VALE DO A ÇO D O M I N G O , 2 7 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 1 CIDADES 4 MISTERIOSO E ATREVIDO Ladrão-chaveiro 'visita' casa por casa em Paraíso Polícia já prendeu um suspeito por três vezes, mas por falta de provas teve que soltá-lo. Moradores afirmam que PM está fazendo o possível, mas que características geográficas da cidade têm impossibilitado prisão em flagrante Vinícius Ferreira REPÓRTER PARAÍSO - Uma série de crimes ousados tem tirado o sono de moradores do Bairro São Fran - cisco, o antigo MinasCaixa, em Santana do Paraíso. Moradores afirmam que, desde agosto do ano passado, as casas do bairro têm sido alvos de um ou mais assaltantes especializados em arrombar fechaduras sem fazer barulho. Os crimes sempre seguem o mesmo padrão, e ulti - mamente o ladrão tem preferido entrar quando o morador está acordado dentro de casa. A polícia já prendeu um suspeito por três vezes, mas não havia provas suficientes para mantê-lo atrás das grades. Os moradores enten- dem a dificuldade de prender o meliante (ou meliantes) em fla- grante, devido às proporções da cidade. Mas, ultimamente, a preocupação tem se tornado outra: vizinhos estão se arman- do de foices, facas, facões e armas de fogo para fazer justi- ça com as próprias mãos. O psicólogo e professor Amâncio Borges morou em Ipa- tinga durante muito tempo, e há onze anos decidiu se mudar para o Paraíso a fim de encon- trar paz com sua esposa e seus dois filhos. Mas não é isto que ele tem vivido nos últimos tem- pos. "A situação está tão fora do controle que os moradores estão ficando acordados o máxi- mo que conseguem. Aqui na minha casa, eu e minha esposa revezamos no mês passado. Cada um dormia uma noite. Mas estávamos de férias, agora não tem mais como. Fico acor- dado até quando der, e durmo pedindo a Deus que nada de mau aconteça", declarou o mora- dor. O "ladrão-chaveiro", como é conhecido no bairro, já ten- tou invadir sua residência por três vezes. O amigo do alheio costuma carregar uma mochila com seus equipamentos de 'trabalho', pé-de-cabra e cha- ves-de-fenda. A primeira tentativa de inva- são foi em dezembro de 2010. A casa de Amâncio tem duas portas, uma que dá para a sala e outra, mais nos fundos, da cozinha. Foi pela porta de trás que o assaltante tentou invadir na primeira vez. "Ele quebrou a fechadura e foi puxando a lin- güeta devagar. Foi assim que ele entrou. Perguntei para o chaveiro que chamei para con- sertar como é possível quebrar a fechadura com tanta facilida- de e sem fazer barulho. Ele explicou como era, que era só fazer força no lugar certo. O ladrão deve ter conhecimento disto, deve já ter trabalhado como chaveiro", conclui. Na ocasião, a família de Amâncio não estava em casa, e felizmen- te - para os moradores - o ladrão não encontrou nada de valor para levar. Depois desta invasão, o psi- cólogo decidiu soldar uma trava na parte interna da porta e colo- car cadeados. Foi isto que sal- vou a casa na segunda e na ter- ceira tentativas de furto, que foi na última terça-feira (22). "O cadeado está dificultando um pouco. O problema é que, quan- do a gente sai, não dá para fechar todas as portas por dentro com cadeado. E outra, ele tá arre- bentando os cadeados também", disse Amâncio. Quando a repor- tagem esteve na casa de Amân- cio, ele comunicou aos outros vizinhos que, com medo, prefe- riram não dar declarações. Marcelo Anício é dono de um supermercado no Bair- ro São Francisco. Ele afir- ma que não sabe contar o número de vezes que seu estabelecimento já foi inva- dido por ladrões. "Todas as janelas e portas já foram quebradas e arrombadas. Só a porta da frente que não, porque daria muito na cara. Mas já invadiram por todas as outras entradas. São dezenas de invasões", disse o comerciante. O empresário não associa as invasões em seu super- mercado ao ladrão-chavei- ro, mas a outro mal que tem tomado conta da cida- de: drogas. "São sempre as mesmas pessoas que furtam. A polícia sabe quem é, mas não tem como prender todo mundo. O principal motivo são as drogas. Eles têm que rou- bar para manter o vício. Só diminuiu o número de furtos aqui porque arrumei um bom cachorro e colo- quei para fazer a guarda. Esta semana mesmo ele machucou um rapaz", afir- mou o empresário. Ele afirma que não adian- ta apenas prender. Ele vê que, na grande maioria, os ladrões são menores de idade viciados. "Eles pre- cisam de um tratamento, e não de cadeia. São garotas adolescentes que viram 'aviãozinho' de tra- ficante, meninas de 12, 15 anos viciadas em crack. Perto daqui tem um centro de reabilitação para viciados. Estas crian- ças têm uma possibilidade de futuro. A prefeitura deveria incentivar mais estes centros de tratamen- to para que possam cuidar das nossas crianças", opi- nou Marcelo. MORADORES DO Bairro São Francisco, antigo MinasCaixa, estão assustados com a ousadia do assaltante, que já invadiu mais de 50% das casas do núcleo habitacional, segundo Amâncio O "LADRÃO-CHAVEIRO" arrebenta as fechaduras usando chaves de fenda e pé-de-cabra. A solução encontrada por moradores foi soldar travas para cadeado nas portas COMERCIANTE PERDEU A CONTA DE INVASÕES EM SEU SUPERMERCADO CRIMES DESDE AGOSTO E BILHETE OUSADO O psicólogo e professor Amâncio Bor- ges explica que a onda de crimes come- çou em agosto do ano passado. "Creio que, no começo, era apenas um, e acho que ele fazia pela aventura. Ele entrava na casa quando os moradores não esta- vam lá. Arrombava a fechadura. Em uma das primeiras casas, ele deixou um bilhe- te: 'Obrigado pela torta', depois de comer um pedaço da torta da senhora", relem- brou o psicólogo. A ousadia do bandido só foi aumentan- do. "Depois de um tempo, ele passou a invadir a casa com a pessoa dormindo. O que foi deixando as pessoas apavoradas. Tem o medo de chegar em casa e ter alguém lá dentro, e também o de estar em casa e alguém invadir", explicou. No final do ano, Amâncio conta que o número de vizinhos que afirmaram ter a casa 'visitada' pelo ladrão-chaveiro aumen- tou. O bairro se chama São Francisco por causa da igreja, mas nem a igreja ele per- doou. "Na escola do bairro (Escola Esta- dual Salvelino Fernandes Madeira) ele já entrou 12 vezes. Levou a TV, depois o aparelho de som, depois material didático e até carne ele já roubou. E nem a igreja ele perdoou. Ela já foi invadida umas qua- tro vezes. Estamos começando a achar que ele fez um mapa com as casas do bairro e segue um padrão, porque ele começou a invadir a mesma casa repeti- das vezes, no mesmo dia da semana. Aqui em casa ele veio nas duas últimas terças. Alguns vizinhos já até comentam: 'Hoje é dia dele tentar entrar aqui'", reve- lou o psicólogo. MAIS SUSPEITOS Com o aumento do número de arrom- bamentos, cerca de quatro por semana, de acordo com Amâncio, os moradores começaram a suspeitar que outras pes- soas estão querendo usar a 'fama' adqui- rida pelo ladrão-chaveiro e estão imitando os crimes. "Ficamos apavorados quando começaram a entrar nas casas com a pessoa dentro. Sempre tivemos um sus- peito. A polícia já chegou a prendê-lo três vezes, mas o máximo que ele ficou lá foi por 45 dias. Mas, recentemente, um vizi- nho viu que estavam tentando arrombar sua casa e acendeu as luzes, e viu que o ladrão era outro, usando o mesmo méto- do. Outro vizinho afirma ter visto uma ter- ceira pessoa, com características diferen- tes das duas primeiras. Então creio que estão usando a fama dele para tentar dei- xar a população com mais medo ainda", raciocina Amâncio. MORADORES SE ARMAM Amâncio procurou a reportagem para mostrar a situação de sua comunidade, e para tentar chamar a atenção para o caso antes que aconteça uma tragédia. Ele acredita que mais da metade das casas da cidade já foram invadidas, e que a coisa pode ficar feia caso um dos moradores consiga pegar o ladrão inva- dindo sua casa. "Um senhor estava dor- mindo, o ladrão-chaveiro entrou e tirou a carteira do lado da cama dele. O senhor dormia com uma foice debaixo do traves- seiro. Quando viu que a carteira não estava mais lá, saiu correndo para tentar achar ele, com a foice na mão. Se tivesse pegado eu não sei o que teria aconteci- do. E mais pessoas estão se armando, para se protegerem. Não estamos criti- cando o trabalho da Polícia, porque nas vezes que eles estiveram atendendo ao bairro fizeram um trabalho excelente. Mas é realmente complicado. A cidade de Santana do Paraíso é muito extensa, e o posto da PM fica longe do nosso bairro. É complicado pegar o cara em flagrante. Mas estamos com medo de algo aconte- cer, e até de um morador ferir este ladrão e acabar se tornando um criminoso tam- bém", afirmou o psicólogo. FOTOS: LAIRTO MARTINS