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Raquel Pereira de Souza1Antnio Mrcio Buainain2
A competitividade da produo de leite da agricultura familiar: os
limites da excluso
IntroduoO sistema agroalimentar tem passado nas ltimas dcadas
por
um intenso processo de reestruturao. Uma das conseqncias mais
proeminentes dessa reestruturao, no mbito das cadeias
agroindus-triais, a intensificao da concorrncia e o estabelecimento
de novas condies de competitividade, caracterizadas por uma maior
sofis-ticao dos padres de consumo, com implicaes imediatas sobre os
processos produtivos e qualidade da matria-prima utilizada pela
agroindstria, presso para tecnificao na produo agropecuria com o
objetivo de ampliar a escala de produo e a qualidade da
matria-prima (WILKINSON e MIOR, 1999).
Diante desse processo de reestruturao, o principal caminho para
manter a produtividade parece ser a especializao do produ-tor
rural, bem como o aumento da escala e da eficincia produtiva e das
condies para atender as crescentes exigncias dos mercados. Estes
fatores colocavam-se como srias ameaas aos produtores de
matrias-primas em cadeias produtivas tradicionais, em particular os
pequenos. De fato, aqueles produtores incapazes de se adequar s
novas exigncias de escala de produo ou de qualidade da
matria--prima seriam, dessa forma, excludos.
No caso da reestruturao na cadeia produtiva do leite, as
mu-danas institucionais vinculadas a esse processo incluem a
desregu-
1 Professora do Departamento de Engenharia de Agronegcios, da
Universidade Federal Fluminense (UFF).
2 Professor Livre-Docente do Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas Unicamp.
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309
Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
lamentao dos preos, a abertura comercial e facilidade de
impor-tao de leite e derivados dos pases do Mercosul, a
reestruturao da indstria (concentrao e centralizao do
processamento), a di-versificao do consumo de lcteos e as exigncias
sanitrias deter-minadas pela Instruo Normativa n 51 (IN n 5/2002 do
Ministrio da Agricultura).
Estas mudanas institucionais tm tido forte impacto sobre a
cadeia produtiva do leite e determinado a mudana do perfil do
produtor de leite, no sentido de aumento de escala e qualidade da
matria-prima, desfavorveis aos produtores de leite da agricultura
familiar, que em geral no so especializados, produzem em pequena
escala, de forma fragmentada e nem sempre perto das unidades de
processamento. Diante desse contexto, colocava-se a questo: Ser que
h ainda espao para que a agricultura familiar se insira de forma
competitiva na produo de commodities, como o caso do leite?
Buainain, Souza Filho e Silveira (2002, p. 101) argumentam que
(...) o destino da agri-cultura familiar no est dado, mas depende
em grande medida da capacidade para neutralizar ou reduzir as
desvantagens competitivas (...) e potencializar as vantagens
(...).
Assim, h um conjunto de aspectos que podem assegurar a
com-petitividade da produo da agricultura familiar, mesmo na
pro-duo de commodities, onde a vantagem de escala se manifesta mais
claramente. E h evidncias que comprovam a existncia dessa
com-petitividade, no que se relaciona produo de leite.
Recentemente, tem havido um processo de concentrao dos novos
investimentos industriais no sul do pas, onde a produo de leite
basicamente realizada pela agricultura familiar. Segundo informaes
coletadas por Pigatto, Souza e Morais (2009), dos 27 investimentos
que foram ou vem sendo realizados pelo setor lcteo em aumento de
capacida-de produtiva, 14 esto localizados no Sul do pas e, destes,
sete foram realizados no Rio Grande do Sul, mais especificamente na
regio Noroeste do estado, onde esto localizadas as cidades de
Carazinho, Palmeira das Misses, Iju e Passo Fundo. No entanto, como
explicar a ida de grande parte dos investimentos em capacidade
produtiva do setor lcteo que aconteceram nos ltimos anos para essa
regio que concentra bacias leiteiras formadas, preponderantemente,
por agricultores familiares?
Assim, o presente artigo tem por objetivo investigar como se
expli-ca a competitividade dos agricultores familiares produtores
de leite diante das maiores exigncias de carter quantitativo e
qualitativo, tendo a regio de Passo Fundo como estudo de caso.
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A competitividade da produo de leite da agricultura ...
Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 21, n. 2, 2013:
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Um modelo analtico para compreenso da competitividade na
agricultura familiar
Diferentes conceitos tm sido apresentados na literatura para o
termo competitividade. Um destes o apresentado por Haguenauer
(1989, p.13), que define a competitividade como (...) a capacidade
de uma empresa, setor ou indstria de produzir mercadorias com
pa-dres de qualidade que sejam especficos, que sejam requeridos por
mercados determinados, de forma a utilizar recursos em nveis iguais
ou inferiores aos que prevalecem em indstrias ou empresas que sejam
semelhantes ao resto do mundo, durante certo tempo. Ressaltando,
portanto, a questo da qualidade do produto, mas tambm a questo do
custo de produo. No entanto, a operacionalidade desse conceito pode
ser difcil, uma vez que a sua compreenso multifacetada, po-dendo
envolver diferentes aspectos que contribuem para o alcance de um
produto de qualidade e/ou com baixo custo de produo.
Contudo, os modelos de anlise da competitividade voltados
compreenso dos determinantes da competitividade no segmento
industrial so insuficientes para a anlise da competitividade da
agri-cultura familiar, uma vez que esta possui especificidades que
preci-sam ser consideradas. Essa adequao requer algumas consideraes
importantes medida que elementos caractersticos de sua realidade
social, econmica e ambiental precisam ser considerados.
Ao tratarmos da competitividade de produtores agropecurios,
preciso primeiro considerar que o processo produtivo existente
nesta atividade sofre interferncia direta das caractersticas
edafoclimticas e, portanto, a tomada de deciso dos agentes, ou a
definio de sua estratgia e consequentemente de sua competitividade,
remete a con-siderao de tais caractersticas.
A segunda considerao importante que, relativamente agri-cultura
patronal3, a agricultura familiar historicamente no Brasil teve um
papel marginal no acesso a recursos produtivos, enquanto a
agri-cultura patronal teve acesso privilegiado a terra e crdito
subsidiado pelo governo, principalmente nas dcadas de 1960 e 1970,
ao longo do processo de modernizao da agricultura brasileira
(WILKINSON, 1996). Isso significa que, comparativamente ao produtor
patronal, a agricultura familiar sofre de uma restrio maior aos
recursos de pro-duo (especificamente terra, trabalho, capital e
insumos). No entan-to, essa condio restritiva permitiu o
desenvolvimento de uma srie
3 Por produtor patronal compreende-se aquele que no se enqua-dra
no PRONAF.
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311
Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
de prticas no uso e gesto dos recursos produtivos com o objetivo
de melhor lidar com a escassez destes, o que no teria acontecido na
mesma proporo com os agricultores patronais medida que havia tido
maior acesso a tais recursos. Essas prticas podem, portanto,
con-tribuir para a construo da competitividade quando se considera
a agricultura familiar.
A terceira considerao importante diz respeito questo da
diver-sidade produtiva na agricultura familiar. consenso na
literatura que a agricultura familiar brasileira tem como uma das
suas caractersti-cas a diversidade produtiva (WILKINSON, 1996).
Muitas vezes essa di-versificao segue uma lgica direcionada formao
de sistemas de produo sinrgicos, em que as atividades so
complementares entre si. O sinergismo entre as atividades permite
muitas vezes a reduo de custos, uma vez que possibilita a
substituio de insumos obtidos externamente pela prpria produo
interna, bem como a utilizao de mquinas e equipamentos de forma
conjunta. Nesse sentido, a constituio de sistemas produtivos
sinrgicos pode contribuir para a construo da competitividade na
agricultura familiar.
A partir do exposto sugere-se um marco de anlise da
competitivi-dade para a agricultura familiar apresentada pela
Figura 1.
Segundo o marco analtico apresentado, seis dimenses afetariam a
competitividade das empresas, no caso as propriedades de
agricul-tores familiares que produzem leite. So elas: 1) o ambiente
organi-zacional; 2) o ambiente institucional; 3) o ambiente
tecnolgico; 4) o ambiente competitivo (que envolve os mercados A e
B da Figura 1) no qual a empresa se insere na cadeia produtiva; 5)
as caractersticas edafoclimticas e 6) a disponibilidade dos fatores
de produo. Cada um destes conjuntos diz respeito a mltiplas
variveis.
De acordo com a Figura 1, os ambientes organizacional,
institucio-nal e tecnolgico afetariam toda a cadeia produtiva na
qual os agricul-tores familiares esto inseridos. O ambiente
competitivo, identificado na Figura 1 sendo composto pelos mercados
A e B, afetaria somente as empresas localizadas nos elos que fazem
parte desse mercado. J as caractersticas edafoclimticas e a
disponibilidade de fatores de produo afetariam diretamente as
estratgias das firmas, ou seja, dos agricultores familiares. A
partir da ao simultnea dessas seis dimenses os agricultores
familiares edificariam sua estratgia de ao. E esta, por sua vez,
conduzir (ou no) competitividade dos mesmos.
Nesse sentido, a estratgia que conduzir competitividade. Como o
alcance da competitividade depende da capacidade da em-
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presa de produzir com qualidade e a preos competitivos
(HAGUE-NAUER,1989), logo, a definio de sua estratgia passa por
incorporar meios que viabilizem o alcance de um produto de
qualidade com preos competitivos.
Figura 1 Marco de anlise da competitividade na agricultura
familiar
Fonte: elaborao dos autores. Assim, o conceito de estratgia
passa a ser importante. No entanto,
quando consideramos uma propriedade familiar como unidade
em-presarial, o conceito de estratgia deve ser ampliado, na medida
em que o agricultor familiar ao mesmo tempo empresrio e
trabalhador. Nesse sentido a sua estratgia composta por um misto da
estratgia empresarial (busca pelo lucro) e da estratgia do
trabalhador, que visa basicamente reproduo familiar. Assim, o
conceito de estratgia de re-produo social cabe de forma adequada a
essa realidade. Por estratgia de reproduo social do agricultor
familiar compreende-se as respostas dadas por cada famlia a fim de
assegurar ao mesmo tempo a sua prpria reproduo e a de sua explorao
(SCHNEIDER, 2003, p.114), ou seja, tem como objetivo no somente o
aspecto econmico que envolve a atividade produtiva, mas tambm o
aspecto social, de reproduo da famlia.
Uma forma plausvel de observar a materializao dessa estratgia
nas propriedades agrcolas verificar a composio e funcionamento dos
sistemas produtivos encontrados nas mesmas, poiz os sistemas
produtivos refletem uma srie de determinaes sistmicas, dadas pelo
conjunto das relaes internas e externas da propriedade agrco-la,
que permitem o levantamento dos recursos necessrios ao alcance dos
objetivos dos agricultores.
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
Dufumier (1990) conceitua sistemas de produo como uma com-binao
coerente, no espao e no tempo, de determinada quantidade de
trabalho, seja familiar ou assalariada, de meios de produo (terra,
mquinas, demais insumos) que permitem auferir diferentes produ-es
agrcolas e/ou pecurias. Assim, a estratgia do agricultor fami-liar
passa por alcanar os objetivos em nvel empresarial e familiar,
sendo a definio dessa estratgia influenciada pelo meio ambiente
envolvente, que no marco analtico proposto composto pelos
am-bientes organizacional, institucional e tecnolgico, pela
disponibili-dade de fatores de produo e pelas caractersticas
edafoclimticas do ambiente no qual so desenvolvidas suas
atividades. Por sua vez, a constituio dos sistemas produtivos seria
a materializao dessas estratgias, uma vez que estes se
constituiriam na forma escolhida pelo agricultor de atingir seus
objetivos enquanto produtor e enquan-to unidade familiar.
Nesse sentido, desenvolver uma anlise que considere os sistemas
produtivos permitir observar como estes respondem s influencias do
ambiente, de forma a se manter na atividade produtiva, sendo,
portanto, competitivos.
Metodologia da pesquisaA metodologia de pesquisa utilizada neste
trabalho a do estudo
de caso (YIN, 2001), realizado na regio de Passo Fundo (que
com-preende os municpios de No-Me-Toque, Passo Fundo, Mato
Cas-telhano, Marau, Vila Maria e Casca, todos no Estado do Rio
Grande do Sul), que se destaca como produtora de leite no Estado.
Mas, vale ressaltar que o fenmeno da competitividade do leite
produzido pela agricultura familiar ocorre em toda regio Noroeste
do Rio Grande do Sul e no somente nos municpios pesquisados.
As informaes foram coletadas por meio de pesquisa documental
(relatrios de instituies, livros histricos da regio e artigos
cientfi-cos, dados do Censo Agropecurio e da Pesquisa Pecuria
Municipal de diferentes anos, ambos do IBGE e entrevistas
realizadas na regio com produtores, lideranas dos produtores,
tcnicos qualificados e representantes das indstrias processadoras.
A natureza da pesquisa essencialmente qualitativa, e teve como
objetivo identificar, a partir do relato dos entrevistados, os
fatores percebidos como determinan-tes para explicar a sobrevivncia
e expanso da produo leiteira em um contexto de mudanas
institucionais.
Ao todo foram entrevistadas, em maro de 2010, 34 pessoas, sendo
19 produtores de leite da agricultura familiar e 15 informantes
qua-
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lificados que atuavam em instituies envolvidas com o fenmeno
pesquisado. Os informantes qualificados foram selecionados por meio
de mapeamento prvio junto a vrios atores que participam da cadeia
produtiva. No caso dos produtores, a seleo dos entrevistados buscou
incluir produtores da agricultura familiar que representassem os
principais perfis produtivos (tamanho e tipo de sistema de produo
desenvolvido) conhecidos na regio, tendo como base as orientaes do
guia metodolgico de diagnstico de sistemas agrrios (GARCIA FILHO,
1999). Para tanto foi construda uma amostra dirigida contendo os
produtores mais representativos de cada sistema de produo
pre-viamente identificado (envolvendo a produo de leite). Como
aponta a metodologia de diagnstico dos sistemas agrrios, o que
interessa num primeiro momento no a representatividade estatstica
da zona estudada, mas sim abranger a diversidade de produtores e de
sistemas de produo existentes (...). Por isso, importante que sejam
escolhidos estabelecimentos e sistemas de produo que revelem a
diversidade e as tendncias identificadas (GARCIA FILHO,1999).
A definio dos principais sistemas de produo representativos
deu-se a partir da pesquisa sobre sistemas de produo realizada por
Fritz Filho (2009), bem como do levantamento feito pelos prprios
au-tores com informantes qualificados da regio. O Quadro 1 traz a
rela-o dos sistemas de produo e os subsistemas identificados na
regio que possuem o leite como atividade principal bem como o nmero
de produtores entrevistados. Assim, produtores com sistemas
produti-vos (cuja produo de leite estivesse presente) mais
representativos da realidade da regio foram alvo de uma maior
quantidade de en-trevistas comparativamente queles sistemas menos
representativos.
Quadro 1 Relao dos sistemas de produo encontrados em Passo Fundo
e regio e o nmero de produtores entrevistados em cada sistema
SISTEMA DE PRODUO NMERO DE PRODUTORES ENTREVISTADOSSistema
leite: tendo leite como atividade principalLeite + gros (soja e
milho) 4Leite + gros (soja e milho) + sunos 3Leite + gros (soja e
milho) + sunos + aves 3Leite 1Sistema soja: tendo a soja como
atividade principalSoja + milho + trigo + leite + aves 3Soja +
milho + trigo + leite 4Soja + milho + trigo + leite + aves + sunos
1
Fonte: elaborao dos autores.
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
As entrevistas com os produtores e demais informantes
qualifi-cados foram conduzidas a partir do marco analtico
apresentado no referencial, o qual busca explorar as seis dimenses
propostas para explicar a competitividade da agricultura familiar
na produo de leite. Cada uma dessas dimenses composta por uma srie
de vari-veis que visam explorar com maior detalhamento cada uma
delas4.
A competitividade da produo de leite na regio de Passo Fundo
Passo Fundo e regio encontram-se no chamado Noroeste
Rio--Grandense. Essa regio teve como vegetao original um misto de
reas de campos e reas de matas, que, segundo DalMoro e Rckert
(2004), foi determinante para a ocupao da rea e o uso da terra, e,
atualmente, detm cerca de 2,5% da parcela da populao do Estado do
Rio Grande do Sul (IBGE, 2010). Pelo seu tamanho e dinamismo
econmico, a cidade de Passo Fundo tida como polo econmico da regio.
Entre as principais atividades econmicas de Passo Fundo,
destacam-se a indstria processadora de alimentos, a indstria de
mquinas e implementos agrcolas, a construo civil e servios de sade
de referncia nacional. A populao rural dos municpios pesquisados se
distribui numa estrutura agrria onde a principal ca-racterstica a
predominncia de estabelecimentos agropecurios de pequena rea.
Segundo dados do Censo Agropecurio (IBGE, 2006), nos municpios
pesquisados 50% ou mais dos estabelecimentos agro-pecurios possuam
rea at 20 hectares.
A produo de leite na regio de Passo Fundo no recente, sendo ela
desenvolvida pelos colonos da regio; no entanto, inicialmen-te no
era desenvolvida como atividade comercial, mas sim com o objetivo
de subsistncia das famlias. Somente nas ltimas dcadas que a produo
de leite vem ganhando cada vez mais espao como atividade voltada
para gerao de renda na regio. Segundo dados da Pesquisa Pecuria
Municipal de 2009 (IBGE, 2009), a microrregio de Passo Fundo a
quinta maior bacia leiteira do Brasil5. Na regio cerca de 82% da
produo de leite vm de propriedades da agricultura fa-miliar e cerca
de 90% dos produtores de leite pertencem agricultura familiar
(IBGE, 2006).
4 Para observar com maior grau de detalhamento a construo de
cada uma das
dimenses e suas variveis, ver Souza (2011).
5 Ficando somente atrs das bacias leiteiras de Chapec (SC), Arax
(MG), Meia Ponte (GO) e Toledo (PR).
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Acompanhando a ampliao da produo de leite na regio foi se
desenvolvendo a indstria de processamento da matria-prima, que
inicialmente contava apenas com pequenas agroindstrias, mas que
posteriormente passou a atrair empresas de maior porte nacionais e
internacionais. No tocante ao setor agroindustrial, segundo os
dados da Emater (2009), considerando a abrangncia da regional de
Passo Fundo6, em 2008, a regio possua 51 pontos de captao de leite,
sendo 35 indstrias e 16 postos de recebimento e resfriamento, o que
representa uma capacidade diria de recebimento de 6.366.820
litros/dia. Considerando as 35 agroindstrias processadoras, a
capacida-de de recebimento de 5.139.820 litros, no entanto, como
aponta a Emater (2009), em setembro de 2008, o sistema industrial
instalado estava funcionando com capacidade ociosa, j que o
recebimento efe-tivo dirio era de 3.471.875 litros/dia.
Anlise da competitividade na produo de leite da agricultura
familiar em Passo Fundo e regio
Na sequncia so analisados os principais aspectos referentes s
seis dimenses que do competitividade agricultura familiar na regio
de Passo Fundo.
O Ambiente InstitucionalA existncia de polticas pblicas que
apoiem o desenvolvimento
das atividades produtivas, como o crdito, um fator que interfere
no comportamento do agricultor. Contudo, no basta haver
dispo-nibilidade de crdito, preciso haver condio de acesso. Segundo
Souza, Ney e Ponciano (2009) uma parcela significativa de
agricul-tores familiares no acessa os recursos do Pronaf em
decorrncia das deficincias das instituies financeiras que operam o
programa, como j constatado por diferentes pesquisas sobre o tema.
Pesquisa da Emater de Passo Fundo, realizada em 24 municpios da
regional, sobre o acesso a diferentes polticas pblicas do Governo
Federal para a safra 2008/2009 em relao safra 2007/2008 constatou o
elevado grau de satisfao dos produtores quanto aos parceiros que
apoiam o repasse do crdito rural, seja na elaborao de projetos,
seja na con-cesso de documentos necessrios ao acesso ao crdito ou
ao repasse de crdito. Essa realidade corroborada pelos dados da
pesquisa: dos 19 produtores entrevistados, 10 produtores acessaram
o Pronaf Mais
6 A regional de Passo Fundo considerada pela Emater composta por
70 municpios.
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
Alimentos nos ltimos anos; sete acessaram o Pronaf Investimento
e 16 acessaram o Pronaf Custeio nos ltimos anos.
Alm disso, existente na regio uma cultura de acesso s polti-cas
pblicas. A regio de Passo Fundo j tinha sido amplamente
bene-ficiada pela aplicao de polticas de estmulo produo, primeiro
com a produo de trigo e depois com a produo de soja, em virtude dos
interesses do governo brasileiro em reduzir a dependncia do trigo
importado e ampliar as exportaes de soja (MANTELLI, 2006). Assim,
como coloca um dos entrevistados, esse histrico de acesso a
polticas pblicas na regio fez com que os produtores perdessem o
receio de acessar financiamentos para o desenvolvimento de suas
atividades agropecurias.
Um terceiro aspecto tambm ligado ao acesso s polticas pblicas e
outros benefcios que os produtores tm logrado alcanar na regio
decorre do forte movimento sindical na regio ligado agricultura
familiar, o que amplia o poder de barganha deste segmento da
agri-cultura junto ao Estado e outras organizaes. Segundo Favareto
(2006), a regio do Noroeste do Rio Grande do Sul um dos beros do
chamado novo sindicalismo ligado agricultura familiar.
O cooperativismo e o associativismo tambm tm papel relevan-te na
competitividade na regio. Ambos foram estimulados pelo governo na
poca das polticas voltadas produo de trigo e soja (DALMORO e
RCKERT, 2004). A prtica cooperativa/associativa bastante
disseminada na regio, sendo uma herana cultural dos co-lonos
descendentes de imigrantes europeus que ocuparam a regio. Nos pases
europeus o associativismo uma forma clssica de enfren-tar as
adversidades climticas e mercadolgicas (SOUZA FILHO et al., 2004).
Todos os 19 produtores entrevistados afirmaram ser associados ao
menos a uma cooperativa na regio, seja ela de comercializao, compra
de insumos, de crdito ou sindicato de produtores.
Outra prtica comum a formao de associaes e grupos de pro-dutores
para acesso a insumo de produo, destacadamente o acesso a mquinas e
equipamentos para o desenvolvimento das atividades produtivas.
Tambm frequente o uso da troca de dias de trabalho, ou seja, os
produtores, em pocas de excesso de trabalho, ajudam um vizinho ou
amigo no desenvolvimento das atividades na propriedade do mesmo e
em troca o beneficiado assume o compromisso de ajudar na
propriedade do prestador de servio quando necessrio.
Outro aspecto histrico-cultural relevante a experincia dos
pro-dutores na produo de leite, mas tambm na produo de gros, j que
esta atividade tem forte complementaridade com a produo de
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leite, uma vez que os gros (trigo, soja e milho) so utilizados
para ali-mentao dos animais. As produes de gros e de leite j so
desen-volvidas h vrias geraes pelas famlias, que possuem um
profundo conhecimento sobre ambas, o que contribui para uma maior
eficincia nas atividades produtivas, reduzindo custos e fazendo com
que os produtores no desistam facilmente dessas atividades; tendo
algum grau de abertura a mudanas nos padres produtivos que venham a
ser impostas de fora para dentro (atravs das empresas, leis, dentre
outros).
O Ambiente OrganizacionalNa regio existe uma diversidade de
organizaes que, de forma
direta ou indireta, tm contribudo em diferentes aspectos para o
fortalecimento e competitividade da produo de leite. A seguir
apresentada uma sntese das organizaes que atuam na regio e como
estas tm contribudo para a competitividade dos sistemas de produo
que envolve a produo de leite.
Organizaes creditcias (bancos comerciais e cooperativas de
Crdito - Sicredi, Cresol, Crenor): permitem maior acesso dos
produtores das diferentes atividades produtivas que com-pem os
sistemas de produo (onde o leite est presente) a linhas de
financiamento. Dessa forma contribuem para a ex-panso da produo,
bem como para uma maior agregao de tecnologias que beneficiam as
diferentes atividades. Buainain, Souza Filho e Silveira (2002)
apontam que aspectos ligados s polticas agrcolas, como a
disponibilidade do crdito, afetam a adoo de tecnologias. Estas
organizaes apoiam ainda a pro-moo de atividades ligadas cadeia
produtiva do leite, tais como feiras de tecnologias, seminrios,
dias de campo, cursos.Organizaes cooperativas (Cooprolate, Pi,
Santa Clara, dentre outras) em diferentes reas: desenvolvem
trabalho de assistncia tcnica junto aos produtores cooperativados
(e no cooperativados em alguns casos); contribuem para incorpo-rao
de tecnologias por parte dos produtores; auxiliam para uma melhor
negociao de preos da matria-prima incenti-vando a permanncia na
atividade; apoiam atividades ligadas cadeia produtiva do leite e
ainda fazem articulao poltica em prol da produo de leite.Organizaes
polticas (Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Federao dos
Trabalhadores da Agricultura Familiar; Conseleite): apoiam a promoo
de eventos ligados cadeia
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
produtiva do leite; incentivam a diversificao da renda por parte
dos produtores, com o objetivo de reduzir a dependn-cia e os riscos
de estar ligado somente a uma ou poucas ativi-dades; promovem a
divulgao de um preo de referncia nos estados da regio Sul e fazem
articulao poltica em prol da produo de leite.Organizaes de pesquisa
(Embrapa, Universidade de Passo Fundo): realizam pesquisas ligadas
qualidade do leite e ali-mentao animal; realizam e apoiam as
atividades de formao promovidas por outras organizaes; realizam
atividades para discutir a cadeia produtiva do leite; desenvolvem
tecnologias agropecurias e apoiam as atividades de divulgao de
tecno-logias. No caso da UPF, realiza ainda anlises laboratoriais
do leite produzido nas propriedades da regio.Organizaes de ensino
(Universidade de Passo Fundo, Sebrae): apoiam e promovem eventos
ligados cadeia pro-dutiva do leite, inclusive cursos sobre
diferentes aspectos da produo de leite e gesto da
propriedade.Organizaes de extenso (Emater, assistncias tcnicas
privadas): apoiam os produtores na escolha de mquinas, equipamentos
e insumos de produo; apiam a elaborao de projetos para acesso s
linhas de crdito; realizam ati-vidades de formao para os
produtores; acompanham as atividades agropecurias nas propriedades
buscando torn--las mais eficientes.Empresas privadas
agroindustriais (DPA, Italac, Bom Gosto, dentre outras): apoiam os
produtores na incorporao de tec-nologias que levem ao aumento de
produo e qualidade da matria-prima; ampliam a concorrncia, levando
a melhoria de preos e incentivado os produtores na atividade;
fornecem assistncia tcnica aos produtores (em alguns
casos).Empresas de mquinas e implementos agrcolas (John Deere,
Stara, empresas regionais e locais): desenvolvem mquinas e
equipamentos agrcolas para pequena propriedade, mas tambm investem
em equipamentos voltados atividade leitei-ra em pequena escala,
principalmente resfriadores a granel com capacidades mais adequadas
mdia da produo local.Poder pblico (municipal e federal): concedem
crdito aos produtores de leite e de outras matrias-primas, alm de
apoiar a realizao de eventos para desenvolvimento e consolidao da
agropecuria na regio, inclusive para a produo de leite;
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Estud. Soc. e Agric., Rio de Janeiro, vol. 21, n. 2, 2013:
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a manuteno da infraestrutura bsica para escoamento da produo de
leite; a disseminao e uso de tecnologias pelos produtores; a fixao
das indstrias processadoras nos muni-cpios; as atividades de
capacitao dos produtores e prestao de assistncia tcnica atravs da
Emater.
Assim, diferentes tipos de organizaes tm empreendido aes que
contribuem para a competitividade dos sistemas produtivos que
envolvem a produo de leite. Segundo alguns dos entrevistados, o
desenvolvimento de aes conjuntas, ou no, por parte dessas
organi-zaes para o fortalecimento da produo de leite e tambm para a
sua competitividade decore da percepo dessas organizaes da fora que
a atividade produtiva do leite tem ganhado na regio e assim das
oportunidades potenciais econmicas e sociais que a mesma tem aberto
tanto para as organizaes quanto para aqueles grupos sociais que
esto envolvidos com a atividade.
Caractersticas EdafoclimticasO relevo predominante da regio
pesquisada de planalto, o que
acaba se constituindo em fator positivo para o desenvolvimento
da bovinocultura de leite, pois, entre outras coisas, permite uma
maior mecanizao da produo agrcola, contribuindo para uma maior
utilizao de mquinas e equipamentos agrcolas que aumentam a
produtividade do trabalho, reduzindo custos.
Segundo um dos entrevistados, pesquisador da Embrapa
especia-lizado em forragens, o clima e o solo da regio tornam (...)
possvel cultivar aqui na regio qualquer espcie forrageira que se
cultiva no mundo com raras excees. Completa que no Sul do Brasil
possvel cultivar espcies forrageiras capazes de compor sistemas de
alimen-tao para os animais atravs do pastejo 12 meses por ano.
Assim, o regime hdrico associado fertilidade do solo contribui para
o cultivo de forrageiras de alta produtividade e permite o cultivo
de pastagem o ano todo sem maiores dificuldades, colaborando para
um baixo custo de produo. no inverno, quando h entressafra da
produ-o de leite no resto do Brasil, que a produo alcana os maiores
patamares no Rio Grande do Sul, sendo esta a razo de a produo a
base de pasto ser to desenvolvida na regio. Segundo Fontaneli
(2002) os sistemas de produo de leite em que a pastagem o
com-ponente principal so reconhecidamente os mais econmicos e tm
sido amplamente utilizados por pases considerados competitivos na
produo de leite, como o caso da Argentina e Nova Zelndia.
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
Vale ressaltar que as caractersticas edafoclimticas contribuem
tambm para a obteno de uma elevada produo de gros que so utilizados
na rao e na silagem dada aos animais. Dessa forma, a complementao
alimentar dos animais, que em muitas regies feita base de rao
adquirida comercialmente, na regio feita com a silagem e gros
produzidos domesticamente.
Disponibilidade de recursos produtivosO acesso ao crdito
viabiliza um maior investimento na proprieda-
de quando comparado aos investimentos que seriam possveis com
recursos prprios. O crdito tem sido fundamental no somente para
custeio da safra, mas tambm para a realizao de investimentos e,
assim, constituio da infraestrutura das propriedades. Nesse caso, o
intenso recurso s tecnologias mecnicas que ocorre entre os
produ-tores remete a outra caracterstica da regio que tem se
revelado nos ltimos anos: a falta de mo de obra. O envelhecimento
da populao rural associado ao xodo dos filhos dos produtores tem
reduzido gra-dativamente a disponibilidade de mo de obra nas
famlias (BUAINAN et al., 2007). Segundo dados das entrevistas, oito
dos 19 produtores entrevistados apontaram que os filhos no
pretendem dar continui-dade s atividades nas propriedades, seis
deles responderam que os filhos pretendem dar continuidade s
atividades da propriedade e cinco no sabem responder ou os filhos
so crianas e/ou no ma-nifestaram suas opinies. Essa constatao tem
relevncia, uma vez que a literatura sobre agricultura familiar
(GUANZIROLI, BUAINAIN, DI SABBATI, 2012) aponta a mo de obra
familiar como uma vantagem desse tipo de agricultura, j que o uso
desse fator de produo acaba barateando os custos de produo vis--vis
s propriedades que utili-zam mo de obra contratada.
Mas a situao da mo de obra na regio revela-se ainda mais crtica.
De acordo com os entrevistados (eles foram unnimes nessa resposta)
h uma grande escassez de mo de obra para contratao na regio, o que
fortalece a disposio dos produtores em adotar tecno-logias que
economizem o fator trabalho, ainda mais considerando que a produo
de leite requer um envolvimento dirio do trabalhador; portanto,
tecnologias que possam substituir o trabalho e assim mini-mizar sua
penosidade so bem aceitas.
Por outro lado, a atividade produtiva do leite permite a
utilizao do que Tepicht (1973) denominou de foras marginais de
produo que seria a fora de trabalho das mulheres, velhos e crianas.
Essa fora marginal tem um valor-trabalho somente dentro da
propriedade e no
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externamente, no sendo, portanto, includa no custo de produo
agr-cola. Na produo de leite essa fora de trabalho comumente
utilizada reduzindo a ociosidade da mo de obra familiar. Os dados
fornecidos pelos produtores corroboram essa afirmao, pois dos 19
entrevistados 12 afirmaram que h utilizao do trabalho de mulheres
e/ou filhos na ordenha dos animais, por exemplo. Assim, a utilizao
dessa fora de trabalho contribui para a reduo dos custos de produo,
uma vez que reduz a necessidade da contratao de mo de obra.
Se, por um lado, a expanso da produo de leite esbarra cada vez
mais na reduo da disponibilidade de mo de obra, por outro lado, a
limitada extenso de rea das propriedades da agricultura familiar do
Rio Grande do Sul (exceto em algumas regies) tambm determina
al-gumas caractersticas dos sistemas produtivos adotados e por
conse-quncia da produo de leite. Em primeiro lugar, o tamanho das
pro-priedades vem inibindo, ao menos parcialmente, o
desenvolvimento de atividades onde ocorram ganhos de escala, como
por exemplo, vem acontecendo com a produo de soja. Isso significa
que os produ-tores vm optando por sistemas produtivos mais
diversificados, em que: i) a soja somente uma das atividades; ii)
os ganhos sejam dis-tribudos ao longo do ano e iii) a propriedade
no seja dependente do desempenho de uma nica atividade produtiva,
reduzindo o risco de perdas com intempries, pragas etc. e
incorporando assim a produo de leite. Segundo o pesquisador da
Embrapa, com a diminuio do tamanho do mdulo rural na regio,
decorrente da prtica de diviso da rea por herana, desenvolveu-se a
estratgia de intensificar o uso da terra ao longo do tempo. Dessa
forma, se antigamente utilizava-se a terra somente para cultivos de
vero, como a rotao de milho e soja, com o tempo as culturas de
inverno foram fortalecidas, entre elas o trigo e mais recentemente
o uso para a produo de forragens para alimentao animal.
Assim, devido limitada rea das propriedades h a necessida-de de
complementar a alimentao dos animais, a qual se d basi-camente de
duas formas: atravs da rao produzida com base em gros modos ou da
silagem de gros ou forragens. Dos 19 produtores entrevistados oito
declararam utilizar a rao preparada na proprie-dade ( base dos gros
produzidos internamente) na alimentao das vacas, cinco declararam
comprar a rao, quatro responderam no utilizar rao e dois declararam
utilizar rao comprada e tambm rao preparada internamente. No caso
da silagem, dos 19 produtores entrevistados, 18 afirmaram utilizar
silagem para complementao alimentar dos animais, principalmente no
vero.
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
O ambiente competitivoO mercado de mquinas e implementos
agrcolas um mercado
nacional, uma vez que so grandes empresas que dominam o
segmen-to em nvel nacional e mesmo internacional. No entanto,
importante destacar que h algumas especificidades regionais que
interferem nesse mercado. Em primeiro lugar, ressalta-se a
existncia de um setor metal-mecnico forte no estado prximo da regio
da pesquisa (na regio Noroeste do estado), que concentra 77,8% da
produo do segmento de mquinas e implementos agrcolas do estado. A
existn-cia e o fortalecimento do setor metal-mecnico no estado
relacionam--se modernizao das tcnicas agrcolas promovida pela
Revoluo Verde, mas tambm ao cultivo de trigo e soja que foi
fortemente es-timulado no estado e que requer o uso de mquinas e
implementos, promovendo o mercado desses equipamentos (BARBOSA e
PINTO, 2008). Segundo Souza Filho et al. (2004), o modelo
implantando pela Revoluo Verde, que foi baseado na disseminao das
tecnologias qumicas, biolgicas e mecnicas, teve incidncia no pblico
dos agri-cultores familiares apenas no Sul do Brasil.
Em segundo lugar, a proximidade entre empresas e produo
agro-pecuria tem viabilizado a adequao de mquinas e implementos
agrcolas realidade da agricultura familiar. Para o pesquisador da
Embrapa, a disseminao da prtica de plantio direto em todo estado
abriu um grande mercado para mquinas e implementos agrcolas, mas
tambm para as tecnologias qumicas. Alm disso, o crescente dinamismo
do mercado de resfriadores e ordenhadeiras atraiu em-presas
regionais para a produo desses equipamentos, ampliando a
concorrncia no setor e reduzindo os preos desses equipamentos. So
exemplos as empresas gachas Celgs, Friomax, Sulinox e Lgia, que
fabricam tanques de resfriamentos e ordenhadeiras e que tm,
principalmente, atuao regional.
O ambiente tecnolgicoO ambiente tecnolgico tem contribudo de
forma preponderante
para a competitividade da produo de leite na regio. Em primei-ro
lugar, a histrica relao dos produtores com as tecnologias, que tem
em seu bojo as polticas de incentivo produo de soja e trigo com
base tecnolgica, iniciadas na metade do sculo passado. Como ambas
as atividades atendiam tanto ao mercado interno quanto ao ex-terno
recebiam incentivos agrcolas, facilitando o processo de adoo de
tcnicas mais avanadas (MANTELLI, 2006).
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Esse processo foi aprofundado posteriormente (dcada de 1980) com
a disseminao da prtica do plantio direto, que fez com que os
produtores se abrissem mudana tecnolgica e aceitassem a incor-porao
de novas tecnologias. O que se pontua nesse sentido que os
produtores da regio se posicionaram em relao s novas tecnologias
com desconfiana e averso, como em outras localidades, mas vendo
nelas novas oportunidades de ampliar os ganhos e reduzir o
trabalho.
No entanto, essa relao antiga dos produtores com a tecnologia
associada aos efeitos da Revoluo Verde acabou gerando um padro
produtivo moderno na regio que ocasionou a excluso de muitos
produtores a partir daquele momento (MANTELLI, 2006). Ou seja, vem
ocorrendo um processo de seleo, iniciado nos anos de 1970, na
agropecuria da regio que fez com que permanecessem na ativi-dade
somente aqueles produtores que conseguiram acompanhar esse processo
de inovao tecnolgica. Assim, de se esperar que novas exigncias em
termos de quantidade e qualidade do leite no ocasio-nem a sada da
atividade de muitos produtores, uma vez que aqueles que
permaneceram na atividade j teriam sido selecionados por meio desse
processo histrico.
Outra prtica, que envolve mudana tecnolgica, aumento da
competitividade e que tem sido alterada pelos produtores com o
ob-jetivo de alcanar melhores ndices de qualidade da matria-prima e
de produtividade, o melhoramento gentico. Dos 19 produtores, 10
afirmaram que a gentica tem contribudo, principalmente, para o
aumento de produtividade na propriedade.
A mudana tecnolgica dos produtores de leite na regio tem ainda
tido como principais motores a Normativa 51 do MAPA, uti-lizada
pelas empresas como instrumento para induzir os produtores a
melhorarem a qualidade do leite, e a economia de mo de obra. Assim,
considerando a adoo das duas principais tecnologias liga-das produo
leiteira, que so a ordenhadeira e o resfriador gra-nelizado, dos 19
produtores entrevistados, no caso da ordenhadeira, 15 responderam
que passaram a utilliz-la com o objetivo de tornar mais rpida a
ordenha, economizando mo de obra e tornando mais fcil o
desenvolvimento do trabalho, enquanto quatro produtores responderam
que o objetivo principal foi alcanar maiores nveis de higiene e
qualidade do leite. No caso dos resfriadores a granel, nove
produtores apontaram que fizeram a opo pelo equipamento com o
intuito principal de melhorar a qualidade do leite e cinco
afirmaram que o fizeram com o objetivo de auferir ganhos maiores
com a boni-ficao que as empresas pagam por litro para quem tem o
equipa-
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
mento. Nesse sentido, os produtores perceberam que a adoo dessas
tecnologias lhes proporcionou vantagens, seja pela economia de um
fator cada vez mais escasso que a mo de obra, seja pela gerao de
ganhos atravs da garantia de sua manuteno na atividade e/ou da
bonificao a ser auferida pela posse de tais equipamentos.
A adoo das tecnologias, principalmente para agricultores
fami-liares que enfrentam restries de terras e de recursos, passa
ainda pela adequao destas s suas necessidades e capacidades (de
finan-ciamento). Os equipamentos (ordenhadeira e resfriadores a
granel) voltados produo de leite tambm sofreram adaptao em suas
dimenses para atender ao pblico da agricultura familiar que no
possui escala de produo como os produtores especializados para os
quais estes equipamento foram idealizados. Muitas fbricas locais,
regionais e multinacionais passaram a produzir esses equipamentos
sob encomenda e com dimenses mais adequadas realidade dos
produtores da regio. Atualmente possvel encontrar resfriadores a
granel com capacidade mnima de 250 litros de empresas referncias no
setor, como a Sulinox ou a Etscheid Techno. Segundo dados da
pesquisa, dos 15 produtores que possuem tanque a granel, 11 deles
possuem equipamentos com capacidade igual ou superior a 1.000
litros, enquanto somente quatro possuem capacidade inferior a 1.000
litros, sendo o menor de 500 litros. Considerando que a produo, a
cada dois dias em mdia, dos entrevistados foi de aproximadamente
600 litros, infere-se que os equipamentos existentes nas
propriedades tm sido bastante compatveis com a produo nas mesmas.
Conco-mitantemente a esse processo de uma maior adequao das
tecnolo-gias realidade da agricultura familiar da regio, os
investimentos em gentica, alimentao etc. acabaram, por sua vez,
elevando a pro-dutividade e, portanto, a escala de produo,
ampliando assim as ne-cessidades de capacidade de resfriamento da
matria-prima. Houve, portanto, um ajustamento tecnolgico tanto por
parte das empresas que ofertam as mesmas, quanto por parte dos
agricultores.
A educao formal e tcnica tem sido tambm um fator relevante para
a adoo de tecnologias. A educao est relacionada no so-mente com a
habilidade de obter e processar informao, mas tambm com o uso de
tcnicas de gesto e gerenciamento (SOUZA FILHO et al., 2004). No
entanto, o aprendizado tecnolgico no est diretamente relacionado ao
grau de escolaridade dos produtores pesquisados. Dos proprietrios
familiares entrevistados, 13 produtores estudaram at o primeiro
grau (completo ou no), cinco produtores estudaram at o segundo grau
(completo ou no) e somente um produtor completou
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ou est cursando o terceiro grau. Ou seja, h um baixo grau de
es-colaridade entre os entrevistados. Mas, apesar da baixa
escolaridade formal, os produtores relataram participar de muitas
atividades de formao tcnica realizadas nos municpios e na regio.
Dos 19 en-trevistados, nove produtores afirmaram participar de
atividades de capacitao promovidas pelas empresas que entregam
leite ou coope-rativas das quais participam, oito produtores
relataram participar de dias de campo, seminrios e outras
atividades de formao organiza-das pela Emater, prefeituras e
sindicatos, seis produtores relataram participar de cursos de curta
durao relacionados a temas que envol-vem o desenvolvimento das
atividades agropecurias. Nesse sentido, podese especular a
existncia de um trade off entre educao e as-sistncia tcnica, onde
uma adequada estrutura e qualidade da assis-tncia tcnica substitui,
ao menos parcialmente, os anos de educao formal, no que diz
respeito ao aprendizado tecnolgico. Alm disso, afirma-se que a
existncia de um pool de organizaes que promovam atividades
formativas para os produtores na regio tambm contribui para a adeso
destes s tecnologias utilizadas no segmento leiteiro.
ConclusesO presente artigo buscou contribuir para a construo de
um refe-
rencial metodolgico para analisar a competitividade da
agricultura familiar, uma vez que os modelos tradicionais de anlise
da competiti-vidade no agronegcio no logram captar algumas
especificidades da agricultura familiar que so importantes para
explicar a capacidade destes produtores para enfrentar situaes
adversas e, ainda assim, ganhar mercado o que, em ltima anlise, um
indicador claro de competitividade. A inovao metodolgica consistiu,
principalmente, em admitir que a estratgia de reproduo social e
econmica desses produtores determinada por seis diferentes
conjuntos de fatores, e que essa estratgia explora os sistemas
produtivos caractersticos dos agricultores familiares, que
incorporam e refletem uma srie de determinaes micro e sistmicas
dadas pelo conjunto das rela-es internas e externas da propriedade
agrcola. Nesta perspectiva, a competitividade de uma determinada
atividade que faz parte de um sistema de produo no construda de
forma individual pela firma, mas depende tanto da interao do
conjunto das firmas com os vrios elos e elementos do sistema, como
de todo um conjunto de relaes da atividade especfica, leite por
exemplo, com as demais atividades produtivas mantidas no interior
da firma. Os sistemas produtivos refletem as escolhas dos
produtores levando em conta as
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327
Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
potencialidades e os limites do ambiente nos quais esto
inseridos. A principal implicao dessa forma de observar a
competitividade a necessidade de considerar a existncia e
constituio dos sistemas de produo, e como as atividades que fazem
parte destes contribuem para a construo da competitividade de uma
determinada atividade. Partindo deste princpio, resgatar algumas
particularidades do desen-volvimento da cadeia produtiva da soja,
milho, trigo, dentre outros, auxiliou na compreenso da
competitividade da produo de leite.
O trabalho permitiu ainda observar que h espao para os
agricul-tores familiares na produo de commodities e que estes podem
ser competitivos, mesmo sendo relativamente pequenos em relao aos
padres cada vez mais dominantes no agronegcio brasileiro, como o
caso da agricultura familiar produtora de leite da regio de Passo
Fundo analisada pelo presente artigo. No entanto, isso requer um
conjunto de condies para o desenvolvimento das atividades
produ-tivas e ademais, que haja sinergia entre estas
atividades.
Alm dos vrios aspectos apresentados ao longo dos resultados,
importante destacar que a competitividade da produo de leite na
regio est relacionada ao sistema de produo desenvolvido nas
pro-priedades, no qual a produo de leite somente uma das
atividades. A produo de leite na regio vivel devido s sinergias
existentes entre as atividades desenvolvidas na propriedade,
principalmente a produo de gros e algumas atividades pecurias (como
a suino-cultura e avicultura) que fornecem insumos de produo a um
baixo custo. A existncia dessas complementaridades entre as
atividades produtivas desenvolvidas nas propriedades contribui para
a reduo dos custos de produo do leite e, portanto, para sua
competitividade.
Vale ressaltar ainda que as polticas de financiamento de
investi-mentos, quase sempre associados aquisio de tecnologia, e de
cr-dito de custeio, assim como a assistncia tcnica, tiveram, e
continuam tendo, fundamental importncia para a construo da
competitivida-de do leite produzido pela agricultura familiar da
regio. Estas po-lticas viabilizam a incorporao e o uso de inovaes
tecnolgicas, contribuindo tanto para ampliar a escala de produo
como para me-lhorar a qualidade da matria-prima. Assim, da mesma
forma que as polticas pblicas foram historicamente importantes para
a construo da competitividade dos agricultores patronais em
diferentes setores, estas tambm foram e continuam relevantes para a
construo da com-petitividade dos agricultores familiares produtores
de leite da regio.
Contudo, vale ressaltar que no basta a existncia de polticas
p-blicas para o sucesso da produo, preciso, ainda, que o
produtor
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seja capaz de acessar tais polticas. E nesse aspecto os
agricultores familiares da regio tm demonstrado grande capacidade.
O elevado grau de acesso dos produtores familiares da regio s
polticas pbli-cas resulta de uma combinao de fatores,
destacando-se: i) o longo histrico que esses produtores possuem de
acesso a essas polticas p-blicas; ii) a existncia de vrias
organizaes na regio que facilitam ou intermediam o acesso dos
produtores a essas polticas; iii) a capa-cidade de organizao e
reivindicao polticas desses produtores, em particular no que se
refere s polticas pblicas de seu interesse. Desse modo, como j
constatado de forma ampla pela literatura, atualmente no faltam
polticas pblicas para o rural brasileiro, e sim melhores condies de
acesso por parte dos agricultores familiares.
Outro aspecto a se destacar a capacidade de inovao dos
pro-dutores que no est somente relacionada ao fato de a tecnologia
ter sido adaptada sua realidade. Est relacionada tambm histrica
relao dos agricultores familiares da regio com as inovaes
tecno-lgicas. H algumas dcadas os produtores daquela regio tm sido
incentivados, pelos atores locais e pelas polticas pblicas, a
adotar inovaes tecnolgicas na produo agropecuria, o que contribuiu
para ampliar a boa receptividade dos produtores da regio s inova-es
tecnolgicas.
A constituio de uma rede de organizaes ligadas direta ou
in-diretamente agricultura familiar tambm uma especificidade da
regio que contribuiu para a competitividade dos produtores de
leite. A existncia de organizaes ligadas a diferentes reas, tais
como assistncia tcnica, fornecimento de insumos de produo,
pesquisa, capacitao e comercializao, que tm trabalhado de forma
conjunta ou mesmo individual para o desenvolvimento da produo de
leite na regio, tambm contribuiu sobremaneira para a
competitividade da produo. A crena de que o leite se tornou uma
alternativa produtiva importante e adequada para os agricultores
familiares e, dessa forma, para a economia da regio tem mobilizado
foras nesse sentido.
A qualidade da matria-prima na regio aumentou no somente como
consequncia da presso das empresas sobre os produtores, mas tambm
como resultado da Normativa 51 do MAPA. A aprova-o da normativa,
associada a um conjunto amplo de aes levadas a cabo por diferentes
organizaes que desenvolvem atividades com os produtores de leite da
agricultura familiar, no sentido de auxili-los a alcanar os padres
de qualidade exigidos pela mesma, contribuiu tambm para a melhoria
da qualidade da matria-prima.
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Raquel Pereira de Souza e Antnio Mrcio Buainain
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Resumo: (A competitividade da produo de leite da agricultura
familiar: os limites da excluso). O artigo discute a
competitividade da agricultura familiar produtora de leite. O
trabalho se baseia em um estudo de caso realizado na regio de Passo
Fundo (RS - Brasil), que se destaca como polo produtor de leite de
base familiar. O marco analtico, focado nos determinantes da
competitividade, foi construdo considerando as es-pecificidades da
agricultura familiar. Entre as concluses do trabalho, h constatao
que a competitividade dos produtores familiares de leite na regio
est relacionada ao sistema de produo desenvolvido, capacidade de
inovar tecnologicamente, existncia de polticas p-blicas ao seu grau
de organizao e capacidade de presso poltica. Palavras-chave:
competitividade, agricultura familiar, produo de leite. Abstract:
(The competitiveness of milk production of family farming: the
limits of exclusion). The article discusses the competitiveness of
family farms producing milk. The work is based on a case study
carried out in the region of Passo Fundo (RS - Brazil), which
stands out as a hub for family based milk producers. The analytical
framework, focused on the determinants of competitiveness, was
built considering the specificities of family farming. Among the
conclusions of the study is the finding that competitiveness of
family milk producers in the region is related to the production
system they use, their ability to innovate technologically, the
existence of public policies, their level of organization and
ability to impose political pressure.Key words: Competitiveness,
Family farm production, Milk production.
Artigo recebido em 06/06/2013Artigo aprovado para publicao em
02/10/2013