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* Possui graduao em farmcia pela UFPR e mestre em educao pela
UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Ncleo de Pesquisa Educao e
Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educao;
e Ncleo de Estudos em Sade Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos
Marxistas em Sade. Contato: [email protected]
Sobre o Desenvolvimento Criativo de Vigotski On Vygotskys
Creative Development
Alexei Nikolaevich Leontiev Publicado em 1989 como prefcio ao
volume 3 das Obras Escolhidas de Vigotski em ingls. Disponvel no
Marxists Internet Archive [http://www.marxists.org/]. Direitos
de
reproduo: licenciado sob uma licena Creative Commons. Traduo do
ingls: Marcelo Jos de Souza e Silva*
Na presente Obras Escolhidas, so apresentados pela primeira vez
os principais trabalhos do eminente psiclogo sovitico Lev
Semenovitch Vigotski com suficiente completude. Vigotski foi um
escritor prolfico: em menos de 10 anos de atividade como psiclogo
ele escreveu cerca de 180 trabalhos. Destes, 135 foram publicados e
45 esperam publicao. Muitas das publicaes de Vigotski se tornaram
raridades bibliogrficas.
No somente psiclogos, mas tambm representantes das humanidades
filsofos, linguistas etc. apontaram a necessidade de uma nova edio
dos trabalhos de Vigotski. Nenhum desses acadmicos consideram seus
trabalhos como pertencentes histria. Hoje, mais do que nunca, eles
se voltam aos trabalhos de Vigotski. Suas ideias se tornaram to
firmemente estabelecidas na psicologia cientfica que elas so
mencionadas como sendo usualmente conhecidas, sem referncia aos
trabalhos correspondentes ou sem ao menos mencionar o nome de
Vigotski.
Essa a situao no somente na psicologia sovitica, mas tambm na
psicologia internacional. Em anos recentes os trabalhos de Vigotski
foram traduzidos em ingls, francs, alemo, italiano, japons e outras
linguagens. E no exterior ele tambm no uma figura histrica, mas um
investigador contemporneo, vivo.
Pode-se dizer que o destino cientfico de Vigotski se desenvolveu
felizmente e inusitadamente para o sculo XX, que caracterizado
pelos desenvolvimentos cientficos tempestuosos em que muitas ideias
j esto obsoletas um dia depois que foram expressas. A psicologia no
, naturalmente, exceo aqui e dificilmente encontraremos investigaes
concretas na psicologia internacional do sculo XX que reteve toda
sua atualidade 45-50 anos depois que foram publicadas.
A fim de entender o fenmeno Vigotski, a excepcionalidade de seu
destino cientfico, essencial apontar para dois aspectos de seu
trabalho criativo. Por um lado, existem os fatos concretos, os
mtodos concretos e hipteses de Vigotski e seus colaboradores.
Muitos desses mtodos e hipteses foram brilhantemente confirmadas e
foram posteriormente desenvolvidas nos trabalhos de psiclogos
contemporneos. Os mtodos elaborados por Vigotski, os fatos que
encontrou, so considerados clssicos. Eles se tornaram partes
componentes muito importantes da base da psicologia cientfica. E
aqui a psicologia contempornea, tendo confirmado o pensamento de
Vigotski e se apoiando nele, foi mais alm no plano dos fatos,
mtodos e hipteses etc. Mas, por outro
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lado, existe ainda outro aspecto no trabalho criativo de
Vigotski um aspecto metodolgico terico. Sendo um dos maiores
psiclogos tericos do sculo XX, ele estava realmente dcadas a frente
de seu tempo. E a atualidade dos trabalhos de Vigotski reside no
plano metodolgico terico. por isso que ns no devemos falar sobre
suas concepes como se elas fossem de alguma forma completas. Suas
investigaes concretas foram somente o primeiro estgio na realizao
de seu programa metodolgico terico.
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O trabalho criativo de Vigotski foi, primeiro de tudo,
determinado pela poca
em que ele viveu e trabalhou, a era da Grande Revoluo Socialista
de Outubro. A reforma profunda e decisiva que a revoluo introduziu
na psicologia
cientfica no ocorreu imediatamente. Como bem conhecido, um
esprito do idealismo impregnou a psicologia cientfica oficial
cultivada nas universidades e ginsios pr-revolucionrios, apesar das
poderosas tendncias democrticas revolucionrias e materialistas na
filosofia e psicologia russa. Alm disso, a partir do ponto de vista
cientfico elas ficaram significantemente atrs da psicologia
cientfica dos principais pases europeus (Alemanha, Frana) e os
Estados Unidos. Reconhecidamente, por volta da virada do sculo
muitos laboratrios experimentais evoluram na Rssia, e em 1912 o
primeiro Instituto de Psicologia do pas foi criado na Universidade
de Moscou atravs da iniciativa de Chelpanov. Mas a produo cientfica
desses centros era baixa e seu contedo em muitos casos no muito
original.
Realmente, no comeo do sculo XX na Europa nasceram novas escolas
psicolgicas tais como a psicanlise, psicologia Gestalt, a escola
Wrzburg etc. A psicologia emprica subjetiva tradicional da
conscincia obviamente deu em nada. Nos Estados Unidos surgiu uma
corrente (para a poca radical) na psicologia behaviorismo. A
psicologia cientfica internacional estava em frenesi; durou um
excruciante e intenso perodo. Nos mesmos anos Chelpanov e seus
colaboradores estavam ocupados lidando com a replicao dos
experimentos executados pela escola wundtiana. Para eles as ltimas
notcias ainda eram os trabalhos de James. Em uma palavra, eles
estavam na periferia da psicologia internacional e no sentiram toda
a intensidade da crise que tomou conta dela. Eles perderam o
contato com os problemas mais importantes da teoria psicolgica. A
psicologia na Rssia existiu como uma cincia universitria
estreitamente acadmica sobre as aplicaes prticas do que era
inconcebvel falar. E isso em uma poca em que a Europa e os Estados
Unidos a psicologia aplicada ou psicotcnicas estava rapidamente se
desenvolvendo, a psicologia mdica dava os primeiros passos etc.
A revoluo trouxe mudanas radicais para a psicologia cientfica. A
psicologia foi forada a regenerar em todos os aspectos, em sua
essncia. Uma nova cincia teve que se desenvolver ao invs da velha
psicologia dentro de um pequeno espao de tempo.
O primeiro requisito para a psicologia cientfica foi ditado pela
vida do prprio pas, um pas destrudo e arruinado pela guerra. Foi o
requisito de proceder anlise dos problemas aplicados prticos.
Imediatamente depois da revoluo, um novo campo da psicologia
psicologia industrial ou psicotcnica comeou a se desenvolver na
Rssia. Esse requisito de vida estava to alm das dvidas que at mesmo
na cidadela da
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psicologia introspeccionista acadmica o Instituto de Psicologia
encabeado por Chelpanov uma nova seo surgiu; a seo para problemas
aplicados.
Mas a tarefa principal para os psiclogos nesses anos era
elaborar uma nova teoria ao invs da psicologia introspectiva da
conscincia individual que foi cultivada no perodo pr-revolucionrio
e que repousava sobre o idealismo filosfico. A nova psicologia
deveria proceder a partir da filosofia do materialismo histrico e
dialtico deveria se tornar uma psicologia marxista.
Os psiclogos no entenderam imediatamente a necessidade para tal
reforma. Muitos deles eram estudantes de Chelpanov. Entretanto, j
em 1920, e mais definidamente em 1921, Blonski comeou a levantar
essa questo (em seus livros A Reforma da Cincia e Esboo de uma
Psicologia Cientfica). Mas o evento decisivo desses anos foi a
conhecida palestra de Kornilov Psicologia e Marxismo no Primeiro
Congresso de Toda a Rssia sobre Neuropsicologia, que ocorreu em
Moscou em janeiro de 1923. Ela formulou a linha para o
desenvolvimento da psicologia marxista com grande clareza. Nessa
palestra muitas teses fundamentais do marxismo foram apresentadas
que possuem relevncia direta para a psicologia (a primazia da
matria sobre a conscincia, a mente como uma propriedade da matria
desenvolvida superior, a natureza societal da mente do homem etc.).
Na poca, para muitos psiclogos educados no esprito do idealismo,
essas teses no eram somente no bvias, mas simplesmente
paradoxais.
Aps o congresso uma polmica eclodiu com o fervor caracterstico
dos anos revolucionrios da dcada de 1920. Mais corretamente, foi
uma genuna luta entre os psiclogos materialistas encabeados por
Kornilov e os psiclogos idealistas encabeados por Chelpanov. A
esmagadora maioria dos acadmicos logo reconheceram que Kornilov
estava certo em sua luta para o desenvolvimento de uma psicologia
marxista. Uma expresso externa da corrente materialista foi a
deciso tomada pelo Conselho Cientfico do Estado em novembro de 1923
para liber-lo de suas funes como diretor do Instituto de Psicologia
e apontar Kornilov para o lugar.
A partir do incio de 1924 a reorganizao do Instituto foi rpida.
Novos colaboradores apareceram. Alguns dos apoiadores de Chelpanov
deixaram o Instituto. Novas sees etc. foram criadas. Dentro de um
pequeno perodo o Instituto de Psicologia se tornou fundamentalmente
mudado. Ele apresentou um quadro muito heterogneo. O prprio
Kornilov e seus colaboradores mais prximos desenvolver uma teoria
reactolgica que no se tornou uma corrente dominante usualmente
aceita pelos psiclogos soviticos naqueles anos. Muitos psiclogos
usaram a terminologia reactolgica somente superficialmente e
envolveram os resultados de suas prprias pesquisas nela, pesquisa
que estava muito distante das ideias de Kornilov. Essa pesquisa foi
em diversas direes e no podia ser reduzida investigao de
velocidade, forma e fora da reao que o prprio Kornilov estava
interessado. Assim, N. A. Bernstein, que naqueles anos trabalhava
no Instituto, comeou suas clssicas investigaes da formao dos
movimentos. Na rea da psicologia industrial (psicotcnica), S. G.
Gellerstein e I. N. Spielrein e seus colaboradores comearam seus
trabalhos. Os jovens acadmicos do Instituto, A. R. Luria e A. N.
Leontiev, conduziram investigaes com o mtodo motor combinado. V. M.
Borovski, que naqueles anos aderiu ao behaviorismo, se ocupou com a
zoopsicologia. B. D. Fridman tentou desenvolver a psicanlise e M.
A.
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Rejsner, que trabalhou na rea da psicologia social,
incrivelmente combinou reflexologia, teoria freudiana e
marxismo.
Apesar disso, muitos psiclogos trabalhando em vrios campos e
defendendo diferentes posies concordaram sobre a coisa principal.
Eles tentaram desenvolver uma psicologia marxista e aceitar isso
como a tarefa bsica da psicologia cientfica. Mas os caminhos
concretos em direo ao desenvolvimento de uma psicologia marxista
eram naquele perodo ainda incertos. Essa tarefa completamente nova
no possui seus anlogos na histria da psicologia internacional. Alm
disso, a maioria dos psiclogos soviticos daqueles anos no eram
especialistas marxistas eles estudaram os rudimentos do marxismo e
sua aplicao para a psicologia cientfica ao mesmo tempo. No
surpreendente que como resultado eles algumas vezes fizeram no mais
que ilustrar as leis da dialtica com o material psicolgico.
Uma multido de questes complexas surgiram: qual era a conexo das
vrias correntes psicolgicas concretas existentes na dcada de 1920
(reflexologia, reactologia, teoria freudiana, behaviorismo etc.)
para o futuro da psicologia marxista? Uma psicologia marxista deve
estudar o problema da conscincia? Uma psicologia marxista pode usar
os mtodos da auto observao? Uma psicologia marxista deveria
realmente surgir como a sntese da psicologia subjetiva emprica (a
tese) e a psicologia do comportamento (a anti-tese)? Como resolver
o problema da determinao social da mente humana? E a qual lugar
pertence a psicologia social no sistema da psicologia marxista?
Um nmero de outras questes surgiu que no eram menos importantes
e fundamentais e que tinham que ser resolvidas para ser possvel
realizar posterior movimento para a frente. A situao foi complicada
pela necessidade de lutar em duas frentes: com o idealismo
(Chelpanov, em particular, continuou lutando a ideia de uma
psicologia marxista) e com o materialismo vulgar (mecanicismo e o
energismo de Bekhterev, o reducionismo fisiolgico e a biologizao da
mente etc.).
No obstante, o passo principal e decisivo foi tomado naquela
poca: os psiclogos soviticos foram os primeiros no mundo a proceder
conscientemente ao desenvolvimento de uma psicologia nova,
marxista. Exatamente na mesma poca, em 1924, Lev Semenovitch
Vigotski apareceu na psicologia.
2
Em janeiro de 1924, Vigotski participou no Segundo Congresso
Neuropsicolgico de Toda a Rssia que ocorreu em Leningrado. Ele
apresentou diversas comunicaes. Sua palestra Os Mtodos de
Investigao Reflexolgicos e Psicolgicos (mais tarde ele escreveu um
artigo com o mesmo nome1) causou uma forte impresso em Kornilov,
que o convidou para vir e trabalhar no Instituto de Psicologia. O
convite foi aceito e em 1924 Vigotski se mudou de Gomel, onde ele
vivia na poca, para Moscou e comeou a trabalhar no Instituto de
Psicologia. A partir desse momento a verdadeira carreira psicolgica
de Vigotski comea (1924-1934).
1 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e
Mtodos em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp.
3-32. M.S.]
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Mas, embora em 1924 Vigotski, com ento 28 anos, era ainda um
psiclogo iniciante, ele j era um pensador maduro que havia passado
por um longo desenvolvimento espiritual que logicamente o levou
necessidade de trabalhar na rea da psicologia cientfica. Essa
circunstncia foi de grande importncia para o sucesso das
investigaes psicolgicas de Vigotski.
Sua atividade cientfica comeou quando ele ainda era um estudante
na Faculdade de Direito da Universidade de Moscou (simultaneamente
ele estudou na Faculdade Histrica-Filolgica da Universidade de
Shaniavski). Neste perodo (1913-1917) seus interesses era uma
sincera natureza humanitria. Graas as suas capacidades nicas para a
educao sria, Vigotski foi capaz de trabalhar em diversas direes ao
mesmo tempo: na rea da dramaturgia (ele escreveu crticas de teatro
brilhantes), histria (em sua nativa Gomel ele liderou um crculo
sobre histria para estudante das classes superiores do ginsio), na
rea da economia poltica (ele falou esplendidamente em seminrios
sobre economia poltica na Universidade de Moscou) etc. De especial
importncia para seu trabalho criativo foi seu estudo minucioso da
filosofia que comeou naquela poca. Vigotski estudou a filosofia
alem clssica em um nvel profissional. Em seus anos de estudante ele
comeou seu entendimento com a filosofia do marxismo, que ele
estudou principalmente usando edies ilegais. Nessa poca nasceu o
interesse de Vigotski pela filosofia de Espinoza, que permaneceu
seu pensador favorito para o resto de sua vida.
Para o jovem Vigotski o lugar mais importante em todos esses
interesses humanitrios diversos foi ocupado pela crtica literria
(isso se tornou definitivamente claro por volta de 1915). Em sua
juventude ele apaixonadamente amou literatura e muito cedo ele
comeou a lidar com ela em um nvel profissional. Suas primeiras
palavras como crtico literrio (os manuscritos infelizmente foram
perdidos) uma investigao de Anna Karenina, uma anlise do trabalho
criativo de Dostoivski etc. cresceu diretamente a partir de seus
interesses como leitor. Incidentalmente, por isso que Vigotski
chamou seus trabalhos de uma crtica do leitor. A coroa dessa linha
de seu trabalho criativo se tornou a famosa anlise de Hamlet
(existem duas variantes desse trabalho, escritas em 1915 e 1916,
respectivamente; a segunda variante foi publicada no livro de
Vigotski Psicologia da Arte2 em 1968).
Todos esses trabalhos so caracterizados por uma orientao
psicolgica. Pode-se abordar uma obra de arte por vrios lados.
Pode-se clarear o problema da personalidade do autor, tentar
entender sua ideia, estudar a orientao objetiva da obra de arte
(isto , sua moral ou significado poltico-social) etc. O que
interessava Vigotski era outra coisa: como o leitor percebe uma
obra de arte, o que que est no texto da obra de arte que causa
certas emoes no leitor, i.e., ele estava interessado no problema da
anlise da psicologia do leitor, o problema da influncia psicolgica
da arte. Desde o incio, Vigotski tentou abordar esse problema
psicolgico complexo objetivamente. Ele tentou sugerir alguns mtodos
para a anlise de um fato objetivo o texto da obra de arte e a
partir disso proceder a sua percepo pelo espectador.
2 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Psicologia
da Arte. So Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 207-248. Tambm
disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Tragdia de
Hamlet, o Prncipe da Dinamarca. So Paulo: Martins Fontes, 1999.
M.S.]
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O perodo determinado da carreira criativa de Vigotski alcanou
seu acabamento em seu trabalho extensivo Psicologia da Arte, que
ele terminou e defendeu como uma dissertao em Moscou, em 1925. As
ideias que ele, em 1916 em sua anlise de Hamlet ainda expressava em
meio tom, agora se tornou uma demanda pelo desenvolvimento de uma
psicologia da arte materialista.
Vigotski tentou resolver dois problemas realizar uma anlise
objetiva do texto da obra de arte e uma anlise objetiva das emoes
humanas que surgem durante a leitura desta obra. Ele legitimamente
escolheu a contradio interna na estrutura de uma obra de arte como
seu aspecto central. Mas, a tentativa de analisar objetivamente as
emoes causada por tal contradio no foram bem sucedidas (e no
poderiam ser bem sucedidas tendo em vista o nvel de desenvolvimento
da cincia psicolgica na poca). Isso pr-determinou a de alguma forma
natureza inacabada e unilateral de Psicologia da Arte
(aparentemente, o prprio Vigotski tambm sentiu isso. Ele teve a
oportunidade de public-lo durante sua vida, mas, apesar disso,
nunca o fez).
Os problemas que se revelaram durante seu trabalho na rea da
psicologia da arte e a impossibilidade de revolv-los no nvel da
psicologia cientfica da dcada de 1920 tornou inevitvel que Vigotski
se moveria para a verdadeira psicologia cientfica. A transio
ocorreu gradualmente nos anos 1922-1924. No final deste perodo,
Vigotski, que em Gomel continuou seu trabalho sobre Psicologia da
Arte, j havia comeava sua investigaes no campo da psicologia
cientfica. Como j foi dito, a transio se tornou completa com sua
mudana para Moscou em 1924.
3
Chegando na psicologia, Vigotski imediatamente se encontrou em
uma
situao especial comparada maioria dos psiclogos soviticos. Por
um lado, ele claramente entendeu a necessidade de construir uma
nova psicologia, objetiva, chegando independentemente a essas
ideias enquanto trabalho em sua psicologia da arte. Por outro lado,
particularmente para Vigotski, com seu interesse primordial nas
emoes humanas superiores causadas pela percepo da obra de arte, as
deficincias das correntes objetivas realmente existentes na
psicologia internacional e psicologia sovitica na dcada de 1920
(behaviorismo, reactologia, reflexologia) eram especialmente
intolerveis. A principal deficincia delas era a simplificao dos
fenmenos mentais, a tendncia ao reducionismo fisiolgico, a descrio
inadequada da manifestao superior da mente a conscincia humana.
Vigotski precisava expor claramente os sintomas da doena que as
correntes objetivas na psicologia sofriam e ento encontrar caminhos
para a cura. Seus trabalhos tericos iniciais foram dedicados a
esses objetivos; sua palestra Os Mtodos de Investigao Reflexolgicos
e Psicolgicos, que ele apresentou no Segundo Congresso
Neuropsicolgico (1924), o artigo A Conscincia como Problema da
Psicologia do Comportamento3 (1925) e o grande trabalho
histrico-terico O Significado Histrico da
3 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e
Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp.
55-86. M.S.]
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Crise da Psicologia4 (1926-1927), que publicado pela primeira
vez neste volume. Vrias ideias que estavam conservadas neste
trabalhados tambm podem ser encontradas em outros trabalhos,
incluindo seu ltimo. Muitas das ideias de Vigotski que formaram a
chave para seu trabalho criativo assim como para muitos psiclogos
soviticos podem ser encontradas em seu trabalho somente
implicitamente ou foram expressas por ele boca em boca.
A deficincia das correntes objetivas na psicologia sua
incapacidade de estudar adequadamente os fenmenos da conscincia foi
visto por muitos psiclogos. Vigotski foi meramente um dos mais
ativos, mas longe de ser o nico participante na luta por um novo
entendimento da conscincia na psicologia sovitica da dcada de
1920.
essencial observar a posio nica de Vigotski. Ele foi o primeiro
que j em seu artigo A Conscincia como Problema da Psicologia do
Comportamento levantou o problema da necessidade por um estudo
psicolgico concreto da conscincia como uma realidade psicolgica
concreta. Ele fez a ousada (para a poca) afirmao que nem a nova
psicologia behaviorismo, que ignorou o problema da conscincia nem a
velha psicologia psicologia emprica subjetiva, que se declarou como
sendo a cincia sobre a conscincia realmente a estudava. Isso parece
uma forma paradoxal de declarar o problema. Para Kornilov, por
exemplo, o estudo da conscincia significava o retorno a uma verso
mais suave da psicologia emprica subjetiva. Em seguida ele
vislumbrou uma tarefa concreta combinar os mtodos introspectivos da
velha psicologia com os mtodos objetivos da nova psicologia. Isso
ele chamou sntese.
O contedo da nova psicologia no poderia adicionar qualquer coisa
anlise da conscincia na velha psicologia. Era simplesmente uma
diferena de avaliao. A velha psicologia viu o estudo da conscincia
como sua tarefa mais importante e acreditou que estava realmente
estudando ela. A nova psicologia no viu novos mtodos de qualquer
natureza para estudar a conscincia e a cultivou para a velha
psicologia. Os representantes da nova psicologia poderiam avaliar o
problema da conscincia como insignificante e ignor-la, ou
considera-la sendo importante e comprometendo com a velha
psicologia para resolv-la (posio de Kornilov).
Para Vigotski o problema parecia bastante diferente. Ele no
queria ouvir sobre um retorno velha psicologia. Deve-se estudar a
conscincia diferentemente a partir da forma como era feita (ou,
mais corretamente, declarada) pelos representantes da psicologia da
conscincia. Conscincia no deve ser vista como um estgio no qual as
funes mentais agem, no como o chefe geral das funes mentais (o
ponto de vista da psicologia tradicional), mas como uma realidade
psicolgica que possui importncia tremenda para toda a atividade
vital da pessoa e que deve ser estudada e analisada concretamente.
Em contraste com outros psiclogos da dcada de 1920, Vigotski
conseguiu ver no problema da conscincia no somente um problema de
mtodos concretos, mas antes de tudo um problema filosfico e
metodolgico de importncia tremenda, a pedra angular da futura
psicologia cientfica.
Essa nova psicologia que lida com os fenmenos mais complexos da
vida mental do homem, incluindo a conscincia, s poderia evoluir com
base no marxismo. Em tal
4 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e
Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp.
203-420. M.S.]
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abordagem a perspectiva do tratamento materialista da conscincia
se revela e as tarefas concretas, no declarativas, de uma
psicologia marxista tomam forma.
Falando sobre o desenvolvimento de uma psicologia marxista,
Vigotski conseguiu ver o principal erro da maioria dos psiclogos da
dcada de 1920, que se deram essa mesma tarefa. que eles viram essa
tarefa como uma de meramente encontrar os mtodos corretos. Alm
disso, eles abordaram essa tarefa a partir de uma teoria psicolgica
concreta e tentaram combinar isso com as teses bsicas do
materialismo dialtico atravs de simples adio. Em seu trabalho O
Significado Histrico da Crise da Psicologia, Vigotski escreveu
diretamente sobre a inexatido fundamental de tal abordagem. Ele
apontou que a psicologia , naturalmente, uma cincia concreta. Cada
teoria psicolgica tm sua base filosfica. Algumas vezes se
manifesta, outras vezes est escondida. E em cada caso essa teoria
determinada por suas bases filosficas. por isso que no podemos
tomar os resultados prontos da psicologia e combin-los com as teses
do materialismo dialtico sem primeiro ter reformado suas bases.
Devemos realmente construir uma psicologia marxista, i.e., devemos
comear com suas bases filosficas.
Como podemos construir concretamente uma psicologia marxista
procedendo a partir das teses do materialismo dialtico? Para
responder essa questo, Vigotski sugere voltar ao exemplo clssico a
economia poltica marxista, explicada em O Capital, onde um modelo
dado de como elaborar a metodologia de uma cincia concreta com base
nas teses gerais do materialismo dialtico. Somente depois que a
base metodolgica de uma cincia foi elaborada que os fatos concretos
podem ser considerados, que foram reunidos por pesquisadores
tomando diferentes posies tericas. Ento esses fatos podem ser
organicamente assimilados e no nos tornamos suas vtimas. No nos
tornamos cativados por eles e no tornamos a teoria em um
conglomerado ecltico de diversos mtodos, fatos e hipteses.
Assim, Vigotski foi o primeiro entre os psiclogos soviticos a
escolher tal importante estgio na criao da psicologia marxista como
o desenvolvimento de uma teoria filosfica e metodolgica de um nvel
intermedirio.
Nos mesmos trabalhos dos anos 1925-1927, Vigotski fez uma
tentativa para determinar um caminho concreto para o
desenvolvimento da base metodolgica terica da psicologia marxista.
Assim, a epgrafe no trabalho O Significado Histrico da Crise da
Psicologia o conhecido ditado do evangelho: A pedra que rejeitaram
os construtores, essa veio a ser a pedra angular...5. Ele mais alm
explica que est se referindo aos construtores da psicologia
cientfica. Essa rocha dupla: por um lado, a referncia para a teoria
filosfica e metodolgica de um nvel intermedirio; por outro lado,
para a atividade prtica do homem.
A tese sobre a extrema importncia para a psicologia da atividade
prtica do homem era paradoxal para a psicologia internacional e
sovitica da dcada de 1920. Naquela poca, a corrente dominante
estudou a atividade motora externa da pessoa pela fragmentao dela
em diferentes atos comportamentais elementares (behaviorismo),
reaes motoras (reactologia) ou reflexos (reflexologia) etc. Nenhuma
lidou com a
5 [VIGOTSKI, Lev Semenovitch. O Significado Histrico da Crise da
Psicologia. In: Teoria e Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo:
Martins Fontes, 2004, p. 203. M.S.]
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anlise da atividade prtica em toda sua complexidade, se no
contarmos os especialistas da psicologia do trabalho. Mas estes e
outros psiclogos trataram isso como uma rea puramente aplicada e
assumiram que as regularidades fundamentais da vida mental do homem
no podiam ser reveladas quando analisamos sua atividade laboral
prtica.
Vigotski possui uma opinio diametralmente oposta. Ele enfatizou
que o papel de liderana no desenvolvimento da psicologia cientfica
pertence psicologia do trabalho, ou psicotcnica6. Reconhecidamente,
ele adicionou que no um assunto da prpria psicotcnica com seu
mtodos, resultados e tarefas concretas, mas seu problema geral. A
psicotcnica foi a primeira a proceder para a anlise psicolgica da
atividade do trabalho, prtica, do homem, embora ainda no entendia a
completa importncia desses problemas para a psicologia
cientfica.
A ideia de Vigotski era clara a elaborao das bases metodolgicas
tericas de uma psicologia marxista deve comear com uma anlise
psicolgica da atividade de trabalho, prtica, dos humanos, com base
nas posies marxistas. exatamente nesse plano que as regularidades
bsicas e unidades primrias da vida mental do homem residem
escondidas.
4
Para realizar a ideia da qual Vigotski encontrou vagos esboos
era,
naturalmente, extremamente difcil. Mas a ideia de uma reforma da
psicologia era profundamente de acordo com a era revolucionria da
dcada de 1920. Tais ideias no poderiam fazer outra coisa que no
juntar jovens talentos ao redor de Vigotski. Nesses anos a escola
psicolgica de Vigotski se desenvolveu, que desempenhou um grande
papel na histria da psicologia sovitica. Em 1924, seus primeiros
colaboradores se tornaram Leontiev e Luria. Algum tempo depois se
juntaram a eles L. I. Bozhovich, A. V. Zaporozhec, R. E. Levina, N.
G. Morozova e L. S. Slavina. Nos mesmos anos as seguintes pessoas
tomaram parte ativa nas investigaes conduzidas sob a orientao de
Vigotski: L. V. Zankov, Yu. V. Kotelova, E. I. Paashkovskaia, L. S.
Sakharov, I. M. Soloviev, e outros. Depois disso, os estudos de
Vigotski de Leningrado comearam a trabalho com ele D. B. Elkonin,
Zh. I. Shif, e outros.
As bases para o trabalho de Vigotski e seus colaboradores eram,
em primeiro lugar, o Instituto de Psicologia da Universidade de
Moscou, a Academia Krupskaia para Educao Comunista e tambm o
Instituto Experimental de Defectologia, fundado por Vigotski. Para
Vigotski os contatos cientficos com a Clnica para Doenas Nervosas
no Primeiro Instituto Mdico de Moscou foram de grande importncia
(oficialmente ele comeou a trabalhar l em 1929).
6 essencial observar que j em 1920 Blonski, em seu livro A
Reforma da Cincia, expressou a ideia da importncia da atividade do
trabalho para a anlise da psicologia da pessoa. Algum tempo depois
que Vigotski, Basov (1927) em seu Bases Gerais da Pedologia,
afirmou ideias profundas sobre o significado da atividade de
trabalho e externa para a psicologia. Entretanto, a anlise concreta
de Basov e Vigotski da atividade eram diferentes. importante
observar que ambos amarram o significado das investigaes prtica,
atividade de trabalho de humanos diretamente tarefa de construir
uma psicologia marxista. Entre os psiclogos estrangeiros, foi o
grande acadmico francs Janet que na dcada de 1920 desenvolveu
ideias interessantes sobre o significado do trabalho e atividade do
trabalho para a psicologia.
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10
O perodo na atividade cientfica de Vigotski que durou de 1927 at
1931 foi extremamente rico e importante para a subsequente histria
da psicologia sovitica. Naquele perodo as bases para a teoria
histrico-cultural do desenvolvimento da mente foram desenvolvidas.
Suas teses bsicas so expostas nos trabalho de Vigotski O Mtodo
Instrumental em Pedologia (1928), O Problema do Desenvolvimento
Cultural da Criana (1928), As Razes Genticas do Pensamento e
Linguagem7 (1929), Esboo de um Desenvolvimento Cultural da Criana
Normal (1929, manuscrito), O Mtodo Instrumental em Psicologia8
(1930), Instrumento e Smbolo no Desenvolvimento da Criana9 (1930,
publicado a primeira vez nesta srie), Estudos Sobre a Histria do
Comportamento10 (1930, juntamente com Luria), A Histria do
Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores (1930-1931, primeira
parte publicada em 1960 no livro de mesmo nome, segunda parte
publicada nesta srie), e alguns outros. Muitas ideias chaves da
teoria histrico-cultural so afirmadas no livro mais conhecido de
Vigotski, Pensamento e Linguagem11 (1933-1934). Para alm destes,
importante para o entendimento da teoria histrico-cultural so os
trabalhos de seus colaboradores: Sobre os Mtodos de Investigao dos
Conceitos, por L. S. Sakharov (1927), O Desenvolvimento da Memria
por A. N. Leontiev (1931), O Desenvolvimento dos Conceitos
Cotidianos e Conceitos Cientficos, por Zh. I. Shif (1931), e
outros.
Ao se manter com suas vises fundamentais, Vigotski no se voltou
ao exame dos fenmenos mentais em si mesmos, mas anlise da atividade
do trabalho. Como bem conhecido, os clssicos do marxismo viram essa
atividade como antes de tudo caracterizada por seu instrumento a
natureza, a mediao dos processos de trabalho por instrumentos.
Vigotski decidiu comear sua anlise dos processos mentais com essa
analogia. Ele fez uma hiptese: no podemos encontrar o elemento da
medio nos processos mentais das pessoas atravs de alguns
instrumentos mentais nicos? Uma confirmao indireta dessa hiptese
ele encontrou nas palavras conhecidas de Bacon, que ele mais tarde
citaria com frequncia: nem a mo nua nem o entendimento deixado a si
mesmo pode afetar muito. por instrumentos e ajudas que o trabalho
feito12. Naturalmente, a ideia de Bacon no de todo inequvoca: pode
ser entendida
7 [Disponvel em portugus como captulo do livro Pensamento e
Linguagem: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da
Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, pp. 111-150.
M.S.] 8 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e
Mtodo em Psicologia. 3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp.
93-102. M.S.] 9 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch.
A Formao Social da Mente. So Paulo: Martins Fontes, 1991. M.S.] 10
[Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch; LURIA, Alexander
Romanovitch. Estudos Sobre a Histria do Comportamento: Smios, Homem
Primitivo e Criana. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996. M.S.]
11 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Pensamento
e Linguagem. 4.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2008. Traduo da verso
editada e resumida em ingls. VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo
do Pensamento e da Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes,
2011. Traduo do original em russo. M.S.] 12 [BACON, Francis. The
New Organon or True Directions Concerning the Interpretation of
Nature. New York: The Liberal Arts Press, 1620. M.S.]
-
11
de diferentes formas. Mas, para Vigotski mais importante
simplesmente como uma das confirmaes de sua prpria hiptese que
repousou sobre a teoria de Marx da atividade de trabalho.
De acordo com a ideia de Vigotski, devemos distinguir dois nveis
nos processos mentais humanos: o primeiro a mente deixa a si mesma;
o segundo a mente (o processo mental) armado com instrumentos e
meios auxiliares. Da mesma forma devemos distinguir dois nveis de
atividade prtica: o primeiro a mo nua, o segundo a mo armada com
instrumentos e meios auxiliares. Alm disso, tanto na esfera prtica
quanto na esfera mental o segundo, nvel do instrumento de
importncia decisiva. Na rea dos fenmenos mentais, Vigotski chamou o
primeiro nvel de nvel dos processos mentais naturais e o segundo
nvel de nvel dos processos mentais culturais. Um processo cultural
um processo natural mediado por instrumentos mentais e meios
auxiliares nicos.
No difcil ver que a analogia que Vigotski traou entre os
processos de trabalho e a mente bastante rudimentar. A mo humana
tanto o rgo quanto o produto do trabalho, como os clssicos
marxistas apontaram. Consequentemente, a contraposio da mo nua e a
mo armada com instrumentos de tal forma acentuada no justificada.
Tambm no justificada a contradio acentuada dos processos mentais
culturais e naturais. A terminologia usada por Vigotski levou a
desentendimentos enquanto a questo justificada surgiu se todos os
processos dos humanos modernos no eram processos culturais. Essas
fraquezas nas ideias de Vigotski causaram uma crtica justificada
tanto durante sua vida quando depois de sua morte.
Ao mesmo tempo, devemos observar que Vigotski precisava de tais
contrastes no primeiro estgio de seu trabalho a fim de iniciar as
teses bsicas de sua teoria, que considerava a importncia decisiva
dos instrumentos psicolgicos ao longo dos processos mentais.
verdade que na dcada de 1920, Khler abordou o problema do papel
dos instrumentos na vida mental a partir de um ngulo totalmente
diferente. Naquela poca os resultados de seus experimentos com
macacos antropoides foram publicados. Eles mostraram, em
particular, que os objetos materiais externos varas, caixas etc.
podem desempenhar um papel executivo no-passivo em seus processos
mentais (a introduo de varas na situao levou reestruturao do campo
ptico do animal, e, para o psiclogo Gestalt Khler, isso significava
que a estrutura dos processos mentais tinham mudado tambm).
Os experimentos de Khler impressionaram grandemente os psiclogos
e na dcada de 1920 diversos acadmicos tentar transferi-los para a
psicologia da criana. Esses experimentos provaram estar de acordo
com o pensamento de Vigotski. Ele foi o iniciador da traduo em
russo de Pesquisas Sobre a Inteligncia dos Macacos Antropomorfos de
Khler e escreveu um prefcio para ele13. Mais tarde, Vigotski
frequentemente (em Pensamento e Linguagem, A Histria das Funes
Mentais Superiores etc.) se referiu aos resultados das investigaes
de Khler e queles acadmicos que tentar conduzir experimentos
similares no campo da psicologia da
13 [Disponvel em portugus: VIGOTSKI, Lev Semenovitch. O
Desenvolvimento Psicolgico na Infncia. 2.ed. So Paulo: Martins
Fontes, 1999, pp. 201-242. M.S.]
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12
criana (Buhler, Koffka e outros). Vigotski, que estava orientado
em direo ao estudo da atividade objetiva, prtica, via nos
experimentos de Khler (que mostravam o papel ativo dos instrumentos
externos na restruturao das funes mentais) uma abordagem para o
estudo de um dos aspectos dessa atividade.
Khler estudou essa questo meramente no nvel metdico
experimental. Seus pontos de partida metodolgicos tericos como um
grande psiclogo Gestalt eram opostos s posies de Vigotski. Khler
estava longe de um entendimento do importante papel da mediao de
funes mentais. um paradoxo que Khler, que primeiro descreveu a
reestruturao do processo mental por um instrumento externo, no viu
o carter especfico do instrumento e o considerou como somente um
dos elementos do campo ptico. por isso que ele no pode ver o
problema da atividade que era central para Vigotski. O prprio
Vigotski enfatizou o carter especfico do nvel-instrumento de mediao
dos processos mentais, particularmente na determinao
histrico-social do ser humano.
Quando agora avaliamos o significado da analogia entre trabalho
e processos mentais oferecida por Vigotski e os dois nveis de
processos mentais so contrastados, devemos no examinar essas vises
em si mesmas, mas no contexto das suposies e o posterior
desenvolvimento de toda sua teoria, em conexo com os resultados aos
quais eles levam.
O que as hipteses dos instrumentos psicolgicos e os dois nveis
de funes mentais concretamente produziram? Essa questo, que em um
grau importante serviu para verificar a exatido das hipteses, foi a
questo dos anlogos reais dos processos mentais naturais e
culturais. E exatamente a resposta a esta questo mostrou em qual
grau as hipteses eram justificadas e frutferas para a psicologia
cientfica. Como bem conhecido, comeando de parmetros completamente
diferentes (seus graus sendo significantes e voluntrios), psiclogos
distinguiram todas as funes mentais em superiores (pensamento por
conceitos, memria lgica, ateno voluntria etc.) e inferiores
(pensamento imagtico, memria mecnica, ateno involuntria etc.). O
prprio fato de tal diviso foi uma importante realizao da psicologia
cientfica. Entretanto, mais tarde um nmero de questes surgiu sobre
a natureza da relao entre funes superiores e inferiores, sobre o
que faz a presena de tais qualidades especficas das funes
superiores e inferiores como a natureza voluntria e consciente
delas etc. Cada grande teoria teve que dar uma resposta a essas
questes de um jeito ou de outro. Mas, algumas correntes (psicologia
associativa, behaviorismo) praticamente perderam a distino
qualitativa entre funes superiores e elementares quando as
traduziram em sua prpria linguagem, i.e., ambos se dissolveram em
algumas partes componentes elementares (tal abordagem Vigotski
chamou atomista)14. A natureza bvia da
14 Vigotski mais de uma vez escreveu sobre dois mtodos de anlise
em elementos (anlise atomista) e em unidades. A anlise em elementos
quebra um todo em suas partes componentes mais simples, que,
entretanto, perderam as propriedades do todo (exemplo, quebrando
gua em tomos de hidrognio e oxignio). A anlise em unidades quebra
um todo em partes componentes mais pequenas possveis que ainda retm
as propriedades do todo (exemplo, quebrando gua em molculas). Na
psicologia, Vigotski contou a quebra dos processos mentais em
reflexos assim como o sistema bipartite dos behavioristas (S R)
como anlise em elementos.
-
13
distino qualitativa entre as funes mentais inferiores e
superiores causou a fraqueza de tais abordagens aparentes.
As correntes opostas (psicologia do entendimento), pelo
contrrio, consideraram a distino qualitativa das funes superiores e
elementares como um fato fundamental. Elas moveram a natureza
integral da estrutura e do carter orientado a um objetivo dos
processos mentais para o primeiro plano. Essas correntes
protestaram categoricamente contra a abordagem atomista. Mas, eles
jogaram fora o beb com a gua do banho. Os psiclogos dessa orientao
ocuparam posies idealistas no plano filosfico e negaram
completamente a possibilidade de uma explicao causal dos fenmenos
mentais. Eles rejeitaram os mtodos cientficos naturais na
psicologia. Para eles, a psicologia pode no mximo esforar-se para
um entendimento das conexes que existem entre os fenmenos mentais e
no deveriam tentar inclu-los na rede de relaes causa-resultado que
cobre eventos no mundo fsico real. Como resultado, a psicologia
dessa orientao no conseguiu encontra o vnculo entre as funes
mentais superiores e inferiores.
A hiptese proposta por Vigotski ofereceu uma nova explicao para
o problema da relao entre as funes mentais superiores e
elementares. As funes mentais elementares, inferiores, ele conectou
com o estgio dos processos mentais naturais e os superiores com o
estgio dos processos mediados, culturais. Tal abordagem explicou
tanto as diferena qualitativa entre as funes superiores e
elementares (consistia na mediao de funes mentais superiores por
instrumentos) quando a conexo entre elas (as funes superiores se
desenvolveram com base nas funes inferiores). Finalmente, as
propriedades das funes mentais superiores (exemplo, sua natureza
voluntria) foi explicada pela presena de instrumentos
psicolgicos.
Por meio de hipteses sobre a medio de processos mentais atravs
de instrumentos nicos, Vigotski tentou introduzir as diretrizes da
metodologia dialtica marxista na psicologia cientfica em uma forma
metdica concreta e no-declarativa. Isso foi a propriedade bsica de
todo seu trabalho criativo ao qual ele deve todo seu sucesso.
5
A questo da metodologia no qualquer coisa que no a questo
principal
quando estamos lidando com o trabalho criativo de Vigotski. A
dialtica interna, em princpio, sempre formou o atributo
caracterstico de seu pensamento. suficiente pensar em seus
trabalhos iniciais (por exemplo, Psicologia da Arte). Assim, quando
ele define nossa percepo das obras de arte, Vigotski no tem medo de
destacar a contradio inerente na prpria obra. A mesma posio
mostrada em sua inclinao em discernir dois lados polares, em luta,
em um fenmeno quando ele o analisou e em considerao a essa luta
como a fora motora do desenvolvimento.
O historicismo no exame do fenmeno caracterstico do pensamento
de Vigotski (nessa conexo importante ter em mente as razes
humanitrias de sua criatividade, particularmente a grande influncia
sobre sua escola de Potebnia e o mtodo histrico na crtica literria
que ele desenvolveu). Todas essas premissas ajudaram Vigotski a
entender a dialtica marxista e a dominar o mtodo histrico
-
14
marxista. O entendimento das bases da dialtica marxista elevaram
o pensamento de Vigotski a um nvel qualitativamente novo.
A hiptese sobre a natureza mediada das funes mentais
implicitamente continha elementos de um mtodo histrico integral.
Eles eram expressos precisamente e carregados at seu fim lgico pelo
prprio Vigotski em tais trabalhos como A Histria do Desenvolvimento
das Funes Mentais Superiores e Pensamento e Linguagem.
A ideia fundamental de Vigotski de que as funes mentais so
mediadas por instrumentos psicolgicos nicos somente teve sentido na
medida em que as prprias funes mentais eram vistas como formaes
integrais com uma estrutura interna complexa. Tal abordagem
imediatamente varreu a anlise atomista, que para Vigotski formou
uma deficincia particularmente intolervel das correntes
materialistas na psicologia da dcada de 1920 (behaviorismo,
reflexologia etc.). Ao mesmo tempo, ela abriu a perspectiva de uma
abordagem materialista integrativa e objetiva da anlise do mental,
que era concebido como um sistema no-fechado estrutura complexo que
foi aberto para o mundo externo (para Vigotski a natureza fechada
do mental formou a principal deficincia das vises idealistas
integrativas que foram desenvolvidas, por exemplo, em entendendo a
psicologia).
Naturalmente, nas dcadas de 1920 e 1930, no foi somente Vigotski
que tentou examinar as funes mentais como formaes estruturas
complexas que esto abertas ao mundo exterior. Tais vises eram
mantidas pelos psiclogos Gestalt tambm. Seus trabalhos,
particularmente os experimentos de Khler, que investigava o
intelecto de macacos antropoides, causou uma grande impresso sobre
Vigotski (ver acima). Mas, para revelar a diferena interna de sua
metodologia das posies dos psiclogos Gestalt, importante tomar
outro aspecto de sua teoria holstica em conta: seu
historicismo.
Falando em geral, a ideia do historicismo era estranha para os
psiclogos Gestalt, que tentaram estudar a situao aqui e agora. Para
Vigotski, sua prpria ideia inicial de mediao de funes naturais por
instrumentos psicolgicos nicos j continha a necessidade de abordar
as funes mentais superiores, culturais, como formaes histricas e,
assim, a necessidade de estuda-las via o mtodo histrico. Em
princpio, Vigotski via trs caminhos possveis para a investigao
histrica da formao das funes mentais superiores: o caminho
filogentico15 e ontogentico16 mais patologia (traando a perda
dessas funes em pacientes). As investigaes ontogenticas ocuparam o
lugar mais importante em seu trabalho criativo (A Histria do
Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores e Pensamento e
Linguagem).
importante observar que em Vigotski a abordagem integrativa e
historicismo eram, em princpio, inseparveis. Eram duas dimenses de
uma ideia a ideia da natureza mediada de processos mentais
concebida a partir de posies dialticas.
Falando sobre o historicismo de Vigotski, essencial distingui-lo
das abordagens histricas que podem ser encontradas no trabalho de
outros psiclogos das dcadas de 1920 e 1930. bem conhecido que uma
das caractersticas distintivas da psicologia do sculo XX foi que
ela iniciou a conceber si mesma como uma cincia histrica, como
15 [Filogenia o estudo da relao evolutiva entre grupos de
organismos. Vigotski e Leontiev utilizam a palavra gentica no
sentido de gnese M.S.]
16 [Ontogenia o estudo das origens e desenvolvimento de um
organismo M.S.]
-
15
uma cincia sobre desenvolvimento. Muitas escolas psicolgicas
daquela poca que tentar cobrir a soma total dos fenmenos mentais
(psicologia de profundida, a escola francesa etc.) descreveram a
mente como sendo organizada de acordo com o princpio de sistema de
nveis. Mas a questo era: nas vrias teorias o que era que agia como
os determinantes do desenvolvimento ontogentico e filogentico da
mente?
A ideia do desenvolvimento (no plano ontogentico) foi central
para a psicologia da criana que tomou forma prximo ao fim do sculo
XIX (Darwin, Preyer e outros). Desde o incio se desenvolver sob a
influncia decisiva da teoria evolucionria, e o desenvolvimento da
mente da criana foi considerada a partir do ponto d vista de seu
significado adaptativo (a comparao do desenvolvimento ontogentico e
filogentico foi realizada nessa conexo cf. a lei de Hall de
recapitulao que , em princpio, muito prxima da lei biogentica). A
ideia de desenvolvimento, tambm entendida no plano evolucionrio
biolgico, foi tambm central para a zoopsicologia, que se
desenvolveu no mesmo perodo.
O fundador da psicologia descritiva, Dilthey, e seus seguidores
tentaram introduzir o princpio do historicismo na psicologia.
Dilthey, como bem conhecido, tomou posies idealistas e tratou a
vida mental como sendo puramente espiritual. Falando sobre histria,
ele essencialmente tinha em mente a histria da cultura que ele
tambm considerava a partir de posies idealistas, i.e., meramente
como manifestao da atividade espiritual da pessoa. por isso que,
quando ele criticou o seguidor de Dilthey, Spranger, em seu A
Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores, Vigotski
escreveu que trazendo histria e psicologia prximas uma da outra
ele, essencialmente, junta o espiritual com o espiritual (isso se
aplica plenamente tambm ao prprio Dilthey).
Os psiclogos franceses trataram o princpio do historicismo em
sua prpria maneira e intimamente conectado com o problema da
determinao social da mente. Assim, Durkheim, um dos fundadores da
escola francesa, considerava a sociedade como a soma total das
representaes coletivas. Lvy-Bruhl, em seus conhecidos trabalhos
sobre a psicologia das pessoas primitivas, expressou a ideia de que
no somente o contedo, mas tambm os caminhos dos prprios pensamentos
humanos (lgica humana, mais precisamente a relao dos aspectos
lgicos e pr-lgicos no pensamento humano) so um conceito histrico se
desenvolvendo.
Na dcada de 1920 a posio lder na escola francesa era ocupada
pelo grande acadmico Janet, que tentou combinar historicismo com
uma abordagem da atividade. Isso permitiu Janet a chegar a um nmero
de ideias profundas sobre a natureza e desenvolvimento da mente,
que exerceu influncia sobre o desenvolvimento subsequente da
psicologia cientfica. Em particular, ele props a hiptese de que a
criana no processo de desenvolvimento internaliza as formas sociais
do comportamento, que foram primeiro usadas prpria criana por
adultos. Esse investigador tentou investigar o processo de
internalizao em detalhes na memria e pensamento. Mas ao faz-lo,
Janet, assim como toda a escola francesa, procedeu de uma suposio
de que a pessoa inicialmente a-social, de que a socializao forada
sobre ela a partir de fora. Na anlise da atividade humana e vida
social, Janet estava muito longe do marxismo. Ele considerou a
relao de cooperao como a relao social bsica, que somente natural
para um acadmico que v o retrato externo das conexes
-
16
sociais, mas no d importncia fundamental para os relacionamentos
econmicos que forma sua base.
O historicismo de Vigotski tem um carter fundamentalmente
diferente das abordagens examinadas acima. Seu historicismo um
tentativa de aplicar o mtodo histrico de Marx na psicologia. Assim,
para Vigotski os determinantes do desenvolvimento mental humano no
so uma maturao biolgica na ontogneses e adaptao biolgica ao longo
da luta pela vida na filogneses (psicologia da criana e
zoopsicologia na tradio evolucionria), no o domnio pelo ser humano
das ideias do esprito universal [Weltgeist] corporificado nos
produtos da cultura (psicologia do entendimento de Dilthey) e no a
relao de cooperao social (teoria de Janet), mas a atividade de
trabalho mediada por instrumentos. essa abordagem que foi
originalmente amarrada hiptese de mediao de processos mentais por
instrumentos.
Antes de Vigotski, o mtodo para a investigao ontogentica da
prpria mente pode ser chamado o mtodo de sees transversais. Em
diferentes idades o nvel de desenvolvimento e comportamento e a
condio de funes mentais diferentes da criana eram medidas e ento se
tentava reconstruir o retrato geral do desenvolvimento, julgando
pelos resultados das diferentes medies que davam pontos discretos
em um eixo etrio.
Para Vigotski, as deficincias de tal abordagem eram bvias. Ele
considerou que a hiptese de mediao indicava o caminho em direo a
outro mtodo de investigar o desenvolvimento mental na ontogneses,
que nos permitiu modelar (para colocar na terminologia da dcada de
1960) esse processo. E realmente, o mtodo histrico-gentico de
Vigotski em um nmero de casos produziu resultado que eram, em
princpio, inacessveis para o mtodo de sees transversais.
O estudo da formao das funes mentais superiores na ontogneses e
filogneses como estruturas que se desenvolvem com base em funes
mentais elementares e so mediadas por instrumentos psicolgicos, se
tornou o grande tema de pesquisa de Vigotski e seus
colaboradores.
6
Quando afirmamos o objetivo dessa forma, a questo central se
torna a questo
em relao aos instrumentos psicolgicos: o que so eles e qual o
mecanismo de mediao?
Em primeiro lugar, quando a ideia de mediao nasceu, Vigotski a
ilustrou com o exemplo de um paciente com doena de Parkinson que
estava na clnica de Rossolimo. Quando foi pedido ao paciente para
andar, ele conseguia responder somente com um aumento em seu tremor
e no conseguia andar. Depois disso, pedaos brancos de papel eram
colocados diante dele no cho e o pedido era repetido. Agora o
tremor diminua e ele realmente comea a andar, dando um passo em
cada papel sucessivamente.
Vigotski explicou esses experimentos dizendo que o paciente
confrontado com duas sries de estmulos. A primeira srie consiste de
comandos verbais, que so incapazes de provocar o comportamento
adequado no paciente. Ento a segunda srie de estmulos os pedaos de
papel branco vem ao resgate. A reao inicial do paciente mediada por
essa srie. a segunda srie de estmulos que serve como meio para
guiar
-
17
o comportamento. por isso que Vigotski os chamou
meios-estmulos17. Nessa descrio, parece como se a ideia de Vigotski
estava perto das posies da psicologia comportamental, mas logo se
tornou claro que essa afinidade era puramente terminolgica. Para o
behaviorista, a questo termina com a investigao do comportamento,
mas para Vigotski isso somente um exemplo cujo significado bsico o
estudo do processo de mediao das funes mentais por meios-estmulos e
no o estudo das reaes comportamentais. E o crculo de meios-estmulos
se ampliou imensuravelmente. Assim, nas teses para sua palestra O
Mtodo Instrumental na Psicologia (1930), Vigotski mencionou, como
exemplos de linguagem estmulos-meios, formas diferentes de numerao
e contagem, adaptaes mnemotcnicas, simbolismo algbrico, obras de
arte, escrita, esquemas, diagramas, mapas, desenhos, todos os tipos
de signos convencionais etc. Aqui devemos novamente levar em conta
a coragem cientfica de Vigotski, que ousou combinar em uma srie,
objetos com aparente incompatibilidade. O ponto de vista usualmente
aceito na poca era de que o psiclogo examine adaptaes secundrias
que desempenham um papel executivo (amarrando um n para lembrar
alguma coisa), por um lado, e estruturas psicolgicas fundamentais
(por exemplo, discurso), por outro lado.
O que esses objetos heterogneos a partir da palavra para o n
para relembrar alguma coisa tm em comum? Primeiro de tudo, todos
eles foram criados artificialmente pela humanidade e representam
elementos da cultura (da o nome da teoria de Vigotski como
histrico-cultural). Alm disso, todos eles so meios-estmulos, ou
instrumentos psicolgicos e eles so primeiro direcionados para fora,
para um parceiro. Somente depois os instrumentos psicolgicos so
aplicados a si mesmo, i.e., eles se tornam para a Pessoa um meio de
guiar seus prprios processos mentais. Subsequentemente, o
crescimento dos meios-estmulos continua. A funo mental mediada a
partir de dentro e a necessidade por um meio-estmulo externo (no
que diz respeito a determinada pessoa) cessa de existir. Todo esse
processo desde o incio at o final, Vigotski chamou o crculo
completo de desenvolvimento histrico-cultural das funes
mentais.
Em seu artigo, O Problema do Desenvolvimento Cultural da Criana
(1928), ele descreveu esse processo em detalhes usando o exemplo
dos experimentos com memorizao de palavras que ele e seus
colaboradores executaram com crianas. Retratos formaram os
meios-estmulos desses experimentos. Enquanto no primeiro estgio o
experimentador teve que apresentar os retratos para a criana, no
segundo estgio a criana j selecionou ele mesmo os retratos
correspondentes (aplicando o instrumento para si mesmo), e no
terceiro estgio o crescimento ocorreu, i.e., a necessidade pelo
retrato no existia mais. Em seu artigo, Vigotski mencionou diversos
tipos diferentes de crescimento: substituio simples de estmulos
externos por internos, o tipo de ponto que combina em um nico ato
partes de processo que eram, a princpio,
17 Devemos entender que tal uso da palavra estmulo era bastante
incomum. suficiente comparar com a forma que os behavioristas,
reflexologistas etc. lidavam com o estmulo. Tal desleixo
terminolgico por Vigotski formou uma das dificuldades do
entendimento correto de seu trabalho e pode ser explicado, antes de
tudo, pelo estado incompleto de sua concepo. Ele estava com
bastante pressa com pressa de realizar suas ideias, para completar,
embora em esboos grosseiros, sua teoria. Neste processo, a preciso
terminolgica era uma questo de importncia secundria.
-
18
relativamente independentes, e o domnio da estrutura (princpio)
da prpria mediao (esse o tipo mais avanado de crescimento).
Assim, a lgica interna do desenvolvimento de sua teoria
intimamente levou Vigotski aos problemas da internalizao que
estavam, naqueles anos, sendo elaborados pela escola psicolgica
francesa. Mas, existia uma diferena de princpio entre a concepo de
internalizao dessa escola e a de Vigotski. A primeira concebia a
internalizao como a fora de fora sobre a conscincia individual
primordialmente existente e primordialmente a-social de algumas
formas de conscincia societal (Durkheim), ou dos elementos da
atividade social externa, cooperao social (Janet). Para Vigotski, a
conscincia s formada no processo de internalizao no existe
conscincia primordial a-social, nem filogeneticamente nem
ontogeneticamente falando.
Nesse experimentos, as hipteses bsicas de Vigotski eram
experimentalmente confirmadas. Devido mediao por instrumentos
psicolgicos, o prprio processo mental se transformou, sua estrutura
se reformou (por exemplo, a memria lgica era forma com base na
memria sensorial). Aqui vemos outra hiptese de Vigotski em forma
embrionria: no processo de mediao, o pensamento se torna anexo
memria, que desempenha um papel enorme na memria lgica. Mais tarde
isso se torna o ponto de partida para as ideias que ele desenvolveu
sobre os sistemas psicolgicos (ver abaixo).
O mtodo histrico-gentico de Vigotski foi de grande importncia
nas investigaes do processo de mediao. Aqui o poder heurstico desse
mtodo foi revelado sobre o material concreto. Os fatos que Vigotski
descobriu j eram parcialmente conhecidos na psicologia cientfica.
Ele mesmo em seu artigo O Problema do Desenvolvimento Cultural da
Criana menciona, por exemplo, os experimentos de Binet com
memorizao, que mostraram que um sujeito pode aplicar certos mtodos
para melhorar a quantidade de nmeros que ele deve memorizar.
Entretanto, nem Binet nem outro psiclogos que conheciam tais fatos
perfeitamente bem (existiu um termo conhecido, mnemotcnica) foram
capazes de interpret-los adequadamente. Eles eram vistos como
somente um truque tcnico conveniente para memorizao o que na melhor
das hipteses tinha significado aplicado, se no como simples
curiosidade, um truque de mgica (Binet escreveu sobre a simulao da
memria por meios de mnemotcnicas).
Ningum era capaz de ver aqui a chave para revelar as
regularidades fundamentais da vida mental. Devemos perceber que
essas investigaes eram executadas com adultos e que os
experimentadores que estudaram, por exemplo, o intervalo de ateno,
no lidaram com a questo do desenvolvimento ontogentico e
filogentico das funes mentais correspondentes. S se poderia
desnudar o significado fundamental dos fatos correspondentes ao
seguir, assim como Vigotski, o caminho da investigao
histrico-gentica (investigao histrico-gentico que nos permite
seguir a formao de alguma funo e no somente investiga-la por meio
da abordagem de seo transversal).
Para Vigotski, as hipteses da mediao das funes mentais,
combinadas com o mtodo histrico-gentico, abriram novas perspectivas
para sua pesquisa. Essa abordagem permitiu a ele isolar a unidade
bsica da vida mental. Assim, em seus artigos O Mtodo Instrumental
na Psicologia e O Problema do Desenvolvimento Cultural da
-
19
Criana, ele examina isso para o exemplo dos processos de
memorizao. No primeiro artigo ele escreve:
Na lembrana [memorizao M.S.] natural estabelece-se uma conexo
associativa direta (um reflexo condicionado) A-B entre os dois
estmulos A e B. Na lembrana artificial, mnemotcnica, dessa mesma
marca atravs do instrumento psicolgico X (n no leno, esquema
mnemnico), no lugar da conexo direta A-B estabelecem-se duas novas
conexes: A-X e X-B, cada uma das quais um reflexo condicionado,
determinado pelas propriedades do tecido cerebral, da mesma forma
que a conexo A-B. O novo, o artificial, o instrumental dado pela
substituio de uma conexo A-B por duas: A-X e X-B, que conduzem ao
mesmo resultado, mas por outro caminho. O novo a direo artificial
que o instrumento imprime ao processo natural de fechamento da
conexo condicionado, ou seja, a utilizao ativa das propriedades
naturais do tecido cerebral.18
A fim de entender a ideia de Vigotski corretamente, devemos
levar em conta o
seguinte. Os processos de memorizao eram para ele somente um
modelo. De acordo com suas hipteses, os processos de mediao era de
grande importncia para qualquer funo mental. por isso que o esquema
proposta possui significado universal. Estamos falando sobre da
substituio do esquema bipartite, que eram usualmente aceito na
dcada de 1920, por um esquema tripartite no qual uma terceira
parte, intermediria, mediadora os meios-estmulos ou instrumento
psicolgico colocado entre o estmulo e a reao. O ponto crucial da
ideia de Vigotski que somente o esquema tripartite que no ser mais
decomposto pode ser a unidade mnima de anlise que preserva as
propriedades bsicas das funes mentais.
Assim, a questo decisiva surgiu: as hipteses de mediao sugeridas
por Vigotski realmente nos permitem isolar uma nova unidade
universal adequada da estrutura das funes mentais? Se isso fosse
verdade, ento Vigotski poderia proceder para a soluo do problema da
conscincia a partir da posio do mtodo histrico-gentico. Mas
primeiro essas hipteses gerais precisavam ser verificadas. Modelos
para tal verificao se tornaram primeiro a memria e depois a ateno
(O Desenvolvimento das Formas Superiores de Ateno na Infncia,
1925). Ao longo dos experimentos sobre ateno, a hiptese de mediao
foi mais uma vez confirmada a estrutura dos processos de ateno
tambm se reestruturam devido aos instrumentos psicolgicos.
O programa seguinte de investigaes de Vigotski e seus
colaboradores se preocupou com a verificao da hiptese de mediao
sobre o exemplo de um processo mental fundamental como o
pensamento. Essas investigaes, entretanto, levaram a novos e
inesperados resultados.
18 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Teoria e Mtodo em Psicologia.
3.ed. So Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 94-95.
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20
7 bem conhecido que o pensamento est intimamente entrelaado com
a
linguagem. Alguns psiclogos (por exemplo, Watson) elaboraram a
concluso de que o pensamento pode simplesmente ser reduzido
linguagem interna. Watson imaginou a ontogneses do pensamento como
procedendo junto seguinte linha: linguagem falada sussurro
linguagem interna. Entretanto, as investigaes da escola de Wrzburg
executadas no incio do sculo mostraram que o pensamento e a
linguagem no coincidem absolutamente.
Assim, existiam dois pontos de vista nesta rea: a reivindicao de
que o pensamento e a linguagem coincidiam plenamente e a
reivindicao de que eles eram totalmente diferentes. A
unilateralidade dessas posies levou ao desenvolvimento de muitas
teorias intermedirias comprometedoras. Desde o incio, Vigotski no
concordou com a maneira que elas se desenvolveram. Consistiam em
examinar o processo do pensamento verbal em pessoas civilizadas
adultas, que psiclogos ento decompunham em suas partes componentes.
O pensamento era considerado independente da linguagem, e a
linguagem independente do pensamento. Ento os psiclogos tentaram,
nas palavras de Vigotski, retratar o vnculo entre um e outro como
uma dependncia mecnica puramente externa entre dois processos
diferentes (Pensamento e Linguagem, captulo 1). Aqui ele encontrou
as duas principais deficincias da psicologia na forma mais bvia:
anlise em elementos e anti-historicismo.
A verdadeira resposta para a questo da relao entre pensamento e
linguagem era, consequentemente, para ser encontrada somente no
caminho da investigao histrico-gentica. A psicologia j havia
angariado alguns fatos materiais para tal abordagem. Assim, na
dcada de 1920 as investigaes de Khler lanaram uma nova luz nessas
questes. Por um lado, ele descobriu em macacos o que ele chamou de
intelecto instrumental. Parecia provvel que esse intelecto
instrumental estava vinculado ao pensamento humano
(particularmente, verbal). Poderia ser visto como um dos nveis que
filogeneticamente precedia o pensamento humano. Por outro lado, nos
macacos foram descobertos diversos anlogos linguagem do tipo
humana. Mas, o mais interessante era que o prprio Khler e outros
investigadores que replicaram seus experimentos concordaram sobre a
ausncia de um vnculo entre o intelecto instrumental e esses
rudimentos da linguagem nos macacos. Descobriu-se,
consequentemente, que as razes genticas do pensamento humano e
linguagem humana eram diferentes e somente cruzavam em certa
idade.
luz desses fatos e se mantendo com a lgica geral dessa concepo,
Vigotski chegou concluso de que a linguagem um instrumento
psicolgico que media o pensamento em seu estgio inicial (como
estgio inicial do pensamento ele quis dizer atividade prtica). Como
resultado de tal mediao verbal, o pensamento se desenvolve.
Vigotski expressou essa ideia de maneira aforstica, parafraseando
as famosas palavras de Fausto. Ao invs do bblico Era no incio o
Verbo, Goethe escreve Era no incio a Ao19. Para Vigotski, no
problema da gneses do pensamento, a nfase lgica
19 [GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto: uma tragdia Primeira
parte. 4.ed. So Paulo: Editora 34, 2010, p. 131. M.S.]
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transferida para as palavras no incio. Assim, no incio era a ao
(atividade prtica), que se tornou mediada pela palavra. Vigotski
sugeriu que este era o ncleo do problema no plano filogentico.
Em princpio, algo similar deve ocorrer tambm na ontogneses. Na
dcada de 1920 as investigaes ontogenticas do pensamento e linguagem
era executadas por Piaget. Elas causaram uma grande impresso em
Vigotski. Na verdade, o livro Pensamento e Linguagem , em grande
medida, estruturado como uma polmica com Piaget, embora no forme,
naturalmente, a principal parte do contedo de seu trabalho.
(Suficientemente interessante, o prprio Piaget leu Pensamento e
Linguagem somente no final da dcada de 1950 e concordou largamente
com as anotaes crticas de Vigotski.) Piaget conseguiu observar e
descrever o fenmeno da linguagem egocntrica que ele interpretou
como a manifestao da suposta natureza a-social intrnseca primordial
da criana. Em posterior desenvolvimento, como a criana se torna
socializada, a linguagem egocntrica gradualmente morre.
Ao longo dos experimentos, Vigotski convincentemente mostrou que
exatamente o oposto. A linguagem egocntrica originalmente social.
Ela no desaparece, mas se torna linguagem interna. internalizada. o
meio mais importante do pensamento que nasce na atividade externa,
objetiva da criana. O pensamento verbal se desenvolve na medida em
que a atividade internalizada. Aqui as hipteses de Vigotski foram
novamente confirmadas: o pensamento que se desenvolve a partir da
atividade prtica mediado pela linguagem, pela palavra.
Mas uma verificao ainda mais importante dessas hipteses ocorreu
com o material das investigaes da formao nas crianas de um produto
do pensamento verbal que a generalizao. A tarefa era verificar se a
palavra realmente tal meio, tal instrumento psicolgico, que media o
processo de generalizao e a formao de conceitos em crianas.
As investigaes as quais nos referimos comearam em 1927 por
Vigotski, junto com seu colaborador Sakharov, e depois da morte do
ltimo (em 1928) elas foram continuadas de 1928 a 1930 por Vigotski
e Ju. V. Kotelova e E. I. Pashkovskia (a exposio mais detalhada dos
mtodos e resultados dessas investigaes dada no trabalho de Vigotski
Pensamento e Linguagem e no artigo de Sakharov Sobre os Mtodos de
Investigao de Conceitos).
Para a investigao dos processos de generalizao, Vigotski e
Sakharov desenvolveram uma nova variante do mtodo de estimulao
dupla, que foi, na verdade, uma verso particular do mtodos de
palavras artificiais introduzido por Asch no comeo do sculo para o
estudo dos conceitos. A investigao foi executada junto com as
mesmas linhas fundamentais das investigaes de outras funes mentais.
O sujeito tinha que agrupar um nmero de figuras geomtrica
tridimensionais de acordo com suas caractersticas. As figuras
diferiam em tamanho, forma e cor. O papel da segunda srie de
estmulos os meios-estmulos era para ser executada por palavras
artificiais sem sentido introduzidas no experimento.
No decorrer dos experimentos, um resultado inesperado foi
encontrado que mudou a direo da investigao. Descobriu-se que para o
sujeito, a tarefa de generalizar as figuras por meio de
meios-estmulos se tornou outra tarefa de descobrir o significado
desses meios-estmulos ao selecionar as figuras geomtricas. Assim,
os instrumentos
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22
psicolgicos, os meios-estmulos, mostraram um novo lado eles se
tornaram em veculos de certos significados. Esses dados permitiram
aos investigadores mudar a terminologia da investigao. Os
instrumentos psicolgicos, ou meios-estmulos, passaram a se chamar
signos. Vigotski comeou a usar a palavra signo no sentido de tendo
significado.
Deve ser dito que Vigotski j estava interessado na questo do
papel dos signos na vida mental dos humanos antes de se se envolver
na psicologia cientfica. A primeira vez que ele se deparou com essa
questo foi nos anos que ele trabalho na rea de psicologia da arte.
J em seu livro Psicologia da Arte, ele escreveu que as emoes
humanas eram causadas por certos signos e que sua tarefa era
proceder anlise das emoes com base na anlise desses signos. Aqui
por signo ele tambm quis dizer um smbolo que possui certo
significado.
Tal ponto de vista era tradicional para a crtica literria e
dramaturgia, mas inesperada para a psicologia ou fisiologia (um
reflexologista tambm pode dizer que um signo causa uma emoo, mas
para ele significaria que o signo um estmulo condicional no sistema
de reflexo condicional). precisamente a educao humanitria
(particularmente, sua semntica e semitica) que Vigotski adquiriu
nos anos de trabalho sobre Psicologia da Arte que permitiu a ele
resistir ao esquema reflexolgico na anlise dos experimentos sobre
generalizao e v-los como uma entrada para o problema do
significado.
Nessa conexo, interessante observar que j no final da dcada de
1920 e incio da de 1930, Vigotski retomou a investigao do papel dos
signos na psicologia da arte, i.e., ele retomou suas, na linguagem
moderna, investigaes semiticas (semitica como uma cincia ainda no
existia na poca). Junto com Eisenstein, ele comeou a trabalhar
sobre a teoria da linguagem cinematogrfica (a colaborao deles foi
interrompida pela morte de Vigotski; algum material est preservado
nos arquivos de Eisenstein).
8
Assim, para Vigotski o estudo do problema da generalizao, o
desenvolvimento
dos conceitos, o problema do significado da palavra se tornaram
o caminho para investigar a ontogneses do pensamento, que se tornou
o centro nervoso de toda sua teoria.
Os experimentos executados com o mtodo de estimulao dupla provar
que, em seu desenvolvimento, os conceitos (e palavras junto com
eles) passam por diversos estgios.
O primeiro estgio (o perodo inicial pr-escolar) o estgio dos
conjuntos sincrticos. Nesse estgio a palavra no possui significado
fundamental para a criana. Figuras so combinadas de acordo com
caractersticas acidentais (por exemplo, por que esto espacialmente
perto ou possuem uma caracterstica externa marcante etc.). Tal
combinao baseada em impresso acidentais era, naturalmente, no
estvel.
O segundo estgio o estgio dos complexos. O complexo generalizao
possui diversas formas diferentes. Eles tm em comum que a criana
ainda combina objetos com base na experincia sensorial imediata,
mas de acordo com conexes fatuais. Cada
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23
conexo pode servir como a base para a incluso de um objeto em um
complexo, desde que este presente. No processo do desenvolvimento
do complexo, essas conexes constantemente mudam de lugar como a
base do agrupamento. Eles escapam, perdem seus contornos, e a nica
coisa que possuem em comum que eles foram descobertos atravs de
alguma operao prtica nica. Nesse estgio as criana no podem ainda
examinar alguma caracterstica ou conexes entre objetos fora da
situao concreta, presente, visvel na qual estes objetos mostram sua
abundncia de caractersticas mutualmente transversais. por isso que
a criana de um detalhe para outro e assim por diante.
Todas as caractersticas so iguais no significado funcional, no
existe hierarquia entre elas. Um objeto concreto entre em um
complexo como uma unidade visual real com todas as suas
caractersticas fatuais inalienveis. Na formao de tal generalizao,
um grande papel desempenhado pelo signo verbal. Ele funciona como
uma indicao familiar dos objetos, combinando-os de acordo com
alguma caracterstica fatual.
Um lugar especial entre os complexos mantido por uma de suas
formas o pseudoconceito, que, nas palavras de Vigotski, forma a
forma mais difundida de pensamento por complexos na criana no
perodo pr-escolar, que prevalece acima de todas as outras formas e
frequentemente quase exclusivamente presente (Investigaes
Psicolgicas Escolhidas, 1956, p. 177). De acordo com suas
caractersticas externas, a generalizao da criana um conceito, mas
de acordo com o processo que leva generalizao ainda um complexo.
Assim, a criana pode livremente selecionar e combinar em um grupo
todos os tringulos independente de suas cores, tamanhos etc.
Entretanto, uma anlise especial mostra que esta combinao executada
pela criana com base e uma compreenso visual do atributo visual
caracterstico da triangularidade (fecho, o cruzamento caracterstico
das linhas etc.) sem qualquer isolamento das propriedades essencial
dessa figura como uma figura geomtrica, i.e., sem a ideia de um
tringulo. Na medida em que tal agrupamento pode ser feito por uma
pessoa que j dominou essa ideia, o pseudoconceito e o conceito
coincidem como produto, mas por trs deles existem vrios mtodos de
trabalho, vrias operaes intelectuais.
O terceiro estgio aquele do verdadeiro conceito. formado com
base na seleo de um grupo de objetos que so combinados de acordo
com uma caractersticas que foi abstrada. Quando as caractersticas
abstratas foram isoladas e os diferentes elementos abstrados da
situao visual na qual so apresentados no experimento, este o
primeiro estgio da formao de conceito. O prprio conceito se
desenvolve quando um nmero de caractersticas abstradas so novamente
sintetizadas. O papel decisivo na formao de conceitos desempenhado
pela palavra como um meio de guiar a ateno s caractersticas
correspondentes e como um meio para abstrao. Aqui o papel da
palavra (o significado do signo verbal) totalmente diferente de seu
papel no nvel dos complexos.
Essa investigao produziu um nmero de resultados importantes e
levou um nmero de problemas. No contexto da teoria geral de
Vigotski, a descoberta do fato de que o significado das
palavras-signos mudam na ontogneses muito importante. Sua funo muda
de uma indicao familiar a meio de abstrao. Importante tambm que
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o mtodo de estimulao dupla novamente se justifica e mostrou que
o signo nos processos de generalizao, agem como um meio de mediao
(seu papel diferente nos vrios estgios).
Entretanto, no que diz respeito ao problema da formao de
conceito e o problema da prpria generalizao, a investigao de
Vigotski levou mais novas questes do que respondeu as velhas
questes. Sua conquista mais importante nessa conexo se tornou a
descoberta do nvel de complexos e, particularmente, os
pseudoconceitos. Aqui a questo natural surge: porque a psicologia
tradicional antes de Vigotski passou e ignorou os pseudoconceitos?
A questo que a psicologia tradicional tomou o pseudoconceito como
um conceito e no possua os meios para distinguir eles. A psicologia
tradicional viu a generalizao, o isolamento de algumas
caractersticas comuns, como a nica caracterstica do conceito. Em
tal abordagem do problema, os pseudoconceitos e os conceitos
genunos realmente se tornam indistinguveis.
importante manter em mente que tal caracterizao de conceitos no
era psicolgica, mas lgica formal. Sua transferncia acrtica da lgica
formal, onde ela realmente funcionou, para a psicologia, onde ela
no possua contedo, causou danos psicologia que os prprios psiclogos
no haviam percebido. Tal tratamento do conceito recebeu seu
primeiro golpe nas investigaes de Jeansch na dcada de 1920, e o
trabalho de Vigotski colocou um fim nele. O mtodo histrico-gentico
psicolgico fundamental das investigaes de Vigotski revelou a falta
de contedo da definio lgico formal do conceito, que uniu
psicologicamente fenmenos diversos o conceito genuno e o
pseudoconceito.
Mas, o paradoxo da descoberta de Vigotski residia no fato de que
ele prprio em seu trabalho sobre conceito foi junto com a linha do
desenvolvimento de generalizaes, que iniciou a partir da situao
visual e que no final de sua investigao, devido ao mtodo
histrico-gentico, ele mostrou a inadequao de tal caminho.
Naturalmente, o parentesco do objeto permanece um aspecto
indisputvel da explicao materialista do conceito, mas no deve ser
confundido com a visualidade situacional. Vigotski sentiu que at
mesmo o estgio superior de generalizao da situao visual no ,
todavia, o estgio superior do desenvolvimento do prprio conceito.
Apesar de todo seu carter abstrato, o conceito revelado dessa forma
estava relacionado ao pseudoconceito e o complexo. Ele formou com
eles um contnuo. Eles estavam ligados pelo contedo da generalizao
que reside por trs deles. A fim de criar um caminho para o nvel
superior do conceito, era necessrio proceder de outro princpio de
generalizao, abordar o conceito de outro lado.
A busca posterior de Vigotski foi nessa direo. Ele no conseguiu
realizar muito, mas o pouco que conseguiu (nos anos 1930-1931, Shif
trabalhou sobre este problema sob sua orientao) deixou um trao
fundamental na psicologia e foi aplicado praticamente de forma
ampla subsequentemente.
Vigotski distinguiu dois tipos de conceitos: conceitos
cotidianos e conceitos cientficos. Os conceitos cotidianos so os
conceitos revelados nos experimentos descritos acima. o nvel
superior que uma generalizao pode ser elevada que procede de uma
situao visual, a abstrao de alguma caracterstica visual. Esses
conceitos so ideias gerais que vo do concreto ao abstrato. Eles so
conceitos espontneos. Eles so a
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generalizao de coisas como o prprio Vigotski expressivamente
disse em seu trabalho Pensamento e Linguagem.
Shif estabeleceu em suas investigaes que a criana desenvolve
conceito cientfico de outra forma. Eles so a generalizao de ideias.
Aqui uma conexo estabelecida entre conceitos, e sistemas so
formados. Ento a criana se torna consciente de sua prpria atividade
intelectual. Devido a isso, a criana desenvolve uma relao especial
com o objeto, que permite a ele ver nos objetos o que est
inacessvel para os conceitos empricos (a penetrao na essncia do
objeto). O caminho da formao do conceito cientfico , Vigotski
mostrou, oposto ao caminho da formao do conceito cotidiano,
espontneo. o caminho do abstrato ao concreto durante o qual a
criana est mais consciente do conceito do que do objeto desde o
incio.
Vigotski no podia investigar plenamente este processo na poca,
mas sua grande conquista cientfica foi que ele conseguiu
estabelecer experimentalmente a diferena psicolgica entre os
processos de formao dos conceitos cotidianos e conceitos
cientficos.
Como pode estar conectado o desenvolvimento na criana de
conceitos cotidianos e conceitos cientficos? Vigotski conectou este
problema com o problema mais amplo de ensino e aprendizagem. No
processo de sua investigao, ele se deparou com o fato de que o
desenvolvimento de conceitos cientficos procedia mais rpido do que
o desenvolvimento de conceitos espontneos (Pensamento e Linguagem,
captulo 6). A anlise desse fato o levou concluso de que o grau de
domnio dos conceitos espontneos indica o nvel do verdadeiro
desenvolvimento da criana, enquanto o grau de domnio dos conceitos
cientficos indica a zona de desenvolvimento proximal da criana. Com
a introduo do conceito da zona de desenvolvimento proximal,
Vigotski prestou um grande servio psicologia e pedagogia.
Conceitos espontneos realmente se desenvolvem espontaneamente.
Conceitos cientficos so trazidos conscincia da criana ao longo da
aprendizagem. [...] conceitos cientficos [...] melhoram alguma rea
do desenvolvimento no percorrida pela criana [...] neste caso
comeamos a entender que a aprendizagem cos conceitos cientficos
pode efetivamente desempenhar um papel imenso e decisivo em todo o
desenvolvimento intelectual da criana20. A aprendizagem s boa
quando est frente do desenvolvimento21. Ento a aprendizagem motiva
e desencadeia para a vida toda uma srie de funes que se encontravam
em fase de amadurecimento e na zona de desenvolvimento imediato
[proximal M.S.]22.
Assim, a zona de desenvolvimento proximal caracteriza a diferena
entre o que criana capaz por si mesmo e o que pode se tornar capaz
com a ajuda de um professor.
20 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da
Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, pp. 351-352.
21 VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da
Linguagem. 2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 334. 22
VIGOTSKI, Lev Semenovitch. A Construo do Pensamento e da Linguagem.
2.ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 334.
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Tal viso era revolucionria para sua poca. bem conhecido que na
poca dominavam vises de acordo com as quais a aprendizagem deve
seguir o desenvolvimento e fortalecer o que foi conquistado.
Parecia impossvel que a aprendizagem estaria frente do
desenvolvimento da criana no podemos ensinar algo para o qual a
base ainda no amadureceu na criana. Parecia natural determinar o
nvel de desenvolvimento da criana pelo que ela podia fazer
independentemente. A anlise do desenvolvimento da criana usando o
mtodo de seo transversal no podia, em princpio, produzir qualquer
outra concluso. Mas, as coisas mudaram radicalmente depois da
aplicao do mtodo histrico-gentico de Vigotski, que permitiu aos
investigadores revelar o nvel potencial do desenvolvimento
cognitivo da criana, a zona de desenvolvimento proximal.
A aplicao desse conceito tinha importncia prtica direta para o
diagnstico do desenvolvimento cognitivo de crianas, que agora
poderia ser realizado tanto no nvel real quanto no nvel
potencial.
Depois que as hipteses de mediao dos processos mentais foram
verificadas na formao de vrias funes mentais (pensamento, memria,
ateno etc.) e depois que os correspondentes novos mtodos para a
investigao psicolgica terem sido criados, Vigotski retornou ao seu
problema inicial, fundamental, para o qual a teoria
histrico-cultural serviu como prlogo o problema da conscincia.
Vigotski no terminou seu trabalho; foi interrompido por sua morte.
por isso que sua teoria psicolgico no pode ser considerada como
completada. Mas, ele, no obstante, esboou alguns contornos gerais
de um teoria da conscincia que so de grande interesse.
Particularmente importante para o entendimento de sua abordagem do
problema so os trabalhos Pensamento e Linguagem (especialmente o
ltimo captulo), a palestra O Problema do Desenvolvimento e Perda
das Funes Mentais Superiores (1934), a palestra Jogos e seu Papel
no Desenvolvimento Mental da Criana (1933), o manuscrito inacabado
Teorias de Espinoza e Descartes Sobre as Paixes Luz da
Neuropsicologia Moderna (1934), e a palestra Psicologia e a Teoria
da Localizao das Funes Mentais (1934). Muitas ideias em relao a
este problema tambm podem ser encontradas em seus trabalhos
iniciais, especialmente A Histria do Desenvolvimento das Funes
Mentais Superiores, e em sua palestra Sobre Sistemas Psicolgicos
(1930).
Quais foram as principais concluses a que Vigotski chegou? As
funes mentais se desenvolvem ao longo do desenvolvimento histrico
da humanidade. O fator decisivo neste desenvolvimento so os signos.
Vigotski (A Histria do Desenvolvimento das Funes Mentais
Superiores, 1960, pp. 197-198) escreveu que em uma estrutura
superior, o signo e a forma como usado so o todo funcional decisivo
ou foco de todo o processo. Um signo qualquer smbolo convencional
que possui um certo significado. A palavra o signo universal. Um
funo mental superior se desenvolve com base em uma funo elementar
que se torna mediada por signos no processo de internalizao.
Internalizao a lei fundamental do desenvolvimento para as funes
mentais superiores na ontogneses e filogneses. Cada funo no
desenvolvimento cultural [...] aparece no palco duas vezes, em dois
planos. Primeiro como uma funo social, ento como uma funo
psicolgica. Primeiro entre pessoas, como uma categoria
interpsicolgica, ento [...] como uma categoria intrapsicolgica (A
Histria do
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Desenvolvimento das Funes Mentais Superiores, 1960, pp.
197-198). A conscincia humana formada no processo de
internalizao.
No fim da dcada de 1930, o entendimento de Vigotski do processo
de internalizao mudou fundamentalmente. Ele prprio disse isso sobre
a questo: No processo de desenvolvimento [...] no so muito as funes
que mudam, como estudamos no incio (esse foi nosso erro), no muito
sua estrutura [...] mas so as relaes, as conexes entre as funes que
mudam e se tornam modificadas. Novos grupos se desenvolvem que so
desconhecidos no estgio precedentes (Sobre Sistemas Psicolgicos, p.
110). Aqui Vigotski quer que os ouvintes prestem bastante ateno
distino entre esses dois aspectos do problema e est sendo injusto
consigo mesmo. Se ele no tivesse comeado seu estudo do fato de que
a estrutura de funes diferentes mudam sob a influncia da mediao com
tal erro, ele nunca teria chegado na nova concluso de que as
conexes entre as funes mudam ao longo do desenvolvimento.
Falando sobre o problema das conexes interfuncionais, Vigotski
se voltou aos trabalhos do grande terico evolucionrio e zoopsiclogo
russo, Vagner, em cujo trabalho ele encontrou o conceito de evoluo
junto com linhas puras ou misturadas que foi muito importante para
ele. A evoluo junto com linhas puras caracterstica do mundo animal,
i.e., o aparecimento de um novo instinto, uma variante de um
instinto que deixa inalterado o sistema de funes que se desenvolveu
antes (O Problema do Desenvolvimento e Perda de Funes Mentais
Superiores, 1960, p. 368). Em contraste, para o desenvolvimento da
conscincia humana, o mais importante [...] no desenvolvimento das
funes mentais superiores no tanto o desenvolvimento de cada funo
mental [...] mas a mudana das conexes interfuncionais (O Problema
do Desenvolvimento e Perda de Funes Mentais Superiores, 1960, p.
368).
Em conexo com esse ponto decisivo em sua investigao dos
relacionamentos interfuncionais, Vigotski se voltou ao novo
conceito de sistema psicolgico. Em vrios significados vagas ele foi
usado na psicologia j antes de Vigotski, mas ele quis dizer o
sistema de conexes interfuncionais, a estrutura interfuncional
responsvel por um processo mental especfico (percepo, memria,
pensamento etc.). Em suas Palestras Sobre Psicologia (1932/1987, p.
324), ele escreveu que o desenvolvimento do pensamento de central
importncia para toda a estrutura da conscincia, central para todo o
sistema de funes mentais.
O conceito de sistema psicolgico provou muito frutfero para a
teoria de Vigotski23. Assim, por exemplo, psiclogos conheciam por
um longo tempo que nos processos da memria lgica, no somente a
memria, mas tambm o pensamento participam. Mas, Vigotski conseguiu
mostrar, usando o mtodo histrico-gentico, como a formao de um
sistema psicolgico ocorre no processo de mediao das funes m