UNIVERSIDADE PARANAENSE CURSO DE PSICOLOGIA CAMPUS SEDE – CASCAVEL LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Daiana Cristina Orlandi Fernanda Fagnani Soares Helen Christie F. Viana Luciana Deixun Franzini Orientadora: Profª Ms Marivania Cristina Bocca CASCAVEL, OUTUBRO DE 2003
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Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos
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UNIVERSIDADE PARANAENSE
CURSO DE PSICOLOGIA
CAMPUS SEDE – CASCAVEL
LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Daiana Cristina Orlandi Fernanda Fagnani Soares Helen Christie F. Viana Luciana Deixun Franzini Orientadora: Profª Ms Marivania Cristina Bocca
CASCAVEL, OUTUBRO DE 2003
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Daiana Cristina Orlandi
Fernanda Fagnani Soares
Helen Christie F. Viana
Luciana Deixun Franzini
LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Trabalho de conclusão de curso elaborado para ser submetido à banca avaliadora, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia, na Universidade Paranaense. Orientadora: Profª Ms. Marivania Cristina Bocca
CASCAVEL, OUTUBRO DE 2003
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Daiana Cristina Orlandi
Fernanda Fagnani Soares
Helen Christie F. Viana
Luciana Deixun Franzini
LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Trabalho de conclusão de curso elaborado para ser submetido à banca avaliadora, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia, na Universidade Paranaense. Orientadora: Profª Ms. Marivania Cristina Bocca
COMISSÃO EXAMINADORA
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DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado aos adolescentes que
colaboraram com a pesquisa ...
“Criança, que hoje chora nos braços do abandono,
que não tem o calor do amor,
o teto de um lar regular,
mas o prenúncio da vida perdida,
sei que o seu caminho, sozinho,
continuará até o fim assim
e que nessa viagem sem belas paisagens,
por estradas frias, sombrias,
o desatino será certamente o seu destino.
Criança, que hoje chora nos braços do abandono,
sem ter dono, sem ter o sono
tranqüilo do infante, mas vive constante
sem ter abrigo, sem ter amigo,
completamente perdida na solidão,
sem que o olhar do seu irmão,
que passa indiferente, contente,
detenha-se sobre sua triste sorte
e procure ajudá-la a crescer, viver,
ressuscitá-la dessa vida, que é morte.
Criança, que hoje chora nos braços do abandono,
que não tem o regaço da mãe para seu cansaço,
que não tem a presença do pai para secar seu lacrimejar,
e mesmo o auxilio de alguém caridoso, despretensioso
para sentir a grande necessidade e ter caridade
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de olhar para o abandono da criança,
que não pode ser vista como esperança,
quando sua vida presente desmente
que possa ter um alegre amanhã.
Chore, criança abandonada, desesperada,
que, talvez, o seu grito de orfandade
desperte a nossa sociedade, pois já é tempo
de sensibilizar o coração do seu irmão,
fazê-lo sentir que foi justamente por não ouvir
o seu choro, que hoje os homens, em coro,
lamentam os seus crimes, a sua agressividade,
e se julgam também culpados, por terem gerado,
com tanta indiferença, a sua nefasta presença,
de homem revoltado, delinqüente, afeito à maldade,
como fruto da nossa própria comunidade”.
Paulo Lúcio Nogueira, 1977.
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Deus, pela oportunidade de
crescimento pessoal e profissional, às nossas famílias, pelo
apoio e à nossa orientadora, pela atenção e dedicação.
Talvez não saibamos expressar em palavras o
especial carinho, o amor sincero e a gratidão que vos
dedicamos ...
“Dividi, pois, convosco, os méritos desta conquista,
porque ela vos pertence, ela é tão vossa quanto minha”.
Esta pesquisa compreende a produção de sentidos dos adolescentes em conflito com a lei, que cumprem medida sócio-educativa – Liberdade Assistida na cidade de Cascavel, Estado do Paraná. Aborda temas como: o ato infracional, medidas sócio-educativas, em especial a Liberdade Assistida e adolescência num contexto sócio-econômico, histórico e cultural. A proposta de análise e compreensão dos dados foi feita com base nos pressupostos teóricos e metodológicos da produção de sentidos de Mary Jane Spink, que aborda o Construcionismo Social. Neste trabalho, os critérios que podem definir a adolescência são construídos pela cultura. O que sabemos é que ela não é uma fase natural do desenvolvimento e sim um período que teve origem junto com o surgimento do mundo moderno. O problema é que o padrão existencial valorizado na sociedade se aproxima cada vez mais da conduta delituosa, na voracidade nos gastos, no sexo, nas drogas. Isto faz com que alguns adolescentes cometam atos infracionais para atender a demanda capitalista, que estabelece o que é preciso para não ser excluído. Estes adolescentes buscam reconhecimento e autonomia e vêem no delito, um meio “fácil” de alcançá-los. Marques (1999), diz que os atos infracionais cometidos por adolescentes, devem ser analisados dentro de um contexto maior, que envolvam a situação familiar, social e principalmente pessoal. O sistema sócio-econômico, político e familiar fornecem as condições para o ato infracional, que reflete em todos os parâmetros da sociedade. Pela necessidade de oferecer condições dignas de atendimento, que possibilitem a construção de projetos de vida, rompendo com a prática do ato infracional, os menores de 18 anos ficam sujeitos às normas da legislação especial – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que recebem sanções designadas como medidas sócio-educativas. Nesta pesquisa, foi enfatizada a medida sócio-educativa, Liberdade Assistida, que é imposta a adolescentes em conflito com a lei e que consiste em submeter o adolescente a um conjunto de condições no seu modo de viver, cujo cumprimento fica sujeito a acompanhamento. Os dados para esta pesquisa foram coletados através de entrevistas individuais, gravadas e, posteriormente, transcritas. Os tópicos das entrevistas abordaram as seguintes questões: os sentidos que os adolescentes produzem em relação aos seus atos ditos infracionais; que sentidos são produzidos pelos adolescentes a partir do olhar social; e, como é produzido o sentido da medida sócio-educativa, Liberdade Assistida, pelos adolescentes em conflito com a lei.
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1 INTRODUÇÃO
1.1 A Adolescência
Segundo Chagas (2002), etimologicamente falando, adolescência provém do
verbo adolescerê, que significa brotar, fazer-se grande. A adolescência pode ser considerada
como um fenômeno moderno que, aliás, surgiu e se desenvolveu nos EUA a partir do início
do século XX. Essa posição propõe uma compreensão da adolescência como uma invenção da
modernidade.
A adolescência, embora não sendo apresentada enquanto processo de
mudança ou fase que a determinasse, alguns comportamentos eram marcadamente e, até certo
ponto, determinantes dos homens jovens. A crise na adolescência como a entendemos hoje,
naquele período, não era referenciada.
Crianças e adolescentes já não são mais os mesmos – participam avidamente
do mundo dos adultos e se transformam nos novos convidados da realidade orgástica do
consumo e dos prazeres. A adolescência, por sua vez, é uma atitude cultural.
As referidas crianças, das quais estamos falando, dizem respeito a uma
grande parcela de crianças brasileiras que vivem em condições precárias, são elas muitas
vezes que auxiliam na sobrevivência de suas famílias, são pequenos trabalhadores braçais.
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Por todas as implicações, efeitos e conseqüências que esta situação suscita,
essas crianças não sofrem crises psíquicas, característica da adolescência.
Então não podemos dizer, levando em conta as questões acima referidas,
que no mundo em que elas vivem existe adolescência, porque a adolescência é um fenômeno
construído pelo mundo moderno.
Segundo a psicóloga Ana Luíza de Souza Castro (2002), “a adolescência é
uma etapa do desenvolvimento biopsicosocial do ser humano, um período de transição entre a
infância e a idade adulta, que continua um processo dinâmico de evolução da vida, iniciado
com o nascimento”.
Bock (1999), considera que o período da adolescência é uma preparação
para a vida adulta, entende-se porque ele acontece de maneira diferente para cada um dentro
de um espaço de tempo indeterminado.
Ela pode começar aos 9 e ter duração relativamente curta ou, por exemplo,
prolongar-se até os 25 anos, isto depende do contexto sócio-econômico e cultural em que o
adolescente vive. Se for de classe alta, tem um amadurecimento, geralmente tardio. Ao
contrário, uma criança que precisa trabalhar muito cedo para sobreviver, já está
amadurecendo, se preparando para o mundo adulto.
Para Melman, a crise psíquica na adolescência como um processo de
transição entre um mundo infantil e adulto, pode ser assinalada como um fenômeno
característico das sociedades pós-industriais capitalistas (apud CHAGAS, 2002).
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É neste período que a puberdade, fenômeno fisiológico que compreende as
mudanças corporais e hormonais (primeira menstruação na menina ou primeira ejaculação no
menino), representa as mudanças físicas e orgânicas – e a adolescência, as mudanças
psicológicas, sociais e culturais.
Para Chagas (2002), as características físicas e biológicas devem ser
consideradas enquanto “marcas” de transição entre a vida infantil e a adulta, o que não
significa dizer que a determinação da fase adolescente seja definitivamente e exclusivamente
reconhecida por intermédio da idade e pelas alterações orgânicas.
Para se pensar em adolescência, é preciso considerar, de modo especial, os
aspectos psicológicos, fatores sócio-culturais e cognitivos envolvidos no processo.
O adolescente, ao mesmo tempo em que deseja crescer, tornar-se adulto e
autônomo, sente-se profundamente ameaçado e hesitante.
Segundo Bock (1999), “o período da adolescência depende da relação do
indivíduo com o campo social”. Os critérios que podem definir a adolescência são construídos
pela cultura, o que sabemos é que ela não é uma fase natural do desenvolvimento e sim
produto do sistema sócio-econômico.
O período que caracteriza a adolescência é ambíguo, contraditório e cheio
de dúvidas, dois caminhos se cruzam: a infância e a responsabilidade a que remete o novo
período. Entendendo assim, podemos pensar que a adolescência não tem idade certa para
iniciar.
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Existem crianças que precisam entrar no mercado de trabalho antes mesmo
de terminar o ensino primário, para ajudar no sustento da família. Existem também as de
classe alta, que parecem nunca sair da adolescência, porque ainda não possuem a preparação
para entrar no mundo adulto.
Frase chocante que mostra a realidade de nosso sistema capitalista, onde o
que impera é a desigualdade é a citada por Dimenstein (2002): “chorando diante dos policiais,
com lágrimas escorrendo pelo rosto, um garoto chupava chupeta. Nos dedos, tinha um
cigarro. Viver na rua é aprender a ser adulto antes do tempo, misturar chupeta com tragada de
cigarro”. A rua é uma escola preparatória, a criança marginal vai tornar-se um adulto
marginal, isto porque a sociedade não oferece um mínimo de condições básicas de vida.
Para Oliveira (1999), a autonomia na adolescência é um momento em que
ocorre a independência do universo familiar. O filho se distância dos pais, se isolando, na
busca de outros interesses, dos seus próprios interesses que, muitas vezes, com esta atitude,
cria um clima de conflito entre ele e os pais.
O adolescente agora é capaz de refletir sobre seu próprio pensamento e
construir suas próprias teorias, em igualdade com o adulto, com isto, o jovem amplia suas
referências, não se contentando com aquilo que seu ambiente lhe oferece, fugindo do concreto
atual na direção do abstrato e do possível.
Isto muitas vezes é confundido com rebeldia, mas é apenas uma nova
habilidade que permite ao adolescente maior independência no seu plano de idéias.
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Buscando a singularidade, ele acaba confrontando os pais, embora esta
atitude contestadora acaba, às vezes, suscitando na família, a emergência do conhecido
estereótipo da ovelha negra. Conquistar a autonomia muitas vezes significa para o adolescente
inviabilizar o reconhecimento.
Segundo Oliveira (1999), “a adolescência é a busca de um lugar, uma tarefa
historicamente agenciada, sem duração determinada, ambígua e solitária”.
Birman propõe que, para o sujeito traçar na carne o seu destino singular,
buscar sua autonomia, é preciso que ele se dê conta de que a condição de desamparo é
insuperável e marca a subjetividade para todo o sempre (apud, OLIVEIRA, 1999).
Para Oliveira (1999), o desenvolvimento psicológico do adolescente se
traduz numa seqüência de experiências intra-psíquicas, no sentido de desligamento, que
consiste na separação, resultando a aquisição da autonomia e do reconhecimento. Os
adolescentes enfrentam dificuldades, pois não têm definição sobre qual seu verdadeiro papel,
não sabe se ainda esta brincando e aprendendo ou trabalhando e reproduzindo, ou seja, se é
criança ou adulto.
Nem a sociedade, nem a família, nem as instituições têm uma posição, então
o adolescente se sente e até se torna um sem-lugar. Historicamente, a adolescência seria uma
prova da alteração cultural com modernidade. Alguns conflitos importantes podem aparecer
durante a construção da identidade do adolescente. O rumo que ele dá para sua vida acaba
tendo influências da sociedade, a qual cobra de cada pessoa um papel social, preferentemente
definido e o mais definitivo possível.
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Numa fase onde a identidade do adolescente ainda não se completou fica
difícil falar em papel social definitivo.
O adolescente questiona a conhecida vida familiar, os conceitos tradicionais
aceitos, as regras e os padrões pré-estabelecidos, em busca de algo que seja realmente seu.
O que ele precisa é encontrar sua posição no espaço e no tempo, com uma ideologia de vida
própria.
Buscando afirmar seus interesses o adolescente coloca-se em posição de
confronto a tudo que lhe sugira cerceamento pessoal.
Oliveira (1999), diz que a adolescência é um período de transição marcado
pela luta, pelo seu lugar no espaço e no tempo. O adolescente sai em campo, na grande luta
por si mesmo, precisa descobrir quem é, enfrentando um longo período de dúvidas,
questionamentos e conflitos. A cultura narcísica incentiva a auto-afirmação do tipo
individualista e predatória.
“Neste processo de busca do reconhecimento de experiências emocionais,
sentiu prazer, dor, medo e raiva, viveu para que este processo pudesse ser desencadeado”
(OLIVEIRA, 1999).
Na construção do caminho que leve o adolescente em direção a si mesmo e
ao seu reconhecimento, vive períodos de isolamentos, onde seus próprios conceitos se
formam, construindo suas teorias, criando suas referências, satisfazendo-se não só apenas com
aquilo que o ambiente lhe oferece.
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A busca de autonomia faz parte do universo juvenil como também se trata
de um ideal social, a responsabilização estimulada nos jovens é de natureza narcísica, que é
alimentada por uma lógica de mercado que faz emergir uma autonomia dominada por forças
reativas, ou seja, o mercado é quem determina as coordenadas que alinham nossos modos de
viver, isto tem pouco haver com produzir o real e saudável para existência humana.
Os jovens querem na hora aquilo que desejam, pois se trata de uma
sociedade voltada para o prazer e que estimula uma geração a desejar em tempo real.
O adolescente já confuso e desamparado pode tornar-se mais dependente
ainda das centrais de distribuição de valores, encontrando nisso um refúgio.
O problema é que o padrão existencial valorizado no mercado capitalista se
aproxima cada vez mais da conduta delituosa, porque estimula a voracidade nos gastos, no
sexo, nas drogas, no apetite e na ânsia de levar vantagem, no fascínio pelo triunfo a qualquer
preço, no fascínio da dominação – que levam muitos adolescentes a tirarem do seu
vocabulário algumas expressões, tais como: com licença, por favor, desculpa ou muito
obrigado.
O que parece estar em cena é o absoluto desprezo pelo outro e, esta
intolerância pelo outro, é alimentada pela engrenagem narcisista de nossos tempos, através de
protótipos da supremacia pelo sarcasmo ou pela força física.
No caminho para criar uma identidade, surgem coisas que lhe foram
impostas, sofre uma série de pressões, vindas do contexto sócio-cultural que se encontra.
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O sistema capitalista não é repressivo, mas sim de indução ao desejo. Para
conviver no mundo contemporâneo é preciso fazer parte da massa, mas o indivíduo tem
necessidade de mostrar sua existência, mostrar o “seu eu”, é como se ele criasse uma
identidade globalizada flexível, que muda conforme os movimentos do mercado.
Conforme Oliveira (1999), adolescência é um modelo de consumo.
Enquanto isso, o adolescente não é apenas o consumidor preferencial, mas um divulgador de
estilos. Esse modelo de consumo acaba sendo reforçado porque os adolescentes são
numerosos.
As etiquetas dos produtos se tornam um “identificador de tribos”, que divide
os sujeitos em “clãs”. Oliveira (1999) entende esse processo como marcas da colonização
brasileira, a colônia era imagem de referência, o que todos queriam ser. O mecanismo de
idealização está presente na história da construção da sociedade brasileira.
Bock (1999), diz que o sistema capitalista determina as normas sociais e a
ordem social vigente, muitas vezes, faz com que as pessoas procurem agir de maneira a se
adaptar a estas regras.
Esta demanda está explícita na mídia, que indica os produtos que estão na
moda, como o tênis X, o boné Y e outros produtos de consumo que estão além das condições
financeiras destes jovens, que são presas fáceis dos apelos consumistas.
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Gonçalves (2002), cita uma frase dita por um adolescente (Paulo, de 17
anos), que representa a busca de reconhecimento através do delito: “Por que faço isso? Porque
exijo sê respeitado e só consigo isso sendo o que sou (...)”.
Podemos visualizar tal cenário desolador na produção cinematográfica,
Cidade de Deus, que mostra a estória de um menino que busca o reconhecimento através do
delito.
Para Goffman (1988), estigma seria “a situação do indivíduo que está
inabilitado para a aceitação social plena”. A sociedade estabelece os critérios para categorizar
os indivíduos, diz o que é necessário para ser aceito no meio social e as características que
devem ser repudiadas nas pessoas e que servem para excluí-las da sociedade. Então, um
atributo que estigmatiza alguém, pode servir para confirmar a normalidade do outro. No caso
dos adolescentes em conflito com a lei, a estigmatização acontece, pois eles destoam do
grupo, não aderem as normas sociais e o desvio se refere a sua periculosidade.
“A relação de tal destoante com o grupo e a concepção que os membros
fazem dele são tais que impedem a reestruturação em virtude do desvio”, segundo Goffman
(1988).
Oliveira (1999), se refere à questão do consumismo, na seguinte frase: “é
assim que, sem griffe nem “senha de reconhecimento”, esses adolescentes da periferia
transitam pela cidade mas não são vistos, como se não pertencessem a esta paisagem
oficial, tornando-se estrangeiros em sua própria terra e desequipados para a viagem
contemporânea”.
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E afirma que, consumir estes produtos ofertados pela mídia, passa a ser um
modo de existir e ser notado na vida pública. E assim, o dinheiro acaba se tornando algo
muito significativo e condena o indivíduo a viver em função dele para perder, ganhar,
acumular e principalmente consumir, nessa sociedade, nessas cidades onde o jovem é
induzido a gastar dinheiro o tempo todo. É como se as pessoas fossem prisioneiras a céu
aberto e as escolhas fossem pré-estabelecidas, o mercado nos torna gados cibernéticos que
pastam entre os serviços e mercadorias ofertadas. Em outras palavras, o consumo passa a ser
sinônimo de inclusão, onde os que não consomem são privados dessa sociedade (OLIVEIRA,
1999).
Tais adolescentes não sabem o que fazer com essa demanda, pois é preciso
ser autônomo, é preciso ser livre, repetem os apelos mediáticos, ao mesmo tempo em que a
cultura narcísica vem provando uma retratação na vida pública – torna-se ilusoriamente uma
via de acesso a uma relação social, pois ser individualista não é mais pecado, ao contrário, a
auto-suficiência e a disputa são atributos necessários à sobrevivência na selva
contemporânea.
Com o crescimento dos filhos, os pais sentem várias emoções e muitas, nem
sempre agradáveis. Surgem vivências de estar sendo “desrespeitosamente” contestado, de ter
a autoridade posta à prova, de que sua visão de mundo não é a única nem a melhor ideologia
de vida.
Para Bock (1999), a função social da família é transmitir os valores
dominantes de nossa cultura, as idéias dominantes de determinado momento histórico,
mostrando assim seu caráter conservador e de manutenção social.
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A família vive de acordo com as interferências culturais e históricas,
conforme estes valores mudam, vão se criando indivíduos diferentes e novas subjetividades,
acompanhando assim a nova realidade histórica.
Grande parte dos adolescentes que cometem atos infracionais tem em casa
suas primeiras experiências de violência como: maus-tratos, agressão física, psicológica e
abuso sexual.
Grande parte dos agressores, cerca de 90%, já sofreram algum tipo de
violência na infância ou adolescência. Muitas vezes as condições de vida pouco propícias
levam os jovens a atitudes auto-destrutivas, como o uso de drogas, o alcoolismo e o suicídio.
Para Dimenstein (2002), os que se envolvem com drogas se afastam da
escola, não conseguem levar uma vida normal, entram para o crime, onde muitos viram
traficantes e morrem em brigas. A grande maioria começa a fumar maconha muito cedo,
depois, para sustentar o vicio começa a roubar.
Numa pesquisa realizada no Rio de Janeiro e em Recife com 61 jovens que
cumpriam pena em instituições e prisões para menores, constatou-se que, em 80% das
famílias pesquisadas, os pais são separados ou as mães, solteiras, o que as leva sair de casa
para trabalhar, ficando cada vez menos tempo com os filhos (DIMENSTEIN, 2002).
A situação de abandono em que ficam os filhos mais jovens, carentes não só
financeiramente, mas também de orientação educacional, disciplina e contato afetivo, os torna
presas fáceis da criminalidade.
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Estudos feitos pela FEBEM, com crianças que cometeram atos de violência,
confirmam que, “o menor tende a reproduzir o que aprende na família. Se aprendeu a resolver
problemas com violência, assim agirá na vida adulta” (CASTRO, 2002).
Para Oliveira (1999), existe hoje uma acentuada crise na dimensão coletiva,
pois é compreensível reforçar as estratégias de sobrevivência salve-se quem puder. Em
tempos de globalização fica mais acentuada a premissa: “cada um por si e foda-se o resto”.
Perdendo, assim, a confiança no outro, pois este se torna competidor, um inimigo, um
obstáculo a ser vencido.
As figuras de autoridade serão os alvos preferidos da contestação do
adolescente. Nessa fase se questiona o juiz, o padre, o pastor, o professor. Além disso, espera-
se que os conflitos de valores e de poder possam se generalizar para uma questão ideológica.
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2 JUSTIFICATIVA
É necessário que comecemos a compreender os diferentes sentidos que os
adolescentes produzem no meio em que estão inseridos e a partir disso, proporcionar políticas
de tratamento mais adequadas.
Escolhemos o tema e decidimos fazer este trabalho pelo interesse em
conhecer e compreender a situação que esses adolescentes “ditos” infratores estão vivendo.
Como esses adolescentes percebem e convivem com a medida sócio-educativa, Liberdade
Assistida.
Entendendo a sociedade como construída por um processo sócio-histórico-
econômico-politico e cultural, gostaríamos de compreender e visualizar mais profundamente
essas práticas sociais e os determinantes deste meio.
Com a idéia de que as pessoas são produtos e produtores do meio em que
estão vivendo, nosso interesse se focalizou em saber desses adolescentes qual era o contexto
que estavam vivendo, quais as necessidades e os desejos que os levavam a cometer os atos
“ditos” infracionais e a resposta viria da produção de sentidos que eles nos trariam.
É fácil observarmos pelas ruas adolescentes cometendo atos “ditos”
infracionais, mas não conseguíamos entender a finalidade e a razão de cada um em agir dessa
maneira.
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Como a quantidade de adolescentes em conflito com a lei é alta, decidimos
conhecer as formas de tratamento que estes recebiam quando eram detidos pelos policias.
Fomos, num primeiro momento, ao Serviço de Atendimento Social – SAS,
onde os adolescentes ficam internados até que o juiz decida qual a medida sócio-educativa
que irão cumprir.
Optamos, após o conhecimento dessas medidas, em realizar nosso trabalho
na medida sócio-educativa Liberdade Assistida, por ser um local onde os adolescentes vão
uma vez por semana cumprir a medida e continuam tendo contato com a sociedade.
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3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
O objetivo geral é compreender a produção de sentidos dos adolescentes que
estão em conflito com a lei e cumprem medida sócio-educativa – Liberdade Assistida.
3.2 Objetivos específicos
a) verificar os sentidos que são produzidos pelos adolescentes em relação
aos seus atos “ditos” infracionais;
b) estudar os sentidos produzidos a partir do olhar social em relação aos
adolescentes;
c) compreender os sentidos produzidos pelos adolescentes em conflito com
a lei, sobre a medida sócio-educativa – Liberdade Assistida.
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3.3 Contexto da Pesquisa
A pesquisa foi realizada em Cascavel, Estado do Paraná, uma cidade
praticamente nova, com apenas 49 anos e, aproximadamente, 280 mil habitantes, que foi
efetivamente ocupada através do tropeirismo, dos ervateiros e dos padres jesuítas.
O primeiro foco de habitação ocorreu depois das Revoluções de 1924 e
1930, onde os novos habitantes – querendo mudar de vida, se encontraram com ervateiros
argentinos que exploravam a extração da erva-mate na região.
Depois da Revolução de 30, Cascavel que já era trilha de tropeiros
ervateiros, sendo impulsionada pela força da madeira.
A preocupação com a situação das fronteiras do Brasil fez com que Getúlio
Vargas criasse o Território Federal do Iguaçu, propiciando a migração de catarinenses e
gaúchos, passando Cascavel, por sua posição estratégica, a ser pólo político de toda região.
É sede de grandes cooperativas que demonstram a importância da pesquisa,
planejamento e produção. É sede da Ferroeste – ferrovia que liga áreas produtoras ao Porto de
Paranaguá e aos países do Mercosul.
Cascavel conta como um dos pontos turísticos e de lazer, o Lago Municipal
no Parque Ecológico Paulo Gorski. Os atrativos turísticos compreendem também os recursos
naturais como rios, montanhas, cataratas e pesqueiros (SPERANÇA, 2002).
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A pesquisa foi realizada no Centro de Cumprimento de Medidas Sócio-
Educativas – CCMSE, local onde é cumprida a medida de Liberdade Assistida.
Até maio de 2002, antes de ser municipalizado, o programa Liberdade
Assistida funcionava no Fórum da cidade, contando com a parceria da Prefeitura Municipal,
através do Sistema de Atendimento a Infância – SAI.
Após a municipalização, houve um avanço no tratamento para os
adolescentes em conflito com a lei, que cumprem medida sócio-educativa, Liberdade
Assistida. Este avanço diz respeito à melhoria das condições físicas que passou a ter um local
próprio para o cumprimento.
Em Cascavel, os encontros para o cumprimento da medida acontecem uma
vez por semana, sendo que os adolescentes são divididos em dois grupos, devido ao pequeno
espaço físico. Os encontros são realizados nas quartas e quintas-feiras à tarde.
Os adolescentes contam com uma equipe interdisciplinar formada por uma
assistente social e estagiárias; uma psicóloga e estagiárias de psicologia; dois facilitadores;
professor de dança e professor de xadrez.
A medida Liberdade Assistida, geralmente é aplicada aos adolescentes
reincidentes ou que demonstrem tendência para reincidir e consiste no acompanhamento,
auxílio e orientação do adolescente, conforme previsto no artigo 118 do Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA.
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4 METODOLOGIA
Os dados para essa pesquisa foram coletados através de entrevistas
individuais, que foram gravadas e, posteriormente, transcritas em número suficiente
(dentro da disponibilidade de cada entrevistado). As questões da entrevista seguiram um
roteiro flexível, onde foram permitidos, adaptações e enriquecimentos, quando se fizeram
necessários, para poder responder aos tópicos envolvidos no problema de pesquisa.
No início de cada encontro individual, foi realizado um rapport1, cuja
finalidade era propiciar uma relação facilitadora para o desenvolvimento da entrevista.
Nesse momento também foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, bem como assegurado
o sigilo quanto a suas identidades.
Lembrando que todos estão passando ou já passaram por instituições como
o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e Juventude, há um determinado tempo, estavam,
portanto, em condições de responder ou atender aos objetivos da pesquisa, como por exemplo,
a questão que se refere ao sentido que os mesmos possuem das instituições que os atendem.
Os tópicos das entrevistas abordaram as seguintes questões: os sentidos que
os adolescentes produzem em relação aos seus atos “ditos” infracionais; que sentidos são
produzidos pelos adolescentes a partir do olhar social; como é produzido o sentido da medida
sócio-educativa, Liberdade Assistida, pelos adolescentes em conflito com a lei.
1 Termo utilizado para definir uma Entrevista inicial.
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A análise e a compreensão dos dados foi feita com base nos pressupostos
teóricos e metodológicos da produção de sentidos, dentro do paradigma do Construcionismo
Social elaborados por Mary Jane Spink (1999).
O Construcionismo Social entende a produção de sentido como uma
construção social interativa, diferente do Construtivismo, que vê a produção de sentido como
uma atividade intra-individual.
Os sentidos são construídos a partir do contexto sócio-econômico, cultural e
político em que o indivíduo está inserido. A produção de sentido sobre as coisas é uma
atividade que o homem desenvolve em suas relações, as quais são permeadas por uma
diversidade de discursos.
Construcionismo Social entende a produção de sentido como uma
construção social interativa, diferente do Construtivismo que vê a produção de sentido como
uma atividade intra-individual. O construcionismo social é uma vertente da psicologia social,
e tem sua base teórica fundamentada na sociologia, antropologia e filosofia, o que nos oferece
uma visão histórico-político, econômico, social e cultural. Então percebemos o homem em
sua construção social que cresce e amuderece nesta relação.
Construcionismo Social entende a produção de sentidos, como uma
construção social interativa, na qual o sujeito produz seus sentidos no contexto ao qual esta
inserido e na sua relação com o mesmo. Trabalhamos então numa pesquisa qualitativa de
onde partimos da qualidade do discurso do sujeito.
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Os sentidos são construídos a partir do contexto sócio-econômico, cultural e
político em que o indivíduo está inserido. A produção de sentido sobre as coisas é uma
atividade que o homem desenvolve em suas relações as quais são permeadas por uma
diversidade de discursos.
Esta pesquisa não seguiu uma leitura específica, fomos em busca de autores
que percebem a adolescência como construção. Um exemplo de autor Carmem Oliveira que é
psicanalista contemporânea e que sua teoria coube perfeitamente em nossa fundamentação,
por ter uma visão da adolescência como construção. Porém, leituras que percebem o homem
como um agente determinista, ou uma visão desenvolvimentista não se adequaram.
4.1Participantes
Fizeram parte da pesquisa cinco adolescentes do sexo masculino, cuja idade
oscila entre 16 e 20 anos2, e que estão em cumprimento da medida sócio-educativa –
Liberdade Assistida, por terem se envolvido em infrações. Os critérios utilizados para a
escolha dos participantes, foram: quanto a disponibilidade de cada um deles; e que estivessem
iniciando o cumprimento da medida.
2 Aqui entendemos adolescentes como aquele que está vivendo um período de transição, uma atitude cultural e, portanto, não é compreendido como fase natural de desenvolvimento humano. Assim, sua faixa etária oscila, diferente da visão jurídica que entende adolescente aquele maior de 12 e que não atingiu 18 anos.
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5 O ATO INFRACIONAL
Em sua obra, Foucault (2002), nos explica um pouco sobre a produção da
verdade, que seria inventada. Se pensarmos a adolescência como uma verdade inventada, ou
seja, criada pelo mundo moderno, é possível entender todas as mudanças na legislação
destinada a estes jovens.
Nosso país possui cerca de 25 milhões de adolescentes entre 12 e 18 anos.
Deste total, 10 em cada 10 mil praticam algum ato infracional que ocasiona uma medida
sócio-educativa, sendo que mais de 70% dos delitos cometidos são contra o patrimônio
(CASTRO, 2002).
De acordo com Volpi (1999), apenas 10% do total das infrações ocorridas
são cometidas por adolescentes. Hoje no Brasil, existem cerca de 4.100 jovens com menos de
dezoito anos privados de liberdade. Isso corresponde a apenas 3% do total de todos os adultos
presos no país.
No país, há registros de atos violentos cometidos por adolescentes desde o
século XIX. As grandes cidades eram espaços povoados por crianças pobres e “vadias”, que
cometiam delitos e eram presas em cadeias públicas como criminosos comuns.
Nos primeiros anos do século XX surgiram projetos legislativos defendendo
o direito dos adolescentes e, em 1913, foi criada a primeira instituição para atender o infrator,
era o Instituto Sete de Setembro.
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Desde então, as instituições de atendimento as crianças e adolescentes foi
evoluindo, passando pelo Serviço de Assistência ao Menor – SAM, depois pela Fundação
Nacional de Bem Estar do Menor – FUNABEM. Segundo Gonçalves (2002), até o fim da
década de 80 a lei que “amparava” as crianças e adolescentes de nosso país era o Código de
Menores.
Segundo Sêda, vivia-se sob uma doutrina social e legal para meninos e
meninas que era a da “menoridade absoluta”, ou da doutrina da situação irregular que era
qualquer condição de vida que requeressem medidas de proteção ou de reeducação. “Ser
pobre, vítima de abuso, maltrato, exploração, abandono da família, do Estado ou da
sociedade, já era motivo para uma criança ou adolescente ser privado de liberdade” (apud
GONÇALVES, 2002).
Nessa época, era comum, por exemplo, encontrar adolescentes na FEBEM,
por estarem perambulando nas ruas.
Com a aprovação da Constituição Brasileira, baseada na Doutrina da
Proteção Integral, que via as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, inimputáveis
até os 18 anos e sujeitos às normas da legislação especial, o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA.
Dessa forma, foi abolido o Código de Menores, que era estigmatizante e
preconceituoso, substituindo-se, assim, o discriminador termo “menor”, pelos termos,
“criança” e “adolescente”, que se tornam cidadãos – sujeitos de direitos, pessoas em
desenvolvimento que devem ser tratadas com prioridade absoluta.
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Procurando definir o que significa o ato infracional, destacamos algumas
citações.
O artigo 113 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, entende por
ato infracional, a “conduta descrita como crime ou contravenção penal” e, crime, seria
“toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena” (FRAGOSO, 2003).
Segundo definição de Oliveira:
“O delito somente pode ser entendido como um fato datado geográfica
e historicamente, uma vez que determinado comportamento legal em
uma sociedade, em uma cultura específica ou em um período histórico
torna-se ilegal em um outro contexto. É por isto que os critérios são
mutáveis culturalmente, tanto na tipologia dos atos infracionais quanto
nos limites etários, que variam de tempos em tempos e de lugar para
lugar” (OLIVEIRA, 1999, p. 27).
De acordo com Bock (1999), “o infrator é aquele que transgrediu alguma
norma ou alguma lei tipificada no Código Penal ou no sistema de leis de uma determinada
sociedade”, o infrator é aquele que cometeu um crime – a infração – e será punido por isso,
isto é, terá uma pena também prevista em lei e aplicada pelo juiz ou seu representante.
Atos infracionais, cometidos por adolescentes, devem ser analisados dentro
de um contexto maior, que envolve situação familiar, social e principalmente pessoal.
O sistema sócio-econômico, político e familiar, fornece as condições para o
ato infracional, que reflete em todos os parâmetros da sociedade.
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Assim, os atos de infração revelam a problemática envolvida em uma
sociedade.
Segundo o Senador José Lindoso:
“Dentro desse contexto, o adolescente deve ser considerado como
vítima de uma sociedade de consumo, desumana e muitas vezes cruel,
e como tal deve ser tratado e não punido, preparado profissionalmente
e não marcado pelo rotulo fácil de infrator, pois foi a própria
sociedade que infringiu as regras mínimas que deveriam ser oferecidas
ao ser humano quando nasce, não podendo, depois, agir com
verdadeiro rigor penal contra um menor, na maioria das vezes
subproduto de uma situação social anômala. Se o menor é vitima,
devera sempre receber medidas inspiradas na pedagogia corretiva”
(apud NOGUEIRA, 1998. p. 4).
De acordo com os comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,
“tanto o infante como o adolescente não passam de menores e, como tais, devem ser tratados,
assistidos, amparados, reeducados, reconhecendo-se os seus direitos, mas dando-lhes também
responsabilidade, pois só assim serão participantes cônscios de uma nova sociedade livre, mas
responsável” (NOGUEIRA, 1998, p. 12).
Para Oliveira (1999), essa fase de delinqüência, que muitos autores colocam
como “normal” ou benigna para o período adolescente, tem que ser distinguida como uma
conduta juvenil desaprovada pela sociedade ou reveladora das dificuldades dos adolescentes e
aquela determinante de uma intervenção do Estado.
Sobre a adequação da medida sócio-educativa a cada delito, Gemelli afirma:
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“É necessário adequar a pena a quem consumou a ação delituosa, as
suas condições subjetivas, que, em sua variedade, configuram-se na
personalidade do delinqüente e na atividade e atitudes suas, assim
como as condições sociais em que a ação delituosa foi consumada (...)
é necessário, também, reconstruir a gênese do delito e enquadrar tal
ação na personalidade de quem a realizou, e no modo em que foi
elaborada e com base nos dados recolhidos, infligir uma pena que vise
a reeducar quem violou a lei” (apud COSTA, 1986, p. 87).
Consoante Bocca (2002), “pode-se dizer que o adolescente que se encontra
em conflito com a lei expressa através de seus atos, o “mal-estar”de sua experiência de
abandono físico e afetivo, seus desassossegos, suas angústias, o preconceito vivido e a falta de
oportunidade em meio a sociedade”, o qual acaba sendo visto apenas como o agente da
violência e não como vítima da desorganização social.
Para Marques (1999), no que diz respeito ao autor do crime, o Código
vigente não o pune pelo seu modo de ser, e sim por aquilo que fez em determinação da ordem
jurídica, mas depois de verificar e avaliar a criminalidade de sua conduta, dosa e gradua a
sanção cabível considerando os fatores pessoais que lhe marcam a individualidade concreta de
agente do crime.
Para Volpi (1999), “a prática do ato infracional não é incorporada como
inerente à sua identidade, e vista sim como circunstância de vida que pode ser modificada”.
A violência e a agressão são fatores comuns na história de vida de
adolescentes em conflito com a lei. A agressão entre familiares é constante, como situações de
ameaça a sua integridade física e segurança, como brigas entre gangues.
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O adolescente contemporâneo não está confortável nem se sentindo bem em
sua época histórica, comenta Oliveira (1999), e isso faz com que ele se enuncie através de
comportamentos delitivos. Todos buscam o reconhecimento e o desenvolvimento da
autonomia, mas nem todos têm oportunidade para isso.
A prática do ato infracional leva a desadaptação e prejudica a vida social,
emocional e cognitiva do adolescente.
As medidas coercitivas desempenham um papel limitado, criam uma
desvantagem: tornar necessária uma força externa vigilante e permanente, porque do ponto de
vista psicológico, a coerção não possui necessariamente a propriedade de despertar no
culpado o sentimento de culpa, ao contrário, o castigo congela e endurece, aguça sentimentos
de aversão, conduz a uma humilhação voluntária, retarda o desenvolvimento da culpabilidade.
A repressão punitiva só manifesta ao adolescente que seu gesto não foi
entendido como deveria, o que pode levá-lo a aumentar a dose de rebeldia. Como disse
Foucault (2002), a punição é tudo que é capaz de fazer alguém sentir a falta que cometeu,
tudo que for capaz de humilhar ou de confundir. O castigo disciplinar tem como função
reduzir desvios.
Através do delito, haveria uma inequívoca busca de auto-afirmação na
forma de exibicionismo e atrevimento, conseguindo adquirir o reconhecimento de sua
coragem, todos lhe olhando e temendo-o, não lhe causava constrangimento ser identificado
como ladrão, ao contrário, sentia-se o máximo, dando lugar a lei do mais forte, relacionando o
poder à vontade de dominar.
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Podemos ainda identificar intenções de disputa, evidenciando que
rivalização com o outro é uma estratégia fundamental para a auto-afirmação, é preciso superar
o outro e até mesmo dominá-lo para o sujeito se sentir valorizado.
Baseando-se em Volpi (1999), entendemos o quanto é importante a
integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança
Pública e Assistência Social. Integração esta que, inclusive, vem sendo reclamada na maioria
dos estados brasileiros, porque sua inexistência resulta no desrespeito dos direitos dos
adolescentes ou extrapolação dos prazos legais, mantidos em delegacias de adultos, ficando
expostos a graves riscos, como sua integridade física.
O adolescente “dito” infrator carrega consigo importantes cicatrizes
policiais, jurídicas, familiares e sociais durante toda a idade adulta. O ato infracional está
freqüentemente associado com o consumo de álcool, uso de substâncias ilícitas e fazem parte
de famílias que apresentam, concomitantemente, instabilidade familiar e desorganização
social.
5.1 Medidas Sócio-Educativas
No Brasil, desde a época do Império, nos primórdios da Constituição
Federal Brasileira, o artigo 228 da Carta Magna já previa a inimputabilidade dos menores de
18 anos e sujeição às normas da legislação especial.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, visa a normalização dos
cuidados para com a infância e a juventude de forma a garantir-lhes as melhores condições
para seu desenvolvimento.
São duas as instituições sociais que se responsabilizariam por tal proteção: a
família e a instituição de acolhimento.
O resgate do significante abandono através da manutenção da história de
vida das crianças, a colocação em família substituta ou permanência na instituição como
conseqüência do abandono inicial e uma substituição que seja apoiada numa falta é mais
importante que a manutenção de um ideal familiar ilusório.
Volpi (1999), vê as medidas sócio-educativas como uma maneira de
proteger e garantir o conjunto de direitos, oferecendo oportunidade de educar para reinserir o
adolescente na vida social. E esse processo se dá através de ações que propiciem a educação
formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente.
Essa condição de sujeito de direitos implica ao adolescente a necessidade de
participação nas decisões de seu interesse e no respeito à sua autonomia, no contexto do
cumprimento das normas legais.
O desenvolvimento integral da criança e do adolescente é responsabilidade
do Estado, da sociedade e da família, pois as medidas sócio-educativas constituem-se em
condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis, mas isso, muitas
vezes só se encontra na teoria, porque infelizmente a realidade desses jovens é bem diferente.
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Existe uma dicotomia entre a produção teórica sobre a criança e o
adolescente e o atendimento dispensado a eles. Rizzini, diz que esta dicotomia, que existe
desde a criação do primeiro Juízo de Menores, está desde os dias atuais, porque na maioria
das regiões do país a implementação efetiva das mudanças preconizadas pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, só ocorreu no plano legal (apud, CASTRO, 2002).
Para Souza (2002), a medida sócio-educativa, além de proteger o infrator,
com a assistência psicológica e social, tem por objetivo reverter o seu potencial criminógeno
para que venha a se tornar um cidadão útil e integrado à sociedade.
Outro objetivo fundamental é o da prevenção especial, consiste em eliminar
ou reduzir as possibilidades da reincidência, procurando-se impedir a repetição da conduta
anti-social.
Sobre a política de atendimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
disciplina:
“Art. 92. As entidades que desenvolvem programas de abrigo deverão
adotar os seguintes princípios, entre eles: preservação dos vínculos
familiares; não desmembramento do grupo de irmãos; evitar
transferências para outras instituições; preparação para o
desligamento”.
Nas entidades de abrigo o afeto aparece sob a forma de “preservação dos
vínculos familiares”, a instituição substitui, em parte, as funções familiares, mas o afeto,
vínculos e o futuro pertencem à família, enquanto que a manutenção da integração social
cabem a instituição.
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Nos programas de internação a questão do afeto é desfocada, assim como a
do retorno ao convívio familiar. É através da história que se preservará a ideologia familiar e
se procurará “dar um salto” para o convívio social, principalmente através da educação.
A verdade é que a família nem sempre é o melhor meio de convivência para criança.
Volpi (1999), compreende que os adolescentes ditos infratores são excluídos
do convívio social, pois é um exercício difícil para a sociedade reconhecer nesses jovens um
cidadão, mas nem percebem que eles são conseqüências produzidas pelos desajustes da
própria sociedade.
Pela necessidade de oferecer condições dignas de atendimento que
possibilitem a construção de projetos de vida, rompendo com a prática do ato infracional, os
menores de 18 anos ficam sujeitos as normas da legislação especial, o Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA, e recebem sanções designadas como medidas sócio-educativas. Para
tanto, se considera a idade do adolescente a data do fato (art. 104 do ECA). A medida a ser
aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a
gravidade da infração. Essas medidas são:
5.1.1 Advertência
A advertência consiste em admoestação verbal ao adolescente autor de ato
infracional (arts. 112, inciso I e 115 do ECA).
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Só deve ser usada para primeira infração e ser reservada aos atos
infracionais leves. É usada como forma de tomada de consciência e de alerta tanto para o
adolescente quanto para seus pais.
5.1.2 Obrigação de Reparar o Dano
A medida consiste na restituição da coisa ou ressarcimento do prejuízo
causado à vítima, de qualquer forma (art. 116 do ECA).
5.1.3 Prestação de Serviços à Comunidade
O Estatuto da Criança e do Adolescente define a prestação de serviços à
comunidade:
“Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização
de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis
meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros
estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários
ou governamentais.
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Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do
adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito
horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de
modo a não prejudicar a freqüência a escola ou a jornada normal de
trabalho”.
É importante lembrar que é nesta medida sócio-educativa que deveriam ser
implantados os programas de prevenção, pois aqui existe uma preocupação social que é
mostrar aos adolescentes em cumprimento que eles podem serem úteis a sociedade tendo
dignidade e trabalhando.
5.1.4 Regime de Semi-liberdade
Além de poder ser determinado desde o início, consiste na progressão da
medida de internação para o regime aberto, possibilitando a realização de atividades externas
(art. 120 do ECA).
Não tem prazo determinado, aplicando-se as disposições relativas à
internação.
No entanto, para cumprimento da medida são obrigatórias a escolarização e
a profissionalização.
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5.1.5 Internação
Segundo Souza (2002), tamanhas dificuldades indicam ser imprescindível a
determinação de se levar a termo a execução de medidas sócio-educativas, reservando a
privação de liberdade aos casos em que o infrator represente perigo concreto e contínuo à
tranqüilidade social.
Ainda, quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça
ou violência a pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves, ou por
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
O fato é que não há privação de liberdade feliz.
A medida não permite nenhuma modificação interior, não permite equilíbrio
entre corpo e espírito, em ambiente de intensa carga negativa onde as pessoas estão sempre
mostrando dor e sofrimento, na batalha diária da sobrevivência.
“Constitui medida privativa de liberdade” (art. 121 do ECA), aquela que não
tem prazo determinado, sendo o infrator avaliado a cada seis meses, sem ultrapassar três anos,
com a liberação compulsória aos vinte e um anos.
Para Winnicott, privação não se trata de uma simples carência, mas de uma
perda de algo que foi retirado. Pois diante disto o sujeito é levado a buscar um
reconhecimento externo (apud OLIVEIRA, 1999).
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5.1.6 Liberdade Assistida
Esta pesquisa é contextualizada nesta medida, pelo fato de que a maioria dos
adolescentes em conflito com a lei, na cidade de Cascavel, está inserido neste programa.
Conforme disposto no artigo 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo
a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o
orientador, o Ministério Público e o defensor (art. 118, § 2º do ECA).
A medida, Liberdade Assistida, é imposta aos adolescentes em conflito com
a lei e consiste em submete-los a um conjunto de condições no seu modo de viver, cujo
cumprimento fica sujeito a acompanhamento, geralmente realizado por assistentes sociais.
Tem como finalidade vigiar, auxiliar, tratar e orientar o rumo mais adequado
para que supere as adversidades sem cair na marginalidade. Para tanto, deve-se levar em
consideração o contexto sócio-econômico e cultural em que o adolescente se encontra.
Volpi (1999), comenta que a Liberdade Assistida constitui-se numa medida
coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente
(escola, trabalho e família).
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Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado,
garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de
vínculos familiares, freqüência à escola e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos
profissionalizantes e formativos.
Assim, os programas de Liberdade Assistida devem ser estruturados no
nível municipal, preferencialmente, localizados nas comunidades de origem adolescente.
Devem ainda ser gerenciados e desenvolvidos pelo órgão executor no nível
municipal em parceria com o Judiciário, que supervisiona e acompanha as ações do programa.
O programa de Liberdade Assistida exige uma equipe de orientadores
sociais tendo como referência a perspectiva do acompanhamento personalizado, inserido na
realidade da comunidade de origem do adolescente e ligado a programas de proteção e/ou
formativos. Tanto o programa como os membros da equipe passam a constituir uma
referência permanente para o adolescente e sua família.
A Liberdade Assistida poderá ser desenvolvida por grupos comunitários
com orientadores voluntários, desde que os mesmos sejam capacitados, supervisionados e
integrados à rede de atendimento ao adolescente.
A modalidade de Liberdade Assistida Comunitária tem se mostrado muito
eficiente pelo seu grau de envolvimento na comunidade e de inserção no cotidiano dos
adolescentes acompanhados, devendo ser estimulada e apoiada.
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Tal medida impõe algumas regras, como: não reincidência em infrações
penais; recolher-se a residência em determinado horário; submeter-se a tratamento
psicológico; estar freqüentando uma escola e apresentar-se regularmente no local de
cumprimento da medida.
Em Cascavel, o acompanhamento e a orientação são realizados
principalmente por assistentes sociais, que são incumbidas de estabelecer contato permanente
com os adolescentes e suas respectivas famílias ou responsáveis, orientando e ajudando na
obtenção de trabalho, nos estudos e na participação comunitária. Além disso, são as
assistentes sociais que enviam os relatórios para o juiz responsável, que fazem reavaliação da
medida cautelar a cada seis meses, como também mantêm o magistrado informado sobre as
irregularidades referentes aos adolescentes, como faltas, estar fora da escola e
comportamento.
Verificando os dados do ano de 2002 temos que, dos 81 adolescentes que
passaram pelo programa Liberdade Assistida, 29 continuam em cumprimento; 17 cumpriram;
16 reincidiram; 13 não cumpriram; 05 faleceram; e 01 foi transferido para outro município.
Quanto à faixa etária, 14 adolescentes têm 18 anos de idade; 09 adolescentes
têm 17 anos de idade; 07 adolescentes têm 16 anos de idade; e 03 adolescentes têm 15 anos de
idade.
No tocante às infrações cometidas, 12 adolescentes praticaram furto; 07