Universidade Federal de Campina Grande Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1 ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765 LETRAMENTO SURDO NA LIBRAS (L1) E NA LÍNGUA PORTUGUESA (L2) NA EDUCAÇÃO BÁSICA MEDEIROS, Maria Gorete de Profa. Ms. Unidade Acadêmica de Educação da UFCG [email protected]ALVES, Kledson de Albuquerque (SURDO) Aluno Curso de Especialização Psicopedagogia Institucional com Habilitação em Educação Especial da Unidade de Ensino Superior do Sertão da Bahia [email protected]CABRAL, Maria do Socorro Leal Professora da EDAC 1 [email protected]RESUMO O processo de alfabetização do surdo ocorre na educação básica. Na perspectiva bilíngue, a alfabetização de surdos requer processo de Letramento na LIBRAS (L1) e na língua portuguesa (L2), mas na condição de que o Letramento do português depende da formação de seu sentido na LIBRAS. Pelas limitadas interações em LIBRAS, o Letramento para o surdo é uma questão difícil de acontecer, já que precisa vivenciar enfaticamente a LIBRAS. Neste caso, a escola tem extrema responsabilidade no uso da LIBRAS para que o surdo seja favorecido na aquisição das línguas, no aprender por meio da LIBRAS e no aprender das línguas. O objetivo deste artigo é explicar a importância da Literatura Visual/Surda como instrumento mediador do processo de Letramento. Partindo da obra ―O Patinho Surdo , se oferta proposições analíticas sobre como o professor precisa escolher e manejar as histórias num contexto pedagógico de ensino às crianças surdas; também como inserir outras atividades que incentivem à produção de pequenos textos em L1 e L2, sendo esses diversificados em portadores, para que o aluno possa fazer uso do conhecimento de mundo que possui e 1 EDAC corresponde a Escola Estadual de Audiocomunicação Demóstenes Cunha Lima, escola especial para alunos surdos de Campina Grande-PB
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LETRAMENTO SURDO NA LIBRAS (L1) E NA LÍNGUA PORTUGUESA (L2) NA EDUCAÇÃO BÁSICA
MEDEIROS, Maria Gorete de Profa. Ms. Unidade Acadêmica de Educação da UFCG
O processo de alfabetização do surdo ocorre na educação básica. Na perspectiva bilíngue, a alfabetização de surdos requer processo de Letramento na LIBRAS (L1) e na língua portuguesa (L2), mas na condição de que o Letramento do português depende da formação de seu sentido na LIBRAS. Pelas limitadas interações em LIBRAS, o Letramento para o surdo é uma questão difícil de acontecer, já que precisa vivenciar enfaticamente a LIBRAS. Neste caso, a escola tem extrema responsabilidade no uso da LIBRAS para que o surdo seja favorecido na aquisição das línguas, no aprender por meio da LIBRAS e no aprender das línguas. O objetivo deste artigo é explicar a importância da Literatura Visual/Surda como instrumento mediador do processo de Letramento. Partindo da obra ―O Patinho Surdo‖, se oferta proposições analíticas sobre como o professor precisa escolher e manejar as histórias num contexto pedagógico de ensino às crianças surdas; também como inserir outras atividades que incentivem à produção de pequenos textos em L1 e L2, sendo esses diversificados em portadores, para que o aluno possa fazer uso do conhecimento de mundo que possui e
1 EDAC corresponde a Escola Estadual de Audiocomunicação Demóstenes Cunha Lima, escola especial
para alunos surdos de Campina Grande-PB
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sua relação com a língua escrita. Autores como QUADROS e SCHMIEDT (2006), SILVA (2010), FERNANDES (1999) e MEDEIROS (2013) serviram de referências para este trabalho. Palavras-Chave: Letramento Surdo. Literatura Visual. Línguas.
Introdução
Sob a influência da perspectiva bilíngue, a alfabetização de crianças surdas
requer processo de letramento na L1(Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS) e na L2
(português escrito). A respeito disto, Silva (2010) informa que a partir da condição de
que o letramento do português por parte do surdo depende da formação de seu
sentido na Língua de Sinais (LS), é possível concluir que o processo de letramento entre
crianças surdas e ouvintes se dá de forma diversa: as ouvintes se fundamentam no
conhecimento oral de todas as experiências linguísticas internalizadas, enquanto as
surdas precisam se fundamentar no conhecimento viso-espacial de todas as
experiências linguísticas internalizadas.
Considerando o fato de que a maioria dos surdos nasce em lares de famílias
ouvintes que usam a língua oral (que não tem muita significação para o surdo), ainda
que, dessas famílias, considerável parte não investe para aprender a LS nem procura
oferecer condições para que a criança aprenda a sua L1 nas primícias dos seus anos, o
letramento para o surdo é uma questão difícil de acontecer ao modo como acontece
com a criança ouvinte. Neste caso, as limitadas interações que estas crianças
experimentam em casa geralmente se resumem ao uso de poucos gestos
representativos, que os parentes criam para garantir as interações interpessoais no
âmbito doméstico.
Se o processo de letramento do português depende da constituição de seu
sentido na LS, significa que já no ambiente doméstico a criança precisa aprender e
interagir pelo menos boa parte do tempo em LS, pois as relações cognitivas que
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formam a base para o desenvolvimento escolar estão diretamente relacionadas à
capacidade da criança organizar suas ideias e pensamentos através da sua L1. Isto
significa que o processo de aquisição da L2 vai se esboçando através da descoberta da
L1 e nas relações estabelecidas através dela. Nessa dinâmica cognitiva, não há só uma
transferência de conhecimentos da L1 para a L2, mas um processo paralelo de
aquisição e aprendizagem no qual as duas línguas apresentam seus respectivos papéis
e valores sociais representados.
Como o surdo possui experiência visual muito aguçada, tendo em vista que a
ausência do sentido da audição estimula o corpo a supri-la pela visão, além da L1 e L2
a criança surda também precisa utilizar outros códigos visuais. Por isto é
imprescindível que estes estejam presentes nos ambientes onde são possíveis as
condições de letramento.
Com características viso-espaciais, a L1 inscreve-se no lugar das experiências
visuais. Por isto os recursos visuais como desenhos, fotografias, cartazes e outras
experiências concretas são auxílios que não podem faltar na comunicação porque
(enquanto pistas pictográficas) enriquecem o conteúdo e estimula o hemisfério
cerebral não linguístico, facilitando o processo de internalização para os alunos surdos.
Desta forma, a imagem se constitui num ingrediente que não deve ser relegado ao
segundo plano em propostas educacionais relacionadas ao ensino inclusivo às pessoas
surdas. Essas propostas se tornam mais interessantes quando esses recursos são
construídos conjuntamente por professor e aluno surdo, valorizando a escrita da L2,
promovendo aprendizagem expressiva e enriquecedora.
Para a criança surda a literatura infantil precisa ser uma constante tanto no
meio familiar, quanto no escolar e no religioso, porque pesquisas já comprovaram que
elas aprofundam seu conhecimento e aprendizagem através da fantasia, cultura e LS,
ao modo de poderem perceber e comparar o mundo dos surdos com o dos ouvintes. É
sob essa perspectiva, que objetiva-se oferecer explicações sobre a importância da
Literatura Visual/Surda como instrumento mediador do processo de letramento da
criança surda. Após isto, utilizando-se da obra ―O Patinho Surdo‖, se oferta
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proposições analíticas a respeito do modo como o professor precisa escolher e
manejar as histórias num contexto pedagógico de ensino às crianças surdas, inserindo
atividades que estimulem o aprendente surdo a produzir pequenos textos em L1 e L2,
diversificados em portadores, para que o aluno possa fazer uso do conhecimento de
mundo que possui e sua relação com a língua escrita.
1- Importância da Literatura Visual/Surda para a Alfabetização
Karnopp conseguiu apresentar uma conceituação simples de Literatura Surda
que transmite todo o sentido que se faz necessário à compreensão desse conceito:
―Literatura Surda é a produção de textos literários em sinais, que traduz a experiência
visual, que entende a surdez como presença de algo e não como falta, que possibilita
outras representações de surdos e que considera as pessoas surdas como um grupo
linguístico e cultural diferente‖ (KARNOPP 2010, p.161). Ressaltando os três elementos
que são identificadores do povo surdo, a autora explica que a cultura surda, a
experiência visual e a língua de sinais constituem-se no tripé que apoia o encontro e a
vida da comunidade surda.
Sobre os gêneros textuais relacionados à Literatura Surda, Quadros (2006)
menciona que eles são fundamentais no processo de alfabetização da criança surda.
Esta importância é atribuída porque a produção de contadores de estórias
espontâneas, bem como de contos (que passam de geração em geração) são exemplos
de literatura em sinais que precisam fazer parte do processo de alfabetização de
crianças surdas.
A relevância do trabalho desses gêneros em salas de alfabetização de crianças
surdas não só ocorre em função do aprendizado da LIBRAS, mas também da língua
portuguesa. A esse respeito, a mesma autora considera que, no geral, a
impossibilidade do domínio da leitura em português pelo surdo não acontece porque o
mesmo seja incapaz de aprender a ler em L2. Na percepção da autora supra referida,
isto acontece devido ao fato de a maioria das práticas pedagógicas que são aplicadas
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no ensino ao qual esse aluno é submetido não lhe possibilita esse aprender. Isto
significa que, ao longo do tempo, no geral as práticas pedagógicas não têm
considerado o fato de a língua portuguesa ser a segunda língua para o surdo,
ocasionando em que, geralmente, as metodologias aplicadas têm sido inadequadas
para as necessidades desse aluno. (FERNANDES, 1999).
Na prática pedagógica, os alunos deverão ter experiências com o uso
e funções da leitura e da escrita no meio social, através de leitura de
textos, de contos, releitura dos mesmos, da utilização do dicionário
de língua de sinais, o sinal e a palavra, ou o desenho e a palavra, e
também a escrita em LIBRAS, jogos para o desenvolvimento da
consciência grafêmica, léxico-semântica e morfológico-sintática além
de participar e observar ações de leitura, criar e utilizar uma
biblioteca em sala de aula, conhecer as principais convenções da
escrita: direcionamento, horizontalidade, tipo de escrita, sinais de
pontuação, etc., reconhecer palavras, letras e sílabas. (SILVA, 2010, p.
07)
Sob esta perspectiva, é necessário compreender que, enquanto modalidade
diferente da língua oral, a LS é efetuada no espaço pela emissão de sinais visuais
através das configurações de mão, dos movimentos, das expressões faciais, das
localizações, dos movimentos do corpo, do espaço de sinalização e dos classificadores.
Assim sendo, todos esses parâmetros precisam ser explorados durante o processo de
alfabetização dos surdos, para que estes possam desenvolver sua competência
linguística tanto para usar a L1 nas comunicações com seus pares e com os ouvintes
que sabem Libras, quanto para adquirir os fundamentos necessários à aquisição do
português escrito. Neste caso, é interessante deixar claro que o sentido desse processo
ocorre pela ênfase à Libras
usada na escola para aquisição das línguas, para aprender por meio
dessa língua e para aprender sobre as línguas. A língua portuguesa,
portanto, será a segunda língua da criança surda sendo significada
pela criança na sua forma escrita com as suas funções sociais
representadas no contexto brasileiro (QUADROS e SCHMIEDT, 2006,
p. 17).
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Nessa direção, literatura infantil ganha importância como tema central
sendo ela a desencadeadora de questões que desafiam o processo de
interação do sujeito surdo com o mundo e com isso levam a um
processo de assimilação e por isso na construção de conhecimento.
(...) Nesse sentido, a literatura infantil foi tomada como instrumento
mediador, já que, além de divertir os pequenos leitores, leva-os, de
maneira lúdica, a perceberem e a interrogarem a si mesmos e
ao mundo que os rodeia, orientando seus interesses, sua
necessidade de autoafirmação ou de segurança. (SILVA, 2010,
p, 07 e 08)
Nessa concepção, ao manejar as histórias infantis num contexto pedagógico de
ensino às crianças surdas, enquanto mediador o professor prima pela escolha de
histórias que sejam pertinentes à realidade dos Surdos2. Também deve privilegiar
explorações visuais, ajustadas pelos recursos e materiais pedagógicos dentro desta
perspectiva de educação para surdos. Neste caso, é relevante que nesse processo
sejam reconhecidos os interesses literários e a faixa etária dos seus alunos, para
reforçar uma relação cada vez mais significativa com a história abordada.
A preparação da narração das histórias infantis requer a definição de objetivos
relacionados à intenção de enfocar valores, atitudes, informações, sentimentos,
conhecimentos de mundo que os alunos surdos trazem de seu cotidiano. Mesmo
assim, precisa haver uma margem de flexibilidade para que as atividades do trabalho
pedagógico possam ser reestruturadas no momento em que as crianças aspiraram a
novos conhecimentos, temas, brincadeiras ou jogos que queriam explorar.
Um procedimento importante é o reconto da história pelos alunos,
sendo considerada uma estratégia utilizada na organização dos
esquemas narrativos, do pensamento, da expressão e também para a
ampliação do vocabulário em língua de sinais. Neste sentido, vale
destacar que os alunos podem também recriar novas histórias,
2 O emprego da letra S maiúscula denota uma visão política sobre a surdez, no sentido de compreender
o Surdo como sujeito que tem seus direitos linguísticos, sociais, educacionais e culturais próprias e diferentes dos ouvintes.
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mesmo não sabendo ler ou escrever, tendo como base as suas
experiências de mundo, sua imaginação, retratando as percepções do
ambiente que o cerca. (SILVA, op. cit. p. 10)
Depois da narração da história, realizar atividade de dramatização através da
qual a criança possa se expressar espontaneamente é uma excelente pedida, tendo em
vista que a pessoa surda em qualquer idade possui excelência nata para a expressão
dramática através dos movimentos do corpo e da expressão facial, podendo esta ser
reforçada e expandida através de atividades de encenação dramática.
A relevância da atividade de dramatização estende-se pelo fato de permitir que
o aluno invente, pense, lembre, experimente, relaxe e faça relações com o mundo que
o circunda. Além da dramatização, podem ser sugeridas outras atividades que
abarquem diferentes áreas do conhecimento, que incentivem à produção de pequenos
textos em L1 e L2 sendo esses diversificados em portadores, para que o aluno possa
fazer uso do conhecimento de mundo que possui e sua relação com a língua escrita.
Também pode ser sugerida a confecção de listas de palavras (para serem utilizadas em
atividades posteriores), palavra com o desenho, desenho e o desenho do sinal
correspondente ao referente, produção de álbum da história, dentre outras opções
metodológicas.
2. Algumas proposições metodológicas a partir da obra “O Patinho Surdo”3
Desenvolvendo um preâmbulo analítico, pode-se dizer que ao se relacionar a
história ―O Patinho Surdo‖ com os tipos de Literatura Surda apresentados por
Mourão (2011), fica claro que ela se encaixa no tipo denominado de adaptação, uma
vez que alguém amoldou a história ―O Patinho Feio‖, que retrata a cultura dos
ouvintes, para outra que coloca seus personagens como surdos num contexto que se
adéqua à cultura surda. Podem-se encontrar outras obras adaptadas como ―Cinderela
3 Esta obra está disponível em vídeo no https://youtu.be/cMqw8sneshc . A história é apresentada sob a
apresentação de legenda escrita em língua portuguesa.
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Surda‖ e ―Rapunzel Surda‖. Além da obra adaptada à realidade surda também se tem
dois outros tipos, dos quais um deles é denominado de tradução e o outro de criação.
O primeiro é caracterizado pela condição de textos da literatura escrita por ouvintes
serem traduzidos para a LIBRAS, como por exemplo: ―Patinho Feio‖, ―Cinderela‖,
―Rapunzel‖ dentre outros. O segundo caracteriza-se por se constituir de textos
criados e sinalizados por surdos, como exemplo o livro de Tibi e Joca (Bisol, 2001) e o
de Casal Feliz (Cleber Couto, 2010)4.
De acordo com Quadros e Schmiedt (2006), a ordem metodológica para se
trabalhar a leitura e a escrita em língua portuguesa como L2 corresponde às seguintes
afirmativas: a compreensão precede a produção. Logo, a leitura precede a escrita.
Em se tratando de leitura no contexto do aluno surdo, existem cinco (5) níveis
de leitura que podem ser explicados da forma que se segue:
1- Nível do concreto-sinal: equivale à leitura do sinal que representa coisas
concretas e diretamente relacionadas com a criança.
2- Nível do desenho-sinal: equivale à leitura do sinal associado com o desenho
que pode representar o objeto em si e/ou a forma da ação representada por
meio do sinal.
3- Desenho-palavra escrita: equivale a ler a palavra representada por meio do
desenho relacionado com o objeto em si ou a forma da ação representada por
meio do desenho na palavra.
4- Alfabeto manual-sinal: equivale a determinar a relação entre o sinal e a
palavra no português, soletrada por meio do alfabeto manual.
5- Palavra escrita no texto: equivale a ler a palavra no texto escrito em
português.
4 Tibi e Joca é um livro produzido por Bisol (2001) que conta a história da vida de um surdo, retratando a
realidade existente na comunidade surda. Casal Feliz é um livro escrito por Cleber Couto que fala sobre encontros entre a mão vermelha e a mão azul.
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O fato de a leitura preceder a escrita implica na ocorrência de que, na medida
em que o aluno compreende o texto também começa a produzir e a escrever textos.
Isto significa que o processo da escrita vai se construindo através do registro das
atividades que são realizadas em sala de aula e das experiências que são vividas pela
própria criança.
Mediante o descrito acima, pode-se confirmar que as atividades que são
sugeridas para a leitura e a escrita da língua portuguesa, como L2, sempre devem ser
precedidas pela leitura de textos em sinais. Esta condição metodológica atende ao
requisito de que ao estar se alfabetizando em uma L2, o aluno surdo precisa ter
condições de compreender o texto, o que só lhe é possível numa leitura
contextualizada à sua realidade linguística.
No processo da aquisição da L2, há dois tipos de leituras que são inerentes à
realidade dos surdos. Por isto são tão relevantes para o início do processo de
aprendizagem de leitura em L2, mas podem se estender ao longo do processo de
aquisição desta língua. A primeira leitura é aquela em que a criança, pela percepção
ampla do que o texto aborda, apreende as informações gerais do mesmo. A segunda
corresponde àquela em que, através da penetração aos detalhes do texto, a criança
apreende informações que são mais específicas ao texto lido.
Endossa-se as colocações de Quadros e Schmiedt (2006), quando estas
asseguram que dentre as questões que os professores precisam ter em mente quando
preparam uma atividade de leitura de L2 para alunos surdos, estão as que se seguem:
- Que conhecimentos os alunos têm sobre o assunto abordado no texto?
- De que modo esse conhecimento pode ser explorado em sala de aula antes de
ser apresentado o texto, propriamente?
- Que tipo de motivações os alunos têm para lerem o texto?
- Quais são as palavras mais importantes para a compreensão do texto?
- Quais os elementos linguísticos que podem favorecer a compreensão do
texto?
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No sentido de possibilitar mais facilidade para as crianças surdas
compreenderem o texto, o professor pode realizar uma prévia discussão envolvendo o
tema da leitura, ou uma figura a ele relacionada. Isto pode acontecer até mesmo por
meio de uma brincadeira ou atividade que aproxime as crianças ao tema que é
enfocado no texto. As atividades de leitura precisam cogitar os motivos que induziram
os alunos a se interessarem pela leitura de um dado texto. Por isto o assunto escolhido
para a leitura varia em concordância com as atividades e interesses dos alunos. Daí,
criança surda precisa saber por que e para que vai ler um dado texto.
Durante a leitura, é de benéfica influência que o professor provoque nos alunos
a curiosidade pelo desdobramento dos fatos no texto. Sob essa perspectiva, pode-se
parar a leitura em um ponto interessante e, depois, continuá-la em outro momento
e/ou em outra aula. Isto é muito bom porque os alunos ficam na expectativa do que irá
acontecer na evolução do que está escrito no texto. Nesse ínterim, o professor pode
fazer indagações aos alunos, permitindo-lhes que opinem sobre o que poderá
acontecer na história e/ou sobre o desfecho da mesma, conforme for. Posteriormente,
pode incitar a criança a comparar o final da história pensado por si com o final
escolhido pelo autor.
Ao conversar sobre o que o texto está abordando, o professor deverá utilizar a
LIBRAS. Assim, mesmo lendo um texto em português, as conversas sobre o texto ou a
inserção do texto no contexto das atividades, já em desenvolvimento na sala de aula,
deverão acontecer em LIBRAS. Dependendo da necessidade, também podem ser
discutidos alguns elementos linguísticos presentes no texto lido. Isto pode ser de
grande valia para o aluno que está aprendendo a ler. Trabalhar com palavras-chaves
do texto também pode ser muito útil para o iniciante na leitura, desde que não
signifique somente listar o vocabulário presente no texto, mas, também, discutir com
os alunos sobre as palavras que aparecem no texto, estimulando-os a buscar o seu
significado. Também se pode estimular a busca no dicionário, desde que isso não seja
aplicado ao texto todo.
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Outro aspecto a ser considerado quando se propõe atividades de leitura em
uma segunda língua corresponde aos tipos de textos utilizados. Assim, os textos
apresentados aos alunos surdos devem ser completos (não simplificados) e adequados
à faixa etária da criança. Nesta perspectiva, os contos e histórias infantis são muito
apropriados nas séries iniciais do ensino fundamental. Além desses tipos de textos, é
possível trabalhar com histórias em quadrinhos (HQ), textos jornalísticos, trechos de
livros didáticos, etc. O importante é que o texto faça sentido para a criança no
contexto da sala de aula e para a sua vida.
À semelhança do letramento da criança ouvinte, também na educação dos
surdos é importante se ler para as crianças surdas desde a idade pré-escolar, mesmo
que elas ainda não sejam capazes de ler sozinhas. A diferença é que a leitura precisa
ser realizada em LIBRAS, devendo o leitor experiente mostrar a escrita em português e
as imagens para que as crianças estabeleçam a relação entre o conteúdo sinalizado
com o texto escrito. Se o leitor for um parente que não domine a LS, poderá ser
apresentado à criança vídeos que podem ser encontrados na internet, pois muitos
deles trazem a narrativa em LIBRAS, apresentando a legenda em português escrito.
Quando a leitura é realizada na escola e a criança surda também está
aprendendo a LIBRAS, o professor de LIBRAS não precisa ter pressa em ler a história de
uma só vez. Pode ir lendo por partes, aproveitando para comentar o sentido do que foi
lido, devendo sempre utilizar a LS e fazer perguntas à criança, podendo complementar
o que ela diz. Sozinho, nunca o professor deve explicar para a criança o sentido do que
foi lido, mas deve incentivá-la a construir e a expressar a sua impressão. Quando a
criança é iniciante na aprendizagem da LIBRAS, o professor surdo precisa estar atento
ao modo como ela está sinalizando para orientá-la sobre como sinalizar bem.
Quando as crianças começam a ler os textos escritos em português, devem
realizar a leitura junto ao professor, sendo que expressam a leitura em LIBRAS e
também explicam os conteúdos em LS. Após a realização da leitura, é bom que as
crianças realizem atividades que envolvam a aplicação social da língua portuguesa
escrita. Também pode ser a produção de outro texto a partir do texto lido. No caso da
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criança ainda não estar apta para realizar essa produção escrita em português, poderá
fazê-la em LS, cabendo ao professor transcrevê-la para o português escrito. Neste
caso, a tradução para português deve estar coerente com a gramática desta segunda
língua, pois isto facilitará ao aluno surdo estabelecer a comparação entre as duas
gramáticas: a da LIBRAS e a da língua portuguesa. O nível de complexidade no
cumprimento dessa adequação da LS para português escrito deverá ir aumentando de
acordo com o avanço que a criança surda revela na apropriação desta segunda língua.
Isto significa que a princípio essa adequação se dá de modo mais raso, aprofundando-
se no decorrer do processo.
Partindo-se do que o preâmbulo analítico acima oferece em termos de
orientações para que se compreenda como trabalhar o conto ―O Patinho Surdo‖ nas
diversas séries da Educação Básica, a seguir citar-se-á algumas dicas de atividades que
se contextualizam em cada um dos cinco (05) níveis de leitura já citados no início deste
item, ressaltando-se que, em alguns casos, dadas atividades podem ser
contextualizadas a mais de um desses níveis.
Partindo-se do pressuposto de que o conto pode ser trabalhado em uma série
de aulas e de acordo com as características das crianças de uma dada série da
Educação básica, considera-se que no nível do concreto-sinal, sejam desenvolvidas
atividades cujo empenho seja despertar a motivação para a leitura do texto e
introduzir o aluno no tema que será ressaltado.
Pode ser solicitado que uma criança que tenha um pato em casa o traga para a
sala de aula. Em rodinha, o professor deverá mediar uma situação de conversa sobre
dados relacionados ao animal: características físicas, classificação de animais a que o
pato pertence, alimentação, habitat e hábitos de vida. No caso de o pato não ter
nome, pode ser realizada uma votação para se atribuir um sinal denominativo ao
mesmo, ato que na comunidade surda é identificado como ―batismo. É indispensável
que toda a conversa seja realizada em LIBRAS e que os dados mais importantes sejam
escritos em português no quadro, pelo professor. Depois estes dados podem ser
copiados pelos alunos e, em outra aula podem ser aproveitados para produção escrita
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de textos. No caso de produção escrita coletiva, é imprescindível que o texto seja
construído em LIBRAS e, durante a sua elaboração, seja registrado em português
escrito na lousa (seja por um aluno ou pelo professor). No caso da produção escrita ser
individual ou em grupos, é necessário que pelo menos uma das produções seja
submetida à checagem, na qual o texto é impresso e trazido para a sala, devendo o
professor submetê-lo à correção e registrar na lousa as partes que foram refeitas.
Todo esse processo deve ser conduzido sob a utilização da LIBRAS e os aspectos
gramaticais cabíveis devem ser expressivamente explorados. Por fim, o texto refeito
deverá ser impresso e trazido para a sala, para que os alunos procedam a comparação
entre este e a sua produção primeira.
Partindo-se da suposição de que o conto ―O Patinho Surdo‖ tenha como um
dos objetivos de ensino a identidade surda, voltando ao momento de motivação, com
a presença do pato na sala, o professor poderá finalizar a conversa com perguntas do
tipo: — Este pato é surdo ou ouvinte? — Por que vocês acham que é ouvinte? — Se ele
fosse surdo, como se comportaria? Finalizando, o professor informará que na próxima
aula será lida uma história de um patinho surdo. Daí, o professor deverá fazer algumas
perguntas para que as crianças tentem ―adivinhar‖ como será a história. No caso das
crianças serem maiores, haverá maior probabilidade de alguém já conhecer a história,
por esta ter sido trabalhada em séries anteriores. Se este for o caso, o professor
deverá introduzir na história algum evento novo, alguma mudança. Por isto poderá
informar que a história a ser trazida terá novidades de coisas que se diferenciam da
história que o aluno já conhece, contanto que seja gerado um clima de expectativa e
de curiosidade em todas as crianças. Sendo este nível equivalente à leitura do sinal que
representa coisas concretas e diretamente relacionadas com a criança, esta condição
foi atendida no momento em que houve a leitura das colocações realizadas em LIBRAS
e transpostas para o português escrito, seja na aula de motivação ou nas aulas
posteriores que envolverão produções de textos e/ou de histórias ou quaisquer dos
gêneros textuais existentes.
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No nível do desenho-sinal, seria o caso de se apresentar aos alunos sinais de
nomes/frases que são expressivos na história, acompanhados do respectivo desenho
que represente o objeto em si e/ou a forma da ação representada por meio do sinal.
Como exemplo, os alunos podem receber atividade mimeografada contendo os sinais
de PAT@, CISNE, LAGOA, NINHO e OVO. Também uma tira em história em quadrinhos
(HQ) enfatizando um dos eventos relatados na história ―O Patinho Surdo‖. Daí, a
partir dos nomes PAT@, CISNE, LAGOA, NINHO e OVO pode-se desenvolver uma
atividade de leitura e/ou de escrita, na qual as crianças podem correlacionar o sinal ao
nome escrito em português, escrever esses nomes em português, ou pintar as letras
que formam os nomes escritos em português. Palavras cruzadas, jogo da memória,
bingo, dentre outras, são atividades interessantes para esta situação. No caso da tira
em HQ, os alunos podem preencher os balões com enunciados em português, a partir
de um desenho seguido do sinal que lhe corresponde ou a leitura do que está escrito
no balão, a partir de um ou mais desenhos seguido/s de um sinal que lhe/s
corresponde, respectivamente.
No nível desenho-palavra escrita, a própria leitura do conto ―O Patinho
Surdo‖ apresentada com imagens e legenda em língua portuguesa, a aplicação do jogo
da memória, o bingo mostrando o desenho da ação representada com uma palavra em
cor diferente para indicar qual a palavra que deve ser marcada na cartela, cartelas com
desenho acompanhado de enunciados escritos com lacunas a serem preenchidas com
uma palavra, são, dentre outras, atividades que atendem a necessidade de ler a
palavra representada por meio do desenho relacionado com o objeto em si, ou a
forma da ação representada por meio do desenho na palavra.
O nível do alfabeto-manual sinal equivale a determinar a relação entre o sinal
e a palavra no português, soletrada por meio do alfabeto manual. Para que o leitor
ouvinte compreenda o que significa soletrar a palavra em português por meio do
alfabeto manual, oferece-se o exemplo que se segue.
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A partir desse exemplo, pode-se fazer uma ideia do que seria determinar a
relação entre o sinal e a palavra no português, soletrada por meio do alfabeto manual.
A seguir tem-se o exemplo com as palavras SURDO e AMARELO.
Situações assim podem ser trabalhadas em leitura e escrita de palavras ou
sentenças relacionadas ao conto. Atividades como: ditado, bingo, jogo da memória,
baralho, palavras cruzadas, dentre outras são de grande valia para a situação hora
ressaltada.
Finalmente o nível da palavra escrita no texto, que ressalta a leitura da palavra
no texto escrito em português, abrange a leitura do próprio conto ―O Patinho Surdo‖,
bem como de outras produções textuais que possam surgir a partir dessa leitura.
Neste caso, não há desenho algum, mas só o conto escrito em português. A partir
dessa leitura, atividades do tipo: localizar palavras no conto, indicar onde está escrita
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tal situação da história, copiar a parte que diz que ..., ler uma parte do texto e escolher
uma cartela com imagem relacionada ao que foi lido, ler o parágrafo tal, etc. são
adequadas a este nível de leitura.
Considerações finais
É interessante se ressaltar que letramento na língua portuguesa escrita como
segunda língua dos surdos, requer primeiramente letramento na sua língua primeira, a
LIBRAS. Como a leitura precede a escrita, aprender a escrever em português requer do
surdo a leitura de textos escritos em português, mas a expressão dessa leitura sempre
deve ocorrer pela utilização da LIBRAS. Inclusive a mediação que cabe ao professor
fazer sempre deve ser em LIBRAS.
Num estágio inicial de produção escrita, o mais importante é que a criança
surda consiga expor o seu pensamento. Por isto, num primeiro momento não é
necessário haver preocupação exagerada com a estruturação frasal na língua
portuguesa. Isto se dará mais adiante, quando a criança já estiver mais segura para se
―arriscar‖ no mundo da escrita. A criança vai ler textos em português, além dos
próprios textos produzidos por ela mesma. Deve-se ter sempre o cuidado para que
estes momentos iniciais de produção não sejam frustrantes para a criança. Esses
momentos iniciais devem ser atraentes, desafiadores e toda produção deve ser
valorizada, por mais simples que possa parecer, pois o objetivo maior é levar a criança
a ter vontade de escrever aquilo que pensa. Ela precisa reconhecer que os seus
pensamentos são importantes e que todos podem ser registrados também através da
escrita.
Referências BISOL, Cláudia. Tibi e Joca – uma história de dois mundos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2001. Ilustrações Marco Cena. Participação especial de Tibiriçá Vianna Maineri. COUTO, Cleber. Casal Feliz. Ilustrações: Cleber Couto, Belém – Pará, 2010.
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FERNANDES, Sueli. É possível ser surdo em português? Língua de Sinais escrita: em busca de uma aproximação. In: SKLIAR, Carlos (org.) Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. KARNOPP, Lodenir. Literatura Surda. Curso de Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Universidade Federal de Santa Catarina, 2010. MEDEIROS, Maria Gorete de. Literatura visual: um elemento indispensável à educação surda. Monografia (graduação em Letras/LIBRAS – modalidade à distância) – UFPB/CE. João Pessoa:UFPB, 2013. 44f. MOURÃO, Cláudio Henrique Nunes. Literatura Surda: produções culturais de surdos em Língua de Sinais. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestrado na Linha de Pesquisa de Estudos Culturais em Educação. Porto Alegre, 2011. QUADROS, R. M. de; SCHMIEDT, Magali L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. Disponível em http://www.conhecer.org.br/download/ATENDIMENTO%20AO%20ALUNO%20ESPECIAL/leitura%205.pdf Acesso realizado em 01/11/2015). SILVA, Alessandra Cavalheiros da Silva; MEDEIROS, Marta Cleonice Martins e LORENAS, Vanise Mello. O desenvolvimento do processo de letramento do aluno surdo a partir das experiências visuais proporcionadas pela literatura infantil. Revista de Educação do Ideau (REI). Vol 5 - Nº 12 – julho/dezembro, 2010.