Larissa Andressa Ramos Lopes PAI É QUEM AMA: O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA SOCIOAFETIVA Centro Universitário Toledo Araçatuba 2017
Larissa Andressa Ramos Lopes
PAI É QUEM AMA: O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA
SOCIOAFETIVA
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2017
Larissa Andressa Ramos Lopes
PAI É QUEM AMA: O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA
SOCIOAFETIVA
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2017
Monografia apresentada como exigência parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Direito à Banca
Examinadora do Centro Universitário Toledo sob
orientação do Prof. Paulo Roberto Cavasana Abdo .
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Prof. Paulo Roberto Cavasana Abdo
_____________________________________
Profª. Flávia Elaine Soares Ferreira
Lombardi
_____________________________________
Prof. Renato Alexandre da Silva Freitas
Araçatuba, 09 de Outubro de 2.017.
Dedico este trabalho aos meus pais, Valdecir e
Rosana e ao meu namorado, Fabricio.
Vocês são, e sempre serão meus alicerces,
essenciais na minha vida.
Sem vocês nada disso se concretizaria.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a meus pais, que estiveram ao meu lado me apoiando em
todos os momentos da minha vida, inclusive neste.
Foram minha base e meus pilares de sustentação, contribuindo não só materialmente,
como também, psicologicamente, com muita dedicação, amor e paciência.
Além disso, agradeço ao meu namorado, que esteve presente em todos os momentos,
com muita compreensão e calma, inclusive abdicando de algumas coisas e de alguns
momentos, sempre me fortalecendo e encorajando.
Fora ele minha inspiração desde o princípio.
Também, agradeço a todos que estiveram presentes me apoiando e incentivando de
alguma forma, familiares e amigos.
Agradeço também ao professor Paulo Roberto Cavasana Abdo, por ser um ótimo
professor e orientador, sempre ágil para solucionar todas as minhas dúvidas e dificuldades, e
por ser sempre atencioso e dedicado, não somente a este trabalho, mas também nas salas de
aula.
E por último, mas não menos importante, agradeço à Unitoledo e a todo seu corpo
docente, que foram essenciais para a realização de mais este sonho.
“Sem sonhos, a vida é uma manhã sem
orvalhos, um céu sem estrelas, um oceano sem
ondas, uma vida sem aventura, uma existência
sem sentido”.
(Augusto Cury)
RESUMO
O presente trabalho busca estudar a família socioafetiva e suas peculiaridades, tema este,
bastante corriqueiro no cotidiano brasileiro. Apesar disto, trata-se de assunto sem previsão
legal expressa, sendo, portanto apenas uma inovação doutrinária e jurisprudencial. O trabalho
tem este título, pois além da paternidade socioafetiva, engloba também a maternidade
socioafetiva, formando assim a parentalidade socioafetiva. Este trabalho faz uma análise
breve sobre peculiaridades relacionadas à família perante o direito, ressaltando as diversas
modalidades existentes, seu conceito, evolução, importância e natureza jurídica. Analisa a
filiação também sob o enfoque de uma visão jurídica, trazendo seu conceito, evolução,
espécies, a questão do seu reconhecimento e demonstrando a equiparação de direitos e
deveres trazida pela Constituição, no qual filhos são apenas filhos. Por fim, ao estudar a
família socioafetiva e a afetividade, conclui-se que a afetividade está presente em todas as
modalidades familiares, sendo elas biológicas ou não, no entanto não é certo dizer que todas
as famílias são socioafetiva. Ainda se faz uma breve exposição do conceito da
socioafetividade, de suas modalidades, da sua evolução, da afetividade como princípio ou
não, dos seus requisitos, da legitimidade, dos seus efeitos, da impossibilidade de
desconstituição após seu reconhecimento e dos entendimentos dos tribunais. Ademais,
também fora observado, perante doutrina e jurisprudência, a possibilidade da coexistência de
duas paternidades (maternidades), sem que haja a necessidade da prevalência de uma sob a
outra. Conclui-se que, a família socioafetiva é aquela unida por laços afetivos, ou seja, uma
ligação caracterizada pelo amor, confiança, respeito e carinho, e que tal relação não tem como
atributo a instantaneidade, ou seja, ela é moldada, construída dia após dia, pouco a pouco,
relação esta entre corações.
Palavras-chave: Família; Socioafetividade; Laço; Amor; Coração.
ABSTRACT
The present work seeks to study the socioaffective family and its peculiarities, this theme,
quite commonplace in Brazilian everyday life. In spite of this, it is a matter without express
legal provision, being, therefore, only a doctrinal and jurisprudential innovation. The work
has this title, because in addition to socio-affective paternity, it also includes socio-affective
motherhood, thus forming socio-affective parenting. This work makes a brief analysis on the
peculiarities related to the family before the law, highlighting the diverse modalities, their
concept, evolution, importance and legal nature. It analyzes the affiliation also under the
approach of a legal vision, bringing its concept, evolution, species, the question of its
recognition and demonstrating the equality of rights and duties brought by the Constitution, in
which children are only children. Finally, when studying the socio-affective family and
affectivity, it is concluded that affectivity is present in all family modalities, whether
biological or not, however it is not true to say that all families are socio-affective. The concept
of socio-affectivity, its modalities, its evolution, affectivity as a principle or not, its
requirements, its legitimacy, its effects, the impossibility of deconstitution after its recognition
and the understanding of the courts are also briefly discussed. In addition, the possibility of
coexistence of two paternities (maternities) had also been observed, in view of doctrine and
jurisprudence, without there being a need for the prevalence of one under the other. It is
concluded that the socio-affective family is the one united by affective bonds, that is, a bond
characterized by love, trust, respect and affection, and that such relation does not have the
instantaneousness attribute, that is, it is shaped, built day After day, little by little, this relation
between hearts.
Keywords: Family; Socio-affective; Tie; Love; Heart.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
I – DA FAMÍLIA ................................................................................................................... 12
1.1. Conceito de família ............................................................................................................ 12
1.2. Histórico-evolutivo da família ........................................................................................... 14
1.3. Evolução social e funções da família ................................................................................ 17
1.4. Espécies de famílias reconhecidas ..................................................................................... 19
1.5. Natureza Jurídica ............................................................................................................... 22
1.6. Da importância da família para a estruturação do Estado ................................................. 24
II – DA FILIAÇÃO ................................................................................................................ 27
2.1. Conceito de filiação ........................................................................................................... 27
2.2. Histórico-evolutivo da filiação .......................................................................................... 28
2.3. Modelos de filiação ........................................................................................................... 31
2.4. Equiparação entre filhos .................................................................................................... 32
2.5. A questão do reconhecimento dos filhos ........................................................................... 35
III – DA FAMÍLIA SOCIOAFETIVA ................................................................................. 38
3.1. Conceito de família socioafetiva ....................................................................................... 38
3.1.1. Filiação Socioafetiva por Adoção .................................................................................. 40
3.1.2. Filiação Socioafetiva por Reprodução Assistida Heteróloga..........................................41
3.1.3. Filiação Socioafetiva por Posse do Estado de Filho.......................................................41
3.1.3.1. Filiação Socioafetiva por Adoção à Brasileira.............................................................42
3.1.3.2. Filiação Socioafetiva por “Filhos de Criação .............................................................. 43
3.2. Histórico-evolutivo da família socioafetiva ...................................................................... 43
3.2.1. “Lei Clodovil”.................................................................................................................45
3.3. A afetividade como princípio jurídico ............................................................................... 46
3.4. Paternidade/maternidade real (biológica) e paternidade/maternidade socioafetiva .......... 47
3.5. A possibilidade da multiparentalidade ............................................................................. 48
3.6. Requisitos para sua existência ........................................................................................... 50
3.7. A possibilidade de renúncia ............................................................................................... 51
3.8. O reconhecimento da socioafetividade .............................................................................. 52
3.9. Legitimidade ...................................................................................................................... 54
3.10. Efeitos da parentalidade socioafetiva .............................................................................. 55
3.11. A impossibilidade de sua desconstituição posterior ........................................................ 57
3.12. Entendimento dos Tribunais ............................................................................................ 58
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 65
10
INTRODUÇÃO
O Direito passa por constantes mudanças para adequar-se à sociedade e ao momento
vivido por esta, no entanto, muitas ainda são necessárias.
Dentre as subdivisões do Direito Civil, encontra-se o Direito de Família, ramo este que
mantém a sociedade organizada, e objetiva a felicidade e a dignidade de toda e qualquer
entidade familiar e dos membros que a compõe.
No início, a família era somente aquela que detinha de certas características, como por
exemplo, ser matrimonial, patriarcal, biológica, patrimonialista.
Anteriormente à Constituição de 1988, e ao Código Civil de 2002, ambos vigentes até
o momento, o conceito de família era restrito e equivocado e as normas não eram precisas.
Filhos eram classificados em grupos em razão de peculiaridades, que muitas vezes
estavam relacionadas mais a figura de seus pais do que a eles mesmos. Outros eram
simplesmente diferenciados em razão do vínculo que nutriam com seus genitores, isto é,
através de um critério biológico, genético ou através de critérios não biológicos.
E essa distinção não era somente na nomenclatura utilizada.
Após a edição da atual Constituição Federal, filhos são apenas filhos, e todos possuem
os mesmos direitos e as mesmas obrigações.
Hoje, o vínculo biológico é somente mais um vínculo, como todos os demais, sem
qualquer espécie de privilégio. A ligação dos pais com os filhos em toda e qualquer família é
de carinho, de amor e de cuidado, ou seja, é uma ligação afetiva.
Caminha-se na superação de uma visão arcaica, obsoleta, que valorizava mais o
casamento do que o reconhecimento dos filhos, que enaltecia mais questões patrimoniais do
que o próprio indivíduo. Almeja-se a priorização do afeto e a busca da realização individual
de cada ser humano, atendendo assim, aos anseios de cada um. Anseia-se pela prevalência do
amor em detrimento a outros fatos e fatores, colocando assim, a família e seus membros em
primeiro lugar.
A legislação ainda conta com conceitos e termos muitas vezes ultrapassados e injustos.
O caminho ainda é longo e árduo, muitas barreiras e obstáculos ainda precisam ser superados,
mas um dia tudo passará de simples expectativa e se tornará uma verdade.
Sendo assim, o presente estudo tem como objeto a família socioafetiva e como
objetivo demonstrar a socioafetividade, conceituando-a com base na atual doutrina e
jurisprudência, descrevendo sua evolução histórica até a modernidade e demonstrando a
11
importância do respectivo reconhecimento de um instituto tão comum nos dias atuais,
contudo, tão inexplorado e desconhecido, etc.
12
I – DA FAMÍLIA
1.1 - Conceito de Família
Inúmeros são os significados do termo “família”, existem conceitos mais amplos, que
abrangem todos os indivíduos ligados pelo sangue, pela afinidade e também pela afetividade,
e outros um pouco mais restritos, que abrangem tão somente os cônjuges, a prole, e a família
monoparental, esta última podendo ser definida como a entidade familiar formada apenas por
um dos pais e seus descendentes (filhos), independente de existir ou não vínculo conjugal que
a tenha originado.
A origem da palavra família vem da língua dos oscos, da expressão famel, como
podemos observar abaixo:
Etimologicamente, a expressão família vem da língua dos oscos, povo do norte da
península italiana, famel (da raiz latina famul), com o significado de servo ou
conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão. Essa origem terminológica,
contudo, não exprime a concepção atual de família, apenas servindo para a
demonstração da ideia de agrupamento (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p. 09).
Cada ramo do saber tem para o termo “família” sua própria definição, para biologia,
por exemplo, a família é o conjunto de indivíduos que descendem de um mesmo tronco
comum, que detenham a mesma ancestralidade.
Para outros ramos como a história e a sociologia, pode se conceituar família como o
conjunto de sujeitos que habitam a mesma casa, que vivem sob o mesmo teto.
Segundo Coelho (2006, p. 11), “o direito, por sua vez, adota a definição de família
tendo em vista certas relações jurídicas entre os sujeitos. Na família, as principais relações
jurídicas são, de um lado, as horizontais e, de outro, as verticais”.
Relações jurídicas horizontais podem ser definidas como as de conjugalidade, isto é,
as formadas pelo casamento, união estável, etc., onde duas pessoas se unem com objetivos
comuns, e com o propósito de se tornarem um casal e viverem uma vida conjunta. Estas
relações são caracterizadas pela voluntariedade, portanto, dependem da vontade de ambos os
sujeitos para existirem.
Já as relações jurídicas verticais, são as formadas através de descendência e
ascendência, entre pais e filhos, avôs e netos, bisavôs e bisnetos, adotando e adotado, entre
13
outros exemplos. Estas são caracterizadas pela obrigatoriedade, ou seja, são impostas ao
menos para os descendentes, que em regra, não possuem a opção de escolher quem serão seus
ascendentes.
Para Diniz (2004, p.12), é necessária a análise conjunta de diversos critérios técnicos
para se chegar ao conceito de família:
Nenhum desses critérios, considerados isoladamente, possibilita chegar a um
conceito jurídico de família, embora deles se possa inferir seu sentido técnico,
entendendo-se como família o grupo fechado de pessoas, composto de pais e filhos,
e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto, numa
mesma economia e sob a mesma direção.
Família é uma ligação de carinho e amor, é uma união afetiva entre indivíduos que
assim se consideram. Não se trata de uma ligação exclusivamente e estritamente refletida em
laços sanguíneos ou biológicos, algumas vezes estes laços são até inexistentes. Também,
independe de morar sob o mesmo teto, num mesmo munícipio, num mesmo estado ou até em
outro país.
Não há somente um modelo de família ou um conceito único, com uma estrutura
determinada e idêntica, nem há um número de membros máximo ou mínimo para considerar
ou não como família. Para uma definição de família é dispensável que se tenha o mesmo
sangue ou mesmo DNA, que haja um tronco ancestral comum, uma árvore genealógica ou de
morarem na mesma casa.
O que define uma família é o tratamento entre os indivíduos que a integram, ou seja,
se se tratam como pais e filhos, se a figura do pai ou mãe agem como tal, desempenhando o
papel que lhes cabe, ajudando no dever de casa, orientando, ensinando, se preocupando,
confiando, mostrando o que é certo e o que não é. É o filho cuidar dos pais quando estes
precisam, seguir seus passos, ouvir seus conselhos, os respeitar. O que traduz uma família é
mais do que o sangue que corre nas veias, é o amor, o respeito e o carinho que uns tem pelos
outros. É o que se pode observar pelo entendimento abaixo exposto:
Afeto. É em torno dessa palavra que gira o Direito de Família do século XXI,
porque é sobre essa palavra que se constrói o conceito de família da era
contemporânea. Daí que, hoje, pode-se seguramente conceituar família como o
núcleo formado por pessoas que vivem em comunhão em razão do mútuo afeto. Os
elementos tradicionalmente citados como integrantes do conceito de família, na
verdade, compõem modelos diferentes de família, mas apenas o conceito
apresentado é geral o suficiente para abranger todos os modelos que se encontram na
sociedade (DONIZETTI; QUINTELLA, 2016, p. 957).
14
Portanto, os conceitos que definiam família como somente os que descendiam de um
tronco ancestral comum, não expressam mais com a devida clareza a realidade vivida
atualmente, isto é:
“A família mudou, já não tem mais as características de outrora. Aliás, já não existe
mais uma moldura predefinida do que se possa chamar de família.” (VALADARES, 2016, p.
07).
Caminha-se no sentido de superação dos fundamentos meramente biológicos,
priorizando-se os demais vínculos, como o caso da afetividade, afinal:
Para o direito, família é o conjunto de duas ou mais pessoas vinculadas por relações
específicas, tais as de conjugalidade, ascendência e descendência, fraternidade e
outras. No passado, definia-se em função de fatores biológicos, que, aos poucos,
foram substituídos por vínculos de afeição. Em paralelo, o direito de família
apresenta a irrefreável tendência à despatrimonialização das relações familiares
(COELHO, 2006, p. 14).
O afeto está presente em todas as famílias, tanto as formadas unicamente e tão
somente por fatores estritamente biológicos, como as formadas independente de um tronco
ancestral comum, independente de uma ligação sanguínea, ou melhor, as construídas através
do afeto, formadas por um vínculo de amor, uma ligação do coração, entendimento este
constatado abaixo:
São esses os argumentos que embasam o nosso pensamento de que as relações
consanguíneas são menos importantes na sociedade do que as que possuem origem
na afetividade e na convivência familiar, que embasarão a constituição do estado de
filiação, pela posse do estado de filho. É por isso que a família moderna é sempre
socioafetiva, já que é um grupo social unido pela convivência afetiva, e que
transformou o afeto numa categoria jurídica, por ser um fato gerador de efeitos
jurídicos (CASSETTARI, 2017, p. 30).
Sendo assim, pode-se concluir que não existe uma única definição para a expressão
“família”, cada ramo do saber, através de seus estudos, a conceitua de uma maneira diferente.
Com o Direito não poderia ser diferente, cada doutrina tem seu próprio conceito e nenhum
deles pode ser considerado inexato ou errôneo. Além disso, já estão ultrapassadas as
definições exclusivamente baseadas em fatores e critérios biológicos. Atualmente o que
define as famílias, afinal não existe apenas uma única espécie, é o afeto que se demonstra
incorporado a elas.
1.2 – Histórico-Evolutivo da Família
15
Por ser a base de toda a sociedade e também do Estado, a família encontra-se em
constante evolução conjuntamente a eles.
Ninguém sabe exatamente e com toda segurança quando, como ou porque ocorreu o
surgimento da primeira entidade familiar, todavia, chega-se a conclusão que em certo
momento o Homo Sapiens sentiu a necessidade de constituir uma família, com o intuito de
perpetuar sua espécie, ou em razão da solidão sentida por este, dentre outros tantos motivos.
Seus instintos primitivos fizeram que as tribos se dividissem em clãs, e esses pequenos grupos
originaram o que hoje conhecemos como famílias.
No início a família era organizada no patriarcado, onde o chefe da família era o pai,
este limitava a mulher, os filhos e também os servos.
No entanto, há entendimentos que, anteriormente ao patriarcado, existiu o matriarcado,
este tendo como característica a mulher sendo o centro de toda a família e tomando todas as
decisões, chefiando todos os membros que compunham entidade familiar a que pertencia. No
entanto, os que acreditam que o matriarcado existiu, também acreditam que ele pouco durou.
Inicialmente, a única família que era reconhecida era a consanguínea, na qual os
ascendentes e descendentes eram ligados por laços exclusivamente sanguíneos, ou seja,
biológico. Foi por esta razão que surgiu a proibição de relações sexuais entre membros de
uma mesma família, ou seja, a condenação do incesto. Muitos acreditam que esta foi a
primeira lei formulada.
Filhos homens e filhas mulheres eram completamente diferenciados no tratamento que
recebiam, nas funções que exerciam, etc., existia assim uma verdadeira discriminação sexual.
A família no Direito Romano era organizada ao redor da figura masculina do pai,
existiam diferenciações em relação aos direitos dele (que detinha o poder de toda sua família)
com relação aos direitos dos filhos e da mãe, estes com direitos mínimos ou muitas vezes até
inexistentes.
A família romana era unida por critérios econômicos, patrimoniais e hereditários, não
havendo qualquer ligação de afeto. O pai detinha o poder, era ele o chefe da família, a
autoridade e o administrador do patrimônio de toda ela. À mulher cabia tão somente os
afazeres da casa, não tinha qualquer bem e dependia de seu marido completamente. O
casamento era indispensável e ter filhos era obrigatório, o que significa que:
No direito romano a família era organizada sob o princípio da autoridade. O pater
famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia,
desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes
a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser
repudiada por ato unilateral do marido. (GONÇALVES, 2012, p. 32).
16
Já a família do direito canônico, sofria influências religiosas, ou melhor, influências do
Cristianismo. O aborto, o adultério e concubinato eram fortemente combatidos e proibidos,
mas não deixam de ser existentes, continuavam sendo praticado de forma escondida.
Filhos seguiam sendo diferenciados e discriminados, os concebidos dentro do
casamento detinham de direitos dos quais os que foram concebidos fora dele não detinham. A
união de homem e mulher somente era reconhecida se através do matrimônio e este era único
e indissolúvel.
Conforme Gonçalves (2012, p.32), “durante a Idade Média as relações de família
regiam-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único
conhecido”.
Na Grécia, a chefia continuava do marido e a mulher era pouco reconhecida, devendo
permanecer em casa, só podendo dela se ausentar se obtivesse autorização do patriarca,
cuidando das tarefas domésticas e de seus filhos, sendo absolutamente dependente de seu
marido. O pai detinha tamanho poder que poderia vender ou mesmo matar seus próprios
filhos.
Nos dizeres de Valadares (2016, p. 10), “a família pré-constituição era a família do
Código Civil de 1916, que ficou conhecida por ser hierarquizada, patriarcal, matrimonialista e
patrimonialista”.
Algumas disposições legais chegavam a ser absurdas, a exemplo, “o Código Civil de
1916 chegava até mesmo a prever que a mulher, ao se casar, tornava-se relativamente incapaz,
conforme o comando do art. 6º, § 2º, do texto que entrou em vigor em 1917” (DONIZETTI;
QUINTELLA, 2016, p. 956).
Com o passar dos tempos surgiram novos modelos de entidades familiares, fora
reconhecida a adoção, reconhecido o afeto, surgiu então um conceito de família moderna. A
mulher fora ganhando espaço e se tornando independente, sendo muitas vezes centro e chefe
da família. Deixou de ocupar tão somente a função de mãe e dona dos afazeres domésticos e
começou a realizar conquistas e a ser reconhecida.
A Constituição de 1988 trouxe uma proteção maior à família, esta que é
expressamente considerada a base de toda a sociedade, o alicerce, o pilar de todo o Estado.
Igualou os filhos havidos fora do casamento aos havidos dentro dele, igualou adotivos aos de
origem sanguínea em direitos e obrigações, concedeu a mulher outros direitos e reconheceu a
união estável como família. Além disso, a Magna Carta de 1988 foi o primeiro dispositivo
jurídico brasileiro a igualar as relações de afeto às relações consanguíneas.
17
O Código Civil de 2002 trouxe igualdade à mulher e ao homem e extinguiu o poder
patriarcal. Também concedeu direitos às relações concubinas, reproduziu a regra da igualdade
de direitos e deveres entre os filhos, reconheceu a união estável e legislou sobre ela. Além
disso, atualizou as formas de dissolução conjugal.
Conforme entendimento de Valadares (2016, p. 37):
As famílias atuais deixaram, assim, de ser hierárquicas, já que a figura do pater, não
mais sobrevive numa era onde as famílias são intituladas de democráticas. Hoje,
homens e mulheres assumem mútuas funções, não havendo o que se falar em
funções masculinas e/ou femininas. As mulheres deixaram de ser coadjuvantes e se
tornaram tão responsáveis quanto aos homens pelas decisões da família e dos filhos.
Logo, a família evoluiu, foi necessário que esta se adequasse tempo a tempo a
realidade vivida pela sociedade. Aquela família caracterizada por ser patriarcal,
matrimonialista, hierarquizada e patrimonialista, se tornou ultrapassada e não existe mais.
Hoje a família é democrática, as decisões que precisam ser tomadas envolvem a opinião de
todos os seus integrantes. Além disso, a mulher se tornou independente e tem sua própria
posição no cenário atual. Por ser o afeto o motivo de união familiar, pode-se concluir que,
caminha-se cada vez mais priorizando a felicidade e a dignidade dos integrantes que a
compõem. Alguns hoje dizem que a família está em decadência, em extinção, contudo, o que
está acontecendo, não é a sua decadência ou extinção, mas sim transformações e evoluções
constantes para adequação a realidade então existente no tempo e no espaço.
1.3 – Evolução Social e Funções da Família
Inicialmente, a família, quando de sua origem, não era a mesma que é conhecida
atualmente, suas funções dentro da sociedade evoluíram muito até chegar ao que conhecemos
hoje.
Sua função no primórdio era meramente reprodutiva (também conhecida como
procracional), homem e mulher se uniam para conceber filhos, e era somente através de seus
filhos que seus nomes e de seus ascendentes seriam levados adiante.
Ter filhos, principalmente homens, era essencial, obrigatório e de tamanha
importância para as famílias e também para a sociedade como um todo. Suas famílias só não
deixariam de existir através deles, pois o trono era passado para os herdeiros homens, por esta
razão eram indispensáveis para que as famílias continuassem com o poder, tivessem status e
fossem perpetuadas.
18
Famílias não eram unidas por sentimentos, nem por afeto, famílias eram agrupadas em
razão de interesses muitas vezes estritamente e exclusivamente econômicos.
Com o passar dos tempos, a família obteve outras funções, como é o caso das funções
econômica, religiosa e política.
A função econômica tinha por significado a união dos integrantes da família, que se
auxiliavam mutuamente para que fossem realizados materialmente. Já a função religiosa tinha
sentido quando a união da família visava uma realização espiritual, sendo sedimentada no
Cristianismo, os integrantes de um grupo familiar se uniam em uma só crença e também em
uma só fé. A função política teve relação com a criação do Estado e de toda sociedade, pois a
família foi e continua sendo a base do Estado como a própria Constituição Federal traz
expressamente em seu texto, ou seja, sem a família não poderia se falar em qualquer forma de
organização.
O afeto continuava inexistente. Somente tinham importância critérios biológicos.
Somente o sangue das veias era levado em consideração.
Os membros que integram a família não importavam se estavam felizes ou não, o que
se buscava era lucro, dinheiro, poder e status.
Nos dizeres de Valadares (2016, p. 11), “a família era vista como uma instituição e
seus interesses eram primordiais aos de seus membros. Suas funções eram econômicas,
políticas e religiosas, e não buscavam o bem-estar de seus integrantes, mas, sim, um meio de
garantir o trabalho e a produção”.
Atualmente, a função principal da família é a realização pessoal, tanto espiritual,
quanto material, é garantir a dignidade da pessoa humana pertencente a tais famílias, é a busca
da concretização do direito à felicidade.
Hoje as funções da família estão ligadas a afetividade, desaparecendo ou ocupando um
papel secundário as funções até então existentes, isto é, as funções econômica, religiosa,
política, entre outras. Até mesma a função procracional, também conhecida como reprodutiva,
perdeu sua razão de ser, pois existem muitos casais que não podem gerar filhos ou mesmo
podendo, escolhem adotá-los.
O que une uma família é mais do que sua função biológica, econômica, política,
religiosa, o que une uma família é o amor, é o afeto que há presente em seu meio.
No passado existia apenas um modelo de família, ligada por uma função biológica,
pelo sangue presente nas veias de cada um dos integrantes.
Na modernidade, não existe apenas uma família, houve a sua evolução social, a
evolução de suas funções, o reconhecimento da função afetiva, da ligação do coração, e
19
através desta, a família continua evoluindo e se transformando. Hoje não podemos falar
somente na família biológica, hoje devemos falar da existência de outras famílias, como é o
caso da família socioafetiva.
Conforme Valadares (2016, p. 03):
A evolução social ocasionou uma profunda mudança nas famílias e,
consequentemente, na parentalidade. Muito mais que uma transformação na família,
pode-se dizer que houve uma mudança na postura da sociedade e do Judiciário, os
quais passaram a reconhecer que não há uma família, mas, sim, várias famílias. Daí
o Direito de Família ser denominado hoje como o Direito das Famílias
Portanto, as funções familiares mudaram, antes o que realmente importava era
somente a sua função reprodutiva. Atualmente, a função da família é garantir a dignidade, a
felicidade e a realização de todos os seus membros. Portanto, a função que mais tem ganhado
espaço e importância, nos dias atuais, é a função afetiva, afinal hoje a prioridade não é mais o
patrimônio, mas sim os integrantes da entidade familiar, com seus planos e sonhos, medos e
anseios. Além disso, a visão da sociedade também mudou, e consequentemente, houve a
mudança da visão do Poder Judiciário, que evoluiu para acompanhar as transformações
ocorridas e poder fazer justiça.
1.4 – Espécies de Famílias Reconhecidas
Para critérios meramente didáticos, são três as espécies de família: A família
matrimonial, a família não matrimonial e a adotiva.
A primeira, a família matrimonial, pode ser conceituada como a oriunda do
matrimônio, isto é, a família baseada no casamento, integrada pelos cônjuges e por seus filhos
(prole).
Já a segunda, a família não matrimonial, é baseada nas relações extraconjugais, ou
seja, as que acontecem fora de um casamento.
A terceira, para fins didáticos é a família adotiva que é estabelecida pela adoção,
integrando esta o adotante e o adotando.
Para Diniz (2004, p. 13), “como se vê, o direito não abarca unicamente a família
matrimonial, pois, protege como veremos mais adiante, as uniões constituídas fora do
casamento, à sua imagem e semelhança, bem como os vínculos de filiação estabelecidos pela
adoção”.
20
Além disso, há também a família substitutiva, tratada pela Lei 8.069/90, que abrange a
adoção, a guarda e a tutela e outras famílias, como a família monoparental, que é a formada
por um único genitor (mono) e por sua prole.
Não há, nem haverá um modelo único de família, o que existe é uma diversidade,
várias espécies, vários modelos, que se evoluíram, transformaram-se e irão assim continuar.
Em um tempo falou-se em outros três modelos de família: a tradicional, a romântica e
a contemporânea.
A família tradicional era a existente até meados do século XIX, já descrita, onde a
figura do pai era tida como o centro familiar, e este detinha todo poder e autoridade sobre os
demais membros da família e sobre seus servos.
Pode-se entender como família romântica a que se originou após a família tradicional.
Os integrantes familiares começaram a gozar de uma pequena independência, o pai perdeu
parte de seu poder, mas ainda continuava como o centro da família.
Na família contemporânea, originada em meados do século passado, hoje ainda
existente e em constante evolução, a mulher é dona de uma maior independência, já ocupa um
lugar próprio dentro da sociedade. A família agora não é chefiada pelo pai, na família agora as
decisões são tomadas pela conjugação das vontades de todos seus integrantes.
Segundo Valadares (2016, p.26) “Cada um de seus membros ganha lugar de destaque,
enquanto sujeitos de direito, cada qual com seus anseios e necessidades particulares”.
Dentre tantas classificações, uma de suma importância classifica as famílias em duas
categorias: as famílias constitucionais e as não constitucionais. Constitucionais são as que o
constituinte trouxe expressamente no artigo 226 da Magna Carta, ou seja, a instituída pelo
casamento, pela união estável, também conhecida como família informal, e a monoparental.
Já as famílias que são classificadas como não constitucionais, são as demais que são
aceitas pelo constituinte, entre elas a adotiva, a socioafetiva, a homoafetiva, etc., no entanto,
não se encontram expressamente previstas no texto legal.
O artigo 226 da Constituição traz apenas um rol exemplificativo, o que pode ser
observado pelo entendimento transcrito abaixo:
Apresentou a Constituição, além do matrimônio, a união estável e as famílias
monoparentais. No entanto, as entidades familiares não se restringem a essas que
constam expressamente no art. 226. O entendimento majoritário é de que o referido
dispositivo legal é meramente exemplificativo e não numerus clausus, como creem a
minoria (VALADARES, 2016, p.24).
21
Família homoafetiva pode ser entendida como a formada por pessoas do mesmo sexo,
que se unem e vivem como qualquer outro casal, sendo seus integrantes detentores de direitos
e deveres como quaisquer outros membros de qualquer outra forma de família reconhecida.
Tamanha é a diversidade de classificações que algumas doutrinas já reconhecem a
denominada família multiespécies, pode esta ser entendida como a família formada por uma
junção entre humanos e não humanos, isto é, entre os donos e seus animais de estimação.
Ainda existem outras tantas classificações a exemplo da família parental ou
anaparental, da família composta, pluriparental ou mosaico, da família natural, extensa,
ampliada, da família eudemonista, da família unipessoal, e por fim, mas não menos
importante, da família socioafetiva.
Denomina-se família parental ou anaparental, a família formada entre parentes, que
não possuem qualquer ascendência ou descendência entre si, este é o caso da família
constituída por dois irmãos.
Família composta, pluriparental, também conhecida pela doutrina como mosaico é a
formada, por exemplo, depois de um divórcio, que une os filhos da família anterior com os
filhos da nova família constituída, isto é, trata-se de uma nova família firmada após o
desfazimento de vínculos anteriormente existentes.
A família natural é a descrita pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e está ligada
ao conceito de família biológica, formada por ambos os pais ou qualquer um deles e seus
descendentes. Já a extensa ou ampliada, também trazida pelo mesmo diploma legal, ultrapassa
tais limites, pois se trata da entidade familiar que inclui demais parentes que com a criança ou
adolescente mantenha vínculos afetivos ou de afinidade.
O eudemonismo busca a felicidade das pessoas através do afeto, portanto, a família
eudemonista nada mais é do que a formada através dos vínculos afetivos.
Já por família unipessoal, pode-se entender como a constituída por uma única pessoa,
este é o caso da viúva.
As relações baseadas em vínculos afetivos tomaram tais proporções que foram
reconhecidas e protegidas, como é o caso da família socioafetiva. Pais e filhos se reconhecem
como tais e se tratam como tais, independentemente de qualquer vínculo biológico. Os pais
ensinam, educam, cuidam, protegem os seus filhos como se biológicos fossem. Os filhos
obedecem, respeitam e amam seus pais como se com eles nutrissem um vínculo biológico. O
que une essa família não é sangue, mas carinho, amor e respeito.
Os modelos então expostos são meramente exemplificativos, pois tantas são as formas
de famílias existentes na Magna Carta, nas leis, nas doutrinas e também na jurisprudência.
22
Nos dizeres de Valadares (2016, p.25), “a família se tornou um gênero, do qual se têm
espécies que vão além daquelas apresentadas no texto da lei”.
Pelo exposto, conclui-se que várias são as espécies familiares, inúmeras e incontáveis.
As expressas no artigo 226 do texto constitucional são apenas alguns exemplos das tantas
famílias existentes e reconhecidas. Apesar da abundante e incalculável quantidade de modelos
familiares existentes e das peculiaridades de cada uma delas, todas tem sua importância e
detém dos mesmos direitos, sendo, portanto, iguais constitucionalmente. Já não é possível
falar de apenas e tão somente um modelo familiar, visto que o Direito de Família é constituído
por uma diversidade de espécies, configurando assim e melhor dizendo, o Direito das
Famílias.
1.5 – Natureza Jurídica
O Direito de Família é o direito das pessoas que integram uma organização familiar,
ou seja, é a disciplina jurídica que concede direitos e impõe obrigações aos integrantes de um
grupo ligado biológica ou afetivamente e que se consideram como tal.
Suas normas são consideradas cogentes ou de ordem pública, ou seja, em sua maioria
encontram-se expressas no texto legal, e, portanto, caracterizadas pela não possibilidade de
derrogação através da vontade de particulares, sendo assim, possuem como características
serem limitativas e restritivas às pessoas, o que pode ser observado através dos dizeres de
Gonçalves (2012, p. 28):
Em razão da importância de sua disciplina, predominam no direito de família,
portanto, as normas de ordem pública, impondo antes deveres do que direitos. Todo
o direito familiar se desenvolve e repousa, com efeito, na ideia de que vínculos são
impostos e as faculdades conferidas não tanto para atribuir direitos quanto para
impor deveres.
Alguns consideram o Direito de Família como sendo um ramo de direito público, em
razão das muitas intervenções estatais. No entanto, trata-se de um ramo do direito privado,
que somente sofre intervenções do Estado devido ao papel que a família ocupa na sociedade e
a tamanha importância que esta mesma sociedade lhe confere.
Dias (2016, p. 29), afirma que:
Aliás, não se pode conceber nada mais privado, mais profundamente humano do que
a família, em cujo seio o homem nasce, vive, ama, sofre e morre. A pretensão de
deslocar a família do direito privado representa um contrassenso, pois prepara o
terreno para um intervencionismo intolerável do Estado na vida íntima.
23
Também é nítido que se trata de um ramo de direito privado, pois é integrante do
direito civil, e este último é classificado como direito privado.
Mesmo que o direito de família tenha algumas peculiaridades inerentes ao direito
público, não há de se ter grandes dúvidas que ele não constitui ramo de direito público, e que
o mesmo caminha para a minimização das interferências estatais, que devem somente ocorrer
para a proteção e amparo dos membros que a compõe como sujeitos considerados
individualmente detentores de direitos e deveres e como membros de uma família considerada
como um todo.
Segundo Gonçalves (2012, p. 29):
Malgrado as peculiaridades das normas do direito de família, o seu correto lugar é
mesmo junto ao direito privado, no ramo do direito civil, em razão da finalidade
tutelar que lhe é inerente, ou seja, da natureza das relações jurídicas a que visa
disciplinar. Destina-se, como vimos, a proteger a família, os bens que lhe são
próprios, a prole e interesses afins.
É um direito personalíssimo, extrapatrimonial, inderrogável, irrenunciável,
intransmissível, irrevogável e que não admite termo, nem representação, através de
procuração, para seu exercício.
Já a família por si só, deve ser considerada como uma instituição.
Nos dizeres de Nader (2006, p. 32):
Na esteira da maioria dos autores, reconhecemos na família uma instituição,
conforme a teoria de Maurice Hauriou (1856-1929), que se aplica à sociedade, seus
grupos, ao Direito e ao próprio Estado, que seria a instituição das instituições. Para
o jurista-filósofo francês, a instituição é uma ideia de obra a realizar-se em um grupo
social, que se organiza em função do objetivo eleito e atua em comunhão, buscando
a sua realização concreta.
Alguns autores no passado consideravam erroneamente a família como sendo pessoa
jurídica, ou seja, ela como titular de direitos e obrigações, entendimento este equivocado,
afinal, os possuidores de direitos e obrigações são os membros que a compõe singularmente
considerados.
Segundo Venosa (2011, p. 08):
Em nosso direito e na tradição ocidental, a família não é considerada uma pessoa
jurídica, pois lhe falta evidentemente aptidão e capacidade para usufruir direitos e
contrair obrigações. Os pretensos direitos imateriais a ela ligados, o nome, o poder
familiar, a defesa da memória dos mortos, nada mais são do que direitos subjetivos
de cada membro da família. Com maior razão, da mesma forma se posicionam os
direitos de natureza patrimonial. A família nunca é titular de direitos. Os titulares
serão sempre seus membros individualmente considerados.
24
Sendo assim, é através do direito que surgem os direitos e são impostas as obrigações
a cada ser humano. O Direito de Família tem natureza jurídica de direito privado, mas com
peculiaridades de direito público, ou seja, é composto de normas cogentes, inderrogáveis pela
vontade das partes. Além disso, é sub-ramo do direito civil, que também integra o grupo dos
direitos privados. Já a família, para a maioria dos doutrinadores, tem natureza de instituição.
No entanto, alguns autores a consideram como pessoa jurídica, entendimento este errôneo e
equivocado, afinal, a família, considerada como um grupo, não é detentora de direitos e
obrigações, tais direitos e obrigações pertencem individualmente a cada um dos seus
membros.
1.6 – Da Importância da Família para a Estruturação do Estado
Todo ser humano desde seu nascimento até sua morte pertence a uma família. Todos
são gerados através da união da figura masculina paterna com a figura feminina materna.
Nasce em uma família, e cresce-se no seio dela, até que cada indivíduo se una com outra
pessoa, e juntos construam sua própria família.
Na sociedade todos de alguma forma fazem parte de uma família, onde os indivíduos
se realizam. Busca-se através da entidade familiar a felicidade, a dignidade, e a concretização
de todos os seus sonhos.
Foi através dos grupos familiares que a sociedade se originou.
No primórdio, os homens viviam sozinhos, cada um por si, tempo este caracterizado
por completa desordem e caos. Aos poucos se viu necessário a união em grupos para a
proteção e para subsistência, cada indivíduo com suas características e habilidades úteis uns
aos outros. Estes agrupamentos, inicialmente, eram compostos por um numero maior de
indivíduos, mas diante disso a desordem ainda era presente.
Com o tempo, os grupos se tornaram menores e, consequentemente, mais ordenados,
houve a criação do que hoje se conceitua como sendo família, onde o ser humano nasce,
cresce, se reproduz e morre, onde ele se realiza material, espiritual e intelectualmente e
também do que conhecemos como Estado.
Por ser uma característica inerente à totalidade dos seres humanos, o Estado busca,
através de suas intervenções, proteger e amparar todas as formas de famílias, reconhecendo-
as, solucionando conflitos internos e externos, e, além disso, procurando garantir o mínimo
necessário para a subsistência, e para uma vida digna no meio familiar, muitas vezes, através
de mecanismos legais e judiciais.
25
De acordo com Gonçalves (2012, p. 21):
Já se disse, com razão, que a família é uma realidade sociológica e constitui a base
do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em
qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição
necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.
A própria Constituição de 1988, em seu artigo 226, trouxe expressamente que a
família é a base de toda sociedade e que ela detêm de uma proteção especial do Estado. O
Estado deve, portanto, preservar todas as formas de família existentes.
A família é o núcleo fundamental da sociedade, sem ela não seria possível nenhum
tipo de organização, nem mesmo a organização social ou a jurídica. É ela que estrutura todo o
Estado e os indivíduos a ele pertencentes. Não há qualquer indivíduo que se realize sem uma
família, é através dela que se alcança a felicidade, a dignidade, o amor e o respeito.
Conforme Gagliano e Filho (2012, p.52), “enquanto base da sociedade, a família, hoje,
tem a função de permitir, em uma visão filosófica-eudemonista, a cada um dos seus membros,
a realização dos seus projetos pessoais de vida. Note-se que, no passado, não era assim”.
Em razão da tamanha importância para o Estado e para seus membros, a família pode
ser considerada como o pilar de sustentação de toda sociedade e é por essa razão que a
Constituição e outros diplomas legais, como o caso do Código Civil de 2002, garantem ampla
proteção às entidades familiares e trazem uma série de limitações ao Estado, como por
exemplo, a mínima intervenção estatal no seio familiar.
Nos dizeres de Lôbo (2011, p. 35), “a Constituição de 1988 proclama que a família é a
base da sociedade. Aí reside a principal limitação ao Estado. A família não pode ser
impunemente violada pelo Estado, porque seria atingida a base da sociedade a que serve o
próprio Estado.”
Como o Estado proíbe que a família se defenda por si só, nada mais justo que este
amparo, esta defesa, seja realizada por ele mesmo.
Além da importância da família, é necessário que se entenda também a importância do
Direito de Família, pois se trata de um ramo que traça diretrizes a todo e qualquer ser humano,
em situações que podem ser consideradas como as mais importantes da vida de qualquer ser
humano, independente de sexo, cor ou etnia.
O Direito de Família está interligado com tantos outros ramos do Direito, se não
estiver relacionado com todos eles. Este traz regras importantes para outros ramos do direito e
também para outros ramos também integrantes do Direito Civil, afinal, sem o direito de
26
família, por exemplo, o direito das sucessões, o direito das obrigações, direito das coisas não
subsistiriam, não possuiriam qualquer sentido.
O Direito de família, portanto, é de suma importância, pois além de ser indispensável
para outros ramos do direito, é ele quem ordena e organiza a vida das famílias em sociedade.
É ele que traz regras e princípios para evitar conflitos e outras para solucionar os litígios já
existentes.
Ante ao exposto, chega-se a conclusão de que, a família é o pilar de sustentação de
todo o Estado e de toda ordem social. Tamanha é a sua importância que, somente através dela
os indivíduos se realizam, e encontram a felicidade. Sendo assim, o Estado deve minimizar
suas intervenções nas entidades familiares, além do dever de protegê-las sempre que
necessário. Tem também, imaginável importância, o Direito de Família, pois, ele se
correlaciona, se conecta, com todos os demais ramos do direito. Além, de trazer normas e
princípios para disciplinar todas as fases importantes de qualquer indivíduo, afinal, nascemos,
vivemos e morremos no seio familiar.
27
II – DA FILIAÇÃO
2.1 – Conceito de Filiação
Todos conhecem a definição intimamente do que seriam filhos. Todo ser humano sabe
muito bem o que é ser filho de alguém. Não há ser humano algum que não seja filho de
alguém. Querendo ou não, todos os indivíduos são gerados através de uma união sexual entre
duas pessoas, mas diversas vezes são considerados sendo filhos de indivíduos que ocupam a
posição de pais sem mesmo os terem concebidos.
Conforme Fujita (2011, p. 09), “filiação tem sua origem etimológica no vocábulo
latino filiatio, que possui o significado de descendência de pais a filhos”.
Nos dizeres de Diniz (2004, p. 396), “filiação é o vínculo existente entre pais e filhos;
vem a ser a relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma
pessoa e aqueles que lhe deram a vida”.
Filhos são os descendentes de primeiro grau de um casal, isto é, de seus pais. No
entanto, ser filho é muito mais do que manter parentesco em primeiro grau, em linha reta, com
seus genitores ou com quem os substituem, isto é, com indivíduos que não carregaram seus
filhos em seu ventre, não o geram, mas o tratam como se tivessem feito isto e que dariam a
eles sua própria vida.
No entendimento de Lôbo (2011, p. 216):
Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas
pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse
de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga.
Quando a relação é considerada em face do pai, chama-se paternidade, quando em
face da mãe, maternidade. Filiação procede do latim filiatio, que significa
procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace.
A filiação pode ser entendida como a relação que há entre filhos com seus pais, e estes
últimos com os avôs dos primeiros e assim sucessivamente.
Muitos são os conceitos que exprimem o significado da palavra filiação, mas ser filho
vai além de descender de outro alguém.
Alguns ao pensar na palavra filiação a ligam a um conceito equivocado em que filhos
seriam somente os que carregam o DNA e o sangue de quem os geraram. Trata-se de um
conceito errôneo, pois esta definição traz somente o que seria filhos biológicos, somente uma
espécie da diversidade de modalidades reconhecidas e classificadas como sendo filhos.
28
Em um conceito menos jurídico, filhos são aqueles que são considerados como tais,
independente de quem os gerou, ou seja, independe de um critério biológico, ou de sua
fecundação.
Conforme Gonçalves (2012, p. 279), “filiação é a relação de parentesco consanguíneo,
em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam
como se a tivessem gerado”.
Ser filho é manter uma relação com seus ascendentes, independente de qualquer
vínculo, é respeitar seus pais e amá-los independente de suas diferenças, de seu sangue, de seu
DNA ou de qualquer característica física ou genética. Ser filho é querer ensinar coisas novas a
quem considera como pai e se deixar aprender algumas coisas também. É cuidar dos pais
quando estes precisam, é querer orgulhá-los todos os dias, a cada atitude tomada.
Ser filho é amadurecer a imagem e exemplo de seus pais e desejar ser ao menos um
pouco como eles. É crescer e ao ter seus filhos querer ser igual aos pais.
Nos dizeres de Coelho (2006, p. 144):
Ter filhos é uma experiência única e, embora acompanhada de imensas dificuldades,
essencialmente gratificante. Quem passa por ela no momento certo da vida,
enriquece-a em muito. Como antes de transmitir conceitos e valores é preciso
clarificá-los, preparar alguém para viver em sociedade importa reestruturar-se
internamente. Acompanhar de perto o crescimento de novo ser da espécie,
contribuindo de modo decisivo para sua formação, desperta o sentimento de
responsabilidade pela preservação e renovação de uma herança cultural milenar.
Mostrar o mundo para o filho é redescobri-lo nos seus perdidos detalhes: depois de
crescer, a gente só se recorda que a lagarta se metamorfoseia em borboleta, e tantas
coisas mais, ao falar disso com ele. Ter filho, vivenciando intensamente a relação, é
rejuvenescer.
Diante de todo o exposto, constata-se que a definição de filhos vai muito mais além do
que apenas uma relação de descendência, de um parentesco em linha reta, em primeiro grau.
Nenhum conceito sequer conseguiria exprimir com total exatidão o que é ser filho, no entanto,
todos sabem intimamente o significado real de tal expressão. Pode-se conceituar filhos como
sendo os descendentes biológicos ou não, que com seus pais nutrem um laço de amor. Ser
filho é ensinar e aprender simultaneamente, é desejar, quando crescer, ser um reflexo do que
são seus pais, ser um espelho deles. Portanto, ser filho é muito mais que apenas descender.
2.2 – Histórico-Evolutivo da Filiação
Em um passado não muito distante, os filhos eram classificados e catalogados como se
animais fossem, situação esta que se caracterizava por tamanha crueldade e discriminação.
29
Filhos biológicos e concebidos na constância de um casamento eram importantes para
perpetuação da espécie, para status e poder. Tamanho era o poder exercido pelo patriarca, que
poderia este decidir se o filho deveria viver ou não. Liberdade e direitos eram quase sempre
inexistentes.
Classificavam-se os filhos em razão de terem sido gerados ou não dentro de um
casamento, prejudicando assim os filhos em razão das decisões tomadas por seus pais, em
razão da situação conjugal destes últimos.
Os filhos gerados na constância do casamento detinham de direitos, a exemplo do
reconhecimento, da possibilidade de ter o sobrenome dos pais, entre outros, direitos dos quais
os filhos concebidos fora do matrimônio não possuíam.
Os primeiros eram denominados como filhos legítimos, e os últimos eram
considerados como filhos ilegítimos, estes podendo ainda ser classificados como naturais, se
ambos os genitores fossem solteiros ou viúvos, isto é, sem qualquer forma de impedimento
para o casamento, ou como espúrios, se houvesse qualquer impedimento por parte de um ou
de ambos os pais.
Os espúrios por sua vez, podiam ainda ser subdivididos em adulterinos, quando apenas
um ou os dois genitores fossem casados com outras pessoas ou, em incestuosos, se o
impedimento adviesse de outra razão, por exemplo, parentesco, descendência, etc.
Conforme Coelho (2006, p. 145):
Há não muito tempo atrás, considerava-se filho de verdade mesmo, apenas o nascido
dentro do casamento. Isto é, havia uma hierarquia entre os filhos, em que se
privilegiava o portador da herança genética de homem e mulher casados, ou que
pelo menos se presumia a tivesse recebido do primeiro.
Os filhos ilegítimos não podiam ser reconhecidos nem se assim desejassem os pais,
havia uma proibição em relação a este direito, por ser o casamento uno e indissolúvel. Apenas
após o enviuvamento que estes filhos podiam ser reconhecidos ou através de testamento.
Em 1942, com o advento do Decreto-Lei 4.737, deixou de ser proibido o
reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, no entanto somente aquele genitor que
houvesse dissolvido o casamento, poderia reconhecer, ou seja, o genitor desquitado (assim
conhecido na época).
Já em 1949, outro avanço ocorreu, com a Lei 883, o filho havido fora do casamento
obteve o direito de ingressar com a ação de reconhecimento de paternidade, mas com a
mesma condição acima exposta, desde que o genitor não estivesse mais casado.
30
Mesmo com o advento destas duas leis acima declinadas, que trouxeram grandes
avanços e mudanças no paradigma então vivido, a discriminação ainda era constante, os filhos
ainda recebiam tal classificação através de nomenclaturas preconceituosas e, não podiam ser
reconhecidos se o pai se achasse na constância de um casamento. Além disso, os direitos e
obrigações eram diferentes para cada modalidade de filiação.
Apenas em 1977, com a edição da Lei 6.515, também conhecida como a lei do
divórcio que houve a abolição desta discriminação, possuindo agora, os filhos ilegítimos,
direitos sucessórios iguais aos filhos legítimos.
Mas foi somente em 1989 que o homem casado passou a ter direito ao reconhecimento
voluntário dos filhos havidos fora de seu casamento ou desses mesmos filhos adentrarem com
uma ação judicial para o reconhecimento forçado em face do genitor casado.
E foi com a Magna Carta e o Código Civil, até então vigentes, que a discriminação,
inclusive terminológica, foi abolida. Atualmente, tais nomenclaturas só são utilizadas para
estudo.
De acordo com Diniz (2004, p. 399):
Juridicamente, não há que se fazer tal distinção, ante o disposto na Constituição
Federal de 1988, art. 227, § 6º, e nas Leis n. 8.069/90 e 8.560/92, pois os filhos,
havidos ou não do matrimônio, têm os mesmos direitos e qualificações, sendo
proibidas quaisquer designações discriminatórias (CC, art. 1596).
Até 1977, a discriminação também era constante em outra classificação de filiação, a
filiação biológica versus a filiação adotiva.
No entanto, hoje filhos são apenas filhos, independente de qualquer critério que seja
analisado, físico, biológico, genético, entre outros, nada disso mais importa, felizmente toda a
discriminação quanto a estas formas de classificações ficaram no passado.
Conclui-se então que:
Portanto, a nova ordem filiatória centrada no garantismo constitucional e nos valores
fundantes da República (dignidade, solidariedade social, igualdade e liberdade),
implica em funcionalizar a filiação à realização plena das pessoas envolvidas (pais e
filhos), além de despatrimonializar o conteúdo da relação jurídica (compreendida de
forma muito mais ampla do que uma simples causa para a transmissão de herança) e
de proibir discriminações, como forma promocional do ser humano (FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 546).
Em suma, houve grandes transformações em relação à filiação. Foi-se o tempo em que
filhos eram diferenciados em razão do status do relacionamento de seus genitores ou em
virtude de um critério meramente sanguíneo. Definições e nomenclaturas preconceituosas
31
foram abolidas e os direitos e deveres equiparados (igualados), afinal, filhos são apenas filhos
e assim devem ser tratados.
2.3 – Modelos de Filiação
Didaticamente, para um melhor estudo, os filhos são divididos e classificados em
grupos em razão de algumas de suas características e peculiaridades.
Classificação esta, atualmente, somente ilustrativa, pois os direitos e obrigações dos
filhos são os mesmos, independente do grupo que ocupem.
Podemos classificá-los em quatro espécies, isto é, em filhos biológicos, em não
biológicos, em filhos havidos dentro do casamento e em filhos havidos fora dele.
Trata-se de filiação biológica quando há transmissão de traços genéticos dos pais para
os filhos, isto é, os filhos herdam dos pais o sangue e o DNA. Em regra, resulta tal filiação da
relação sexual mantida pelos genitores, sendo então esta natural, ou seja, in utero.
Além disso, também se inclui como filiação biológica, a fertilização in vitro, onde
ambos os genitores fornecem gametas, ou seja, o pai fornece o espermatozoide (microgameta)
e a mãe o óvulo (macrogameta), tratando-se, portanto, de fecundação assistida homóloga.
Nos demais casos, onde não há transmissão de sangue, nem de qualquer fator genético,
a filiação será a não biológica.
Para Lôbo (2011, p. 216):
Sob o ponto de vista do direito brasileiro, a filiação é biológica e não biológica. Por
ser uma construção cultural, resultante da convivência familiar e da afetividade, o
direito a considera como um fenômeno socioafetivo, incluindo a de origem
biológica, que antes detinha a exclusividade.
A filiação não biológica pode ainda se subdividir em filiação por substituição, filiação
socioafetiva e filiação adotiva.
Considera-se filiação por substituição aquela em que há fertilização in vitro, isto é, os
gametas fornecidos são implantados em uma terceira pessoa.
Ambas as filiações originadas através de fertilização in vitro independem do útero em
que ocorre a gestação.
Por sua vez, a filiação socioafetiva advém do afeto que nasce entre os pais com seu
filho e do último com seus pais. Não há qualquer critério biológico ou genético a ser levado
em consideração, o que tem suma importância é o amor, o carinho e a consideração que um
tem pelo outro, é o tratamento do casal com a prole e a consideração desta com seus pais.
32
Já a filiação adotiva é a estabelecida entre a figura do adotante e do adotado, através
de um processo judicial, em que a pessoa adotante aceita a pessoa adotada, normalmente uma
criança ou adolescente, como seu filho.
Entre as filiações, a havida na constância do casamento e a havida fora dele, a
diferença reside apenas se, no momento da geração do filho, os seus genitores eram casados
entre si ou não.
A filiação matrimonial, ou seja, a filiação havida dentro do casamento é aquela que se
origina da união de dois indivíduos que mantém um vínculo matrimonial, isto é, casadas no
momento da concepção, mesmo que este casamento seja nulo ou anulado posteriormente.
Para configuração desta filiação, é necessário, em regra, que o casamento seja anterior
não somente ao nascimento, mas também ao ato de concepção. No entanto, não deixa de ser
filiação matrimonial, se a concepção se deu anteriormente ao casamento, e o nascimento no
decorrer dele.
A filiação não matrimonial, extramatrimonial, ou em outras palavras, filiação havida
fora do casamento, é a filiação oriunda de pessoas impedidas de se casarem ou que não
desejem o casamento, filhos estes anteriormente subdivididos em naturais ou espúrios, e estes
últimos em adulterinos ou incestuosos, conforme já fora mencionado.
Sendo assim, observa-se que a classificação trazida pela doutrina é meramente
ilustrativa e didática, pois divide a filiação em razão à peculiaridades e características
genéticas ou devido, estarem ou não, seus pais casados um com o outro. Classificação esta
seria discriminatória e injusta se não fosse somente para tais fins.
2.4 - Equiparação Entre Filhos
Na forma como já foi demonstrado nos tópicos anteriores, no decorrer da história, as
distinções e nomenclaturas utilizadas para classificar e diferenciar os filhos foram abolidas,
em razão da injustiça que geravam.
Nos dizeres de Nader (2006, p. 328):
A injustiça era patente. Considera-se relevante o casamento, ao mesmo tempo em
que se condenava ao desamparo o ser inocente, humilhado ainda por não ostentar o
nome paterno. A visão humanista do Direito, alcançada na segunda metade do
século XX, deslocou o foco da lei, afastando-o do casamento, para concentrá-lo na
pessoa humana, reconhecendo-lhe a dignidade imanente. Prevalece o princípio the
best interest of the child – o melhor interesse da criança.
33
Entre os princípios encontrados explicitamente e implicitamente no texto da
Constituição Federal de 1.988, está a igualdade.
No artigo 227, § 6º da Magna Carta, encontra-se expressamente o princípio da
igualdade entre filiações, vedando qualquer prática discriminatória em relação aos filhos, ou
seja:
A partir do Texto Maior de 5 de outubro, todos os filhos passaram a ter as mesmas
prerrogativas, independentemente de sua origem ou da situação jurídica dos seus
pais (CF, art. 227, §6º). Trata-se, sem dúvida, de norma-princípio paradigmática,
servindo para eliminar todo e qualquer tipo de tratamento discriminatório (bastante
comuns no sistema do Código Civil de 1916, que optou por conferir privilégios ao
filho nascido de um casamento). Com isso, afastaram-se também do campo filiatório
os privilégios concedidos a uma, ou outra, pessoa em razão da simples existência de
casamento. Foram afastadas, em síntese apertada, as discriminações perpetradas
contra os filhos de pessoas não casadas (FARIAS e ROSENVALD, 2015, p.539).
Filhos, independente de qualquer fator, devem ter direitos e obrigações paritárias, pois
são apenas filhos, e por esta razão todos merecem um tratamento igualitário, sem quaisquer
discriminações ou distinções.
O Código Civil de 2002, ora vigente, em seu artigo 1.596 e a Lei 8.069/90, ou seja, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 20, também trouxeram disposições
idênticas ao princípio da isonomia entre filhos, consagrado na Magna Carta de 1.988.
Independente do momento do nascimento ou da forma de concepção, o ora
mencionado princípio garante uma igualdade substancial entre os filhos, pois seria injusto
diferenciá-los em razão do momento em que nasceram, ou de como nasceram.
Os filhos não biológicos nascem para os pais, não através do parto, estes filhos nascem
para estes pais no momento que adentram suas vidas.
Para Madaleno (2013, p. 485):
O texto constitucional em vigor habilita-se a consagrar o princípio da isonomia entre
os filhos, ao pretender estabelecer um novo perfil na filiação, de completa igualdade
entre todas as antigas classes sócias de perfilhação, trazendo a prole para um único e
idêntico degrau de tratamento, ao tentar derrogar quaisquer disposições legais que
ainda ousassem ordenar em sentido contrário para diferenciar a descendência dos
pais.
No entanto, o Código Civil faz algumas diferenciações, que causam algum impacto.
Uma dela é estrutural, pois, encontram-se codificadas no livro IV as normas aplicadas ao
Direito de Família, no entanto, no capítulo II, intitulado “Da Filiação”, estão expressas
somente as normas aplicáveis aos filhos denominados matrimoniais, e no capítulo seguinte,
cujo título é “Do Reconhecimento dos Filhos”, as normas direcionadas para a disciplina dos
filhos havidos fora do casamento, algumas doutrinas consideram isto como retrocesso.
34
Segundo Dias (2016, p. 674):
Assim, indispensável que o Código Civil abandonasse a velha diferenciação dos
filhos pelo fato de terem nascido na constância do casamento ou serem fruto de
relações extrapatrimoniais. No entanto, os trata separadamente. No capítulo “Da
filiação (CC 1.596 a 1.606) fala dos filhos matrimoniais. Aos filhos havidos fora do
casamento dedica o capítulo “Do reconhecimento dos filhos” (CC 1.607 a 1.617).
Depois de repetir a regra da igualdade constitucional (CC 1.596), o Código Civil
retroage cem anos ao reproduzir institutos totalmente ultrapassados. Quando trata da
filiação, define a paternidade com base em presunções. Uma ficção jurídica tão
antiga que é definida em latim: pater is et – o pai sempre é o marido da mãe. Nada
mais do que presunção de fidelidade da mulher ao seu marido.
Além disso, há uma diferenciação em relação às normas constantes nestes capítulos
mencionados acima, como pode ser observada nos dizeres abaixo:
Malgrado a inexistência, por vedação expressa da lei, de diversidade de direitos,
qualificações discriminatórias e efeitos diferenciados pela origem da filiação,
estabelece ela, para os filhos que procedem de justas núpcias, uma presunção de
paternidade e a forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento,
critérios para o reconhecimento, judicial ou voluntário; e para os adotados,
requisitos para a sua efetivação (GONÇALVES, 2012, p. 280).
Em questão legislativa, muito mudou em relação à filiação, se comparado ao passado,
às antigas leis. A sociedade evoluiu, e por esta razão a legislação precisou também mudar,
para acompanhar o ritmo e ser justa.
No entanto, assim como alguns autores também asseveram, muito ainda falta mudar,
alguns conceitos estão ultrapassados, algumas nomenclaturas e classificações ainda estão
descrevendo uma realidade não mais vivida.
Não há de se notar os grandes avanços que surgiram no decorrer dos anos, contudo,
ainda, para garantir uma dignidade a todos os indivíduos e assegurar uma justiça plena, é
necessário uma adequação urgente das normas para poderem disciplinar a realidade ora
vivenciada, inclusive no direito de família e nas normas que legislam sobre filiação,
entendimento este que pode abaixo ser observado:
Ao longo do século XX, muito da visão discriminatória da filiação foi sendo pouco a
pouco derrubado. Não obstante, o Código Civil de 2002 ainda se encontra preso a
certas ideias insculpidas no Código anterior – aliás, vários artigos foram
simplesmente transcritos da lei anterior para a atual –, razão pela qual a matéria da
filiação merece reforma legislativa (DONIZETTI; QUINTELLA, 2016, p.1.079).
Portanto, apesar de atualmente a Constituição e o Código Civilista, além do Estatuto
da Criança e do Adolescente preverem, através do princípio da isonomia, a equiparação de
direitos e obrigações entre todos os filhos, independente de quaisquer critérios, ou
classificações didáticas, algumas evoluções ainda são necessárias. O Código Civil de 2.002
ainda continua com convicções ultrapassadas, antiquadas, obsoletas, que foram herdadas do
35
antigo Código Civil de 1.916. Portanto, para que seja alcançada tal equiparação idealizada,
serão necessárias mudanças na sociedade e também em sua legislação.
2.5 – A Questão do Reconhecimento dos Filhos
O reconhecimento de filiação é o ato que visa declarar a paternidade dos filhos
havidos fora de um casamento, ou melhor:
O reconhecimento de filhos é um ato, voluntário ou forçado, através do qual se
estabelece a relação de parentesco em primeiro grau na linha reta. Pode decorrer de
um ato espontâneo praticado pelos genitores ou mesmo contra a sua vontade, através
de decisão do Poder Judiciário, proferida em ação investigatória de parentalidade
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 601).
A maternidade, em regra, sempre certa está (mater semper certa est), podendo
somente ser contestada em caso de falsidade de documentação ou de dados, ou em caso de
erro, deste que haja prova de tal situação.
Filhos havidos na constância do casamento contam com uma presunção relativa de
paternidade (pater is est), portanto, em regra, o marido da mãe é o pai da pole enquanto não
for provado o contrário.
Sendo assim, o reconhecimento de filho busca declarar a paternidade dos filhos não
matrimoniais, isto é, dos chamados filhos extramatrimoniais, onde a paternidade é incerta.
O Código Civil disciplina tal matéria a partir do artigo 1.607.
O reconhecimento de filhos pode ocorrer de duas formas, através da perfilhação,
também conhecido como reconhecimento voluntário ou através do reconhecimento judicial.
O artigo 1.609 do Código Civil traz as hipóteses de perfilhação. Ocorre o
reconhecimento voluntário dos filhos através do registro de nascimento, em escritura pública
ou particular que deve ser arquivada no cartório de registro das pessoas naturais, por
testamento, legado ou codicilo e por manifestação direta e expressa na presença de um juiz.
Nas demais situações se estará diante do reconhecimento judicial, que depende da
ação investigatória de parentalidade, que possui como característica ser forçado e coativo.
Como característica do reconhecimento de filiação, podemos também citar a sua
irrevogabilidade em regra, inclusive na paternidade socioafetiva, a regra é o reconhecimento
ser irrevogável.
Trata-se de ato unilateral e formal, que depende de concordância se se tratar de filho
que já atingiu a maioridade. É ato incondicional, vedado este depender de condição ou termo,
também é ato personalíssimo, não podendo um dos pais reconhecer vinculando o outro.
36
O artigo 1.611 traz o prazo decadencial de 04 anos a contar da maioridade, para a
impugnação do reconhecimento de filiação pelo filho menor, entendimento este que vem
sendo afastado pela atual jurisprudência predominante.
Para Lôbo (2011, p. 254):
O reconhecimento voluntário é ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga
omnes. Na classificação dos ato jurídicos, constitui ato jurídico em sentido estrito ou
stricto sensu, porque, ao contrário do negócio jurídico, seus efeitos são
predeterminados pela lei, não podendo ser estipulado livremente pelas partes. O ato
de reconhecimento, no direito brasileiro atual, além de personalíssimo, apresenta as
características de voluntariedade, irrevogabilidade, incondicionalidade.
No entanto, para o reconhecimento judicial não há qualquer prazo, sendo considerada
a referida ação imprescritível em razão da importância de tal ato.
O reconhecimento judicial depende de uma ação judicial e consequentemente, de uma
decisão também judicial. Privativamente o filho é legitimado para ingressar com a ação,
podendo, enquanto menor, ser representado pelo outro genitor.
A ação de investigação de parentalidade visa resolver conflitos relacionados ao direito
de personalidade, ou seja:
Sem dúvida, a investigação de parentalidade se caracteriza como ação de estado,
relativa ao estado familiar, destinada a dirimir conflitos de interesse relativo ao
estado de uma pessoa natural, envolvendo discussão acerca de verdadeiro direito de
personalidade. Como tal, trata-se de ação imprescritível, irrenunciável e inalienável
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 613).
Nesta ação, todos os meios de provas são admissíveis, desde que meio lícito e idôneo.
A prova mais conhecida para esta modalidade de ação é a pericial genética, ou como é mais
conhecida, o DNA, contudo é evidente que tal modalidade probatória não exclui as demais
existentes.
O reconhecimento produz diversos efeitos, alguns patrimoniais, outros não, efeitos
estes retroativos a data do nascimento. O principal efeito que este ato produz é a vinculação
de parentesco entre pai e filho até então inexistente.
A ação não visa mais reconhecer somente a filiação biológica, ela pode ser manejada
para o reconhecimento de outras formas de filiação, este é o caso da filiação socioafetiva.
Portanto, busca-se o reconhecimento do “estado de filiação”.
Logo, os filhos classificados como matrimoniais não necessitam ser reconhecidos, já
que há presunção de paternidade e de maternidade. Portanto, o ato de reconhecimento é
privativo aos filhos extramatrimoniais. Duas são as formas de reconhecimento de
parentalidade, através da perfilhação, que se trata de ato voluntário e cujas hipóteses estão
37
previstas no artigo 1.609 do Código Civilista então vigente e, através da ação de investigação
de parentalidade, meio judicial e forçoso, dependendo, portanto, de ação e decisão judicial.
Trata-se de reconhecimento de parentalidade, pois se busca reconhecer, não somente a
paternidade, mas em alguns casos, também, a maternidade. Além disso, a ação, atualmente,
não visa exclusivamente o reconhecimento da filiação biológica, ela também pode ser
manejada para o reconhecimento da filiação socioafetiva.
38
III – DA FAMÍLIA SOCIOAFETIVA
3.1 – Conceito de Família Socioafetiva
Os tempos mudaram, já não se define família apenas através de preceitos científicos e
genéticos. A família nunca foi una, apesar de ser assim relatada por um grande período.
O enfoque de preocupação se transformou, hoje se valoriza os membros que compõe a
família, enaltece-se a pessoa humana, sua dignidade, seus desejos e anseios.
A afetividade está presente cada vez mais no cotidiano mundial, no entanto continua
pouco explorada.
A família socioafetiva pura trata-se de uma inovação trazida pela doutrina e pela
jurisprudência, no entanto, ainda encontra-se desamparada de uma expressa previsão legal.
A expressão “afeto” deriva do latim afficere, afectum, que tem como significado
produzir impressão, e também do termo latino affectus, que pode ser traduzido em tocar,
comover o espírito, unir fixar ou mesmo adoecer. Já a afetividade, deriva de afecção, que
provém do latim afficere ad actio, que tem por significado “onde o sujeito se liga, onde se
fixa”.
Diante disso, pode se conceituar como família socioafetiva aquela constituída por um
pai ou mãe, ou até mesmo por ambos, com seu filho, conectados exclusivamente através do
afeto, ligados, fixados pelo afeto.
Para Fujita (2011, p. 71):
Filiação socioafetiva é aquela consistente na relação entre pai e filho, ou entre mãe e
filho, ou entre pais e filho, em que inexiste liame de ordem sanguínea entre eles,
havendo, porém, o afeto como elemento aglutinador, tal como uma sólida argamassa
a uni-los em suas relações, quer de ordem pessoal, quer de ordem patrimonial.
Trata-se de uma modalidade de parentesco civil, em razão do artigo 1.593 trazer em
seu conteúdo um rol meramente exemplificativo e ao final a expressão “de outra origem”,
estaria ai contida a parentalidade socioafetiva.
O afeto está inserido em todas e quaisquer espécies de famílias existentes, no entanto,
isto não é o mesmo que dizer que toda e qualquer família seria uma família socioafetiva, seria
esta uma afirmação equivocada e incerta.
39
Para o enquadramento no conceito de família socioafetiva, é necessário que inexistam
outros vínculos que liguem o filho aos pais, portanto, não há ligação sanguínea entre os
integrantes de tal entidade familiar.
Conforme Portanova (2016, p. 19):
A paternidade socioafetiva é a relação paterno-filial que se forma a partir do afeto,
do cuidado, do carinho, da atenção e do amor que, ao longo dos anos, se constitui
em convivência familiar, em assistência moral e compromisso patrimonial. O sólido
relacionamento afetivo paterno-filial vai formando responsabilidades e referenciais,
inculcando, pelo exercício da paternagem, elementos fundamentais e preponderantes
na formação, construção e definição da identidade e personalidade da pessoa.
Esta entidade familiar se forma através de uma convivência afetiva entre pais e filho,
que é construída dia após dia. Apesar de não possuírem a mesma genética, o tratamento dos
pais para com os filhos e destes com os primeiros é idêntico ao de uma família ligada
biologicamente.
Estes pais vão se evidenciando como pais “verdadeiros” no comportamento cotidiano,
e são assim visto, não somente internamente em sua família, mas também no convívio social,
ou seja:
Investe-se no papel de mãe ou pai aquele que pretende, intimamente, sê-lo e age
como tal: troca as fraldas, esquenta a mamadeira, dá-lhe de comer, brinca, joga bola
com a criança, ensina a andar de bicicleta, leva-a para a escola e para passear, cuida
da lição, ensina, orienta, protege, preocupa-se quando ela está doente, leva ao
médico, contribui para a sua formação e identidade pessoal e social (CARVALHO,
2012, p.107).
Os laços socioafetivos não se constituem em um único momento, através de um único
ato ou através de uma só atitude. É dia a dia que a confiança vai se tecendo. É em cada gesto
que o amor vai se moldando e crescendo, entendimento este reproduzido abaixo:
A filiação socioafetiva não está lastreada no nascimento (fato biológico), mas em ato
de vontade, cimentada, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando
em xeque, a um só tempo, a verdade biológica e as presunções jurídicas.
Socioafetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de
um tratamento em mão-dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas
pessoas, de fato, são pai e filho (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 591).
Esta relação paterno-filial está simplesmente envolta de sentimentos puros e
verdadeiros, calcada no amor, no carinho, no cuidado, no respeito, dentre tantos outros.
Os pais socioafetivos cuidam quando estão doentes, criam, educam, independente de
sua origem e do vínculo nutrido com eles não ser biológico. É esta mesma criação que define
a personalidade que o filho terá, os sonhos, os ideais, o caminho que este trilhará.
Conforme Carvalho (2012, p. 107):
40
A definição da paternidade e da maternidade leva em conta, igualmente, conceitos
reveladores de um vínculo socioafetivo, construído na convivência familiar por atos
de carinho e amor, olhares, cuidados, preocupações, responsabilidades, participações
diárias.
A função de um pai não é apenas a de gerar um filho, ser pai é ser muito mais que isto,
ou seja:
O pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar do pai (a função). É uma
espécie de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor... ao
filho, expõe o foro íntimo da filiação, apresentando-se em todos os momentos,
inclusive naqueles em que se toma a lição de casa ou verifica o boletim escolar
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 591).
A filiação socioafetiva se apresenta tanto na reprodução assistida heteróloga, como
também por adoção e na posse do estado de filho. Este último, representado pela adoção à
brasileira e pelos “filhos de criação”, todos melhor conceituados em tópicos seguintes.
Pelo exposto, verifica-se que a família socioafetiva é aquela construída sobre uma base
afetiva, ou seja, as pessoas que a integram estão conectadas pelo amor, carinho, respeito,
cuidado, e não por laços estritamente biológicos, no entanto se amam e se tratam igualmente
aos que possuem tais elos. Além disso, é notável que a família socioafetiva (por inseminação
artificial heteróloga, adoção à brasileira e filhos de criação) apesar de não possuir expressa
previsão legal, tem tamanha importâncias como todas as demais famílias reconhecidas e,
sendo assim, merecem um tratamento igualitário, sem qualquer possibilidade de
discriminação.
3.1.1 – Filiação Socioafetiva por Adoção
A filiação socioafetiva se apresenta também na adoção.
Nos dizeres de Valadares (2016, p. 151), “a adoção é uma construção jurídica que
coloca duas pessoas na condição de pai e filho, ainda que não haja entre elas nenhuma ligação
biológica”.
Trata-se de uma relação baseada no afeto, não são vínculos biológicos que a originam
e que a conservam, mas sim o amor entre os pais adotantes com seu filho, o adotando, e deste
com eles.
Fujita (2011, p. 73) afirma que:
É inquestionável que, na filiação adotiva, se encontra presente a afetividade,
envolvendo um adotante (adoção unilateral) ou um casal de adotantes (adoção
bilateral), de um lado, e o adotado, de outro, outorgando para este todos os direitos e
41
qualificações a que tem direito um filho, na forma preconizada pelo art. 227, § 6º, da
Constituição Federal e repetida pelo art. 1.596 do Código Civil de 2002.
Conforme o exposto, a adoção também é modalidade de filiação socioafetiva em razão
de não existir vínculo biológico entre as pessoas envolvidas nesta relação (adotante e
adotando). O que os une é apenas e tão somente o amor, é o afeto que origina tal relação e
que a preserva.
3.1.2 – Filiação Socioafetiva por Reprodução Assistida Heteróloga
A socioafetividade também está presente na reprodução assistida heteróloga. É
necessária tal técnica quando um casal deseja ter filhos, mas devido a um problema na
formação de seus gametas, não consegue, ou seja:
Nesta hipótese, é comum o casal se socorrer das técnicas de reprodução assistida, na
qual terá de ser utilizado material genético alheio de doador anônimo, em banco de
sêmen ou de óvulo, quando o marido ou a mulher não conseguirem produzir
material genético apto a gerar a vida humana (CASSETTARI, 2017, p. 54).
A técnica, por exemplo, utiliza sêmen de um terceiro, desde que o marido da mãe
autorize previamente. O marido da mãe não possui qualquer fator genético idêntico ao do
filho, mas este com ele gera laços afetivos e amorosos, e é através de tais laços que a
socioafetividade se encontra configurada.
Nos dizeres de Cassettari (2017, p. 57):
Desta forma, verifica-se que o cônjuge que não puder ter filhos devido aos seus
gametas, ao autorizar a reprodução heteróloga, terá um filho presumidamente seu,
consoante no art. 1.597, V, do Código Civil, e pela convivência, mesmo não tendo
vínculo biológico com a criança fruto da inseminação, com ela irá criar laços de
socioafetividade.
Constata-se assim, que a socioafetividade também pode se configurar através da
reprodução assistida heteróloga, que é utilizada em casos onde um dos cônjuges possui
problemas com seus gametas, mas que deseja filhos. O cônjuge que tenha dado o
consentimento prévio poderá nutrir um vínculo afetivo com o filho, mesmo que este não
possua qualquer fator genético idêntico ao seu.
3.1.3 Filiação Socioafetiva por Posse do Estado de Filho
A socioafetividade ainda pode ser visualizada na posse do estado de filho,
representada pela adoção à brasileira e pelo “filho de criação”.
42
Trata-se de uma relação afetiva, amorosa, íntima e duradoura, que pode ser vista
inclusive por terceiros alheios, parentes ou não. Caracteriza-se pelo tratamento da figura
paterna com aquele que considera como seu filho e do tratamento deste último com aquele
que vê como seu pai.
Sendo assim:
A filiação socioafetiva decorrente da posse do estado de filho é aquela em que se
verifica uma relação paterno-filial, ou materno-filial, ou paterno-materno-filial, em
que se destacam o tratamento existente entre os pais e o filho, de caráter afetivo,
amoroso e duradouro, e a reputação ou fama na qualidade de filho perante terceiros
(FUJITA, 2011, p. 78).
Alguns doutrinadores entendem que para a configuração da posse do estado de filho
seria necessários alguns requisitos, isto é, nome, tratamento e fama (nomen, tractatus e fama).
O filho deve utilizar o nome da pessoa que lhe concede a paternidade, isto é, do pai ou da
mãe. Além disso, o indivíduo deve ser tratado pelos pais, como se filho fosse, isto é, sendo
educado por eles, protegido, etc. e, cumulativamente, ser reconhecido como filho pela
sociedade e por ambos os que exercem as funções de pais.
Sendo assim, repara-se que a socioafetividade também está representada pela posse do
estado de filho, ou seja, pela relação entre pai e o filho, que mesmo não nutrindo vínculo
algum biológico, nutre um vínculo afetivo duradouro e se tratam como tal, podendo inclusive
tal característica ser vista e reconhecida por terceiros.
3.1.3.1 – Filiação Socioafetiva por Adoção à Brasileira
Adoção à brasileira consiste no registro, por um homem ou uma mulher, reconhecendo
um menor como se seu filho biológico fosse, no entanto, este não o é.
Esclarece Fujita (2011, p. 79) que:
Adoção à brasileira é a que consiste no reconhecimento registral de determinada
pessoa como sendo filho de outros que não se traduzem como seus pais biológicos,
sem obedecer aos trâmites legais, caracterizando um procedimento irregular,
tipificador de crime de parto suposto, constante no art. 242, do Código Penal.
Por ser uma adoção, é ato irrevogável, não podendo este ser anulado, em razão do
vínculo originado entre a pessoa do adotando com a pessoa do adotante.
Para jurisprudência, trata-se de filiação socioafetiva, pois foi construído, através da
convivência, um vínculo afetivo entre o pai e o filho.
43
Diante do exposto, verifica-se que, apesar de ser uma prática ilegal, a adoção à
brasileira cria um vínculo afetivo e consequentemente, a filiação socioafetiva. Esta não
devendo ser ignorada e nem desconstituída.
3.1.3.2 – Filiação Socioafetiva por “Filhos de Criação”
Por último, mas não menos importante, temos os filhos de criação, que são aqueles
cuidados, amados e tratados como se filhos fossem, no entanto, não há adoção propriamente
dita e legal, trata-se de uma adoção informal, ou seja, de fato.
Para Cassettari (2017, p. 42):
A filiação afetiva é muito comum em nosso País, onde proliferam os casos de
adoção de fato, e, por esse motivo, encontramos os “filhos de criação”, em que,
mesmo não havendo qualquer vínculo biológico ou jurídico, os pais criam uma
criança ou adolescente por mera opção, como se seus filhos biológicos fossem,
dando-lhes todo o cuidado, amor, ternura, enfim, uma família cuja mola mestra é o
amor entre seus integrantes e o vínculo é o afeto.
Esta adoção de fato, gera os mesmos efeitos e tem as mesmas consequências de uma
adoção jurídica.
Ainda nos dizeres de Cassetari (2017, p. 46):
Assim, verifica-se que a adoção de fato é uma das formas de formação da
socioafetividade, pois a pessoa é criada por um homem, por uma mulher, ou por
ambos, como se filho fosse, em decorrência da existência de uma posse do estado de
filho, por estar presentes o nome, o tractatus e a fama.
Logo, a adoção de fato, ou seja, os filhos de criação também são vinculados à figura
de seus pais afetivamente, e são detentores dos mesmos direitos dos demais filhos, em razão
desta adoção possuir os mesmos efeitos da adoção formalizada.
3.2 Histórico-evolutivo da Família Socioafetiva
O afeto sempre existiu, todavia, a socioafetividade não era alvo dos estudos jurídicos.
Somente nas décadas finais do século passado que a socioafetividade se tornou objeto de
estudo para o direito brasileiro. No entanto, anteriormente, a socioafetividade já era estudada
por outros ramos do saber, como é o caso ciências sociais e humanas, antropologia,
psicanálise, etc.
Trata-se, portanto, de matéria nova na área jurídica.
Conforme Lôbo (2011, p. 29):
44
O afeto é um fato social e psicológico. Talvez por essa razão, e pela larga formação
normativista dos profissionais do direito no Brasil, houvesse tanta resistência em
considera-lo a partir da perspectiva jurídica. Mas não é o afeto, enquanto anímico ou
social, que interesse ao direito. O que interessa, como seu objeto próprio de
conhecimento, são as relações sociais de natureza afetiva que engendram condutas
suscetíveis de merecer a incidência de normas jurídicas
O interesse pela socioafetividade surgiu justamente quando se chegava cada vez mais
e mais perto da descoberta da certeza absoluta da filiação biológica, ou seja, quando se
descobriu que através do DNA era possível alcançar quase os 100% de certeza da filiação
biológica.
Nos dizeres de Carvalho (2012, p. 102), “o teste de DNA (ácido desoxirribonucleico)
proporciona um resultado comprovado de probabilidade de paternidade de 99,9999% e
exclusão de 100%”.
Notou-se que tão somente um exame laboratorial não resolveria todos os problemas
complexos que envolviam a paternidade. Ficou claro que critérios biológicos não poderiam
sozinhos definir a relação paterno-filial.
Conforme Carvalho (2012, p.108), “a “verdade” biológica também não se revela então
suficiente, não podendo ser absoluta, porque a filiação não é só um dado. Entre pai ou mãe e
filho, não há muitas vezes, vínculo genético, o que faz surgir “uma nova face da filiação””.
Foi neste instante, ao perceber que pais são muito mais que apenas os genitores, que
surgiu o interesse pelo estudo e reconhecimento da socioafetividade.
Segundo Lôbo (2011, p. 29):
O termo socioafetividade conquistou as mentes dos juristas brasileiros, justamente
porque propicia enlaçar o fenômeno social com o fenômeno normativo. De um lado
há o fato social e de outro o fato jurídico, no qual o primeiro se converteu após a
incidência da norma jurídica. A norma é o princípio jurídico da afetividade. As
relações familiares e de parentesco são socioafetiva, porque congrega o fato social
(sócio) e a incidência do princípio normativo (afetividade).
Somente através do estudo da família socioafetiva seria possível alcançar a verdadeira
paternidade, ou seja, não apenas a verdade do sangue, mas também a verdade do coração,
assim sendo:
Em vista disso, é cogente a necessidade de se repensar as relações filiais à luz da
realidade social e dos valores introduzidos na Constituição Federal de 1988, de
proteção ao filho e à convivência familiar, igualdade, afetividade, solidariedade,
responsabilidade, liberdade. A filiação significa muito mais que mero laço de
sangue. Ela se constrói nas relações humanas, passando a verdade afetiva a ganhar
força no tema da filiação (CARVALHO, 2012, p. 109).
45
Pelo exposto, percebe-se que a família socioafetiva é uma inovação recente no campo
jurídico. Quanto mais se aproximava de uma certeza biológica, mais questionamentos
surgiam. Notou-se que para a definição da verdadeira família seria necessário muito mais do
que meros exames laboratoriais, afinal, ser pai ou mãe é muito mais do que manter com o
filho um simples laço sanguíneo.
3.2.1 – “Lei Clodovil”
A chamada “Lei Clodovil” é um marco inovador quanto à questão da filiação
socioafetiva.
A Lei 11.924 de 17 de abril de 2.009 acrescentou o § 8º ao art. 57 da Lei dos Registros
Públicos (Lei 6.015/73), autorizando assim, ao enteado ou enteada adotarem o nome familiar
do padrasto ou da madrasta.
Tem tal nome, pois o projeto de lei foi elaborado pelo então deputado Clodovil
Hernandes.
A relação entre enteado (a) e padrasto/madrasta pode se tratar de um vínculo de
afinidade, ou também de paternidade ou maternidade.
Carvalho (2012, p.120) assevera que, “a Lei 11.924/09 não revela qual o vínculo
existente na situação jurídica, não havendo por ora uma definição jurídica a respeito. É o
próprio “caso concreto” que irá definir qual o vínculo jurídico que melhor retrata a situação
apresentada e, talvez, seja a melhor solução”.
Não necessariamente, em todos os casos, se estará diante da hipótese de um vínculo
afetivo e consequentemente, da socioafetividade, em alguns casos, somente haverá uma
relação de afinidade, sendo o padrasto ou a madrasta apenas padrasto ou madrasta.
Já em outras situações, haverá mais do que um vínculo de afinidade, o padrasto
ocupará o lugar de um verdadeiro pai e a madrasta, de uma verdadeira mãe, ai sim, estaremos
diante de um vínculo afetivo, e configurada estará a família socioafetiva, o que pode ser
notado pelo entendimento abaixo reproduzido:
Em outras palavras, com o acréscimo do sobrenome do padrasto ou madrasta ao
nome do enteado (a), o que se tem é um vínculo de afinidade qualificado pela
afetividade, capaz de tornar-se ou não, dependendo do caso em concreto, uma
relação paternal ou materno-filial. Esse acréscimo traz à relação de parentesco de
afinidade entre o padrasto ou madrasta e o (a) enteado (a) um plus, consistente na
afetividade existente, que pode ser apto a criar um laço de filiação a ser reconhecida
pelo Direito (CARVALHO, 2012, p. 121).
46
Diante de toda a análise à referida Lei, pode-se chegar à conclusão de que a Lei
Clodovil foi marco inovador ao prever o acréscimo do nome familiar da madrasta ou padrasto
ao nome do enteado (a), contudo, convém dizer que há necessidade de um processo cauteloso
e judicial, que observará as peculiaridades do caso concreto para então proferir tal decisão.
Sendo assim, pode se considerar estar diante de mais um dos direitos consagrados à família
socioafetiva quando esta se encontra configurada.
3.3 – A Afetividade Como Princípio Jurídico
Grande é a discussão em relação à afetividade ser um princípio jurídico ou não.
Muitos doutrinadores divergem quanto ao assunto, cada um com argumentos próprios e
persuasivos.
O afeto vem se tornando ano a ano mais essencial e relevante para toda sociedade e
para o direito de família como um todo. Por esta razão, alguns autores o incluem no rol dos
princípios de Direito de família.
No entanto, tal vocábulo é inexistente na Magna Carta de 1.988.
Implícito estaria o princípio da afetividade na Constituição, e, no Código civilista.
Pode-se entender que o princípio da afetividade estaria implícito no texto
constitucional interiormente nos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana,
respectivamente, artigo 3º, inciso I, e artigo 1º, inciso III.
Conforme esclarece Lôbo (2011, p. 70):
Demarcado seu conceito, é o princípio que fundamenta o direito de família na
estabilidade das relações socioafetiva e na comunhão de vida, com primazia sobre as
considerações de caráter patrimonial ou biológico. Recebeu grande impulso dos
valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família
brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na
jurisprudência dos tribunais.
Para alguns doutrinadores, no entanto, o afeto não pode ser considerado como
princípio jurídico, pois os princípios têm como uma de suas características serem impostos
aos indivíduos, e o afeto, contrariamente, tem como uma de suas peculiaridades ser
espontâneo.
Conclui-se então, que:
Assim sendo, a afetividade permeia as relações jurídicas familiares, permite
decisões e providências nela baseadas (como a concessão de guarda para quem
demonstra maior afetividade ou mesmo o reconhecimento de uma filiação em
decorrência de sua presença). Contudo, não se pode, na esfera técnica do Direito,
47
impor a uma pessoa dedicar afeto (amor, em última análise) a outra (FARIAS e
ROSENVALD, 2015, p. 33).
Sendo assim, o afeto não pode ser forçado, ele tem que existir por voluntariedade, ou
seja, tem que se desejar amar o outro indivíduo, é necessário que ambos queiram manter um
vínculo afetivo entre eles.
Esclarece Valadares (2016, p. 61) que:
Princípio é norma, que por sua vez é cogente, ou seja, pode ser imposto, já que
dotado de coercibilidade. Ora imaginar o afeto como uma imposição desnatura-o em
sua essência. Quando se fala em afeto, imagina-se um sentimento espontâneo,
jamais algo que possa ser visto como obrigatório.
É evidente que, a afetividade não pode ser considerada como princípio, pois em razão
de suas características, por não poder ser imposta, isto é, por não ser obrigatória, e sim,
voluntária, não agrega as particularidades de um princípio jurídico.
Portanto, apesar dos entendimentos discrepantes, e da vasta importância da
afetividade, o afeto não deve ser tido como princípio jurídico, afinal, tal vínculo não pode ser
forçado, obrigado, pelo contrário, deve nascer espontaneamente, ou seja, pela vontade dos
indivíduos que conservarão tal elo.
3.4 – Paternidade/Maternidade Real (Biológica) e Paternidade/Maternidade Socioafetiva
Pode-se dividir a paternidade ou a maternidade em dois grandes grupos, isto é, em
paternidade ou maternidade real, ou seja, biológica (também conhecida como natural) e
paternidade ou maternidade socioafetiva, derivada de um elo afetivo, oriundo de uma relação
de convívio duradouro.
Como já fora exposto em um tópico anterior, tal classificação é meramente ilustrativa
e para fins educativos, não passível, portanto, de quaisquer designações discriminatórias, e
consequentemente, possuidoras dos mesmos direitos e obrigações.
Encontra-se ultrapassado o entendimento que somente consistiria em “verdadeira”
paternidade/ maternidade a oriunda de vínculos exclusivamente biológicos, sendo assim:
A filiação não pode ser definida, exclusivamente, pelo sangue. Pai (ou mãe) também
é aquele (a) que estabelece laços de paternidade (ou maternidade) socioafetiva, que
lhe dá o nome de família, que o trata como filho, que cuida dele quando fica doente,
independentemente de existir ou não um liame biológico (CARVALHO, 2012, p.
108).
Atualmente, entende-se poder coexistir ambas as paternidades (maternidades), sem
que uma exclua a outra.
48
Apesar de o Direito de Família trazer, entre suas regras, a de que a maternidade
sempre é certa (mater semper certa est), esta não é mais a realidade vivenciada pela sociedade
nos dias atuais.
Não se pode falar exclusivamente de paternidade socioafetiva, afinal, também existe a
maternidade socioafetiva, razão disso que o presente trabalho tem no título “família
socioafetiva”.
Alguns exemplos de maternidade socioafetiva podem ser visualizados em casos como
da gravidez de substituição, também comumente conhecida por barriga de aluguel, que pode
ser definida como o empréstimo do útero de uma terceira pessoa para consumação de uma
gestação. E também, nos casos de troca de bebês em maternidade.
Em ambos os casos acima citados, é nítida a existência das mães biológicas e também
das mães socioafetivas, que criaram o filho, apesar de com ele não nutrirem qualquer vínculo
biológico.
Conforme Cassettari (2017, p. 80), “se for possível reconhecer a paternidade
socioafetiva, deve, também, ser permitido o reconhecimento da maternidade socioafetiva”.
Apesar do presente trabalho muitas vezes trazer expressões que se referem a figura
paterna, todas elas devem ser entendidas como também maternas.
Nota-se que, independente de ser pai ou mãe socioafetivos, ambos devem ter o direito
de reconhecer seus filhos, visto que o que realmente importa é o afeto existente internamente
nesta família. Além disso, se há existência de mais de um pai, ou mais de uma mãe, nenhum
deles devem prevalecer, ou desaparecer, devem ambos coexistir, pois um e também o outro
exercem as devidas funções paternas (maternas).
3.5 – A Possibilidade da Multiparentalidade
Atualmente, por ser possível a multiparentalidade, isto é, a possibilidade da existência
de duas mães e um pai e vice versa, coexistindo assim a maternidade (paternidade) biológica
com a socioafetiva, sem a necessidade da exclusão de uma delas pela outra.
Não necessariamente deve uma prevalecer sobre a outra, mas se uma tiver que
preponderar, deve esta ser a socioafetiva.
Nos dizeres de Cassettari (2017, p. 184), “a doutrina e a jurisprudência vêm repetindo,
insistentemente, que o vínculo afetivo prevalece sobre o biológico”.
Assevera-se que tal tema, por ser uma inovação, ainda gera inúmeras polêmicas e
entendimentos discrepantes:
49
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão recente e inédita, permitiu a
cumulação da paternidade biológica, ao lado da afetiva, sem predominância de uma
em detrimento da outra. Assim, duas mães e um pai, ou dois pais e uma mãe, vem se
tornando uma realidade fática e jurídica, embora ainda com resistência de muitos
aplicadores do Direito (VALADARES, 2016, p. 04).
É notável que não há qualquer previsão expressa que contenha como característica da
parentalidade ser ela una. Se tal entendimento fosse expresso na legislação vigente, seria
compreensível falar que a multiparentalidade seria impossível. Como não o há, entende-se
esta ser admissível.
Clarifica Valadares (2016, p. 55) que:
A multiparentalidade pode ser conceituada como a existência de mais de um vínculo
na linha ascendente de primeiro grau, do lado materno ou paterno, desde que
acompanhado de um terceiro elo. Assim, para que ocorra tal fenômeno, necessário
pelo menos três pessoas no registro de nascimento de um filho. Exemplificando,
duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe.
Portanto, o Direito de Família deve ser aplicado objetivando a dignidade e o bem-estar
de cada integrante de cada família, então, se deve atentar que não há mais um fator exclusivo
para definir a paternidade e a maternidade. Além disso, visando o melhor para a pessoa
humana, é indispensável o reconhecimento de quantas forem as paternidades ou maternidades,
desde que estejam presentes os vínculos necessários para a configuração de cada uma.
Conforme Valadares (2016, p. 56), “a dificuldade em aceitar a multiparentalidade se
mostra em virtude de um critério cultural, no qual prosperou a ideia de que a cada um é dado
ter um pai e uma mãe, apenas”.
Observando a legislação como um todo, identifica-se que a multiparentalidade é
amparada pela lei. A dificuldade encontra-se em relação aos aplicadores do direito e na
sociedade, em anuir que a então visão da descendência única de um pai e de uma mãe, não é
mais a realidade contemplada atualmente.
Sendo assim, insiste Valadares (2016, p. 61), “a multiparentalidade é uma
possibilidade de proteção e promoção da pessoa humana”.
Logo, conclui-se que há possibilidade de coexistência entre duas maternidades ou/e
duas paternidades, visto que não necessariamente uma precisa excluir a outra. Portanto, é
possível ser filho biológico de um e simultaneamente, ser filho afetivo de outro.
Aliás, se observarmos a legislação como um todo, através da junção de princípios e
normas, chegamos à conclusão que a multiparentalidade, como é conhecida a possibilidade
dessa coexistência de vínculos, é amparada por lei.
50
Além disso, apesar das diversas polêmicas envolvendo tal tema, cada vez mais é fato
presente no cotidiano mundial, visto que a doutrina e a jurisprudência caminham reiterando
tal entendimento, sendo tão somente dificultada pela sociedade e pelos aplicadores do direito
como membros integrantes desta mesma sociedade.
Sendo assim, é imprescindível que a multiparentalidade seja admitida, já que vela e
promove o ser humano e sua dignidade.
3.6 – Requisitos para sua Existência
Não existe um rol expresso e taxativo em que conste os requisitos necessário para que
esteja configurada a socioafetividade.
Para alguns autores, os requisitos são os tradicionais, ou seja, o nome, o tratamento e a
fama, ou seja:
O nome é o fator de identificação social, e engloba também os nomes da família
materna ou paterna. O tratamento é um elemento intrínseco entre pais e filhos,
revelado pela convivência entre os dois e que uma vez exteriorizado gera o terceiro,
a fama, que nada mais é do que o reflexo do trato dos envolvidos (VALADARES,
2016, p. 67).
Para que esteja presente a socioafetividade, em primeiro lugar é necessário que exista
um laço de afetividade, ou seja, que exista uma relação de afeto entre a figura paterna e o
filho.
Tal laço pode ser comprovado através do amor, do cuidado, do respeito, da
cumplicidade e demais sentimentos encontrados na relação paterno-filial.
Se tal laço for inexistente, não há porque se falar em socioafetividade.
Além de tal requisito, é indispensável que tal elo de afetividade seja sólido e forte e
durável. Não basta que exista tal laço, é preciso que este seja equivalente à força do laço
existente entre pais e filhos ligados geneticamente.
Caso tal laço seja fraco, não estará presente a socioafetividade em referida relação.
Além disso, é necessário que haja tempo relevante e significativo de convivência nesta
relação.
Conforme Cassattari (2017, p. 33), “A convivência é o que faz nascer o carinho, o
afeto e a cumplicidade nas relações humanas, motivo pelo qual há que se ter a prova de que o
afeto existe com algum tempo de convivência”.
51
Não há um tempo de convivência certo, previsto e expresso para que se configure a
socioafetividade, no entanto o mesmo não pode ser ínfimo, pois é substancial que ele
demostre a existência de uma forte relação de amor e de cuidado, de uma sólida afetividade.
Quanto maior o tempo, maior a certeza de que presente está a socioafetividade em tal
família.
Ter a guarda não é o mesmo que ter uma relação socioafetiva entre tais indivíduos, no
entanto, esta mesma guarda pode ser considerada como um indício da presença da
socioafetividade, desde que presentes os demais requisitos acima declinados.
Aliás, também é fundamental que esta relação seja notória e pública, não bastando o
tratamento como pais e filhos dentro de uma casa, sendo essencial que este tratamento esteja
exteriorizado para toda sociedade.
Ademais, a jurisprudência, em alguns casos, ainda traz como um quarto requisito a
presença de reciprocidade e consenso das partes quanto ao reconhecimento. No entanto, é
evidente que, se preenchidos os demais requisitos, o consenso deve ser tido como requisito
dispensável, afinal:
Não conseguimos conceber a possibilidade de, após ser constatado o vínculo
socioafetivo sólido entre pai não biológico e filho registral, não reconhecer a
existência dessa parentalidade se não houver reciprocidade que, segundo a ementa,
seria um requisito essencial para a manutenção do vínculo de parentesco
(CASSETTARI, 2017, p.35).
Em suma, os requisitos para a configuração da socioafetividade não são taxativos, nem
expresso, ou seja, cada doutrina traz seus próprios requisitos, mas em síntese é necessário para
praticamente todas elas que esteja presente um laço afetivo forte, sólido e duradouro,
constituído por um tempo de convivência considerável, e que, tal relação seja notória e
pública para toda a sociedade. No entanto, a jurisprudência já trouxe ser necessária a
reciprocidade das partes quanto ao reconhecimento desta socioafetividade.
3.7 –A Possibilidade de Renúncia
A regra, quanto à socioafetividade, é a impossibilidade de renúncia a tal vínculo. No
entanto, é necessário, que em alguns casos, seja possível a renúncia, sendo, portanto esta a
exceção a tal regra.
Tal tema ainda é polêmico na doutrina e na jurisprudência, por ser de suma
importância, não se chega a um entendimento harmônico e concordante.
52
Em caso de máxima importância, em hipóteses extremas, é necessário que seja
possível que um filho socioafetivo renuncie a tal parentalidade.
Em tais casos há necessidade de motivos justos e plausíveis, no entanto, se se estiver
diante de um motivo não razoável, não há o que se falar em renúncia, portanto, a regra da
impossibilidade que será mantida.
Incluem-se em tais hipóteses o abandono afetivo, o abuso sexual, a tentativa de
homicídio, entre outros, em que a impossibilidade da renúncia geraria mais sofrimento à
vítima, por exemplo, ter que manter o sobrenome deste pai (mãe), ter o nome dele em sua
certidão de nascimento, em seu registro, etc., representando assim, portanto, uma tortura
tremenda e sem cura.
Conforme Cassettari (2017, p. 73):
Claro que essa renúncia é muito forte e sei que tal pensamento sofrerá inúmeras
críticas, mas, em casos extremos (como o do abandono afetivo, ou o cometimento de
crime e envolvimento em ilícitos vergonhosos, como a corrupção de políticos), não
vemos problema para isso ocorrer.
Conforme entendimento acima, conclui-se que, apesar de a renúncia à socioafetividade
ser um tema polêmico, não pacificado na jurisprudência e nem na doutrina, e suscetível a
propiciar incansáveis discussões, a possibilidade de renúncia deve ser aceita como exceção à
regra de sua impossibilidade, no entanto, deve somente ocorrer em casos em que haja motivos
relevantes e fundamentos razoáveis, em que a manutenção de tal laço afetivo causaria danos
emocionalmente irreparáveis à vítima, ou seja, uma tamanha tortura incurável.
3.8 – O Reconhecimento da Socioafetividade
A filiação socioafetiva pode ser reconhecida de duas formas: através do meio judicial,
ou seja, de uma ação que consequentemente enseja uma sentença, ou espontaneamente, isto é,
pela vontade do pai (mãe).
O reconhecimento judicial acontece através de uma ação, que alguns autores defendem
ser uma ação declaratória, ou seja, uma ação que tem por objetivo declarar a existência do
vínculo afetivo. No entanto, outros autores defendem que a ação que deve ser manejada para
tal reconhecimento de perfilhação seria a ação de investigação de paternidade (maternidade)
socioafetiva.
53
No entanto, pouco importa qual a ação será manejada, pois deve o Judiciário
reconhecer a fungibilidade entre elas, não devendo recusar o reconhecimento da
socioafetividade em razão de não ter sido a ação adequada interposta.
Sendo assim:
Independentemente da via judicial utilizada, não devemos esquecer que o Judiciário
não pode se negar de reconhecer o vínculo afetivo que existe ou existiu entre duas
pessoas apenas porque não foi proposta a ação correta. Há que se reconhecer uma
fungibilidade em tais demandas, pois o mais importante é o Estado-juiz dizer o
direito que é almejado (CASSETTARI, 2017, p. 76).
Apesar de não haver dispositivo legal, decisão jurisprudencial ou entendimento
doutrinário prevendo se a filiação socioafetiva deve ser reconhecida incidentalmente ou em
processo autônomo, é preciso levar em consideração a importância do reconhecimento deste
vínculo e do valor desta ligação.
Observando por este ângulo, é evidente que, em razão de tamanha relevância, deve
este reconhecimento ocorrer de ambas as formas, ou seja, incidentalmente, em uma demanda
que não tenha como objetivo este fim, ou em uma ação autônoma, que vise exclusivamente
este propósito.
Já o reconhecimento voluntário deverá ser sempre requerido pessoalmente ao Ofício
de Registro Civil das Pessoas Naturais, onde o filho estiver registrado.
Foi através do provimento 009/2013 que se permitiu o reconhecimento voluntário e
espontâneo da paternidade socioafetiva, desde que o filho não detenha de nenhum outro
registro de paternidade, conforme entendimento abaixo:
[...] acreditamos que pode ser feito sim um reconhecimento voluntário de
paternidade ou maternidade socioafetiva, somente no caso de o filho não ter pai e/ou
mãe no assento do nascimento, pois, caso contrário, seria um caso de “adoção à
brasileira”, ato ilícito e repudiado pelo sistema, e que não pode ser defendido e
muito menos estimulado pela doutrina (CASSETTARI, 2017, p. 88).
Além disso, por ser a filiação socioafetiva equiparada em direitos e obrigações à
filiação biológica, entende-se que é possível que o reconhecimento desta primeira ocorra
também através de testamento ou escritura pública declaratória desta filiação, desde que
observados os ditames legais.
Sendo assim, constata-se que o reconhecimento da socioafetividade pode se dar
judicialmente, ou seja, por meio forçoso, através de uma ação e consequentemente de uma
sentença, ou, de forma espontânea e voluntária. Há quem diga que o reconhecimento judicial
ocorre por ação declaratória, e outros que acreditam e pregam que esta ocorre por ação de
investigação de maternidade/paternidade. Pouco importa a ação, pois há possibilidade de
54
fungibilidade. Já o reconhecimento voluntário somente é possível quando não há nome
constante no registro cartorário do filho, e desde que o interessado compareça pessoalmente
ao cartório. Em razão da equiparação de filiações, acredita-se também ser possível o
reconhecimento da socioafetividade através de escritura pública e por testamento.
3.9 – Legitimidade
Falar em legitimidade é o mesmo que falar sobre quem possui a titularidade deste
direito, podendo manejar a ação adequada para conquistar o reconhecimento desta
parentalidade.
A jurisprudência ainda é discrepante sobre o entendimento desta ação que busca o
reconhecimento da filiação socioafetiva ser ou não personalíssima. Em algumas das decisões
já proferidas, o entendimento consagrado foi de se tratar de uma ação personalíssima. Em
outras, já possibilitou que o pai pudesse propor a referida ação visando adotar a filha menor
de sua cônjuge.
No entanto, a jurisprudência não admite, em hipótese alguma, que o pai biológico
ingresse com esta ação almejando excluir a relação paterno-filial.
Não obstante, porém, não há porque concluir-se que um terceiro não possa propor tal
ação, mas se o intuito for de se isentar dos deveres da paternidade biológico, será óbvio que
não poderá ajuizar a referida demanda.
Em razão do artigo 1.606 do Código Civilista estabelecer que a ação de prova de
filiação compete ao filho, ou em alguns casos, aos seus herdeiros, a doutrina e jurisprudência
consagram entendimento que, em regra, apenas e tão somente, é titular da respectiva ação, o
filho.
Todavia, entende alguns autores que pode o pai socioafetivo também ingressar com a
respectiva ação, entendimento este reproduzido abaixo:
“Porém, cumpre ressaltar que não vemos problemas dessa ação judicial ser proposta
pelo pai socioafetivo para incluir uma parentalidade, sem excluir a existente” (CASSETTARI,
2017, p. 63).
Este tema, sobre a legitimidade ainda não foi pacificado, sendo assim está envolto por
grandes dúvidas.
Mesmo assim, entende-se que a referida ação pode ser proposta pelo filho e pelo
pai/mãe socioafetivo, além de um terceiro, desde que o objetivo não seja de eximir das
55
obrigações da paternidade/maternidade, a exemplo de um neto, que após o falecimento de seu
pai, quer que o avô dê seu nome a ele, etc. estaria diante do direito à busca da ancestralidade.
Conforme Cassettari (2017, p. 64), “o objetivo dessa modalidade de parentalidade não
é de enriquecer as pessoas, mas de se reconhecer verdadeiro vínculo afetivo que ocorreu por
muito tempo, caso as partes assim o desejem”.
Portanto, é possível deduzir que a legitimidade, em regra, é somente do filho, que
poderá estar representado. No entanto, como não há qualquer entendimento pacificado na
doutrina e na jurisprudência, em alguns casos, é possível que o pai socioafetivo ajuíze a
referida ação, ou um terceiro, desde que com ela não busque se eximir de seus deveres, pois
esta demanda não busca enriquecer os interessados, mas sim, reconhecer um vínculo afetivo.
3.10 – Efeitos da Parentalidade Socioafetiva
Diversos são os efeitos causados pelo reconhecimento da socioafetividade. Em sua
maioria os efeitos desta parentalidade são idênticos aos da filiação biológico, afinal possuem
igualdade constitucional.
Entre os efeitos jurídicos ocasionados pelo reconhecimento desta forma de parentesco,
se pode citar a extensão da parentalidade.
Ao reconhecer a filiação socioafetiva, os parentes dos pais se tornaram parentes dos
filhos e vice-versa:
Desta forma, quando uma paternidade ou maternidade socioafetiva se constitui,
essas pessoas estarão unidas pelos laços parentais, que dará ao filho não apenas um
pai e/ou uma mãe, mas também avós, bisavós, triavós, tataravós, irmãos, tios,
primos, sobrinhos etc. Já os pais também receberão, por exemplo, netos, bisnetos,
trinetos e tataranetos socioafetivos (CASSETTARI, 2017, p. 122).
Portanto, ao reconhecer a filiação, paternidade ou maternidade socioafetiva, não se
estará apenas diante de uma mãe e/ou um pai, mas sim de uma família completa. Se construirá
um vínculo de parentesco com os parentes dos pais e estes com os parentes do filho.
Cabe ressaltar que os impedimentos matrimonias e demais regras, direitos e
obrigações relativas à parentalidade, serão igualmente aplicadas nesta situação.
Como um segundo efeito pode-se citar o dever de prestar alimentos. Independe de ser
filiação biológica ou não, em razão da equiparação de direitos e obrigações trazida pela
Magna Carta, é dever dos pais socioafetivos e demais parentes pagar alimentos aos filhos
socioafetivos, desde que esteja presente o binômio necessidade e possibilidade.
56
Além disso, trata-se de um dever recíproco, ou seja, se necessário, os filhos também
pagarão alimentos aos seus pais socioafetivos e demais parentes, isto é:
Dessa forma, o filho socioafetivo poderá pleitear alimentos dos seus avós, bisavós,
irmãos, tios, sobrinhos, primos, e assim por diante, como também poderá ser
demandado por isso, haja vista que a parentalidade não traz apenas bônus, mas
também o ônus da responsabilidade alimentar (CASSETTARI, 2017, p. 129).
Outra hipótese é a da insuficiência de alimentos prestados pelo pai biológico, poderá
ser o caso de a pensão precisar ser complementada pelos pais socioafetivos.
Como terceiro efeito tem-se o direito à guarda. Faz jus a este direito também os pais
socioafetivos, pois o que deve prevalecer é a opção mais benéfica para o filho, ou seja:
Assim sendo, verifica-se que tanto o pai quanto a mãe socioafetivos terão direito à
guarda do filho, pois não há preferência para o exercício da guarda, unilateral ou
compartilhada de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade ser
biológica ou afetiva, pois o que deve ser atendido é o melhor interesse da criança
(CASSETTARI, 2017, p. 135).
Ainda pode-se citar como efeito da parentalidade socioafetiva, o direito às visitas, se
um dos pais não possui a guarda do filho, pode visita-lo, conforme previsão em acordo ou
decisão judicial, além de fiscalizar e educar o filho.
Aqui também não há qualquer preferência entre a parentalidade biológica ou afetiva,
devendo prevalecer o que for mais vantajoso para o filho.
Conforme Cassettari (2017, p. 136), “assim sendo, verifica-se que tanto o pai, quanto a
mãe e aos avós socioafetivos terão direito de conviver com o filho, podendo visita-lo
regularmente, enquanto houver o exercício do poder familiar”.
Um quinto efeito seria relacionado à sucessão. A socioafetividade gera direitos
sucessórios idênticos à filiação biológica, conforme entendimento constante abaixo:
“[...] serão aplicadas todas as regras sucessórias na parentalidade socioafetiva,
devendo os parentes socioafetivos ser equiparados aos biológicos no que concerne a tal
direito” (CASSETTARI, 2017, p. 137).
Além de todos os efeitos já citados ainda pode-se mencionar os direitos
previdenciários.
A parentalidade socioafetiva gera também os chamados direitos previdenciários, entre
eles o direito à pensão por morte, afinal de contas, são equiparados os direitos e obrigações da
família biológica e da não biológica.
Nos dizeres de Cassettari (2017, p. 157):
57
Isso porque os filhos socioafetivos, menores de 21 anos ou inválidos, desde que não
tenham se emancipado entre 16 e 18 anos de idade, terão direito à pensão por morte.
Igual direito será conferido aos pais e irmãos socioafetivos, estes últimos não
emancipados, menores de 21 anos ou inválidos. Isso em nome do princípio da
igualdade, já debatido anteriormente.
A socioafetividade também gera efeitos na seara do Direito Eleitoral, isto é, haverá
inelegibilidade dos candidatos a alguns cargos se houver parentesco com presidente,
governador, prefeito, inclusive se tal parentesco for socioafetivo, conforme o artigo 14, § 7º
da Constituição Federal.
Os efeitos acima citados são só alguns dos mais importantes, pois imensa é a ligação
da socioafetividade com outras áreas do direito e outros temas.
Em suma, há uma diversidade de efeitos quando se reconhece a existência da
socioafetividade. Entre tais efeitos estão a extensão da parentalidade, a obrigação de prestação
de alimentos, o direito à guarda e à visita de modo que mais favoreça e ampare o filho, o
direito à sucessão, os direitos previdenciários, a inelegibilidade em razão de parentesco, entre
outros. A maioria dos efeitos está correlato ao princípio da igualdade consagrado pela Magna
Carta.
3.11 – A Impossibilidade de sua Desconstituição Posterior
Por tudo que já fora exposto nos tópicos anteriores, é perceptível a imensa importância
da família para a sociedade e para a formação da pessoa de cada indivíduo que a ela pertence.
Sendo assim, a possibilidade da desconstituição da família socioafetiva seria um
retrocesso ao direito, visto que, em regra, não beneficiaria ninguém, contrariamente, em regra,
se estaria diante de atos prejudiciais a toda família e a toda sociedade.
Haveria o desamparo tanto material, quanto psicológicos do filho, afinal, é a família
que constrói a dignidade, a personalidade e ensina os rumos corretos que a criança ou
adolescente deve seguir.
Também, não seria mais possível a prestação de alimentos, se presente o binômio
necessidade e possibilidade, e a extensão do parentesco estaria desfeita, etc. Os prejuízos
seriam enormes.
Um dos princípios constantes na Constituição é o princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente, que tem por objetivo priorizar não somente as crianças e os
adolescentes, mas também seus interesses e sua dignidade.
58
Se a regra fosse a da possibilidade da desconstituição do vínculo afetivo após o mesmo
já ter sido reconhecido, haveria a violação do próprio texto constitucional.
No entanto, em alguns casos concretos, com motivos relevantes provados, há
necessidade da desconstituição de tal vínculo, pois sua manutenção propiciaria danos maiores
e muitas vezes irreparáveis, portanto, trata-se de exceção a tal regra.
O artigo 1.604 do Código Civil permite a desconstituição de maternidade ou
paternidade registral, desde que fundada em erro ou falsidade do registro.
Sendo assim, conforme Carvalho (2012, p. 171), “a desconstituição de um estado de
filiação deve ser precedida de uma devida ponderação sobre o caso. Não se pode
automaticamente desconstituí-lo diante da falsidade de um Registro, ou do erro no
reconhecimento quanto ao vínculo biológico”.
Portanto, devem ser preservados os vínculos afetivos que ligam a família socioafetiva,
sendo assim, a regra é a impossibilidade da desconstituição de tal vínculo posteriormente ao
seu reconhecimento, visando o melhor interesse da criança e do adolescente e sua dignidade,
além disso, tal desconstituição poderia causar prejuízos materiais e psicológicos à pessoa do
filho. Há necessidade de se observar que o Código Civilista permite tal desconstituição, desde
que fundada em erro ou falsidade registral, no entanto, dependerá do caso concreto, de suas
peculiaridades e de uma pertinente ponderação dos prós e contras.
3.12 – Entendimento dos Tribunais
O STF em 21 de setembro de 2016, através do Ministro Luiz Fux, entendeu não só
possível o reconhecimento da socioafetividade, como também a possibilidade da
multiparentalidade, ou seja, a cumulação da paternidade biológica com a paternidade
socioafetiva, sem a necessidade que uma exclua a outra.
Esclarece Valadares (2016, p. 04) que:
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão recente e inédita, permitiu a
cumulação da paternidade biológica, ao lado da afetiva, sem predominância de uma
em detrimento da outra. Assim duas mães e um pai, ou dois pais e uma mãe, vem se
tornando uma realidade fática e jurídica, embora ainda com resistência de muitos
aplicadores do Direito.
A problemática, portanto não se encontra na jurisprudência, mas sim na sua aplicação,
pois ainda há certa resistência dos que aplicam tais decisões aos casos concretos.
No entanto, há casos em que uma das paternidades prevalece sobre a outra,
entendimento este transcrito abaixo:
59
“Há um bom número de casos em que os julgamentos do Egrégio Superior Tribunal de
Justiça fazem prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica”
(PORTANOVA, 2016, p. 178).
Existem casos em que a paternidade socioafetiva não fora acolhida pelo STJ, a
exemplo desses casos temos ações de investigação de paternidade abusiva, ações negatórias e
ações anulatórias.
A primeira trata da ação em que a parte que a maneja quer renunciar a paternidade
socioafetiva com o fim de reconhecer uma paternidade biológica.
A segunda é aquela prevista no artigo 1.601 do Código Civil.
E por último, a terceira é a que visa anular um falso registro, ou seja, a adoção à
brasileira.
Além disso, em 2010, o STJ reconheceu a maternidade socioafetiva, estendo os efeitos
de tal parentalidade para a pessoa da mãe também, cujo entendimento é verificado abaixo:
Diante disso, verifica-se que é pacífica no STJ a extensão dos efeitos da
parentalidade socioafetiva, não apenas para a hipótese de paternidade, mas também
de maternidade, ou seja, a maternidade socioafetiva é uma realidade jurisprudencial
[...] (CASSETTARI, 2017, p. 98).
Atualmente, os entendimentos jurisprudências são pacíficos quanto ao tema.
Ademais, os juízes já reconheceram a possibilidade dos nomes dos pais biológico e
socioafetivo constarem ambos na certidão de nascimento, caso este julgado na comarca de
Piratini.
Também reconheceram a possibilidade, de constar no registro civil, o nome de ambas
as mães (a socioafetiva e a biológica), caso este julgado pelo Tribunal de Justiça do DF.
Outro entendimento jurisprudencial fixado pelo STF é a questão da responsabilidade
do pai biológico continuar existente, mesmo após, o reconhecimento da paternidade
socioafetiva (RE 898060, ministro Luiz Fux).
Em suma, diversos são os entendimentos dos Tribunais com relação à
socioafetividade. No entanto, o que se tem de mais relevante e importante é a possibilidade da
multiparentalidade, que prevê a coexistência de ambas as paternidades ou maternidades, sem
que uma precise excluir a outra, sem que uma deva prevalecer sob a outra.
Nota-se que tanto a jurisprudência, quanto a doutrina, como a própria legislação,
caminham para privilegiar o indivíduo como pessoa de direitos e obrigações e também sua
dignidade, e sendo assim, não seria plausível que uma paternidade necessitasse ser excluída
em detrimento de outra, é visível que assim se estaria diante de prejuízos e não vantagens.
60
Também é notável que, um sentimento pode ser nutrido por ambos os pais, podendo
assim existir uma paternidade de sangue e outra de coração. Excluir uma somente geraria
danos materiais, psicológicos entre outros, portanto, ambas devem ser mantidas para que se
favoreça o individuo.
61
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que para a expressão família, não há apenas uma
definição, um conceito, afinal cada ramo do saber conceitua de seu modo, inclusive o Direito
tem sua própria maneira de defini-la. Aliás, cada doutrina jurídica tem sua própria forma de
definir o que seria família.
Atualmente, é equivocado tentar definir família através de um único conceito, afinal,
não existe apenas uma modalidade de família.
O artigo 226 da Constituição traz um rol das modalidades existentes de família, no
entanto tal rol é meramente exemplificativo, e é em razão disso que o Direito de Família
deveria ser chamado como Direito das Famílias.
A família é mais precisamente conceituada através de critérios afetivos, afinal é a
afetividade que se faz presente em todas as suas espécies.
Houve a evolução das características inerentes às famílias e de suas funções, que antes
eram patriarcais, matrimonialistas, hierarquizadas e patrimonialistas, com máxima
importância a função reprodutiva.
Hoje, as famílias são democráticas, ou seja, as decisões são tomadas pela conjunção da
vontade de todos os seus membros, e cada um tem direitos e obrigações, cada um tem seu
próprio valor dentro do seu grupo familiar e a sua função mais importante é a afetiva, afinal
visa à felicidade e realização de todos os seus integrantes.
Aliás, mudou-se o foco de preocupação da sociedade, isto é, atualmente, os indivíduos
que compõe a família são priorizados e protegidos, afinal de contas, são eles os sujeitos com
direitos e obrigações.
É por esta razão que é equivocado o entendimento de alguns autores, que asseveram
que a natureza jurídica da família é pessoa jurídica, o correto é admitir que a natureza jurídica
da família seja de instituição.
Já o Direito de Família, apesar de algumas peculiaridades de direito público, tem por
natureza ser ramo do direito privado.
A família pode ser considerada como o pilar de sustentação do Estado e também da
sociedade, e é por este motivo que tem proteção constitucional expressa. Aliás, é o Direito de
Família que disciplina as fases e os momentos mais importantes de todos os seres humanos,
logo, também possui imensa importância por este motivo.
62
Em suma, a definição de filiação vai muito mais além do que critérios biológicos ou
genéticos podem descrever, afinal, ser filho não é tão somente ter o mesmo DNA ou genes,
ser filho é nutrir um elo de amor com as figuras paterna e materna, não sendo, portanto apenas
descender.
Não fora apenas a família que evoluiu, a filiação evoluiu conjuntamente, ou seja, o
conceito de filho e suas características também mudaram.
A Constituição trouxe como um de seus princípios a isonomia, havendo então a
equiparação entre filhos e, consequentemente, a abolição das nomenclaturas injustas e
discriminatórias.
No entanto, o Código Civil que se encontra vigente, ainda conta com previsões
injustas, que foram apenas reproduzidas do código anterior. Em razão disso, deve o Código
Civil de 2002 ser reformulado, para que assim se conquistar a tão idealizada igualdade.
Portanto, as classificações doutrinárias são meramente ilustrativas, ou seja, para objeto
de estudo, pois foi vedada qualquer forma de discriminação.
Também é importante ressaltar a questão do reconhecimento da filiação, que somente
é utilizado para filhos extramatrimonias. São duas as formas de reconhecimento, através da
perfilhação, que se caracteriza por ser ato voluntário, com previsão no artigo 1.609 do Código
Civil, e através da investigação de parentalidade (maternidade e paternidade), que tem como
característica ser meio forçoso, ensejando, portanto, uma ação e consequentemente uma
decisão.
Finalmente, por último, conclui-se que como conceito de família socioafetiva temos a
família ligada por laços afetivos, por amor e carinho, relação esta construída dia a dia, pouco a
pouco. Os corações encontram-se conectados.
A família socioafetiva é igualada a todas as outras, em direitos e obrigações, apesar de
ser inovação doutrinária e jurisprudencial e não possuir previsão expressa.
Pode esta família ser apresentada através da adoção, ou seja, o que une adotante e
adotado é tão somente o amor, não havendo qualquer vínculo sanguíneo.
Também está presente na técnica de reprodução assistida heteróloga, quando um dos
genitores tem problemas com seus gametas, e consente com a reprodução, portanto, não
participa com qualquer fator genético, mas nutre apenas um vínculo de amor e carinho com o
filho.
A filiação socioafetiva por posse do estado de filiação se divide em adoção à brasileira
e filhos de criação. No primeiro, o genitor registra o filho de seu cônjuge como se seu fosse, é
prática ilegal, mas independente disto, o vínculo afetivo não poderá ser desfeito.
63
Já a filiação de criação é a adoção de fato, não há a adoção propriamente dita, no
entanto há amor e tratamento recíprocos entre pais e filho envolvidos nesta situação.
Houve também a evolução no sentido de se reconhecer a família socioafetiva,
anteriormente apenas era reconhecida a família biológica, no entanto, a certeza biológica não
era suficiente para solucionar todos os questionamentos existentes.
Um dos marcos de evolução e consagração de direitos à família socioafetiva é a “lei
Clodovil”, que concedeu o direito aos enteados de acrescentarem o nome familiar da madrasta
ou do padrasto, desde que diante de um processo cauteloso que analisará a presença do
vínculo afetivo.
Uma questão polêmica e ainda não pacificada é se a afetividade é princípio ou não.
Para alguns doutrinadores trata-se de princípio jurídico em razão de sua grande importância.
No entanto, o que deve prevalecer é que não se trata de princípio, pois os princípios têm como
característica serem impostos, já o afeto, deve ser espontâneo, não obrigatório.
Já se encontra sedimentado na doutrina o entendimento de que é possível o
reconhecimento da maternidade socioafetiva, pois se o afeto é existente, deve o indivíduo ter
o direito de tê-lo reconhecido, independe de ser materno ou paterno.
Além disso, é pacifico o entendimento da possibilidade da multiparentalidade, ou seja,
a coexistência do vínculo biológico e do vínculo afetivo, sem que um deva prevalecer sobre o
outro ou excluí-lo.
Não há um rol taxativo que preveja os requisitos para a configuração da
socioafetividade, entende-se que eles são a existência de um laço afetivo, forte, sólido e
duradouro, originado através de um tempo relevante de convivência e que este seja notório e
público perante a sociedade.
No entanto, a jurisprudência já trouxe como requisito a reciprocidade dos envolvidos
quanto ao reconhecimento da socioafetividade.
Diversas são as discussões sobre a possibilidade ou não de renúncia quanto à
socioafetividade, mas o melhor entendimento é de que a renúncia é a exceção à regra, afinal
deve esta somente ocorrer em casos excepcionais, em que haja motivos relevantes e
fundamentos razoáveis, a exemplo do abandono afetivo, do abuso sexual, entre outros.
O reconhecimento da socioafetividade também pode ser de duas formas, isto é, de
modo voluntário, ou forçoso, através de ação e de uma sentença. A ação pouco importa,
declaratória ou investigativa, já que existe fungibilidade entre elas, ou seja, não deve o
judiciário recusar a receber, mesmo se não fora interposta a ação adequada.
64
A legitimidade para propositura de tal ação é em regra somente do filho, que poderá
ser representado, no entanto, há a possibilidade do genitor socioafetivo ingressar com tal
demanda. Já um terceiro, se buscar se eximir de alguma responsabilidade, a exemplo do pai
biológico, não poderá ajuizar tal ação.
Os efeitos gerados pela socioafetividade são diversos, mas entre eles se encontra a
extensão da parentalidade, ou seja, os parentes do genitor se tornaram parentes do filho e o
contrário também é válido. Outro efeito é a obrigação alimentar, os direitos à guarda e à
visita, os direitos à sucessão e previdenciários e, também a inelegibilidade em razão de
parentesco.
Logo, é notável que os vínculos afetivos devem ser preservados, portanto, a regra é da
impossibilidade da sua desconstituição após ter sido este reconhecido. No entanto toda regra
tem uma exceção, ou seja, em caso de erro, de falsidade registral, a depender do caso
concreto, e diante da ponderação de interesses, poderá tal vínculo ser desconstituído.
Por último, podem ser observados casos em que há possibilidade de constarem, no
registro civil, tanto o nome do genitor biológico, como o nome do genitor socioafetivo,
Tudo isto demonstra que o indivíduo e sua dignidade estão sendo mais valorizados, e
que o vínculo afetivo está tomando proporções significativas, antes tarde do que nunca.
Aliás, um sentimento pode ser nutrido por mais de uma pessoa, e não há apenas uma
verdade, há a verdade biológica, mas também há a verdade do coração, se uma precisasse
prevalecer ou se uma tivesse que ser excluída, o indivíduo estaria sendo prejudicado e alguns
dos objetivos da Magna Carta nunca seriam alcançados.
65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÂMBITO JURÍDICO. A família socioafetiva – As novas tendências do conceito de filiação.
Disponível em: <http://ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=10202&n_link=revista_artigos
_leitura>. Acesso em: 12 jul. 2017.
ÂMBITO JURÍDICO. Evolução histórica e legislativa da família e da filiação. Disponível
em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&arti
go_id=9019>. Acesso em: 27 jun. 2017.
ÂMBITO JURÍDICO. Reconhecimento da paternidade socioafetiva e suas consequências no
mundo jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link
=revista_artigos_leitura&artigo_id=9280>. Acesso em: 29 ago. 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
BRASIL. Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916. Código civil dos estados unidos do Brasil.
Brasília, DF, 01 de janeiro de 1916. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
/leis/L3071.htm>. Acesso em: 01 ago. 2017.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o código civil. Brasília, DF, 10 de
janeiro de 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L
10406.htm>. Acesso em: 01 ago. 2017.
BRASIL. Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009. Altera o art. 57 da Lei nº 6.015, de 31 de
dezembro de 1973, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do
padrasto ou da madrasta. Brasília, DF, 17 de abril de 2009. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11924.htm >. Acesso em: 01
ago. 2017.
CARVALHO, Carmela Salsamendi. Filiação socioafetiva e “conflitos” de paternidade ou
maternidade: a análise sobre a desconstituição do estado filial pautada no interesse do filho.
Curitiba: Juruá, 2012.
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos
jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5.
CONSULTOR JURÍDICO. STF fixa que pais biológico e socioafetivo têm obrigações iguais.
Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-set-23/paternidade-socioafetiva-nao-anula-
obrigacoes-pai-biologico>. Acesso em: 23 ago. 2017.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2016. Disponível em: < http://docs10.minhateca.com.br/995240871,BR,0,0,Maria-
66
Berecine-Dias---Manual-de-Direito-de-Fam%C3%ADlia-2016.pdf>. Acesso em: 01 jun.
2017.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
v. 5.
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso didático de direito civil. 5. ed. São Paulo:
Atlas, 2016. Disponível em: < http://docs11.minhateca.com.br/1041571870,BR,0,0,Curso-
Did%C3%A1tico-de-Direito-Civil---Elpidio-Donizetti-e-Felipe-Quintella---5%C2%AA-
Edi%C3%A7%C3%A3o---Editora-Atlas-(2016).pdf>. Acesso em 13 jul. 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2015. v. 6. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/341439569/Civil-
Cristiano-Chaves-Curso-de-Direito-Civil-Vol-6-2015-pdf>. Acesso em 25 jun. 2017.
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. v. 6. Disponível em: < http://minhateca.com.br/thamy_figueiredo
/Pablo+stolze/Direito+Civil+VI+-+Fam*c3*adlia+-+Pablo+Stolze,614945095.pdf>. Acesso
em 19 ago. 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 6.
Disponível em: <http://www.fkb.br/biblioteca/Arquivos/Direito/Direito%20Civil%20Brasil
eiro%20-%20familia%20-%20Carlos%20Roberto%20Goncalves.pdf>. Acesso em: 30 jul.
2017.
INVESTIDURA PORTAL JURÍDICO. O conceito de família e sua evolução histórica.
Disponível em: <http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/historia-do-direito/170332>.
Acesso em: 27 jun. 2017.
JUSBRASIL. Justiça autoriza que pais socioafetivo e biológico constem na certidão de
nascimento do filho. Disponível em: <https://ambito-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/480498
178/justica-autoriza-que-pais-socioafetivo-e-biologico-constem-na-certidao-de-nascimento-
do-filho> . Acesso em: 23 ago. 2017.
LÔBO, Paulo. Direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
MIGALHAS. Paternidade biológica versus socioafetiva: alguns apontamentos. Disponível
em: <http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI253265,71043-Paternidade+biologica+
versus+socioafetiva+alguns+apontamentos>. Acesso em: 23 ago. 2017.
MIGALHAS. Registro civil pode conter nomes das mães biológica e socioafetiva. Disponível
em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI245743,41046-Registro+civil+pode+conter
+nomes+das+maes+biologica+e+socioafetiva>. Acesso em: 23 ago. 2017.
NADER, Paulo. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5.
67
PORTANOVA, Rui. Ações de filiação e paternidade socioafetiva: Com notas sobre direito
belga e corte europeia dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Paternidade socioafetiva não exime de
responsabilidade o pai biológico , decide STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/
cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325781> . Acesso em: 23 ago. 2017.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Filiação socioafetiva não impede reconhecimento de
paternidade biológica e seus efeitos patrimoniais. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C
3%ADcias/Filia%C3%A7%C3%A3o-socioafetiva-n%C3%A3o-impede-reconhecimento-de-
paternidade-biol%C3%B3gica-e-seus-efeitos-patrimoniais>. Acesso em: 23 ago. 2017.
VALADARES, Maria Goreth Macedo. Multiparentalidade e as novas relações parentais. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. v. 6.