ao proporem que as uni-dades de sade sejam prximas ao
local de moradia das pessoas, bem como a vinculao populacional e a
responsabilidade pelo territrio.
2.2.1.1 AS VANTAGENS DO PRIMEIRO CONTATO
A utilizao de um servio de APS como o primeiro recurso de sade
por uma determi-nada populao traz as seguintes vantagens (FORREST;
STARFIELD, 1996; STARFIELD, 1985; FIHN; WICHER, 1988; HURLEY;
FREUND; GAGE, 1991; MOORE, 1979; MOORE; MARTIN; RICHARDSON, 1979;
OTOOLE et al., 1996; ROOS, 1979):
a. ocorre reduo dos seguintes aspectos: nmero de hospitalizaes,
tempo de permanncia no hospital quando ocorre hospitalizao, nmero
de cirurgias, uso de especialistas em doen-as, nmero de consultas
para um mesmo problema e nmero de exames complementares;
b. so maiores: o nmero de aes preventivas, a adequao do cuidado,
a qualidade do servio prestado e a oportunidade da ateno (maior
chance que ocorra no tempo certo);
c. as equipes de sade, especialistas em APS, lidam melhor com
problemas de sade em estgios iniciais, utilizando a adequada
abordagem: ver, esperar e acompanhar (STAR-FIELD, 1994) em
contraposio aos especialistas em doenas que, acostumados a ver
problemas em fases mais adiantadas, solicitam mais exames
complementares e realizam mais procedimentos.
2.2.1.2 OS DESAFIOS DA PORTA DE ENTRADA NO SUS
A utilizao da Ateno Primria Sade como porta de entrada ao
sistema de sade brasileiro melhorou muito desde a criao da
Estratgia Sade da Famlia, seja amplian-do o acesso das populaes aos
servios, seja disponibilizando uma gama maior de aes de promoo,
preveno e tratamento. Porm, muitos desafios precisam ainda ser
en-frentados para que se alcance mais equidade e observem-se,
traduzidos nos indicadores de morbimortalidade, melhores resultados
em sade. Entre esses desafios, destacam-se a valorizao da APS na
rede de servios de sade, o aumento da resolutividade da APS e o
cuidado de enfocar as necessidades em sade da populao.
Os servios de emergncia so ainda inadequadamente utilizados por
grande parcela da populao. Embora sejam as melhores portas de
entrada na ocorrncia de emergn-cias14, no contemplam a
integralidade da ateno, a longitudinalidade do cuidado e a
coordenao das aes.
14_ Emergncia: situao imprevista de agravo sade com ou sem risco
de vida e/ou sofrimento intenso que exija atendimento mdico em 24
horas ou de forma imediata (Ministrio da Sade, 2001).
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32 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
A cultura da busca pelo especialista e da livre demanda, prprias
do modelo mdico hospitalocntrico, j questionada. Vrios pases
restringem o acesso a especialistas ao encaminhamento do mdico da
ateno primria, com repercusses positivas nos custos e na eficincia
do sistema (SAMPAIO; SOUZA, 2002).
2.2.2 Longitudinalidade do cuidado (ou vnculo e
responsabilizao)
A essncia da longitudinalidade uma relao pessoal que se
estabelece ao longo do tempo, independentemente do tipo de
problemas de sade ou mesmo da presena de um problema de sade, entre
indivduos e um profissional ou uma equipe de sade. Uma equipe de
APS tem a oportunidade de acompanhar os diversos momentos do ciclo
de vida dos indivduos, de suas famlias, da prpria comunidade e
assim, por intermdio dessa relao, a equipe conhece as pessoas, suas
famlias e comunidade, e estes conhe-cem a equipe de sade. O vnculo
e a responsabilizao, contidos na proposta brasileira, referem-se a
esse conceito.
A longitudinalidade pressupe a existncia de uma fonte regular de
ateno e seu uso ao longo do tempo, o que significa uma unidade de
sade com equipes estveis. A rotatividade de pessoal nas equipes de
sade um fator impeditivo do alcance da longi-tudinalidade.
A continuidade do cuidado, por outro lado, significa o
acompanhamento durante um episdio de doena. No uma particularidade
da APS, ocorrendo tambm nos demais nveis de ateno.
2.2.2.1 AS VANTAGENS DA LONGITUDINALIDADE
A longitudinalidade est associada a diversas vantagens (WASSON
et al., 1984; STEWART et al., 1997; BAKER, 1996; BAKER;
STREATFIELD, 1996; RODEWALD et al., 1997), incluindo a menor
utilizao de servios de sade, melhor cuidado preventivo,
atendimentos mais precoces e adequados, menor frequncia de doenas
prevenveis, maior satisfao das pessoas com o atendimento e custo
total mais baixo.
Quando h estabilidade dos profissionais e dos servios,
observa-se com maior fre-quncia que:
os tratamentos institudos so completados;
so realizadas mais aes de preveno, h melhor utilizao dos servios
de sa-de pela populao que compreende e respeita os alcances e os
limites das equipes de sade;
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33Ateno Primria e Promoo da Sade
ocorre menor proporo de hospitalizaes;
aumenta a capacidade dos profissionais em avaliar adequadamente
as necessidades das pessoas;
h maior integralidade do cuidado e coordenao das aes e
servios;
h maior satisfao dos usurios.
A longitudinalidade especialmente vantajosa para pessoas com
doenas crnicas e em comorbidades, situaes muito frequentes e que
exigem da APS uma reestruturao dos servios, cuja tradio
organizarem-se para o enfrentamento de problemas agudos.
2.2.2.2 OS DESAFIOS DA LONGITUDINALIDADE NO SUS
Os desafios da longitudinalidade no Brasil esto especialmente
relacionados rotati-vidade de profissionais nas equipes de sade e
qualidade do registro das informaes em pronturios.
2.2.3 Integralidade
Cuidado integral a capacidade da equipe de sade em lidar com a
ampla gama de necessidades em sade do individuo, da famlia ou das
comunidades, seja resolvendo-os, o que pode ocorrer em 85% das
situaes (STARFIELD, 1994), por meio da oferta de um conjunto de aes
e servios, descritos no captulo 3, ou referindo-se aos outros
pontos de ateno sade, que podem ser aos cuidados secundrios,
tercirios ou a outros setores (educao, saneamento, habitao
etc.).
A integralidade pressupe um conceito amplo de sade, no qual
necessidades biop-sicossociais, culturais e subjetivas so
reconhecidas; a promoo, a preveno, e o tra-tamento so integrados na
prtica clnica e comunitria e a abordagem voltada para o indivduo,
sua famlia e seu contexto. A integralidade depende da capacidade de
identi-ficar as necessidades percebidas e as no percebidas pelos
indivduos, da abordagem do ciclo vital e familiar e da aplicao dos
conhecimentos dos diversos campos de saberes.
Uma condio essencial para a integralidade a atuao
interdisciplinar das equipes de sade: cotidianamente se apresentam
nas unidades de sade e territrios das equipes de APS situaes cuja
complexidade exige a interveno coordenada de profissionais de
diversas disciplinas.
A condio estrutural para que a integralidade se d a
disponibilidade de uma va-riedade de servios, incluindo recursos
que normalmente no so utilizados nos cui-dados secundrios, tais
como visitas domiciliares, aes em organizaes comunitrias
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34 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
(creches, clubes de mes, grupos de apoio etc.) e articulaes
intersetoriais para es-tratgias de promoo da sade e preveno de
doenas. Decidir quais so os servios adequados uma importante
atividade e deve estar baseada no conhecimento das ne-cessidades da
populao.
2.2.3.1 AS VANTAGENS DA INTEGRALIDADE
A integralidade do cuidado est associada a mais aes de preveno,
maior adeso aos tratamentos recomendados e maior satisfao das
pessoas (RUSSELL, 1986; SIMP-SON; KOREMBROT; GREENE, 1997).
2.2.3.2 OS DESAFIOS DA INTEGRALIDADE NO SUS
Os desafios da integralidade no Brasil esto menos relacionados
ao conceito amplo de sade e mais relacionados a problemas
estruturais, que limitam a gama de servios oferecidos, e a
problemas na organizao dos servios.
2.2.4 Coordenao do cuidado (ou organizao das respostas ao
conjunto de necessidades)
Coordenao15, o quarto componente, essencial para o sucesso dos
demais. Um con-ceito amplo de sade permite que as vrias
necessidades dos indivduos, suas famlias e comunidades sejam
identificadas, e a ao de uma equipe multidisciplinar necessria para
responder a tais necessidades. Contudo, fundamental que haja
coordenao das aes/respostas. Sem coordenao, a longitudinalidade
perde muito de seu potencial, a integralidade no vivel e o primeiro
contato torna-se uma funo puramente admi-nistrativa.
A essncia da coordenao a informao: a disponibilidade de informao
(sobre a pessoa, sua histria, seus problemas, as aes realizadas, os
recursos disponveis, propi-ciada pelos sistemas de informao,
mecanismos de transmisso da informao e comu-nicao) e a utilizao da
informao, possibilitada pela fcil obteno das informaes, por
registros facilmente disponveis, por reconhecimento de informaes
prvias, p o r mecanismos de referncia e contrarreferncia e
recomendaes escritas aos pacientes.
Os desafios da coordenao fazem-se em diferentes contextos:
a. na unidade de sade, quando vrios membros da equipe dispem de
diferentes aspec-tos da informao do paciente;
15_ A coordenao tem sido equivocadamente confundida com
gerenciamento da Ateno Primria.
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35Ateno Primria e Promoo da Sade
b. entre diferentes servios nos casos de referncia e
contrarreferncia;
c. entre diferentes setores, tais como educao, saneamento,
transporte etc.
A melhora da coordenao do cuidado um desafio crucial para que a
APS ocupe seu papel no sistema de sade (APS como base, estrutura do
sistema de sade).
2.2.4.1 AS VANTAGENS DA COORDENAO
Muitas vantagens esto associadas coordenao do cuidado (STARFIELD
et al., 1977; SIMBORG et al., 1876; VIERHOUT et al., 1995): melhor
identificao dos problemas de sade; melhor adeso a tratamentos,
dietas, execuo de exames e consultas de encami-nhamento; menos
hospitalizaes e menor solicitao de exames complementares.
2.2.4.2 OS DESAFIOS DA COORDENAO NO SUS
Esse componente da APS ainda precisa ser fortalecido no Brasil,
salientando-se alguns desafios:
melhora da qualidade da informao nos pronturios de sade, para
permitir que haja coordenao do cuidado dentro da equipe
multidisciplinar de sade;
implantao de pronturios eletrnicos;
constituio de redes de ateno, otimizando o acesso e a utilizao
dos demais recursos de sade da rede, assegurando os mecanismos de
comunicao, o que qua-lifica o cuidado (a referncia e a
contrarreferncia);
informatizao dos sistemas de informaes, permitindo que o
acompanhamento das informaes relativas aos pacientes esteja
disponvel em qualquer ponto da rede de ateno sade16.
O quadro 1 descreve o conjunto das caractersticas da APS,
segundo Starfield (2004).
16_ O Carto Nacional de Sade foi enunciado pela Norma
Operacional Bsica (NOB) de 1996 como forma de identificar a
clientela do Sistema nico de Sade, explicitando ao mesmo tempo sua
vinculao a um gestor e a um conjunto de servios bem definido, cujas
atividades devem cobrir, integralmente, todo o escopo de ateno sade
do cidado, como estipula a Constituio. O Carto deve identificar o
cidado, garantindo seu atendimento em todo territrio nacional. Alm
dessas finalidades, espera-se, ainda, que ele instrumentalize
outros processos relacionados s atividades de gesto, a fim de:
possibilitar um acompanhamento das referncias intermunicipais e
interestaduais; possibilitar o acompanhamento do fluxo dos usurios
no sistema de sade; subsidiar o planeja-mento e a definio das
prioridades nas aes de sade e o acompanhamento das polticas
realizadas, por meio da mensurao da cobertura das atividades
desenvolvidas e deteco de pontos de estrangulamento do sistema de
sade; facilitar a integrao dos dados dos Sistemas de Informaes de
Base Nacional gerenciados pelo Minis-trio da Sade, estados e
municpios; permitir o aporte de outros dados importantes para sua
anlise e subsidiar processos de regulamentao do sistema de sade e
de racionalizao da utilizao de recursos humanos, fsicos e
financeiros.
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36 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011
Nesse texto, foram enfocadas as quatro caractersticas prprias da
APS, mas registramos ainda duas caractersticas que so derivadas das
j descritas:
a competncia cultural, que trata da capacidade das equipes de
sade em reconhe-cer as mltiplas particularidades e necessidades
especficas de subpopulaes, que podem estar afastadas dos servios
pelas peculiaridades culturais, como diferenas tnicas e raciais,
entre outras;
a orientao comunitria, que se refere ao entendimento de que as
necessidades em sade dos indivduos/famlias/populaes relacionam-se
ao contexto social e que o reconhecimento dessas necessidades
pressupe o conhecimento do contexto social.
Essas duas caractersticas tm os agentes comunitrios de sade como
atores impor-tantes para sua viabilizao na experincia
brasileira.
Para finalizar esta seo, destacamos a coerncia da opo
brasileira, traduzida na Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB),
com os valores, os princpios e os atributos da APS como entendida
internacionalmente (OPS/OMS, 2005).