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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer:
uma anlise da performance identitria dos Lakln (Xokleng)
de Santa Catarina
Esther Jean LangdonPesquisadora CNPq / Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianpolis, Brasil
[email protected]
Flvio Braune WiikUniversidade Estadual de Londrina, Londrina,
Brasil
[email protected]
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Esther Jean Langdon e Flvio Braune Wiik
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Resumo
O presente artigo analisa a Festa de Inaugurao do Centro de
Turismo e Lazer dos Lakln, realizada em 2003, na Terra Indgena
Ibirama, Santa Catarina. A festa tinha como objetivos lanar
publicamente a cooperativa de artesanato indgena, ampliar o mercado
dos artesanatos, assim como promover a identidade do grupo, tanto
para os jovens indgenas, quanto para o pblico no-indgena. A estes,
soma-se o de apresentar a cultura atravs de discursos sobre o
passado no mato, cnticos no idioma, ritos antigos, arquitetura e
comida tradicionais e de jogos indgenas. A partir das discusses
antropolgicas contemporneas sobre cultura, esttica e autenticidade
das performances indgenas, a festa ser analisada luz dos processos
de construo de identidade indgena em dialogo com os discursos
locais, nacionais e internacionais, nos quais o ndio autentico
figura positivamente. A festa trata da revitalizao identit-ria do
grupo e de sua histria diante do discurso nacional e global de
mul-ticulturalidade, onde os Lakln apre-sentam-se concomitantemente
como ndios crentes e ndios puros.
Palavras-chave: Performance, Xokleng, Polticas Identitrias
Abstract
This article analyzes the Festival of Inauguration of the
Tourism and Leisure Center of the Lakln Indians, held in 2003 on
the Ibirama Indian Reserve, Santa Catarina, Brazil. The Festival
had as its objectives the publicizing of the Cooperative, the
amplification of the cooperatives market, and also the promotion of
the groups identity for the Indian youth as well as for a
non-Indigenous public. They presented culture through discourse
about the past in the forest, songs in the native language, ancient
rituals, Indian games and traditional food and architecture. Using
contemporary anthropological discussions on culture, esthetics and
the performance of Native authenticity, the Festival is analyzed in
the light of the processes of the construction of indigenous
identity in dialogue with local, national and international
discourse, in which the authentic Indian figures positively. The
festival involves the revitalization of the groups identity and its
history before the national and global discourse of
multiculturalism, where the Lakln affirm themselves to be
simultaneously evangelical as well as pure Indians.
Keywords: Performance, Xokleng, Identity Politics
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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da
Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina
Introduo
Recentemente, Oakdale chamou ateno para o fato de que a
perfor-mance da cultura de forma consciente um fenmeno recorrente
em todo o mundo, e se faz presente atravs de eventos intertnicos e
interculturais tais como: festivais nacionais, encontros indgenas
re-gionais, protestos transnacionais, fruns globais e exibies
(2004: 60). De fato, o nmero de publicaes antropolgicas sobre este
tema tem aumentado consideravelmente, inclusive no Brasil. Temos
constatado a existncia de muitos trabalhos dedicados a questo da
performance cultural entre grupos indgenas na Amaznia e nordeste
(e.g.: Conklin 1997; Conklin and Graham 1995: Graham 2005; Turner
1991; Gru-newald 2005). Entretanto, como bem aponta Oakdale (2004),
poucos estudos tm analisado eventos locais voltados,
preferencialmente, para os pblicos locais. Mais ainda, pouca ateno
tem sido dada s perfor-mances culturais dos grupos indgenas no sul
do Brasil. Este fato, em parte, deve-se s caractersticas no exticas
e pouco atraentes destes ndios que vivem as margens da sociedade
envolvente. Em comparao com a regio amaznica, estes grupos tm sido
ignorados pelas orga-nizaes no-governamentais nacionais e
internacionais dedicadas s questes ambientais e de
etno-desenvolvimento (Conklin e Graham 1995). Do mesmo modo, apenas
recentemente estes grupos comea-ram a formar as suas prprias
organizaes, criadas com o objetivo de entrar em dilogo com as
instncias governamentais e com programas e projetos a eles
dirigidos pela sociedade civil.
A partir deste contexto, o presente artigo tem como objetivo
contribuir com os estudos sobre performances culturais ao descrever
e analisar um evento local entre os ndios Lakln (Xokleng) de
San-
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ta Catarina: Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer,
organizada pela Cooperativa Indgena Aldeia Figueira (COOIAF). luz
de recentes pesquisas sobre representao de identidades em
performances culturais, analisaremos como esta festa torna evidente
a relao existente entre a revitalizao da identidade Lakln e as
polticas culturais brasileiras avanadas pelas agncias nacionais
indigenistas, o contexto histrico regional e a converso dos Xokleng
ao pentecostalismo.
Ambos os autores tm realizado pesquisas de campo entre os
Xokleng (Langdon e Rojas 1991; Wiik 2004; Langdon et. alli. 2006).
A primeira conhece o grupo desde 1985, e o segundo realiza
pesquisas intensivas desde 1996. Estas experincias de longa data
respaldam a anlise da festa que foi observada pela primeira autora
para fins didticos atrelados disciplina Simbolismo: do rito para
performan-Simbolismo: do rito para performan-ce oferecida na
Universidade Federal de Santa Catarina, em 2003. Alm das pesquisas
dos autores, o Programa de Ps-graduao em Antropologia Social da
UFSC tem uma longa trajetria de pesquisas e colaborao com o grupo,
lideradas, principalmente, pelo professor Slvio Coelho dos Santos.
Ele iniciou seu trabalho entre os Xokleng na dcada de 1960 e, ao
longo de sua carreira como professor da UFSC, inspirou, orientou e
treinou inmeros alunos e pesquisadores. Sua produo bibliogrfica
sobre o grupo vasta, sendo Os ndios Xokleng: Memria Visual,
publicado em 1997, um marco da recuperao de do-cumentos e fotos
produzidos sobre os Xokleng ao longo de quase um sculo. Devido aos
seus esforos, a UFSC tem sido considerada um centro de pesquisa
sobre relaes intertnicas, impactos de projetos de desenvolvimento,
educao e outros tpicos que tratam dos ndios de Santa Catarina,
particularmente dos Xokleng.
Os Xokleng
Os ndios Xokleng, cuja maioria passou a autodenominar-se Lakln,
h poucos anos atrs, so os remanescentes de grupos se-minmades do
tronco lingustico J, que ocupavam as encostas das montanhas, os
vales litorneos e das bordas do planalto sul do Brasil. Segundo
Santos (1997; 16) e Urban (1996: 43), o nome Xokleng apenas uma
identificao dos brancos, principalmente dos antroplo-
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gos, e que os ndios em si no possuam termo de autodenominao
especfico, apesar de que se diferenciavam dos Kaingang e Guarani
grupos vizinhos com os quais disputavam territrio desde o processo
expansionista da sociedade nacional. Regionalmente, ficaram
conhe-cidos como Botocudos e, mais pejorativamente, como os
Bugres.1
Somam hoje cerca de um mil e quinhentos indivduos agrupados na
Terra Indgena Ibirama (TII), que tambm tem sido, nos ltimos anos,
designada pelos ndios como Terra Indgena Lakln, local em que foram
reunidos pelo Servio de Proteo ao ndio (SPI) a partir de 1914. A
TII est situada na regio do alto vale do rio Itaja, a cerca de 260
km ao noroeste de Florianpolis, capital de Santa Catarina. Ela
ocupa uma rea de 14.156 hectares, situada predominantemente entre
os municpios de Jos Boiteux e Vitor Meireles. A menor unidade
social de cooperao e de produo predominante a de famlia extensa, ou
dos grupos domsticos. Outrora coletores e caadores, os Xokleng hoje
sobrevivem da agricultura de subsistncia e do extrativismo, de
ativida-des produtivas como diaristas sazonais na regio,
prestadores de servios aos colonos locais, aos comerciantes de
madeira, como funcionrios dos rgos pblicos, tais como FUNAI e
Funasa, alm das penses dos idosos, projetos assistenciais do Estado
e da filantropia. O artesanato ainda representa um aporte mnimo de
renda para as famlias.2
Contexto histrico da festa
A histria de contato dos Xokleng com a sociedade envolvente tem
sido predominantemente marcada por longos e profundos conflitos das
mais diversas ordens. Ela tem incio em meados do sculo XVIII, com a
expanso das fronteiras nacionais rumo ao planalto serrano dos
estados do sul do Brasil terras at ento de ocupao tradicional dos
Kaingang e Xokleng a cabo de tropeiros, bandeirantes, madeireiras,
companhias ferrovirias e de colonizao. esta, soma-se o povoa-mento
sistemtico do mdio e alto vale do rio Itaja-Au a partir de meados
do sculo XIX por imigrantes europeus, assentados na regio atravs
das companhias de colonizao, o que afetou diretamente os Xokleng
que ocupavam a regio. Com a sua chegada, iniciam-se dcadas de
conflitos e mortes de indgenas e colonos na regio (Santos 1978;
Penny 2003). Como resposta, e em face do projeto de
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colonizao estar ameaado pela presena indgena na regio, grupos
paramilitares financiados pelo governo, com apoio das companhias de
colonizao, denominados bugreiros, adentravam as matas para caar os
Xokleng. Estimava-se que sua populao no incio do sculo totalizava
entre 400 e 600 indivduos, divididos em trs subgrupos, ou faces: os
Lakln, que habitavam a regio do Alto Vale do Itaja, os
Ngrokthi-t-pry, do Planalto Serrano, e os Angying, da Serra do
Tabuleiro.3 Em 1914, os remanescentes Xokleng, sobreviventes estas
aes, foram finalmente aglutinados em uma rea reservada que
compreende aproximadamente rea da TII na atualidade sob a tutela do
SPI comandado por seu chefe local, Eduardo de Lima e Silva
Hoerhann, em um pico at hoje representado nas festas e datas
comemorativas locais.
Superada a fase crtica das relaes belicosas travadas entre os
Xokleng, colonos e demais moradores do local, a depopulao dos
Xokleng aglutinados na TII ficou a cargo das epidemias que os
levaram ao quase extermnio. Entre 1914 e 1932, epidemias de gripe,
sarampo e tifo reduziram a populao em dois teros, ou seja, de 400
para 150 indivduos (Henry 1941; Urban, 1985). O impacto provocado
pelas epidemias tambm trouxe rupturas socioculturais (Ribeiro,
1982, 1991; Santos, 1973; Urban, 1985). As mortes em massa fizeram
com que os sobreviventes se dispersassem pela floresta,
interrompendo a execuo do ritual anual de iniciao dos jovens e o de
cremao dos mortos, ambos centrais para a reproduo de sua
sociedade.
Hoerhann, aclamado pelos no-indgenas como pacificador, foi o
primeiro chefe do posto indgena, funo que exerceu por mais de
quatro dcadas, tendo seu papel pautado em extremo rigor. A rispidez
militarista fundante do prprio SPI, o exemplo familiar de seu tio
ma-terno, Lus Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias e o
germanismo, somados ao ethos dos colonos locais, parecem ter
inspirado Hoerhann em sua empreitada civilizadora imposta aos
Xokleng. Esta tinha como objetivos centrais transform-los em
agricultores, e restringir a sua circulao s reas a eles
destinadas.
Em alguns perodos, Hoerhann mostrou-se bastante criativo em seu
projeto, ao cunhar uma moeda local de circulao restrita TII
ob-jetivando instruir os Xokleng noes de valor e troca frente
produo
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agrcola e o modelo econmico dominante. Alm de manter um nmero
expressivo de funcionrios do SPI em atividades agrcolas e de
manuten-o do Posto visando ensinar estes ofcios aos Xokleng, ele
desloca, de outros estados do Sul, Kaingang j acostumados com a
lida da terra para estimular os Xokleng desempenhar mesma tarefa.
Mais tarde, abriga expressivo grupo de Cafuzos provenientes da
regio da guerra do Contestado para trabalharem na agricultura
(Martins 1995).
Porm, o projeto civilizatrio mostrou-se rduo, sendo marcado por
uma srie de conflitos e contradies. Parece que a maior parte dos
Xokleng resistiu a todos estes esforos, deixando-os trabalhar para
eles, enquanto mantinham atividades comuns ao seu histrico
seminomadismo. Sua resistncia era, e de certa forma ainda , vista
pelos no indgenas como sinnimo de preguia, insolncia e
insubordinao, constatao esta suficiente para Hoerhann tomar aes
menos criativas ou civilizadas em sua empreitada. O uso da fora
fsica e da violncia contra os ndios era alternativa comum, sendo
que escoltas armadas e a cavalo saiam procura de ndios
desobedientes e desertores. Prises, acusaes e processos criminais
por homicdios de indgenas pesaram sobre Hoerhann, at seu
afas-tamento definitivo da chefia do posto.
Aps das primeiras dcadas do perodo ps-contato, caracteri-zadas
pelas mortes em massa causadas pelas epidemias, os Xokleng comeam a
enfrentar peridicas aes predatrias resultantes das frentes de
explorao e subtrao dos recursos naturais existentes na TII. Como
resultado, os Xokleng tm, por quase um sculo, sido afetados por
perodos de sistemtica extrao de palmito, implanta-o de serrarias na
TII para retirada e beneficiamento de madeiras nobres, invaso dos
limites demarcados por comerciantes, colonos e madeireiras da
regio. Estas aes tm se dado ao longo do tempo e, na maioria das
vezes, com a anuncia e/ou vista grossa do SPI/FUNAI, assim como
atravs da manipulao de algumas lideranas indgenas por pessoas
atreladas a estas frentes e interesses. Tais aes tm se tornado
fonte de grandes conflitos, tanto internos quanto externos aos
limites da Terra Indgena, sendo tambm responsveis pela depredao
ambiental, onde o relevo montanhoso de clima subtropical no mais
coberto pela mata atlntica original. A estas, soma-se o fato de que
a
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entrada abrupta de capital nas fases de extrativismo predatrio
tm gerado profundas rupturas no tecido social xokleng, pois
trata-se de uma sociedade cujos valores, hierarquias, relaes
sociais e prticas de reciprocidade no so alicerados na propriedade
privada, acumulao de moeda e bens e/ou em um modelo econmico
mercadolgico (ver Werner 1985; Wiik 2004).
Um exemplo recente e emblemtico acerca do impacto causado por
estas aes iniciou-se em meados dos anos setenta, poca em que cerca
de dez por cento da rea mais plana e produtiva da TII, onde
habitavam os ndios, comeou a ser inundada em funo da construo da
Barra-gem Norte, a qual represou o rio Herclio antigo Itaja do
Norte que corta a TII. Apesar de algumas aes indenizatrias
previstas terem sido cumpridas, os impactos trazidos pela sua
construo tm sido profundos para os Xokleng at os dias atuais,
trazendo rupturas sociais, culturais, econmicas, polticas, mdicas e
ambientais (Santos 1991; Werner et. alli. 1987). Como exemplo, tem
sido constatado o aumento do faccio-nalismo interno e a fragmentao
da nica aldeia central em vrias aldeias muito dispersas (Werner
1991; Muller 1988). J nos anos 80, surgiu o primeiro caso de
HIV/AIDS entre os Xokleng, um fato altamente divulgado por ter sido
o primeiro caso oficial da enfermidade detectado entre ndios no
Brasil (Langdon e Rojas 1991; Wiik 2001).
Estas aes predatrias devem ser compreendidas como sendo o
denominador comum que tem caracterizado a histria de contato dos
Xokleng com a sociedade nacional, onde estas se do em razo da
ex-panso das fronteiras nacionais, do incremento da explorao de
recur-sos naturais locais, das polticas integracionistas e
desenvolvimentistas iniciados em meados do Sculo XIX. Ao final,
observa-se o confronto de modelos societrios adversos, providos de
poderes assimtricos.
Os Xokleng tm respondido de forma enrgica a estas aes. Desde os
anos 50 do sculo passado eles tm se organizado de forma a impor e
compor a sua agenda frente s mesmas. Mobilizaram-se junto ao poder
poltico local para destituir Hoerhann nos anos 50, e tm
participado, mesmo que minimamente, das vantagens econmicas dos
ciclos de explorao dos recursos naturais de sua Terra. Eles tm
contestado ener-gicamente as deliberaes julgadas desvantajosas pela
liderana poltica indgena encaminhamentos feitos por parte da
administrao local da
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FUNAI, inclusive destituindo administradores e chefes do posto
(como aconteceu s vsperas da Festa de Inaugurao do Centro de
Turismo e Lazer, em julho de 2006, quando tomaram como refns trs
funcionrios do DSEI Sul/Sudeste da Fundao Nacional de Sade (FUNASA)
em Santa Catarina, em manifestao de sua insatisfao com os servios
de sade prestados (Assis 2006: 21). Principalmente a partir dos
anos 80, os Xokleng tm se mobilizado para receber integralmente as
indeni-zaes e benfeitorias acordadas como compensao pela construo
da barragem, invadindo seu canteiro de obras, construes e
maquinaria. Ademais, a sua luta pela ampliao dos limites da TII vem
ganhando corpo junto ao governo federal nos ltimos anos.
Em resumo, a postura dos Xokleng frente s instncias e
repre-sentantes dos programas governamentais voltados para as
sociedades indgenas se d como nas primeiras dcadas do contato, isto
, marcada por uma constante tenso e intensas negociaes.
Importante mediador da resistncia social e reestruturao pol-tica
xokleng, observada a partir dos anos 50, tem sido a apropriao do
cristianismo pentecostal pelos ndios, e tornada forma de expresso e
identidade cultural dominantes. Desde esta dcada, componentes de
sua cultura e das formas de organizao social tm sido justapostos e
reformulados luz do cristianismo que foi introduzido entre eles por
missionrios da Igreja Pentecostal Assembleia de Deus e, mais
recentemente, pelas mos de uma liderana religiosa autctone. A verso
do pentecostalismo xokleng tem servido de base para a reorga-nizao
e reunificao da sociedade. A grande maioria dos Xokleng se declara
crente. Ser crente no se restringe a abstraes teolgicas individuais
a respeito da f; crer e ser crente revelam-se atravs do cumprimento
de princpios e dogmas crentes que do diretrizes e valor s prticas
coletivas cotidianas. Converter-se em crente fenmeno coletivo,
congregar em uma comunidade de irmos. Ser crente tambm categoria
identitria e diferenciadora que o grupo estabelece em relao a
outras sociedades, mas, paradoxal e concomitantemente ampliadora de
suas alianas com outros grupos indgenas e no-indgenas, tambm
considerados irmos, respon-svel pela formao simblica uma nao
pan-indgena de articulao sociopoltica frente aos desafios impostos
pela sociedade envolvente
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(Wiik 2004). Desta forma, o pentecostalismo xokleng tem sido um
importante articulador e mediador da cultura, dinmica social e
poltica desta sociedade at o presente.
A partir da Constituio Federal de 1988, tem-se observado uma
mudana importante a respeito da posio dos ndios na sociedade
bra-sileira. A poltica que identificou a presena dos ndios como um
atraso para o progresso da nao, e que procurava integr-los
sociedade e economia nacionais, foi substituda pelo reconhecimento
do carter plu-ritnico e multicultural da nao. A Constituio dedicou
um captulo aos indgenas, assegurando-os direitos originrios sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, alm de reconhecer sua
organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies prprios. Como
consequncia, as polticas nas reas de educao, sade e ambientais tm
se preocupado com a preservao e recuperao de aspectos tradicionais
das culturas indgenas. Criou-se no Brasil um contexto favorvel
manifestao da identidade indgena, e, alm do crescimento das
polticas pblicas voltadas para fornecer formas de ateno
culturalmente sensveis, o movimento tem sido fortalecido atravs da
formao acelerada de novas associaes indgenas, particularmente, pela
criao de grupos locais organizados. Vrios grupos indgenas
emergentes tambm surgiram nos ltimos anos do anonimato, no porque
fossem isolados, descobertos ou contatados recentemente, mas porque
o contexto atual favorece manifestao de sua identidade.
Como j havamos observado (Wiik 2004), os Lakln, evangli-cos
pentecostais desde meados dos anos 50, justapem sua identidade
religiosa de ndio crente outra categoria mica, parte de sua
iden-tidade tnica, a de ndio puro. Ou seja, os Lakln, ao
interagirem com os missionrios pentecostais, iniciaram um processo
poltico e sociocultural de identificao do outro. Porm, este outro,
ao mesmo tempo em que comea a fazer parte de sua percepo acerca da
diferena, tambm tornou-se parte constitutiva dos discursos
iden-titrios particularizadores dos integrantes desta sociedade.
Trata-se de um exemplo clssico de como a alteridade desencadeia
processos dial-ticos de rupturas e continuidades; ou mesmo, como
tem argumentado Sahlins, de como os modelos nativos acabam por
traduzir e filtrar ele-mentos exgenos, transformando-os, ou pelo
menos fazendo-se passar
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por endgenos e/ou autctones. Este processo nos remete dialtica
da deliberada inteno de pasteurizao protagonizada pela globalizao e
as inesperadas e imprevisveis respostas locais desencadeadoras de
processos de reetnizao e etnognesis de grupos amerndios.4
Ao final, e em resposta ao novo contexto nacional valorizador da
autenticidade e da pureza indgena, como argumentado acima, os
Lak-ln, de forma bem particular, justapem a autenticidade tnica
atravs do conceito de ndio puro a traos pentecostais atravs do
conceito Xokleng crente, igualmente puro, caso sigamos a lgica
nativa.
Na TII, evidncias das novas polticas pblicas visando ser
cultu-ralmente sensveis se manifestam atravs da presena de
atividades promotoras da cultura tradicional nas mais diversas reas
a cargo de ONGs, agncias governamentais como a Funasa, Funai e
Secretaria de Educao, via agentes indgenas de sade, e programa de
educao bilngue, dentre outras. Os Xokleng, que sempre tm expressado
a sua resistncia integrao nacional, tm respondido positivamente a
estas novas polticas culturais. Sendo assim, processos de
retradi-cionalizao, de mostrar a cultura xokleng, do ndio puro esto
em franca ascenso, evidenciados atravs da organizao da prpria Festa
de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer, da casa da cultu-ra, do
galpo de danas, da educao bilngue, dentre outros. Como a anlise a
seguir evidenciar, as atividades e prticas que ressaltam a
identidade xokleng so destaques dos resultados alcanados pelas
polticas pblicas e crescimento da importncia do ndio na legislao e
no imaginrio brasileiros sobre direto a cultura e prticas
tradicio-nais, assim como instrumento fundamental utilizado pelos
ndios ao reivindicarem a ampliao de seu territrio tradicional junto
Funai e demais instncias pblicas e da sociedade civil.
A festa
Durante o segundo semestre de 2003, um pequeno cartaz em papel
tamanho A4 fotocopiado circulou pelos prdios da UFSC anun-ciando a
Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer, a ser realizada na
aldeia Figueira, na Terra Indgena Ibirama, no dia 3 de dezembro.
Sua organizao estava a cargo da Cooperativa Indgena Aldeia Figueira
(COOIAF), e o cartaz listava como apoio a Fundao
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Universidade Regional de Blumenau (FURB), a Unio e Solidariedade
das Cooperativas Empreendimentos de Economia Social (UNISOL), uma
deputada, e o programa Arte na Sala da Aula. Dentre as atividades
previstas, destacavam-se a inaugurao do Centro de Turismo e Lazer e
a Trilha Ecolgica at a cachoeira da Volta Fria; a exposio de uma
oca indgena tpica dos ancestrais do povo xoklengue (sic);
apresenta-o do coral Lrios do Vale; danas e comidas indgenas;
exposio e venda de artesanatos; jogos indgenas, entre estes, a
corrida do toro, o torneio de tiro ao alvo com arco e flecha e
sarabatana, cabo-de-guerra e a maratona de 100 metros para adultos
e crianas.
Alm do nosso desejo em prestigi-la e reforarmos nossos la-os com
os Xokleng5, ponderamos que a nossa participao na festa
representaria uma boa oportunidade para que os alunos da disciplina
conhecessem uma performance indgena, e decidimos realizar uma
viagem como atividade extra-classe. Entramos em contato com o
professor Slvio com o intuito de saber mais detalhes sobre a festa.
Na ocasio, expressou que havia problemas de organizao. Afirmou que
a COOIAF tinha pretenses de envolver a participao de todas as sete
aldeias da Terra Indgena na organizao, porm, havia surgido alguns
conflitos entre seus organizadores e as lideranas, associados a
problemas de comunicao, todos comuns prpria organizao poltica dos
Lakln, formada por aldeias providas de autonomia po-ltica e
marcadas, muitas vezes, por faccionalismos internos6. Depois,
descobrimos que os problemas de comunicao tambm diziam res-peito
data do evento no cartaz que chegou at a UFSC. Com uma certa
dificuldade, descobrimos que a festa seria realizada no dia 13 de
dezembro, e no no dia 3, como anunciado. Tal alterao fez com que
somente um pequeno grupo de alunos pode realizar a viagem at a TII.
Como o semestre letivo j havia sido encerrado e a turma de alunos j
dispersara, ao invs de um nibus da Universidade, se-guimos viagem
pela manh, no dia 13, em dois carros, levando oito pessoas
interessadas em participar da festa, inclusive um cinegrafista
encarregado de film-la.
Era um dia chuvoso e a viagem atrasou. A aldeia Figueira
situa-se a aproximadamente dez quilmetros do limite norte da Terra
Indge-na Ibirama e a vinte quilmetros da cidadezinha mais prxima,
Jos
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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da
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Boiteux. A TII cortada por estradas de cho, dificilmente
transitveis em dias chuvosos com automveis sem trao nas quatro
rodas. Ao descermos dos carros, ouvimos o Hino Nacional tocar, e,
ao nos dire-cionarmos ao local do evento, nos deparamos com o
vice-presidente da COOIAF, que se apresentou, nos saudou, e, em
seguida, afirmou ser o responsvel pelo convite feito UFSC, atravs
do professor Slvio Coelho dos Santos, no ms anterior. Solicitamos e
obtivemos a sua per-misso para filmar, e subimos um pequeno aclive
rumo ao evento.
O espao selecionado para a abertura da festa era localizado em
um lugar limpo e plano, na base de um morro atrs da casa do cacique
da aldeia, onde ainda restava parte da mata atlntica que, no inicio
do sculo 20, ainda predominava no litoral e vales do interior do
Sul do Brasil, onde a maior parte da rea da TII se localiza. Nesta
rea, havia um plano um pouco mais elevado que servia de palco para
as primeiras apresenta-es e atividades. direita estava uma enorme
caixa de som, ao seu lado esquerdo ficava o coral Lrios do Vale, um
grupo predominantemente composto de mulheres Lakln vestidas com
blusas laranja e saias azul-escuro. Atrs do palco, uma trilha subia
o morro, onde tambm havia algumas barracas com artesanato expostos
para a venda.
Encerrada a execuo do Hino Nacional, o presidente da COOIAF deu
as boas vindas aos presentes, desejando que a festa se perpetuasse
e congregasse o maior nmero de pessoas nas prximas edies. De l,
tornou pblica nossa presena, anunciando ao microfone a chegada do
pessoal de Florianpolis, talvez com o intuito de animar a pla-teia,
inferior esperada. A plateia se espalhava em frente ao palco, e
somava aproximadamente 60 pessoas, entre ndios e no-ndios, estes
ltimos sendo da regio. Ficou bvio que o nmero de espectadores foi
considerado baixo pelos organizadores, fato que permeou todos os
discursos de abertura da festa. E, ao pensarmos que esta festa foi
orien-tada para turistas e, subsequentemente, para a venda de
artesanato, a quantidade de objetos postos a venda superou
exageradamente o potencial de compra dos visitantes presentes.
Iraci Pat, professora bilngue, iniciou a abertura da festa
expres-sando seu orgulho em apresentar a festa que a gente faz. Em
segui-da, apresentou o prefeito de Vitor Meireles, que tomou o
microfone e agradeceu a oportunidade de falar. Afirmou que a festa
iria demonstrar
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a simplicidade e humildade dos nossos que gostam de fazer festa
no meio do mato para demonstrar como viviam antigamente. Sua fala
foi seguida pela do cacique Antnio Caxias Pop, da aldeia Figueira,
e pela do cacique da aldeia Coqueiros.
Antonio Caxias Pop, alm de cacique da aldeia que sediava a
festa, pastor do templo da Igreja Assembleia de Deus instalado
junto aos domiclios que compem o grupo domstico por ele liderado.
Pop saudou os participantes em nome de Jesus Cristo, e anunciou que
a festa iria demonstrar para os visitantes e para as crianas
indgenas que no conheceram os ndios do mato como eles viviam nos
tem-pos passados.
Depois destas breves falas introdutrias de boas vindas e
agra-decimentos, a professora Paloma, da FURB, foi chamada frente
do palco, sendo apresentada como uma mulher muito bem quista pela
comunidade, tendo desempenhado importante papel na organizao da
festa. Ao proferir suas primeiras palavras, se emocionou e chorou,
afirmando que no conseguir falar mais. Em seguida, tomou a palavra
um no-indgena associado cooperativa, proclamando a COOIAF como
sendo a primeira cooperativa indgena no Brasil. Tambm rela-tou
sobre as dificuldades enfrentadas durante a organizao da festa,
afirmando que a sua realizao representaria um futuro melhor para os
ndios. Em seguida, descreveu a programao da festa, estimulando as
pessoas a comprarem os artesanatos que estariam venda, sendo os
recursos gerados revertidos comunidade indgena.
Sua fala foi seguida pela apresentao do coral Lrios do Vale
conduzido pelo pastor-cacique Pop, que entoou o hino evanglico
in-titulado O Jordo no passarei s traduzido para o xokleng. Depois,
entoaram o mesmo hino em portugus. Antes, o pastor, emocionado,
ressaltou a importncia da lngua nativa para a construo da
iden-tidade indgena.
Em seguida vieram os discursos. O primeiro e mais longo foi
proferido por um pastor no-indgena, convidado pelo pastor-cacique
Pop. Sua fala ocorreu seguindo o estilo de oratria prpria dos
pastores evanglicos em suas pregaes aos fiis. Falando em voz alta,
plena de repeties, apelou para que a prefeitura (de Vitor
Meireles), rgos oficiais e pessoas pblicas prestassem maior ajuda
para a co-
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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da
Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina
munidade xokleng. Exalta que a festa no estava acontecendo por
acaso, mas por obra divina. Tambm apresentou o grupo
historica-mente, invocando a imagem dos ndios nos tempos antes do
contato quando, segundo ele, viviam em um estado puro com a
natureza nas suas malocas. Eles, afirmou,
eram um povo da natureza e desfrutaram dos recursos naturais ...
Lutavam incansavelmente para a sobrevivncia. Hoje esto com saudades
da verdade, do tempo do mato, quando no tinham conhecimento de
dinheiro, do preo do feijo e das outras coisas da civilizao. Eles
eram inocentes, tinham liberdade, liberdade que foi perdida com o
contato [com os brancos] e a introduo dos pecados da civilizao.
Enquanto proferia sua pregao exaltando, com nostalgia, o
pas-sado e lamentando as mudanas advindas com o contato, vrios
ndios comearam a se emocionar, e algumas mulheres do coral
choraram. Em seu discurso-pregao, o pastor estimulou os
participantes da festa a comprarem o artesanato, qualificando-os
como fruto da natureza divina. Ao final, concluiu com a ideia de
que com a salvao de Jesus Cristo, os Xokleng retornaram ao estado
de pureza com liberdade.
Cabe ressaltar novamente que sua fala foi ganhando
gradativa-mente forma de pregao, comum ao universo religioso
pentecostal, tendo muitas frases terminadas com aleluias, e estes
respondidos coletivamente pelos Xokleng. Seu discurso-pregao foi
encerrado com um outro hino evanglico cantado pelo coral, em
portugus.
Em seguida, um jovem professor xokleng fez uma homenagem aos
primeiros pacificadores que, segundo ele, os ajudaram se tornar
ndios civilizados. Graas a Deus que eles fizerem isto, ou no teria
esta festa hoje, afirmou. Com uma lista nas mos, leu os seus nomes:
Wayk, Wombl, Waip e Lino Nunc-Nunforo, sendo este ltimo citado como
o primeiro professor indgena. Ao apresent-los, se emocionou e
chorou ao afirmar que eles lutaram para que hoje os ndios tenham
professores, tenham lderes caciques. Foram homens guerreiros e
lutadores, prosseguiu. No final de sua fala, afirmou que Josu
Caxias Pop, antiga liderana, tambm lutou pelos direitos
indgenas.
Finda a homenagem pstuma, o jovem apresenta o homem mais velho
do grupo, um homem do tempo do mato que sabe cantar como os
antigos. Este senhor apresentou-se vestindo um blazer e um
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chapu de palha industrializado. Antes de cantar, assegurou: Sou
ndio de verdade e me lembro do tempo do mato. Ento inicia seu
cntico ritual, auxiliado pelo som de um chocalho que balana ao
cantar. Sua apresentao encerra a abertura da festa.
Apresentao do coral Lrios do Vale.
Homem do tempo do mato descansando.
Venda de artesanato.
Em seguida, fomos convidados a subir a trilha pela mata at a oca
tradicional, onde estavam programadas danas, venda de artesa-nato,
comidas tradicionais e jogos. No caminho, passvamos ao longo das
barracas que expunham o artesanato, objetos que consistiam em
muitos colares e brincos de sementes e em algumas machadinhas e
bastes xokleng, maracs enfeitados com penas coloridas,
miniaturas
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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da
Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina
de arco e flecha e de sarabatanas de bambu. Ao longo da trilha,
outras mulheres xokleng circulavam entre os participantes da festa
oferecendo colares de sementes, e crianas pediam esmolas aos
no-indgenas.
Ao final da trilha, nos deparamos com um espao limpo, como uma
clareira, mais ou menos plana no meio da mata. Vrias pedras haviam
sido pintadas com motivos indgenas, tais como arco e flecha e a
lana tpica xokleng. As pinturas nas pedras tambm indicavam os
caminhos para a oca indgena, para os banheiros e para a trilha da
cachoeira, que, ao final, no foi terminada. A oca consistia em uma
construo arre-dondada feita de pau-a-pique com aberturas de janelas
e uma porta. O telhado, de folhas de palmeiras, no havia sido
terminado. A clareira tambm contava com barracas para a venda de
artesanatos e alguns locais destinados aos fogos de cho para assar
peixe do rio e carne. O peixe assado, representando a comida
indgena, vinha acompanhado por totolo, milho modo e cozido dentro
de talos de bambu.
Ao chegarmos clareira, iniciaram a dana. Um grupo de ndios
entrou na clareira danando em crculos, cantando e balanando maracs.
O grupo era formado por dois homens mais velhos, cinco mulheres e
um menino de mais ou menos oito anos de idade. Este menino era o
nico entre os jovens e adultos masculinos a trajar estojo peniano
conforme fotografias ps-contato datadas do incio do Sculo XX (ver
Santos 1997). Os corpos das mulheres estavam cobertos por fibras de
palmeira. Os homens adultos vestiam cales e estavam sem camisa.
Seus rostos estavam pintados com crculos (cheios e vazios) ou
linhas retas, lembrando as representaes grfico-corporais das
metades kaingang observadas na realizao da festa de Kiki, entre os
Kaingang de Xapec, nos anos 90 (Tomasino e Rezende, 2000).
Finda a dana, o jovem professor anunciou que o grupo iria
apre-sentar o rito de batismo tal qual era realizado no tempo do
mato. Uma mulher com uma criana no colo sentou-se junto ao cho, no
centro de um grupo disposto em crculo. Estes danaram e cantaram ao
seu redor. O rito foi seguido pela dana da viva com uma mulher
idosa sentada ao centro.7 Enquanto o grupo danava, um homem idoso
se aproximou danando ao lado da mulher sentada no cho para dar
conselhos. Em seguida, mais uma mulher adentrou o crculo danando at
parar e findar o movimento.
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Fomos convidados para entrar na oca tradicional e cumprimen-tar
a mulher mais idosa do grupo, identificada como uma ndia pura do
mato, Ayu Pat8, com 123 anos de idade. O apresentador afirmou que
ela nasceu no tempo do mato e, por ser ndia pura, ainda est forte,
boa da vista e do ouvido. Ela no falava portugus, e estava
acompanhada por um intrprete. Cada um de ns foi convidado a
cumpriment-la e oferecer uma colaborao. Algumas pessoas en-traram
na oca, cumprimentaram-na e deixaram notas de cinco ou dez reais,
enquanto outros tiravam fotos.
Venda de artesanato.
Vestido do tempo do mato.
Depois de uma pausa destinada para pessoas comprarem
arte-sanatos e almoarem, os jogos iniciaram. A primeira competio
foi a de arco e flecha. Os organizadores estimulavam, em especial,
aos no-indgenas a participarem, cada um pagando uma taxa para
competir. O grande arco tradicional dos Xokleng, usado para atirar
flechas ao alvo, provou ser bastante difcil para quem no estava
acostumado a manuse-lo, o que causava muitos risos por parte dos
ndios para com os no-ndios, quando estes no conseguiam fazer a
flecha atin-gir o alvo, ou cair ao cho antes de ser lanada. Em
seguida houve a competio de zarabatanas, miniaturas feitas de
bambu. Entre os comentrios, um participante anunciou, sou alemo,
tenho que so-prar forte. Durante os jogos, observava-se uma
constante jocosidade em torno das relaes entre ndios e colonos
locais. Os ganhadores receberem medalhas penduradas em fitas
azuis.
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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da
Performance Identitria dos Lakln (Xokleng) de Santa Catarina
Todas as outras atividades anunciadas no cartaz da festa, exceto
a maratona, no aconteceram. A trilha para a cachoeira no foi
ter-minada e as outras competies, tais como a corrida do toro, no
foram sequer mencionadas. Terminada a competio com zarabatanas, as
pessoas foram convidadas para participar da maratona, que seria
realizada na estrada. Competir neste evento tambm exigia o
paga-mento de uma pequena taxa, mas poucos demonstraram interesse
em participar. Muitos j se preparavam para retornar para as suas
casas.
Ao descermos a trilha em direo a estrada para assistirmos
maratona, comeou uma leve chuva, e a festa encerrou rapidamente.
Enquanto os poucos homens ainda corriam a maratona, os ndios
empacotavam e organizavam rapidamente seus pertences e partiam. O
mesmo se deu com os no-indgenas que vieram participar da festa.
Vrios ndios subiram na boleia de uma caminhonete da Funasa, que
partiu entre os ltimos dois homens que chegavam ao trmino da
maratona. As medalhas foram entregues aos finalistas, mas no havia
plateia para conferir o xito alcanado. Todos estavam com pressa de
sair. E assim a festa terminou abruptamente.
Anlise
Esta festa, como expresso da identidade tnica frente aos prprios
Xokleng e populao regional demonstra caractersticas diferentes dos
eventos observados no passado (e at mesmo no presente: tipo ocupao
da barragem) que tratavam de situaes de colaborao ou confronto com
a sociedade envolvente. Por exemplo, o professor Slvio observa que
os ndios Xokleng visivelmente demonstravam vergonha quando
convocados a desfilar vestidos e enfeitados como ndio em frente dos
colonos em Ibirama, em 1962 (1978:33;1997: 108). Urban observa que,
na dcada de 1970, os Xokleng tinham abandonado a sua vestimenta e
arquitetura tradicionais. Os homens no usavam mais o botoque,
caracterstica do grupo que deu origem a sua identificao como
botocudos. Exteriormente (e aos olhos dos ocidentais), no
apresentavam caractersticas de uma cultura indgena. Ainda, o autor
observa que, na poca, eles pareciam aos olhos ocidentais, quase
anti-exticos na suas tentativas de evitar chamar ateno como um
grupo culturalmente distinto da sociedade envolvente (Urban
1996:15). Em
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1970, a exibio performtica da identidade indgena ainda no era
usual nem tampouco apreciada era a fora imagtica do ndio
tradicional como recurso de resistncia poltica. No obstante, as
expresses de resistncia dos Xokleng ao longo de sua histria
demonstraram que as tentativas de assemelhar materialmente aos
colonos no representam um concomitante declnio da identidade
indgena, nem consistiam em intuito de apagar a sua identidade
grupal.
Tambm j havamos observado celebraes que demonstravam pouco
interesse para com as tradies do passado. Por exemplo, a ce-lebrao
do dia do ndio, em 1996, na aldeia Bugio, limitou-se a entoar o
Hino Nacional, o hasteamento da bandeira e discursos dos polticos
locais e lideranas indgenas. Recordamos neste dia de um ancio, que
nascera antes da pacificao, e que ainda tinha a cicatriz no lbio
inferior perfurado para insero do botoque, estar sozinho em um
canto de uma casa vizinha ao evento, tocando marac e cantando canes
rituais sem despertar qualquer interesse por parte dos indgenas ou
visitantes. Este comportamento vai ao encontro do que os Xokleng
nos relatavam nos anos 90, que sentiam vergonha de se apresentar
nas cidades, que tinham vergonha de sua cultura
J em 2003, a festa sugere que os Xokleng so conscientes do
discurso internacional em que as imagens corporais do ndio nu
re-presentam o selvagem nobre ecolgico (Conklin 1997: 713). Ambos
Conklin e Turner (1991) chamam ateno do fato da representao da
cultura autntica atravs do corpo tem sido uma estratgia importante,
e que a roupa se tornou uma marca da identidade e de resistncia.
Conklin e Graham (1995) apontam para a relao entre o movimento
ecolgico e o movimento indgena na Amaznia. Apesar de os Xokleng
estarem fora desta regio e no participarem no dilogo com as ONGs
dedicadas preservao ecolgica, a representao de sua cultura
demonstra que esto conscientes deste discurso e do poder poltico do
ndio autntico e ecolgico. Assim, eles falam sobre seu passado com
orgulho e nostalgia, ressaltando a importncia de mostrar a sua
cultura, tanto para as visitas quanto para os jovens indgenas que
no a conheciam. Seu idioma, sua vestimenta antiga, seus rituais e
outras caractersticas de sua vida tradicional so postos em exibio
como traos diacrticos de sua identidade, e, diferente de 1996, os
idosos so
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honrados como exemplos do tempo do mato, poca antes do contato.
Ainda mais, a criao do espao do mato como palco da sua vivncia
tradicional, com sua arquitetura, comida, ritos, jogos e outras
ativida-des, tambm os estabelece como autnticos e legtimos para
expressar suas demandas frente a sociedade envolvente, o movimento
ecolgico e as polticas pblicas.
A anlise da esttica da festa demonstra a construo de uma
narrativa histrica contada pelos Xokleng, que comunica uma imagem
positiva no s da poca pr-contato como tambm dos processos
his-tricos que trouxeram a escola e o pentecostalismo, aspectos
estes que lhes permite hoje identificarem-se como Xokleng crentes.
A esttica do passado se expressa na lngua, na seminudez e pintura
corporal, no canto do homem ancio e nas danas dos ritos. Esta
amalgama-se esttica evanglica, nos hinos do coral e na oratria do
pastor, evo-cando coros e aleluias dos Xokleng crentes.
Entrelaado com a esttica, a histria contada nos discursos da
festa afirma uma identidade positiva e contrastante com os
precon-ceitos que os ndios enfrentam na regio, acusados de no serem
mais ndios, de no terem mais cultura e de serem preguiosos, sujos e
b-bados. Temos escutado frequentemente dos colonos vizinhos,
queixas que os Xokleng no so como os ndios puros da selva amaznica,
que, todavia, mantm sua cultura. Os discursos da festa dialogam com
esta imagem negativa do ndio civilizado, e apresentam uma outra
perspectiva. O pastor no-indgena, em sua longa pregao, a resume. O
tempo do mato e a inocncia natural foram destrudos. O contato
trouxe a decadncia com a civilizao. A subsistncia tradicional com
base nos frutos da natureza divina foi substituda pela pobreza e
pela dependncia do dinheiro. Porm, com a converso, foi reinstaurado
o estado divino. O jovem professor, em sua homenagem aos ndios
pacificadores, aos que lutaram por seus direitos e para sua educao,
orgulha-se da festa, afirmando que seus antepassados, atravs de
seus esforos possibilitaram os Xokleng tornarem-se civilizados.
O passado, durante a festa, reinventado atravs de uma imitao
relativa aos registros fotogrficos que captaram a imagens dos
Xokleng no incio do sculo XX (Santos 1997). A oca tpica inacabada
feita de pau-a-pique, de fato, representa as que foram introduzidas
com a
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confinao dos Xokleng na TII e como o fim da vida seminmade, e no
seus abrigos temporrios no mato. As vestimentas e a seminudez dos
ndios que realizam os ritos demonstram elementos que sugerem o
estilo de se vestir e ornamentar no passado, mas o uso da palha
para cobrir partes do corpo uma inovao cuja finalidade produzir um
estado de seminudez relativo a nudez evidenciada nas fotos. A ao
ritual tambm no representa os ritos completos do passado, mas
re-produzem fragmentos de processos rituais mais complexos, como os
observados durante a encenao do ritual de alijamento e reagregao
das vivas. Tambm, o canto do ancio realizado por ele sozinho, sem o
contexto do evento tradicional que trata de um canto dialgico com
seus ouvintes, geralmente composto por membros mais jovens de seu
grupo domstico.
Os jogos tambm representavam habilidades do passado, mas no os
reproduziram, salvo, talvez, o uso do arco grande na competio dos
homens adultos. As zarabatanas utilizadas so brinquedos, tanto
quan-to os arcos e flechas usados na competio dos meninos. Os dois
jogos que no aconteceram, porm anunciados no cartaz, o
cabo-de-guerra e a corrida de toro, no tm registros na literatura
etnogrfica acerca do grupo. Porm, se tornaram smbolos famosos de
jogos indgenas via a divulgao dos mesmos no Xingu. Eles fazem
parte, tambm, da recm criada olimpadas indgenas, evento de destaque
nacional com a participao dos vrios povos indgenas do Brasil
Entre os eventos anunciados no cartaz, porm no realizados
durante a festa, encontra-se a trilha ecolgica at a cachoeira da
Volta Fria. Apesar da trilha evidentemente no ter sido finalizada a
tempo da festa, a inteno demonstra a conscincia dos Xokleng para
com a imagem nacional e internacional do ndio ecolgico, a promoo de
turismo sustentvel e a comercializao de objetos fabricados a partir
da natureza (Conklin 1997; Conklin e Graham 1995). Assim, a
representao do mato como o lugar da autenticidade do ndio
ver-dadeiro, a ligao da clareira no mato com as atividades de
turismo, dos jogos, e a presena constante da venda dos colares,
brincos e ou-tros objetos artesanais fabricados a partir dos
produtos da natureza (da natureza divina como disse o pastor), so
parte dos objetivos comerciais da festa.
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Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer: uma Anlise da
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Se no passado, os Xokleng tentaram afirmar seus direitos sem
chamar a ateno das suas particularidades culturais, torna-se claro
que, durante a festa, esto em sintonia dialogal com os discursos da
poltica que circula desde a dcada de 1980 nos cenrios nacional e
internacional, e que percebem as vantagens da identidade
indgena.
Comentrios finais
Nas ultimas dcadas, o tema da performance da cultura tem se
tornado um importante tpico da etnologia (Ramos, 1987, 1995;
Jackson 1991, 1995; Conklin 1997; Conklin e Graham 1995; Turner
1991). Mais recente, Graham (2005) argumenta que estas performances
fazem parte da poltica identitria ou mesmo das polticas de
identidade.
Turner (1991) chama a ateno para o fato do crescimento da
conscincia do poder da identidade indgena no Brasil j na ltima
dcada do sculo vinte. Ramos (1998) tambm tem discutido os vrios
aspectos atrelados identidade indgena no mbito das polticas
p-blicas, apesar deste segmento representar somente 2% da populao
nacional. Conklin, e Graham (1995), dentre outros, tm argumentado
que a performance do ndio autntico na atualidade deve ser analisada
como resultado da colaborao de organizaes no governamentais (ONG),
em especial as estrangeiras, para com as sociedades indgenas da
Amaznia e do Brasil Central. Preocupaes ecolgicas e a imagem de que
ndios exticos so protetores naturais do meio ambiente foram
sobrepostas no imaginrio ocidental, expressas em forma de um esforo
global para responder aos problemas ambientais atuais, assim como
para estimular a autosustentabilidade das populaes nativas expostas
economia de mercado capitalista. A este movimento pre-servacionista
deve-se somar os interesses de grandes capitalistas na era
ps-moderna altamente tecnolgica, muitssimo interessados nas fontes
de riqueza da Amaznia, no somente em termos de matria prima para o
seu desenvolvimento (madeiras e minrios), que tem sido explorados
de forma predatria e sem racionalidade at ento, para um interesse
sobre a biodiversidade e conhecimentos tradicionais, que, por sua
vez, podem garantir enormes lucros quando atrelados s tecnologias
limpas, altamente lucrativas, que se autoreproduzem e/ou podem ser
sintetizadas em laboratrios (como o caso de matria
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prima para remdios ou projetos genticos patenteados a posteriori
com base nos conhecimentos tradicionais).
Quanto percepo positiva que a sociedade brasileira, em geral,
tem sobre a identidade indgena, esta se deve ao crescimento e
forta-lecimento do movimento indgena nos ltimos trinta anos no
Brasil, que, por sua vez, consolidou-se atravs de um conjunto de
leis prprias a estas sociedades a partir da Constituio de 1988; que
lhes garantiu o direito de expressarem livremente seus costumes e
tradies, assim como organizarem-se sociopoliticamente de forma
autnoma, e esco-lher livremente modelos econmicos que lhes garantam
a sobrevivncia fsica em suas terras.9
Fora da regio amaznica, comunidades indgenas do nordeste
brasileiro despontaram-se no cenrio nacional nas ltimas duas
dca-das. Comunidades previamente consideradas parte indiferenciada
da populao denominada cabocla ou tapuia do nordeste, tm sido
reconhecidas como providas de identidades indgenas distintas e
pr-prias, em um movimento denominado etnognesis (cuja contrapartida
das prprias sociedades indgenas tornaram-se mister). Diante da
falta de um idioma ou outras prticas que os distingam de vizinhos
no-indgenas, o ritual denominado tor e sua performance tornaram-se
caractersticas diacrticas de autoridade e representao de identidade
tribal no nordeste (Grunewald 2005; Oliveira 1999; Viegas
2001).
As sociedades indgenas do sul do pas tambm tm se beneficiado e
ativamente respondido crescente importncia da identidade indgena,
assim como das polticas pblicas de incluso cultural. Programas de
sa-de e educao voltados para as populaes autctones da regio sul tm
recebido financiamentos pblicos crescentes na ltima dcada.
Programas promotores das ideologias de identidade tnica e
participao indgena na execuo dos mesmos tm crescido
circunstancialmente. Ademais, observa-se a colaborao de ONGs em
programas de promoo de sade, educao e desenvolvimento econmico nas
TIs, apesar destas parcerias darem-se mais em nvel nacional com
recursos pblicos ou atravs de atividades de pesquisa e extenso de
universidades da regio.
Algumas razes podem explicar esta caracterstica. So estas: o
fato dos ndios do sul no estarem includos no imaginrio ocidental de
exotismo como alguns grupos indgenas da Amaznia e do Xingu o
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so, assim como localizarem-se em reas urbanas, com o meio
ambiente muito degradado, e/ou por estarem em regies cujas riquezas
naturais j se encontrarem profundamente dilapidadas, e, finalmente,
por terem sido ofuscadas pelo conceito da aculturao, amplamente
difundido entre as sociedades brasileira e internacionais como um
todo.10
Neste contexto e escopo de anlise proposto pelo presente artigo,
talvez a caracterstica que mais distinga os ndios do sul frente aos
demais da regio amaznica, serrado e nordeste, seja a ausncia de
organizaes indgenas fortes e representativas como observada nestas
outras regies. As populaes J e Guarani do sul, embora
numerica-mente considerveis, esto representadas por poucas
organizaes de natureza local, tendo pouca expresso na arena
nacional das polticas indigenistas. Porm, como demonstrado pela
festa dos Xokleng, os ndios do sul esto manifestando a conscincia
do valor da imagem do ndio autntico nas polticas de identidade e
expressando uma re-definio do poder e visibilidade destas
sociedades luz das ideologias dominantes no cenrio indigenista
atual, talvez novas reetinizaes (Baniwa 2008) estejam a caminho dos
ndios do sul.
Por fim, apesar de as performances culturais destes grupos
es-tarem atuando como instrumento edificador da crescente
identidade tnica entre os mesmos, poucos estudos antropolgicos tm
se dedi-cado anlise destas performances de forma comparativa frente
ao observado em outras partes do Brasil, ou em outras partes.
Sendo assim, a Festa de Inaugurao do Centro de Turismo e Lazer
aconteceu em meio a um contexto cujo olhar favorvel ao ndio puro,
que vive junto natureza, tido como seu principal guardio, mesmo que
esta tenha traos de recriao e incorporao de elementos e materiais
exgenos ao seu passado material e imaterial (como a oca dentre
outros), ou que elas se dem em um ambiente fsico degradado como o
caso da TII inundada por um lago de conteno provocado pela construo
da barragem sem florestas nativas, devastadas a partir dos anos 80.
Ademais, a autenticidade indgena apresentada no escopo do cenrio
nacional, aos olhos dos Lakln, perpassa o campo cultural-religioso,
onde os ndios puros so os pentecostais, evidenciando, desta forma,
que os projetos globais de autenticidade so, em ultima instncia,
subjacentes ao crivo da autenticidade e da legitimidade locais.
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Esther Jean Langdon e Flvio Braune Wiik
Notas1 Henry (1941) e Mussolini (1980) erroneamente os haviam
identificado como
Kaingang em suas publicaes.2 Para informaes etnogrficas mais
detalhadas acerca do grupo ver Henry 1941;
Santos 1997; Urban 1978, 1996; Wiik 2004.3 Os Ngrokthi-t-pry
foram contatados na primeira dcada do seculo 20 e os
Angying nunca foram contatados oficialmente, acreditando-se na
sua extino (verUrban 1978; Santos 1973; Wiik 2004). Sobre o
subgrupo do Planalto Serrano verPereira 1995).
4 Para maiores detalhes deste processo de reetnizao e etnognese
entre os povosindgenas no Brasil ver Gersem Baniwa (2008) e
Oliveira Filho (1998). Ver Bartolom(2006) para uma reviso
geral.
5 Alm das pesquisas que realizamos no passado, pretendamos
iniciar um novoprojeto de pesquisa em Janeiro de 2004.
6 Para mais detalhes sobre organizao social e dinmica poltica
dos Xokleng verMuller 1988; Santos 1973; Urban 1978; Wiik 2004.
7 Este rito deve representar a reintegrao da viva aps
ausentarem-se fisicamentede seus respectivos grupos domsticos com a
morte dos maridos. Urban (1996: 15)descreve duas cerimnias, segundo
o autor, ainda praticadas no perodo de suapesquisa nos anos 70, a
recluso da viva e a festa de reintegrao.
8 Uma foto dela est publicada em Santos (1997: 142).9 Para
maiores detalhes vide Gersem Baniwa 2008.10 Recentemente, os
Kaingang da Terra Indgena Xapec fundaram um Organizao
no Governamental para gerir os recursos provenientes do Governo
Federal desti-nados sade indgena, fato que pode ser o prenuncio de
mais organizaes admi-nistradas pelos indgenas no sul do Brasil.
Bibliografia
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Catarinense,12 jul. 2006. p. 21
BANIWA, Gersem. O ndio brasileiro: o que voc precisa saber sobre
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(Coleo Educaopara Todos).
BARTOLOM, Miguel A. As etnogneses: velhos atores e novos papis
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