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LINGUAGEM JURDICA E ACESSO JUSTIA
Nirlene da Consolao Oliveira1
RESUMO: Partindo de estudos que apontam a linguagem jurdica,
caracterizada por seu excesso de rebuscamento, formalismos e
difceis terminologias, como sendo motivo de afastamento de muitos
cidados da busca de tutela jurisdicional, este artigo tece reflexes
e discusses sobre a linguagem jurdica, como fator a ser melhor
considerado no processo de alijamento de grande parte da populao
brasileira da participao democrtica e cidad, o que dificulta a
implementao dos direitos e garantias fundamentais. Acreditando-se
ter a linguagem jurdica papel decisivo no acesso Justia, uma vez
que, sem sua apropriao, desconhecem-se os direitos e os mecanismos
para reivindic-los, este estudo problematiza o carter imutvel que o
uso de vocabulrio hermtico e terminologias da linguagem jurdica, em
geral, parece ter entre os profissionais do Direito.
Palavras-chave: Linguagem; Linguagem Jurdica; Acesso Justia.
INTRODUO
Apresentada de maneira escamoteada e diluda entre os fatores
scio-culturais que dificultam o direito de acesso Justia, a reflexo
sobre a linguagem jurdica no tem guardado espao de destaque nos
livros que versam sobre essa garantia fundamental. Se o Direito ,
por excelncia, entre as que mais o sejam, a cincia da palavra
2(XAVIER, 2003, p.1), razovel seria que ocupasse, no bojo das
discusses sobre acesso Justia, um lugar de cuidadosa relevncia.
1 Graduada em Letras pela Faculdade de Cincias e Letras de
Caratinga MG. Ps-graduada lato
sensu em Lingustica Aplicada Lngua Portuguesa pela PUC/MG.
Ps-graduada lato sensu em Educao Infantil e Alfabetizao pela
Universidade Castelo Branco. Graduada em Direito pela Faculdade de
Cincias Jurdicas Prof. Alberto Deodato. Professora de Lngua
Portuguesa na RME/BH 2 XAVIER, R. C. Portugus no direito: linguagem
forense. 15. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
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Com o objetivo de discutir a importncia do papel da linguagem
jurdica no acesso Justia, este estudo no intenciona hierarquizar os
obstculos ao acesso Justia brasileira, mas ampliar a discusso,
trazendo ao fenmeno da linguagem jurdica pressupostos tericos,
normalmente negligenciados no meio jurdico, que viessem ao encontro
da problemtica levantada: Em que medida a linguagem jurdica impacta
a universalizao do acesso Justia?
discusso desta questo, outras se colocam paralelamente, quando
no, preliminarmente: o reconhecimento da linguagem jurdica como
tal, o entendimento da linguagem jurdica como entrave ao acesso
Justia, a compreenso dos mecanismos de manuteno de uma linguagem e
dos motivos que a fomentam, o reconhecimento do direito
constitucional de acesso Justia e, finalmente, o grau de importncia
que tem a linguagem jurdica, como elemento de interao entre o
Judicirio e os cidados, e como veiculadora do direito em um Estado
democrtico.
Expresso na Constituio Federal de 1988, em seu artigo 5, XXXV, o
direito de acesso Justia para todos se constitui em um dos pilares
da cidadania plena. Para alm da garantia constitucional, de
apreciao pelo Poder Judicirio de toda leso ou ameaa a direito,
caminha hoje o entendimento do que vem a ser o efetivo acesso
Justia, ampliada a questo para acesso ao direito.
O amadurecimento do Estado Democrtico de Direito leva ao
entendimento de que o direito de acesso Justia, de ter o pedido
apreciado pelo Judicirio, tal como formalmente garantido no artigo
5, XXXV da Constituio Federal, alm de no ter se efetivado em seu
sentido estrito, tambm no contempla a amplitude do termo
acesso.
Esse entendimento amplo de que se fala o acesso como compreenso
do sistema para com ele interagir de forma cidad; , ainda, o acesso
a uma ordem jurdica justa, em que os conflitos sejam tratados e
resolvidos de forma isonmica. Esse acesso jamais se concretizar
isoladamente, sem que outros direitos se efetivem e lhe sirvam de
alicerce.
Nesse pensamento, o conceito de acesso Justia ultrapassa o fato
de o cidado ter ou no ter sua lide nas gavetas do Judicirio. A
justia gratuita, por exemplo, permite que litgios de alguns
indivduos desfavorecidos economicamente venham apreciao do
Judicirio. Entretanto, mesmo durante o processo no qual so partes,
a Justia permanecer inacessvel para essas pessoas.
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O fato que nem todo cidado brasileiro tem direito a ter
direitos, o que, no caso em questo, quer dizer que no tem direito
de acessar a Justia todo aquele que no tem direito a uma educao
jurdica ou no tem condies econmicas para pagar seu acesso. No tem
direito de acesso Justia todos aqueles para os quais a linguagem
jurdica se lhes afigura como uma lngua aliengena.
Fundada foi a preocupao do legislador em dar ao direito de
acesso Justia uma moldura constitucional; entretanto, no basta
prescrever o direito, preciso que se viabilize o direito a ter
direitos, que nada mais que desobstruir o caminho que leva
Justia.
Nesse intento, muito j se legislou e muitas aes desembocaram
numa justia mais inclusiva, a exemplo dos Juizados Especiais, a
Assistncia Judiciria Gratuita e a Defensoria Pblica.
Na contramo desses avanos, em maro de 2004, uma pesquisa do
Ibope, encomendada pela Associao dos Magistrados Brasileiros,
demonstrou haver um enorme fosso entre a linguagem jurdica e a
lngua utilizada pelo cidado comum, deixando do lado de fora dos
portais do Judicirio uma parcela significativa da populao
brasileira.
Segundo o juiz Rodrigo Collao, ex-presidente da referida
associao, a linguagem jurdica afasta a populao do Poder Judicirio3
o que leva a consider-la como um dos obstculos ao acesso ao
direito.
A linguagem jurdica produto de construo scio-cultural,
imprescindvel efetivao do acesso Justia e deveria estar, por
princpio constitucional, ao alcance de todos. No entanto, via de
regra, ela a se colocar como uma grande muralha entre o cidado e o
texto jurdico, seja ele escrito ou oral, tornando-se grande
responsvel pelo desconhecimento do direito e, por consequncia, bice
ao acesso Justia.
O relatrio preliminar do Grupo de Trabalho da Comission on Legal
Empowerment of the Poor4, vinculado Organizao das Naes Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), aponta quatro principais obstculos
efetivao do acesso Justia, dentre eles, a falta de conhecimento
sobre os direitos.
3 Associao dos Magistrados Brasileiros. O Judicirio ao alcance
de todos: noes bsicas de
juridiqus. 1.ed. Braslia: Ediouro Grfica e Editora, 2005. 4
COMMISSION ON LEGAL EMPOWERMENT OF THE POOR. Hospedado pela
Organizao das
Naes Unidas para o Desenvolvimento(PNUD). Disponvel em . Acesso
em 12 de dezembro de 2011.
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Eleger o desconhecimento sobre os direitos como um dos fatores
implicados no processo de excluso do acesso Justia to mais simples
que problematizar as razes que levam ignorncia. Sim, razes, porque
no h, por certo, apenas um tijolo a erguer o muro da ignorncia
jurdica.
Indubitvel que o direito, para muitos, adormece na letra fria da
lei porque sua compreenso efetiva est muito distante do cidado
mdio, embora tenha consequncias diretas na vida de todos.
Da leitura do artigo de TFOUNI (2010) e MONTE-SERRAT (2010)5,
depreende-se que, no esforo de trazer ao texto jurdico clareza,
preciso e abrangncia, a linguagem jurdica acaba por homogeneizar os
sentidos, ignorando a desigualdade nas formaes sociais; e o
discurso tcnico, que segue risca a norma padro, elaborado em grande
formalidade, acaba por marginalizar e excluir sujeitos com baixo
grau de letramento.
Diante desse cenrio, buscou-se aprofundar o tema no que tange
constituio da linguagem jurdica e as implicaes de suas
especificidades como causa de excluso do acesso Justia.
Da obra do filsofo e linguista russo Mikhail Bakhtin
(1895-1975), principalmente Marxismo e Filosofia da Linguagem6, de
visvel perspectiva marxista, disciplinas como a Lingustica, a
Sociolingustica, a Anlise do Discurso colheram os pressupostos
tericos segundo os quais a linguagem se constitui como uma arena de
conflitos ideolgicos.
Bakhtin desenvolveu a teoria de que a lngua um produto
scio-histrico e que o mundo das ideias no existe fora da linguagem,
ou seja, a linguagem o mecanismo atravs do qual a ideologia se
manifesta. Sendo a palavra o principal e mais utilizado signo
lingustico, fonte privilegiada da interao social, tambm onde podem
ser percebidas as tenses sociais, os conflitos ideolgicos. A sua
escolha e utilizao, alm de refletir o mbito social, pode tambm
distorcer, levando a mltiplas formas de apropriao e mesmo a
nenhuma, a depender da inteno do falante e da habilidade com que
este manuseia o signo lingustico.
A grande contribuio de Bakhtin para as cincias que operam com a
linguagem, em que se insere o Direito, foi o desenvolvimento do
conceito de
5 TFOUNI, Leda Verdiani; MONTE-SERRAT, Dionia Motta. Letramento
e Discurso Jurdico.
Disponvel em . Acesso em 27 set. 2011. 6 BAKHTIN, Mikhail.
Marxismo e filosofia da linguagem. So Paulo: 14 ed. Hucitec,
2010.
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dialogismo, o que quer dizer que toda linguagem tem o dilogo
como caracterstica intrnseca, pressupondo sempre a existncia do
outro, interagindo discursos num processo permanente de trocas e
oposies.
A obra de Bakhtin contribui, de maneira profcua com todo estudo
que queira estabelecer conexo entre linguagem e prticas sociais. O
entendimento da linguagem jurdica alm de um sistema lingustico
normativo, que prescreve formas, palavras e rituais para escrever o
Direito, ganha, com a inspirao em Bakhtin, status de discurso e,
como tal, veiculador de uma viso de mundo de determinada classe, o
que pode levar aos seguintes questionamentos: Qual a viso de mundo
veiculada pela linguagem jurdica? Quais so as vises de mundo em
conflito na arena da linguagem jurdica? A linguagem jurdica
concretiza a ideologia constitucional? De que forma pode ser
verificada a dimenso dialgica da teoria bakhtiniana na linguagem
jurdica? Se a linguagem jurdica dialoga, quem o outro na
interao?
Essas questes levam a um tipo de compreenso acerca dos elementos
constitutivos ou entrelaados linguagem jurdica e justamente este o
entendimento necessrio para elucidar os mecanismos e os motivos de
manuteno da linguagem jurdica, tal como ela tem se colocado para a
sociedade: distante e inacessvel.
O alargamento dessa discusso se dar no desenvolver dos captulos,
tendo sempre como base a linguagem jurdica em sua dimenso
discursiva, ou seja, como manifestao verbal desenrolada na vida
social, impregnada de valores de uma determinada realidade
histrico-social. Embora no seja o discurso o foco deste artigo, ele
tema conexo linguagem jurdica porque dela se utiliza o profissional
do Direito para criar e organizar o texto, que revelador de um
discurso ideolgico.
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1. ACESSO JUSTIA
1.1 O que acesso Justia Nas palavras de HESS (2004), o conceito
de acesso Justia
universal7 e decorreu da anlise dos conflitos surgidos em
sociedades, nas quais se pretendeu atenuar a desigualdade
scio-econmica, promovendo o bem-estar social atravs da interveno do
Estado.
O que se pode depreender dessa constatao da autora que a
universalidade de que ela trata deve referir-se existncia universal
de um conceito de acesso Justia, uma vez que os estudos apontam
para uma evoluo do conceito de acesso Justia, fazendo surgir novos
conceitos, ou melhor dizendo, um conceito ampliado, o que faz
compreender que tal conceito possa no ter um significado universal
nem no tempo, nem no espao.
Positivados nas modernas Constituies e Tratados, os direitos e
garantias de acesso Justia desenvolveram-se medida que os direitos
e garantias fundamentais e o direito poltico cidadania se impuseram
atravs dos movimentos polticos e sociais no ocidente.
No Brasil, a Constituio Federal, em seu artigo 5, inciso XXXV,
garantiu ao cidado o direito tutela jurisdicional do Estado, ao
dispor que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou
ameaa a direito. Este preceito da inafastabilidade da jurisdio,
aliado ao princpio da dignidade da pessoa humana, ao princpio da
igualdade e do direito ao devido processo legal aliceram o direito
de acesso Justia, entendido este, a senso comum, como o direito de
acesso ao Poder Judicirio para pleitear proteo a direitos.
Ocorre que a afirmao do direito, tal como disposto no inciso
XXXV, artigo 5, assegura abstratamente o direito de ingresso em
juzo, sem que se garanta, na letra da lei, a efetividade dos
instrumentos e mecanismos viabilizadores desse direito.
Concomitante evoluo do Estado Democrtico de Direito, esta
perspectiva puramente declaratria do direito de acesso teve que
evoluir, para contemplar as classes populares destitudas de
instrumentos aptos a concretizar os direitos individuais e sociais
que o novo modelo de Estado pretendia tutelar.
7 HESS, Heliana Maria Coutinho. Acesso Justia por reformas
judiciais. Campinas, SP:
Millennium Editora, 2004. p.01
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O Brasil sedimentou constitucionalmente, em seu artigo 1, o
Estado Democrtico de Direito, que, consoante MORALLES (2006)8, o
modelo de Estado que assume um compromisso com a transformao da
sociedade para um ideal de liberdade, justia e solidariedade. Para
esse intento, a participao e o acesso aos centros de poder fator de
legitimao da ordem jurdica, poltica, econmica e social.
O professor Jos Afonso da Silva atribui ao Estado Democrtico de
Direito um compromisso com a justia material, aquela caracterizada
no apenas como a igualdade perante a lei, igualdade formal, porm
aquela que v levar redistribuio da riqueza, de modo a reestruturar
as relaes sociais e econmicas, alicerando a sociedade democrtica a
qual no se concebe sem a participao do cidado comum nos mecanismos
de deciso.9
Assim, ao se falar em garantir o acesso Justia, h que se pensar
nos problemas polticos, sociais, econmicos e culturais que impedem
o acesso ao Poder Judicirio, bem como o acesso ordem jurdica
justa.10
Este novo enfoque conceitual de acesso Justia caracterizado,
conforme nos ensina MORALLES, como acesso a uma ordem de valores e
direitos selecionados pela sociedade que permitam a realizao do
ideal de justia social, oportunidades equilibradas aos litigantes,
participao democrtica e tutela jurisdicional efetiva11 .
Em CAPPELLETTI e GARTH12, o direito de acesso Justia considerado
como o mais bsico dos direitos humanos, sendo este o responsvel
pela efetividade dos demais direitos que incluem, alm dos civis e
polticos, gerados no sculo XVIII, os direitos sociais, econmicos e
culturais. Dessa forma, a expresso acesso Justia vai alm do direito
de acesso ao Poder Judicirio, compreendendo-a como o acesso uma
ordem jurdica que v proporcionar ao cidado resultados que sejam
individual e socialmente justos. 8 MORALLES, Luciana Camponez
Pereira. Acesso Justia e princpio da Igualdade. Porto Alegre:
Sergio Antnio Fabris Ed.. 2006, p.27. 9 SILVA, Jos Afonso da.
Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. So Paulo:
Malheiros,
2001. p.122 10
Conceito elaborado por WATANABE, Kazuo. Acesso Justia e
sociedade moderna. IN:GRINOVER, Ada Pelegrini, DINAMARCO, Cndido
Rangel, WANATABE, Kazuo. (Coords.) Participao e processo. So Paulo:
RT, 1988, p.128. 11
MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso Justia e princpio da
Igualdade. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris Ed.. 2006, p.53.
12
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso Justia. Traduo de
Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.8.
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1.2 A evoluo do acesso Justia Em fins do sculo XIX e incio do
sculo XX, mudanas econmicas e
sociais vieram anunciar a inadequao do modelo liberal de Estado.
A revoluo industrial e o capitalismo trouxeram a riqueza e o lucro,
que, por sua vez, trouxeram a explorao do trabalhador.
A grave crise social desencadeada teve como consequncia a
falncia do paradigma liberal e o surgimento do Estado Social e, com
este, a promoo do bem-estar social e a realizao de polticas
compensatrias para fomentar a igualdade a que se almejou no Estado
anterior.
Os chamados direitos de segunda gerao tiveram guarida nas novas
Constituies, dentre elas a Constituio de Weimar e a Constituio
Brasileira de 1934, no Governo de Getlio.
No que tange ao direito de acesso Justia, pode-se dizer que,
tambm nessa poca, ganhou maior robustez, sobretudo no campo da
produo de resultados socialmente justos, alavancados pelo desejo de
superar desigualdades e injustias existentes no paradigma
anterior.
2. OBSTCULOS AO ACESSO JUSTIA
Com o Estado Social positivado na Constituio do Brasil em 1988,
iniciou-se a busca de superar as barreiras ao acesso Justia, cujas
aes resultariam em reformas legislativas que diminussem o custo e a
lentido dos processos. Contudo, segundo MORALLES, os resultados
pretendidos no foram alcanados com tais solues de carter
tcnico-jurdicas e econmicas, pois a complexidade dos bices ao
acesso remetem tambm a questes sociais, culturais e psicolgicas dos
litigantes, levando necessidade de investidas tambm numa dimenso
poltica e social.
MORALLES ainda afirma que os obstculos ao acesso Justia, muitas
vezes, esto interligados13 e, nesse sentido, faz-se necessria uma
anlise conjuntural dos fatores que obstam o efetivo acesso Justia.
E, citando como 13
MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso Justia e princpio da
Igualdade. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris Ed.. 2006, p.66.
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exemplo desse emaranhado, a autora esclarece sobre os riscos da
eliminao da atuao do advogado em determinados procedimentos
jurdicos, com a finalidade de exonerar o litigante ao pagamento de
honorrios advocatcios e condenao em nus de sucumbncia. Em que pese
o barateamento do processo ao consumidor, com a eliminao de um
obstculo econmico, o fim dessa empreitada pode resultar na
dificuldade de defesa dos direitos daqueles com baixo nvel
educacional, pouco ou nada familiarizados com a linguagem jurdica e
a organizao do Poder Judicirio.
Com finalidade didtica, MORALLES organizou as barreiras de
acesso Justia em categorias a que passa-se a discorrer.
2.1 Obstculos econmicos, funcionais, psicolgicos e ticos
2.1.1 Obstculos econmicos Muitos autores protagonizam o custo do
processo como o principal
obstculo ao acesso Justia, problema este que afeta imediatamente
os menos favorecidos economicamente, uma vez que os valores
dispendidos com os honorrios do advogado, os honorrios periciais,
pagamento de custas judiciais, estadia de testemunhas e produo de
provas vo interferir fortemente no resultado do processo.
Um outro fator ainda de natureza econmica diz respeito ao
desaparelhamento do Poder Judicirio, importando em sua insuficincia
material e na qualidade de trabalho de seus serventurios. Consoante
esclarece a autora, em algumas comarcas so precrias as condies de
trabalho de muitos juzes, promotores e serventurios da Justia,
faltando-lhes material e infraestrutura bsica para o
desenvolvimento de suas atividades, bem como a inexistncia de
atualizao e qualificao dos membros de tais rgos.
2.1.2 Obstculos funcionais A estrutura organizacional do
Judicirio burocrtica e hermtica para o
povo em geral. Em alguns momentos processuais, as partes
deparam-se com necessidade de prticas inteis e meramente
burocrticas.
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Dentre as causas geradoras da demora no processo cite-se o
excessivo nmero de recursos, o formalismo exagerado, excesso de
feitos, falta de adoo da tecnologia da informao, entre outros.
O liberalismo e o capitalismo trouxeram a ideia de que tempo
dinheiro, de forma que a produtividade de uma atividade seja na
medida em que mais rpido se realize. Acontece que a tutela
jurisdicional, organizada numa estrutura burocrtica e formalista,
no consegue dar uma resposta com a rapidez almejada pela sociedade.
Em contraponto lentido do Judicirio, a ideia que se coloca a da
segurana jurdica e o temor de que, em razo de uma acelerao
desajuizada do processo, tenham-se decises inadequadas e
desequilibradas.
O lado nocivo da demora do processo judicirio que ela se torna
um mecanismo til e previsvel amplamente utilizado por aqueles que
querem protelar o pagamento de suas obrigaes, estratagema este
utilizado inclusive pelo Poder Pblico para atrasar o pagamento de
seus dbitos.
2.1.3 Obstculos psicolgicos A exemplo da arquitetura barroca,
aquela planejada para impressionar os
fiis fazendo-os figuras insignificantes diante do poderio da
Igreja Catlica, a suntuosidade dos espaos jurdicos, somados
complexa organizao interna de tais rgos, bem como o carter
intimidatrio que, em geral, revelam as salas de audincias e seus
respectivos juzes so fatores psicolgicos a afastar o acesso ao
Judicirio.
A exigncia de certos tipos de vesturio para ingresso em fruns e
tribunais acaba por confirmar ao cidado comum que aquele espao onde
mora a Justia no ser nunca o lugar em que ele v reivindicar seus
direitos com a desenvoltura necessria.
2.1.4 Obstculos ticos A cultura da corrupo em nossa sociedade
estende-se ao Judicirio
levando os cidados a desacreditarem em um resultado justo,
mormente se um dos litigantes pode arcar com propinas ou caixinhas
para liberar testemunhas e, s vezes, influir diretamente no
resultado da deciso, quando o alvo da corrupo o prprio juiz.
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2.2 Obstculos scio-culturais Por acreditar ser a falta de
conhecimento da linguagem jurdica um
obstculo de razes scio-culturais, diferentemente da organizao
textual na obra de MORALLES, conjugam-se, neste item, as duas
dimenses, na inteno de se melhor encaminhar este estudo, cujo foco
a dificuldade que a linguagem jurdica tem colocado aos cidados de
uma determinada organizao scio-cultural, de acesso Justia.
MORALLES elenca obstculos culturais ao acesso Justia a saber:
descrena da populao no Poder Judicirio; desconhecimento dos
direitos; formao liberal individualista dos operadores do Direito e
conduta do Estado administrador.
O baixo grau de eficincia do Judicirio, o desconhecimento dos
direitos e dos mecanismos de reivindic-los levam a populao
descrena, resultando em renncia de direitos e afastamento da
participao democrtica.
As classes menos favorecidas econmica e culturalmente
desconhecem, em regra, direitos tradicionais que versam sobre
direito de vizinhana, famlia, sucesso, locao, posse, dentre outros
que lhes afetam a vida cotidianamente. Em se tratando de novos
direitos tais como consumidor, meio ambiente, biodireito, as
dificuldades de conhecimento dos mesmos, bem como de seus
mecanismos de efetivao, revelam-se alarmantes na sociedade em
geral, consoante a autora.
Para a barreira ao conhecimento dos direitos, conforme MORALLES,
concorrem a inexistncia, em nossa sociedade, de entidades que
tenham por escopo a democratizao do conhecimento do direito, assim
como uma poltica educacional voltada para essa finalidade.
Acresce-se ao bolo da desinformao jurdica que a ao dos meios de
comunicao, na veiculao de programas que orientem a populao a buscar
a tutela jurisdicional, atravs dos rgos pblicos, ainda muito
tmida.
No que tange formao, MORALLES assevera que o individualismo
liberal legou aos operadores do Direito a dificuldade de reconhecer
a existncia de novas formas de conflitos sociais que exigem
juridicamente uma defesa coletiva.
Para encerrar o tema dos obstculos culturais, a mestra destaca a
conduta do Estado Administrador que como um dos maiores
consumidores da
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Justia, especialmente em demandas previdencirias e fiscais,
recorre de todas as decises judiciais, sem um mnimo de
razoabilidade tico-jurdica, protelando o processo, abarrotando de
aes as instncias judicirias e, sob o manto de defesa do errio
pblico e do princpio da moralidade pblica, colocando-se,
paradoxalmente, no lugar daquele que deveria se engajar nos
movimentos de efetividade da tutela jurisdicional.
Fazendo uma conjugao entre fatores econmicos, sociais e
culturais, MORALLES escreve que:
a barreira social de acesso Justia percebida sobretudo nas
camadas mais pobres da sociedade, que em nosso pas a grande maioria
da populao, pois normalmente o grau de pobreza est atrelado ao grau
de pouca educao e informao das pessoas.14
Somados ao pensamento da autora, outros estudiosos tambm diro
que as classes populares menos favorecidas economicamente, alm de
no poderem arcar com o custo do processo, amargam uma educao
deficitria, que no lhes garante o conhecimento necessrio ao acesso
Justia.
Reflita-se que, na sociedade brasileira, alguns j nascem com
seus direitos garantidos e, ainda que no saibam entender a
linguagem jurdica ou compreender a organizao judiciria, podem pagar
a quem sabe. J outros precisam aprender a conhecer e lutar por seus
direitos, precisam aprender que tm direito a ter direitos.
MORALLES, assim como outros juristas, profissionais do Direito e
estudiosos do problema do acesso Justia, no d relevncia linguagem
jurdica como aspecto scio-cultural a ser mais seriamente
considerado na democratizao da Justia. O caminho de sua argumentao
previsvel e ratificado em muitas outras discusses: o problema da
linguagem jurdica no est nela e, sim, no cidado, que pobre, sem
instruo, sem educao de qualidade. O que quer dizer claramente que a
linguagem jurdica pode permanecer exatamente como est at que todos
os cidados estejam ricos, instrudos e educados. Enquanto isso no
acontece, com ou sem a interveno do Estado, natural que a Justia
esteja disposio apenas de um pequeno grupo de privilegiados.
14
MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso Justia e princpio da
Igualdade. Porto Alegre: Sergio Antnio Fabris Ed.. 2006, p.75.
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3. CONCEPES DE LINGUAGEM
3.1 O carter social da linguagem, atividade propriamente humana
Convm estabelecer, de incio, que existem vrias concepes de
linguagem e a concepo aqui adotada que alicera as reflexes em
torno da linguagem jurdica que este estudo intenta.
O conceito de linguagem que norteia este trabalho, da teoria
bakhtiniana, o de que a linguagem construo histrica, social e
cultural. Esta concepo fundamenta-se na ideia de que, como elemento
constitutivo da atividade propriamente humana, a linguagem
origina-se no processo social da existncia humana, processo este
que combina interaes do homem com a natureza e com os outros
homens.
Esta maneira de ver a linguagem insere uma distino essencial
entre processos naturais (concepo inatista) e os processos sociais,
pois da necessidade de estabelecer relaes de intercmbio ou de
cooperao imposta aos homens, decorre a necessidade de produzir a
linguagem. Assim que se concebe a linguagem como decorrente da ao
humana, pautada pela conscincia de que seu uso deliberado, visando
atingir objetivos bem definidos.
3.2 Linguagem, ideologia e poder KLEIN diz que a ideologia a
viso de mundo de determinada classe
social. a forma como determinada classe elabora teoricamente uma
explicao para a realidade.15
Se a realidade a mesma, por que existem posicionamentos
diferenciados sobre ela e, ainda, o que determina a escolha entre
vises de mundo? Um entendimento scio-histrico acerca da organizao
das pessoas em sociedade vem dizer que o interesse de classe sempre
se coloca como determinante nessas circunstncias.
o interesse de classe que vai determinar a opo pela linguagem
que vai expressar aquela viso de mundo escolhida. A linguagem
veiculadora de ideologia porque os elementos lingusticos de que se
constitui manifestam-se 15
KLEIN, Ligia Regina. Fundamentos Tericos da Lngua Portuguesa.
Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2006, P.19.
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carregados de significao ideolgica. Assim que as vises de mundo
se utilizam da linguagem para se estruturar discursivamente, como
para, na forma de discursos, circular e se impor aos sujeitos,
construindo campos semnticos (de significados) diversificados
dentro do vocabulrio de uma mesma lngua.
Nesse sentido, para se interpretar a linguagem e, em foco, a
linguagem jurdica, preciso compreend-la como tambm veiculadora de
uma ideologia, amalgamada de significados e de sentidos prprios,
aparentemente neutros.
Historicamente, as classes sociais detentoras de privilgios
sempre se esmeraram em manter estvel o status de privilgio em suas
relaes. Esse interesse o que as leva a elaborar, defender e
consolidar uma viso de mundo que justifica, legitima e explica
aquela organizao social.
Por outro lado, as classes sociais desprivilegiadas tentam
conhecer a organizao da sociedade dominante e seus mecanismos de
manuteno de poder para, ento, enfrent-los, transformando tais
mecanismos em seu favor.
A Juza Heliana Coutinho Hess declara que o acesso ao Judicirio
[...] ajustado para corresponder s demandas da classe dominante e
mais forte16. Infere-se, a partir dessas anlises, que a linguagem
jurdica, mecanismo de acesso Justia, reveste-se de um modelo
discursivo ideolgico conveniente manuteno do poder de acesso pelas
classes dominantes.
3.3 A linguagem em um Estado Democrtico de Direito O Estado
brasileiro regula a si mesmo e a vida de todos os cidados
atravs do Direito. O Direito ferramenta para viabilizar o
bem-estar coletivo e a justia social, objetivos do Estado Social.
To importante o conhecimento do Direito que o artigo 3 da Lei de
Introduo s Normas do Direito Brasileiro dispe que ningum se escusa
de cumprir a lei, alegando que no a conhece. A presuno de que o
conhecimento da lei exigvel de todos faz supor a existncia de um
Estado Democrtico de Informao: um Estado que, atravs da educao
institucional ou no, faa a informao chegar s ltimas fronteiras de
seu territrio e ao mais annimo e pobre nacional.
O conceito de Estado Democrtico de Direito leva imediatamente
ideia de que a informao jurdica posta a largo ao alcance de todos
uma das maneiras 16
HESS, Heliana Maria Coutinho. Acesso Justia por reformas
judiciais. Campinas, SP: Millennium Editora, 2004. p. 64.
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de exerccio democrtico. Ocorre que o desconhecimento do direito
apontado como um dos fatores a obstar o acesso Justia, o que
significa, obviamente, que o conhecimento do direito no tem sido
democraticamente veiculado. A primeira questo a se considerar que,
de conhecimento presumido, a lei deveria ser, por si s, informadora
de direitos e deveres, redigida em uma estrutura padro simples e
direta, utilizando-se de um vocabulrio que fosse conhecido da
maioria da populao a que se destina.
4. A LINGUAGEM JURDICA
4.1 Conceito e caractersticas Em linhas gerais, reconhece-se
como linguagem jurdica a forma de
expresso escrita ou oral utilizada no universo jurdico,
diferenciada de outras linguagens por seu acervo peculiar de termos
tcnicos e pela utilizao de recursos de ornamentao e rebuscamento do
texto. Sobre este conceito, esclarece PETRI17 que h uma linguagem
jurdica porque o Direito d um sentido particular a certos termos. O
conjunto desses termos forma o vocabulrio jurdico.
Tem-se, cabe lembrar, que a linguagem jurdica, tomada numa
dimenso bem ampla, abarcaria outras formas de elementos simblicos,
os quais individualizam o mundo jurdico aos olhos do cidado. A
exemplo, citam-se os trajes utilizados pelos profissionais do
Direito e a suntuosidade dos prdios da Justia. A linguagem verbal
jurdica est, pois, entre os elementos de poder simblico que
ratificam o poder do Judicirio.
Os termos tcnicos, englobados no que se denomina terminologia
jurdica, so signos que remetem a situaes e conceitos especficos do
Direito, criados com o objetivo de dar ao texto jurdico, clareza,
preciso e objetividade. Em outra faceta, os recursos de ornamentao
e rebuscamento presentes na linguagem jurdica, dentre os quais
destacam-se o arcasmo, o preciosismo, o latinismo, o vocabulrio
erudito, as citaes doutrinrias e as expresses laudatrias, tm,
igualmente, seus objetivos, motivao e consequncias .
Miguel Reale, em suas Lies Preliminares de Direito18, elege o
conhecimento da linguagem jurdica, especialmente da terminologia
jurdica, como 17
PETRI, Maria Jos Constantino. Manual de Linguagem Jurdica. So
Paulo: Saraiva, 2008. p.29. 18
REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 21 ed., So Paulo:
Saraiva, 1994, p. 8 e 9.
-
condio essencial para penetrar no mundo jurdico. Destaca ele,
dessa forma, a importncia de se incorporar o vocabulrio jurdico
considerando que, como cincia, o Direito tem sua linguagem prpria,
sem a qual no haver possibilidade de comunicao.
Ao fazer essa afirmao, o que Reale faz entender que a linguagem
jurdica um cdigo e nunca um instrumento de comunicao. Esta viso de
Reale traz implicitamente a ideia de que, como cdigo, a linguagem
utilizada por apenas aqueles que o conhecem, e que esse cdigo
fechado a inovaes, pois, segundo o doutrinador, no livro citado,
diz que natural que as cincias tenham a sua maneira prpria de
expressar-se.
Reale, ao dizer que sem o conhecimento dessa linguagem
multimilenar no h possibilidade de comunicao, afirma tambm que a
linguagem jurdica, por si s, no comunica, no veicula o direito, no
leva Justia. O pensamento do jurista, a respeito da linguagem
jurdica, vai de encontro democratizao de acesso ao direito,
frustrando o ideal de participao cidad do Estado Democrtico. Seria
acaso possvel que, de alguma maneira, o povo brasileiro,
considerando todos os estratos sociais, algum dia possa se
apropriar dessa linguagem multimilenar?
Reale escreve que cada cincia exprime-se numa linguagem, sendo
esta correspondente quela. Oportuno ainda seria indagar sobre quem
goza do direito de classificar como correta ou correspondente
determinado tipo de linguagem para que se atinja o status de
cincia. Esta linguagem jurdica de que trata o doutrinador a
ferramenta que vai alcanar a clareza e a preciso que caracterizam
uma cincia?
H que se ressaltar que o texto, em suas modalidades oral e
escrita, elemento constitutivo de todas as prticas da rea jurdica,
influindo diretamente nos resultados pretendidos, sendo medida de
competncia e desempenho profissional do profissional do
Direito.
Eduardo C. B. Bittar, ao discorrer sobre as tcnicas de escrita,
anlise e construo textual na seara jurdica, declara que o
profissional do Direito est adstrito ao uso da modalidade formal da
lngua, a qual se submete a regras de gramaticalidade.
A afirmao de Bittar tem muito a contribuir quando ele acrescenta
sua argumentao a noo de coerncia em um texto jurdico. Nessa
argumentao, o professor descarta o simples alinhamento de locues
tcnico-jurdicas, bem como o
-
uso indiscriminado de uma linguagem rebuscada, acompanhada de
latinismos, como possibilidades viabilizadoras de coerncia e,
brilhante e taxativamente, diz que a coerncia do texto jurdico se
constata quando meios e fins so atingidos19, o que acontece quando
se tem conscincia das pessoas envolvidas no processo de comunicao,
que todo texto tem um pblico alvo ao qual se destina. A conscincia
desses elementos de suma importncia para a escolha correta das
tcnicas que vo maximizar os resultados.
Ao ensejo, Bittar vem apontar os esforos das investigaes
acadmicas e dos debates entre os operadores do Direito, a respeito
da simplificao da linguagem jurdica, louvando tais inciativas.
Complementando, ele mesmo a dizer que simplificao no significa
perda da tcnica e nem negligncia na preciso e que a abolio dos
excessos de linguagem sinaliza para uma maior democratizao do
direito.
A democratizao implica numa aproximao do direito da realidade
que procura representar e sobre a qual pretende agir, implica na
adoo de uma postura que no cria divises e separaes entre universos
discursivos, quando a sntese a simplicidade podem significar mais.
(Bittar, 2010,p.390)20
Considerando que a ideia de simplificao tem um vis poltico, o da
democratizao do acesso ao direito, uma vez que o direito no um
acervo de seus especialistas, um privilgio de alquimistas e
privilegiados, Bittar v como uma afronta ao prprio processo de
democratizao do direito, alijar o povo dos mecanismos de uso e
compreenso, principalmente das decises judicirias. Com a mesma
preocupao de acessibilidade da linguagem jurdica, lembre-se o
discurso de posse da Ministra Ellen Gracie, ao assumir a presidncia
do Supremo Tribunal Federal:
[...] Que a sentena seja compreensvel a quem apresentou a
demanda e se enderece s partes em litgio. A deciso deve ter carter
esclarecedor e didtico. Destinatrio de nosso trabalho o cidado
jurisdicionado, no as academias jurdicas, as publicaes
especializadas ou as instncias superiores. Nada deve ser mais claro
e acessvel do que uma deciso judicial bem fundamentada. [...]
(NORTHFLEET, 2006)21
19
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem Jurdica. 5 ed., So
Paulo: Saraiva, 2010. 20
BITTAR, Op. Cit. p.390. 21
Discurso disponvel em: Acesso em 10 de setembro de 2011.
-
Na universalidade da linguagem jurdica, h que se perguntar sobre
o que diz a lei acerca da produo do texto legal. A Lei Complementar
n 95 de 26 de fevereiro de 1998, posteriormente alterada pela Lei
Complementar 107 de 26 de abril de 2001, veio dispor sobre a
elaborao, a redao, a alterao e a consolidao das leis, conforme
previso do art. 59, pargrafo nico, da Constituio Federal.
Em seu art. 11, a lei mencionada estabelece que as disposies
normativas sero redigidas com clareza, preciso e ordem lgica. De
forma didtica, em seus incisos I e II, explicita as formas de
obteno de clareza e preciso, conforme se pode verificar no texto
que traz a lei:
I - para a obteno de clareza: a) usar as palavras e as expresses
em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto
tcnico, hiptese em que se empregar a nomenclatura prpria da rea em
que se esteja legislando; b) usar frases curtas e concisas; c)
construir as oraes na ordem direta, evitando preciosismo,
neologismo e adjetivaes dispensveis;d) buscar a uniformidade do
tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferncia ao
tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os
recursos de pontuao de forma judiciosa, evitando os abusos de
carter estilstico;
II - para a obteno de preciso: a) articular a linguagem, tcnica
ou comum, de modo a ensejar perfeita compreenso do objetivo da lei
e a permitir que seu texto evidencie com clareza o contedo e o
alcance que o legislador pretende dar norma; b) expressar a ideia,
quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o
emprego de sinonmia com propsito meramente estilstico; c) evitar o
emprego de expresso ou palavra que confira duplo sentido ao texto;
d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na
maior parte do territrio nacional, evitando o uso de expresses
locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso,
observado o princpio de que a primeira referncia no texto seja
acompanhada de explicitao de seu significado; f) grafar por extenso
quaisquer referncias a nmeros e percentuais, exceto data, nmero de
lei e nos casos em que houver prejuzo para a compreenso do texto;
g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remisso, em vez
de usar as expresses anterior, seguinte ou equivalentes.
-
clara a preocupao do legislador com a acessibilidade do texto
legal, uma vez que ele no s estabelece as caractersticas principais
para sua redao, como tambm ensina a escrever de forma a
contempl-las.
Note-se o apreo pelo termo tcnico e pela linguagem comum, em
detrimento de estilismos ou quaisquer marcas pessoais que venham a
dificultar o entendimento da lei.
O esprito dessa lei o alcance da norma pelo seu destinatrio,
objetivo a que se persegue com a uniformidade da tcnica legislativa
e com redao jurdica adequada, aos moldes do artigo 11, da referida
lei complementar.
A lei tambm alcanou possveis alteraes a serem feitas em
dispositivos legais que vierem a ser consolidados ou codificados em
um nico diploma legal. Por essa ocasio, o art. 13, 2o, atravs dos
incisos V, VII e VIII, os quais prescrevem, respectivamente, que
podero ser atualizados os termos antiquados e modos de escrita
ultrapassados, eliminadas as ambiguidades decorrentes do mau uso da
lngua e adotada uma unidade terminolgica no texto.
Embora a prpria Lei Complementar 95/98 tenha sido parcialmente
vetada em razo de incoerncias entre a matria por ela versada e o
seu formato, ela avana em direo a uma democracia lingustica porque
estabelece um padro simples para a redao, ao tempo que rechaa o
rebuscamento e a erudio. Ressalte-se que no inciso II, alnea d, a
lei prescreve um vocabulrio padro compreendido como termos que
tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do territrio
nacional.
4.2 O problema da terminologia jurdica Terminologia o conjunto
de palavras tcnicas pertencentes a uma
cincia ou a uma arte. Na cincia jurdica, a utilizao de termos
que vo trazer ao enunciado preciso e certeza serve, em tese, para
salvaguardar a segurana jurdica. Por esse vis, que se valoriza o
termo tcnico como aquele que vai estabelecer oposies claras e bem
definidas, trazendo no contexto jurdico, para cada palavra, uma
ideia particular. Dessa forma, essenciais so, por exemplo, a
utilizao dos termos roubo e furto para tipificar condutas
diferentes, bem como situaes que envolvam calnia, difamao ou injria
no podem ser tomadas como sinnimas, sob pena de se cometer
injustia.
-
O problema da terminologia jurdica reside no onde a relao de
oposio necessria, mas sim, quando entre palavras com o mesmo
significado, escolhe-se aquela menos conhecida da maioria das
pessoas para materializar o texto oral ou escrito. So exemplos o
uso de termos e expresses tais como de cujus, ex tunc, outorga
uxria, vcio redibitrio, trnsito em julgado, comodato, erga omnes,
os quais podem ser substitudos por expresses mais conhecidas, sem
que haja prejuzo na relao semntica.
Se a funo do Direito contemporneo a resoluo de conflitos,
buscando mtodos lgicos e eficazes, primando por princpios e valores
necessrios ao bem-estar coletivo, no se justifica o uso de um
vocabulrio que v apartar ao contrrio de harmonizar direitos e
garantias fundamentais.
4.3 O arcasmo e o latinismo na Linguagem Jurdica Arcasmo o uso
de palavras e expresses obsoletas. No universo
jurdico, so palavras que a memria coletiva dobrou e guardou, e
que, com frequncia, pulam dos espessos dicionrios para exibir sua
cara amarrotada em muitos textos e, com propriedade, nos textos
jurdicos. Em uma matria intitulada Juridiqus no banco dos rus22, a
jornalista Bia Arrudo trouxe a exemplo palavras e expresses
arcaicas tais como exordial, excelso soldalcio, ergstulo pblico, o
Supremo Pretrio, dentre outras.
Aqueles que utilizam tais palavras consideram que o texto ganha
feies eruditas e carimbo de sabedoria. H ainda quem considere tal
uso um recurso estilstico e outros, na mais notria ignorncia, veem
como uma necessidade para dar ao texto clareza e preciso.
A presena de palavras e expresses arcaicas est normalmente
combinada com a uma produo textual prolixa e truncada, o que
compromete sobremaneira a compreenso do texto. No raro, peas
jurdicas apresentam expresses, em estilo semelhantes a alvazir de
piso: o juiz de primeira instncia; aresto domstico: alguma
jurisprudncia do tribunal local; autarquia ancilar: Instituto
Nacional de Previdncia Social (INSS); caderno indicirio: inqurito
policial; crtula chquica: folha de cheque; consorte virago: esposa;
digesto obreiro: Consolidao das Leis do Trabalho (CLT); ergstulo
pblico: cadeia; 22
ARRUDO, Bia. O juridiqus no banco dos rus. Revista Lngua
Portuguesa, ano I. So Paulo: segmento, n. 2, junho/dez. 2007, p.
18-23.
-
exordial increpatria: denncia (pea inicial do processo
criminal); repositrio adjetivo: Cdigo de Processo, seja Civil ou
Penal.23
Explorando um pouco mais a metfora que iniciou esta seo, pode-se
dizer que o problema na utilizao de palavras em desuso quando elas
caem em textos cujos destinatrios no lhes discriminam mais a cor, j
desbotada, e a estes s lhes afigura como algo fora do contexto em
que vivem e seu cheiro de naftalina no lhes d respostas s suas
necessidades.
Latinismo o uso de palavras e expresses em Latim, lngua morta da
qual se originou a Lngua Portuguesa. de se esperar, portanto,
transitem no lxico contemporneo resqucios da raiz latina,
claramente manifesta em radicais e afixos, presentes na formao das
palavras portuguesas. Contudo, muitas palavras e expresses latinas,
por influncia do Direito romano, foram trazidas ao vocabulrio
jurdico sem modificaes na escrita, vindo a compor com relevncia a
linguagem jurdica, sem que sejam de notrio conhecimento
popular.
Diz-se que uma palavra pertence ao sistema da Lngua Portuguesa
quando dicionarizada e, sendo requisitada a compor um texto, obedea
estrutura, sintaxe da Lngua.
Cr-se ser necessrio acrescentar a estes dois, um terceiro e
importante critrio: o critrio da incorporao vocabular pela
comunidade falante. Nesse sentido, h palavras estrangeiras que
precisam figurar entre as nacionais porque ou no h um equivalente
em lngua ptria com a devida carga semntica, ou seu uso to
corriqueiro que ao usurio da lngua nacional no causa estranhamento.
A lngua j absorveu aquele vocbulo como o osso absorve o implante
bem sucedido.
Ocorre que a maior parte das palavras e expresses latinas so
familiares apenas ao universo jurdico e para aqueles que nele
transitam. As pessoas, de modo geral, mesmo os letrados, as
desconhecem e elas lhes perturbam o acesso ao texto jurdico, o
conhecimento do direito.
Algumas palavras e expresses em lngua latina tm justificativa
para figurarem em textos jurdicos destinados populao ou de seu
interesse; outras poderiam ser objeto de conhecimento em Histria do
Direito. Caso contrrio, necrolatria.
23
Exemplos disponveis em: www.paginalegal.com/marcador/dicionario/
Acesso em: 14 de fev. de 2012.
-
5. A SIMPLIFICAO DA LINGUAGEM JURDICA: Algumas iniciativas
brasileiras
5.1 Campanha de Simplificao da Linguagem Jurdica- AMB
Lanada em 2005, pela Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB),
a Campanha de Simplificao da Linguagem Jurdica teve como mote a
ideia de que ningum valoriza o que no conhece. A entidade v a
linguagem jurdica como um grande desafio para que o Poder Judicirio
possa se aproximar do cidado, apontando a necessidade de uma
reeducao lingustica nos tribunais e nas faculdades de Direito, onde
se deveria primar por uma linguagem simples, direta e objetiva.
A campanha iniciou-se com palestras do ento presidente da
entidade, o juiz Rodrigo Collao, e do renomado professor de Lngua
Portuguesa, Pasquale Cipro Neto. Ao ensejo, a AMB lanou um
livreto24 com termos acessveis, correspondentes s complicadas
palavras e expresses comumente utilizadas nos documentos produzidos
pelos profissionais do Direito.
poca, a Associao, com o objetivo de conscientizar estudantes de
Direito sobre a importncia do uso de um vocabulrio mais simples,
premiou trabalhos que versassem sobre o tema da campanha. O
incentivo se estendeu aos magistrados que, no dia-a-dia,
desenvolvessem e utilizassem formas mais eficazes de comunicao com
o cidado.
Atualmente, entretanto, no h aes explcitas da campanha na pgina
eletrnica da Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB).
5.2 O TJ Responde do Tribunal de Justia de Minas Gerais
(TJMG)
24
ASSOCIAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. O Judicirio ao alcance de
todos: noes bsicas de juridiqus. 1.ed. Braslia: Ediouro Grfica e
Editora, 2005.
-
Dentro do programa Conhecendo o Judicirio, o Tribunal de Justia
de Minas Gerais TJMG lanou a cartilha O TJ Responde25, cujo
objetivo tornar a linguagem jurdica mais acessvel para aproximar o
Poder Judicirio do cidado brasileiro comum.
O texto de apresentao da cartilha, que pode ser acessada on
line, informa ao leitor que a mesma foi desenvolvida com o intuito
de facilitar o entendimento da linguagem jurdica, traduzindo
vocbulos e termos utilizados no cotidiano jurdico. (grifo
nosso)
Ao leitor perspicaz da apresentao, no passar despercebida a
mensagem subentendida atravs da expresso grifada, a qual remete
imediatamente afirmao de que a linguagem jurdica usual , com
efeito, uma lngua estrangeira que para ser compreendida, precisa
ser traduzida.
O juridiqus avaliado como uma linguagem que, s vezes, torna a
Justia incompreensvel, restando o bom direito prejudicado pela
possibilidade de interpretaes equivocadas.
Todavia, a proposta da cartilha simplificar sem empobrecer a
linguagem, o intento garantir o direito informao em todos os nveis
sociais.
5.3 Justia Fcil do Tribunal de Justia da Paraba (TJPB)
A informao foi muito democratizada com advento da tecnologia da
informao. A Justia tem na internet uma ferramenta indispensvel para
aprimorar mecanismos de efetivar o acesso e promover a cidadania.
Hoje, por exemplo, o usurio pode consultar o andamento processual,
sem burocracia, sem despesas, na comodidade de seu lar.
No com dificuldade que se acessa a pgina dos tribunais e se
descobre a caixa, em que se insere o nmero do processo.
Imediatamente aparecem os ltimos andamentos processuais ou todos os
andamentos, se este for o desejo daquele que acessa.
25
Cartilha disponvel em:
www.tjmg.jus.br/conhecendo/TJ%20responde-colorido.pdf. Acesso em 28
de abril de 2012.
-
O problema, contudo, a compreenso dos termos do andamento
processual. Para entender a tramitao do processo, o usurio precisa
de um advogado. Uma ferramenta que, em princpio, lhe seria til,
inclusive para verificar o empenho do advogado em sua causa, ou
para entender se o recurso mencionado pelo profissional foi
realmente impetrado, dentre tantas outras utilidades, torna-se
intil, quando no, uma forma de violncia simblica que a linguagem
processual impe ao desejo do cidado de informar-se. Que compreenso
poderia ter um cidado diante da expresso Agravo julgado
deserto?
Na inteno de diminuir a dificuldade do cidado em entender a
consulta eletrnica de um processo, o Tribunal de Justia do Estado
da Paraba instituiu em sua pgina eletrnica, um projeto chamado
Justia Fcil. Consiste em uma caixa contendo muitas expresses que
aparecem nas movimentaes processuais, quando consultadas por meio
eletrnico. Para cada expresso, o usurio pode consultar o seu
significado, o que pode viabilizar o entendimento do processo.
5.4 Juizado de Conciliao
Como se caracteriza a linguagem utilizada nas formas
alternativas de resoluo de conflitos? A reflexo sobre esta questo
colhe como amostragem o mecanismo que, pela abrangncia e grau de
popularidade no estado de Minas Gerais, coloca-se como ponto de
discusso neste estudo. Trata-se do Juizado de Conciliao.
Criado pelo Poder Judicirio do Estado de Minas Gerais, o Juizado
de Conciliao tem como objetivo promover o dilogo entre as partes,
compondo seus interesses em conflito, mediante acordo. Ao lado da
arbitragem e da mediao, a conciliao figura como uma forma rpida,
eficaz e gratuita de promover a harmonizao social, com a ajuda de
um conciliador.
O conciliador faz um trabalho voluntrio, no lhe sendo exigida
formao tcnica ou profissional especfica, bastando que tenha aptido
para ouvir as partes,
-
promovendo o dilogo e colaborando na escolha da melhor soluo
possvel para a composio dos interesses dos envolvidos no
conflito26.
Em parceria com a sociedade, o Poder Judicirio de Minas Gerais
procura implantar os juizados de conciliao em todo o estado, tendo
como especial objetivo levar uma possibilidade de soluo de
conflitos s camadas mais vulnerveis da sociedade.
Levando-se em considerao que os Juizados de Conciliao buscam
atender prioritariamente as camadas sociais mais vulnerveis e que o
conciliador no tem, na maioria das vezes, formao acadmica em
Direito, de se esperar que a linguagem utilizada no desenvolvimento
da sesso conciliatria seja informal, livre das marcas
caracterizadoras da linguagem jurdica. Isto significa que, naquele
espao de interlocuo, a linguagem utilizada de compreenso mtua,
portanto, acessvel.
Ocorre, porm, que o Juizado de Conciliao no tem funo
jurisdicional, ou seja, no tem a autoridade de aplicar a lei e,
igualmente, no tem o poder de julgar e administrar a justia. O
conciliador no diz o direito porque no sua funo diz-lo e porque no
o conhece. A medida da soluo dos conflitos no o justo e o correto
e, sim, o grau de resistncia do mais frgil entre as partes. Quem
soluciona o conflito aquele que mais cede.
No desmerecendo o valor que tem o Juizado de Conciliao em
equacionar pequenas controvrsias que engrossariam o acervo de
processos do Judicirio, relevante o fato de que, na complexidade
das relaes sociais, apenas um nmero restrito de situaes podem ser
contempladas, justamente porque no tem o Juizado uma funo
jurisdicional. O raciocnio lgico a que se pode chegar que, no tendo
a referida funo, o Juizado de Conciliao no um mecanismo pleno de
acesso Justia, no contempla o disposto no artigo 5, inciso XXXV, da
CR/88, em que se garante a apreciao, pelo Judicirio, de toda leso
ou ameaa de direito.
O que se pretende concluir ao inserir este ponto no tema em
estudo, qual seja Linguagem Jurdica e acesso Justia, que a
linguagem utilizada nas conciliaes se, por um lado, acessvel e
conciliatria, por outro, no leva
26
Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais (TJMG). Cartilha
Juizado de Conciliao, Belo Horizonte, 2009.
-
Justia, assim entendida como acesso ao Judicirio e pode tambm no
levar a uma ordem jurdica justa porque o acordo mais fruto de
renncia que de direito.
CONSIDERAES FINAIS
Na introduo deste artigo, apresentam-se algumas questes, cujas
respostas encontram amparo na teoria bakhtiniana sobre a linguagem,
uma vez que levam compreenso dos elementos constitutivos e
entrelaados linguagem jurdica, podendo elucidar os mecanismos e os
motivos de manuteno desta linguagem, tal como ela tem se colocado
para a sociedade: distante e inacessvel.
A linguagem s existe enquanto realizao social. Se tambm a
linguagem jurdica tem, no pensamento de Bakhtin, uma dimenso
dialgica, quem seria o outro na interao? Estabelecendo-se como um
cdigo a que poucos tm acesso, pode-se dizer que, ao produzir o
texto jurdico, o autor tem em mente seus destinatrios: aqueles a
quem possvel a compreenso do mesmo, e aqueles para quem a
compreenso impossvel. A sua inteno de excluso de determinado pblico
j se explicita no momento em que ele escolhe com que palavras
compor o seu texto.
O texto, materializado no papel, se coloca no mundo como algo
abstrato e imutvel, que, por si s, no tem sentido. o leitor quem o
atualiza, isto , o leitor quem efetivamente d ao texto uma
existncia real porque, ao encontr-lo, leva sua compreenso do
contexto de produo e seus conhecimentos prvios para ento decifr-lo,
para atribuir-lhe um sentido. Sem esses elementos, no h que se
falar em compreenso e o texto no passa de manchas escuras no
papel.
Em se tratando de linguagem jurdica, onde que o cidado comum se
coloca nessa ponte estabelecida pela relao dialgica que a linguagem
permite entre o autor e o outro? Se, por um lado, a realidade
dialgica parece, dessa forma, inexistente, o entendimento da
linguagem, em sua dimenso discursiva, elucida a questo. Uma anlise
discursiva do texto, escrito para no ser entendido, nos leva a
respostas fceis aos seguintes questionamentos: Qual a inteno de
quem o produziu? Quem a pessoa que produziu o texto? Em nome de
quem est falando? Que segmento representa? Para quem o texto foi
produzido?
Se o texto em questo um amontoado de termos tcnicos, misturados
a um farto juridiqus, regado a rebuscamentos e latinismos, o
cidado, que o outro
-
na ponte do dilogo, no existe; ele foi anulado pelo discurso
implcito no texto e a linguagem jurdica do texto pde ser mantida em
paz.
No existindo o cidado, existe, contudo, o outro a quem o texto
se dirige e que ser capaz de decifrar as manchas escuras do papel.
O outro pode ser o juiz, o desembargador, o ministro, algum, enfim,
pertencente engrenagem jurdica hierarquizante. Assim, o
rebuscamento, a bajulao, os excessos de ornamentao presentes na
linguagem jurdica revelam, como regras do jogo, uma postura de
servilismo e reverncia, comuns nas relaes hierrquicas de poder e
nas sociedades fundadas na desigualdade.
Recorrendo concepo bakhtiniana, segundo a qual a palavra
elemento ideolgico por excelncia, a escolha de um vocabulrio
obsoleto e estereotipado para compor um texto jurdico, corresponde
a mecanismos de conservao, inclusive das desigualdades sociais que
uma ordenao institucional sustenta.
H, no entanto, na mesma arena, defensores do conservadorismo e
outros tantos com viso renovadora, mais aptos s mudanas. Com
efeito, para Bakhtin, a linguagem o espao onde as tenses ideolgicas
se manifestam.
No h como negar a ideologia de uma organizao social mais
democrtica no discurso de todos que operam ou se engajam em
iniciativas pela simplificao da linguagem jurdica. Fundamentam-se,
prioritariamente, na crena de que se linguagem, tem que comunicar
e, se o pas formado por realidades sociais to diversas, algo
precisa ser feito para minimizar a desigualdade frente
informao.
Em nenhum texto lido, para o embasamento deste trabalho, a
defesa da simplificao da linguagem jurdica negligencia a
necessidade de se aprimorar a educao institucionalizada no pas,
como ao privilegiada para efetivar o direito de acesso Justia. E as
iniciativas adotadas: cartilhas explicativas, listas terminolgicas,
dicionrios jurdicos populares, dentre outras, acabam por significar
que estas iniciativas esto revestidas da crena de que o problema no
s de educao, da linguagem jurdica. O que muito razovel de se pensar
porque as pessoas de formao superior diversa da jurdica, educadas e
letradas, tambm no entendem a linguagem jurdica.
Em algumas das iniciativas de simplificao da linguagem jurdica,
cabe, entretanto, destacar um paradoxo: ao mesmo tempo em os
dicionariozinhos jurdicos
-
populares revelam um entendimento de que o problema est na
linguagem, elas fomentam a manuteno da linguagem jurdica tal qual
se apresenta. Seria razovel pensar que o cidado mdio precisasse
andar com um dicionrio de juridiqus debaixo do brao, para dele
lanar mo em todos os momentos em que se deparar com um texto
jurdico? Sem retirar-lhes o mrito da inteno, estas inciativas
resolvem pouco porque no vo ao cerne do problema: a produo do texto
jurdico, segundo seu destinatrio.
Isto posto, constata-se maior eficcia naquelas iniciativas que
incentivam o legislador e os profissionais do Direito a redigirem
com clareza e objetividade, bem como naquelas que conscientizam as
escolas de Direito a formarem profissionais em maior consonncia com
os preceitos constitucionais de democracia e de acesso Justia.
Toda a argumentao tecida ao longo deste trabalho teve a inteno
de levar o leitor ao convencimento de que o acesso Justia direito
constitucional do cidado brasileiro e que o uso de uma linguagem
jurdica clara, acessvel e objetiva determinante para a efetivao
desse direito.
Espera-se estejam igualmente claros ao leitor os aspectos
constitutivos da linguagem jurdica, aqueles que a particularizam em
relao s demais, seus mecanismos de conservao e a motivao para
conserv-la no seu padro multimilenar, assim caracterizado por
Reale.
E, tendo em vista toda a discusso sobre participao democrtica e
cidad, infira-se que a linguagem jurdica - rebuscada, obsoleta,
impregnada de arcasmos e latinismos - no contempla os ideais
constitucionais de igualdade e democracia, impactando, em grande
medida, o acesso Justia.
Ao instituir uma lngua padro, difundi-la e defend-la nas escolas
e meios de comunicao de massa, um Estado a utiliza como mecanismo
de unificao poltica e social, elemento essencial costura do
sentimento de Nao. Utilizar-se dessa mesma lngua para versar sobre
direito, sendo este para todos, uma consequncia lgica e, nesse
sentido, a padronizao dos textos legais em lngua formal, padro,
necessria e pacificadora. No se poderia conceber um Direito escrito
em tantas formas quantas forem as variantes lingusticas. Ocorre que
o padro lingustico democrtico, mas a erudio e o rebuscamento na
linguagem no o so. A funo social da linguagem, em um Estado
Democrtico de Direito, no deveria ser outra seno a de
comunicar.
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