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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR FACULADADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE SADE COMUNITRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE
COLETIVA
MESTRADO EM SADE PBLICA
ANDRA CARVALHO ARA JO MOREIRA
LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE
MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR
FORTALEZA 2011
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ANDRA CARVALHO ARAJO MOREIRA
LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE
MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR
Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva
da Universidade Federal do Cear, como requisito parcial para obteno
do ttulo de Mestre em Sade Pblica. rea de concentrao: Poltica,
Gesto e Avaliao em Sade Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Maria
Tavares Machado Co-orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina
Lindsay
Fortaleza-CE 2011
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M886l Moreira, Andra Carvalho Arajo Limites e possibilidades do
Programa Bolsa Famlia, na
percepo de mulheres assistidas em Sobral, CE / Andra Carvalho
Arajo Moreira. Fortaleza, 2011.
132 f.: il. Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares
Machado
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Cear. Programa de
Ps-Graduao em Sade Coletiva. Fortaleza, Cear.
1. Sade da Criana 2. Programas e Polticas de Nutrio e Alimentao
3. Nutrio do Lactente 4. Ateno Primria Sade I. Machado, Mrcia Maria
Tavares (orient.) II. Ttulo.
CDD:362.5
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ANDRA CARVALHO ARAJO MOREIRA
LIMITES E POSSIBILIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA, NA PERCEPO DE
MULHERES ASSISTIDAS EM SOBRAL, CEAR
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Sade Coletiva, da Universidade Federal do Cear, como requisito
parcial para obteno do grau de Mestre em Sade Pblica
Aprovada em: 22/06/2011.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof. Dr. Mrcia Maria Tavares Machado (Orientadora)
Universidade Federal do Cear UFC
___________________________________________________________
Prof. Dr. Maria Socorro de Arajo Dias (Membro efetivo)
Universidade Estadual Vale do Acara - UVA
___________________________________________________________
Prof. Dr. Alberto Novaes Ramos Jnior (Membro efetivo)
Universidade Federal do Cear UFC
___________________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Jos Soares Pontes (Membro suplente)
Universidade Federal do Cear - UFC
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Dedico este trabalho a Deus, que me concedeu o dom da vida e
nela poder vivenciar o matrimnio, a maternidade, o trabalho e a
pesquisa. Por ele possvel conciliar todos os nossos sonhos e sermos
felizes!
Aos meus queridos filhos, Vtor e Arthur, que compreenderam que a
Mame tambm tinha escola e precisava estudar... A minha querida
Sofia, alegria inesperada enviada por Deus e que esteve comigo
literalmente durante este processo.
Ao meu amado Francielery, com quem pude compartilhar tudo
durante esta caminhada, inclusive o cuidado dos nossos filhos; sem
seu apoio e incentivo nada teria sido possvel. Essa conquista
nossa!
Vocs - Vtor, Arthur, Sofia e Francielery - constituram fonte de
amor, sabedoria e fora, dimenses necessrias para concluir este
trabalho to importante da minha vida. Amo vocs!
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Agradecimento especial
professora doutora Mrcia Maria Tavares Machado que me aceitou
como sua orientanda e me fez acreditar que era possvel, mesmo nos
momentos mais difceis. Pelo rico aprendizado que pude vivenciar ao
seu lado, pelas lies de vida que pde me proporcionar. Voc um
exemplo de mestre e pessoa.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela graa de ter concludo este trabalho.
s mes que aceitaram fazer parte do estudo, pela sua
disponibilidade e abertura, pelo enriquecimento que foi,
compartilhar um pouco da vida de cada uma. Sem a colaborao de vocs,
o estudo no poderia haver sido efetivado. Muito obrigada!
minha famlia amada, que sempre me acolheu nas voltas para casa.
Obrigada por tudo!
minha me, Teresinha, pelo apoio nas horas necessrias. Voc ser
sempre um exemplo de vida!
Aos meus irmos Andrinne e Paulo Alceu, pelo amor fraterno;
constitumos uma famlia admirvel!
minha querida Mrian, sobrinha e afilhada, por sua serenidade.
Beth, Neide, Tia margarida e Tio Barbosa, que me acolheram no seu
lar para
que eu pudesse realizar o mestrado em Fortaleza. Jamais vou
esquecer o carinho, os momentos de f e a paz que reina nos seus
lares!
professora doutora Ana Lindsay, coorientadora, que contribuiu
com a realizao
deste estudo nas suas vindas ao Brasil. Obrigada pela ateno! s
professoras doutoras Maria Socorro de Arajo Dias e Maria Lcia
Magalhes
Bosi, por terem aceitado com carinho o convite para compor a
banca examinadora de qualificao e prestado grandes contribuies para
o trabalho.
amiga Ana Helena Bonfim, pela pessoa companheira que voc , pela
escuta,
pelo ombro amigo, pelo que pude apreender estando ao seu lado
nas idas e vindas de Fortaleza. Que nossa amizade possa se
fortalecer cada vez mais.
amiga Adelane Monteiro, que sempre me incentivou a lutar pelo
mestrado,
fazendo-me acreditar que era um sonho possvel. Voc um exemplo de
pessoa pra mim. Obrigada pela amizade, pelo carinho e apoio
sempre!
Ao grupo da Escola de Formao em Sade da Famlia Visconde de
Sabia,
especialmente s Profas. Dras. Socorro Dias, Francisca Lopes e
Alzeni Ponte, que compreenderam os momentos de dedicao a este
trabalho. Meu muito obrigada!
Ao grupo de coordenadores e professores do Curso de Enfermagem
das
Faculdades INTA que me incentivaram a concluir este ideal. Ao
grupo de mestrandos, com o qual dividi meus momentos, aprendi e
cresci
muito. Em especial, Ana Helena, Brbara, Solange e lvaro, com
quem compartilhei muitos momentos. Obrigada pelo apoio nessa
caminhada.
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Comisso Cientfica da Secretaria de Sade de Sobral, pela
autorizao necessria realizao da pesquisa.
FUNCAP, pela bolsa de mestrado concedida, contribuindo para o
conhecimento
na rea da Sade Pblica. Obrigada!
Enfim, meu muito obrigada a todos os amigos, familiares, colegas
de profisso que incentivaram, apoiaram, pelas palavras amigas e
pelo carinho que me fortaleceram nessa caminhada. Obrigada a
todos.
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RESUMO
O Programa Bolsa Famlia (PBF) caracteriza-se como um programa de
transferncia direta de renda que beneficia famlias em situao de
pobreza e extrema pobreza. Dentre seus princpios, visa a contribuir
para a melhoria da situao alimentar e nutricional das famlias
beneficiadas. Portanto, estabeleceu-se como objetivo para este
estudo compreender como o PBF contribui para as prticas
nutricionais de crianas de zero a cinco anos, na percepo das mes
beneficiadas, em Sobral-Cear. Estudo exploratrio-descritivo com
abordagem qualitativa, realizado no perodo de maro a dezembro de
2010 no Municpio de Sobral-CE. Os sujeitos do estudo corresponderam
a 19 mes residentes na zona urbana e 9 mes residentes na zona
rural. Para coleta das informaes, foram utilizadas tcnicas de
entrevista individual e grupo focal. As informaes referentes s
entrevistas e grupo focal foram gravadas e posteriormente
transcritas na ntegra. Submetemos o discurso das participantes
anlise do discurso. A categorizao do material emprico indicou como
eixos centrais de anlise: 1) A espera pelo benefcio; 2) O que se
faz com o dinheiro recebido pelo PBF; 3) O que comiam e o que comem
as crianas do PBF; 4) Fatores que interferem na prtica alimentar da
criana beneficiada com o PBF; 5) Como ocorrem a aquisio, seleo e
preparo dos alimentos das crianas beneficiria do PBF e 6) Sugestes
apontadas pelas mes para melhoria do PBF. Percebeu-se que as mes,
ao saberem que foram contempladas pelo PBF, ficam felizes por terem
a segurana de uma renda fixa e a possibilidade de adquirir bens
materiais para a famlia, alm de alimentos. A anlise do material
discursivo sugeriu a presena de limitaes do Programa, quando revela
uma longa espera pelo benefcio, falta de seguimento das famlias
para orientao, suporte e empoderamento das famlias, em busca de sua
autonomia e autossuficincia, alm do valor recebido, sugerindo
aumento do recurso e maior fiscalizao na insero de famlias elegveis
e desenvolvimento de programas de gerao de emprego e renda. Na
perspectiva das mes, houve melhoria na variedade da alimentao dos
filhos, quando o recurso ensejou a compra de alimentos bsicos para
aliviar a fome, bem como a aquisio de produtos industrializados
(especialmente iogurtes, achocolatados e biscoitos), antes no
possveis, porm desejados. Apreendeu-se, tambm, a raridade no uso de
frutas regionais, legumes e verduras no cardpio das crianas. Essa
distoro de prticas alimentares saudveis passa a ser visvel, quando
se insere um recurso s famlias, sem uma apropriada orientao de
profissionais que acompanham essas crianas, oferecendo um alimento
hipercalrico e sem os nutrientes essenciais para um bom crescimento
infantil. Desta forma, percebem-se a necessidade contnua de
articulao intersetorial no contexto das polticas pblicas
nutricionais de sade, bem como a atuao multidisciplinar, para
promover alimentao saudvel infantil e da populao brasileira, em
geral. Reverter o modelo de assistncia ainda hegemnico implica
buscar uma assistncia integral, equnime, e que garanta a qualidade
de vida e a autonomia dos sujeitos inseridos no processo.
Palavras-chave: Sade da Criana. Programas e Polticas de Nutrio e
Alimentao. Bolsa Alimentao. Nutrio Infantil e Ateno Primria
Sade.
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ABSTRACT
The Bolsa Famlia (BFP) is a program of direct income transfer
that benefits families in poverty and extreme poverty. Among its
principles is to contribute to improving food and nutrition
situation of the families benefited. Therefore, it was established
as a goal for this study to understand how the Bolsa Famlia Program
(BFP) contributes to the nutritional practices of children aged 0
to 5 years in the perception of mothers benefited, in Sobral, Cear.
Exploratory-descriptive study with a qualitative approach, carried
out from March to December 2010 in Sobral, CE. The study subjects
consisted of 19 mothers living in urban areas and 09 mothers living
in rural areas. For data collection we used the techniques of
interview and focus group. Information related to interviews and
focus groups were taped and later transcribed. We subject the
discourse of participants to discourse analysis. The categorization
of empirical data indicated as central axes of analysis: 1) Wait
for the benefit, 2) What is done with the money received by BFP, 3)
What ate and what eat the children of BFP 4) Factors influencing
Eating habits of children benefited from the BFP, 5) How does the
acquisition, selection and preparation of foods for children in
benefited by the BFP, 6) Suggestions for improvement of the program
cited by the mothers of BFP. It was noticed that when the mothers
realized they were covered by BFP became happy to have the security
of a fixed income and the ability to acquire material goods for the
family, besides food. The analysis of the discursive material
suggested the presence of limitations of the program, revealing a
long wait for benefits, the lack of follow-up of families for
guidance, support and empowerment of families in search of their
autonomy and self-reliance, the value received , suggesting an
increase of the resource. Still, more oversight on the insertion of
eligible families and developing programs to generate employment
and income. In view of the mothers there was an improvement in the
variety of food to children, when offered them to buy basic food to
alleviate hunger, and the acquisition of manufactured products
(especially yogurt, chocolate milk and cookies), not previously
possible, but desired. It was also learned, the rare use of
regional fruits and vegetables on the menu for children. This
distortion of healthy eating habits becomes visible when you insert
a resource to families, without a proper guidance from
professionals who follow these children, offering a hyper-caloric
food and without the essential nutrients for good growth in
children. Thus, we see the continuing need for intersectoral
coordination of public policies in the context of nutritional
health, and multidisciplinary approach to promotion of healthy
eating of children and of the Brazilian population in general.
Reversing the hegemonic model of care involves seeking for a
integral health care, equitable and that ensures the quality of
life and independence of the subjects included in the process.
Keywords: Child Health. Programs and Policies for Nutrition and
Food. Bolsa Alimentao Program. Child Nutrition and Primary Health
Care
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LISTA DE ABREVIATURAS CNAN Conselho Nacional de Alimentao e
NutrioCNSA Conferncia Nacional de Segurana AlimentarCOBAL Companhia
Brasileira de AlimentosCONSEA Conselho Nacional de Segurana
AlimentarCRAS Centro de Referncia de Assistncia SocialDASP
Departamento de Administrao do Setor PblicoFAE Fundao de Assistncia
ao EstudanteFAO Organizao das Naes Unidas para Alimentao e
AgriculturaIBASE Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e
EconmicosIGD ndice de Gesto DescentralizadaINAN Instituto Nacional
de Alimentao e NutrioLBA Legio Brasileira de AssistnciaMDS
Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate FomeOMS Organizao
Mundial da SadePBF Programa Bolsa FamliaPCA Programa de
Complementao AlimentarPCCE Programa de Combate s Carncias
Nutricionais EspecficasPFZ Programa Fome Zero PNA- Plano Nacional
de AlimentaoPGRM Programas de Garantia de Renda MnimaPNAE Programa
Nacional de Alimentao EscolarPRONAN Programa Nacional de Alimentao
e NutrioPNME Programa Nacional de Merenda EscolarPNIAM Programa
Nacional de Incentivo ao Aleitamento MaternoPNS Programa de Nutrio
em SadePRODEA Programa de Distribuio Emergencial de AlimentosPAT
Programa de Alimentao do TrabalhadorPROCAB Projeto de Aquisio de
Alimentos em reas de Baixa RendaPROAB Programa de Abastecimento de
Alimentos Bsicos em reas de Baixa RendaPNLCC Programa Nacional do
Leite para Crianas CarentesSAN Segurana Alimentar e NutricionalSAPS
Servio de Alimentao da Previdncia SocialSENARC Secretaria Nacional
de Renda de CidadaniaSISVAN Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar
e NutricionalSSAN Sistema de Segurana Alimentar e NutricionalSTAS
Servio Tcnico de Alimentao SocialTCR Transferncia Condicionada de
Renda
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SUMRIO
1 INTRODUO 13
2 ESTADO DA ARTE 17
2.1 Recuperao histrica dos programas nutricionais no Brasil
17
2.2 Programa Bolsa-Famlia (PBF) 30
2.2.1 Caracterizao do Programa Bolsa-Famlia 32
2.3 O iderio da alimentao infantil (0 a 5 anos) 38
2.3.1 Transio nutricional: o paradoxo das demandas
nutricionais
infantis
45
2.4 Prticas alimentares e subjetividade 49
2.4.1 Estudos sobre prticas alimentares das crianas beneficiadas
pelo
PBF
53
3 OBJETIVOS 60
3.1 Objetivo Geral 60
3.2 Objetivo Especfico 60
4 METODOLOGIA 61
4.1 Campo do Estudo 61
4.2 Informantes do Estudo 63
4.3 Procedimentos e instrumentos para coleta das informaes
65
4.4 Anlises das Informaes 70
4.5 Aspectos legais e ticos da pesquisa 71
5 RESULTADOS E DISCUSSO 74
5.1 CARACTERIZAO DOS SUJEITOS DO ESTUDO 74
5.2 TEMTICAS CENTRAIS E SUBCATEGORIAS 78
5.2.1 A insero das mes no Programa Bolsa Famlia 79
5.2..2 Repercusses na alimentao da criana de zero a cinco anos
com
recursos procedentes do PBF
87
5.2.3 Limites e possibilidades relacionadas ao PBF 104
6 CONSIDERAES FINAIS 108
REFERNCIAS 110
APNDICES 125
ANEXOS 131
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13
1 INTRODUO
Nossas experincias profissionais permitiram a aproximao com a
temtica em
estudo. Atuando no mbito da Estratgia Sade da Famlia no Municpio
de Sobral, Cear, o
vnculo com os indivduos, famlias e comunidades num dado
territrio favoreceu um contato
real, cotidiano, com essa populao, provocando uma reflexo crtica
sobre as polticas sociais
e de sade no Brasil em confronto com as necessidades de sade da
populao, de forma
especial, a Sade da Criana.
Logo aps a graduao, no ano de 2002, cursando a Residncia
Multiprofissional
em Sade da Famlia, inserimo-nos na equipe de sade do Centro de
Sade da Famlia Dr.
Grijalba Mendes Carneiro, como enfermeira da macrorea do
Sem-Terra, da periferia de
Sobral, Cear. Tal denominao local condiz com o perfil social
desta comunidade
caracterizada pela extrema pobreza, sem moradia digna,
alimentao, emprego, presena da
criminalidade e trfego de drogas, enfim, sem condies favorveis
para a sobrevivncia de
um cidado.
Para sempre ficar na nossa memria a primeira visita domiciliar a
uma purpera
e recm-nascido, sendo a famlia composta por dez membros,
residindo num domiclio com
dois cmodos, num ambiente escuro, sujo, sem condies
hidrossanitrias satisfatrias.
Chegava prximo ao meio-dia, quando adentramos com todo um
conhecimento tcnico-
cientfico sobre os cuidados gerais ao recm-nascido e do purprio,
com objetivo de orientar
me e famlia, porm, ao presenciarmos a situao de fome daquela
famlia, com crianas
chorando, por no terem o que comer, tal circunstncia nos
inquietou, promovendo um
sentimento de impotncia.
Ultrapassando o crescimento profissional, tcnico, essa vivncia
nos possibilitou
tambm um desenvolvimento pessoal, uma indignao com a problemtica
das desigualdades
sociais em nosso Pas. Ao mesmo instante que nos traz uma
responsabilizao, pela realidade
atual e um desafio de contribuir para transformar as polticas
sociais vigentes.
Com efeito, sobre a assistncia sade da criana, estvamos num
momento de
implementao do Programa Bolsa Famlia (PBF), que, ao nosso ver,
minimizava a situao
de pobreza, e, de certa forma, garantia uma fonte de renda s
famlias cadastradas. Assim
sendo, no seu iderio, as crianas beneficiadas teriam acesso a
uma alimentao saudvel; em
contrapartida, seriam acompanhadas pelo servio de sade,
obrigatoriamente comprometido
com a educao.
-
14
Percebamos, no entanto, que os profissionais de Sade da Famlia
no se
preocupavam em conhecer quais eram as famlias beneficiadas pelo
PBF existentes na sua
rea adscrita. Consequentemente, no era trabalhadas com essa
populao aes de promoo
da alimentao saudvel. Na vivncia da Estratgia Sade da Famlia,
contudo, o que temos
acompanhado uma reduo do quadro de desnutrio, porm um aumento de
obesidade
infantil e carncias nutricionais.
O PBF considerado iniciativa inovadora social tomada pelo
Governo brasileiro,
chegando at o presente momento, a uma cobertura de cerca de 11
milhes de famlias,
abrangendo 46 milhes de pessoas (BRASIL, 2009). Destas famlias,
grande parte
compreende a populao de baixa renda do Pas.
Trata-se de um programa de transferncia direta de renda, com
certas
condicionalidades, que beneficia famlias em situao de pobreza
(com renda mensal por
pessoa de at R$ 140,00) e extrema pobreza (com renda mensal por
pessoa de at R$ 70,00).
O PBF unificou quatro programas federais (Bolsa-Escola,
Bolsa-Alimentao, Auxlio-Gs e
o Carto-Alimentao), no mbito da estratgia Fome Zero, que visa a
assegurar o direito
humano alimentao adequada, promovendo a segurana alimentar e
nutricional,
contribuindo para a erradicao da extrema pobreza, bem como a
conquista da cidadania pela
parcela da populao mais vulnervel fome (BRASIL, 2009).
Maluf (2009) recupera o conceito de Segurana Alimentar e
Nutricional (SAN)
definido na II Conferncia Nacional de SAN, em Olinda- PE, no ano
de 2004, ao concluir que
o direito a alimentao adequada vinculado intersetorialidade das
aes diferencia-se dos
usos correntes da segurana alimentar utilizados por governos e
organismos internacionais.
Segurana Alimentar e Nutricional a realizao do direito de todos
ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em
quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base prticas alimentares
promotoras de sade, que respeitam a diversidade cultural e que
sejam social, econmica e ambientalmente sustentveis (II CONFERNCIA
NACIONAL DE SAN. OLINDA, 2004).
A distribuio dos beneficirios do PBF pelas regies aponta que o
Nordeste,
concentra metade do total das famlias beneficiadas. Em 2004, a
Regio totalizava 3,3
milhes de famlias, o equivalente a 50,5%. Em 2007, o nmero de
famlias atendidas pelo
PBF j era de 5,6 milhes, representando 50,47%, um crescimento de
67,9% em relao ao
ano de 2004. Em seguida, a regio Sudeste apresenta a segunda
maior participao. Em
mdia, considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve
participao de 26,3%, enquanto
-
15
as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste) apresentaram uma
distribuio espacial mdia
de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente (PEQUENO, 2009)
O Municpio de Sobral-CE, com estimativa populacional de 180.046
habitantes
em 2009, atualmente tem 18.459 famlias beneficiadas pelo PBF
(SENARC, 2009). Em
contrapartida, as famlias beneficiadas se comprometem a cumprir
as condicionalidades do
programa nas reas de sade e educao, que so: manter as crianas e
adolescentes em idade
escolar frequentando a escola e cumprir os cuidados bsicos em
sade, ou seja, o calendrio
de vacinao, para as crianas entre zero e seis anos, e a agenda
pr e ps-natal para as
gestantes e mes em amamentao (BRASIL, 2009).
Dentre os seus propsitos, o PBF objetiva cobrir importantes
resultados: oferecer
suporte, efetivamente, s famlias que dele necessitam e que
atendam aos critrios de
incluso; ajudar a reduzir a extrema pobreza e a desigualdade, e
contribuir para a melhoria da
situao alimentar e nutricional das famlias beneficiadas. Visa,
tambm, a incentivar o
cuidado das famlias para com seus filhos nos aspectos referentes
a sade e educao. Assim
sendo, objetiva favorecer a quebra do ciclo de transmisso
intergeracional da pobreza e
reduzi-la no futuro.
bvio pensar, contudo, que a melhoria da renda das populaes
pobres tenha
causado impacto na questo da segurana alimentar. A Pesquisa
Nacional por Amostra de
Domiclios (PNAD), de 2004, em seu suplemento de Segurana
Alimentar, identificou o fato
de que a proporo de insegurana alimentar de natureza grave
diminui progressivamente
medida que aumentam os rendimentos mdios, mesmo em populao de
baixa renda. Assim,
a proporo de insegurana alimentar moderada ou grave, em 2004,
era de 61,2% na faixa de
rendimento de at 1/4 de salrio mnimo (SM) per capita, passando a
37,2% nas faixas de
mais de a e de 19% na faixa de mais de a 1 SM per capita (IBGE,
2006).
Questionamos, entretanto, se a garantia das prticas alimentares
adequadas e a
segurana alimentar esto condicionadas apenas melhoria econmica
da populao. Essa
reflexo decorre do fato de que podemos estar enfrentando a
problemtica da disponibilidade
de muitos produtos de baixo valor nutricional a preos
relativamente acessveis; a influncia
da mdia, incentivando o consumo desses produtos, dos valores
simblicos e culturais da
alimentao construdos historicamente, especialmente no grupo
infantil; a dificuldade de
muitas mes que necessitam trabalhar deixem seus filhos sob
cuidados de terceiros e
providenciam alimentos que so mais fceis e rpidos no preparo;
todos esses fatores
dificultam a promoo de uma alimentao saudvel, principalmente na
ateno criana.
-
16
At o momento, estudos sobre prticas alimentares das crianas
beneficiadas pelo
PBF ainda so limitados. importante registrar o fato de que o
estudo bibliogrfico que
realizamos no ms de janeiro de 2010 nas fontes do The Scientific
Electronic Library Online
(SCIELO) e na Biblioteca Virtual do PBF sobre prticas
alimentares das crianas e suas
famlias beneficirias do PBF, nos ltimos sete anos, detectam
poucos trabalhos na rea. No
total, foram 11 artigos revisados.
Vale enfatizar que apenas dois artigos (02) eram de abordagem
qualitativa. No
pretendemos negar a importncia de pesquisas que abordam os
aspectos biolgicos e
epidemiolgicos do tema em foco, ao contrrio, eles necessitam ser
pesquisados
constantemente. Restringir, porm, as discusses apenas aos
aspectos mencionados limita o
conhecimento, na medida em que as prticas alimentares so
consideradas um ato social,
imbricado por mltiplos fatores, principalmente no mundo
infantil.
Neste mbito, portanto, poucos estudos exploram as prticas
alimentares das
crianas beneficiadas pelo PBF sob o enfoque subjetivo, de forma
a considerar o contexto
social, econmico e cultural dessa populao. Em resposta a esta
necessidade, propomos
realizar uma pesquisa exploratria essencial para a sade pblica,
que trar maiores dados
para subsidiar o planejamento de intervenes no enfoque da promoo
da alimentao
saudvel criana. Assim sendo, o estudo proposto pretende
responder ao seguinte
questionamento: O que as mes compram de alimentos para seus
filhos menores de cinco
anos, desde o seu cadastramento no Programa Bolsa-Famlia? Como
essas mes avaliam e
utilizam o PBF no auxilio s suas vidas cotidianas, especialmente
nas condies nutricionais
de seus filhos?
Acreditamos que esta investigao contribuir para o
desenvolvimento de futuros
estudos. Em um curto prazo, a pesquisa produzir informaes para
propor intervenes e
subsdios, com base em informaes coletadas, para a proposio de um
estudo de grande
escala, que poder, efetivamente, analisar a questo da insegurana
alimentar e prticas
alimentares de crianas de baixa renda entre os municpios do Cear
e em outros estados do
Brasil.
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17
2 ESTADO DA ARTE
A reviso bibliogrfica desta pesquisa fundamentou-se nos diversos
campos que
permeiam o fenmeno complexo das prticas alimentares das crianas
beneficiadas pelo o
Programa Bolsa Famlia (PBF). Primeiro, sob um enfoque poltico,
buscamos uma
recuperao histrica dos programas nutricionais no Brasil at o
momento em que surge o
Programa Fome Zero, em meados de 2000. Em outro captulo,
retratamos o Programa Bolsa-
Famlia, caracterizando e discorrendo sobre sua funcionalidade.
Aps, entramos na discusso
da alimentao infantil dentro dos aspectos biomdicos e, por fim,
agregamos os aspectos
inerentes subjetividade das prticas alimentares, visando a
exibir aspectos simblicos e
culturais deste fenmeno.
2.1 Recuperao Histrica dos Programas Nutricionais no Brasil
Conhecer o processo histrico-social no contexto das polticas
pblicas de
alimentao e nutrio nos auxiliar na compreenso de como o debate
sobre alimentao e
nutrio se deu ao longo de nossa histria, como tambm na
interpretao dos princpios
ideais dos programas nutricionais vigorados mais recentemente
ante as necessidades da
populao.
At meados de 1940, no temos nenhuma interveno poltica de
repercusso
nacional inerente a alimentao e nutrio. Conforme Silva (2006),
durante esta poca, a
fome era considerada um fenmeno natural. Tal concepo se pauta em
alguns aspectos:
ausncia de grandes concentraes urbanas que demonstrassem o
carter estrutural desse
fenmeno, com a escassez de meios de comunicao e a desorganizao
poltica de uma
parcela da populao empobrecida, e o fato de o Estado e as elites
optarem por esta ideia
como a mais verdadeira, de forma a absterem-se da
responsabilidade de intervir para resolver
o problema.
Com a urbanizao e industrializao do Pas, entretanto, a classe
trabalhadora
entrou no cenrio poltico brasileiro questionando melhores
condies de vida, de forma
paralela. As pesquisas da poca, em especial, a desenvolvida por
Josu de Castro, em 1946,
publicada no livro Geografia da Fome, A Fome no Brasil,
mostraram que a origem da fome
era consequncia da desigualdade social (ANDRADE, 1997). Desde
ento, tem curso a
expresso questo social, utilizada primeiramente por cientistas
sociais.
-
18
Para Silva (2006), a questo social tem estreita relao com o
flagelo social.
Pode-se dizer que o flagelo social a questo social quando este
deixa de ser apenas
referente s necessidades dos indivduos e passa a se constituir
em demandas trazidas pelos
sujeitos ao quadro poltico.
O autor acrescenta que a transformao de necessidades em demandas
passa a ser
objeto de debates, confrontos e interesses distintos entre os
sujeitos, representantes do Estado
e de outros setores da sociedade no terreno poltico. O consenso
criado neste panorama se
materializa na poltica social que, por sua vez, se expressa em
uma deciso governamental.
Fleury (1994, p.43) assevera que a poltica social ; a resultante
possvel e necessria das relaes que historicamente se estabeleceram
no desenvolvimento das contradies entre capital e trabalho,
mediadas pela interveno do Estado, e envolvendo pelo menos trs
atores principais: a burocracia estatal, a burguesia industrial e
os trabalhadores urbanos.
Assim sendo, est intrinsecamente relacionada noo de cidadania,
uma vez que,
ao propiciar a elaborao de polticas, contribui concomitantemente
para sua formulao.
Seguindo o mesmo raciocnio, Burlandy (2007, p. 2) apresenta
claramente sua
concepo de poltica ou programa social. o formato de uma dada
poltica ou programa social resultante de um complexo processo de
intermediao de interesses, representados sob as mais variadas
formas organizacionais e com diferentes graus de poder de influncia
na agenda governamental. Expressa, desse modo, uma opo poltica,
construda sob certas condies materiais, a partir de embates e
alianas forjados por atores sociais diversos com capacidades tambm
distintas de interferncia no processo decisrio de formulao de
polticas pblicas.
Corroborando a idia de Escoda (1989), entendemos que a questo
nutricional
deve ser compreendida no mbito geral da questo sanitria da
populao. Luz (1989 apud
PINTO 2009) enfatiza que a poltica de alimentao e nutrio
constitui a forma que o Estado
utiliza para contornar a questo alimentar e nutricional. Para
tanto, pode-se utilizar de planos
de nutrio, explcitos ou no. A poltica est alm do projeto
escrito, est presente na prtica
para adotar medidas que conduzam a questo.
De repercusso nacional, contudo, e de forma concreta, tivemos
uma interveno
poltica de impacto na alimentao e nutrio no Brasil somente a
partir do Governo Vargas.
Embora Uchimura e Bosi (2003), em seus estudos, relatem que a
interveno do Poder
Pblico no setor da alimentao no Brasil, surgiu em meados de
1918, com a criao do
Comissariado de Alimentao Pblica, rgo com a finalidade de
controlar os estoques e
tabelar os preos dos gneros alimentcios, Vasconcelos (2005)
aponta que as aes
-
19
especficas de poltica social de alimentao e nutrio foram
implementadas somente ao
longo do Governo de Vargas.
A primeira interveno poltica de alimentao e nutrio surgiu na
dcada de
1940, com a definio de um salrio mnimo. Anunciado pelo
presidente Getlio Vargas, em
1 de maio de 1940, o piso salarial passou a ser um direito de
todo trabalhador, sendo este
definido, sobretudo, com base no critrio da alimentao, que
considerava as necessidades
nutritivas dos trabalhadores de acordo com as diferenas
regionais do Pas e cujo custo
deveria corresponder entre 50% e 60% do salrio mnimo (SILVA,
2006).
Ainda na dcada de 1940, Getlio Vargas criou o Servio de
Alimentao da
Previdncia Social (SAPS), que era administrado pelo Departamento
de Administrao do
Setor Pblico (DASP). O SAPS tinha como principais atribuies
atender os segurados da
previdncia social; selecionar produtos e baratear preos; educar
em uma perspectiva de
solucionar os problemas de ordem alimentar e nutricional;
promover a instalao e
funcionamento de restaurantes e fornecer alimentos bsicos. O
SAPS implantou uma grande
rede de restaurantes destinada aos trabalhadores (SILVA,
2006).
Percebemos, ento, que as intervenes eram direcionadas aos
trabalhadores
formais, sendo um modelo excludente, pois no beneficiavam os
outros cidados que no
tinham renda ou trabalhadores informais. Para Silva (2006) mesmo
caracterizando uma
poltica pblica calcada em uma concepo regulada da cidadania o
SAPS ampliou alguns
benefcios para toda a populao, uma vez que intervinha no mercado
de alimentos, utilizando
postos mveis nas feiras livres, onde eram oferecidos produtos a
preos inferiores aos do
mercado.
Ressaltamos que o SAPS realizou pesquisas que comprovaram o
deficit nutricional
de uma parcela significativa dos filhos dos trabalhadores e
ficou na contingncia de elaborar
projetos nas reas de emprego, formao de mo de obra e alfabetizao
de adultos. Isto
aconteceu em virtude da situao de um desafio (a fome) que
cobrava polticas pblicas e
mudanas estruturais no Pas.
Em 1943, foi criado o Servio Tcnico de Alimentao Social (STAS),
que tinha
como objetivo propor medidas para a melhoria alimentar e, logo
em seguida, no ano de 1945,
criada a Comisso Nacional de Alimentao (CNA), que tinha como
misso propor uma
poltica nacional de nutrio.
A CNA, a priori, era vinculada rea econmica, como rgo do
Conselho
Federal de Comrcio Exterior, e passou a ser regulamentada e
transferida, no ano de 1951,
para o Ministrio da Sade. Neste perodo, seguindo orientaes da
Organizao para a
-
20
Agricultura e Alimentao das Naes Unidas e da Organizao Mundial
da Sade (OMS),
elaborou, em 1953, o Plano Nacional de Alimentao (PNA), que,
segundo Burlandy (2003),
foi marcado por aes de suplementao alimentar para grupos
biologicamente vulnerveis
(SILVA, 2006).
No ano de 1955, foi institucionalizado o Programa Nacional de
Merenda Escolar
(PNME), que teve seu marco inicial no Decreto n 37.106,
instituindo a Campanha de
Merenda Escolar, subordinada ao Ministrio da Educao.
O PNME passa por mudanas de nome, de vinculao institucional e
de
estratgias, mas manteve seu foco na suplementao alimentar aos
escolares de escolas
pblicas ou filantrpicas conveniadas. O Programa justifica-se
pela oportunidade de garantir
aos escolares acesso a uma melhor alimentao, de forma permanente
e, assim, contribuir
para o melhor desempenho escolar e para reduzir evaso. Dessa
forma, pode-se considerar
que o PNAE atua na promoo da segurana alimentar para esse grupo
social prioritrio
(SANTOS et al., 2007).
Tais polticas discutidas at o momento remontam ao perodo de 1940
a 1970.
Corroborando Burlandy (2003), as polticas desta poca
caracterizaram-se por serem
verticais e centralizadas, por terem uma forte perspectiva
desenvolvimentista e por
associarem o flagelo social (fome e desnutrio) ao
subdesenvolvimento. Quase todas essas
polticas foram extintas, com exceo da merenda escolar, que
vigora at hoje.
Com o fato marcante da ditadura militar em nosso pas, alm da
extino de
algumas polticas, percebeu-se uma ruptura da discusso da fome
como produto da
desigualdade social. Assim sendo, substituiu-se essa discusso
pelo conceito nutricional,
incorporando o problema como se fosse exclusivamente de ordem
biolgica.
Em 1972, contudo, apareceu o Instituto Nacional de Alimentao e
Nutrio
(INAN), este rgo, vinculado ao Ministrio da Sade, que passou a
ser o centralizador da
poltica alimentar por meio dos vrios programas nacionais de
nutrio. O primeiro deles foi
o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio (PRONAN I), que era
composto de vrios
subprogramas, tendo como objetivos prioritrios a assistncia
alimentar aos grupos
vulnerveis e a promoo de programas de educao nutricional, no
entanto no chegou a ser
operacionalizado (LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003).
No decorrer dos anos seguintes, as polticas e programas passaram
a enfatizar a
assistncia alimentar e nutricional ao grupo materno-infantil e
aos escolares, destacou o
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno PNIAM; o
Programa Nacional de
-
21
Alimentao Escolar PNAE e o Programa de Combate s Carncias
Nutricionais
Especficas PCCE (SILVA, 1995; LEO; CASTRO, 2007)
Em 1976, foi criado o II Programa Nacional de Alimentao e
Nutrio
(PRONAN II), caracterizado por uma estrutura dirigida aos grupos
mais carentes, urbanos e
rurais. Conforme Uchimura e Bosi (2003), o PRONAN II se manteve
at 1985, atuando em
trs vertentes - suplementao alimentar a diversos grupos da
populao; racionalizao do
sistema de produo de alimentos, com nfase no estmulo ao pequeno
produtor, e combate
s carncias nutricionais apoiado, em medidas de natureza tcnica e
tecnolgica.
Na vertente de suplementao alimentar, incluam-se programas como
o de
Nutrio em Sade (PNS), que distribua alimentos in natura,
cobrindo 45% das necessidades
nutricionais dirias de crianas, gestantes e nutrizes. Ainda o
Programa de Complementao
Alimentar (PCA), sob a coordenao da Legio Brasileira de
Assistncia (LBA), do
Ministrio da Previdncia, que atendia com alimentos formulados a
sua rede assistencial. O
Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE) que funcionava
desde 1954, sob a
coordenao da Campanha Nacional de Alimentao Escolar (CNAE) e,
posteriormente, da
Fundao de Assistncia ao Estudante (FAE), do Ministrio da Educao
e Cultura, provendo
merenda para escolares de sete a 14 anos de idade, e o Programa
de Alimentao do
Trabalhador (PAT), criado em 1977, sob a coordenao do Ministrio
do Trabalho, que,
mediante incentivo fiscal, possibilitava s empresas fornecer
refeies aos trabalhadores
(ARRUDA; ARRUDA, 2007).
Na vertente de racionalizao da produo de alimentos, Uchimura e
Bosi (2003)
sublinham dois programas - o Projeto de Aquisio de Alimentos em
reas de Baixa Renda
(PROCAB) e o Programa de Abastecimento de Alimentos Bsicos em
reas de Baixa Renda
(PROAB).
O PROCAB adquiria os alimentos bsicos diretamente do produtor,
por
intermdio da Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL), do
Ministrio da Agricultura,
para programas do PRONAN, e o PROAB abastecia os pequenos
varejistas de reas carentes,
com alimentos bsicos e preos reduzidos.
Pinheiro (2008, p.4) faz uma anlise crtica das estratgias
executadas pelo INAN
e acentua que as contradies existentes nas polticas pblicas
atuais j eram percebidas nesta
poca. [...] o INAN tinha como finalidade principal propor e
coordenar uma poltica nacional de alimentao, alm de elaborar e
propor o Programa Nacional de Alimentao e Nutrio e funcionar como
um rgo central de articulao das aes de alimentao e nutrio. No
entanto, nesta poca, uma situao paradoxal j sinalizava uma
contradio permanente no contexto das polticas pblicas de
-
22
Estado: a tentativa de conciliar um conjunto de aes e projetos
que visem defender e organizar o acmulo de capital (interesses
econmicos) versus uma proposta de polticas de alimentao e nutrio
que visem garantia da sade e bem-estar social da populao
(interesses sociais). Se, por um lado, havia uma perspectiva
interdisciplinar e articuladora do tema, atravs da proposta do
PRONAN II (com integrao dos componentes relacionados produo e ao
consumo alimentar), por outro lado, houve um claro investimento em
polticas econmicas e agrcolas que privilegiaram a concentrao de
renda e terras, alm da no liberao de recursos financeiros para
consolidao da proposta do PRONAN II. A escassez de recursos
destinados implantao do PRONAN demonstrava uma ntida falta de
interesse do tema na agenda poltica brasileira.
Observamos, contudo, no final da dcada de 1980, uma ausncia de
priorizao
dos programas de abastecimento popular de alimentao. Durante o
perodo de 1984-1988,
perodo da Nova Repblica, algumas polticas de alimentao e nutrio
permaneceram, as
quais foram o PROAB, PAT, PNS, que passou a ser chamado de
Programa de Suplementao
Alimentar e o PNAE.
Em relao s novas polticas, destaca-se o Programa Nacional do
Leite para
Crianas Carentes (PNLCC). Criado em 1986, visava distribuio de
um litro de leite por
dia para famlias com renda mensal de at dois salrios-mnimos com
crianas de at sete
anos de idade. Conhecido como o tquete do Sarney, por sua
vinculao direta Presidncia
da Repblica, por intermdio da Secretaria Especial de Ao
Comunitria, este programa foi
muito criticado na poca em virtude de problemas na sua
implementao, tais como a
transformao do cupom em moeda corrente e a competio com as
clientelas de outros
programas (COHN,1995).
No incio da Nova Repblica, por volta de 1985, no podemos deixar
de destacar o
fato de que a segurana alimentar apareceu pela primeira vez como
referncia de uma
proposta de poltica contra a fome. O documento intitulado
Segurana Alimentar proposta
de uma poltica contra a fome, teve poucas consequncias prticas,
porm j continha as
bases das principais proposies que surgiriam depois:
encontram-se nele as diretrizes de uma
poltica nacional de segurana alimentar, bem como a proposta de
instituir um Conselho
Nacional de Segurana Alimentar (CONSEA). O documento propunha
como objetivos
atender as necessidades alimentares da populao e atingir a
autossuficincia produtiva
nacional na produo de alimentos (MALUF, 2009)
Em 1987, toda efervescncia pela luta da democratizao das
polticas sociais foi
canalizada para os trabalhos da Assembleia Constituinte. O
estabelecimento de uma ordem
institucional democrtica supunha um (re) ordenamento das
polticas sociais que respondesse
s demandas da sociedade por maior incluso social e equidade.
Projetada para o sistema de
polticas sociais como um todo, tal demanda por incluso e reduo
das desigualdades
-
23
adquiriu conotaes de afirmao dos direitos sociais como parte da
cidadania, j que o
sistema anterior de proteo social combinava incluso
estratificada de poucas pessoas e
excluso da maioria da populao (FLEURY, 2007).
Na ptica dos direitos sociais compreendidos como exigncias
elementares de
proteo s classes ou grupos sociais mais necessitados, a saber -
sade, educao, trabalho -
o direito a alimentao assumiu um eixo elementar, bsico.
Corroboramos o pensamento de
Yasbec (2004) para quem no h dvidas de que o direito humano
segurana alimentar e
nutricional se localiza no conjunto dos mnimos sociais, a que tm
direito todos os cidados
do Pas. Na definio dos mnimos sociais, o que est em questo o
estabelecimento de um
padro bsico de incluso social que contenha a ideia de dignidade
e cidadania (SPOSATI,
1997 apud YASBEC, 2004).
Explorando os momentos relevantes de definies de conceitos,
deliberaes e
intervenes nesse campo, cabe relembrar: a) a VIII Conferncia
Nacional de Sade, em
1986, em Braslia, cujas recomendaes conduziram aprovao da Lei
Orgnica da Sade
(Lei n 8080/90), criando o Sistema nico de Sade e privilegiando
a estruturao de
comisses permanentes, entre as quais a Comisso Intersetorial de
Alimentao e Nutrio do
Conselho Nacional de Sade; b) a I Conferncia Nacional de
Alimentao e Nutrio, em
Braslia, como desdobramento da VIII Conferncia Nacional de Sade,
que props a criao
de um Conselho Nacional de Alimentao e Nutrio (CNAN) que
formulasse a Poltica
Nacional de Alimentao e Nutrio a ser adotada, oficialmente, em
1999. Ressaltamos,
ainda, que a Conferncia sugeriu a instituio de um Sistema de
Segurana Alimentar e
Nutricional (SSAN) ligado ao Ministrio do Planejamento, proposta
que veio a ser retomada,
em 2004, pela II Conferncia de Segurana de Alimentao e Nutrio e
pelo CONSEA.
Nessas proposies, restou clara a ampliao do conceito de segurana
alimentar com a
incorporao do adjetivo nutricional noo de segurana
alimentar.
Houve um debate infindvel sobre os limites e outros significados
dos termos
alimentao e nutrio ou da interseo que justificaria num s
conjunto as seguranas
alimentar e nutricional. Nessa discusso, enfatizamos a
argumentao de Batista Filho (2003),
ao defender a inteligncia do emprego unificado de ambos na forma
da expresso segurana
alimentar/nutricional, haja visto o reconhecimento de que so
processos necessariamente
simultneos, pois, com a segurana alimentar, o objetivo alcanar
um estado nutricional
adequado.
Na dcada de 1990, acrescentam-se importantes aes de mobilizao
social e
articulao institucional, impulsionadas por movimentos sociais de
luta por tica na poltica e
-
24
pela urgncia na superao da pobreza e da fome aguda, at como
pressuposto de
desenvolvimento equilibrado da economia. Nesse panorama,
destaca-se a Ao da Cidadania
contra a Fome, a Misria e pela Vida, onde desempenhou papel de
relevo o socilogo Herbert
de Souza (ARRUDA; ARRUDA, 2007; BURLANDY, 2009). Dentre os
resultados dessa
mobilizao, verificam-se: a) a confeco do Mapa da Fome; b) a
elaborao do Plano de
Combate Fome e Misria, e a criao do Conselho Nacional de
Segurana Alimentar
(CONSEA) em maio de 1993; e c) a realizao, em Braslia, em julho
de 1994, da I
Conferncia Nacional de Segurana Alimentar, que induziu um
processo de mobilizao
nacional em torno da questo alimentar e da dimenso do problema
da fome no Pas.
Aponta-se como fator fundamental para o desenvolvimento dessas
aes a
aceitao das propostas h pouco mencionadas pelo ento presidente
Itamar Franco. A matriz
da proposta de segurana alimentar e nutricional de seu governo
era semelhante do
documento de 1985, acrescida das contribuies oriundas do campo
da sade e nutrio e
ampliando o escopo da poltica de segurana alimentar. Entendia a
segurana alimentar como
um objetivo estratgico de governo que nuclearia as polticas de
produo agroalimentar,
comercializao, distribuio e consumo de alimentos, incorporando a
perspectiva de
descentralizao e diferenciao regional. Fariam parte, ainda, as
aes governamentais de
controle da qualidade dos alimentos e estmulo a prticas
alimentares saudveis, bem como
um conjunto de outras medidas no campo da sade e da vigilncia
(MALUF, 2009)
Conforme Pinheiro (2008), a partir da dcada de 1990, a rea de
alimentao e
nutrio, no mbito do setor sade, assumiu a responsabilidade de
avanar para o alcance da
segurana alimentar e nutricional e, assim como o setor da
assistncia social, sempre
permaneceu margem das polticas pblicas sociais que, sem suporte
oramentrio e
financeiro adequados, carentes de recursos humanos suficientes,
apresentavam aes
contingentes e pulverizadas pelos escassos recursos e falta de
transparncia.
De modo geral, os resultados das aes implementadas pelo CONSEA
so
consideradas pouco significativas, o que pode ser atribudo ao
seu curto perodo de
existncia, cerca de dois anos. Talvez a sua mais significativa
realizao tenha sido a
promoo da I Conferncia Nacional de Segurana Alimentar (CNSA), em
1994. O relatrio
final da Conferncia compunha-se de um documento poltico em busca
de estabelecer uma
Poltica Nacional de Segurana Alimentar. Em 1995, com a mudana do
governo, o
CONSEA foi extinto (PESSANHA, 2002 apud LEITE; ARRAES,
2006).
Pinheiro (2008), em seus estudos, exprime que o CONSEA foi
extinto e a
estratgia de fortalecimento da via econmica (ajuste estrutural)
foi adotada em detrimento
-
25
da formao de uma Poltica Nacional de Segurana Alimentar e
Nutricional (SAN), que saiu
da agenda poltica. Se a perspectiva de controle inflacionrio
atuou como um aspecto
positivo, em termos de acesso ao alimento e poder de consumo da
populao, por outro lado,
o enfraquecimento das relaes polticas com setores da sociedade
civil (principalmente o
movimento da Ao da Cidadania que liderava o debate da Poltica de
SAN) foi negativo,
pois desarticulou o apoio dos movimentos sociais.
Tambm no ano de 1995, durante o primeiro mandato de Fernando
Henrique
Cardoso, foi consolidada a estratgia Comunidade Solidria como um
plano de ao de
combate pobreza e desigualdade. Dentre as suas atribuies, a mais
complexa foi a de
coordenar a execuo do Programa de Distribuio Emergencial de
Alimentos (PRODEA),
que teve incio em 1993.
Para Pessanha (2002), a estratgia do Programa Comunidade
Solidria refletiu a
tendncia geral mais recente da focalizao e descentralizao da
assistncia social, j que o
Programa direcionou suas polticas para os segmentos sociais mais
empobrecidos. Tal
interveno, porm, no rompeu efetivamente com os velhos problemas
inerentes
implementao de polticas sociais. Valente (1997) acrescenta que,
durante os seus oito anos
de existncia, a Comunidade Solidria se limitou a discutir formas
de incorporar o setor
privado, com e sem fins lucrativos, na elaborao e implementao,
incluindo financiamento,
de projetos que colaborassem com aes estatais, ou mesmo
substitussem o Poder Pblico
em papis tradicionalmente vistos como obrigao do Estado, tais
como alfabetizao,
promoo da educao infantil etc.
Embora saibamos deste histrico, um aspecto positivo foi o apoio
da Comunidade
Solidria aos planos de interlocuo que integraram a trajetria do
enfoque da Segurana
Alimentar e Nutricional. O documento brasileiro Cpula Mundial
props uma nova e
ampliada definio de segurana alimentar: Segurana alimentar
significa garantir, a todos, condies de acesso a alimentos bsicos
de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em
prticas alimentares saudveis, contribuindo, assim para uma
existncia digna, em um contexto de desenvolvimento integral da
pessoa humana (II CPULA MUNDIAL DA ALIMENTAO, 2002).
Essa definio foi o ponto de partida para aquela que veio a ser
aprovada na II
Conferncia Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional (2004) e
adotada pelo CONSEA
(MALUF, 2009).
O segundo mandato rompeu com qualquer perspectiva de debate de
uma proposta
de segurana alimentar no contexto do Governo Federal. A discusso
sobre o tema ficou
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26
restrita a debates internos relacionados a diferentes polticas
setoriais e perdeu qualquer tipo
de ressonncia na elaborao de iniciativas mais amplas (VALENTE,
1997).
Com efeito, em 1998, teve incio a formulao da Poltica Nacional
de
Alimentao e Nutrio e, em 1999, aps discusso com a sociedade, foi
aprovada, pelo
Conselho Nacional de Sade, a Poltica Nacional de Alimentao e
Nutrio (PINHEIRO,
2008).
A Poltica Nacional de Alimentao e Nutrio (PNAN) tem como
propsito a
garantia da qualidade dos alimentos colocados para consumo no
Pas, a promoo de prticas
alimentares saudveis e a preveno e o controle dos distrbios
nutricionais, bem como o
estmulo s aes intersetoriais que propiciem o acesso universal
aos alimentos. Sete so as
diretrizes programticas desta Poltica, que tem como leitmotiv o
Direito Humano
Alimentao e Segurana Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2005).
1 Estmulo a aes intersetoriais com vistas ao acesso universal
aos alimentos.
2 Garantia da segurana e qualidade dos alimentos.
3 Monitoramento da situao alimentar e nutricional.
4 Promoo de prticas alimentares e estilos de vida saudveis.
5 Preveno e controle dos distrbios e doenas nutricionais.
6 Promoo do desenvolvimento de linhas de investigao.
7 Desenvolvimento e capacitao de recursos humanos em sade e
nutrio
Na contextura das aes propostas pela PNAN, a perspectiva de
formulao de um
Sistema Nacional de Vigilncia Alimentar e Nutricional (SISVAN),
que articulasse o registro
sistemtico de dados relativos tanto produo quanto ao consumo
alimentar, foi o ponto
central do debate na agenda poltica da Segurana Alimentar e
Nutricional (PINHEIRO,
2008).
O SISVAN foi proposto como um instrumento que subsidia o
conhecimento da
situao alimentar e nutricional de uma populao, contribuindo para
a segurana alimentar.
Ele consiste num sistema de coleta, processamento e anlise
contnua de dados, possibilitando
um diagnstico atualizado da situao nutricional e de suas
tendncias temporais. Contribui
para que se conheam a natureza e magnitude dos problemas de
nutrio, caracterizando
grupos sociais de risco e dando elementos para a formulao de
polticas, estabelecimento de
programas e intervenes.
-
27
Pesquisa de Monteiro e Conde (2000), realizada em So Paulo,
demonstrou que a
alterao da estrutura socioeconmica da populao acompanhada da
melhoria dos
indicadores de desnutrio, conforme dados obtidos nas dcadas de
1980 e 1990. Apesar
disso, a insuficincia alimentar ainda preocupante, e mostra
forte associao intensacom
renda e escolaridade (MARINS; ALMEIDA, 2002). Em So Paulo, a
renda familiar dobrou
entre os anos de 1980 e 1990, o nmero de famlias com baixo poder
aquisitivo caiu 50% e a
escolaridade materna cresceu em 1,5 ano. A traduo dos
indicadores nutricionais e de sade,
contudo, em um pas com dimenses territoriais to grandes e
diversidades regionais deveras
marcantes, encobre realidades locais que apresentam
particularidades, com ilhas de riqueza e
a continuidade de situaes de risco em bolses de pobreza,
observando-se claramente a
interferncia do fator renda quando os dados so desagregados
(DOMENE, 2003).
Na dcada de 2000, no clima de aprofundamento da crise econmica,
mudanas
significativas inauguram programas sociais, em um movimento que
se inicia timidamente no
Governo Fernando Henrique Cardoso, e no Governo Lula se expande,
mas, ao mesmo tempo,
redireciona alguns processos anteriores (VAITSMAN et al.,
2009).
Em 2001, o Instituto Cidadania apresentou o Projeto Fome Zero
como proposta
de uma poltica nacional participativa de segurana alimentar e
combate fome (BELIK;
SILVA; TAKAGI, 2001). Ento, as dimenses da segurana alimentar
mais valorizadas so,
naturalmente, a erradicao da fome e o enfrentamento da
desnutrio, tendo como elemento
principal programas de transferncias de renda e aes que promovam
ou favoream o acesso
aos alimentos pelos segmentos mais pobres da populao (MALUF,
2009).
A seguir, na eleio presidencial de 2002, essa iniciativa passou
a fazer parte do
conjunto de propostas do vitorioso candidato Lus Incio Lula da
Silva, que, logo aps a
confirmao da vitria eleitoral, declarou que, ao fim de quatro
anos de governo, asseguraria
trs refeies dirias a cada brasileiro. Tal fato representou a
culminncia de sua misso
histrica (BETTO, 2003).
De acordo com Batista Filho (2003), o campo de proposies do
Projeto Fome
Zero constitui referncia capaz de mudar o curso da histria
poltica, econmica e social do
Brasil, com novas diretrizes ticas voltadas correo das distores
estruturais da sociedade
brasileira. Em consonncia, a Organizao das Naes Unidas para
Alimentao e
Agricultura (FAO) considerou que a iniciativa do agora Programa
Fome Zero (PFZ) de
complementar um conjunto de aes compensatrias, com outras de
gerao de renda,
configura um acerto estratgico digno de ser replicado noutros
pases (TUBINO, 2007).
-
28
Por outra vertente, Francisco de Oliveira, um dos fundadores do
Partido dos
Trabalhadores (PT), sustenta que programas como Fome Zero so
instrumentos de
"funcionalizao da misria", isto , tornaram a misria suportvel e
funcional. Aquele
referenciado socilogo entende que tais iniciativas constituem um
tipo de "ajuda
humanitria" para garantir a sobrevivncia dos mais pobres sem
alterar a condio social
destes. Em outras palavras, esses programas no alteraram a
estrutura de distribuio de
riquezas no Brasil. Nesse sentido, fragiliza-se o carter
inovador e emancipatrio
eventualmente sustentado pelos defensores das polticas
compensatrias (FIUZZA, 2004).
Portanto, compreendemos que o desafio maior do PFZ est
relacionado s
mediaes polticas entre o mundo social e o universo pblico dos
direitos e da cidadania.
Essas mediaes, a serem construdas e reinventadas, circunscrevem
um campo de conflito
que tambm de disputa pelos sentidos de modernidade, cidadania e
democracia (YASBEC,
2004).
A implantao do PFZ, a criao do Conselho Nacional de Segurana
Alimentar e
Nutricional (CONSEA) e de um rgo executivo e articulador o
Ministrio Extraordinrio
de Segurana Alimentar e Combate Fome - ambos vinculados
Presidncia da Repblica,
j no primeiro ato legislativo do governo ento recm-empossado,
explicitam claramente que
a segurana alimentar e nutricional retomou um espao perdido ao
longo da ltima dcada
(GRAZIANO DA SILVA; TAKAGI, 2004)
Graziano da Silva e Takagi (2004) comentam sobre a concepo que
norteou o
PFZ. Um primeiro aspecto que os autores ressaltam a importncia
de estabelecer a
diferena entre insegurana alimentar e fome. O conceito de
segurana alimentar envolve
pelo menos quatro dimenses: 1 a primeira a dimenso da
quantidade. necessrio um
consumo mnimo de calorias, protenas e vitaminas para uma vida
ativa e saudvel. 2 a
segunda a dimenso da qualidade. A populao deve ter acesso a
alimentos nutritivos. 3 a
terceira de regularidade: comer pelo menos trs vezes por dia.
tomar caf da manh,
almoar e jantar todos os dias. 4 a quarta a da dignidade. Uma
pessoa que se alimenta de
restos de restaurantes ou de lixes no possui segurana alimentar,
embora possa at no se
enquadrar na categoria de subnutridos pelo critrio biolgico.
Concordamos com Maluf (2009), porm, na idia de que esto em
curso, desde
2003, as discusses sobre as vrias dimenses da SAN, que perpassa
trs vias: a primeira
corresponde s iniciativas dos CONSEAs de transformar as
diretrizes aprovadas nas
Conferncias de SAN. A segunda, em dilogo com a anterior,
refere-se evoluo do PFZ e
-
29
dos vrios programas na rea dos alimentos e da alimentao. A
terceira via congrega
mltiplas iniciativas na rea alimentar e nutricional, oriundas
das organizaes da sociedade
civil, dos movimentos e redes sociais. Destaca-se, ainda, o
recente crescimento de pesquisas
acadmicas e levantamentos estatstico sobre SAN.
Para Burlandy (2007), a SAN considerada, no Brasil, como um
direito humano,
um bem pblico que se realiza por intermdio de polticas
universais, garantido na Lei
Orgnica de Segurana Alimentar e Nutricional aprovada em 2006. A
abordagem do Direito
Humano Alimentao Adequada (DHAA) considera que no basta garantir
a SAN se os
processos pelos quais as aes so implementadas se pautam em
relaes clientelistas se
baseiam em troca de favores ou no respeitam os valores culturais
dos grupos atendidos.
Respaldado pela Lei Orgnica da Segurana Alimentar (2006), Maluf
(2009) aponta como
diretrizes gerais de uma Poltica Nacional de SAN:
- Adotar a tica da promoo do direito humano alimentao adequada
e
saudvel, colocando a SAN como objetivo estratgico e permanente
associado
soberania alimentar;
- assegurar o acesso universal e permanente a alimentos de
qualidade,
prioritariamente, atravs de gerao de trabalho e renda, regulando
as condies
em que os alimentos so disponibilizados populao e contemplando
aes
educativas em SAN;
- promover a produo rural e urbana e a comercializao de
alimentos realizados
em bases socialmente equitativas, ambientalmente sustentveis e
culturalmente
adequadas, com nfase na agricultura familiar;
- buscar a transversalidade das aes atravs de planos
articulados
intersetorialmente e com a participao social equitativa, e
apoiar as iniciativas
no governamentais;
- respeitar a equidade de gnero e tica, reconhecendo a
diversidade e valorizando
as culturas alimentares e
- reconhecer a gua como alimento essencial e patrimnio
pblico.
Em anlise sobre as bases de sustentao da poltica social
brasileira, contudo,
Nri (2004) destaca trs pontos. O primeiro o PFZ. O autor aponta
como uma qualidade
desse programa a capacidade de mobilizar a sociedade, porm, mais
do que operacionais, seus
problemas foram de concepes. Buscou-se um combate literal fome,
cerceando a liberdade
do pobre de escolher o que podia ou no consumir. A tentativa era
aumentar a produo
agrcola e a capacidade de gerao de renda local. A segunda, o
Programa Bolsa-Famlia,
-
30
(PBF), que uma funo do Estado, para a qual ele insubstituvel,
busca uma racionalidade
de aplicao dos recursos, procura atender a uma constatao de que
no se gasta pouco na
rea social. O Brasil despende 21% do Produto Interno Bruto (PIB)
no social. Nenhum pas
da Amrica Latina gasta mais do que o nosso, s que gastamos mal,
historicamente, esses
recursos, o que acontece at hoje, porque herdamos muitos
desafios do passado e no
transformveis em pouco tempo. O terceiro, constitudo por aes
metropolitanas, e a est
faltando uma poltica integrada na linha do Programa Bolsa
Famlia. Ela exige efetiva
coordenao dos vrios nveis de governo com a sociedade civil.
Sobre o Programa Bolsa-Famlia (PBF), apresentaremos o
levantamento das
discusses sobre esta interveno, no campo da alimentao e nutrio,
no captulo a seguir.
Pelo fato de o objeto em estudo ter como pano de fundo tal
programa, coerente explorarmos
ao mximo os contedos disponibilizados na literatura.
2.2 Programa Bolsa-Famlia (PBF)
Aps analisar a trajetria das polticas sociais brasileiras, sob
enfoque da
alimentao e nutrio, constatamos que o Programa Bolsa Famlia
resulta das iniciativas dos
programas de transferncia de renda do Brasil.
As recentes transformaes operacionalizadas no interior das
economias mundiais,
com o crescimento do desemprego e a apario de novas formas e/ou
agudizao da pobreza,
associados chamada crise do Welfare State1, trazem tona o debate
acerca dos limites dos
tradicionais programas sociais em responder s crescentes
demandas sociais, impondo, assim,
novos dilemas para a interveno pblica (SENA et al., 2007).
Nesse mbito, de acordo com Burlandy (2007), no Brasil, houve uma
opo
evidente de investimento do Governo Federal na Transferncia
Condicionada de Renda
(TCR), complementando ou substituindo outros tipos de
intervenes, como a distribuio de
alimentos e os programas de cupom-alimentao (implementados em
alguns estados do Pas).
1 Utiliza-se uma definio bastante ampla de Welfare State, que
entendido como a mobilizao em larga escala do aparelho do Estado em
uma sociedade capitalista, a fim de executar medidas orientadas
diretamente ao bem-estar de sua populao. No Brasil, a expresso
conhecida como Estado de Bem-Estar Social. De acordo com seus
princpios todo o indivduo teria o direito, desde seu nascimento at
sua morte, a um conjunto de bens e servios que devem ter seu
fornecimento garantido, seja diretamente pelo Estado ou
indiretamente, mediante seu poder de regulamentao sobre a sociedade
civil. Esses direitos incluem a educao em todos os nveis, a
assistncia mdica gratuita, o auxlio ao desempregado, a garantia de
uma renda mnima, recursos adicionais para a criao dos filhos etc
(MEDEIROS, 2001).
-
31
Desde 2001, as aes de distribuio de alimentos para gestantes,
nutrizes e
crianas em risco nutricional foram progressivamente substitudas
pela TCR, num crescendo
de expanso de cobertura.
Silva (2006) aponta cinco momentos relevantes na constituio
histrica da
poltica de transferncia de renda. O primeiro, no ano de 1991,
marcado pelo incio de um
debate que se ampliou nos anos subseqentes. O segundo, ainda em
1991, com a introduo
da ideia de articulao da garantia de uma renda mnima familiar
com a educao. ento
proposta uma transferncia monetria equivalente a um salrio mnimo
a toda famlia que
mantivesse seus filhos ou dependentes de sete a 14 anos de idade
frequentando regularmente a
escola pblica. Portanto, era o vnculo com a escola pblica que
garantia a focalizao dos
programas de renda mnima nas famlias pobres, pela dificuldade de
comprovao de renda
entre estas. O terceiro momento ocorreu em meados de 1995, com
iniciativas municipais em
Campinas, em Ribeiro Preto e em Santos (So Paulo), e em Braslia
(Distrito Federal). Trata-
se de experincias bastante diversas no que se refere a critrios
de seleo, valor do benefcio
e formas de operao, entre outros, compartilhando uma grande
riqueza em termos de
inovaes institucionais (DRAIBE, 2006). Em 2001, penltimo ano do
governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso, marcando o quarto momento, com a
criao de programas, com
destaque a Bolsa-Escola e a Bolsa-Alimentao. Esses programas
foram implementados de
modo descentralizado e alcanaram a maioria dos 5.561 municpios
brasileiros, assumindo
uma abrangncia geogrfica significativa e passando a ser
considerados, no discurso do ento
Presidente da Repblica, o eixo central de uma grande rede
nacional de proteo social. O
ano de 2003 foi o incio do quinto momento quando criado o
Programa Bolsa-Famlia com a
misso de unificar os programas nacionais de transferncia de
renda.
Algumas avaliaes a respeito dos programas brasileiros de
garantia de renda
mnima (PGRM) apontam a vantagem da transferncia monetria direta
na diminuio dos
custos administrativos do programa e na reduo da incidncia de
fraudes e desvios de
recursos, alm de permitir a liberdade de escolha dos produtos
por parte dos beneficirios,
quando comparada clssica modalidade de distribuio do benefcio in
natura (LAVINAS,
2004). Ao mesmo tempo, os PGRMs tm como proposta promover a
articulao com outras
polticas e programas sociais, criando a possibilidade de, em
tese, romper com a fragmentao
tpica das polticas sociais brasileiras e facilitar a adoo de aes
intersetoriais (SENA et al.,
2007).
-
32
2.2.1 Caracterizao do Programa Bolsa-Famlia (PBF)
A Medida Provisria n132, logo depois convertida na Lei n 10.836,
de 2004,
criou o Programa Bolsa-Famlia (PBF) que tem por finalidade a
unificao dos procedimentos
da gesto e execuo das aes de transferncia de renda em
implementao no Pas
(BRASIL, 2009).
O PBF est vinculado ao Ministrio de Desenvolvimento Social e
Combate
Fome, mais especificamente Secretaria Nacional de Renda de
Cidadania (SENARC), e
constitui uma das prioridades do Governo Federal para a rea
social.
O objetivo proteger o grupo familiar e contribuir para o seu
desenvolvimento,
alm de assegurar o direito alimentao e preservar vnculos e
valores familiares. O PBF
tem ainda o objetivo de superar a fome e a pobreza. Para isso
articula trs dimenses: o alvio
imediato da pobreza; a exigncia do exerccio dos direitos sociais
bsicos na rea da sade e
educao e a integrao dos programas complementares situado nas
quatro esferas de
governos que tenham por objetivo o desenvolvimento das famlias
(BRASIL, 2008).
A opo pela unificao dos programas de transferncia de renda no
Brasil,
viabilizada pelo PBF, d-se mediante o diagnstico sobre os
programas sociais em
desenvolvimento, levantado durante a transio do governo Fernando
Henrique Cardoso para
o governo Lula. Esse diagnstico apontou alguns problemas:
- existncia de programas concorrentes e sobrepostos nos seus
objetivos e no seu
pblico-alvo;
- ausncia de uma coordenao geral dos programas, propiciando
desperdcio de
recursos, alm de insuficincia de recursos alocados;
- ausncia de planejamento gerencial dos programas e disperso de
comandos em
diversos Ministrios;
- incapacidade no alcance do pblico alvo conforme os critrios de
elegibilidade
estabelecidos pelos programas (BRASIL, 2002 apud SILVA e SILVA,
2008)
Portanto, o PBF se consolidou como uma poltica intersetorial
voltada ao
enfrentamento da pobreza, ao apoio pblico e emancipao das
famlias em situao de
vulnerabilidade socioeconmica, requerendo, para sua efetividade,
cooperao interfederativa
e coordenao das aes dos entes pblicos envolvidos em sua gesto e
execuo (BRASIL,
2005).
A implementao descentralizada do PBF foi assumida pelos
municpios mediante
a assinatura do Termo de Adeso, onde os municpios se comprometem
a instituir comit ou
-
33
conselho local de controle social e indicar o gestor municipal
do PBF, por determinao da
Portaria n 246, de 20 de maio de 2005, art. 2.
Sena et al. (2007) assinalam que, diferentemente dos programas
de transferncias
de renda anteriores, que consideravam inelegveis famlias sem
filhos, gestantes ou nutrizes,
o Bolsa-Famlia amplia, at certo ponto, seu escopo de
atendimento, ao permitir o acesso
desse tipo de famlia ao Programa. Importante salientar que se
trata ainda de uma
perspectiva restritiva, haja vista que o acesso das famlias sem
filhos somente permitido
quelas que estiverem em situao de pobreza extrema.
Dessa forma, o foco deve ser a famlia, entendida como unidade
nuclear,
eventualmente ampliada por pessoas ligadas por laos de
parentesco ou afinidade,
constituindo um grupo domstico que partilha teto e a manuteno da
famlia com a
contribuio de seus membros (SILVA e SILVA, 2008).
Para seus idealizadores, o PBF considerado uma inovao, por se
propor a
proteger o grupo familiar como um todo, representado,
preferencialmente, pela me; pela
elevao do valor monetrio do benefcio; pela simplificao e elevao
de recursos
destinados a programas dessa natureza, propondo-se, tambm,
simplificar e racionalizar o
acesso das famlias aos benefcios. Para Draibe (2006), o foco na
famlia foi a forma
encontrada pelos formuladores de tais polticas para atingir seu
principal pblico-alvo,
crianas e adolescentes, e inclu-los em outras polticas,
sobretudo a de educao, tornando os
pais e os responsveis meros intermedirios. Se, de algum modo,
tal anlise pode ser
transposta para o PBF, necessrio pensar em que medida a famlia
(ou no), na realidade, a
unidade privilegiada e interveno do Programa.
A incluso das famlias elegveis para o PBF d-se desde que estas
estejam
inscritas no Cadastro nico para Programas Sociais do Governo
Federal (Cadnico). O
Cadnico a base de dados utilizada para o registro de informaes
sobre as famlias com
renda mensal de at meio salrio mnimo por pessoa. A partir dele
que feita a seleo de
beneficirios de alguns programas do Governo Federal como o PBF.
Dessa forma, o
cadastramento no significa a insero automtica da famlia no
Bolsa-Famlia. A seleo
depender dos critrios do Programa (BRASIL, 2009).
Assim sendo, o PBF adota como critrios de elegibilidade a
incluso de famlias
extremamente pobres, consideradas as famlias com renda per
capita mensal de at R$ 70,00,
independentemente de sua composio familiar e de famlias pobres,
com renda per capita
mensal de at R$ 140,00, com crianas ou adolescentes entre zero e
17 anos, gestantes ou
nutrizes.
-
34
Recentemente, houve o quarto reajustamento dos valores do
benefcio, desde sua
criao, em 2003. Conforme o Decreto 7.447, de 01 de maro de 2011,
so trs tipos de
benefcios:
Quadro 1- Tipo e Valor do benefcio das famlias cadastradas no
PBF
Tipo do benefcio Valor do benefcio Perfil da famlia *
Benefcio Bsico R$ 70,00 Famlias que se encontram
em situao de extrema
pobreza
Benefcio Varivel R$ 32, 00 Famlia que se encontram em
situao de pobreza ou
extrema pobreza e que
tenham em sua composio
gestantes ou nutrizes,
crianas entre 0 a 12 anos ou
adolescentes at 15 anos**
Benefcio Varivel vinculado
ao adolescente (BVJ)
R$ 38,00 Famlia que se encontra em
situao de pobreza ou
extrema pobreza e que
tenham em sua composio
adolescentes de 16 e 17 anos
que estejam freqentando a
escola***
* Os benefcios podem ser cumulativos conforme a renda e a
composio da famlia.
** A famlia pode receber at 3 benefcios variveis.
*** A famlia pode receber at 2 BJV
As famlias tm liberdade na utilizao do dinheiro recebido e podem
permanecer
no Programa enquanto estiverem dentro dos critrios de
elegibilidade e cumpram as
condicionalidades indicadas, desde que lhes sejam oferecidas
condies para tal (SILVA e
SILVA, 2008).
As condicionalidades so os compromissos que as famlias
beneficiadas assumem
nas reas da sade, educao e assistncia social.
-
35
Educao: freqncia escolar mnima de 85% para crianas e
adolescentes entre 6 e 15
anos e mnima de 75% para adolescentes entre 16 e 17 anos.
Sade: acompanhamento do calendrio vacinal e do crescimento e
desenvolvimento
para crianas menores de 7 anos; e pr-natal das gestantes e
acompanhamento das
nutrizes na faixa etria de 14 a 44 anos.
Assistncia Social: freqncia mnima de 85% da carga horria
relativa aos servios
scio-educativos para crianas e adolescentes de at 15 anos em
risco ou retiradas do
trabalho infantil (BRASIL, 2009).
O objetivo das condicionalidades no punir as famlias, mas
responsabilizar de
forma conjunta os beneficirios e o Poder Pblico, que deve
identificar os motivos do no
cumprimento das condicionalidades e implementar polticas pblicas
de acompanhamento
para essas famlias (BRASIL, 2009).
Os efeitos decorrentes do descumprimento das condicionalidades
do PBF so
gradativos e aplicados de acordo com os descumprimentos
identificados no histrico da
famlia. Esses efeitos vo desde a advertncia da famlia, passando
pela suspenso do
benefcio, podendo chegar ao cancelamento se o descumprimento for
repetido em cinco
perodos consecutivos. Conforme o seguinte:
- advertncia, no primeiro registro de descumprimento;
- bloqueio do benefcio por um ms, no segundo registro de
descumprimento;
- suspenso do benefcio por dois meses, no terceiro registro de
descumprimento;
- suspenso do benefcio por dois meses, no quarto registro de
descumprimento;
- cancelamento do beneficio, no quinto registro de
descumprimento
(BRASIL, 2009).
As famlias beneficirias do PBF, cujos adolescentes de 16 e 17
anos, que sejam
beneficirios do BVJ, descumprirem as condicionalidades, ficam
sujeitas, no que se refere a
este benefcio, aos seguintes efeitos, aplicados de forma
sucessiva:
- advertncia, no primeiro registro de descumprimento do
adolescente;
- suspenso do BVJ por dois meses, no segundo registro de
descumprimento do
adolescente;
- cancelamento do BVJ, no terceiro registro de descumprimento do
adolescente
(PORTARIA 321 DE 29 DE SETEMBRO DE 2008).
-
36
vlido salientar que existe um debate crtico de pensadores
especializados na
rea em relao ao desenho do PBF sob a ptica dos direitos
humanos.
Sobre a focalizao do Programa, Sena et al. (2007) criticam o
fato de a renda
monetria ser critrio nico de seleo das famlias. Para os autores
somente a renda no
suficiente para qualificar a pobreza, fenmeno multifacetado que
engloba outras dimenses de
vulnerabilidade social, tais como: sade, esperana de vida,
educao, saneamento e acesso a
bens e servios pblicos. Alm disso, a definio de um valor per
capita muito baixo tende a
impossibilitar a incluso de famlias que, embora tenham uma renda
um pouco acima do valor
definido, encontram-se em situao de pobreza. Outro aspecto do
qual que no se pode
esquecer a questo de o valor definido estar desvinculado do
salrio mnimo ou de qualquer
outro ndice de reajuste deste valor, o que implica tornar este
critrio cada vez mais restritivo.
Zimmermann (2006) acrescenta que existe uma limitao da
quantidade de
famlias a serem beneficiadas em cada municpio. Dessa forma, o
Bolsa-Famlia no garante o
acesso irrestrito ao benefcio. Posto isso, o PBF no concebido
com base na concepo de
garantir o benefcio a todos os que dele necessitem, ao contrrio,
adota uma seletividade, por
vezes excludente.
Em relao s condicionalidades do Programa, existe uma polmica que
perpasssa
o reconhecimento de que elas potencializam as demandas sobre os
servios de educao e
sade, o que de certa forma, pode representar uma oportunidade
para ampliar o acesso de uma
parcela significativa da populao aos circuitos de ofertas de
servios sociais, porm, ao ser
exigido o cumprimento de obrigatoriedades como condio para o
exerccio de um direito
social, os prprios princpios de cidadania podem estar ameaados
(SENA et al., 2007).
Zimmermann (2006, p.151), ao analisar as condicionalidades do
PBF recupera o
Comentrio Geral n. 12, elaborado pelo Comit de Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais
do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Naes Unidas,
reforando o pensamento de
que essas condicionalidades ferem o direito individual a ser
garantido de maneira universal e
incondicional ao ser humano. O Comentrio Geral n. 12 das Naes
Unidas define que o direito alimentao adequada realiza-se quando
cada homem, mulher e criana, sozinho ou em companhia de outros, tem
acesso fsico e econmico, ininterruptamente, alimentao adequada.
Para atingir tal propsito, cada Estado fica obrigado a assegurar a
todos os indivduos, que se encontrem sob sua jurisdio, o acesso
quantidade mnima essencial de alimentos. Ressalta-se que essa
quantidade deve ser suficiente, garantindo que todos esses cidados
estejam de fato livres da fome. Sob a tica dos direitos, a um
direito no se deve impor contrapartidas, exigncias ou
condicionalidades, uma vez que a condio de pessoa deve ser o
requisito nico para a titularidade de direitos.
-
37
Mencionado autor ainda ressalta que a responsabilidade em
garantir o provimento
e a qualidade desses servios aos beneficiados compete aos
poderes pblicos responsveis.
Com efeito, a obrigao do cumprimento das condicionalidades cabe
a esses poderes e no s
pessoas. O Estado em hiptese alguma dever punir ou excluir as
famlias beneficiadas pelo no cumprimento das condicionalidades.
Dever- se- ia responsabilizar os municpios, estados e outros
organismos governamentais pelo no cumprimento de sua obrigao em
garantir o acesso aos direitos atualmente impostos com
condicionalidades (ZIMMERMANN, 2006, p.152).
Deve-se expressar tambm que existem ainda municpios com limitaes
em
trabalhar com banco de dados de forma sistemtica, ou ainda no se
tem uma cobertura de
ateno bsica satisfatria. Ento, um erro de registro do resultado
do acompanhamento das
condicionalidades e a no oferta de servios relativos s
condicionalidades poderia acarretar
prejuzos s famlias beneficiadas, considerando que prerrogativa
dos municpios manter
atualizados os sistemas de informao e ofertar os servios
referentes s condicionalidades.
A rigor, a ideia-chave do acompanhamento das condicionalidades
deveria
englobar aes sociais mais amplas, com vistas a potencializar uma
rede de proteo social
em torno dos beneficirios do Programa. Desse modo, se, por um
lado, essa perspectiva do
acompanhamento est vinculada concepo de condicionalidade como
estratgia que visa a
interferir nas situaes estruturais responsveis pela persistncia
da pobreza, de outra parte, a
legislao que regulamenta a forma da gesto do acompanhamento das
condicionalidades se
aproxima bem mais da concepo de punio e fiscalizao do que
propriamente dos
objetivos enunciados de insero social (MONERAT et al.,
2007).
Outro ponto de vista importante a considerar trata-se da
perspectiva de o PBF
estar tambm ancorado oferta de programas complementares, como os
programas de
gerao de emprego e renda, por exemplo, que, na teoria, seria
possvel sua operacionalizao
de forma cooperativa entre as esferas de governo e com base na
intersetorialidade. Como
lembram Sena et al. (2007), contudo, mesmo reconhecendo a
relevncia das aes
complementares, estas no aparecem como obrigao dos entes
federados e, portanto, no
constituem contrapartidas. Neste caso, no h definio de
estratgias de implementao, o
que demonstra total ausncia de induo para aes que so, no plano
dos discursos oficiais,
consideradas porta de sada do Programa e da situao de
pobreza.
Para apoiar os municpios nas aes da gesto do PBF, o Ministrio
do
Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) criou o ndice de
Gesto Descentralizada
(IGD), que mede a qualidade da gesto do Programa e garante o
repasse mensal de recursos
-
38
financeiros, de forma regular e automtica, aos municpios que
apresentarem bom
desempenho (BRASIL, 2008). O IGD calculado com base em 4
(quatro) variveis que
representam, cada uma, 25% do seu valor total. So as
seguintes:
- qualidade e integridade das informaes constantes no Cadastro
nico;
- atualizao da base de dados do cadastro nico;
- informaes sobre as condicionalidades da rea de Educao e
- informaes sobre as condicionalidades da rea de Sade (BRASIL,
2008)
A orientao de que os municpios tm autonomia para definir quais
as suas
prioridades para utilizao dos recursos do IGD. Essa deciso
depender da necessidade de
cada municpio, de suas prioridades e da legislao financeira e
oramentria local, que
determina de que forma os recursos podem ser incorporados ao
oramento (BRASIL, 2008).
Conforme (BRASIL, 2009), o PBF atende mais de 11 milhes de
famlias em
todos os municpios brasileiros. Dentre os principais resultados,
apontam: o PBF est bem
focalizado, ou seja, efetivamente chega s famlias que dele
necessitam e que atendem aos
critrios da lei; o Programa contribui de forma significativa
para a reduo da extrema
pobreza e da desigualdade e contribui para a melhoria da situao
alimentar e nutricional das
famlias beneficirias.
A distribuio dos beneficirios do PBF pelas regies aponta que o
Nordeste,
concentra metade do total das famlias beneficiadas. Em 2004, a
Regio totalizava 3,3
milhes de famlias, o equivalente a 50,5%. Em 2007, o nmero de
famlias atendidas pelo
PBF j era de 5,6 milhes, representando 50,47%, um crescimento de
67,9% em relao ao
ano de 2004. Em seguida, a regio Sudeste apresentou a segunda
maior participao. Em
mdia, considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve uma
participao de 26,3%,
enquanto as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste)
apresentaram uma distribuio
espacial mdia de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente (PEQUENO,
2009).
No h dvidas de que o Bolsa-Famlia vem atende quantitativamente a
um
pblico altamente significativo, sobretudo se considerados os
programas sociais anteriores
que se direcionavam ao atendimento de famlias pobres, com a
cobertura de todos os
municpios brasileiros. H que se destacar, entretanto, o valor
muito baixo transferido para as
famlias, fator limitante quando a proposio mais do que
administrar ou controlar a
pobreza, mas a sua superao (SILVA e SILVA, 2008).
-
39
Consideramos tambm que o valor repassado s famlias beneficiadas
pelo PBF
insuficiente para promover uma alimentao saudvel s crianas
beneficiadas e suas
famlias.
Zimmermann (2006) prope como critrio para a avaliao das polticas
pblicas
de transferncia de renda o custo da cesta bsica nacional. A
cesta bsica nacional calcula o
sustento e o bem-estar de uma pessoa em idade adulta, contendo
quantidades balanceadas de
protenas, calorias, ferro, clcio e fsforo. De acordo com esse
parmetro, os valores dos
programas de renda mnima, como o Bolsa-Famlia, deveriam ter como
critrio o custo da
cesta bsica nacional.
O valor do Programa Bolsa Famlia, entretanto, viola o direito
humano
alimentao, uma vez que o mesmo insuficiente para aliviar a fome
de uma famlia
brasileira, conforme demonstram os dados da Cesta Bsica Nacional
do Departamento
Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos (DIEESE). A
pesquisa da Cesta
Bsica Nacional, realizada pelo mesmo rgo, em junho de 2005, em
16 capitais do Brasil,
considera que um trabalhador em idade adulta necessitaria do
valor de R$ 159,29 para
satisfazer as necessidades alimentares mnimas (rao essencial
mnima). Aumentar o valor
da transferncia do Bolsa-Famlia para o equivalente da Cesta
Bsica Nacional do DIEESE
deve ser uma medida a ser adotada, para que se garanta
minimamente o direito humano
alimentao, principalmente no que tange sua obrigao em adotar
medidas concretas para
acabar com a fome (ZIMMERMANN 2006).
Com efeito, a discusso se dar agora especificamente para a
questo da
alimentao infantil saudvel, aspecto de destaque no estudo e
considerado pelo MSD (2009)
como um dos principais resultados do PBF, como vimos nas
discusses acima.
2.3 O Iderio da Alimentao Infantil (zero a cinco anos)
A alimentao e a nutrio constituem requisitos bsicos para a
promoo e a
proteo da sade, possibilitando a afirmao plena do potencial de
crescimento e
desenvolvimento humano, com qualidade de vida.
Recentemente, no Brasil, se intensificou as discusses em torno
da alimentao e
sua influncia no processo sade-doena, fato que a sabedoria
popular e alguns estudiosos da
-
40
antiguidade j afirmavam: Deixe que a alimentao seja o seu remdio
e o remdio a sua
alimentao (Hipcrates). O destino das naes depende daquilo e de
como as pessoas se
alimentam. (BRILLAT-SAVARIN, 1825 apud BRASIL, 2006).
Conforme Azevedo (2008), a partir dos anos 1990, o foco da
educao nutricional
no Brasil foi a promoo de prticas alimentares saudveis, aliada
discusso do acesso ao
alimento de qualidade em quantidade suficiente como um direito
humano, e ao contexto da
alimentao com carter de preveno de doenas. Atualmente, esse
enfoque persevera e, a
partir da Estratgia Global para a Promoo da Alimentao Saudvel,
Atividade Fsica e
Sade, lanada em 2003 pela Organizao Mundial da Sade, o Programa
Nacional de
Alimentao Saudvel elaborou uma estratgia brasileira, prevendo o
estmulo a uma dieta
saudvel, aliada a prticas saudveis. Hoje, a Poltica Nacional de
Alimentao e Nutrio
(PNAN) ainda amplia os