LINGSTICA TEXTUAL X PRODUO DE TEXTO NA ESCOLA: UMA COMBINAO
POSSVEL? Marcilene Oliveira Sampaio (UFES/UNEB)
[email protected] INTRODUO A investigao do processo de produo
textual tem sido foco de discusses e tem gerado inmeras produes
cientficas e pesquisas nesta rea. No entanto, o que motiva este
trabalho so as produes escritas no mbito escolar, as conhecidas
redaes escolares. Motivados por inmeras causas, muitos professores
de posse destas redaes costumam declarar: os alunos no escrevem
corretamente; este texto est incoerente; essa redao est sem
sentido; etc. Este artigo visa apresentar a importncia do acesso
aos novos conhecimentos no campo da Lingustica, sobretudo, aos
recentes estudos da Lingstica Textual no Brasil que do nfase ao
carter sociocognitiva-interacionista do texto. Objetiva mostrar que
a Lingstica Textual pode oferecer ao professor subsdios
indispensveis para a realizao do trabalho com o texto em sala de
aula. LINGUSTICA TEXTUAL: TRAJETRIA E FINALIDADE A Lingstica do
texto passou por inmeras fases e orientaes heterogneas
(estruturalista, gerativista, funcionalista) que so at os dias
atuais amplamente discutidas em artigos e livros que abordam a sua
trajetria.1 A partir da dcada de 60, surgiram na Europa Central os
primeiros estudos abordando o texto oral e escrito bem como os
fatores que levam sua produo, compreenso e recepo. Mas,
inicialmente, os estudos estavam centrados nas anlises
transfrsticas que surgem a partir da observao de que certos
fenmenos no texto no poderiam ser explicados apenas pelas teorias
vigentes na poca (Estruturalismo e Gerativismo) por ultrapassarem
os limites da fraseTrabalhos publicados no Brasil a partir da dec.
80: Lingstica Textual: introduo (Fvero & Koch, 1983),
Lingustica Textual: o que e como se faz (Marcuschi, 1983) e
Introduo Lingistica Textual (Koch, 2004).1
simples e complexa: a co-referenciao (anfora); a correlao de
tempos verbais; o uso de conectores interfrasais; a pronominalizao;
a ordem das palavras; a seleo dos artigos e o uso de elementos
indefinidos. A necessidade de considerar o conhecimento intuitivo
do falante na construo do sentido global do enunciado e no
estabelecimento das relaes entre as sentenas e o fato de vnculos
coesivos no assegurarem unidade ao texto conduzem construo de outra
linha de pesquisa. Nessa nova linha, procurou-se considerar o texto
no apenas como uma seqncia de frases, mas um todo, dotado de
unidade prpria. Surgem ento as chamadas Gramticas de Texto. Apesar
dos avanos, cabe reconhecer alguns problemas na formulao das
Gramticas Textuais. O primeiro a conceituao do texto como uma
unidade formal, dotada de uma estrutura interna e gerada a partir
de um sistema finito de regras, internalizado por todos os usurios
da lngua. Outro problema a separao entre as noes de texto (unidade
estrutural, gerada a partir da competncia de um usurio idealizado e
descontextualizado) e discurso (unidade de uso). Como lembra
Marcuschi (1998), no final da dcada de setenta, o enfoque deixa de
ser a competncia textual dos falantes e passase a considerar a noo
de Textualidade, estabelecida por Beaugrande e Dressler (1981)
como: modo mltiplo de conexo ativado sempre que ocorrem eventos
comunicativos. A partir da dcada de 90, os estudos lingsticos
tomaram novos rumos, com o surgimento do interaciosnismo, que
abrangeu os diversos segmentos da Lingstica como a Sociolingstica,
a Pragmtica, a Anlise da Conversao, a Anlise do Discurso e a
Lingstica Textual. De acordo com Morato (2004, p. 316), a noo de
interao em Lingstica se coloca numa perspectiva de abordagem de
alguns fenmenos como o processo de produo textual que passa a ser
resultado de uma atividade interacional. A Lingstica Textual, neste
momento, assume nitidamente uma feio interdisciplinar e passa
considerar o texto como resultado do processo de interao de uma
rede de elementos sociais, cogniti-
vos e lingsticos. Surge, portanto, a sua mais nova fase:
sociocognitiva-interacionista em que o processamento textual s se
configura:Em sua inter-relao com outros sujeitos, sob a influncia
de uma complexa rede de fatores, entre os quais a especificidade da
situao, o jogo de imagens recprocas, as crenas, as convices,
atitudes dos interactantes, os conhecimentos (supostamente)
partilhados, as expectativas mtuas, as normas e convenes
scio-culturais. (Koch, 2003, p. 10)
O TEXTO NA ESCOLA: PRODUTO OU PROCESSO? Por muito tempo os
professores de Lngua Portuguesa encaravam o texto do aluno, a
famosa redao escolar, como um produto fechado e os caberia, em face
deste objeto, corrigi-lo, analisando o seu grau de coerncia ou
incoerncia, legibilidade ou ilegibilidade, reduzindo o processo de
produo textual num mero exerccio de escrita com fins avaliativos. O
advento dos Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa,
no final da dec. de 90, provocou inmeras mudanas no universo
escolar que foram sentidas tanto nas prticas pedaggicas quanto na
elaborao de livros didticos. Entre os diversos temas abordados pelo
documento est o enfoque na questo da leitura e escrita articuladas
s novas concepes de lngua, linguagem, texto e gneros discursivos
que se configuraram. notvel como os estudos lingsticos da poca,
sobretudo, os estudos da Lingstica Textual influenciaram os
postulados dos PCNs de Lngua Portuguesa. Neste perodo, os estudos
da LT pontuaram questes de ordem social, cognitiva e, tambm,
lingstica que no haviam sido amplamente discutidos, mas que
constituram o pano de fundo para a sua mais nova fase, a
sociocognitivistainteracionista. O texto que fora visto enquanto
produto a ser avaliado levando em conta os fatores macro, micro e
superestruturais; relevncia e legibilidade; coeso e coerncia; passa
a ser encarado enquanto processo/ao/interao. O pressuposto adotado
o de que todo fazer (ao) necessariamente acompanhado de processos
de ordem sociocognitiva-interacional. Como afirma Koch (2004):Os
parceiros da comunicao possuem saberes acumulados quanto aos
diversos tipos de atividades da vida social, tm conhecimentos
na
memria que necessitam ser ativados para que a atividade seja
coroada de sucesso. Essa atividade motivada por fatores de ordem
social e interativa, h um que dizer diante de uma situao posta e h
conhecimentos que so partilhados ou construdos no ato dessa
interao.
A partir da noo de que o texto constitui um processo de carter
cognitivo, Heinemann & Viehweger (1991) definem quatro grandes
sistemas de conhecimento, responsveis pelo processamento textual:
lingstico, enciclopdico ou de mundo e interacional: ilocucional,
comunicacional, metacomunicativo, conhecimento acerca de
superestruturas ou modelos textuais globais.2 Estes conhecimentos
so ativados pelos escritores/falantes e leitores/ouvintes no ato da
produo e recepo dos textos. O ato de ativao dos mesmos se d pelo
uso das estratgias de processamento textual: cognitivas,
sociointeracionais e textuais.3 Se, portanto, a escola no
compreende esta rede de fatores que corroboram para a produo de
texto, nunca ter os instrumentos necessrios para avaliar o texto de
um aluno, muito menos para orient-los. Compreender um texto ou
avaliar o seu grau de coerncia implica saber que todo o seu
processamento depende no s de suas caractersticas internas ou
superficiais, mas dos diversos conhecimentos dos usurios, pois so
esses conhecimentos que definem as estratgias a serem utilizadas na
sua produo. ANLISE DO TEXTO ESCOLAR: PERSPECTIVA DA LINGSTICA
TEXTUAL Como a proposta deste artigo, evidenciada desde o seu
ttulo, destacar a importncia dos estudos da Lingstica Textual
compreenso da produo de texto escolar, prope-se neste instante,
atravs da anlise de um texto produzido por um aluno da Educao de
Jovens e Adultos4, mostrar como os postulados da LT podem oferecer
mecanismos/procedimentos que permitem ultrapassar a leituraHeinemam
& Viehweger (1991) e van Dijk (1989) abordam acerca desse
sistema de conhecimentos, ambos so citados por Koch (2004, p.
22-24).2
As estratgias de processamento de texto so amplamente discutidas
na Lingstica Textual pelos autores: van Dijk & Kintsch (1983) e
ampliadas por Koch (2003).3
O texto de um aluno de escola pblica da rede estadual de ensino
de Vitria da Conquista, interior da Bahia.4
e avaliao superficial do texto, saindo da ponta do icerberg5
para ento se chegar a sua estrutura mais profunda e, com isso,
promover a valorizao da atividade de produo de texto enquanto
processo dinmico, social, cognitivo e lingstico. Observe, ento, o
texto:
A metfora do icerberg sugerida por Dascal (1992), para o autor o
sentido do texto s compreendido na medida em que se mergulha no
mais profundo da sua produo, nas suas partes submersas, op cit.
Koch (2002)5
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18.
19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28.
Falta de cultura Novela, Big Brother, pagode, arrocha. Falta de
cultura em todas as formas possveis, musicalmente e
tecnologicamente, todas as formas. Ningum l, ningum pesquisa. A
juventude esqueceu quem ela e no querem saber quem foram seus pais,
avs e ancestrais. // A TV deveria ser uma forma de mostrar a
cultura, mas a cultura da TV uma moa mexendo a bunda, o sexo e a
violncia. O que importa para muitos a audincia. A juventude omissa
e hipcrita, assim como muitos adultos que querem ser jovens mesmo
nesse ponto. Alguns no tem cultura pela falta de meios da mesma
chegar at eles. Consumismo, vaidade, egosmo etc. Ningum se
interessa em saber quem foram os negros, os ndios, a herana que
eles nos deixaram, o que foi a ditadura, como foi o golpe militar,
como foi a histria em geral. // E o sculo vinte e um a nova era, um
novo momento, novos modos de ver as coisas, novas maneiras de
pensar, expressar, agir, ser e fazer. No h uma possvel soluo, um
possvel argumento. analfabetos por opo, burros por escolha, pobres
de cultura. E isso provoca vrios fatores polticos e etc. A soluo
alugar o Brasil !!! tudo free!!!
Na tentativa de avaliar a produo de sentido no texto Falta de
Cultura adotar-se- os atuais pressupostos de anlise da Lingstica
Textual. Primeiramente, evidenciar as estratgias
sociocognitiva-interacionistas e, posteriormente, destacar como as
estratgias textuais colaboram para a compreenso mesmo que parcial
da inteno comunicativa do autor do texto. Neste contexto tm-se os
seguintes constituintes da situao comunicativa (produo e recepo do
texto):1. Contexto de produo: contexto imediato sala de aula, aula
de lngua portuguesa, atividade de produo de texto; contexto social
escola da rede pblica de ensino do municpio de Vitria da Conquista,
interior da Bahia. Modalidade EJA (projeto destinado clientela
especfica, com currculo e carga horria especial); Aluno/autor: 42
anos, trabalhador do comrcio informal, pai de adolescentes,
alu-
no participativo que freqentemente suscita determinadas
discusses em aula. 2. Aluno (produtor/planejador) viabiliza o seu
projeto de dizer a partir do que lhe proposto em sala: produo de um
texto com gnero livre a partir de temticas diversas extradas de um
texto-disparador: Os males da sociedade moderna, de Jos Arcanjo.
Para tal, o aluno-autor mobiliza seus conhecimentos prvios:
lingsticos, textuais e de mundo, bem como recorre a uma srie de
estratgias de organizao textual orienta o leitor, por meio dos
sinalizadores textuais (indcios, marcas, pistas), para a construo
dos (possveis) sentidos do texto. Texto (redao escolar): organizado
estrategicamente de dada forma em decorrncia das escolhas feitas
pelo aluno entre as diversas possibilidades de formulao que a lngua
lhe oferece e das quais ele tem conhecimento. Leitor Inicial:
professor nico interlocutor do texto que a partir do modo como o
texto se encontra lingisticamente construdo e das sinalizaes que
lhe oferece avaliar como coerente ou no.
3.
4.
Para anlise deste texto, no se deter apenas na situao imediata
(co-texto), mas, sobretudo, na situao mediata (entorno scio-poltico
cultural) e o contexto sociocognitivo do aluno que subsume os
demais. Nota-se que o aluno/autor ao processar o seu texto
mobilizou uma srie de conhecimentos armazenados na memria:a.
conhecimento lingstico (lngua escrita e suas regras e lngua em
uso), o autor faz seleo e combinao lexical, mas procura obedecer s
regras j preestabelecidas no sistema gramatical de sua lngua; b.
conhecimento enciclopdico (scripts, frames), o aluno recorre ao seu
conhecimento de mundo: episdico ou declarativo sobre a juventude,
TV, histria, msica, cultura, etc. c. conhecimento da situao e suas
regras: o aluno/autor est inserido numa situao de produo de texto e
a compreende na medida em que procura atender proposta avaliativa
dada pela professora. d. conhecimento metatextual e metagenrico:
apesar da proposta de redao apresentada pela professora no
sugestionar nenhuma tipologia ou gnero textual, o autor do texto
mobilizou o seu conhecimento superestrutural, adotando a
superestrutura argumentativa num gnero escolarizado: dissertao. e.
conhecimento de outros textos: alm de utilizar trechos do
textochave, parafraseando-o, ao final da redao percebe-se
claramente que o
autor mobiliza um trecho da msica Aluga-se, de Raul Seixas para
finalizar o seu texto. f. conhecimento metacomunicativo: o autor
procura garantir a aceitao do seu texto pela professora, pois
apesar de no desenvolver uma redao com base nas temticas sugeridas
pelo texto prvio, procura atender solicitao feita ao fazer remisso
ao texto lido, parafraseando-o na linha 20 o sculo XXI, a nova era,
um novo momento, novos modos de ver as coisas...
Pode-se afirmar que os conhecimentos elencados so tambm
conhecimentos interacionais na medida em que se referem a formas de
interao estabelecidas pela linguagem: percebemos os objetivos e
propsitos do autor em face do que lhe proposto e de posse dos
conhecimentos que dispe para tal. Com o propsito de produzir
sentido ao seu ato comunicativo, o aluno mobiliza todos os
conhecimentos apontados. Esta mobilizao realiza-se por meio de
estratgias de diversos tipos: a. cognitiva- esta estratgia
refere-se aos diversos conhecimentos ativados no ato da produo do
texto. Estes conhecimentos so alusivos a vivncias pessoais e
eventos espcio-temporalmente situados, permitindo a produo de
sentidos. Observa-se no texto marcas dessa estratgia quando o
aluno/autor recorre a elementos da memria social ao fazer
determinadas inferncias: Novela, Big Brother (TV) pagode, arrocha
(msica), ndios, negros, ditadura, golpe militar (histria);
focalizao: juventude que possui interesse avesso ao cultural (falta
de meios, analfabetos por opo, pobres de cultura); relevncia:
desinteresse cultural x boa cultura. O autor recorre, tambm, ao
conhecimento episdico: a partir da leitura de um texto-prvio, faz
remisso ao mesmo na sua redao, seja pela retomado de trechos
(parfrase) e/ou pela reiterao de itens lexicais: tecnologicamente,
sculo XXI, novos. Assim, ele mobiliza a sua capacidade
transformativa, sendo capaz de reformular, parafraseando ou
reiterando o texto-chave, bem como revela a
sua competncia qualificativa ao selecionar um tipo particular de
gnero para materializar sua proposta argumentativa.6 b.
sociointeracionais: estas estratgias visam manter e levar a bom
termo uma interao verbal. No texto em anlise o aluno/autor adota
uma superestrutura textual especfica e seleciona itens lexicais, a
fim de garantir o seu propsito comunicativo com clareza, promovendo
uma interao verbal sem rudos, cortes ou digresses. Com a finalidade
de manter esta interao, ele utiliza o conhecimento que , de certa
forma, partilhado entre os seus interlocutores. Num ato
preparatrio, preservando as faces, lana mo de uma seqncia
semntico-lexical para iniciar os seus argumentos em torno da
temtica aludida - falta de cultura: linha (1) Novela, Big Brother,
pagode, arrocha. O grau de polidez est socialmente determinado com
base nos papis sociais deste produtor: aluno, pai de jovens, mas
que em vrios momentos no texto resguarda a sua face e a do parceiro
ao utilizar termos indefinidos ou genricos: (4) Ningum l, ningum
pesquisa (13) Alguns no tm cultura, (16) Ningum se interessa em
saber quem foram os negros; e por expresses nominais definidas em:
A juventude (5) esqueceu quem ela . Ainda neste processo interativo
h uma negociao estabelecida entre o produtor e o leitor do texto o
qual acentua as possveis digresses ou os possveis rudos nas
informaes postas. Por exemplo, nas linhas (13) e (14) Alguns no tem
cultura pela falta de meios da mesma chegar at eles; a falta de
cultura atribuda falta de meios de acesso. J na linha (24)
analfabetos por opo, burros por escolha; a falta de cultura uma
opo, escolha, deciso. A nocontradio instaurada na medida em que
entendemos que a produo do texto realizada por tpicos temticos que
se articulam como veremos no item seguinte: estratgias textuais. c.
textuais- as estratgias textuais no deixam de ser tambm cognitivas
e interacionais, dizem respeito s escolhas textuais feitas pelo
produtor do texto. Com esta estratgia so mobilizados diversos
conhecimentos, entre eles, o lingstico e o metatextual. Percebe-se
que o autor a partir de seu conhecimento lingstico (gramatical e
leCharolles (1989), citado por Koch & Travaglia, 1989, pp
42-43, pontua que todo falante possui trs capacidades textuais
bsicas: formativa, transformativa, qualificativa.6
xical) seleciona, organiza e articula os elementos lexicais,
efetuando remisses a fim de garantir a progresso textual e a
continuidade temtica e com base no seu conhecimento textual adota
um gnero especfico: dissertao escolar para concretizar o seu
propsito. Inicialmente, mostrar-se- como se processou a organizao
da informao, ou seja, distribuio do material lingstico na superfcie
do texto que contribuiu consideravelmente para a produo do sentido
na redao em anlise.1. dado/novo: a autor apresenta dados (novela,
Big Brother) que constituem o lugar comum, no entanto ao processar
os argumentos imprime nestes dados novas proposies - o que deveria
ser a TV (l. 6), a cultura da TV (8). 2. tema/rema: no texto
ativado claramente um tema falta de cultura e a partir dele se
constri no interior do texto inmeros remas: falta cultura em todas
as formas, falta leitura, falta pesquisa, desinteresse da juventude
em saber sua histria e a histria do seu povo, a TV no mostra
cultura, a juventude omissa, no h argumentos, etc. Esta ativao de
remas no provoca nenhum tipo de rudo ou digresso, uma vez que a
progresso realizada pela retomada de tema constante. 3. progresso:
no texto em anlise a progresso e articulao entre os pargrafos e a
continuidade temtica no so feitas exclusivamente por intermdio de
conjunes e conectores explcitos na superfcie textual, mas se d no
plano ora implcito ora lexical, como ocorre com o item cultura que
promove um encadeamento semntico e uma progresso temtica do texto.
Vejam os elementos responsveis pela progresso textual e
continuidade temtica na redao em anlise: - Ativao e reativao de
itens lexicais: a remisso se fez por referentes textualmente
expressos: juventude, TV, ningum, cultura e por referentes que esto
na memria discursiva do autor e que, a partir de pistas ou ncoras
encontradas na superfcie textual, so (re) ativados via inferenciao.
o que ocorre em: Novela e Big Brother apresentados na primeira
linha do texto e reativados pelo seu hipernimo TV na linha (6).
Pode-se dizer que o texto teve um incio catafrico, a comear pelo
seu ttulo Falta de Cultura que constitui fator estratgico de
articulao, desempenhando funo de ncora com os demais itens lexicais
que sero reativados no decorrer do texto: (l. 1) Falta de cultura,
(l. 7) mostrar cultura, (l.8) a cultura da TV, (l.13) no tem
cultura, (l. 24) pobres de cultura. Ao final do texto, na linha
(25) E isso prova vrios fatores polticos e etc, a remisso do tipo
anafrica uma vez que o pronome isso recapitulativo, retoma itens
factuais anteriormente apresentados pelo texto,
constitui um objeto-de-discurso que, apesar de funcionar como
elemento coesivo, um operador argumentativo no texto. Alm da
referenciao por catfora, como ocorre no incio do texto e por anfora
direta com a expresso nominal a juventude(l. 4 e 11), tem-se,
tambm, a anfora indireta ou associativa em que a reativao realizada
por correlaes semnticas ancoradas a partir dos fatores
pragmticodiscursivos, vejam esta ocorrncia no prximo item. -
Correlao semntica de itens lexicais: Novela e Big Brother (TV);
Pagode e arrocha (musicalmente); ndios, negros, ditadura, golpe
militar (histria geral). Os itens TV, musicalmente, histria
encapsulam/ sumarizam de forma prospectiva os itens lxico-semnticos
que os antecedem. Interessante o que ocorre com os itens
musicalmente e tecnologicamente que se referem semanticamente aos
itens pagode e arrocha(musicalmente) e novela e Big
Brother(tecnologicamente) - reiterao pronominal: A juventude
esqueceu quem ela ... / negros, os ndios, a herana que eles nos
deixaram; - repetio enftica: todas as formas; ningum, juventude,
cultura, TV; - gradao de itens: o autor inicialmente lana mo do
item definido a juventude e depois estabelece uma gradao na linha
(6) quem foram pais, avs e ancestrais; - silepse (concordncia
semntica): A juventude esqueceu quem ela e no querem saber quem
foram seus pais..; - encadeamento por conexo: no texto tal conexo
no se d meramente pelos usos dos conectores, mas por relaes
lgico-semnticas entre os enunciados. O encadeamento realizado por
justaposio semnticopragmtica. Realiza-se por causalidade: (l. 13)
Alguns no tem cultura pela falta de meios...; temporalidade: (l.
19/20) E o sculo vinte a nova era, um novo momento; comparao: (l.
11/12) A juventude omissa e hipcrita, assim como muitos adultos que
querem ser jovens.; reparao discursivo-argumentativa : (l. 23) No h
uma possvel soluo, (l. 27) A soluo alugar o Brasil; consequncia:
(l.25) E isso provoca vrios fatores polticos e etc. - categorizao
metaenunciativa: o autor entende que ele est produzindo um texto de
cunho argumentativo e manifesta metadiscursivamente: (l. 23) No
h... um possvel argumento. - recategorizao de referente: o autor
produz uma construo metafrica (l. 8) TV uma moa mexendo a bunda, o
sexo e a violncia, recategorizando o referente TV, j ativado
anteriormente, a fim de orientar o processo argumentativo. -
parfrase: h uma retomada ao texto-disparador Os males da sociedade
moderna por meio da parfrase: (l. 19/20) E o sculo vinte e um a
nova era, um novo momento, novos modos de ver as coisas, novas
maneiras de pensar, expressar, agir, ser e fazer. A parfrase,
utilizada pelo autor, tem um propsito especfico, como mencionada
anteriormente, constitui-se uma estratgia metacomunicacional e,
portanto, interacional. - intertexto: atravs do conhecimento prvio
de outros textos, o autor acrescenta dois trechos da msica Aluga-se
do cantor e poeta baiano Raul Seixas, (l.27) A soluo alugar o
Brasil !!!, (l. 28) tudo free!!!. Com este intertexto, o
aluno/autor finaliza a sua redao apontando uma possvel soluo aos
problemas levantados em torno da questo maior falta de cultura.
Pela anlise do texto Falta de cultura pode-se concluir que o(s)
sentido(s) no est/esto no texto em si, nem na sua superfcie
lingstica, mas depende(m) de fatores de diversas ordens:
lingsticos, cognitivos, scio-culturais e interacionais. A
compreenso destes fatores constitui o primeiro passo para o
analista de texto, sobretudo, o professor em face ao texto do
aluno, produzido em situao escolar, mas motivado por elementos
contextuais, sociais, cognitivos e lingsticos que esto sempre
articulados neste processo de interao que o texto. A COMBINAO
PROPOSTA CONCRETAMENTE POSSVEL? Por tudo apresentado, pode-se
compreender que a adoo pelos postulados da Lingstica Textual
(perspectiva sociocognitivainteracionista) anlise da produo escrita
escolar deve-se ao fato de que esta prope um estudo das operaes
lingsticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produo,
construo, funcionamento e recepo de textos. Seu tema alm de
abranger a coeso superficial ao nvel dos constituintes lingsticos e
a coerncia conceitual ao nvel semntico e cognitivo, investiga o
sistema de pressuposies e implicaes de cunho pragmtico da produo de
sentido no plano das aes e intenes. Este conhecimento pode
contribuir para o aprimoramento de uma das mais importantes formas
de operaes didticas no ensino da lngua portuguesa, a produo de
texto. Alm claro de colaborar para que esta prtica contribua ao
desenvolvimento de escritores competentes no espao escolar como
prope os PCNs:Um escritor competente , tambm, capaz de olhar para o
prprio texto como um objeto e verificar se est confuso, ambguo,
redundante, obscuro ou incompleto. Ou seja: capaz de revis-lo e
reescrev-lo at consider-lo satisfatrio para o momento.
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