1 UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO Limites da livre apreciação da prova Depoimentos indirecto e de co-arguido Mestrado Juridico Forenses Instituições Especiais de Processo Penal Fernando Américo Magalhães Ferreira Junho de 2011 Docentes: ROSA VIEIRA NEVES ANTÓNIO SABUGOSA PORTAL
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FDUC Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
FDUL Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
FDUP Faculdade de direito da Universidade do Porto
OPC Órgão de Polícia Criminal
STJ Supremo Tribunal de Justiça
TC Tribunal Constitucional
TEDH Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
TRC Tribunal da Relação de Coimbra
TRL Tribunal da Relação de Lisboa
TRP Tribunal da Relação do Porto
TRG Tribunal da Relação de Guimarães
ULP Universidade Lusófona do Porto
art.º artigo
cfr conferir
nº número
p. / pp. página / páginas
pub. Publicado ( publicação )
ss seguintes
v.g. por exemplo
vs versus
NOTA: quando não se indica o código a que um artigo diz respeito, deve assumir-se
como o Código de Processo Penal Português
5
RESUMO
O princípio da livre apreciação, por via de regra, presente em todos os actos processuais,
tem no entanto limites, excepções e reservas, com especial destaque para a decisão final,
que tem obrigatóriamente de cumprir com os requisitos determinados no art.º 374º CPP,
sob pena de nulidade prevista no art.º 379º nº1 a), nomeadamente quanto à motivação da
decisão.
Muito embora o art.º 125º tenha subjacente o principio da atipicidade1 , pois “ são
admitidas todas as provas não proibidas por lei”, o certo é que o Julgador está
legalmente condicionado, seja porque há os meios de prova proibidos previstos no
art.º126º, seja quanto aos meios de obtenção de prova regulados nos art.ºs 171º a 190º.
Mas para além destas condicionantes legais compete ao Julgador aferir quanto à
valoração da prova e de acordo com o princípio da livre apreciação, tendencialmente
todas as provas têm o mesmo valor.
Há doutrina2 que estabelece como restrições à livre apreciação da prova apenas a
confissão, a prova pericial e os documentos autenticos ou autenticados, mas na prática
surgem outros meios de prova onde a livre valoração do Julgador é restringida, e que
proponho a sua análise.
Podemos verificar que este principio tem efectivamente mais limites, sejam excepções,
restrições, ou reservas.
Sendo o depoimento indirecto, de acordo com o artº 129º, à partida um meio de prova
proibido, a incriminação por co-arguido, e as declarações do arguido aquando da
reconstituição do facto, que poderão violar o principio do direito ao silêncio, à sua não
auto incriminação, será que é admissível o Julgador fundamentar valorando estes meios
de prova através da sua livre convicção ?
PALAVRAS CHAVE
Limites à livre apreciação da prova, Fundamentação, Depoimento indirecto,
Depoimento de co-arguido, Reconstituição do facto
1 SUSANA JALES, “ declarações de co-arguido”, CEJ, 2007, e também ROSA VIEIRA NEVES, “ A livre
Apreciação da Prova e a obrigação de fundamentação, Coimbra, Coimbra Editora, 2011 2 Por todos PAULO DE SOUSA MENDES
6
INTRODUÇÂO
As proibições de prova, de acordo com a Doutrina, abrangem: as proibições de
produção de prova, e as proibições de valoração de prova; e a consequemte invalidade
do acto processsual; as garantias de defesa; e o efeito das próprias proibições de
valoração.
É sobre a dicotomia: proibição de valoração e livre apreciação da prova e a própria
validade da motivação se fundamentada numa prova de admissibilidade duvidosa. que
me proponho fazer uma análise.
Dirijo-me a aspectos problemáticos relacionados com a admissibilidade da livre
apreciação de meios de prova à partida proibidos, nomeadamente quanto ao depoimento
indirecto, e de co-arguido, com destaque quando a pessoa-fonte é o arguido, e este
exerce o seu direito e se remete ao silêncio, e ainda uma referência ao valor das
declarações do arguido e do co-arguido na reconstituição do facto.
A exigência do cumprimento e a própria validade da fundamentação da decisão pode
estar comprometida se a livre apreciação e convicção do Julgador não for exercído com
prudência e principalmente se a decisão for apenas motivada por prova de validade
ambígua.
Metodologia
Cada um dos subtemas, merece um estudo autónomo mais profundo, mas decidi, pela
relação entre eles, realizar um estudo não tão exaustivo mas que nos desse uma
panorâmica sobre a tendencia da Doutrina e Jurisprudência sobre esta problemática,
com especial destaque para a Jurisprudência, e por isso a significativa invocação de
Acórdãos dos Tribunais, pois, à final, é onde se realiza o direito. Por uma questão de
uma mais directa percepção da tendência da jurisprudência, no Capitulo segundo
decide-se pela transcrição de partes de acórdãos dos tribunais superiores. Os Acórdãos
são uma fonte muito sólida para a análise, pois para além da sua própria fundamentação,
as decisões invocam posições doutrinárias que nos ajudam a perceber as questões
problemáticas relacionadas com o tema, permitindo-nos ter uma percepção da tendência
das decisões, e o que o Julgador ao fim e ao cabo dá prevalência.
O trabalho está dividido em dois Capítulos, sendo que o primeiro aborda questões gerais
quanto aos limites da Apreciação da Prova, sem o intuito de entrar numa discussão
7
aprofundada, como que uma resenha conclusiva dos aspectos essenciais da bibliografia
consultada e dos acórdãos visitados. Dedico o segundo capítulo ao tema a que me
proponho, numa abordagem com um suficiente detalhe para que possamos ter uma ideia
clara do contraponto entre a Livre Apreciação da Prova, o Depoimento indirecto, o
Depoimento de co-arguido face ao silêncio do arguido, e porque directamente
relacionado com o tema, a Reconstituição do facto, ou melhor, do valor das declarações
do arguido neste “meio complemantar de prova” e o cumprimento da exigência e
validade da fundamentação quando o Julgador utiliza estes meios de prova.
Iniciando o estudo pelo Código de Processo Penal Anotado dos Magistrados do
Ministério Público, parti à procura de decisões dos tribunais superiores, daí se justifica o
significativo número de excertos de acórdãos citados, para poder aferir das posições
tomadas quanto ao tema da Livre Apreciação da Prova e tentar perceber quais os
principais problemas que podem advir deste princípio. Segui depois para as obras e
trabalhos indicados, tanto nos acórdãos, como no Código anotado e ainda seleccionei
outros trabalhos que me parecem poder contribuir para o objectivo do trabalho a que me
proponho.
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CAPITULO I
Neste capítulo vamos enunciar as principais conclusões sobre o princípio da Livre
Apreciação da Prova, previsto no art.º 127º do Código de Processo Penal, e os seus
limites quanto a alguns dos meios de prova tipificados no CPP, deixando de parte a
problemática referente aos meios de obtenção de prova e outras situações que também
poderiam ser objecto de um trabalho sobre este tema. Apresento um breve resumo
relativamente ao caso julgado, tal como nos é proposto por ROSA VIEIRA NEVES3
Princípio da livre apreciação da prova ( art.º 127º CPP)
Nas palavras de PAULO DE SOUSA MENDES4,
“ É sabido que o sistema de prova livre, que vai em par com a íntima convicção,
substituiu na Europa continental o anterior sistema romano-canónico da prova
legal, que dava um valor fixo às provas em função de certas fórmulas (…) “
E com entendimento idêntico FIGUEREDO DIAS5, referindo que desde logo, não são
estabelecidos critérios legais que se pré-imponham ao julgador como deve valorar a
prova6.
Significa que o Julgador, produzida a prova em audiência de julgamento, apreciando as
circunstâncias concretas, decidirá com base nas regras de experiência e a sua convicção,
sendo que tendencialmente todas as provas têm o mesmo valor7.
Ou seja, o Julgador tem que orientar a produção de prova no sentido da busca da
verdade material, sendo que ao decidir tem que fundamentar as suas decisões, em
critérios objectivos, e o mesmo é dizer que a decisão do Julgador tem de ser controlável
e não arbitrária8.
Havendo livre apreciação da prova há discricionaridade jurídica, mas como já foi
referido, na busca de uma9 verdade material.
3 In: “ A Livre apreciação da prova e a obrigação de fundamentação da convicção”, Coimbra. Coimbta
Editora, 2011 4 PAULO DE SOUSA MENDES, “Prova penal e as regras da experiência”, in: “Livro de Homenagem ao
professor Figueredo Dias”. 5 In: “Lições de Direito Processual Penal”, Coimbra, FDUC, 1988/ 6 Idem 7 SUSANA JALES, “ declarações de co-arguido” , CEJ, 2007 8 Idem. 9 Uma, porque muito embora se busque a verdade material, esta será apenas aquela que resulta da
discussão e julgamento e com base na prova aí produzida.
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Mas esta discricionaridade, esta livre apreciação tem limites, que se forem violados é
susceptivel de recurso, como previsto no art.º 410º nº2 CPP.
Por outras palavras, quando se fala em convicção livre e intima, não é uma convicção
subjectiva10. Esta convicção, embora pessoal, tem que ser controlável, objectivável, tem
de haver critérios práticos de controlo.
Neste sentido o acórdão do TRC de 22 de Setembro de 201011
“A livre apreciação da prova significa que esta deve ser feita de acordo com a
convicção íntima do juiz”.
Nas linha dos ensinamentos de FIGUEIREDO DIAS, também assim entende o Juiz
RENATO BARROS12, que de forma suscinta podemos traduzir no seguinte:
A prova em julgamento é apreciada pela livre convição, em consciência, não significa
arbitrio, pois é uma exigência Constitucional da motivação das decisões judiciais, ou
seja, a necessidade das decisões serem fundamentadas, o que significa que deve
identificar os factos provados e não provados e a prova que assim determinou, descrever
os meios de proca e o processo que formou a convição, que traduz três vectores de
motivação: uma motivação pessoal ( o julgador julga pela sua consciência ), uma
motivação para com o arguido ( dar como provado ou não um determinado facto ), e
uma motivação para com a comunidade ( o cidadão tem que perceber porquê aquela
decisão, i.é a justeza da decisão)
Excepções e restrições
Mas o princípio da livre apreciação e convicção tem limites e reservas. Limites quanto a
determinados meios de prova, e reservas quanto à sentença. Vamos analisar os aspectos
essenciais relativos a cada um dos meios de prova regulados no CPP.
Apesar de o art.º 125º nos dizer que “ são admitidas as provas não proibidas por lei”,
evidenciando uma atipicidade dos meios de prova, o certo é que logo pela epigrafe, e
porque não se vislumbra outros meios para além dos elencados no CPP, o que está
subjacente é que esta livre convicção da prova está vinculada aos meios de prova
10 Resta saber como o Julgador consegue no seu “iter” constitutivo da sua convicção afastar uma
subsjectividade comprometedora de uma decisão transparente. Esta questão mereceria uma trabalho. 11TRC de 22-09-2010, processo 68/08.1TALSA.C1, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 12 Cfr programa da TSF, in: www.tsf.pt
tipificados, e arriscaria dizer que o Julgador não pode fundamentar a sua decisão pela
valoração de meios de prova para além dos tipificados no CPP e que são: A prova
testemunhal (art.º 128º e ss); As declarações do arguido, do assistente e das partes civis
( art.º 140º e ss); O confronto entre as pessoas que prestaram declarações contraditórias
( art.º 146º); o reconhecimento de pessoas e objectos ( art.º 147º ); A reconstituição do
facto ( art.º 150º); A Prova pericial ( art.º 151º e ss); A Prova documemtal ( art.º 164º e
ss); A confissão (art.º 344º).
Depois, não pode valorar meios de prova proibidos para a motivação da sua decisão e
decorre que são proibidos os meios de prova obtidos ilegalmente.
Apresenta-se as conclusões essenciais de como pode operar o principio da livre
apreciação ou valoração da prova em alguns dos meios de prova:
Prova testemunhal, ( art.º 128º e ss)
Para a prova testemunhal, por via de regra aplica-se o principio da livre apreciação, com
a excepção do testemunho do ‘ouvir dizer’, o designado depoimento indirecto,
conforme disposto no art.º 129º CPP, conjugado com o art.º 128º nº1, pois a inquirição
só pode ser valorada quanto aos “factos de que possua conhecimento directo”. Vamos
adiante no segundo capítulo, debruçar-nos sobre esta problemática.
Decorre do art.º 355º que é na produção de prova testemunhal onde os principios da
imediação e oralidade mais se manifestam, pois a convicção do julgador é formada não
apenas pelo que a testemunha fala, mas pelas declarações que estão implicitas nos
gestos, na postura, na atitude, enfim, um sem número de manifestações que o Juiz só se
apercebe se estiver presente.
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA13 refere a testemunha-fonte, que tem um conhecimento
directo da ocorrência, quando resulta da percepção pessoal e a testemunha de “ouvir
dizer” quando tem um conhecimento indirecto que se formou pela intermediação da
percepção de outrém. Mas o mais provável é que a testemunha tenha um conhecimneto
directo relativamente a certos eventos e indirecto relativamente a outros.
13 In: “Depoimento indirecto e arguido - admissibilidade e livre valoração versus proibição de prova”,
Revista do CEJ, nº2, 2005, p 129
11
Neste sentido o acórdão de o acórdão do TRP, de 9 de Fevereiro de 201114
“(…) II - O critério operativo da distinção entre depoimento directo e depoimento
indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a
essa realidade, o seu depoimento é directo; se não, é indirecto.
O entendimento do ponto III do sumário deste acórdão suscita-me a mim a mais séria
discordância15, como poderemos avaliar no segundo capítulo.
O Direito Penal é o Direito Penal do Facto, e é sobre o facto que o Tribunal tem de
centrar a prova. Não se discute se a testemunha directamente ouviu dizer o arguido, e a
sua consequente percepção de ciência quanto ao que ouviu, o que se avalia é se o
testemunha presenciou o facto.
Proponho o seguinte exemplo: Imaginemos a situação em que uma testemunha chega
ao local depois de um acidente e ouve o condutor dizer “ - ai que matei o homem !”.
Em tribunal essa testemunha depõe e relata o que ouviu dizer o agora arguido. Mas
outras testemunhas, estas presenciais, viram que afinal a vítima se atirou para debaixo
do carro no momento em que este passava, e veio a descobrir-se que tinha saído do
médico que lhe diagnosticara uma doença incurável. É bom de ver que o testemunho
indirecto de ouvir dizer o arguido que tinha morto o homem, cai por terra, é irrelevante
face aos testemunhos directos. Imaginemos agora que ninguém estava presente, e só a
testemunha de ouvir dizer ouvira o arguido “ ai que matei o homem ! “. O arguido ou se
remete ao silêncio ou decide prestar declarações ( e não depoimento pois está impedido
de o fazer ) contradizendo o depoimento indirecto e jura a pés juntos; - que não senhor,
que a vítima aparecera de repente. Que raio de sentença o Julgador proferiria se
condenasse o condutor por homicídio negligente, fundado apenas no depoimento
indirecto ainda que de pessoa séria e fiável, em vez de o absolver, por que não tinha
provas suficientes para fundamentar a condenação ?
No sentido contrário à minha posição o acórdão do TRP de 7 de Fevereiro de 200716
Não constitui depoimento indirecto a afirmação de uma testemunha de que ouviu o
arguido dizer que era o condutor de um automóvel que acabara de intervir num
acidente de viação.17
14 TRP de 09-02-2011, Rec. Penal nº 195/07.1GACNF.P1-1ªSec., in: www.trp.pt, comsultado em 2011 15 Simplesmente o arguido pode, por exemplo, ter-se “gabado” de ter praticado um determinado crime,
sem o ter praticado. 16 TRP de 07-02-2007, RP200702070645315, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011
Ao juízo técnico, cientifico, artistico, o Julgador não pode valorar livremente, presume-
se excluído da livre apreciação da prova, mas o Julgador quando não segue o relatório
do perito, tem, como previsto no nº2 do mesmo artigo, que fundamentar também com
uma idêntica apreciação técnica, as razões que o levaram a ter um entendimento
diferente. Ou seja, a prova pericial porque exige um especial conhecimento dos peritos,
presume-se excluído à livre apreciação do julgador, como decorre da norma.
Na realidade o Juiz não tem capacidade infinita para poder directa e exclusivamnete
apreciar determinados factos, e pode precisar de assistência de técnicos especializados
para o fazer, mas não devemos confundir o perito com um Orgão de Polícia Criminal
( OPC ) . Ao perito não compete descobrir factos probatórios, mas apenas apreciar os
factos que lhe são presentes.
A jurisprudência tem vindo a confirmar este entendimento, de que a informação do
perito, vale enquanto dado abstracto, pois se refere ao juízo técnico cientifico e não aos
factos.
Assim, se o Juiz tem uma convicção divergente do juízo técnico, cientifico ou artistico,
deve o Juiz fundar a sua convicção em igual categoria de juízo. Se não o fizer a decisão
“consubstância um erro notório na apreciação da prova”18, padece de um vício gerador
de nulidade nos termos do art.º 374º nº2 e artº 379º nº1 a).
Exame vs Perícia
O exame é um meio de obtenção de prova, enquanto que a perícia é um meio de prova,
e nas palavras de GERMANO MARQUES DA SILVA, a períca assenta na interpretação dos
factos realizada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou
artísticos, é o relatório que traduz as conclusões do perito que é o meio de prova.
17 Nota: significa que a pessoa podia não ser o condutor, este entretanto por não encartado. afastara-se! 18 Cfr, “Código de processo penal Comentários e notas práticas”, Magistrados do Ministério Público do
distrito judicial do Porto, p. 423
13
Prova documental, art.ºs 164º a 170º
O art.º 164º nº1 dá-nos uma definição de documento, remetendo também para o art.º
255º CP e art.ºs 363º 3 369º CC.
Na prova documental, os documentos particulares admitem livre apreciação, mas os
documentos autênticos ou autenticados, não havendo fundada razão para a pôr em crise,
o julgador não a pode valorar livremente, pois de acordo com o art.º 169º tem uma força
probatória plena. No entanto, de acordo com o art.º 170º o Tribunal pode declarar a
falsidade do documento, sem necessidde de proceder a diligências prévias se entender
não ser útil para o processo.
De referir que a declaração anónima, não pode ser valorada como meio de prova, sendo
uma prova proibida, prevista no art.º 126º nº2 a), salvo se a própria declaração é objecto
ou elemento do crime.
As escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova, sendo que a sua transcrição é
meio de prova.
Prova por Confissão, art.º 344º
A confissão é uma declaração do arguido com caracter especial, e por isso mereceu um
tratamento diferenciado pelo Legislador, face às declarações de arguido, previstas nos
art.ºs 140º e ss.
As declarações do arguido constituem meio de defesa e meio de prova. E nas palavras
de ROSA VIEIRA NEVES, “ As declarações do arguido apresentam uma natureza bicéfala,
na medida em que constituem, por um lado, um meio de prova, e, por outro, a
efectivação do direito de defesa que assiste àquele sujeito processual”19
O arguido pode; Ou limitar-se a identificar-se e pode recusar a prestar mais declarações,
sendo que esse silêncio não o pode prejudicar; Ou decidir prestar declarações, que não
são sob juramento e por isso o arguido, embora não se confunda com “um direito” a
mentir, pode fazê-lo, ou simplesmente negando, como previsto no art.º 344º, os factos
de que é acusado, e essas declarações ou silêncio têm o valor probatório que o Juiz
19 In: “ A Livre Apreciação da Prova e a obrigação de fundamentação da convicção ( na decisão final ) “,
Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p 98
14
apreciará livremente conforme a sua convicção. Embora o arguido quando presta
declarações o deva fazer com verdade, nada o obriga a fazer, e por isso pode até mentir,
sem que isso o possa prejudicar. ”Não se trata de um direito de mentir, mas
simplesmente da não punição da mentira”20
Mas pode o arguido confessar factos e depois remeter-se ao silêncio.
Ora a confissão tem de ser conjugada com cada momento do processo, pois a sua
valoração depende se é realizada na fase de inquérito e/ou na instrução, ou na audiência
de julgamento., sendo que na fase de inquérito e de instrução é admitida a livre
apreciação da confissão, por isso, o tribunal tem, mesmo que o arguido confesse
naquelas fases processuais, de recolher outros meios de prova.
Ora se arguido decide confessar, o Julgador tem restrições quanto à valoração da
confissão :
No entanto, como defende MARQUES FERREIRA21, “o valor probatório da confissão se
deverá considerar sempre apreciável, pois mesmo nos casos em que esta assume força
probatória é pleníssima, com a consequente dispensa de produção de outra prova, tal
só sucede apenas em momento posterior ao funcionameo do principio da livre
apreciaçao da confissão, para determinar se a mesma reveste ou não as características
de ‘integral, sem reservas e coerente”.
Na audiência de julgamento, temos que distinguir se a confissão é integral, e sem
reservas ( art.º 344º nº4 ) da confissão parcial ou com reservas.
Caso se verifiquem os requisitos legais, ou seja, se se tratar de uma situação que indicie
ser punivel com pena inferior a cinco anos, ausência de co-arguidos, confissão dos
factos coerentes e em coerência com os outros meios de prova, e o tribunal não ter
dúvidas, então o tribunal pode prescindir da produção de provas, seguindo-se logo as
alegações orais, e a taxa de justiça é reduzida a metade.
Se a confissão for parcial, ou com reservas ou o Juiz tiver dúvidas, e nos pressupostos
legais anteriores, o Juiz pode ou não considerar os factos como provados.
20 FIGUEREDO DIAS, “ Direito processual penal, I, p 450 e ss, Apud, “Código e Processo Penal-
Comentário e notas práticas dos Magistrados do Ministério Público, pág 151 21 In: “Meios de Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal , O Novo Código de Processo Penal,
Coimbra, Livraria Almedina, 1997, p.251, Apud, ROSA VIEIRA NEVES, “ A livre Apreciação da Prova e a
obrigação de fundamentação”, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p.100
15
No entanto se a pena for superior a cinco anos, houver co-arguidos, e não se verificar
uma confissão integral, ou o tribunal tiver dúvidas ou suspeitar do caracter da livre
confissão, o Julgador não pode valorar a confissão de acordo com a sua convicção, tem
que imperiosamente produzir outros meios de prova.
O silêncio do arguido é uma restrição absoluta, pois nunca pode ser valorada
desfavoravelmente para o arguido. Nas palavras de FIGUEREDO DIAS é uma verdadeira
limitação à livre apreciação e convicção
A norma deste artigo é uma manifestação do princípio consagrado no art.º 32º CRP, e
também do art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que determina que
qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente,
num prazo razoável, que se traduz em três exigências; a informação detalhada ao
arguido por que é acusado, para que se possa defender em iguais condições da acusação;
Um processo leal, transparente e julgamento imparcial. Que se encontra plasmado no
art.º 141º nº4. Neste sentido esta norma enumera também os direitos e um deles,
previsto no art.º61º nº1 d) é o direito ao silêncio, que subentende o direito à não auto
incriminação, e este silêncio em circunstância alguma pode ser valorado como indicio
de culpa.
Neste sentido o acórdão do STJ de 12 de Março de 200822
“VI - O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a
proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como
estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer
meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a
responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia”.
E também mais recentemente o acórdão do TRC de 30 de Março de 201123
22 STJ de 12-03-2008, SJ20080312006943, in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011 23 TRC de 30-03-2011, processo 370/08.2TACUL.C1, in: www.trc.pt, consultado em Junho de 2011
O caso julgado tem como pressuposto essencial o trânsito em julgado da decisão,
gerando, tendencialmente a imodificalidade, e pode ser caso julgado material ou formal.
A questão que se coloca é saber se uma decisão anterior pode ter influência num
processo onde o tribunal pretende apurar a responsabilidade do arguido. A resposta
depende se é caso julgado formal ou material, sendo que se for formal, nada impede a
livre apreciação da prova, pois a decisão teve por fundamento apenas aspectos
processuais.
Assim, embora referente ao processo civil, o acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de
201125, e que segue de perto os acórdãos do STJ de 18 de Dezembro de 2008 e 20 de
Janeiro de 2010 ( www.dgsi.pt).
“6. Só nos limites definidos pelo nº 2 do artigo 722º e pelo nº 2 do artigo 729º do
Código de Processo Civil é que o Supremo Tribunal da Justiça pode, na revista,
alterar a decisão relativa à matéria de facto; tal limitação não impede o controlo
da forma como o Tribunal da Relação utilizou os poderes de reapreciação da
decisão de facto da 1ª instância que lhe são conferidos pelos nºs 1 e 2 do artigo
712º do Código de Processo Civil, ou interpretou e aplicou o princípio da livre
apreciação da prova.
7. O princípio da livre apreciação da prova vale em 1ª e em 2ª Instância.
Mas se se tratar de caso julgado material aqui, havendo identidade de sujeito e de facto,
por força da proibição constitucional do ne bis in idem, prevista no art.º 29º nº5 CRP, o
Julgador não pode utilizar o princípio da livre apreciação da prova valorando uma prova
de caso julgado material e que porventura não exista no processo a decidir.
24 Seguindo de perto ROSA VIEIRA NEVES quanto ao valor probatório do caso julgado, na sua obra “ A
Livre Apreciação da Prova e a obrigação de Fundamentação”, Coimbra, Coimbra Editora, 2011. 25 STJ de 03-03-2011, processo 29/04.0TBBRSD.P1.S1, in: www.gde.mj.pt, consultado em 2011
pública. O primeiro tem a ver com os sujeitos do processo, e que a motivação formece
os argumentos por que se chegou a determinada decisão, visando persuadir a parte
sucumbente de que a decisão é a mais justa e não mero arbitrio do julgador, O segundo
tem a ver com a impugnação da decisão e a possibilidade do recorrente de fundamentar
o seu recurso, ou seja o recorrente tem que conhecer a fundamentação da decisão para
poder avaliar se a aceita, ou se pelo contrário tem um entendimento divergente e a
impugna. Permite ainda a fiscalização das decisões. Quanto ao fim de ordem pública, a
motivação como garantia da possibilidade do controlo da legalidade, da imparcialidade
e justiça do julgamento. Neste sentido o já referido Acórdão nº 680/98 do TC
“Constitui ainda factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a
congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever
de dizer o direito no caso concreto, sendo garantia de respeito pelos princípios da
legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões”
No entendimento de ROSA VIEIRA NEVES, “ O dever de fundamentação não é pois um
limite ao princípio da livre aprecieção da prova, antes deve ser entendido como o
sustentáculo legitimador da decisão final”35
Mais recentemente, o acórdão do STJ de 11 de Julho de 2007, processo nº 1416/07-3ª36
“a fundamentação da decisão cumpre a sua missão quando enuncia aqueles
elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição ante os seus
destinatários directos e a comunidade mais vasta de cidadãos, permitindo alcançar
que ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa
inclinação, mas sim de um processo sério assente em razões lógicas e nas regras da
experiência, o que se materializa, na sua elaboração, pela exposição, tanto quanto
possível completa, porém sintética, dos motivos de facto e de direito que
fundamentam a decisão e no exame crítico das provas que serviram para formar a
convicção do tribunal.
O exame das provas reverte para a sua análise; a crítica opera a fase subsequente
imprimindo àquela uma feição valorativa, de aceitação ou rejeição, exprimindo as
razões por que umas são elegíveis e outras não”.
Também assim o acórdão do TRC de 28 de Abril de 201037
Nas palavras de JOSÉ CARLOS FRAGOSO38 “ o Juiz togado não decide por mera
convicção íntima, como o fazem os jurados no Tribunal de Juri, mas sim por livre
convencimento demonstrável (…)”.
34 JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, “ A motivação da sentença no proceesso civil” Apud, “princípio da
motivação nas decisões judiciais”, in Revista Júridica on line, Universidade Salesiana, Brasil 35 In: obra citada, p.154 36 Apud, RAUL BORGES “Contingências da objectivação da convicção e a motivação da decisão de
facto” , Lisboa, CEJ, Abril de 2011 37 TRC de 28-04-2010, processo nº2/05.OEAGRD.C2, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011
Nas esteira de BELLAVISTA39, citado no trabalho referido, a falta de motivação que
legitima a anulação da sentença, ocorre em três situações:
“(…) ensina que a falta de motivação que legitima a anulação da sentença, ocorre
em três situações:
1ª) quando o juiz omite as razões de seu convencimento;
2ª) quando as tenha indicado incorrendo em evidente erro lógico-jurídico, de modo
que as premissas em que a decisão se funda possam ser consideradas tanquan non
esset (falta de motivação intrínseca); e
3ª) quando, apresentando-se em seu contexto motivada, tenha omitido exame de um
fato decisivo para o juízo, de modo a levar a crer que se o juiz o tivesse examinado,
teria chegado a diversa decisão (falta de motivação extrínseca).
Colocando-se a questão de saber até onde tem que ir esta fundamentação. Com
certeza que deve ser de acordo com a natureza da decisão, dos efeitos que produz.
Assim também entende ROSA VIEIRA NEVES, “ A imposição constitucional do dever
geral de fundamentação só admite excluir aquele dever quando estiverem em causa a
prolação de decisões de mero expediente (…)”40
Este facto é determinante para aferir se a motivação é ou não suficiente, perfeita ou
deficiente.
JOSÉ CARLOS. FRAGOSO entende que uma motivação insuficiente se equipara à ausência
de fundamentação, e cita ADA PELLEGRINI e outros41:
“ Nessa perspectiva, o vicio de fundamentação abrange a hipótese em que existe
alguma fundamentação, mas é ela insuficiente. Assim, se o juiz deixa de apreciar
questão importante apresentada pela acusação ou defesa nas razoes finais”.
Na linha de pensamento de GERMANO MARQUES DA SILVA, por certo que esta
fundamentação não pode ser meramente enunciativa, mas não tendo de ser exaustiva,
tem necessariamente de ser esclarecedora dos factos provados e não provados e das
razões que motivaram essa distinção assim como a justificação da decisão final da causa
como determina o art.º 374º CPP. Ou seja, tem de ser de tal forma clara que se possa
perceber de que prova se trata, e porque o tribunal valorou para a sua decisão
38 In: “ Necessidade de fundamentação “, Brasil 39 In: “Lezioni di Diritto Processuale Penale”, 1975, p.308, Apud JOSÉ CARLOS FRAGOSO, obrsa citada 40 In: “ A Livre Apreciação da Prova e a obrigação de Fundamentação da Convicção ( na decisão final
penal), Coimbra, Coimbra Editora, 2011 41 In, “As nulidades no processo penal, 6º edição, editora RT, São Paulo, 1999, p.211, Apud JOSÉ CARLOS
FRAGOSO, obra citada
22
determinadas provas e não outras, e que através de un silogismo judiciário, dimana uma
conclusão.
Também assim, ROSA VIEIRA NEVES, “ exigência de fundamentação extravasa a mera
indicação quer de elementos probatórios, quer da mera descrição factual, impondo ao
julgador que, de modo objectivo, exteriorize o desenvolvimentodo iter do juízo
conducente ao acerto valorativo jurídico da sua decisão (…) “42
Refere o dicionário43 de HENRIQUE EIRAS que o vício de falta de fundamentação só
surge quando se depara completa ou absoluta falta das razões de facto ou de direito que
conduziram à decisão não fundamentada, e não quando a fundamentação seja deficiente,
já que esta última pode conduzir à revogação ou alteração do recurso, citando o
Acórdão do STJ de 27 de Maio de 2007
“Assim a sentença será nula no caso da falta de relatório, de fundamentação ou de
decisão, condenação por factos diveros do objecto da acusação, não pronúncia por
factos de que devia tomar conhecimento, ou conhecimeto de questões de que não
devia conhecer”
Não nos vamos debruçar sobre o regime as nulidades pois não é esse o objecto do
presente trabalho, sendo os vícios na fundamnetação vícios de conteúdo., sendo a que
omissão ou a deficiente fundamentação, não é uma mera irregularidade do art.º123º,
geram a nulidade prevista no art.º 379º nº1 a), que reflecte a essencialidade da
fundamentação da decisão da causa.
Esta nulidade não é no entanto insanável, como já vem assim entendido desde o
Assento de 06/05/92, in DR, de 06/08/9244
Mas tratando-e de um mero despacho, sem eficácia penal externa, a falta ou deficiente
fundametação é uma mera irregularidade, e sente sentido o acórdão do TRC de 6 de
Janeiro de 201045
1.A necessidade de fundamentação e motivação dos actos decisórios destina-se a
conferir força pública e inequívoca aos mesmos e a permitir a sua impugnação
quando esta for legalmente admissível.
2.Porém, no caso de um despacho, a falta de fundamentação tem como
consequência, não a nulidade do mesmo, mas a mera irregularidade, nos termos do
disposto no artº 118°, nºs 1 e 2 CPP, e artºs 119° e 120°, do mesmo diploma legal,
estes a contrario sensu.
42 Idem, p. 137 43 HENRIQUES EIRAS E GUILHERMINA FORTES, “ Dicionário de Direito Penal e Processo Penal” , Lisboa,
Quid Iuris, 2010 44 Referido no “dicionário” 45 TRC de 06-01-2010, processo 946/05.=GCVIS-A.C11, in: www.dgsi.pt, consultado. em 2011
A fundamentação/motivação, ou melhor a falta dela, tem sido um dos argumentos
apresentados em muitos dos recursos, e que vão desde a falta de indicação de provas
que sustentam a convicção do tribunal, os meios de prova, os meios de obtenção de
prova, e a sua apreciação, a falta de fundamento a detrminaçao dos factos provados ou
não provados, omissões processuais,enfim uma panóplia de factos que reflectem uma
deficiente fundamentação, mas como refere MANUEL ANTÓNIO ROCHA49, “ Todavia, só
em casos muito contados este Supremo tem anulado julgamento por violação do art.º
374º do código de Processo Penal “
A jurisprudência não é unânime quanto ao grau de exigência, mas tem vindo no sentido
de maior densificação do dever de fundamentação.
O entendimento do STJ é que o art.º 374º deve ser interpretado com restrições, o que
significa que nem tudo tem que ser incluído na fundamentação da decisão.
Neste sentido o acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 201150
“II - A fundamentação decisória, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, está
desenhada na lei para, pelo enunciar os pontos de facto provados e não provados,
como de uma súmula dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão,
com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção
do tribunal, o julgador explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão,
excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se
unicamente no âmbito do racionalmente justificável”
O Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 200951, invoca a CEDH
“VIII - A motivação das sentenças judiciais é um dos Direitos do Homem, constante
do art. 6.º, § 1, da CEDH, reputada como o direito do acusado a um processo justo,
consagrado no art. 20.º, n.º 4, da CRP, e é considerada como o remédio essencial
contra o arbítrio, através dela prestando o juiz contas, aos sujeitos processuais e à
colectividade, dos critérios adoptados e dos resultados adquiridos.”
Se é certo que a falta de de indicação de provas é causa de nulidade, ou a
fundamentação não justifica por que os factos são tido como não provados, tal não
significa que a falta de pormenor seja fundamento de nulidade. No entanto, e ainda
seguindo o referido autor, o tribunal deve deixar bem claro que “todos os factos
48 MANUEL ANTÓNIO LOPES ROCHA48, “A motivação da sentença”, referindo-se às sentenças nos
casos Van de Hurk c. Holanda e Ruiz Torija e Hiro Balani c. Espanha, respectivamente de 19 de Abril de
1994 e de 9 de Dezembro de 1994, Série A, vol. 288, p. 20, § 61, e vol. 303, p. 12, § 29, e p. 29, § 27 49 idem 50 STJ, de 13-01-2011, processo 36/06.8GAPSR.S1,, in: www.gde.mj.pt, consultado em Junho de 2011 51 STJ, de 27-01-2009, SJ20090127039783 in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011
alegados com interesse para a decisão foram apreciados”, não tendo de justificar por que
os não apreciou. E mais uma vez a discricionaridade a imperar nas decisões.
MANUEL ANTÓNIO LOPES ROCHA, apresenta uma série de conclusões que valerá a pena
analisar52
Na realidade importa ter presente que a decisão do julgador não pode apenas baseada na
sua livre convicção, refere RAUL BORGES53, citando o acórdão do STJ de 22 de Março
de 2007, que muito embora se trate de processo judicial, nada obsta a que se aplique ao
processo penal, aliás, como se sabe, como nos diz o art.º 4.º CPP, o processo civil é
subsidiário do processo penal.
Lembra ainda este autor que a motivação em processo penal foi introduzida com a
reforma de 1987, e, referindo MAIA COSTA e o Acórdão nº 680/98 do TC de 2 de
Dezembro de 1998, relatado por MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, onde
destacavam a ruptura com o anterior sistema, em que a decisão não necessitada de ser
fundamentada, citando a destacada posição de MARQUES FERREIRA54:
“Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos
provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os
elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos
constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se
formasse em determinadom sentido ou valorasse de determinada forma os diversos
meios de prova apresentados em audiência”.
Esta obrigação de fundamentação, ao contrário do processo civil, também incidia sobre
os factos não provados.
52 ibidem 53
RAUL BORGES, “Contingências da objectivação da convicção e a motivação da decisão de facto” ,
Lisboa, CEJ, Abril de 2011 54 In “ Jornadas de direito processual Penal”, ( CEJ), p. 229/230 , Apud, idem
26
A questão da inconstitucionalidade do art.º 374ºCPP.
Seguindo de perto o trabalho de RAUL BORGES sobre esta matéria, que destaca os
acórdãos do TC “A formulação constante do artigo 374.º do CPP de 1987 foi objecto
de vários acórdãos do Tribunal Constitucional, nomeadamente, na relação deste
preceito com o n.º 2 do artigo 410.º, como ocorreu com os acórdãos n.º 322/93, in DR,
II Série, de 29-10-1993 e n.º 573/98, in DR, II Série, de 13-11-1998, julgando este não
enfermarem de inconstitucionalidade o n.º 2 do artigo 410.º e o n.º 2 do artigo 433º, no
pressuposto de que o n.º 2 do artigo 374.º, impunha uma obrigação de “fundamentação
«completa», permitindo a transparência do processo e da decisão”.
A maioria da Jurisprudência ía no sentido de que a exigência da fundamentação se
cumpria com a mera enumeração das diversas categorias de prova e uma descrição
resumida da sua valoração, ou seja a simples enumeração as provas era entendido como
suficiente para o cumprimento da exigência55
Indica também a jurisprudência que ia no sentido inverso56, e cita o acórdão de 13 de
Fevereiro de 1992 que defende que não bastava a mera enumeração das provas que
determinam a convicção, mas era ainda necessário que fossem apresentadas as razões
que levaram o julgador na sua valoração e que o influenciou na sua decisão. “Para esta
corrente mais exigente a fundamentação não se compadece com uma simples
enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira
reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerarcada facto como
provado ou não provado (…)”
O Tribunal Constitucional através do Acórdão 680º/98 de 2 de Dezembro, veio a
declarar inconstitucional a interpretação do art.º 374º CPP, de que bastaria a mera
enunciação das provas, por violar a obrigação de fundamentação consagrada no art.º
205º CRP. As revisões ao CPP vieram ainda a reforçar a exigência de uma verdadeira
justificação por que o julgador decide em determinado sentido, tendo de fazer uma
apreciação critica do que o influenciou.
RAUL BORGES refere ainda que o TC cita por diversas vezes MICHELE TARUFFO57,
relativamente às funções que a fundamentação cumpre: Uma de ordem endoprocessual,
e outra de ordem extraprocessual
55 RAUL BORGES oferece-nos na obra citada, uma lista de acórdãos que iam nesse sentido 56 Idem 57In, “ Note sulla garantizia constituzionale della motivazione”, in Boletin da FDUC, vol LV, pp.29 e ss,
Apud, ibidem
27
Depoimento indirecto ( art.º 129º + 128º nº1)
O que a lei visa com o art.º 129º é evitar que o arguido não se possa defender de uma
hipotética testemunha que não está presente e que outra vem declarar que ouviu dizer.
Neste sentido o acórdão do STJ de 15 de Novembro de 2000, processo 2551/2000, mas
vai mais longe e a meu ver violando o principio da legalidade.
“ I- O que a lei pretende com o dispositivo do artigo 129º do CPP é evitar que o
arguido se não possa defender. Sempre que as declarações aí previstas sejam feitas
na presença dos arguidos, o seu direito de defesa está garantido”
Se o depoimento indirecto for realizado na presença do arguido, este acórdão admite a
sua valoração, com a justificação de que o arguido se quizer se pode defender. Ora isto
no meu entender é uma interpretação que ultrapassa o disposto no artº 129º, pois pode
até estar o direito de defesa à disposição do arguido, mas não está garantida a legalidade,
pois nesse caso, estamos é perante um meio de prova proibido previsto no art.º 126º nº2
c) CPP.
Aliás confirmando a minha posição o acórdão do TRC de 14 de Outubro de 200958
O depoimento indirecto, o chamado depoimento de ‘ouvir dizer’, só pode ser valorado
nos termos do art.º 129º, e constitui uma excepção ao principio da imediação. Salvo nos
casos de morte, anomalia psiquica ou impossibilidade de ser encontrada a pessoa de
quem se ouviu dizer, é que o Juiz pode apreciar o depoimento de acordo com a sua livre
apreciação e convicção, não sendo um dos casos de admissibilidade previstos no art.º
129º, é um meio proibido de prova previsto no artº 126º.
Neste sentido o acórdão do TRC de 26 de Novembro de 200859
Quando ao ponto V, a doutrina diverge, uma na linha deste acórdão, outra vivamente
contra e eu partilha o entendimento da doutrina que é contra tal qual, há que ter em
consideração certas condições, nomeadamente se há contradição de depoimentos, vale
qual deles, a fonte ou o ouvir dizer?.
Ou seja, seguindo de perto CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, o art.º 129º nº1 determina a
proibição deste meio de prova, mas o que acontece é que afinal apenas faz depender este
meio de prova de algumas condições:
58 TRC de 14-10-2009, processo, 63/09-3PECBR.C1, in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011 59 TRC de 26-11-2008, processo 27/05.6GCSRT.C1, in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011
1º se a testemunha de ouvir dizer se recusa a indicar a fonte, este meio é proibido, pois
se assim não fosse estara o legislador a admitir uma fonte anónima.
2º sendo conhecida, é dever do tribunal chamar a depôr a testemunha fonte, sob pena de
nulidade do depoimento indirecto ( Acórdão do STJ de 8 de Novembro de 2003)60
3º Se a testemunha fonte tiver morrido ou for impossível encontrar, o Tribunal é livre de
valorar o depoimento indirecto.
Aqui coloca-se a questão de se saber até onde vai esta impossibilidade.
A Jurisprudência defende uma impossibilidade relativa.
Neste sentido o acórdão do TRC de 12 de Abril de 201161:
“A impossibilidade de serem encontradas as pessoas indicadas (a quem se ouviu
dizer) referidas na parte final do n.º 1, do art.º 129º, do C. Proc. Penal, não tem de
ser uma impossibilidade absoluta, no sentido de que, tendo sido esgotadas todas as
diligências tendentes a encontrá-las, nem mesmo assim foi possível determinar o
seu paradeiro.
No que a tal respeita, é de admitir uma impossibilidade relativa, decorrente do
insucesso das diligências efectuadas para encontrar tais pessoas no local em que
era suposto que deveriam estar, insucesso esse que permite antever que só a muito
custo (ou, quiçá, nem mesmo assim) elas serão encontradas, desde que, obviamente,
hajam sido efectuadas as diligências que, no caso concreto e atentos os seus
condicionalismos, se apresentavam como razoáveis.”
Podemos concluir que o Legislador apenas exige a indicação da testemunha fonte, pois
se pretendesse mais, poderia ter imposto condições adicionais, como nos propõe
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA62, primeiro que a testemunha-fonte deposesse, e neste caso,
o próprio depoimento indirecto era prescindível, e não valorável, segundo, para que o
depoimento indirecto pudesse ser admitido e valorado, a testemunha fonte teria que
confirmar o depoimento indirecto.
Neste sentido a declaração do acórdão do Tribunal Constitucional63 de 8 de Julho de
1999, decide pela constitucionalidade da valoração do depoimento indirecto dentro dos
seguintes pressupostos:
60 Acórdão do STJ de 8 de Novembro de 2003, CJ nº166, anoXXVIII, TI, 9, 149 e ss, Apud CARLOS
ADÉRITO TEIXEIRA, “ depoimento indirecto e arguido”, CEJ nº 2, 2005 61 TRC de 12-04-2011, processo 487/01.4TAVIS.C1, in: www.trc.pt,, consultado em Junho de 2011 62 In: obra citada 63 TC, de 8 de Julho de 1999, nº 440/99, sendo conselheiros Messias Bento, José de Sousa e Brito,
Alberto Tavares da Costa, Maria dos Prazeres Beleza, Luís Nunes de Almeida, in:
www.tribunalconstitucional.pt, consultado em Junho de 2011
Também em sentido contrário já vinha o acórdão do TRC de 26 de Novembro de 200867
A jurisprudência não é unânime mas podemos concluir que para ser admissivel valorar
o depoimento indirecto é necessário que tenham sido cumpridas as condições de
admissibilidade, tanto procedimentais como de eficácia, ou seja:
- é necessário que não tenha sido possivel o depoimento directo da testemunha fonte;
- que a testemunha de ouvir dizer seja idónea e fiável
E também que haja outros meios de prova que corroborem o depoimento indirecto, e
isto significa que o depoimeto indirecto valorado isoladamente não pode servir para a
fundamentara uma decisão que condene o arguido, salvo em situações extremas, e por
isso só caso concreto se poderá dizer quais.
B) Se a fonte é o arguido
Um tema de discussão são os depoimentos de “ouvir dizer o arguido” “ouvir dizer o
suspeito futuro arguido”, dos Orgãos de Polícia Criminal, de outra qualquer testemunha,
ou de um outro co-arguido. O art.º 250º nº8 não impede que o OPC peça informações a
uma qualquer pessoa, que sendo suspeito deve cumprir o disposto no art.º 59º nº1. Mas
vamos imaginar que um OPC tem uma conversa com o arguido, e este relata factos que
o incriminam, e surgem duas situações, ou essa não é transcrita para os autos, ou é
transcrita para os autos.
A jurisprudência divide-se, uma decide no sentido de admitir o depoimento do OPC que
relate as declarações do arguido, como por exemplo o acórdão do TRG de 25-05-200968,
o acórdão do TRP de 4 de Julho de 200769 e também o acórdão do STJ de 12 de
Setembro de 200770
III - A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas
extraprocessualmente pelo arguido, é passível de livre apreciação pelo tribunal
quando aquele se encontre presente em audiência e, por isso, com plena
possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender.
67 TRC de 26-11-2008, processo 27/05.6GDFND.C1, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 68 TRG de 25-05-2009, processo 359/06GVCRM.G1, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 69 TRP de 04-07-2007, RP200707040647256, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 70 STJ de 12-09-2007, SJ200709120025963, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011
recolha da prova, violaria manifesta e claramente as garantias de defesa do
arguido consagradas no artº 32º CRP.”
Como refere Damião da Cunha Obra citada 72 , pág.430., retiraria “ qualquer
conteúdo útil ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare e conduzindo à solução,
muito próxima de uma visão inquisitória, de o arguido testemunhar
( indirectamente) contra si próprio”. Seria, a meu ver, verdadeiramente deixar
entrar pela janela o que não se quis deixar entrar pela porta.
Como escreve o Exmº Desembargador Barreto do Carmo, em declaração de voto
no AcRC 03.06.18, CJ 3/03, pág. 54. “...a diferença fundamental deste para o
direito anterior não está no tratamento formal mas no afastamento do princípio
inquisitório pleno, onde se via o réu, como objecto do processo, esvaziando-se a
personalidade para sobressair a qualidade pressuposta de criminoso. A prova
confundia-se com os indícios, o suspeito confundia-se com o criminoso”.
A Doutrina diverge, mas a maioria da Doutrina73, e jurisprudência entende que tanto
num caso como noutro o depoimento do OPC não pode ser valorado, muito mais
quando o arguido se remete ao silêncio na audiência de julgamento, pois, como
determina o nº1 do artº 355º nº1 CPP, salvo as excepções do nº2, toda a prova tem que
ser produzida em audiência.
Mais, também o nº7 do art.º 256º que os OPC não podem prestar depoimento sobre
declarações “cuja leitura não seja permitida”, e só é permitida a leitura nos termos do
art.º 257º CPP.
“Podemos dizer que o depoimento indirecto não é admissível quando a fonte é o
arguido”74,pois se o arguido ele próprio não prestar depoimento aquele depoimento não
pode ser valorado.
Neste sentido o Acórdão do TRL de 29 de Abril de 201075, que na sua fundamentação
nos dá argumentos sólidos para defender esta posição.
“ I - As denominadas “conversas informais” dos órgãos de polícia criminal com o
arguido, antes ou depois de assumir essa qualidade, sobre factos em investigação,
são desprovidas de valor probatório
III - Tendo-se o arguido remetido ao silêncio na audiência de julgamento, não pode
ser valorada a sua (eventual) confissão do crime, feita perante um órgão de polícia
criminal, com base na qual foi levantado o auto de notícia que o deu como agente
daquele crime.”
72 DAMIÃO DA CUNHA O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento
( artºs 356º e 357º do CPP), Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 3º, Julho-Setembro de
1997, apud acórdão do TRC de 30-11-2005 73 Por todos AUGUSTO SILVA DIAS, 74 MARISA RIBEIRO, “ reconstituição do facto”, CEJ, 2007 75 TRL, de 29-04-2010, processo 1670/09.0YRLSB-9, in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011
No entando pode incluir-se no nº2 do art.º129º a recusa do arguido em responder ao
depoimento indirecto, comparando este facto com a impossibilidade de se encontrar a
fonte “que disse”, e que por consequência legitima a valoração do testemunho de “ouvir
dizer”
Neste sentido o acórdão do TRL de 15 de Março de 200776
“I- Uma testemunha - agente da Polícia Judiciária - que em audiência de
julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido e uma sua
empregada, não profere um depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele
ouviu directamente da sua boca, de viva voz.
II- Um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado
dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do artº 127º CPP. “
E ainda o acórdão do TRC de 1 de Abril de 200977
I - Nos termos do artº 356.º, n.º7 do CPP, os órgãos de polícia criminal que tiverem
recebido declarações cuja leitura não for permitida não podem ser inquiridas como
testemunhas sobre o conteúdo das mesmas, em homenagem ao direito ao silêncio do
arguido.
II – Porém, essa proibição de prova não atinge as declarações dos órgãos de
polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento
por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente
processual) que não possam ser lidas em audiência, mormente no decurso de prova
por reconstituição do facto, enquanto meio autónomo de prova previsto no artº 150º
do CPP.
Há no entanto alguma Doutrina, no meu entender deve ser refutada, de acordo com o
princípio da legalidade, que entende que essas informações obtidas pelos OPC, antes da
constituição de arguido podem ser valoradas como prova.
Mas a jurisprudência vai no sentido contrário, pois embora admitindo o testemunho dos
OPC, nem tudo pode ser valorado.
Neste sentido os Acórdãos do Também o acórdão do TRP de 7 de Março de 200778 e
do STJ de 15 de Fevereiro de 200779
I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode
considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos
76 TRL de 15-03-2007, processo 2287/07-9ª Secção, in: www.pgdlisboa.pt, consultado em 2011 77 TRC de 01-04-2009, processo 91/04.5PBCTB.C1, in: www.dgsi.pr, consultado em 2001 78 TRP de 07-03-2007, RP200703070646472, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 79 STJ, de 15 -02-2007, SJ200702150045935, in: www.dgsi.pr, consultado em Junho de 2011
de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e,
por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais”
mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à
margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se
frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado”
ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
No caso de ter sido transcrita para os autos, não poderá ser lida, a menos que o arguido
consinta ou o solicite.
Na realidade o arguido não é um sujeito de prova.
Na linha de pensamento de CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA80, como pode o arguido ser
testemunha-fonte? O art.º 129º está sistematicamente na prova testemunhal, mas o
arguido está inserido noutro meio de prova, que são as declarações de arguido, de
assistente e das partes civis, prevista nos art.ºs 140º e ss. O legislador ao dispor “ pessoa
determinada”, não poderia querer referir-se ao arguido, tanto mais que condiciona a
testemunha fonte a depôr, se quisesse que o arguido também fosse incluido, teria de
dizer “ ou a prestar declarações”, de facto o arguido está impedido de depôr enquanto
arguido no processo em causa. Aliás, continuando na linha de pensamento de RODRIGO
SANTIAGO, é até incompatível81, e que decorre do confronto entre as normas dos artigos
61º nº1 c), 140º nº3, 343º nº1, com as normas dos artigos 131º nº1 e 2. 132º nº1 b) c) d)
e 145º nº2.
Nem faria sentido o arguido ser testemunha contra si próprio, seria uma violaçao total
dos direitos que lhe assistem, consagrados na Constituição.
Por outro lado é um contrasenso “ chamar “ o arguido porque surge um depoimento
indirecto, e tal não se exige quanto ao depoimento directo, mesmo que este esteja
ausente ou dispensado, como prevê o art.º 334º
Ainda, o arguido não tem o dever de colaborar com o tribunal. E mesmo que o faça, não
estando obrigado à verdade, qual o valor das suas declarações?
80 In: obra citada 81 RODRIGO SANTIAGO, “Reflexões sobre declarações de arguido como mieo de prova no CPP de 1987, in:
RPCC, ano 4, jan-Março, 1994, p.61 e ss, Apud CARLOS ADÉRITO TEIXERIA in In: obra citada, p. 161,
citando aquele autor.
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CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA sustenta que não é aplicavel o artº 129º ao arguido enqanto
“pessoa- fonte”.. e nas suas palavras:
“ (…) sendo inaplicável da duas uma: ou fica precludida a possibilidade de se
utilizarem depoimentos indirectos que reproduzam conversas com o arguido ( via
de exclusão ), ou são os mesmos admitidos e valorados ( com fundamento diverso
do art.º 129º ( via da inclusão )”
No meu entendimento e em conclusão, muito embora a jurisprudência se divida, a
tendencia é no sentido de que o depoimento indirecto sendo o arguido a fonte, o art.º
129º não se aplica.
No caso do arguido se remeter ao silêncio face a um depoimento indirecto
O art.º 343º nº1 dispõe que o arguido tem o direito de prestar declarações sempre que o
requeira, mas não é obrigado a prestar declarações se não quiser. E o seu silêncio não
poderá nunca ser valorado contra si. O silêncio do arguido não significa nada, a não ser
isso mesmo, o silêncio.
O facto do arguido se remeter ao silêncio, o Tribunal não pode valorar nem o silêncio
nem o depoimento indirecto cuja fonte é o arguido. Se não tiver outras provas, não terá
provas para fundamentar legalmente uma condenação. A não ser assim, de nada valem
as garantias do arguido consagradas constitucionalmente, e poderia o tribunal ser alvo
de subversão, por exemplo, o assistente arranjar uma testemunha a dizer que ouvira o
arguido dizer qualquer coisa que o incriminasse. O arguido, mesmo que se dispusesse a
prestar declarações quanto ao depoimento indirecto, porque não está obrigado à verdade,
qual o valor que o julgador lhe atribui se o arguido, agora travestido de testemunha,
negasse o depoimento indirecto, valia mais o quê? o depoimento indirecto ou a
declaração do arguido se em contradição ?
Não faz sentido por consequência que se aplique o art.º 129º quando o arguido é a fonte,
salvo no caso em que é de todo impossível encontrar o arguido e sempre que existam
outras provas que corroborem o depoimento indirecto.
Vejamos, se para que a confissão seja aceite é necessário que estejam preenchidos
determinados requisitos, ou seja, a confissão não determina automáticamente a
condenação do arguido, nomeadamente se existirem outras provas que o contradigam,
por exemplo, o arguido confessa que matou com uma faca de cozinha, e a autópsia
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revela que a causa da morte da vitima foi uma bala que lhe perfurou o coração, e nem
sinais de ferimentos de lâmina, a confissão do arguido não pode ser valorada. Significa
que as declarações do arguido têm necessariamente de ser confirmadas com outros
meios de prova. Não existindo outras provas, o Julgador deverá decidir pelo princípio
“ in dubio pro reo”,
Neste sentido o acórdão do TRE de 30 de janeiro de 201082
IV. - As declarações originárias prestadas extraprocessualmente e levadas à
Audiência pelo testemunho de ouvir dizer não substituem, não tomam o lugar -
quanto ao facto probando sobre o qual versam as declarações originárias – do
depoimento posterior prestado em audiência, de tal forma que pudessem ser
apreciadas e valoradas como se tivessem sido prestadas em audiência.
V –O depoimento de ouvir dizer deve ser valorado em conjunto com a restante
prova produzida, de acordo com a livre convicção do tribunal e as regras da
experiência comum, quer o depoimento indirecto substitua o depoimento directo de
prestação impossível, quer coexistam ambos os depoimentos em audiência (ou em
acto processual equivalente, como sucede no caso de declaração para memória
futura), pois não existem regras de hierarquização (ou exclusão) apriorísticas,
entre o depoimento indirecto e o depoimento directo.
(…)
VIII. - Considera-se violado o princípio in dubio pro reo quando o tribunal dá
como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal
não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta da análise e
apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das
regras e princípios válidos em matéria de direito probatório.
Em sentido contrário o Acórdão do STJ de 12 de Março de 200883
“(…)
II - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja
admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e vem ser valoradas no
processo.
III - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só
em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser
realizada.
IV - Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido
só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras
da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
Também o acórdão do TRP de 24 de Setembro de 200884
Nesta linha de raciocínio, que valor tem o depoimento de ouvir dizer o arguido ?
A meu ver e de acordo com a legalidade não pode ser valorado.
82 TRE de 30-01-2010, processo 2457/06-1, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 83 STJ de 12-03-2008, SJ20080312006943, in: www.dgsi.pt, consultaod em Junho de 2011 84 TRP, de 24-09-2009, RP200809240843468, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011
De acordo com o determinado na lei, o arguido tem a liberdade de prestar declarações,
ou seja, prestar declarações ou remeter-se ao silêncio, sem que isso o possa nunca
prejudicar.
TEREZA PIZARRO BELEZA86, defende que as declarações de arguido e de co-arguido
devem ser valoradas com cautela, pois constituem prova “ particularmente frágil”. E
como nos diz Mª PAULA PITA87, preferencialmente havendo corroboração de outras
provas, e eu acrescento, principalmente quando não há coincidência de declarações, ou
o co-arguido declara e o outro se remete ao silêncio.
Por isso a declaração indirecta “ solteira” deve ser apreciada pelo Julgador com fortes
reservas.
Se o arguido negar as declarações de co-arguido, vale mais qual delas ?
É razoável que se valore mais aquela que for corroborada por outros meios de prova, e
se não existirem, aquela que for produzida em audiência apreciada pela livre convicção
do julgador, de acordo com o art.ºs 125º e 127º, e que em caso de dúvida deve afastar
categóricamente a declaração indirecta como fundamento da sua decisão.
A não ser assim, a admitir uma confissão de co-arguido que implicasse a incriminação
de arguido, estariamos a admitir uma “confissão indirecta”, a meu ver uma total
ilegalidade.
O sistema actual português é o do acusatório e compete ao Tribunal encontrar a verdade
dos factos, diligenciando de acordo com o princípio da investigação, todos os meios de
prova necessários, não podendo coagir o arguido a, como nos tempos do modelo
inquisitório, auto-incriminar-se, ou a establecendo fórmulas probatórias.
Tem de haver coerência na garantia dos direitos fundamentais, e que me perdoem os
Conselheiros do TC, que teimam em encontrar justificações rebuscadas para admitir
provas ilegais ou de valor probatório duvidoso. É simples, a interpretação da lei
processual penal só pode ter um sentido teleológico, a busca da verdade dos factos e não
a encontrar meios de prova de condenação a qualquer preço.
Proponho que comparemos o depoimento de co-arguido com a reprodução da
transcrição de escuta telefónica, ambos meios indirectos de prova.
86 In: “Tão amigos que nós éramos: o valor probatório de depoimento de co-arguido no Processo Penal
Português”, in: Revista do Ministério Público, nº 74, 1998, Lisboa, p 39 e ss, 48 e ss e 58, Apud, CARLOS
ADÉRITO TEIXEIRA, obra citada. 87 In: “El coimputado, Tirant lo Blanch, 2000, Valência, p 147 e ss, 472 e ss, Apud CARLOS ADÉRITO
TEIXEIRA, obra citada
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A escuta telefónica obtida ilegalmente, ou porque não autorizada ou não validada, não
pode ser valorada. O tribunal até pode ouvir a voz do arguido a incriminar-se, mas tem
de afastar esse meio, é como se não existisse. Se não houver mais meios de prova, o
Julgador não tem alternativa senão absolver o acusado.
Ora, no meu entender é disto mesmo que se trata. Não tendo sido proferida a declaração
do arguido em audiência, não é admitida a sua leitura, v.g o depoimento indirecto de co-
arguido, sob pena de violar o disposto no art.º 357º, só com o consentimento do arguido,
ou a sua própria declaração confirmando o depoimento indirecto de co-arguido e for
corroborado por outros meios de prova, é que o depoimento poderá ser admitido, caso
contrário é um meio proibido de prova. O depoimento indirecto de co-arguido não vale
autonomamente.
Neste sentido o acórdão do TRP de 24 de Setembro de 200888,
As declarações de um arguido só podem fundamentar a condenação de um co-
arguido se se mostrarem coerentes e forem corroboradas por outros elementos de
prova.
Também os acórdãos do TRG de 9 de Fevereiro de 200989, e do TRP de 10 de Setembro
de 200890
- Não valem como prova as declarações de arguido em desfavor de co-arguido, se
aquele se recusar a responder a perguntas feitas pelos juízes, jurados, Ministério
Público, advogado do assistente ou pelo seu próprio defensor.
II - A questão do depoimento indirecto só se coloca em relação ao que se ouviu
dizer a outra testemunha; nunca em relação ao que se ouviu dizer a um arguido.
III - As declarações de um arguido perante um órgão de polícia criminal no âmbito
de um inquérito ou são reduzidas a escrito, e podem em certas circunstâncias valer
como prova, ou não são, e neste caso não existem para o processo
Em sentido contrário o acórdão do mesmo tribunal no mesmo dia 91, e os acórdãos do
STJ de 12 de Março de 2008, e do TRP de 25 de Junho de 200892
Com uma linha de pensamento de que partilho, também assim CARLOS ADÉRITO
TEIXEIRA93, o depoimento indirecto de co-arguido não tem relevância probatória face a
co-arguido, afastando o regime do art.º 129º, justificada pela diferença estatutária do
arguido e da testemunha, e nas suas palavras “(…) com todo o rol de disparidades que
88 TRP de 24-09-2008, RP200809240813993, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 89 TRG de 09-02-2009, processo 1834/08-2, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 90 TRP de 10-09-2008, RP200809100844418, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 91 TRP de 24-09-2008, RO200809240843468, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 92 TRP de 25-06-2008, RP200805250742789, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 93 In: obra citada, p 189
gera, bem como o direito daquele frustrar o contraditório e a imediação, de modo
absoluto e incontornável (…) “
Assim como SUSANA JALES94. Nos termos do art.º 344º nº3, a existência de co-arguidos
acompanhada da inexistência de confissão integral por todos, impede a aplicação do
regime da confissão do art.º 344º nº2. A declaração é livremente apreciada nos termos
do art.º 344º nº4 “ (…) o tribunal decide em sua livre convicção(..)”
Mas de acordo com o nº4 do art.º 345º, as declarações de co-arguido podem não valer
como meio de prova se prejudicam o outro co-arguido e aquele se recusa a responder ao
contra interrogatório.
No entanto a Jurisprudência entende que as declarações do co-arguido podem ser
valoradas, desde que preenchidos determinados requisitos.
Neste sentido os Acórdãos do STJ de 12 de Março de 200895 e o acórdão do STJ de 7
de Maio de 200996
“I - Tanto o STJ, como o TC, têm julgado válida a prova decorrente das
declarações do co-arguido, observadas as três condicionantes: respeito pelo direito
do arguido ao silêncio; sujeição das declarações ao contraditório e corroboração
das declarações por outros meios de prova,(…)”
E também o acórdão do STJ de 3 de Setembro de 200897
“(…)
II - No que respeita à questão de saber se é processualmente válido o depoimento
do arguido que incrimina os restantes arguidos, a resposta é frontalmente
afirmativa e dimana desde logo da regra do art. 125.º do CPP, que dispõe que são
admitidas as provas que não forem proibidas por lei. (…)III - Esta credibilidade só
pode ser apreciada em concreto, face às circunstâncias em que é produzida. O que
não é admissível é a criação de regras abstractas para essa apreciação, retornando
ao sistema da prova tarifada: assim, dizer em abstracto e genericamente que o
depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é
uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no
espírito da lei.
94 SUSANA JALES, “Declarações de co-arguido”, CEJ, 2007 95 STJ de 12-03-2008, SJ20080312006943, in: www.dgsi.pt, consultaod em Junho de 2011 96 STJ, de 07-05-2009, SJ200905070012135, in: www.dgsi.pt, consultado em Junhoo de 2011 97 STJ, de 03-09-2008, SJ200809030020443, in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011
Assim, podemos sobre a reconstituição dos factos concluir que é um meio de prova
legal, previsto no art.º 150º CPP, que pode ser valorada de acordo com a convicção do
Julgador, sendo que uns entendem que só a reconstituição é meio de prova, outros
entendem que também as declarações do arguido nessa reconstituição também podem
ser valoradas.
No meu entender, é de afastar esta última posição, pois a ser assim, o arguido se
recusaria sempre a colaborar na reconstituição. A reconstituição poderia ser valorada
como uma espécie de confissão, indirecta, ao arrepio do regime da confissão.
Proponho que analisemos o que nos dizem os acórdão do STJ de 3 de Julho de 2008102,
quanto à reconstituição do facto e da livre apreciação da prova
(…)
II - Envolvendo a participação de personagens que podem ter intervindo no âmbito
de outras vias de captação probatória, como o interrogatório de arguido, a prova
testemunhal, pericial e outros, aquela participação assume autonomia face às
demais participações ocorridas no âmbito desses outros meios de prova.
III - Decorre daqui que tratando-se da participação de um arguido na
reconstituição do facto há que não confundi-la, por exemplo, com as suas respostas
em interrogatório judicial, visto estar-se face a duas intervenções autónomas, não
confundíveis e sujeitas ao regime da sua livre apreciação, tal como prevista no art.
127.º do CPP.
E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Setembro de 2010103, que vai
no mesmo sentido. O acórdão do TRP de 27 de Fevereiro de 2008104, quanto à prova
testemunhal e a reconstituição do facto
Acórdão TRP de 9 de Setembro de 2009105
I - A ‘reconstituição do facto’ não tem por finalidade a existência de factos em si,
mas se podem ter ocorrido de determinada forma.
II - Um ‘auto de reconhecimento externo’ que corporiza apenas uma confissão da
autoria dos factos, in loco, não pode valer como ‘reconstituição do facto’, antes e
tão só, como declaração ilustrada do arguido.
III - A leitura daquele ‘auto de reconhecimento externo’, bem como - optando o
arguido pelo silêncio em audiência - a inquirição sobre o conteúdo das declarações
prestadas no seu decurso, a quem, a qualquer título, participou na sua recolha,
consubstancia produção de prova proibida.
Acórdão do TRC de 1 de Abril de 2009106
102 STJ, de 03-07-2008, processo 824/08 – 5ª secção Relator: ANTÓNIO COLAÇO 103 TRC, de 15-09-2010, processo 79/07.4GCSRT.C1, in: www.dgsi.pt, consultado em Junho de 2011 104 TRP, de 27-02-2008, RP100801270810050, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011 105 TRP de 09-09-2009, RP20090909230/008.7PDVNG.P1, in: www.dgsi.pt, consultado em 2011