KARATÊ E INCLUSÃO: um estudo de caso sobre uma criança Down dentro do espectro autista David Mangabeira Gomes Discente Concluinte do CEDF/UEPA [email protected]Lucas Augusto Pamplona Pereira Discente Concluinte do CEDF/UEPA [email protected]Vera Solange Pires Gomes de Sousa Orientadora - CEDF/UEPA [email protected]RESUMO Nos últimos anos ocorreu o aumento no número de crianças diagnosticadas com Síndrome de Down (SD) portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA), esse diagnóstico não é simples, em virtude dessas crianças já possuírem uma dificuldade de aprendizagem, muitas vezes ele é esquecido de ser realizado. Por famílias pensarem que as crianças devem ser sociáveis, ignorando o TEA, pode-se estar perdendo oportunidades que beneficiariam o desenvolvimento delas, como tratamentos e serviços direcionados. O estudo tem por objetivo analisar o desenvolvimento social de uma criança com SD-TEA, por meio do convívio com outras crianças sem deficiência, em uma turma de Karatê em Belém/PA, não ignorando a importância da formação do professor e apoio dos pais no processo de ensino- aprendizagem do aluno em questão. A pesquisa é de campo, sendo assim, um estudo de caso baseado em uma metodologia de pesquisa qualitativa, dividindo-se dois momentos: a) observação dos pesquisadores às aulas de Karatê de uma turma de alunos com e sem deficiência, na qual o aluno SD-TEA faz parte, ao longo de cinco meses. b) aplicação de entrevista narrativa com a mãe e com o professor do aluno. Foram assinados pelos entrevistados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o desenvolvimento das entrevistas. No decorrer da pesquisa, podemos constatar a deficiência no processo de formação do professor e ressaltar a importância da família no processo de desenvolvimento e inclusão social. Portanto, percebe-se que não há muitos estudos no que diz respeito ao ensino de lutas para crianças com SD- TEA, destacando assim a importância deste tipo de produção, evidenciando a importância do debate sobre inclusão, tendo em vista que esse assunto ainda é muito inviabilizados devido ao preconceito existente. Na própria formação do professor de Educação Física (EF), é inegável o baixo número de disciplinas relacionadas à inclusão. Logo, faz-se necessário destacar a importância de incluir essas crianças no meio comum, pois a convivência com as demais crianças pode alavancar a socialização, a partir da promoção de aprendizagens diversificada, assim como indicar benefícios para a sua família. Palavras-chave: Karatê; Síndrome de Down; Autismo; Inclusão.
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KARATÊ E INCLUSÃO: um estudo de caso sobre uma criança ... · aprendizagem do aluno em questão. A pesquisa é de campo, sendo assim, um estudo de caso baseado em uma metodologia
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KARATÊ E INCLUSÃO: um estudo de caso sobre uma criança Down dentro do espectro autista
Nos últimos anos ocorreu o aumento no número de crianças diagnosticadas com Síndrome de Down (SD) portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA), esse diagnóstico não é simples, em virtude dessas crianças já possuírem uma dificuldade de aprendizagem, muitas vezes ele é esquecido de ser realizado. Por famílias pensarem que as crianças devem ser sociáveis, ignorando o TEA, pode-se estar perdendo oportunidades que beneficiariam o desenvolvimento delas, como tratamentos e serviços direcionados. O estudo tem por objetivo analisar o desenvolvimento social de uma criança com SD-TEA, por meio do convívio com outras crianças sem deficiência, em uma turma de Karatê em Belém/PA, não ignorando a importância da formação do professor e apoio dos pais no processo de ensino-aprendizagem do aluno em questão. A pesquisa é de campo, sendo assim, um estudo de caso baseado em uma metodologia de pesquisa qualitativa, dividindo-se dois momentos: a) observação dos pesquisadores às aulas de Karatê de uma turma de alunos com e sem deficiência, na qual o aluno SD-TEA faz parte, ao longo de cinco meses. b) aplicação de entrevista narrativa com a mãe e com o professor do aluno. Foram assinados pelos entrevistados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o desenvolvimento das entrevistas. No decorrer da pesquisa, podemos constatar a deficiência no processo de formação do professor e ressaltar a importância da família no processo de desenvolvimento e inclusão social. Portanto, percebe-se que não há muitos estudos no que diz respeito ao ensino de lutas para crianças com SD-TEA, destacando assim a importância deste tipo de produção, evidenciando a importância do debate sobre inclusão, tendo em vista que esse assunto ainda é muito inviabilizados devido ao preconceito existente. Na própria formação do professor de Educação Física (EF), é inegável o baixo número de disciplinas relacionadas à inclusão. Logo, faz-se necessário destacar a importância de incluir essas crianças no meio comum, pois a convivência com as demais crianças pode alavancar a socialização, a partir da promoção de aprendizagens diversificada, assim como indicar benefícios para a sua família. Palavras-chave: Karatê; Síndrome de Down; Autismo; Inclusão.
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INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) recebeu pela primeira vez essa
nomenclatura através do psiquiatra suíço Plouller (1906), que estudava o processo de
pensamentos de pacientes com esquizofrenia, porém as primeiras descrições do
autismo como, se vê hoje, surgiram em 1943 com as publicações de Kanner¹. Dessa
forma, entende-se que o TEA é resultante de um desequilíbrio no desenvolvimento do
sistema nervoso, o que gera um distúrbio neurofisiológico que abala o funcionamento
do cérebro em áreas diferentes, tendo suas causas ainda desconhecidas.
O conjunto de sinais e sintomas do TEA pode ser observado desde os primeiros
anos de vida, especificamente aos três anos de idade,no qual é possível obter um
diagnóstico mais preciso.Assim, torna-se mais fácil identificar o grau de
comprometimento do transtorno e comprovar que as características acompanharão a
pessoa com TEA, independentemente se haverá ou não intervenção no trato.
Podemos destacar também a facilidade que uma pessoa com autismo tem em originar
outros problemas de saúde ou diferentes patologias. O diagnóstico pré-natal do TEA
não é possível, pois não há manifestação de nenhum traço físico ou característica
específica que possa ser acusada por meio de exames. A inquietude da criança nas
primeiras interações sociais pode facilitar o reconhecimento desse transtorno, o qual
pode ser atestado antes mesmo do primeiro ano de idade se o grau de
comprometimento for alto.
Já a Síndrome de Down (SD), segundo Thompson (1993), resulta da presença
de um cromossomo extra no par 21, das células do portador. Esse cromossomo pode
ser herdado do pai ou da mãe, em 95% dos casos pela não disjunção cromossômica.
Mulheres com idade superior a 35 anos estão mais predispostas a gerar uma criança
com Síndrome de Down do que as mulheres mais jovens, possivelmente devido aos
ovócitos envelhecidos e a menor capacidade de aborto espontâneo de zigotos
anormais.Crianças com SD apresentam uma evidente limitação intelectual, mas não
é possível prever o futuro potencial cognitivo que ela apresentará, pois isso irá
depender diretamente de fatores como os ambientes de convívio social e os estímulos
necessários para o desenvolvimento adequado da criança.
Essa síndrome é definida como condição genética que aponta características
físicas e mentais específicas, tais como: olhos amendoados, maior propensão ao
desenvolvimento de algumas doenças, hipotonia muscular e deficiência intelectual.
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Em sua maioria, as crianças com SD possuem estatura menor e um desenvolvimento
físico e mental desacelerado. Segundo Leite (2014), essa é apontada como uma das
mais comuns anomalias numéricas dos cromossomos autossômicos e configura a
mais antiga causa genética de retardo mental, pois registros antropológicos mostram
um caso da Síndrome de Down datado do século VII, com um crânio saxônico que
apresentava modificações estruturais vistas com frequência em crianças com a
anomalia genética.
Segundo o Movimento Down (2018) – Portal de informações, com objetivo de
difundir e produzir orientações sobre saúde, legislação, educação, pesquisa e outros
projetos, que permitam o envolvimento das pessoas com síndrome de Down
promovendo a inclusão na prática -, acredita-se que entre 18% e 39% dos indivíduos
com Síndrome de Down estejam dentro do espectro autista. Vale ressaltar que tanto
a Síndrome de Down como o Transtorno do Espectro Autista, separados, podem
apresentar-se como deficiências complexas. No entanto, quando há o duplo
diagnóstico a intervenção torna-se ainda mais desafiadora. Muitos comportamentos
apresentados por uma criança com SD-TEA são considerados normais frente a uma
portadora da SD até certo ponto do desenvolvimento, entretanto uma criança com a
síndrome pode apresentar uma evolução relativamente normal, mas em seguida
regredir e apresentar comportamentos do TEA entre as idades de 3 a 7 anos.
Enquanto professores de educação física inseridos no processo de construção
com esses indivíduos, a partir da disciplina Educação Física Adaptada, na qual
tivemos um contato superficial com a síndrome de Down e o espectro autista, nos
inquietamos com essa temática e, a partir disso, a nossa necessidade de enveredar
na pesquisa sobre o assunto juntamente com o karatê, que também está inserido na
temática em questão, entramos mais afundo na pesquisa. A problemática se deu
especificamente por compreender que em nossa formação temos apenas uma
disciplina que trata sobre o tema abordado e que precisamos vivenciar sobre o
assunto ao qual queremos nos dedicar. Desta forma, analisamos como ocorrem as
relações entre um aluno SD-TEA e alunos neurotípicos sem a SD, apontando as
características relevantes do caso estudado e evidenciando os pontos a serem
superados enquanto proposta de ensino-aprendizagem do Karatê.
Logo, o objetivo geral da pesquisa se materializou em analisar as contribuições
do karatê para o desenvolvimento de uma criança com Síndrome de Down dentro do
espectro autista, utilizando o karatê como mecanismo de inserção da nossa vivência
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frente à necessidade de compreender como ele vai envolver o SD-TEA, ou seja,
queremos ter práticas inovadoras junto a esse público. Para tanto, temos como
objetivos específicos: analisar a evolução social do praticante de karatê com SD-TEA;
apontar como essa contribuição se faz presente ao aluno investigado e compreender
como funciona o processo de ensino-aprendizagem nas aulas de karatê. Para
responder a pergunta científica e as questões norteadoras do trabalho desenvolvemos
três sessões, das quais a primeira aponta o histórico da arte marcial relacionando sua
evolução com o surgimento e desenvolvimento das modalidades inclusivas; na
segunda sessão é destacada a inclusão social evidenciando a importância do “Dojo
Kun” (lema do karatê) nessa construção e na terceira sessão dialogamos sobre a
formação do professor e os efeitos causados frente ao processo ensino-
aprendizagem.
1 Memória do karatê: de “Okinawa-Te” ao atual Karatê-Do
Em Ryukyu (século XIV), território subordinado ao domínio do império chinês
desde o século anterior, uma das mais importantes ilhas era Okinawa, que esteve à
mercê da lei de proibição das armas. O povo da ilha não estava satisfeito com as
inúmeras exigências impostas por um poder monopolizado, pois Okinawa compunha
o “reino” de Ryukyu, no qual possuía considerável independência, o que foi decisivo
para o desenvolvimento de uma cultura própria no desenrolar de uma história
particular e significativamente diferenciada do resto do Japão. Os nativos de Ryukyu
foram obrigados a pagar tributos e, caso não o fizesse, eram submetidos a situações
humilhantes como a perda de seus bens ou, até mesmo, de sua família (FROSI,
2011apud LEDUR, 2012).
Foram estes alguns dos motivos que levaram os nativos a dar origem às
maneiras de exercitar-se e defender-se da opressão sofrida pela aristocracia chinesa.
Um novo decreto de proibição do uso de armas, no século XVII (1609), feito pelo clã
samurai (japonês) Shimazu de Satsuma de Kyushu, alavancou o progresso do “Te”
(mãos) (FROSI 2011 apud LEDUR, 2012). Vale ressaltar que, o motivo da proibição
de armas na ilha ocorreu pelo receio do império chinês em possibilitar qualquer tipo
de revolta dos nativos e, se isso acontecesse, seria mais fácil o domínio, logo os
treinos de técnicas de luta, denominado “Te” (atualmente sob o nome de Karatê), eram
mantidos sob sigilo, pois também apresentariam ameaças aos chineses.
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O karatê inicia sua história a partir do momento em que Bodhidarma (conhecido
como Daruma) locomoveu-se da Índia para a China com a intenção de dar início a um
mosteiro budista. Objetivando maior possibilidade de manutenção da saúde e à
autodefesa, Daruma desenvolveu técnicas de luta sem armas a partir dos conceitos
de contemplação budista e do que foi observado sobre as formas de exercitar-se dos
nativos de Okinawa.Este conjunto de técnicas e movimentos ficou conhecido como
To-De ou Okinawa-Te. O uso de armas de fogo é liberado no século XIX, com isso os
caminhos do karatê mudam e ele passa a ser praticado com a perspectiva voltada
para a educação física e apoio espiritual, introduzindo-se de fato nas aulas de
educação física somente no ano de 1905.
Segundo Lowe (1976), o precursor nessa nova roupagem da prática do karatê
foi Gichin Funakoshi, responsável pela popularização da arte marcial, como forma de
educação fora de Okinawa. Foi em 1916 que se deu a primeira demonstração aberta
ao público, na cidade de Kyoto, e em 1921 o mestre Funakoshi fez uma apresentação
direta ao futuro imperador do Japão, Hirohito, com o intuito de abrir as portas do país
para difundir o karatê, o que ocorreu de forma positiva. Em 1923, Gichin Funakoshi se
mudou para o Japão (Tóquio), dando início ao seu objetivo de reproduzir o
conhecimento sobre a arte marcial no país, pois havia a preocupação com a formação
de homens de bem e cidadãos úteis à sociedade. Se dá a Funakoshi também a
consolidação do nome de To-De/Okinawa-Te para Karatê e posteriormente Karatê-
Do, que significa “caminho das mãos vazias”.
No Brasil, a introdução do Karatê aconteceu através dos imigrantes japoneses
da época, com a chegada do navio “Kasatu Maru” no ano de 1908, que atracou no
Porto de Santos. Esse contato inicial ocorreu também após a segunda Guerra
Mundial, que fortaleceu pela segunda vez uma grande migração, em que os
imigrantes escolheram São Paulo para se alojarem. Nesse processo, alguns mestres
de diferentes estilos de Karatê chegaram ao Brasil e após a presença deles houve
uma grande disseminação da arte marcial, uma vez que seus alunos foram os
principais responsáveis pela propagação dos estilos em outros estados. Nos dias de
hoje, várias federações, confederações e academias tomaram forma e estão
presentes em diversas regiões do País sem discriminação de público, atingindo desde
as crianças até aos adultos e também pessoas com e sem deficiências (mentais ou
físicas).
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Em relação ao esporte adaptado, localizamos no início desta pesquisa a escola
Mundo Encantado, situada no bairro do Guamá em Belém/PA, como uma instituição
que desenvolve projetos de esporte e cultura1, dentre eles o karatê, com o objetivo de
socializar as crianças além de trabalhar o desenvolvimento motor, melhoria na
qualidade de vida e iniciação esportiva. Na turma da instituição há alunos sem
restrições, mas também uma demanda elevada de estudantes com alguma
deficiência, dentre esses alunos especiais encontra-se o aluno SD-TEA, foco desta
pesquisa.
2 Inclusão social: uma história já contada pela filosofia do “Dojo Kun” em relação com a Declaração de Salamanca
2.1 Declaração de Salamanca (1994)
Para tal proposição, elucidaremos informações sobre a Declaração de
Salamanca, buscando melhorar a compreensão sobre princípios, políticas e práticas
na área das necessidades educativas especiais. Criado em 1994, após a Conferência
Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais na cidade de Salamanca, de
modo geral, o documento reforça a ideia da inclusão de crianças, jovens e adultos
com necessidades educacionais especiais, tendo como norte o sistema regular de
ensino2, assim como a flexibilidade e possibilidades para seu desenvolvimento em
vários campos de atuação.
Com base nos Direitos Humanos e na Declaração Mundial3 sobre a Educação
para Todos, a Declaração de Salamanca indica os alicerces de uma educação
especial e de um trato pedagógico com o foco na criança. Discorre também sobre
propostas, direções e recomendações da Estrutura de Ação em Educação Especial
(EAEE)4, com uma nova visão sobre o trato da educação especial, concedendo
informações e apontando orientações para o desenvolvimento de ações a níveis
regionais, nacionais e internacionais.
1Karatê, Ballet, Música e Ramo Lobinho. 2Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. CAPÍTULO V, da Educação Especial. Art. 58º; Art. 59º; Art. 60º. 3Elaborada na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien/Tailândia, 1990. Fornece definições e novas abordagens sobre as necessidades básicas de aprendizagem, buscando firmar compromissos mundiais que garantam a todas as pessoas conhecimentos básicos e necessários a uma vida digna. 4 Adotada pela Conferência Mundial em Educação Especial, em Salamanca (1994), objetiva informar sobre políticas e ações governamentais de organizações internacionais ou agências de auxílio, organizações não governamentais e outras instituições, na introdução da Declaração de Salamanca sobre princípios, Política e prática em Educação Especial.
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As propostas e orientações contidas na Declaração de Salamanca são
conduzidas seguindo os princípios de que a educação é um direito de todos,
independentemente das diferenças individuais, reforçando sobre a necessidade das
instituições buscarem sempre uma forma de adaptarem-se às características
específicas dos alunos e não os alunos as especificidades delas.
A partir dessa proposição, o documento também caracteriza todas as crianças
com necessidades educativas especiais (NEE)5, tomando por base a dificuldade de
aprendizagem, compreendendo que o ensino deverá ser diversificado e em um
espaço que seja comum a todas as crianças. A declaração de Salamanca repercutiu
de forma significativa, sendo incorporada às políticas educacionais brasileiras.
2.2 A filosofia do “DOJO KUN”
O local de treinamento onde o praticante da Arte Marcial busca alcançar o
equilíbrio (espiritual, físico e mental) chama-se “DOJO”. Todos os Dojos possuem
regras que são universais e servem como guias para os alunos no caminho do
autocontrole. Tais regras possuem a denominação de “KUN”, ou seja, todo carateca
finaliza o treinamento relembrando os lemas do local de treinamento, o “Dojo Kun”.
Frente a este cenário de inclusão social e o que a Declaração de Salamanca propõe,
podemos evidenciar a importância do lema do karatê como norte de uma educação
pautada no respeito e disciplina. Levando em consideração o fato de a inclusão ser
vista como um desafio na atualidade, estimula o compromisso de melhora nas práticas
pedagógicas que beneficiam os alunos, ou seja, alternativa real no conceito de ensino,
tendo em vista um aprendizado de qualidade, significativo e inclusivo.
Segundo Silva (2004) é necessário o amadurecimento interior e, com esse
intuito, Gichin Funakoshi deu origem a cinco princípios básicos com o objetivo de
fortalecer e valorizar a essência de cada praticante a partir do estudo destes
ensinamentos. Dentre estas regras três merecem um devido destaque por
apresentarem relações diretas e indiretas ao tema em questão neste trabalho, que
são: esforçar-se para a formação do caráter; fidelidade para com o verdadeiro
caminho da razão e respeito acima de tudo. Logo, devemos estar cientes da
necessidade da construção da personalidade das crianças com SD-TEA, objetivando
5Crianças com problemas sensoriais, físicos, intelectuais e/ou emocionais e com dificuldades de aprendizagem, derivadas de fatores orgânicos e/ou ambientais.
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o desenvolvimento de sua apresentação frente aos outros indivíduos sociais,
respondendo aos estímulos do mundo externo.
No processo de ensino-aprendizagem os objetivos também devem estar
pautados no treinamento e aperfeiçoamento da razão, pois é uma exclusividade
própria do ser humano. Sendo assim, a partir dela que deve ser desenvolvida a
habilidade de julgar, avaliar, entender e estabelecer relações lógicas, buscando
alcançar a máxima vivencia deste sujeito SD-TEA, dentro da inclusão nas classes
ditas normais. No decorrer das aulas e da vivência na arte marcial é irrefutável o foco
principal no respeito, pois é a partir dele que os preconceitos são derrubados, as
diferenças são colocadas de lado e a cortesia torna-se o propósito principal do
aprimoramento pessoal. Dito isto, essa é uma das mais importantes ferramentas no
combate ao preconceito existente no trato das pessoas com deficiência.
Para que seja possível desenvolver um ensino de qualidade pautado na melhoria
e no bom desempenho do que foi exposto anteriormente, devemos elucidar a
premissa de que não há sentido algum em preservar, nos dias de hoje, os modelos
de ensino tradicional que já estão defasados, pois eles acabam por preservar também
o desrespeito, corroborando com uma instituição excludente. O artigo 208 da
Constituição Federal descreve que o atendimento educacional especializado às
pessoas com alguma deficiência deve ser preferencialmente na rede regular de
ensino.
O Dojo Kun surge então, como possibilidade de inclusão que deve irradiar das
aulas de karatê para além dos muros da instituição em que está inserido, podendo
assim, ser trabalhado de forma mais amplamente no contexto de formação de caráter
e disciplina dos alunos, pautando seus preceitos em apontamentos éticos e morais.
Mantoan (2003), acreditando no desenvolvimento dos alunos com deficiência,
aponta algumas estratégias que ajudam tanto no trabalho do corpo docente quanto
na aprendizagem dos alunos, tais como; colocar como eixo das instituições que
trabalham com este público, que toda criança é capaz de aprender; garantir tempo e
condições para que o aprendizado seja de acordo com as possibilidades de cada um;
abrir espaço para que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o
espírito crítico sejam exercitados por alunos e professores; estimular, formando
continuamente e valorizando o professor, que é o responsável pela aprendizagem dos
alunos e optar por um processo de avaliação que deverá ser contínuo e formativo de
todo o processo de ensino e aprendizagem. Logo, é a partir da inovação nas práticas
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pedagógicas que a inclusão acarretará bons resultados na aprendizagem de todos os
alunos.
3 A formação acadêmica e seus desafios
Quando se fala em exercício físico para pessoas com Síndrome de Down e
Autismo, subentende-se que há a necessidade de maior atenção e dedicação a esse
público em função de suas limitações, sejam elas físicas ou intelectuais. Entendemos
que além da paciência com essas pessoas e o amor pelo que se está fazendo, é
extremamente importante possuir conhecimento teórico e prático acerca de tais
disfunções para que o trabalho de desenvolvimento psicomotor tenha evolução
significativa, além da melhor condução do professor dentro do processo de inclusão
perante a turma.
Essas e outras ideias iniciais nos levam a questionar se a graduação
proporciona os conhecimentos necessários aos acadêmicos para trabalhar com esse
público e se há diferenças entre o ensino de pessoas com deficiência e o de pessoas
sem limitações. Buscando saber também, se no treino existem diferenças
significativas entre esses aprendizes e se é necessária uma formação especial para
atender pessoas com Síndrome de Down e Autismo.
Cruz (2001) destaca que para operar com esses alunos, o profissional de
educação física necessita de ambientes que viabilizem a aplicação de tarefas motoras
apropriadas ao seu processo de desenvolvimento, além de sempre buscar adquirir
conhecimentos e atualizações sobre a deficiência também correlacionados à
aprendizagem, ao desenvolvimento motor e à metodologia do ensino da educação
física. Os autores do artigo reiteram que o papel do professor perante esse público
não é focalizar a deficiência em si, e sim o movimento, permitindo que elas consigam
obter respostas motoras que lhes permitam interagir com o mundo a sua volta. A partir
do momento em que o professor entende as limitações do aluno com SD-TEA, e ao
mesmo tempo consegue incluí-lo em toda e qualquer atividade, juntamente com o
restante da turma, ele está contribuindo diretamente para o processo de inclusão
desse aluno.
Quase todos os cursos de educação física possuem uma disciplina relacionada
ao assunto, apesar disso, estudos de Cruz (2001) apontam que, ao final do curso,
uma das frases mais comuns dos formandos é: “Eu não me sinto preparado para
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trabalhar com pessoas portadoras de deficiência”. Essa frase corrobora com a fala do
professor entrevistado, que quando perguntado se está preparado para ministrar aulas
para crianças com Síndrome de Down e Autismo, respondeu que cada criança possui
sua particularidade, cada caso é diferente e que a teoria diz para ser feito de uma
forma, mas somente na prática é possível saber se aquela é a maneira certa de agir.
O professor ainda diz que conversou bastante com a mãe da criança, a coordenadora
da escola e com a professora, buscando criar um trabalho em conjunto de pessoas
que convivem com o estudante, já que segundo o docente, a faculdade não lhe deu o
suporte necessário para trabalhar com crianças especiais.
Em relação a essa formação profissional carente, podemos considerar a falta
de um olhar especial por parte das faculdades para disciplinas que envolvam
educação física adaptada na graduação, tanto na sua teoria como na prática, não
sendo suficiente o período de um semestre para obter conhecimentos sobre esse
tema. Segundo Molina Neto (1997), esses acontecimentos são resultados de uma
formação inicial falha que, transmitindo uma coleção de competências básicas,
incentiva uma forma de pensar e uma maneira de trabalhar que precisam ser
preenchidas pela experiência, pela prática e pela formação permanente. Podemos
correlacionar esse ponto com a fala do Sensei em questão, ao qual foi perguntado
quais disciplinas cursou no decorrer da graduação que o ajudaram no trato com
crianças Down dentro do TEA,este comentou que teve apenas uma disciplina voltada
para a relação com crianças especiais e, ao final dessa disciplina, citou o trabalho que
realizava com o nosso SD-TEA, enriquecendo o semestre dos seus colegas de
faculdade.
Logo, entendemos que é necessário buscar conhecimento teórico e,
principalmente, prático fora da graduação, pois somente com a vivência dentro da
faculdade não é o suficiente para o professor sentir-se seguro para ministrar o treino
para uma criança com deficiência. Visando possuir maior controle perante o aluno
com Síndrome de Down e Autismo, faz-se necessário o planejamento da aula,
buscando ter uma evolução gradativa de cada sequência de movimentos dele, sempre
respeitando a individualidade desse aluno. Quanto ao planejamento das aulas, o
Sensei disse que não planeja, em função de procurar saber, primeiramente, se aquela
criança teve algum problema durante o dia e a partir disso realizar determinada
atividade com ela ou permitir que fique mais solta, dessa forma usando o improviso
nas aulas.
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Mantoan (1997) menciona que cada aluno se difere do outro, sendo necessário
o tratamento específico por parte do professor para alcançar os mesmos objetivos.
Para tanto, deve-se incentivar os alunos em geral a abandonarem, gradativamente,
os rótulos que são impostos aos alunos “normais” e com deficiência. Em relação a
isso, o Sensei relatou que a partir do diagnóstico de autismo do nosso Down, ele sentiu
mais facilidade para desenvolver sua metodologia de ensino, pois já havia estudado
mais a fundo o Transtorno do Espectro Autista. O professor entrevistado conta que
vem fazendo o acompanhamento diário do SD-TEA, a fim de participar diretamente
do desenvolvimento social e psicomotor dele. Portanto, é papel fundamental do
professor atuar diretamente no processo de inclusão social do aluno com SD-TEA,
buscando adaptar ou não atividades, afim de que ele possa cumprir com o objetivo,
assim como os outros.
4 METODOLOGIA
O presente estudo é de Campo. O estudo de caso (GIL, 2008) explora situações
da vida real, preserva o caráter unitário do sujeito estudado e descreve o contexto em
que está sendo feita a investigação, que se deu em dois momentos: a) observação
dos pesquisadores às aulas de Karatê de uma turma de alunos com e sem
necessidades, na qual o aluno SD-TEA faz parte, que se deu ao longo de cinco meses.
b) aplicação de entrevista narrativa com a mãe e com o professor do aluno.
Ressaltamos ainda, que foram assinados pelos entrevistados o “Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE) para o desenvolvimento das entrevistas.
A pesquisa iniciou-se a partir do contato inicial com o professor e os pais do
aluno investigado. No primeiro momento, o professor de Karatê e a mãe do aluno
receberam uma apresentação sobre o trabalho, com o intuito de obter uma
autorização para realizar a pesquisa e programar a aplicação da entrevista. Foi
solicitado que assinassem um termo de consentimento para a realização do estudo e
para que permitissem a gravação das entrevistas. Ainda neste primeiro momento
iniciaram-se as observações às aulas de Karatê da associação e o acompanhamento
do aluno em seu desenvolvimento diário. As observações duraram, aproximadamente,
seis meses desde o contato inicial até a conclusão deste trabalho.
As entrevistas foram aplicadas ao professor e à mãe do aluno, as quais tiveram
duração média de 30 minutos e foram conduzidas na associação de karatê em
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questão. Na aplicação, estiveram presentes somente o participante e os
pesquisadores. Em seguida, as gravações foram transcritas de forma literal e
submetidas à técnica de Análise de Conteúdo Categorial-Temática, proposta por
Bardin (1977). Para analisar o conteúdo, foram separadas quatro categorias, sendo
elas: desenvolvimento, intervenção, inclusão nas aulas e desafios. Foi possível
também desenvolver subcategorias, ressaltando que a resposta de um entrevistado
poderá estar em mais de uma subcategoria.
5 DISCUSSÃO E ANÁLISE DE DADOS
5.1 Desenvolvimento da criança SD-TEA com as aulas de Karatê:
Mesmo considerando os prejuízos inerentes ao aluno SD-TEA, podemos
considerar plenamente possível o seu desenvolvimento apesar dos limites impostos
pelas deficiências. Percebemos, assim, olhares de positividade sobre esses
indivíduos, ou seja, uma visão que não está com foco nas limitações do aluno, mas
sim nas possibilidades em reconhecer as capacidades que ele apresenta e pode
desenvolver.
Ao ser entrevistada, a mãe do aluno investigado ressaltou que o
desenvolvimento dele depende do acompanhamento, não somente do professor
durante os treinos, mas também da família, escola e pelos profissionais da Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionas (APAE), que o acompanham desde os quatro
meses de idade. Vale ressaltar, que esse desenvolvimento também depende do grau
de comprometimento da criança, em especial o cognitivo. Logo, podemos considerar
ainda a importância da identificação precoce desse duplo diagnóstico para o
desenvolvimento de pessoas com SD-TEA, objetivando amenizar a disseminação das
características das deficiências.
Uma das características mais relevantes da criança com TEA é a regressão, isto
é, a perda de habilidades já adquiridas. Segundo a mãe entrevistada, este aspecto foi
bastante conivente no período em que o aluno precisou se afastar dos treinos, por
cerca de um mês, devido a problemas de saúde. Ao retornar aos treinos, o trabalho
construído com o professor de karatê havia sido perdido, sendo assim, “reiniciada" a
aprendizagem.
Em relação à intervenção, foi apontado por ambos os entrevistados que a
participação de uma equipe de profissionais é de fulcral importância no tratamento da
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criança SD-TEA, destacando a necessidade de ter iniciado o acompanhamento do
aluno em questão desde o início de sua vida. Ao avaliarmos, chegamos à assertiva
de que a intervenção precoce é extremamente necessária em todos os aspectos. Isso
fica claro quando a entrevistada relata que após os três anos de idade, haviam
suspeitas para o autismo, porém de fato, o diagnóstico só foi feito aos seis anos de
idade da criança, logo ao longo da vida ele recebeu estímulos para o desenvolvimento
somente das características referentes à síndrome de Down. No entanto, a
intervenção precoce é um aspecto cada vez mais em ênfase, apontado como um meio
essencial no processo para amenizar os prejuízos causados ao longo do tempo pelo
transtorno (FIORE-CORREIA; LAMPREIA, 2012).
No desenvolvimento relatado anteriormente, fica bem esclarecido que a
interação da família no processo de tratamento possibilita a troca de informações e o
seguimento contínuo do trabalho realizado nas aulas de Karatê e pelos outros
profissionais que o acompanham. A mãe do aluno investigado deixou claro que o
ambiente familiar deixa a criança mais à vontade para executar as técnicas
aprendidas, alegando também, que muitas vezes ela já foi surpreendida ao se deparar
com ele “treinando” os movimentos sozinho em casa.
5.2 Intervenção nas aulas e por outros profissionais
Os autores do estudo apontam a necessidade da participação de uma equipe
multidisciplinar de profissionais no tratamento da criança SD-TEA, porém, segundo o
relato da entrevistada, esse acompanhamento é feito de forma individualizada e cada
profissional faz o seu trabalho de acordo com a sua área específica, ou seja, ainda
não há um trabalho multidisciplinar efetivo. Sobre multidisciplinaridade, Luz (2009)
deixa claro em sua afirmação que as grandes organizações de saúde a possuem
como modelo dominante. Todavia, os autores da pesquisa ressaltam a relevância de
uma atuação interdisciplinar dos profissionais que conduzem os tratamentos da
criança, tendo em vista que ela engloba não somente a sobreposição de saberes, mas
também a troca de conhecimentos entre os diversos profissionais.
É necessário ratificar que as particularidades do indivíduo devem ser
consideradas, partindo do interesse pessoal e constatando que, ainda assim, cada um
possui a sua individualidade. Contudo, enfatiza-se a importância de uma intervenção
precoce quanto ao trato do duplo diagnóstico, tendo em vista a diminuição dos
prejuízos referentes à deficiência. Além disso, os entrevistados enfatizaram a
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importância da família participar dessa intervenção, tendo em vista a maior confiança
que o aluno possui devido à convivência familiar diária, sem contar que isso poderá
facilitar a forma de lidar com ele. Durante a entrevista com a mãe da criança SD-TEA,
foi esclarecido que nas aulas de Karatê o aluno investigado possui um maior grau de
afinidade com o seu tio6, que possui treze anos de idade e também prática a arte
marcial. Foi apontado ainda, que a confiança com os demais alunos está sendo
estabelecida aos poucos, sendo observada a maior confiabilidade em três outros
alunos da academia.
5.3 Inclusão Social nas aulas de Karatê
Diante desses dados, considera-se importante mencionar o papel da escola
Mundo Encantado na promoção de práticas pedagógicas voltadas ao acolhimento da
diversidade humana, com vistas a contribuir na construção de uma sociedade pautada
pelo respeito e aceitação das diferenças. Foi apontada ainda a necessidade da
parceria entre a escola, a família e os profissionais de outras áreas. Tal aspecto foi
ressaltado, sobretudo, pelo professor que também dedicou o melhoramento no
desenvolvimento do aluno a esse fator. Segundo o instrutor, a confiança do aluno era
direcionada exclusivamente a ele, o que se tornava prejudicial ao desenvolvimento da
aula, pois era necessário fazer pausas constantes para se dedicar somente ao aluno.
Hodiernamente, a socialização já está bem melhor, ao ponto do aluno conseguir
transmitir a confiança para outros alunos e possibilitar a observação de seus
movimentos por mais pessoas.
Neste processo de inclusão, um dos principais desafios apontados pelo
professor diz respeito a forma como os outros alunos iriam receber o aluno SD-TEA,
uma vez que a turma é, em sua maioria, composta por crianças e ele subentendeu
que a compreensão dessa realidade seria mais difícil. Inicialmente ele precisou
conversar e ser transparente com a turma, a fim de fazer com que todos
compreendessem as limitações do sujeito e buscassem o máximo possível colaborar
com o desenvolvimento das aulas ajudando e respeitando o colega. Uma das
mudanças propostas pelo professor durante as aulas foi a forma de execução do “Kiai”
(liberação de energia pela voz), onde precisou que todos os alunos diminuíssem a
força do grito em detrimento do incômodo que o aluno sentia.
6A maior afinidade com o tio se dá pelo convívio familiar diário e pela baixa idade do tio, que muitas
vezes no ambiente familiar é o seu parceiro nas brincadeiras.
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Ainda quanto à inclusão, para os autores desta pesquisa é preciso considerar o
grau de comprometimento do indivíduo. Indicamos a visão de inclusão como sendo
integração, uma vez que destacamos a importância da socialização do aluno com SD-
TEA com uma turma regular de Karatê de mesma faixa etária, para que ele possa
vivenciar e desenvolver-se no mesmo viés de outra criança. Nesse contexto da
inclusão, devemos reforçar a prioridade na aprendizagem do aluno, com o intuito de
alcançar secundariamente a socialização.
5.4 Desafios encontrados no trato da criança SD-TEA:
Ao aplicar a metodologia, pudemos constatar a deficiência no processo de
formação do professor, tendo em vista a escassez de conhecimento sobre a educação
especial, o que o motivou a desenvolver aulas pautadas na inclusão de crianças SD-
TEA, e que coube a ele, por conta própria, buscar conhecimentos em livros, artigos e
revistas e, assim, construir seus próprios métodos para ensinar Karatê ao público em
questão, uma vez que, segundo o próprio professor, a graduação não oferece suporte
suficiente para o desenvolvimento de trabalhos voltados para o público em questão,
tendo em vista o número ínfimo de disciplinas direcionadas a esta situação e a sua
superficialidade.
Vale ressaltar a importância da qualificação do profissional no trabalho com
crianças que possuem SD-TEA, pois assim como qualquer outra criança com
deficiências, eles necessitam de um trato diferenciado para que os conteúdos sejam
absorvidos ao máximo possível. A atividade física para essas crianças deve ser
adequada as suas características e, principalmente, as suas necessidades (SILVA JR
et al, 2007).
É notória também, a importância do Karatê no processo de desenvolvimento do
aluno com SD-TEA, tendo em vista que ao longo da sua trajetória como carateca, o
aluno já apresenta uma evolução grandiosa, principalmente no que diz respeito a sua
disciplina, concentração, habilidade motora e socialização. O esporte é hoje uma
manifestação sociocultural de múltiplos significados, sendo um deles o educacional, o
que pode nos ajudar na compreensão das lutas nesse contexto. As buscas pela Karatê
se dão em sua totalidade, segundo os entrevistados, a partir da necessidade da
prática de atividade física com alguma finalidade específica, mas principalmente,
promoção da saúde.
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Não podemos deixar de ressaltar certo nível de descuido dos pais em relação ao
conhecimento prévio do local, professor e ambiente onde seu filho iria participar das
aulas, o aluno foi matriculado na Associação Mundo Encantado de Esporte e Cultura
(ASMEEC)7 após uma conversa breve e não aprofundada entre a mãe e o professor
do aluno, e cada fator tem sua importância no quesito bem-estar do sujeito. Além de
ser de extrema importância verificar se o professor está apto para atender um aluno
com Síndrome de Down e Autismo.
É perceptível, a partir das respostas alcançadas nas entrevistas, que o Karatê é
um estímulo ao desenvolvimento físico e psicossocial, porém não foi possível verificar
se há um tempo base para esse desenvolvimento ou cada indivíduo possui seu tempo
de desenvolvimento, tendo em vista que cinco ou seis meses é um tempo muito curto
para fazer tal avaliação com consistência nos resultados. Conforme Perez (1991), é
aceito pela comunidade cientifica e pedagógica que a atividade física quando bem
estruturada e adequada, tem a ação benéfica nas pessoas com deficiência física e
intelectual. Na prática do Karatê - arte marcial que busca a socialização dos
praticantes a partir da sua filosofia e fundamentos -, foram identificadas oportunidades
de integração entre os alunos, sejam deficientes, sejam não deficientes. Ressaltando
a importância de buscar sempre uma pegada mais lúdica, por se tratar de crianças.
Quando Vygotsky (1988) afirma que ao relacionar-se com outras pessoas, o ser
humano acaba relacionando-se consigo mesmo, ele enfatiza a ideia proposta pelo
materialismo histórico dialético que propõe o homem como ser social em constante
mudança pelo meio ao qual está inserido. A participação da família é primordial para
que haja um melhor reaproveitamento no desenvolvimento das crianças com SD, pois
eles podem intermediar e facilitar o processo de aprendizagem das crianças, tendo
em vista que são os maiores conhecedores do comportamento delas. Segundo
(WERNECK, 1993) “(...) os sujeitos com deficiência tem capacidade de aprender,
dependendo da estimulação recebida e da maturação de cada um o desenvolvimento
afetivo e emocional da criança também adquire papel importante” (…). Sendo assim
o exercício físico, a partir do karatê, deve ser bem trabalhado para um bom
desempenho e resultado.
7Projeto desenvolvido pela escola Mundo Encantado, situada em Belém/PA, com o objetivo de incluir os alunos e moradores do bairro do Guamá na sociedade, a partir da prática de Karatê, Ballet e Música.
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CONCLUSÃO
Dessa forma, concluímos que ainda é muito fraca a produção de estudos sobre
o ensino de lutas para crianças com síndrome de Down e Transtorno do Espectro
Autista, ressaltando a importância do debate no âmbito da inclusão e evidenciando
que a temática ainda é inviabilizada pelo preconceito. Comprovado isso, a partir do
que foi exposto sobre a formação do professor, entende-se que na graduação há um
baixo número de disciplinas voltadas para o trato da inclusão. É de fulcral importância
destacar também, a necessidade de introduzir essas crianças no meio comum, logo a
socialização com as demais crianças pode ser impulsionada a partir do convívio nas
Em síntese, a inserção de crianças com alguma deficiência nas aulas de Karatê
deve ser planeja de maneira a reunir em uma mesma turma, alunos que participem
conjuntamente de todas as atividades propostas pelo professor, ainda que os
objetivos de desenvolvimento sejam diferentes, correspondendo aos diferentes graus
de complexidade. A prática do Karatê, como possibilidade de educação inclusiva, de
forma geral é benéfica para todos e não apenas para aqueles que enfrentariam
obstáculos para desenvolverem relações de amizades com seus colegas.
A inclusão de crianças Down dentro do Espectro Autista nas aulas de Karatê é
um processo complexo que requer o envolvimento e a participação de todos os
integrantes dos espaços que ofertam essa prática. A produção de conhecimento sobre
as interações entre alunos com SD, seus colegas de treino e professores, constituem
uma necessidade cientifica e social, uma vez que oferece subsídios para a
caracterização e aperfeiçoamento do processo de inclusão social.
Com o exposto, constatamos a significância das aulas de karatê, destacando a
importância da condução por meio de profissionais com habilidades no trato desse
conteúdo, buscando assim, alcançar princípios educativos, desempenhando as
atividades de forma lúdica, opondo-se ao seu encorajamento como mecanismo de
exclusão e agressividade. Logo, a ideia em relação ao karatê vai ao encontro da
proposta desse estudo, com a finalidade de concretizar resultados positivos como os
que foram obtidos. Sugerimos ainda, que a interdisciplinaridade seja utilizada pelos
professores, por meio de brincadeiras e jogos com o intuito de proporcionar atividades
motoras e vivências sociais.
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Portanto, o sentimento é de realização com a produção desse estudo, pois
mostrou que o karatê apresenta benefícios aos seus praticantes e busca diminuir os
preconceitos ainda existentes no trato da pessoa com deficiência. A partir deste
estudo os autores almejam que o karatê para crianças com SD-TEA tenham um maior
interesse no meio científico, assim como estimular a produção de estudos sobre o
tema.
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ABSTRACT
In recent years, there has been an increase in the number of Down’s Syndrome’s (DS) children diagnosed with Autism Spectrum Disorder (ASD), this diagnosis is not simple, because these children already have a learning disabilities, it is often forgotten to be done. Because families think that children should be sociable, ignoring ASD, they may be missing out on opportunities that would benefit for their development, such as targeted treatments and services. (HOWLIN et al, 1995). The aim of this study is to analyze the social development of a child with SD-ASD, by living with other children without special needs, in a Karate class in Belém / PA, without ignoring the importance of teacher training and parental support in the teaching-learning process of the student in question. The study is based on a qualitative research methodology, divided into two moments: a) observation of the researchers to the classes of Karate of a class of students with and without special needs, in which the SD-ASD student is part. b) application of narrative interview with the mother and the student's teacher. The interviewees signed the "Informed Consent Term (ICT)" for the development of interviews. During the research, we can see the deficiency in the teacher training process and highlight the importance of the family in the process of development and social inclusion of studentIt is concluded that there are not many studies regarding the teaching of children's struggles with SD-ASD, highlighting the importance of this type of production and the inclusion debate, considering this subject is still very invisible due to existing prejudice. In the formation of the professor of Physical Education (PE), the low number8 of matter related to inclusion is undeniable. Therefore, it is necessary to emphasize the importance of including these children in the common environment, since the coexistence with the other children can leverage the socialization, from the promotion of diversified learning, as well as indicating benefits for their family. Keywords: Karate; Down's syndrome; Autism; Inclusion.
Resumo do estudo em língua inglesa
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