Universidade do Vale do Paraíba Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa - IP&D LESÃO MEDULAR: CONTROLE CARDIOVASCULAR AUTONÔMICO AVALIADO POR INSTRUMENTAÇÃO BIOMÉDICA E NOVAS PERSPECTIVAS DE TRATAMENTO Elizângela Márcia de Carvalho Abreu São José dos Campos - SP 2016
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LESÃO MEDULAR: CONTROLE CARDIOVASCULAR ......consecutivos e no estudo com humanos, foram de 40-57 sessões (não consecutivas). A TLBI parece exercer efeitos positivos sobre a LM
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Universidade do Vale do Paraíba
Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa - IP&D
LESÃO MEDULAR: CONTROLE CARDIOVASCULAR
AUTONÔMICO AVALIADO POR INSTRUMENTAÇÃO BIOMÉDICA
E NOVAS PERSPECTIVAS DE TRATAMENTO
Elizângela Márcia de Carvalho Abreu
São José dos Campos - SP
2016
Elizângela Márcia de Carvalho Abreu
LESÃO MEDULAR: CONTROLE CARDIOVASCULAR
AUTONÔMICO AVALIADO POR INSTRUMENTAÇÃO BIOMÉDICA
E NOVAS PERSPECTIVAS DE TRATAMENTO
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Biomédica da Universidade Vale
do Paraíba, como complementação dos
créditos para obtenção do título de Doutora
em Engenharia Biomédica.
Orientadores: Prof. Dr. Mário Oliveira Lima e
Profª. Dra. Renata Amadei Nicolau.
São José dos Campos - SP
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
BANCA
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu esposo Marcos Renato de Abreu, à minha
filhinha Marina de Carvalho Abreu e aos meus pais Geralda Cyrila de
Carvalho e Francisco Inácio de Carvalho (Chiquito Cocão).
“A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”.
Albert Einstein
“O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do
conhecimento”.
Stephen Hawking
Agradecimentos
A Deus, mestre dos mestres, por guiar os meus pensamentos.
Aos Professores Dr. Mário Oliveira Lima e Dr. Alderico Rodrigues de Paula
Júnior pelos ensinamentos e contribuições. Da mesma forma à profª Dra.
Renata Amadei Nicolau pelos ensinamentos e disponibilidade de sempre.
À profª Dra. Fernanda Pupio Silva Lima pela revisão dos artigos.
A todos os pacientes voluntários, pois sem eles a realização deste estudo não
seria possível. Aprendi mais com vocês!!! Exemplos de força e coragem.
A todos os voluntários do projeto Esporte Lazer Adaptativo (ELA), em especial
ao meu amigo Leandro Pereira, pioneiro e grande incentivador.
Ao Programa de Bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES pelo apoio financeiro.
À Alene Alder Rangel pelas adequações de todos os textos em inglês.
Ao meu esposo Marcos pela paciência, compreensão, contribuições e
principalmente pelo amor, pois sem ele, eu sei que não seria possível.
À minha filhinha Marina, nascida neste período de estudos. Eu realmente me
esforcei para que não lhe faltasse amor e atenção.
À minha família pelo apoio e incentivo. Em especial à minha mãe Geralda que
sempre me ensinou a valorizar um tesouro permanente: o conhecimento.
A todos os amigos que de alguma forma facilitaram a realização deste estudo,
em especial Nelly Leite, Rani Alves, Carol Borges, Mariana Cecília, Bruna
Às secretárias Andrea, Valéria e Miriam pela atenção e presteza.
LESÃO MEDULAR: CONTROLE CARDIOVASCULAR AUTONÔMICO AVALIADO POR
INSTRUMENTAÇÃO BIOMÉDICA E NOVAS PERSPECTIVAS DE TRATAMENTO
RESUMO
A lesão medular (LM) é decorrente de dois processos: a lesão tecidual primária e a secundária e adicional. Se a lesão secundária pudesse ser controlada provavelmente neurônios seriam preservados e consequentemente as chances de recuperação seriam maiores. É neste contexto que a terapia a laser de baixa intensidade (TLBI) tem sido proposta como uma forma de tratamento para controlar o processo inflamatório da LM. Por outro lado, estudos clínicos têm demonstrado que a LM promove alterações sobre o controle cardiovascular autonômico. Isso resulta em maior incidência de doenças cardiovasculares e aumento da mortalidade entre os indivíduos com LM. O esporte adaptado tem sido utilizado como forma de prevenção de tais doenças. Em virtude disso, o estudo propôs: 1) Monitorar e avaliar as diferenças sobre a modulação autonômica cardiovascular de pessoas com LM em repouso e após exercício por meio do esporte adaptado; 2) Fazer um levantamento bibliográfico sobre a aplicabilidade da TLBI na LM aguda. Para tal foi realizado três estudos, dois clínicos controlados e uma revisão de literatura. No primeiro estudo a amostra foi composta por 60 indivíduos, 30 indivíduos sem LM (grupo controle - GC) e 30 indivíduos com LM (grupo lesão medular - GLM). Este último grupo foi dividido em dois, um grupo de indivíduos com LM acima do segmento T6 - GLM (acima T6) e um grupo de indivíduos com LM abaixo do segmento T6 - GLM (abaixo T6). Os indivíduos foram avaliados por meio de análise linear e não linear da variabilidade da frequência cardíaca (VFC). O GLM (acima T6) apresentou maior comprometimento autonômico cardiovascular comparado ao GLM (abaixo T6) e ao GC. O GLM (abaixo T6) apresentou algum grau de disfunção autonômica (menor RR e dispersão na plotagem de Poincaré). Todos os parâmetros, lineares ou não lineares, foram adequados para demonstrar as diferenças entre os grupos GLM e GC. No segundo estudo a amostra foi composta por sete tetraplégicos (GLM) e oito indivíduos saudáveis (CG), todos foram avaliados quanto a VFC antes e após um treino com cisclimo de mão. Houve uma redução da atividade simpática e parassimpática no período de recuperação após o treino em ambos os grupos; no entanto, a GC mostrou uma maior VFC. No GC, a atividade parassimpática aumentou gradualmente após o treino, e no GLM, esta atividade manteve-se reduzida, mesmo após três minutos do témino do treino, o que sugere uma deficiência na reativação parassimpática em tetraplégicos após LM. O terceiro estudo, de revisão, apresentou a aplicabilidade da TLBI no tratamento da LM em sete estudos, a maioria usou modelo animal (86%) e apenas um (14%) humano. Em relação aos parâmetros de irradiação, o comprimento de onda variou de 780-904nm, a dose de 1,59-20 J/cm², o tempo de aplicação de 2-30 minutos, o período de irradiação de 5-21 dias consecutivos e no estudo com humanos, foram de 40-57 sessões (não consecutivas). A TLBI parece exercer efeitos positivos sobre a LM a partir da diminuição do processo inflamatório, diminuição de citocinas e quimiocinas, melhora da distribuição de fibrocartilagem/elastina, maior número e brotamento axonal, e consequentemente menor cavitação no local da lesão, melhor potencial evocado somatossensorial e melhor recuperação funcional. Palavras-chave: Lesão medular. Variabilidade da frequência cardíaca. Esporte adaptado. Terapia a laser de baixa intensidade.
SPINAL CORD INJURY: CARDIOVASCULAR AUTONOMIC CONTROL MEASURED BY BIOMEDICAL INSTRUMENTATION AND NEW TREATMENT
PROSPECTS
ABSTRACT It is known that spinal cord injury (SCI) can result from two processes: primary and secondary and additional lesion; if secondary lesion could be controlled probably neurons would be preserved and therefore the chances of recovery would be greater, and in this context, the low level laser therapy (LLLT) has been proposed as a way of treatment to control the inflammatory process of SCI. Furthermore, clinical studies have shown that SCI induces changes on the cardiovascular autonomic control at rest or exercise, these results in a higher incidence of cardiovascular disease and increased mortality among individuals with SCI. Adapted sport has been used as a way of preventing such diseases. Therefore, the study proposed: 1) To monitor and evaluate the alterations on cardiovascular autonomic modulation of patients with SCI at rest and after exercise through the adapted sport; 2) To make a literature review on the applicability of LLLT in acute SCI. Three studies were conducted, two controlled clinical and a literature review. In the first study the sample consisted of 60 individuals: 30 individuals without SCI, composing the control group (CG) and 30 individuals with SCI (spinal cord injury group – SCIG), which were divided into two subgroups, one for individuals with SCI above the spinal segment T6 – SCIG (above T6) and another of individuals with SCI below T6 - SCIG (below T6). The individuals were evaluated by linear and non-linear analysis of heart rate variability (HRV). The SCIG (above T6) showed greater cardiovascular autonomic dysfunction compared to SCIG (below T6) and CG. The SCIG (below T6) also presented some degree of cardiovascular autonomic dysfunction. All parameters, linear or nonlinear, were suitable to demonstrate the differences between the SCIG and CG. In the second study sample consisted of seven quadriplegics (SCIG) and eight healthy individuals (CG). Their heart rate variability (HRV) was assessed before and after one handcycle training. There was a reduction of sympathetic and parasympathetic activity during recovery period after the training in both groups; however, the CG showed a HRV higher than SCIG. The parasympathetic activity also gradually increased after training for CG, but it remained reduced even at three minutes after the end of training for SCIG, which suggests a deficiency in parasympathetic reactivation in quadriplegics after SCI. The third study was a literature review that showed the applicability of LLLT on SCI Was found in seven studies, the animal model was used in six of them (86%), and one (14%) used human. The wavelength varied from 780-904 nm, dose of 1.59-20 J/cm, exposure time of 2-30 minutes, irradiation period of 5-21 consecutive days, and the study with humans conducted 40-57 sessions (non-consecutive). All studies showed positive results of LLLT. LLLT can stimulate positive effects on SCI from decreasing the inflammatory process, decreasing cytokines and chemokines levels, improving the distribution of fibrocartilage/elastin, increasing axonal budding, which consequently lessened cavitation at the lesion site, improved evoked somatosensory potential, and improved functional recovery. Keywords: Spinal cord injury. Heart rate variability. Adapted sports. Low level laser therapy.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Medula espinal e nervos espinais, com indicação dos vários níveis da medula espinal em relação às vértebras em vista posterior (A) e lateral (B). Os segmentos correspondentes da medula espinal são numerados. ........................ 16
Figura 2 - Corte transversal da medula espinal. Observe que estão incluídos três segmentos com três raízes dorsais e três raízes ventrais. O corpo celular do neurônio eferente que deixa a raiz ventral está localizado na substância cinzenta do corno anterior e o corpo do neurônio aferente que deixa a raiz dorsal está localizado no gânglio dorsal ................................................................................. 18
Figura 3 - Lâminas de Rexed à direita e principais tratos nervosos à esquerda, no nível cervical. CEL: trato córtico-espinal lateral; REM: trato retículo-espinal medial; REL: trato retículo-espinal lateral; VEL: trato vestíbulo-espinal lateral; CEA: trato córtic córtico-espinal anterior; RE: trato rubro-espinal; ECV: trato espinocerebelar ventral; ECD: trato espinocerebelar dorsal; TE: trato tecto-espinal; FG: fascículo grácil; FC: fascículo cuneiforme. .......................................................................... 19
Figura 4 - Distribuição dos dermátomos. .............................................................. 20
Figura 5 - Mecanismos subjacentes à lesão primária após trauma na medula espinal, enfatizando a isquemia, o aumento de cálcio intracelular e a apoptose, que culminam em morte celular. .......................................................................... 24
Figura 6 - Diagrama esquemático do controle autonômico de sistemas cardiovascular e broncopulmonar. ....................................................................... 33
Figura 7 - Detalhes dos instrumentos utilizados na pesquisa, incluindo um relógio (interface receptora), uma faixa com os sensores e uma interface infravermelha para transferências dos dados para um computador (A); e da coleta da VFC em um paciente com lesão medular (B). .................................................................... 37
Figura 8 - Paciente tetraplégico sentado na handbike para treinar. ..................... 46
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Escala ASIA para avaliação da extensão da LM. ................................ 29
Tabela 2 - Parâmetros de VFC. ............................................................................ 40
Tabela 3 - Levantamento bibliográfico de estudos envolvendo a VFC em pessoas
com LM, com diferentes formas de análise do sinal. ............................................ 41
Tabela 4 - Levantamento bibliográfico de estudos envolvendo a VFC em pessoas
com LM, com diferentes formas de análise do sinal (continuação). ..................... 42
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ASIA: American Spinal Injury Association (Associação Americana de Lesão Medular)
ATP: adenosina trifosfato
bFGF: basic fibroblast growth factor (fator de crescimento fibroblástico básico)
4 METODOLOGIA E RESULTADOS .................................................................. 51
4.1 Artigo 1: Cardiovascular autonomic control in paraplegic and quadriplegic ........................................................................................................ 51
4.2 Artigo 2: Autonomic cardiovascular control recovery after hand cycle training in quadriplegics. ................................................................................... 53
5.1 Artigo 1: Controle cardiovascular autonômico em paraplégicos e tetraplégicos. ...................................................................................................... 55
5.2 Artigo 2: Controle autonômico cardiovascular de recuperação após treino com ciclismo de mão em tetraplégicos. ................................................ 57
5.3 Artigo 3: Terapia a laser de baixa intensidade na regeneração do tecido nervoso após lesão medular. ............................................................................ 59
A engenharia biomédica, utilizando o processamento de sinais biológicos,
tem permitido inúmeras possibilidades de procedimentos de análise e de
diagnósticos não invasivo, especialmente na área cardiovascular (KAWAGUCHI
et al., 2007).
A VFC é considerada uma ferramenta altamente reprodutível (DITOR et al.,
2005) e com grande potencial para quantificar a regulação simpatovagal
cardiovascular residual após a LM (BARBOSA; BELASCO JÚNIOR, 2011;
MALMQVIST et al., 2015). Mudanças no padrão da VFC fornecem um indicador
sensível do comprometimento da saúde cardíaca. Uma alta VFC é sinal de boa
capacidade de adaptação implicando em bom funcionamento autonômico.
Inversamente, uma menor VFC muitas vezes é considerada um indicador de
anormalidade e insuficiente adaptação autonômica, o que implica em mau
funcionamento cardiovascular (TASK FORCE, 1996; PUMPRLA et al., 2002;
SZTAJZE, 2004; VANDERLEI et al., 2009).
Considerando que as alterações autonômicas associadas à paralisia após
LM e um estilo de vida sedentário resultam em maior incidência de doenças
cardiovasculares e aumento da mortalidade (KRASSIOUKOV, 2009; ROSADO-
RIVERA, 2011; WEST; BELLANTONI; KRASSIOUKOV, 2013); a detecção
precoce e caracterização da disfunção autonômica em pessoas com LM são
extremamente relevantes na determinação do tratamento.
Como consequência do aumento da expectativa de vida dos pacientes com
LM, o processo de reabilitação desviou-se da preocupação de sobrevivência para
a melhoria da qualidade de vida e o aumento da independência funcional,
devolvendo-lhe a capacidade de viver e trabalhar, contribuindo, desta forma, para
a inclusão social. É neste contexto que a reabilitação tem importância
fundamental, visando preservar, restaurar ou desenvolver funções (PEIXOTO et
al., 2003; HENAO-LEMA; PÉREZ-PARRA, 2010).
Dentre as medidas de tratamento estão a cinesioterapia, o suporte de peso
corporal (LUCARELI et al., 2008), a estimulação elétrica, o sistema de
15
treinamento mecânico de locomoção, o biofeedback (BEHMAN; HARKEMA, 2000;
PSILOPOULOS; NIEWBOER, 2008; VIEIRA et al., 2011; MIDDAUGH et al.,
2013), a robótica (SOUZA et al., 2013), a terapia medicamentosa anti-inflamatória
(BYRNES et al., 2005), o esporte adaptado (VALENT et al., 2009; BAKKUM et al.,
2013) e a terapia a laser de baixa intensidade (TLBI) (ABREU et al., 2011; PAULA
et al., 2014).
O exercício aeróbico tem sido proposto para prevenir doenças cardíacas,
por aumentar a modulação vagal e diminuir a atividade simpática (DUPUY et al.,
2012). Dentre os esportes aeróbicos praticados por pessoas com LM, o ciclismo
de mão destaca-se, seja como uma forma de recreação ou reabilitação. Esta
modalidade esportiva pode ser utilizada como uma forma de tratamento após a
fase aguda da LM (VALENT et al., 2009; ARNET, 2012).
Considerando o manejo na fase aguda da LM, imediatamente após o
trauma, atualmente o uso de fármaco, como metilpredinisolona, é o único
tratamento utilizado na prática clínica (BYRNES et al., 2005; WU et al., 2009).
Com intuito de abordar uma forma alternativa de tratamento da fase aguda da LM
propôs-se analisar a aplicabilidade da TLBI na LM. Segundo Abreu et al. (2011) a
TLBI pode auxiliar no controle do processo inflamatório e edematoso da LM,
porém uma pesquisa abrangente da literatura mostrou escassez de estudos sobre
o assunto. Se com a aplicação da TLBI na fase aguda pós-LM fosse possível, por
exemplo, melhorar o controle esfincteriano e promover alguma melhora motora
provavelmente o desempenho do paciente no esporte seria melhor.
Os objetivos do estudo foram avaliar as diferenças sobre a modulação
autonômica cardiovascular de pessoas com LM em repouso e após exercício
físico e fazer um levantamento bibliográfico sobre a aplicabilidade da TLBI na LM
aguda.
Considerando que indivíduos que sofreram LM apresentam déficit do
controle autonômico, sobretudo em lesões altas (acima de T6), acredita-se que
haja uma redução da modulação simpática e deficiente reativação parassimpática
na recuperação após exercício nestes indivíduos. Espera-se apontar duas
modalidades de tratamento para pacientes após LM, na a fase aguda a
laserterapia e para uma fase posterior o ciclismo de mão.
16
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Medula Espinal
A região medular compreende todas as estruturas neurais contidas no
interior do canal vertebral: medula espinal, raízes dorsais e ventrais, nervos
espinais e meninges. A medula espinal, no adulto, possui cerca de 45 cm, é
contínua com o bulbo e se estende desde a altura do atlas (C1) até L1-L2 no
adulto. Como a medula espinal termina ao nível da vértebra L1, são necessárias
longas raízes para emergir da coluna lombossacral. Essas raízes formam a cauda
equina. A medula termina afilando-se para formar um cone, o cone medular, que
continua com o filamento terminal (figura 1) (LUNDY-EKMAN, 2000; MACHADO,
2002; MOORE et al., 2013).
Figura 1 - Medula espinal e nervos espinais, com indicação dos vários níveis da medula espinal em relação às vértebras em vista posterior (A) e lateral (B). Os segmentos correspondentes da medula espinal são numerados.
Fonte: Cohen (2001).
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Ainda como consequência da diferença de crescimento entre a medula
espinal e a coluna vertebral, no adulto, as vértebras T11 e T12, por exemplo, não
estão relacionadas com os segmentos medulares de mesmo nome, mas sim, com
segmentos lombares. Portanto, uma lesão em T12 pode afetar a medula lombar.
Já uma lesão em L3 afetará apenas raízes da cauda equina (MACHADO, 2002;
MOORE et al., 2013).
A medula espinal está dividida em segmentos e as raízes nervosas que
emergem da medula no nível de cada segmento. Trinta e um pares de nervos
05 sacrais e 01 coccígeo). O primeiro par de nervos espinais emerge entre o osso
occipital e o atlas (C1), de modo que, na coluna cervical, o nervo emerge,
cranialmente, junto a sua vértebra correspondente. Somente a partir do primeiro
segmento torácico, o nervo espinal emerge caudal à sua vértebra correspondente
(DEFINO, 1999; JESEL, 2007).
Um corte transversal da medula revela um canal central pequeno
preenchido com líquido cefalorraquidiano, ou líquor, e o núcleo de substância
cinzenta. O núcleo tem forma de asas de borboleta ou em forma de H. A
substância cinzenta, que se projeta anteriormente, é denominada corno ventral,
onde os corpos celulares dos neurônios motores estão localizados. As fibras
eferentes que deixam a medula são reunidas em feixes nas raízes ventrais. O
corno posterior é invadido por fibras sensoriais (raízes dorsais) dos gânglios das
raízes dorsais. Esses gânglios estão localizados fora da medula espinal, mas
ainda recobertos pelas meninges (figura 2). A suposição de que as raízes dorsais
da medula espinal são sensoriais e de que as raízes ventrais são motoras é
conhecida como lei de Bell-Magendie. A união entre as raízes ventrais e dorsais
formam os nervos espinais (COHEN, 2001; MOORE et al., 2013).
18
Figura 2 - Corte transversal da medula espinal. Observe que estão incluídos três segmentos com três raízes dorsais e três raízes ventrais. O corpo celular do neurônio eferente que deixa a raiz ventral está localizado na substância cinzenta do corno anterior e o corpo do neurônio aferente que deixa a raiz dorsal está localizado no gânglio dorsal
Fonte: Adaptado de Cohen (2001).
As substâncias branca e cinzenta da medula espinal estão dispostas de
maneira sistemática. Através de uma visão transversa, a substância cinzenta
pode ser dividida em dez regiões ou lâminas, numeradas de I a IX, baseando-se
em estudos de Rexed (figura 3) (COHEN, 2001).
As lâminas I e II processam informações de estímulos nocivos. As lâminas
III e IV processam informações proprioceptivas e de discriminação de dois pontos.
A lâmina V processa informação sobre estímulos nocivos e informações de
vísceras. A lâmina VI processa informação proprioceptiva. A lâmina VII
compreende o núcleo dorsal ou coluna de Clarke (recebe informação
proprioceptiva inconsciente e a transmite para o cerebelo) e o corno intermediário-
lateral (contém os corpos dos neurônios eferentes autonômicos). As células da
lâmina VIII se conectam com a medula e o encéfalo contralaterais. Os neurônios
motores estão localizados usualmente na lâmina IX do corno anterior. Os axônios
dos neurônios da lâmina X cruzam para o lado oposto da medula (LUNDY-
EKMAM, 2000).
19
Figura 3 - Lâminas de Rexed à direita e principais tratos nervosos à esquerda, no nível cervical. CEL: trato córtico-espinal lateral; REM: trato retículo-espinal medial; REL: trato retículo-espinal lateral; VEL: trato vestíbulo-espinal lateral; CEA: trato córtic córtico-espinal anterior; RE: trato rubro-espinal; ECV: trato espinocerebelar ventral; ECD: trato espinocerebelar dorsal; TE: trato tecto-espinal; FG: fascículo grácil; FC: fascículo cuneiforme.
Fonte: Cohen (2001).
Os tratos da substância branca constituem vias nervosas ascendentes e
descendentes, que conduzem impulsos nervosos em direção ao cérebro e de
várias partes do cérebro para o resto do corpo. Os tratos mais importantes do
ponto de vista clínico são os relatados a seguir. Trato espino-talâmico ventral
transmite impulsos relacionados ao tato. Trato espino-talâmico lateral transmite os
impulsos da sensibilidade dolorosa e da temperatura do lado contralateral. Trato
espinocerebelar ventral e dorsal relacionados à propriocepção. Fascículos grácil e
cuneiforme conduzem impulsos proprioceptivos, provenientes de músculos,
tendões e articulações, impulsos táteis localização e discriminação, e sensações
vibratórias. Trato córtico-espinal lateral e anterior transmite o impulso motor para
os motoneurônios do corno anterior. Controlam a força motora e são testados por
meio da contração voluntária ou contração involuntária mediante estímulo
doloroso (DEFINO, 1999).
A medula espinal apresenta alargamento nas áreas cervical inferior e
lombosacra conhecidos como intumescências cervical e lombossacral. Esses
alargamentos são formados por grandes quantidades de corpos de células
nervosas e projeções que se acumulam para formar os plexos braquial e
lombossacral, para fazer a inervação dos membros superiores e inferiores
respectivamente (MOORE et al., 2013).
20
De acordo com a American Spinal Injury Associasion (ASIA) (1992), Jesel
(2007) e Kirshblum et al. (2011), cada raiz nervosa recebe informações sensitivas
que vem de áreas da pele chamada dermátomos (figura 4). Da mesma forma,
cada raiz nervosa inerva um grupo muscular chamado miótomo. Através do
exame sistemático de dermátomos e miótomos pode-se determinar qual
segmento da medula foi lesionada.
Figura 4 - Distribuição dos dermátomos.
Fonte: Cohen (2001).
Embora acreditasse que a medula espinal fosse um transmissor passivo de
informações, atualmente sabe-se que muitos dos processamentos da informação
ocorrem localmente na medula espinal utilizando circuitos neuronais locais,
também chamados “Geradores de Padrão Central” (GPCs). Esses circuitos
neuronais podem gerar atividades neurais rítmicas e estereotipadas, responsáveis
por movimentos padronizados como a locomoção, a respiração, a mastigação, o
ato de arranhar e de balançar a pata. A marcha e outras formas de locomoção já
foram consideradas como sendo controladas por várias combinações de reflexos
21
espinais. Entretanto, evidências atuais sugerem que esses circuitos neurais são
capazes de gerar padrões de atividade coordenada de agonistas e antagonistas
da locomoção recíproca e de outras atividades rítmicas e estereotipadas nos
animais (FIELD-FOTE, 2000; COHEN, 2001; ALCOBENDAS-MAESTRO et al.,
2004; ASSIS, 2012).
De acordo com Basso (2000), Cohen (2001), Field-Fote e Tepavac (2002),
se a medula espinal de um gato for seccionada ao nível torácico inferior, todos os
segmentos abaixo desse nível são desconectados do cérebro. Quando colocado
sobre uma esteira rolante e após algum treinamento inicial, esse gato será capaz
de "caminhar" com suas patas posteriores movendo-se de maneira coordenada e
recíproca.
Descobriu-se então que esses animais possuíam uma rede flexível de
interneurônios na medula lombar, responsável pela ativação de movimentos
repetitivos e rítmicos. Essa constatação deu origem ao conceito de GPCs, uma
rede neuronal capaz de gerar padrão organizado de atividade motora
independente de estímulos sensoriais. A partir disso, quatro conclusões foram
geradas: 1) Não são necessárias estruturas supraespinais para produzir padrão
básico locomotor; 2) O ritmo básico de locomoção é produzido por circuitos
neurais contidos na medula espinal; 3) Sinais descendentes tônicos do encéfalo
podem ativar os circuitos espinais; 4) As redes espinais que geram o padrão de
marcha não necessitam de informação sensória, mas são reguladas por
informações proprioceptivas dos membros (ASSIS, 2012).
Nos humanos com secção da medula espinal, alguns movimentos
locomotores podem ser desencadeados, mas são bem menos vigorosos que os
observados em um gato, pois nos humanos os GPCs dependem criticamente das
vias descendentes. Além disso, os requerimentos do controle postural nos
humanos solicitam muito mais do que pode ser produzido isoladamente pelo
circuito espinal. No entanto, este tem sido alvo de pesquisas (BASSO, 2000;
hipóxia, vasoespasmo, trombose), excitotoxicidade (liberação excessiva de
glutamato com ativação excessiva de seus receptores N-metil-D-aspartato
(NMDA), Kainato e amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propionato (AMPA), além
de outros neurotransmissores como ácido gama amino butírico (GABA), opioides
(serotonina), acúmulo de cálcio intracelular (que também pode levar a
excitotoxicidade, alteração da função mitocondrial, ativação de proteases e
lipases), distúrbios de fluidos e eletrólitos (como produção de radicais livres),
resposta imunológica (recrutamento de neutrófilos e microglia/macrófagos),
24
perturbações da função mitocondrial (inativação de Na+-K+-ATPase, liberação de
citocromos c), apoptose, entre outros.
Associado a estes eventos estão a diminuição do pH, ativação de
caspases, calpaínas, fosfolipases A, lipoxigenases, ciclooxigenases, interleucinas
(IL1β, IL6), fator de necrose tumoral (TNF), liberação de ácido araquidônico,
mudanças na expressão gênica, alteração de permeabilidade e dano a
membrana. A figura 5 resume alguns dos mecanismos envolvidos na lesão
secundária após a LM (DUMONT et al., 2001).
Figura 5 - Mecanismos subjacentes à lesão primária após trauma na medula espinal, enfatizando a isquemia, o aumento de cálcio intracelular e a apoptose, que culminam em morte celular.
Fonte: Adaptado de Dumont et al. (2001).
Oda, Sant’ana e Carva (2002) afirmam que após lesão no sistema nervoso
central (SNC), traumática ou vascular, os efeitos funcionais iniciais
fibrilação atrial, alterações não específicas do segmento ST, extrasístoles atriais e
bloqueios de ramo atrioventricular (ROQUE et al., 2013).
Porém, um estudo realizado por Claydon et al. (2006b) não encontrou
nenhuma evidência de que os indivíduos com LM avaliados eram propensos a
arritmias cardíacas ou alterações eletrocardiográficas durante ou após o exercício
em cicloergômetro.
A perda da vasoconstrição simpática, combinada com perda do efeito do
bombeamento muscular sobre o retorno venoso pode levar ao quadro de
hipotensão ortostática, que ocorre geralmente nas fases iniciais, em 73,6% dos
doentes com LM cervical ou torácica alta, quando são colocadas na posição
vertical. A hipotensão ortostática é caracterizada por frequência cardíaca
aumentada e pressão arterial diminuída. O que pode provocar náuseas, turvação
visual, síncope e até perda da consciência. As mudanças posturais podem ser
facilitadas pelo ajuste lento e pelo uso de uma cinta abdominal, para reduzir o
incremento vascular visceroabdominal (GIESECKE, 2000; COHEN, 2001), além
disso, o uso da eletroestimulação neuromuscular (EENM) de membros inferiores
(quadríceps, isquiotibiais, tibial anterior e tríceps sural) pode aumentar da
35
frequência cardíaca, e reduzir a hipotensão com o ortostatismo (ROQUE et al.,
2013).
Outra alteração frequente é a disreflexia autônoma (DA) ou reflexo em
massa, condição aguda observada em 48 a 90% dos pacientes com LM cervical e
torácica alta (acima de T6), pode ocorre em LM completa ou incompleta e são
mais frequentes em fase crônica (ROQUE et al., 2013).
A DA é desencadeada por estímulos como distensão da bexiga ou do reto,
uso de roupas apertadas, úlcera de pressão, espasmos, cateterismo vesical ou
mesmo picadas leves na pele ou sapato apertado. A DA é causada por
interrupção do controle supraespinal do sistema nervoso simpático. A
hiperestimulação simpática libera noradrenalina e dopamina que condicionam
uma vasoconstrição, hipertensão arterial e vasodilatação cerebral. A ativação dos
barorreceptores aórticos e carotídeos e dos centros vasomotores do tronco
encefálico desencadeia uma resposta inibitória, com estimulação do passimpático
(via nervo vago) que não pode ser transmitida abaixo do nível da LM
(KRASSIOUKOV et al., 2007; ROQUE et al., 2013; PETSAS; DRAKE, 2015).
Portanto, acima do nível de lesão verificam-se sinais e sintomas na
dependência da ativação parassimpática, com cefaleias, rubor facial, midríase,
sudorese profusa e congestão nasal; enquanto abaixo do nível de lesão, a
preponderância é simpática com vasoconstrição, palidez cutânea, piloereção e
diminuição temperatura corporal (LUNDY-EKMAM, 2000; ROWLEY et al., 2000;
COHEN, 2001; ROQUE et al., 2013).
Durante um episódio de DA a pressão arterial sistólica pode chegar a
300mmHg e pode ser acompanhada de frequência cardíaca baixa. Se não tratada
pode ter consequências graves como hemorragia intracraniana, deslocamento da
retina, convulsões, arritmias cardíacas e até a morte (CLAYDON et al., 2006a,b;
KRASSIOUKOV, 2009).
Alguns atletas com LM induzem a DA voluntariamente imediatamente antes
da competição a fim de melhorar o seu desempenho. Esta conduta é considerada
antiética e ilegal pela International Paralympic Committee medical Commission
(KRASSIOUKOV, 2009).
De acordo com Lundy-Ekman (2000), inervação simpática descendente é
responsável pela regulação da temperatura corporal. Na LM, a sudorese reflexa
abaixo do nível da lesão pode estar intacta; contudo a interrupção das vias
36
simpáticas impede a sudorese termorreguladora abaixo da lesão. Pode ocorrer
sudorese compensatória acima do nível da lesão, o que pode levar a intermação
com temperatura corporal elevada, pulso rápido, pele ruborizada e seca. Quando
não tratada pode levar a lesão cefálica irreversível, convulsão e morte. Em dias
com baixa temperatura, a hipotermia é um risco, pois a pessoa com lesão acima
de T6 perde o controle simpático descendente dos vasos e a capacidade de ter
calafrios abaixo da lesão. Os sinais são irritabilidade, confusão mental,
alucinações, letargia, respiração lenta e diminuição da frequência cardíaca.
A experiência clínica em diagnosticar as disfunções autonômicas após LM
ainda é muito limitada, não há definições operacionais para tal, além disso, essas
alterações são difíceis de serem documentadas por exames de cabeceira
(ALEXANDER et al., 2009). A VFC pode ser utilizada como uma alternativa para
investigar a função autonômica.
2.3 Variabilidade da Frequência Cardíaca
De acordo com Malmqvist et al. (2015), Oh e Eun (2015) e Jan et al.
(2013), o controle simpático cardiovascular está prejudicado ou até mesmo
ausente em pessoas que sofreram LM acima do segmento medular T6. Alexander
et al., 2009 e Myers et al. (2010) relataram a importância da mensuração do grau
de disfunção autonômica, que está relacionado à função física e de saúde, em
geral, da pessoa com sequelas de LM.
As alterações cardiovasculares provenientes da LM estão associadas à
disfunção autonômica, que podem se manifestar por: menor variabilidade da
frequência cardíaca (VFC) (CLAYDON; KRASSIOUKOV, 2008), menor
aceleração da frequência cardíaca (FC) ao exercício e desaceleração mais lenta
após exercício (DELA et al., 2003; TAKAHASHI et al., 2007), hipotensão
ortostática, e consequentemente diminuição da qualidade de vida (UHLÍŘ et al.,
2010).
Uma das formas de avaliar o sistema autônomo de forma simples e não
invasiva é por meio da VFC. A VFC representa a variação periódica batimento a
batimento cardíaco (intervalo RR do eletrocardiograma - ECG). Consiste em um
37
método não invasivo para diagnóstico e pesquisa. Trata-se de uma detalhada e
sofisticada análise da flutuação do ritmo cardíaco capaz de avaliar indiretamente
o controle autonômico do coração. Tem sido utilizada para quantificar a regulação
simpatovagal cardiovascular residual após uma LM (CLAYDON; KRASSIOUKOV,
2008; JAN et al., 2013; MALMQVIST et al., 2015).
Alta VFC representa menor risco de doenças cardiovasculares. E está
relacionada com um aumento do tônus parassimpático e diminuição do tônus
simpático, o que estaria associado a melhor aptidão física. Inversamente, uma
menor VFC, relacionada a um tônus simpático aumentado, é muitas vezes
indicador de anormalidade e insuficiente adaptação autonômica, o que implica em
mau funcionamento e maior índice de morbidade e mortalidade por doenças
cardiovasculares (TASK FORCE, 1996; SZTAJZE, 2004; VANDERLEI et al.,
2009; SANTOS et al., 2011).
Figura 7 - Detalhes dos instrumentos utilizados na pesquisa, incluindo um relógio (interface receptora), uma faixa com os sensores e uma interface infravermelha para transferências dos dados para um computador (A); e da coleta da VFC em um paciente com lesão medular (B).
A B
Fonte: Bikehub, 2016 e Autor.
A análise da VFC pode ser aplicada tanto em curto como em longo período
de gravação (LOMBARDI et al., 1996). Para Pumprla et al. (2002) gravações
curtas, obtidas em condições controladas, são relativamente livres de ruídos e
artefatos, o que simplifica o processo analítico. De acordo com Task Force (1996)
cinco minutos de coleta é considerado um período adequado para gravações
curtas. Os registros para análise dos parâmetros de VFC por meio de métodos
lineares podem ser obtidos em curtos períodos (2, 5, 15 minutos) ou em longos
períodos (24 horas), sendo que im mínimo de 256 intervalos RR é recomendado
et al., 2006b). Devido à elevação da atividade da renina no plasma, existe um
aumento também da aldosterona no plasma (MATHIAS; CHRISTENSEN, 1975).
O estudo de Kawasaki et al. (2012) mostrou um aumento significativo da
aldosterona plasmática e aumento atenuado da adrenalina plasmática durante o
exercício de braço em indivíduos paraplégicos comparado ao grupo controle,
sugerindo que este efeito poderia compensar de alguma forma a desordem
simpática.
Além disso, em LM acima do segmento T6 mais da metade do corpo perde
o controle descendente hipotalâmico-simpático responsável por mecanismos
termorreguladores como: pecilotermia (incapacidade de manter uma temperatura
constante de núcleo), piloereção, tremor, vasoconstrição periférica e cutânea para
produção de calor ou sudorese, vasodilatação cutânea para redução da
temperatura, por isso a disfunção térmica pode ser grave (SCHMIDT; CHAN,
1992). Esta é em grande parte devido à redução da entrada sensorial para os
centros de termorregulação e a perda do controle simpático da temperatura e
regulação de suor abaixo do nível da lesão (SCHMIDT; CHAN, 1992; KARLSSON
et al., 2012). Apesar de termorregulação ser reconhecida como uma função
autonômica, os mecanismos precisos de desregulação não estão completamente
elucidados (KRASSIOUKOV et al., 2007).
Portanto, o aumento do componente LF em u.n. no GLM pode refletir a
influência do sistema renina-angiotensina-aldosterona e dos mecanismos
termorreguladores, mostrando que este componente não reflete apenas a
atividade simpática em pessoas com LM. Apesar dessa atividade compensatória
do sistema renina-angiotensina-aldosterona à perda simpática após LM,
provavelmente ela não seja suficiente para manter a VFC em níveis normais.
Estes mecanismos não estão bem esclarecidos e requerem investigação
adicional.
Claydom e Krassioukov (2009) afirmaram que a regulação cardiovascular
anormal após LM está relacionada ao nível e gravidade da lesão das vias
autonômicas. De acordo com Jan et al. (2013) em LM cervical ou torácica alta
(acima de T6) o sistema cardiovascular perde a inervação simpática. Porém, os
resultados do presente estudo mostram que os componentes que refletem a
57
modulação simpática (LF, SD2) não desapareceram no GLM (acima T6), mesmo
em lesões completas. Estes achados corroboram com Claydon e Krassioukov
(2008), que apontaram algumas hipóteses para este fato, e são estas: as
oscilações simpáticas podem ocorrer mesmo na ausência de controle simpático
descendente, a partir de neurônios simpáticos espinais; o componente LF pode
ser mediado por mecanismos parassimpáticos e a destruição das vias
descendentes simpáticas pode ter sido incompleta. Isso mostra que o nível de
lesão sensitivo e motor pode não ser correspondente ao nível de lesão
autonômica.
Sugere-se que o grupo GLM (acima T6) apresenta maior risco de
morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares. Todavia, o grupo GLM
(abaixo T6) também apresentou algum grau de disfunção autonômica, como
menores intervalos RR e menor dispersão na plotagem de Poincaré, por isso
também merece atenção clínica.
Estudos têm apontado que alguns índices da VFC permitem detectar
alterações autonômicas provenientes da LM com melhor sensibilidade e
especificidade. Resultados significativos foram encontrados por Millar et al.
(2009), Merati et al. (2006) e Agiovlasitis et al. (2010) utilizando métodos não
lineares como a entropia, porém sem alterações das medidas lineares (LF, HF e
LF/HF). Por isso, o presente estudo propôs analisar a VFC por métodos lineares e
não lineares. Os resultados mostraram que todos os parâmetros avaliados,
lineares ou não lineares, foram adequados para demonstrar as diferenças entre
os grupos GC e GLM, exceto para SDNN e SD2, que não mostraram diferenças
significativas entre os grupos. Portanto, não foi possível identificar claramente
quais dos parâmetros da VFC são mais sensíveis na detecção de alterações em
pacientes com LM.
5.2 Artigo 2: Controle autonômico cardiovascular de recuperação após
treino com ciclismo de mão em tetraplégicos.
O segundo estudo demonstrou que o treino com ciclismo de mão promoveu
diminuição tanto da atividade simpática quanto parassimpática nos grupos lesão
58
medular (GLM) e controle (GC). Porém, no GC apenas RR permaneceu abaixo do
valor de repouso, já no GLM, SDNN, LF (ms²), e SD2 permaneceram abaixo dos
valores de repouso. Além disso, o GLM apresentou menor VFC que o GC,
demonstrando que o GC apresenta maior capacidade de adaptação que GLM.
Mudanças no padrão da VFC fornecem um indicador sensível do
comprometimento da saúde cardíaca. Uma alta VFC é sinal de boa capacidade
de adaptação implicando em bom funcionamento autonômico, e está relacionada
com um aumento da modulação parassimpática e diminuição da modulação
simpática. Inversamente, uma menor VFC está relacionada a uma modulação
simpática aumentada, e é muitas vezes indicador de anormalidade e insuficiente
adaptação autonômica, o que implica em mau funcionamento cardiovascular
(TASK FORCE, 1996; PUMPRLA et al., 2002).
O índice rMSSD30s mostrou comportamento oposto entre os grupo. No GC
este índice foi aumentando gradualmente após o término do treino, corroborando
com estudos prévios (GOLDBERGER et al., 2006; BUCHHEIT et al, 2008;
CUNHA et al., 2015). No GLM o índice tendeu a permanecer baixo até o final de
sete minutos após o treino, refletindo uma incapacidade de reativação
parassimpática, estando de acordo com Myers et al. (2010).
Além da deficiência intrínseca na reativação vagal em pessoas com LM,
outros fatores podem estar presentes como: um prejuízo na sensibilidade dos
barorreceptores, descondicionamento físico importante ou uma combinação
destes três fatores (MYERS et al., 2010), que precisam ser melhor investigados e
esclarecidos.
É importante considerar que além da atividade autonômica, outros fatores
contribuem para a recuperação após o exercício como: a interrupção do estímulo
ao exercício a partir do comando central do córtex motor cerebral e a diminuição
de estímulos para metaborreceptores, barorreceptores, termorreceptores e de
fatores hormonais como norepinefrina, epinefrina, angiotensina, endotelina e
vasopressina (MYERS et al., 2010; CUNHA et al., 2015).
Vale ressaltar que não há na literatura científica orientações sobre a
prescrição de exercício físico para a maioria das deficiências físicas, incluindo a
LM. A prescrição de exercício para a população saudável pode não
necessariamente ser transferida para pessoas com LM. Com a redução da
atividade simpática em pessoas com LM, durante o esforço físico a frequência
59
cardíaca não se eleva normalmente, portanto a escala de Borg pode não ser
adequada para avaliar o esforço ou servir como parâmetro para prescrição de
exercício (VALENT et al., 2007; VALENT et al., 2009).
A ausência de um guia de prescrição de exercícios físicos dificulta o
desenvolvimento e implantação de programas de atividade física para esta
população. Por isso, estudos sobre atividade física devem ter prioridade na
pesquisa científica (MARTIN GINIS; HICKS 2005; MARTIN GINIS; HICKS, 2007;
RIMMER et al., 2010).
Novos estudos são necessários para determinar o tempo ideal de
recuperação ao exercício em pessoas com LM. Além disso, é preciso identificar
com maior precisão os mecanismos fisiológicos envolvidos no controle
autonômico após a LM em repouso, durante e após o exercício físico. Estas são
questões importantes para estabelecer orientações sobre a prescrição de
exercício físico para esta população, tão necessitada dos benefícios de sua
prática.
5.3 Artigo 3: Terapia a laser de baixa intensidade na regeneração do tecido
nervoso após lesão medular.
O uso da TLBI tem sido proposto para promover efeitos regenerativos
sobre o tecido medular após lesão, esses efeitos parecem estar bem
estabelecidos, pelo menos em modelos animais (ROCHKIND et al., 2002;
BYRNES et al., 2005; WU et al., 2009; ABREU et al., 2011; ANDO et al., 2013;
PAULA et al., 2014), porém, sua atuação sobre a medula espinal humana ainda
continua indefinida. Um desafio seria a definição de parâmetros ideais de
irradiação e a forma de aplicação (invasiva ou não) em LM aguda ou crônica em
humanos.
A TLBI pode promover sobre o tecido medular lesionado uma resposta anti-
inflamatória por meio de um mecanismo que envolve a inibição de ácido
araquidônico, reduzindo assim a expressão da enzima ciclooxigenase (COX-2) e
diminuindo a produção de prostaglandina E2 (PGE2), além de fatores de
modulação ligados ao ácido ribonucleico (mRNA) de citocinas pró-inflamatórias
60
(PAULA et al., 2014). Por isso, pesquisadores (BYRNES et al., 2005; WU et al.,
2009; CHUNG et al., 2012) acreditam que a TLBI possa atenuar a lesão
secundária presente na LM traumática, possibilitando um melhor prognóstico.
Ando et al. (2013) consideraram a possibilidade de irradiação direta na
medula espinal lesionada durante a cirurgia de descompressão medular e
discectomia endoscópica, neste caso a entrega do laser seria por meio de uma
fibra óptica com um filtro de polarização em sua extremidade.
Wu et al. (2009) defendem o uso não invasivo da laserterapia e suportam a
ideia da utilização desta forma de aplicação em humanos. Além disso, a partir da
TLBI sugerida por Ando et al. (2013) haveria a possibilidade de tratamento de
situações crônicas, após anos de LM. Os autores propõem a realização de uma
incisão entre as vértebras na altura da lesão e por meio dela a condução de uma
fibra óptica até a medula, para a realização da TLBI. Este procedimento
possibilitaria que pessoas com LM crônica também se beneficiem com o uso da
TLBI. Isso seria inovador e talvez proporcionasse um pouco mais de qualidade de
vida a estes indivíduos. O grande desafio agora é definir os parâmetros de
utilização do laser em humanos, seja em indivíduos com LM aguda ou crônica,
para promover a regeneração tecidual da medula espinal, de forma não invasiva
ou invasiva.
Para a aplicação não invasiva da TLBI deve-se considerar, sobretudo, as
camadas teciduais entre a pele e a medula espinal (pele, tecido adiposo, tecido
muscular, tecido ósseo, tecido conjuntivo). Byrnes et al. (2005) demonstraram que
o laser a 810nm pode penetrar profundamente nos tecidos de ratas e promover
regeneração neuronal após LM, e ainda descreveram que com parâmetros
utilizados em seu estudo (810nm, 150mW) o nível de irradiação não induz
aquecimento significativo na medula espinal, com aumento médio de temperatura
de 0,350±0,01ºC ao longo de todo o tempo de tratamento.
Sabe-se que a profundidade de penetração da radiação entre 820 e 904
nm na pele humana é da ordem de 4 mm (WEISS et al., 2005). Sendo assim
caberá a investigação futura sobre os efeitos da TLBI aplicada na região da
medula após lesão. Considerando os resultados muito positivos obtidos por Paula
et al. (2014) em animais com LM, tratados com laser, estudos com seres
humanos, associado ou não a tratamentos atuais, se fazem necessários.
61
6 CONCLUSÃO
Durante o repouso as pessoas com LM acima do segmento medular T6
apresentaram maior comprometimento autonômico cardiovascular comparado a
pessoas com LM abaixo T6 e pessoas sem LM. Além disso, pessoas com LM
abaixo T6 também apresentaram algum grau de disfunção autonômica. Todos os
parâmetros, lineares ou não lineares foram adequados para demonstrar as
diferenças entre pessoas com e sem LM. Portanto, não foi possível identificar
claramente quais dos parâmetros da VFC são mais sensíveis na detecção de
alterações em pacientes com LM.
No período de recuperação após o treino com ciclismo de mão houve
redução da atividade simpática e parassimpática em ambos os grupos GLM e GC.
Porém o GC apresentou maior VFC, a atividade parassimpática neste grupo foi
aumentando gradualmente após o treino, já no GLM esta atividade permaneceu
reduzida, o que sugere uma deficiência na reativação parassimpática em pessoas
tetraplégicas após LM.
Por meio da pesquisa realizada em trabalhos científicos conclui-se que a
TLBI exerce seus efeitos a partir de mecanismos que envolvem a diminuição do
edema e hiperemia local, diminuição de células inflamatórias como
macrófagos/microglia, astrócitos e linfócitos T, diminuição de IL-6, NF-KB, MCP-1
e iNOS, melhora da distribuição de fibras (fibrocartilagem/elastina), maior
presença de fibras ganglionares ou células nervosas, maior proliferação e
hipertrofia das células gliais, maior brotamento neuronal e maior número total de
axônios, fatores este que provavelmente leve a uma menor área de cavitação no
local da lesão, melhor potencial evocado somatossensorial e consequentemente
melhor recuperação funcional. Porém, a escassez de estudos em humanos,
aponta para um campo de pesquisas clínicas promissor na área, com base nos
estudos prévios com animais.
62
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