NOTA INTRODUTÓRIA O Programa Mais Cultura Audiovisual realizou no período de 28 a 30 de outubro o Seminário Juventude e Teledramaturgia. O Seminário promoveu debates visando gerar subsídios para a formatação do Edital FICTV/MAIS CULTURA – Edital de seleção de projetos de desenvolvimento e produção de teledramaturgia seriada para TV’s Públicas. O ponto de partida deste Seminário foi a apresentação de estudos e pesquisas sobre a juventude das faixas C, D e E abordando o perfil, as demandas e o imaginário desses jovens brasileiros. Os consultores da área de pesquisa contratados pelo Programa Mais Cultura Audiovisual tendo como base os resultados dos debates e de suas participações no Seminário produziram 2 (dois) textos de referência para auxiliar os participantes do Edital FICTV/MAIS CULTURA. O Programa Mais Cultura Audiovisual optou por disponibilizar os textos para que os proponentes possam se apropriar do conjunto das discussões sobre o tema juventude e teledramaturgia, oferecendo subsídios sobre o universo sócio-cultural-psicológico do público alvo do Edital, a juventude das faixas C, D e E da população brasileira. O primeiro texto de referência é de autoria da antropóloga e consultora de pesquisa do Programa Mais Cultura Audiovisual, Regina Novaes. Este texto intitulado “Juventude, Juventudes - Jovens das classes C e D frente aos dilemas de sua geração” é uma compilação das principais e atuais pesquisas sobre juventude organizada pela pesquisadora e resulta na construção de um painel de referência sobre o público alvo do programa como base de orientação a todo o processo de produção de conteúdos. O segundo texto de referência é de autoria do cientista político e consultor de pesquisa do Programa Mais Cultura Audiovisual, Carlos Novaes. Este texto intitulado “Teledramaturgia em TV Pública para jovens brasileiros das classes C, D e E – entre 15 e 29 anos de idade” é uma contribuição à elaboração bem sucedida da teledramaturgia a ser encomendada, consubstanciada em um apanhado de idéias e informações que reúnem o aproveitamento, pelo autor, de elaborações e dados relativamente recentes sobre o tema juventude(s).
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NOTA INTRODUTÓRIA
O Programa Mais Cultura Audiovisual realizou no período de 28 a 30 de outubro o Seminário
Juventude e Teledramaturgia. O Seminário promoveu debates visando gerar subsídios para a formatação do
Edital FICTV/MAIS CULTURA – Edital de seleção de projetos de desenvolvimento e produção de
teledramaturgia seriada para TV’s Públicas.
O ponto de partida deste Seminário foi a apresentação de estudos e pesquisas sobre a juventude das faixas
C, D e E abordando o perfil, as demandas e o imaginário desses jovens brasileiros.
Os consultores da área de pesquisa contratados pelo Programa Mais Cultura Audiovisual tendo como
base os resultados dos debates e de suas participações no Seminário produziram 2 (dois) textos de referência para
auxiliar os participantes do Edital FICTV/MAIS CULTURA.
O Programa Mais Cultura Audiovisual optou por disponibilizar os textos para que os proponentes
possam se apropriar do conjunto das discussões sobre o tema juventude e teledramaturgia, oferecendo subsídios
sobre o universo sócio-cultural-psicológico do público alvo do Edital, a juventude das faixas C, D e E da
população brasileira.
O primeiro texto de referência é de autoria da antropóloga e consultora de pesquisa do Programa Mais
Cultura Audiovisual, Regina Novaes. Este texto intitulado “Juventude, Juventudes - Jovens das classes C e D
frente aos dilemas de sua geração” é uma compilação das principais e atuais pesquisas sobre juventude
organizada pela pesquisadora e resulta na construção de um painel de referência sobre o público alvo do programa
como base de orientação a todo o processo de produção de conteúdos.
O segundo texto de referência é de autoria do cientista político e consultor de pesquisa do Programa Mais
Cultura Audiovisual, Carlos Novaes. Este texto intitulado “Teledramaturgia em TV Pública para jovens
brasileiros das classes C, D e E – entre 15 e 29 anos de idade” é uma contribuição à elaboração bem
sucedida da teledramaturgia a ser encomendada, consubstanciada em um apanhado de idéias e informações que
reúnem o aproveitamento, pelo autor, de elaborações e dados relativamente recentes sobre o tema juventude(s).
FICTV/MAIS CULTURA • 2
Juventude, juventudes. Jovens das “classes C, D e E” frente aos dilemas de sua geração.
Subsídios para o Seminário Juventude e Teledramaturgia
1- Juv entude : Def i niçõe s , Mi tos e P ro je ç ões
2- Juven tude b ras i l e i ra: um jo go de e spe l hos
2.1 Espelho Retrovisor
2.2 Espelho Agigantador
• “Medo de sobrar”: um lugar em um mercado de trabalho restritivo e mutante.
• “Medo de morrer”: a realidade do narcotráfico, das armas de fogo e das polícias.
• Inseguranças compartilhadas: sentimentos de desconexão em um mundo conectado:
2.3- Transições para a vida adulta: novos padrões e múltiplas trajetórias juvenis
3- Traje tór ias ju venis : po l í t i ca , re l i g i ão e cul t ura
3.1 Participação: mudanças na face social dos grupos que se mobilizam
3.2 Pertencimentos e valores religiosos: novas escolhas e combinações
3.3 Em tempos de cultura tecnológica: acessos, fruição e produção
• NTICs: efeitos na cultura e na política.
• Juventudes: acessos às artes, uso do tempo livre e circuitos de movimentação.
4- Nota f inal
FICTV/MAIS CULTURA • 3
Juventude, juventudes. Jovens das “classes C, D e E” frente aos dilemas de sua geração.
Regina Novaes
Duas perguntas motivam este texto:
• Como caracterizar a juventude brasileira atual sem desconsiderar a heterogeneidade de
comportamentos de jovens que vivem condições sociais tão desiguais em termos de renda, cor,
gênero, local de moradia e outros pertencimentos?
• Como caracterizar – no âmbito do Programa Mais Cultura Audiovisual- o “público jovem” das
“classes C, D e E” considerando-os como parte da geração juvenil contemporânea?
Para tanto, em primeiro lugar, vamos tratar de questões que expressam dificuldades em definir
“juventude”. Em seguida, trataremos de caracterizar como as juventudes brasileiras – com suas diferenças e
desigualdades - refletem e revelam a sociedade brasileira. Por fim, reuniremos informações disponíveis sobre
grupos de participação, escolhas religiosas e preferências de lazer e uso do tempo livre de jovens no Brasil de hoje
Em todo este percurso trataremos de demarcar as questões que dizem respeito, especialmente, aos jovens
considerados pertencentes às chamadas “classes C, D e E”.
1- Juventude : DDef ini ções , MMitos e P ro je çõ es
• Definições.
Infância, adolescência, juventude, maturidade e velhice: cada uma destas palavras designa um período
diferente da vida. São palavras que nasceram no campo das ciências - sobretudo da biologia, medicina e psicologia
– mas hoje habitam o vocabulário da vida cotidiana. Hoje a distinção entre cada uma destas fases passou a ser
vista como natural, como se houvesse uma cronologia geral, oficial, definidora da “natureza humana”.
Olhada como fase natural da vida, a “juventude” é tratada como um segmento populacional bem
definido, suposto como universal. No entanto, os limites etários e as características de cada uma das “idades da
vida” são produtos históricos, resultados de dinâmicas sociais mutantes e de constantes (re) invenções culturais.
No entanto, em cada tempo e lugar, diferentes grupos e sociedades definem o que é “ser jovem” e o que
esperar de suas juventudes. Na concepção das sociedades clássicas greco-romanas, a juventude se referia a uma
idade entre os 22 e os 40 anos. Juvenis vem de aeoum, cujo significado etimológico é “aquele que está em plena
força da idade”. Naquela cultura, a deusa grega Juventa era evocada justamente nas cerimônias do dia em que os
mancebos (adolescentes) trocavam a roupa simples pela toga, tornando-se cidadãos de pleno direito. Na sociedade
moderna, não há consenso em torno dos exatos limites de idade que devem vigorar para definir quem é jovem1,
1 O parâmetro mais usado é a faixa de 15 a 24 anos, definição da Organização Internacional da Juventude, mas no
conjunto há países que antecipam ou prolongam esta faixa etária. No Brasil a lei 11129 de 30/06/2005 - que cria a
Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude e o ProJovem -, estabelece a faixa etária de 15 a 29
anos. No Brasil, como se verá no decorrer deste texto, atualmente, há pesquisas que consideram de 15 a 24 anos e outras
de 15 até 29 anos.
FICTV/MAIS CULTURA • 4
mas a juventude é compreendida como um tempo de construção de identidades e de definição de projetos de
futuro. É vista como tempo de “moratória social”, “etapa de transição”, em que os indivíduos processam sua
inserção nas diversas dimensões da vida social: responsabilidade com família própria, inserção no mundo do
trabalho, exercício de direitos e deveres de cidadania.
Há quem diga que, desde a metade do século XX, de maneira geral, os jovens são disputados por forças
antagônicas que resultam em tanto em críticas e quanto em adesões à chamada “sociedade de consumo”. Segundo
Ribeiro (2004), o cineasta francês Jean Luc Godard , em seu filme Made in U.S.A., sintetizou muito bem essas duas
vias ao chamar os jovens parisienses dos anos 60 “de filhos de Marx e da Coca-Cola”. Ou seja, uma parcela da
juventude dos anos 60 evocou a idéia de revolução e aderiu aos ícones mais radicais como Guevara, Mao Tse-
Tung, Ho Chi Minh. Mas, foi nesta mesma época que a juventude se tornou destinatária por excelência dos
anúncios e propagandas indispensáveis na sociedade de consumo, da coca-cola.
Entre os jovens contestadores do “sistema” sempre existiram diferentes vias políticas, artísticas e de
estilos de vida. Sergio Balardini (2000) lembra que os jovens dos anos 60 e 70 navegaram entre a radicalização
política e a contracultura, em suas próprias palavras “entre el Che y el ‘submarino amarillo’ dos Beatles. Os
hippies, que pregavam “paz e amor” foram contemporâneos dos jovens que se envolveram em ações armadas
para contestar as ditaduras latino americanas.
Com todas estas possibilidades, o tema mobiliza razões e emoções. Determinados conceitos e preconceitos são
sempre acionados – consciente ou inconscientemente – falar sobre a juventude2. Se as definições de juventude
também são produtos culturais, elas também não estão isentas de contradições históricas. A rigor, os jovens são
disputados pelas mesmas correntes de pensamentos e alternativas de vida presentes na sociedade como um todo.
Mas, as generalizações fazem desaparecer diferenciações internas na juventude. Elas revelam projeções pessimistas
ou otimistas em relação o futuro da sociedade. A partir daí, constroem-se os estereótipos.
• Mitos
Há alguns anos atrás, Cecília Braslavsky (1986)– estudiosa sobre as questões juvenis na Argentina –
identificou os três mitos mais comuns que são acionados para definir a juventude que poderiam ser assim
atualizados:
• “o m ito da ju ventude dourada” – “Ser jovem” é ter tempo livre para lazer, gozar o ócio, cultivar
o corpo, ser beneficiário de um período de “moratória social” sem angústia ou responsabilidades.
Deste ponto de vista, todos os jovens seriam despreocupados ou só se mobilizariam em defesa
de próprios seus privilégios. Esta visão é alimentada pelos os meios de comunicação que
inculcam padrões estéticos e comercializam a “juvenização”. Através deste mito se identifica
todos os jovens de hoje com a parcela dos jovens socialmente privilegiados.
2 Sobre o assunto ver, entre outros, Novaes e Vannuchi, 2004.
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• “o mi to da juventude c i nza” – Deste ponto de vista, os jovens de hoje são desocupados,
delinqüentes, apáticos. Seriam depositários de todos os males da sociedade. Seriam a mais
perfeita expressão das leis da competitividade, da lógica do lucro, do cinismo da sociedade do
espetáculo. Deste prisma seriam “a desgraça e a ressaca da sociedade”. Vistos como “suspeitos”
(e se pobres e moradores de periferias violentas, são vistos como criminosos em potencial).
Vistos como apáticos e o mais evidente reflexo da crise da representação política. Mais
recentemente são vistos como seres “virtuais” que - sempre navegando - parecem estar cada vez
mais se descolados do mundo real, alheios a seus problemas e injustiças.
• “o mi to da ju ventude branca” : Neste mito só os jovens aparecem como personagens
maravilhosos e puros que podem salvar a humanidade. Olhados deste prisma, os jovens fariam o
que seus pais não quiseram ou não puderam fazer. Indignados frente às desigualdades sociais,
mas pertencentes a uma geração menos iluminista/racionalista, saberiam valorizar a diversidade
cultural. Sua maior virtude seria aliar ética com estética, em contraposição com os vícios políticos
das gerações anteriores. Superando visões limitadas de outras gerações, nesta juventude estaria
toda a criatividade, inventividade e energia da sociedade.
Menos antropocêntricos, buscam sustentabilidade sócio-ambiental não só para seu país, mas
para todo o planeta. Superando visões limitadas de outras gerações, nesta juventude estaria toda a criatividade,
inventividade e energia da sociedade.
Certamente na descrição de cada um destes mitos aparecem aspectos que estão presentes nas experiências
de vida dos jovens de hoje. Tais aspectos convivem na sociedade atual e também em suas juventudes douradas,
cinzas, brancas, e de outras tantas cores.... Em cada tempo e lugar são muitas as juventudes entre elas sempre
existem adesões ao estabelecido e territórios de resistências e de criatividade.
• Projeções
Contudo, um passado idealizado se manifesta quando falamos da “juventude de hoje”. De maneira geral,
os jovens de hoje são vistos como mais alienados e desinteressados em questões sociais e políticas que as gerações
anteriores. Não são apenas (ex-) militantes que – ao comentar pesquisas de opinião sobre percepções, valores e
comportamentos eleitorais dos jovens – evocam a “geração 1968”. A nostalgia do passado conta com a
cumplicidade de muitos profissionais dos meios de comunicação (e até de seus céticos editores).
Talvez pelas dificuldades para comentar resultados de pesquisas quantitativas sobre juventude, que hoje se
multiplicam, várias reportagens da imprensa lançam mão de comparações via registros históricos e de
depoimentos da “geração 68”. Ou seja, como não há informações do mesmo tipo de pesquisa sobre gerações
passadas, compara-se respostas de pesquisas obtidas por meio de amostras representativas com a memória social
do movimento estudantil. Como se sabe, os bravos militantes do movimento estudantil não representavam
estatisticamente os jovens daquela época, até mesmo porque o acesso à vida universitária era bastante restrito.
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Mas, por este caminho, se conclui pelo distanciamento dos jovens das questões sociais e da participação política.
Compara-se, assim, uma minoria do passado com a totalidade dos jovens do presente.
Por outro lado, nas interpretações de pesquisas em que se conclui que “os jovens de hoje não participam”, “não
acreditam na política”, “são conservadores”, são “de direita”3 também não se faz uma comparação sistemática
entre as respostas dos jovens com as respostas dadas às mesmas questões por outras faixas etárias. O que seria
importante para precisar o quanto os fenômenos analisados são extensivos a toda à população ou são específicos a
determinadas faixas da população. Como se sabe, a desqualificação da política e dos políticos feita pelos jovens
está associada às percepções mais gerais que povoam a sociedade. Talvez entre os jovens haja uma descrença mais
aguda. Mas, neste caso, só a comparação com as respostas dos adultos - de diferentes graus de escolaridade e
níveis de renda – poderia revelar o quanto e como as mudanças gerais nas percepções da política repercutem em
diferentes segmentos juvenis e em suas diferenciadas trajetórias de vida.
No entanto, e contraditoriamente, não é exagero afirmar que a sociedade contemporânea é
“juventudocêntrica”. Seu valor simbólico positivo se expressa através da valorização da beleza, da saúde, da
coragem, da capacidade de indignação, como a expressão do bem. Por um lado, todos querem permanecer jovens.
Fisicamente, procura-se adiar o envelhecimento. Mentalmente, busca-se permanecer “jovem de espírito”. Mas, por
outro lado, a “juventude” também é vista como o lugar privilegiado para a expressão de todo mal estar social.
Provoca inquietações e evoca “problemas sociais” tais como violência, ócio, desperdício e irresponsabilidade. No
âmbito profissional ou no tocante à participação nos processos de tomada de decisão – inclusive nas esferas
políticas – ser jovem é residir em um incômodo estado de devir, justificado socialmente como estágio de
imaturidade, impulsividade e rebeldia exacerbada.
Nos meios de comunicação, como sabemos, estas imagens convivem. Via de regra, em lugares diferentes
da grade de programação. Na publicidade e nas novelas estão os belos e saudáveis, os alegres e despreocupados
que oferecem um modelo de vida ao qual, na realidade, poucos têm acesso. Nos noticiários os jovens
(principalmente das classes populares) aparecem sempre como desordeiros e violentos, envolvidos com
comportamentos de riscos.
Enfim, para compreender a juventude em sua diversidade é preciso ultrapassar tanto o entendimento de
que a juventude é uma faixa-etária problemática (onde só se destacam aos “problemas da juventude de hoje”,
enunciados em termos de gravidez precoce, as drogas e a violência.) quanto, também, evitar a idealização da
juventude como a única protagonista de mudanças sociais, em uma nova interpretação heróica de seu papel
mítico.
2- Juven tude b ras i l e i ra: um jo go de e spe l hos
A metáfora do jogo de espelhos foi utilizada inicialmente por Foracchi (1972) em um livro que trata
especificamente do movimento estudantil da época. Podemos retomá-la hoje para compreender o jogo dinâmico
3 Pesquisa recente do Instituto Data Folha, foi anunciada na Folha de São Paulo (5 de julho de 2008) através da seguinte
chamada: “Os jovens são de direita e só pensam em coisas materiais”, os comentários remetem à 68 e pouco falam
sobre outros grupos etários que compõem a sociedade de hoje. Ver no site da Folha outras informações sobre a pesquisa.
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entre um espelho retrovisor (no qual diferentes segmentos juvenis espelham a sociedade brasileira com todas
suas características), e um espelho agigantador (que evidencia as marcas geracionais que incidem sobre as
trajetórias de vida dos jovens do século XXI). Vejamos.
2.1 Espel ho Ret rov iso r
Segundo projeções do IBGE, em 2006, os jovens brasileiros entre 15 e 29 anos somavam 51,1 milhões de
pessoas, o que correspondia a 27,4% da população total. Tomando este conjunto, á é lugar comum falar em
“juventudes”, no plural. Entre os jovens vamos encontrar as contradições presentes na sociedade brasileira4. A
condição juvenil é vivida de forma desigual e diversa em função da origem social; dos níveis de renda; das
disparidades sócio-econômicas entre campo e cidade, entre regiões do mesmo país. Além disto, a vivência da
condição juvenil é também diferenciada em função de desigualdades de gênero, de preconceitos e discriminações
que atingem diversas etnias. Mas isto ainda não é tudo. Os jovens de hoje também se diferenciam em termos de
orientação sexual, gosto musical, pertencimentos associativos, religiosos, políticos, de galeras, de turmas, de
grupos e de torcidas organizadas. Estes últimos demarcadores de identidades podem aproximar jovens
socialmente separados ou separar jovens socialmente próximos.
Mas há ainda outras desigualdades que se expressam particularmente na vida urbana. No Brasil, e pelo
mundo afora, existem hoje jovens que são vistos com preconceito por morarem em áreas pobres classificadas
como violentas. Com diversos nomes, topografias e histórias, as periferias são - via de regra - marcadas pela
presença das armas de fogo. São elas que sustentam tanto a tirania do narcotráfico quanto a truculência policial. A
resposta à pergunta “onde você mora?” pode ser decisiva na trajetória de vida de um jovem. A “discriminação por
endereço” restringe o acesso à educação, ao trabalho e ao lazer dos jovens que vivem nas favelas e comunidades
caracterizadas pela precária presença (ou ausência) do poder público.
Em resumo, podemos dizer que diferentes segmentos juvenis formam um complexo caleidoscópio no qual se
entrelaçam indicadores sociais reveladores. Desigualdades sociais, retro alimentadas por determinados
preconceitos e discriminações, produzem distintos graus de vulnerabilidade juvenil.
2.2 Espel ho a gi gan tador
Porém, com todas estas diferenciações internas, o que haveria de comum entre os jovens de épocas diversas?
Certamente a dimensão biológica (os hormônios, a adrenalina, o corpo jovem), favorece a predisposição para a
aventura e as representações de força e vitalidade motivando a ousadia de arriscadas práticas juvenis. Mas, para
além do aspecto biológico, e apesar dos abismos sociais existentes, “ser jovem” em um mesmo tempo histórico é
viver uma experiência geracional comum5. Em tempos de exacerbada tensão entre o local e o global, aprofundam-
4 Ver Anexo 1
5 O conceito de geração remete ao momento histórico em que se foi e se é socializado. Remete ás marcas históricas e ao
imaginário social dominante no momento em que se vive a juventude.
FICTV/MAIS CULTURA • 8
se as transformações no mercado de trabalho e os fenômenos relacionados com a violência que atingem de
maneira particular os jovens.
• “Medo de sobrar”: um lugar em um mercado de trabalho restritivo e mutante.
Vejamos informações recentes, divulgadas pela Organização Internacional do trabalho (OIT)6.
• A taxa de desemprego entre 15 a 24 anos era de 17,8% e dos adultos, 5,6%.
O desemprego de jovens tem maior incidência para o sexo feminino, para a etnia negra a população urbana.
• O desemprego entre os homens jovens era de 13,8% e 23% entre as mulheres da mesma faixa etária.
• Na área rural, o desemprego atingia 7,1% dos jovens trabalhadores.
• Nas áreas urbanas não-metropolitanas o desemprego crescia para 17,5% e 24,8% nas áreas metropolitanas.
Os jovens são, no Brasil, as principais vítimas da precariedade do mercado de trabalho informal.
• Em 2006, 31,4% dos jovens ocupados eram empregados sem carteiras, contra 14,1% de adultos na mesma situação.
• Do total das jovens ocupadas entre 15 e 24 anos, 14,8% eram trabalhadoras domésticas sem
carteira assinada. E 11,6% das mulheres adultas trabalhavam na mesma situação.
• A taxa de informalidade entre eles afeta 60,5% dos jovens trabalhadores ocupados. Embora as
mulheres apresentem informalidade superior a dos homens, a maior desigualdade prevalece em termos de cor, raça e etnia e local de moradia.
• De acordo com o mesmo relatório, a probabilidade de um jovem com até quatro anos de estudo
estar no setor informal é o dobro daquela prevalecente para uma pessoa de 15 a 24 anos com 12 anos ou mais de estudo.
Sem dúvida, são os jovens mais pobres que são os mais atingidos pelo processo de
desestruturação/flexibilização/precarização das relações de trabalho. Porém, é preciso afirmar que não é tão
simples dizer que os jovens trabalham apenas por necessidades materiais. Nesta fase da vida busca-se – também -
condições para viver a condição juvenil, buscando emancipação. Na pesquisa IBASE/POLIS, indagados sobre os
principais conceitos associados ao trabalho, em suas respostas (múltiplas) os jovens indicaram: necessidade (64%);
independência (55%), crescimento (47%); auto -realização (29%). Ou seja, entrelaçam-se motivações para o
trabalho juvenil.
Sem desconhecer as diferenças em termos de econômicos, podemos dizer que uma das características deste
nosso tempo é que os jovens de diferentes classes sociais partilhem alguns sentimentos e temores comuns em
relação ao seu futuro profissional. Vivemos em um tempo de grandes mudanças tecnológicas. A cada dia se
6 Ver http://www.oit.org.pe/prejal
FICTV/MAIS CULTURA • 9
sepultam velhas profissões e inventam novas. Frente a um mundo do trabalho restritivo e mutante, o
desemprego, às rápidas mudanças tecnológicas dissemina-se o “medo de sob ra r”.
• “Medo de morrer”: a realidade do narcotráfico, das armas de fogo e das polícias.
As taxas de mortalidade da população brasileira - como um todo - vêm progressivamente decrescendo. Porém,
entre os jovens não se observa o mesmo7. Segundo o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Sistema
único de Saúde (SUS):
• As mortes por homicídio entre brasileiros de 15 a 29 anos passaram
da média anual de 27.496 no período de 1999-2001 para 28.273 no período de 2003-2005.
• Estas mortes vitimam mais homens (cerca de 93% das vítimas de homicídio), sobretudo
concentrando-se no grupo de 18 a 24 anos. Um levantamento realizado pelo Ministério da Justiça com ocorrências registradas elas polícias civis dos
estados indica que, em 2005:
• O grupo de 18 a 24 anos foi a maior vítima de homicídios dolosos (47,41 das ocorrências por 100 mil habitantes);
• O grupo de 18 a 24 anos também foi a maior vítima de: lesões corporais dolosas; tentativas de
homicídio; extorsão mediante seqüestro, roubo a transeunte.
• O grupo de 25 a 29 aparecem como as maiores vítimas de furtos a transeuntes e de roubo de veículos;
• O grupo de jovens adolescente, até 17 anos, foram as maiores vítimas de estupro e atentado
violento ao pudor. Outras informações demonstram que os jovens não figuram apenas como vítimas, mas também com autores
da violência. Vários autores têm se dedicado a pensar a equação juventude e criminalidade. Algumas respostas
explicam através da crescente exclusão social em uma sociedade de apelo consumista; outras enfatizam a busca de
visibilidade e reconhecimento frente processos de segregação social. Questões de afirmação de poder e da
masculinidade guerreira também aparecem como pistas para a compreensão do uso de armas, sobretudo pelos
jovens moradores das periferias urbanas, ou das violências provocadas pelas torcidas organizadas de futebol.
Nestas perspectivas, a violência juvenil deve ser vista em suas relações com a estrutura e os valores dominantes na
sociedade em que vivem os jovens.
Do nosso ponto de vista, a explicação deve ser buscada na inédita conjugação entre três fatores: a) a
proliferação de armas de fogo que obedece aos interesses da indústria bélica nacional e internacional b) a
existência de territórios dominados por traficantes de drogas locais que devem ser entendidos como pontos de
7 Segundo o DENATRAN em 2006, os jovens entre 18 e 29 anos 26,5% das vítimas fatais
(contra 40,9% para o grupo de 30 a 59 anos).
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uma rede bem mais complexa que constitui hoje o narcotráfico internacional e c) a violência e corrupção das
policias, despreparadas para lidar com a juventude. Os jovens sempre manifestam suas contradições com a
polícia: se são de classe média reclamam que são “achacados”, se são pobres se dizem sempre suspeitos e sujeitos
a vários tipos de humilhações.
É na conjugação destes três fatores que os jovens convivem com a morte prematura de pares (irmãos,
primos, vizinhos e amigos) e entre eles se espalha o “medo de morrer” prematuramente e de forma violenta.
• Inseguranças compartilhadas: sentimento de desconexão em um mundo conectado
No presente momento histórico a tensão local-global se manifesta no mundo de maneira contundente: nunca
houve tanta integração globalizada e, ao mesmo tempo, nunca foram tão profundos os sentimentos de
desconexão e agudos os processos de exclusão. Sem qualquer paralelo em relação a outras gerações, em um
mundo sem fortes ideologias, os jovens de hoje se deparam com múltiplas evidencias da degradação sócio-
ambiental e com o aumento dos abismos sociais. Como projetar o futuro tendo à frente a um elevado grau de
incerteza sobre os caminhos para a inserção no mundo do trabalho?
Medos (de sobrar e de morrer) somados a inseguranças advindas de processos de desterritorialização e novos
fluxos migratórios e, ainda, às inseguranças advindas das questões ecológicas (traduzidas na expressão
“aquecimento global”) produzem também entre os jovens desta geração um i néd i to se nt imento d e des conexão
em um mundo te c no logi cament e co nec t ado .
O ineditismo de tais sentimentos fica evidente quando analisamos as mudanças nos padrões de transição para
a vida adulta.
2.3- Transiç ões pa ra a vi da adul ta: novo s pad rões e múl t ip l as t ra je tó ri as ju ven is .
Como se sabe, a concepção moderna de juventude tornou a escolaridade uma etapa intrínseca da passagem
para a maturidade. Já a partir das transformações do século XVIII e, sobretudo, após a segunda guerra mundial,
“estar na escola” passou a definir a condição juvenil. Idealmente, o retardamento da entrada dos jovens no mundo
do trabalho, garantiria melhor passagem para a vida adulta.
Na prática, esta “passagem” não aconteceu no mesmo ritmo e modalidades em diferentes países e no interior
de distintas classes sociais de um mesmo país. Amplos contingentes juvenis de famílias pobres deixam a escola e
se incorporam prematura e precariamente no mercado de trabalho informal e/ou experimentam desocupação
prolongada. Em outras palavras, pequenas minorias de jovens vivenciam a desejada “moratória social”, enquanto a
grande maioria deles encurta a infância e, ao começar a trabalhar, antecipa a idade adulta.
Contudo, de maneira geral, podemos dizer que este padrão linear e previsível – cada vez mais – tem sido
questionado pela realidade dos jovens de hoje. Como vimos hoje jovens - de todas as classes e situações sociais -
expressam insegurança e angústias ao falar das expectativas em relação ao futuro.
Os jovens sabem que os certificados escolares são imprescindíveis. Mas sabem também que o diploma não é
garantia de inserção produtiva condizente aos diferentes níveis de escolaridade atingida.
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Frente à globalização dos mercados, redesenha-se o mundo do trabalho. Como já foi dito acima, rápidas
transformações econômicas e tecnológicas se refletem no mercado de trabalho precarizando relações, provocando
mutações, modificando especializações e sepultando carreiras profissionais. O que coloca a constante necessidade
de re- qualificação , e atualização profissional.
No que diz respeito aos/às jovens das classes C, D e E, é importante destacar: eles e elas fazem parte de
uma geração que convive com a imprevisibilidade, com situações intermediárias, reversíveis e coincidentes. Se no
padrão anterior os jovens dos setores populares interrompiam os estudos e entravam “para sempre” no mercado
de trabalho, hoje na trajetória de jovens de todas as classes sociais podem estar presentes várias entradas e saídas
tanto no sistema educativo quanto no mercado de trabalho. Neste sentido, não se pode falar em um único padrão
de transição e sim na convivência de várias modalidades de transição para a vida adulta (Camarano, 2006).
Pensando nos/nas jovens pertencentes às classes C, D e E podemos falar em lógicas diversas, seqüências
múltiplas e não lineares, novos estilos e maneiras de entrar na vida adulta.
3- Traje tór ias ju venis : po l í t i ca , re l i g i ão e cul t ura
De maneira geral podemos dizer que os/as jovens de hoje enfrentam enormes dificuldades de ingresso e
permanência no mercado de trabalho; representam o contingente populacional mais atingido pelas distintas
formas de violência; têm acesso restrito aos bens culturais; não têm assegurado o direito a uma educação de
qualidade e não recebem tratamento adequado no tocante às políticas públicas de saúde e lazer. Porém, entre
jovens surgem novos territórios de resistência e criatividade.
Em um tempo em que se coloca a necessidade de construir uma nova cultura em torno do trabalho,
recuperando sua dimensão realizadora, jovens destacam-se em pequenos negócios, trabalho cooperativo e
associativo, atuação remunerada em organizações do Terceiro Setor, ocupações sociais. Neste contexto, surge
também uma (re)valorização da ocupação rural (agrícola ou não-agrícola) e de novas profissões que surgem nas
áreas do turismo, esporte, arte e cultura. Em alguns espaços sociais o conceito de Economia Solidária é utilizado
para revalorizar ocupações e criar novas alternativas de inserção produtiva distinguindo-as da lógica tradicional do
mercado de trabalho assalariado.
Em meio às inúmeras contradições atuais surgem novas pontes de comunicação entre jovens de distintas
classes sociais. Maria Rita Kehl (2004) lembra que a imagem do jovem consumidor, difundida pela publicidade e
pela televisão, se oferece à identificação de todas as classes sociais, mesmo que poucos sejam capazes de consumir
todos os produtos. Por outro lado, lembra a mesma autora, no Brasil, em certos espaços, cresce, também, o
número dos adolescentes críticos, de classe média, que adotam as roupas, a gíria, a música, a estética da favela, das
periferias. A psicanalista aponta para o que há de positivo nesse “outro tipo de consumismo” que questiona
distâncias sociais. Masa não podemos deixar de notar que surgem daí novas contradições. Kehl se indaga, até que
ponto – para além da busca de justiça – a identificação dos meninos da elite com a estética dos excluídos resulta
em identificação com a violência, com a estética da criminalidade, com a espetacularização do mal? Não há
respostas fáceis para questões como esta. É preciso compreender melhor os efeitos da chamada “estética da
periferia”.
FICTV/MAIS CULTURA • 12
3.1 -Part i c i pação : mudanças na f ace so c i al dos g rupos que se mobi l i zam
A pesquisa do IBASE em parceria com o Instituto Polis (Juventude Brasileira e Democracia, 2005) mostra
que a participação em grupos é uma experiência vivida por 28,1% dos jovens entrevistados. O aumento da idade
parece apontar para a diminuição do potencial ou mesmo o aumento das dificuldades objetivas para a agregação
juvenil, independentemente das motivações para a formação de grupos. Ainda segundo a pesquisa, os jovens de
maior poder aquisitivo (classes A/B) participam mais de grupos (33,5%), seguidos pelos jovens da classe C
(28,2%) e D/E (24,0%).
Já o estudo Juventudes Brasileiras (2006) da UNESCO analisando os tipos de organização a qual os
jovens declararam estar associados, aponta que 81,1% envolvem-se ou envolveram-se em associações de caráter
religioso; 23,6% em associações do tipo organizacional (esportiva, ecológica, cultural, artística, assistencial); 18,7%
de caráter corporativo (trabalhista, estudantil); e 3,3% em organizações partidárias. Segundo esta pesquisa, a
primeira que entrevistou jovens de 15 a 29 anos, são 27,3% os jovens brasileiros que participam ou já participaram
de alguma organização social, o que representa em termos absolutos aproximadamente 13 milhões de jovens.
Com efeito, como lembra Helena Abramo (1997), não por acaso atualmente é muito mais diversificada a face
social dos jovens que se mobilizam. Se até os anos 70 os atores juvenis estavam restritos aos jovens estudantes de
classes médias, hoje, várias dessas formas de movimentação que vemos surgir se fazem entre jovens dos mais
distintos setores sociais.
Nos setores populares urbanos e rurais, proliferam hoje grupos e co lóg i cos 8. Neste cenário, antigas questões
relacionadas ao lixo urbano ganham outra conotação por meio da chave de leitura ecológica que introduz a
“reciclagem” no vocabulário político. Assim como, clássicas questões sobre os impasses da pequena produção
agrícola frente a processos de concentração de terras ganham novas conotações frente a grupos de jovens em
defesa da “sustentabilidade sócio-ambiental”, que flexibiliza as fronteiras entre as agendas de jovens rurais e
urbanos.
Nos g rupos re l ig io sos também há novidades. As igrejas cristãs, principalmente a Igreja Católica e as
evangélicas classificadas como progressistas, sempre foram no Brasil e em alguns outros países da América do sul,
um celeiro de quadros políticos. Pode-se dizer que isto ainda existe. Mas, ao lado deste fenômeno, registram-se
outras ligações entre religiosidade e participação social. A própria causa ecológica é produtora de uma peculiar
espiritualidade que motiva a militância social entre jovens. Porém, diferentemente do que acontecia em outras
gerações, cada vez é mais difícil generalizar sobre a equação pertencimento religioso x, y, z e atitude política x,y,z..
Por exemplo, o crescimento pentecostal entre os jovens moradores de áreas pobres e violentas não pode ser visto
simplesmente como “a” causa de sua não participação política. Tal adesão precisa ser compreendida tanto no
contexto de um campo religioso plural e competitivo, quanto no quadro da exclusão social e violência que
engrendra pertencimentos religiosos com repercussões políticas. Enfim, nas “Campanhas pela Paz” tão atuais no
século XXI, encontram-se jovens de diferentes pertencimentos religiosos e “jovens religiosos sem religião”, isto é
que tem afirmam crenças e valores religiosos mas não tem pertencimento institucional .
8 Conferir Nações Unidas 2003 e Carvalho, 2004.
FICTV/MAIS CULTURA • 13
Também vale a pena falar dos g rupos de af i rmação de ident i dad es . Devedores de lutas sociais de outras
gerações, grupos de jovens mulheres; de jovens indígenas (ou de povos originários como se diz na América
Latina); de jovens negros/as; de jovens com deficiência, de jovens que se reúnem e torno da livre orientação
sexual trazem suas demandas geracionais para dentro de seus próprios movimentos e para a sociedade. Jovens
mulheres, por exemplo, falam em tripla jornada (trabalho fora/trabalho doméstico e estudo). Jovens indígenas
demandam novas tecnologias de informação. Jovens de distintas orientações sexuais denunciam tratamento
desigual no sistema preventivo de saúde.
Por outro lado, grupos juvenis se aproximam das agendas “cont ra a global i zação” ou “po r uma out ra
global ização” via conexões internacionais, expressas nos encontros de Seatle, Gênova e nas ações ‘contra-
cúpulas’, o Fórum Social Mundial, a Ação Global dos Povos, os Encuentros Intergalácticos dos Zapatistas, etc...
também pautam grupos de jovens. Em uma das vertentes conhecidas, estes temas geraram o conceito de “nova
geração política” pensado como substituto do termo juventude que estaria desgastado tanto no mundo capitalista
(consumo) como no da militância política (progressista) por sua dependência e atrelamento aos quadros
partidários existentes9.
Em uma outra vertente, podemos destacar os g rupos cul tu ra is . São grupos que, por meio de ritmos, gestos,
rituais e palavras, instituem sentidos, negociam significados, buscam visibilidade pública, disputam adesões de
jovens. No Brasil, a literatura tem registrado grupos de jovens voltados para esportes, para rádios comunitárias,
para o teatro, a dança e variados estilos musicais (rock, punk, heavy metal, reggae, hip hop, funk, entre outros).
Inventam e reinventam estilos que se tornam formas de expressão e comunicação. Funcionam como articuladores
de identidades e se tornam referências na elaboração de projetos individuais e coletivos. Independentes lançando
mão de recursos materiais e simbólicos próprios ou incentivados por mediadores (das Igrejas, agências
internacionais ou organizações não governamentais e fundações locais) suas ações imediatas visam transformar as
chamadas “comunidades locais”. Como sabemos, nos anos 60 uma espécie de “arte engajada” se colocava à
disposição das causas do movimento estudantil, das lutas sindicais e políticas, hoje os chamados “grupos culturais”
levam suas expressões artísticas diretamente ao espaço público provocando repercussões políticas.
Desta forma, novas combinações temáticas e de formas organizacionais têm se traduzido em disposições
éticas e ações concretas em diferentes espaços dos quais participam jovens. Grupos ambientalistas, religiosos,
identitários, culturais, questionadores do modelo atual de globalização cada vez mais,- por iniciativa própria o
apoiados por projetos sociais governamentais e não governamentais - se articulam em espaços geograficamente
mais amplos seja para realizar intercâmbios, seja para participar de articulações e mobilizações ligadas às suas
específicas áreas de atuação; seja para participar de Campanhas e mobilizações ligadas a interesses/direitos mais
amplos da sociedade em que vivem. Movimentam-se no espaço público, aqui compreendido como lugar onde se
explicitam pontos de vista, posicionamentos políticos, projetos de sociedade. Lócus de encontro entre sociedade
9 Ver IBASE/POLIS, 2008, particularmente no que diz respeito à analise do Acampamento internacional da Juventude, durante várias
edições do Fórum Social Mundial.
FICTV/MAIS CULTURA • 14
civil e Estado, a idéia de espaço público pressupõe disputa e negociação cujos resultados incidem sobre
instituições sociais e governos.
De fato, diversificaram-se os grupos juvenis e as possibilidades de ação coletiva. Hoje o movimento
estudantil não é mais o único e mais legítimo porta voz da juventude e nem a vida política se resume aos
sindicatos e partidos. Mas isto significa que assistimos hoje decadência do movimento estudantil, das
juventudes partidárias e dos departamentos juvenis das organizações sindicais? Uma vez mais, faltam estatísticas e
séries históricas que permitam comprovar ou questionar qualquer comparação quantitativa sobre participação
juvenil. No entanto, mesmo sem poder falar em quantidades, é importante atentar para o aspecto relacional e
refletir sobre a atual configuração de atores juvenis.
A despeito de todas as dificuldades inerentes às instituições hierárquicas - como Partidos e Centrais Sindicais-
, observa-se uma crescente valorização dos departamentos juvenis. Estas organizações - que muitas vezes sofrem
de problemas de distanciamento das bases, de representatividade e inovação na linguagem e formas de atuação-,
tem esforçado para incorporar em sua agenda novos temas e formas de mobilização para se aproximar das
questões dos jovens de hoje. Sem ter monopólios da representação juvenil, jovens estudantes, sindicalistas e de
partidos políticos se engajam em Campanhas temáticas, na formação de Conselhos de Juventude e em outros
espaços de expressão de interesses de jovens convivendo com grupos culturais, religiosos, esportivos,
ambientalistas, de direitos humanos, de voluntariado, etc....
Sem dúvida, esta “convivência” nem sempre é pacífica. Em muitos momentos, há concorrências (não só
ideológicas, mas também de finalidade e estilo) e desqualificações mútuas. Via de regra, no momento das disputas,
os organizados são chamados de “manipuladores” e os jovens de grupos religiosos de “assistencialistas”, e de
ONGs ou culturais são chamados de “despolitizados”. Porém, se atentamos para as histórias de vida dos jovens,
percebemos que tais fronteiras hoje são bem menos rígidas.
As passagens de um tipo de grupo para outro e participações simultâneas fazem parte das trajetórias de jovens
brasileiros. Segundo registros de pesquisa por mim realizada, vejamos quatro trajetórias possíveis:
(a) Maria é uma jovem de 19 anos, moradora de uma favela, que começou como beneficiária de um Projeto
Governamental, voltado para questões de gênero, por aí se aproximou de uma “rede de gênero” e de uma ONG,
hoje faz parte de um “coletivo de gênero” de um Partido político.
(b) José é jovem, branco, de 21 anos que está na militância pela livre orientação sexual e que já participou de uma
Ong ambientalista, de grupos de Igreja Católica, do Sindicato dos Bancários e já esteve próximo da juventude
partidária.
(c) Isaias jovem negro, de 24 anos, filiado ao PT, pertence à Assembléia de Deus, grupo evangélico pentecostal e,
através de uma agência de cooperação internacional visitou Angola participando de uma rede de diáspora africana.
(d) João, ou DJX, começou no Sindicalismo, hoje é visto como um jovem do movimento Hip hop que atua em
Projetos voltados para Jovens apoiados por uma Fundação Social, ligada a uma importante empresa brasileira.
Salada mista? Ou oportunidade para a renovação dos espaços tradicionais da política? Não há respostas fáceis
para esta questão. Via de regra, as comparações entre a política, a juventude e a sociedade civil ideal (como as coisas
deveriam ser) com a vida real (como as coisas são) não são muito reveladoras. É preciso encontrar instrumentos de
pesquisa que revelem matizes e modulações.
FICTV/MAIS CULTURA • 15
3.2 Pe rtenc imen tos e valore s re l i g io sos : novas es co l has e combinaçõ es
No Brasil, com a diminuição da transferência religiosa inter- geracional do catolicismo, amplia- se o número de
famílias multi- religiosas e o número de jovens que fazem suas escolhas religiosas pessoais.
População Jovem segundo Religião, Brasil, 2004.
Religião N % Católica 31.649.346 66,2% Protestante 8.978.085 18,8% Espírita 683.244 1,4% Outras 678.482 1,4% É religioso, mas não segue nenhuma 3.798.506 7,9% Ateu, não tem religião 1.911.223 4,0% Não sabe/não opinou 133.785 0,3% Total 47.832.671 100,0% FONTE: Pesquisa “Juventudes Brasileiras”. UNESCO, 2004. Distribuição da População Jovem segundo a Religião, por Classe Socioeconômica, Brasil, 2004.
Classe Socioeconômica Religião Classe A/B Classe C Classe D/E
FONTE: Pesquisa “Juventude e Juventudes: o que une e o que separa”. UNESCO, 2004. Solicitou-se ao jovem: “Como você definiria o seu conhecimento sobre informática? Você diria que:”
Especificamente em relação aos jovens dados da pesquisa da UNESCO (Juventudes Brasileiras, 2006)
mostram que a maior parte dos jovens brasileiros de 15 a 29 anos (58,3%) não sabe usar o computador. Destes os
mais velhos são os mais afetados pelo “analfabetismo digital”, sendo 71% de 27 a 29 anos, 62,8% de 24 a 26,
55,6% de 21 a 23, 52% de 18 a 20 e, finalmente, 53,4% de 15 a 17 anos. Entre os que estão aprendendo a usar o
computador agora, 5,7% estão na faixa dos 15 a 17 anos e somente 1,6% entre os 27 e os 29 anos. Isso corrobora
a noção que o acesso e o domínio no uso dos computadores ocorrem mais freqüentemente entre os mais novos e
em menor escala para os mais velhos.
Sobre a finalidade do uso da internet os jovens declararam que os usos mais comuns são: ajuda nas tarefas
escolares (37,5% dos respondentes), seguido por envio de e-mails (36,5%), acesso a páginas de interesse
específico (31,8%), notícias (31,7%), fazer amizades (18,4%) e procura por emprego (15,7%) entre outras.
É preciso reconhecer que mesmo em um cenário de aumento de desigualdades sociais - diferenças de
renda, de gênero, de raça, etnia, local de moradia e de estilos pessoais - no dia-a-dia não é impossível que grupos
de jovens socialmente distantes tenham acesso às mesmas informações sobre determinados assuntos. A despeito
de todas as desigualdades de acesso e diferenças de uso, a existência da internet não pode ser desconsiderada na
análise da participação juvenil. Sem dúvidas, estamos longe de uma “democracia de informações”. No entanto, as
novas tecnologias se fazem presentes nos espaços agregação juvenil, nas “lan houses” que proliferam nas favelas e
periferias.
FICTV/MAIS CULTURA • 19
Comunicação e identidades culturais em rede: Em tempos de internet, as “redes juvenis” são meios para
dinamizar o que já está constituído e, também, têm funcionado como ponto de partida para a construção de
novos espaços de comunicação, identificação e ação. Um bom exemplo são os sites hip hop” que atravessam o
mundo. Além de divulgar seus respectivos trabalhos artísticos (de rap, break e grafite), este expediente é visto
como uma forma de afirmar a “cultura hip hop”, com seus símbolos, convicções e causas. Existem Portais mais
abrangentes nos quais a mensagem da primeira página sempre relacionada à origem urbana e periférica do Hip
Hop e seu poder de transformação social. Outros sites votados para grupos específicos que destacam sua origem e
idéias “combativas”, com “atitude”, em geral, críticas à sociedade branca e excludente. Encontramos também sites
de Projetos sociais voltados para jovens que utilizam o Hip Hop como metodologia de trabalho para intervir na
sociedade. Em todos os casos, o meio digital é fundamental para a relação entre a experiência local e a identidade
que a ultrapassa.
Utopias e Tecnologias: Podemos dizer que, entre jovens, utopias igualitárias se combinam com tecnologias
digitais. Não por acaso, na interface entre as desejadas melhorias do sistema escolar e a qualificação voltada para a
inserção produtiva surge a demanda por inclusão digital. No âmbito da participação social de jovens, as NTICs se
tornam instrumentos úteis para a circulação de informações e para alimentar pertencimentos. Este é o caso do
envolvimento de grupos de jovens na defesa do software livre (programa de código aberto) que significa dar
liberdade para os usuários (as) para executar, copiar, distribuir, estudar, modificar e aperfeiçoar o Programa.
Por outro lado, é preciso sublinhar, que expedientes virtuais, vinculados às novas tecnologias de informação,
também estão presentes no mundo da política. A recente pesquisa Juventude e Integração da América do Sul,
coordenada pelo IBASE/POLIS10, ouvindo cerca de 850 entrevistados em seis diferentes da América do Sul,
destacou a usos recentes das novas tecnologias de informação e comunicação. Tais como: assembléias por
Internet; blogs, fotologs, páginas pessoais, fóruns de discussão com temas específicos; torpedos de celular para
comunicação entre participantes, celulares usados para registro de manifestações, entre outras. Instrumentos de
organização, de registro de atividades, de disseminação das demandas e mobilização, tais tecnologias foram citados
entre os(as) jovens organizados(as) que – em moldes contemporâneos – reinventam utopias (compreendidas
como sonhos mobilizadores) por meio de inéditas conjugações entre demandas imediatas e questões mais gerais,
via de regra amalgamadas por meio das idéias força como sustentabilidade socio-ambiental e direitos humanos.
• Juventudes: acessos às artes, uso do tempo livre e circuitos de movimentação.
As práticas de lazer e de ocupação do tempo livre vêm ocupando um lugar cada vez mais central no processo
de construção das identidades coletivas e individuais dos jovens. Atividades de lazer e cultura tornam-se agencias
de socialização convivendo com instituições sociais clássicas, como a família e a escola, no processo de formação
das identidades juvenis (com suas aspirações, angustias e dilemas). As formas de ocupação do tempo livre com
práticas de lazer e cultura articulam os jovens em torno de grupos.
10
Ver IBASE/POLIS , 2008, onde se apresentam seis demandas para a Construção de uma Agenda Comum.
FICTV/MAIS CULTURA • 20
Com o florescimento de uma indústria cultural e de um mercado de consumo voltado especificamente para o
segmento jovem da população, os jovens passaram a criar estilos próprios que se revestiram em modas, locais de
lazer, músicas, revistas e formas variadas de entretenimento que ajudam a construir uma imagem particular de ser
jovem.
Atitudes e escolhas em termos de gênero de música que preferem ouvir, o tipo de programa televisivo que
preferem assistir, os locais em que costumam ser reunir com os amigos, o que mais gostam de fazer, definem
maneiras de ser jovem.
Vejamos as informações oferecidas pela Pesquisa da UNESCO (Juventudes Brasileiras, 2006)
• É no espaço doméstico que os jovens reservam boa parte do seu tempo livre para obter e
processar as informações. É em casa que eles ouvem música, lêem livros, estudam, usam
computador e, sobretudo, assistem televisão. Ainda que novas tecnologias, progressivamente,
venham ocupando um maior espaço, a televisão aberta ainda é a mais importante fonte de lazer
e de informação para a maioria dos jovens brasileiros. Para ocupar o tempo livre em casa, 35%
deles preferem assistir televisão, 17,6% preferem ouvir música, 11,1% descansar e 7,4% ler
livros. 6,3% afirmaram preferir fazer a limpeza da casa e 4,1% estudar.
• Quando estão fora de casa, 15,3% dos jovens afirmaram que preferem reunir-se com os amigos
na hora de ocupar seu tempo livre fora de casa; 12,3% afirmaram que preferem praticar esporte,
9,1% dançar, 8,9% ir a festas e 8,3% ir a bares. A rua ou o bairro é o local onde 35,1% dos
jovens brasileiros costumam se reunir com os amigos. 30% costumam se reunir na casa de algum
dos amigos, 24,2% em casa, 21,4% em algum bar, boteco ou discoteca e 20,8% na praça. 13,8%
afirmaram que, habitualmente, reúnem-se com os amigos na escola, 10,9% na igreja e 7,8% em
áreas esportivas.
• Por volta de 3/4 dos jovens brasileiros costumam nunca ir a teatros ou museus. Quase a metade
costuma nunca ir ao cinema, a bibliotecas ou estádios e ginásios esportivos. 39,1% costumam
nunca ir a um clube, 27,6% a shows e 21,8% a bailes e festas. A porcentagem dos jovens que
tem como hábito sempre freqüentar teatros ou museus é muito baixa (1,5% para teatros e 1,2%
para museus); 10,1% costumam ir sempre ao cinema, 10,6% a bibliotecas, 11,9% a estádios e
ginásios esportivos e 13,4% a clubes. Essa porcentagem se eleva ligeiramente chegando a 16,6%
de jovens que vão sempre a shows, e atinge seu valor máximo com 25,3% de jovens que sempre
freqüentam bailes e festas.
• Entre os jovens, 21,4% nunca lêem livros, 22% nunca lêem revistas, 29,5% costumam nunca ler
jornais e 49,2% costumam nunca ler revistas em quadrinhos. Por outro lado, 18,1% costumam
sempre ler jornais, 7,7% costumam sempre ler revistas em quadrinhos, 19,6% ler revistas e
21,9% sempre lêem livros. A respeito da quantidade de livros lidos por aqueles que costumam
ler, independentemente da freqüência que o fazem, 16,8% afirmaram que nos últimos 12 meses
FICTV/MAIS CULTURA • 21
não leram nenhum livro. 14,3% afirmaram que leram apenas um livro nos últimos 12 meses,
16,5% leram 2 livros, 13,1% leram 3 livros e 12,4% leram 9 livros ou mais.
• 95,7% dos jovens afirmaram que costuma assistir televisão e a grande maioria (81,1%) afirmou
que assiste todos os dias. 4,6% afirmaram que assistem praticamente todos os dias (de 5 a 6
vezes por semana) e 3,3% afirmaram que raramente assistem televisão. Quase 1/3 dos jovens
brasileiros apontaram como sendo as novelas o seu programa predileto. 19% preferem assistir
filmes, 18,1% noticiários informativos (jornais) e 11,8% programas esportivos.
Como podemos ver estas informações revelam questões de acesso Ainda são poucas as ofertas (cinema,
teatro, música, cinema, dança, artes plásticas, novas mídias, etc.) e boa parte delas se localiza nas regiões centrais
de grandes cidades,
principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Não é por acaso que a demanda por equipamentos culturais é uma das
prioridades de grupos e movimentos juvenis.
Em contrapartida a escola poderia ser vista também como um espaço de fruição cultural. Porém, há muito a
ser aperfeiçoado no espaço escolar. O Conselho Nacional de Juventude assim se manifestou sobre o assunto:
“Faz-se, muitas vezes, política pobre, para pobres: há quadras, mas não há bolas; as aulas de dança são ofertadas por
voluntários, em chão esburacado; tem televisão, mas não tem vídeo nem DVD; não tem computador. Além disso, continua o
mesmo documento, o uso das escolas nos finais de semana acaba explicitando uma dicotomia entre a escola aberta à comunidade
e às suas manifestações culturais, nos fins de semana, e uma escola fechada (por portões e grades), durante a semana” (...) Essas
realidades precisam dialogar entre si. A escola e seu currículo erudito pode e deve abrir espaço para as manifestações populares e dos
jovens. Isso pode ampliar as possibilidades de aprendizagem e de incentivo a novas produções culturais”. (Conjuve 2006).
Por outro lado, ainda não temos estatísticas sobre o que se passa em nosso país em termos da chamada
“cultura de rua” e da produção cultural de jovens.
Em seu livro, Jovens na Metrópole, a antropólogo Magnani reúne dez estudos etnográficos feitos entre
rappers, skatistas, adeptos do hip-hop, pichadores e outras denominações juvenis. Os artigos indicam que periferia
“há propostas de lazer muito interessantes e até baratas. Como o skatismo”. O autor destaca que na estação
Conceição do metrô de São Paulo, seus alunos pesquisaram um fenômeno interessantíssimo: jovens descendentes
de japoneses fazem street dance, dividindo espaço com jovens negros de periferia, que dançam break. Ali se
encontram, se olham, se estranham e trocam experiências. Na Barra Funda, um bairro paulistano de classe média
baixa, os pesquisadores verificaram o jeito que as crianças dos cortiços inventaram para ir, em relativa segurança,
rumo a um decaído centro desportivo da região, onde fazem atividades: elas vão em bando, com uma educadora,
cantando alto e chamando a atenção das pessoas, porque perceberam que assim a travessia é mais segura. Elas
negociaram com a metrópole.
FICTV/MAIS CULTURA • 22
Em entrevista ao Estado de São Paulo, Magnani afirma por que não gosta de utilizar o conceito de “tribo”.
Segundo ele “trata-se de uma metáfora equivocada. Na etnologia indígena, tribo é a representação de uma grande
aliança, ao passo que nos estudos de metrópole, o conceito tem sido usado de modo restritivo. Tribo vira algo
menor, sinônimo de grupo fragmentado, com freqüência relacionado à violência. Para o autor, sempre é melhor
falar em circuitos de jovens - e como é interessante analisar os mapas de sua movimentação! (...)
Resta saber como estes novos fenômenos culturais se relacionam com as trajetórias juvenis no que diz
respeito à sociabilidade e à inserção produtiva . Ou seja, do meu ponto de vista, quando falamos em juventude das
classes C,D e E não basta sairmos da ênfase da violência para a ênfase da cultura. É preciso ir além. Falar em
cultura é valorizar a diversidade das expressões artísticas, é promover de acessos à fruição e à produção cultural,
mas é também enfrentar as disputas que dizem respeito a valores e sentidos de vida. Neste sentido, formuladores e
gestores de políticas públicas deveriam estar atentos para ampliar a noção de cultura e ingressar na disputa de
imagens sociais, de sentidos, de valores, de vínculos societários entre os jovens de hoje.
Nota final:
A juventude é a fase da vida mais marcada por ambivalências provocadas pela convivência contraditória
entre a subordinação à família e à sociedade e as expectativas de emancipação, sempre em choque e negociação.
Ser jovem hoje é estar imerso – por origem e/ou por opção – em uma multiplicidade de identidades,
posições e vivências. Porém, para além das desigualdades e diversidades presentes entre os/as jovens, torna-se
possível pensar juventudes, no plural, sem abrir mão de reconhecer sentimentos geracionais comuns, e assim
buscar sua singularidade neste momento histórico.
Neste sentido, é fundamental que os jovens das classes C e D sejam vistos a partir da ótica da geração a
que pertencem. Isto é, como parte integrante de uma geração que está sendo desafiada a reinventar as formas e os
sentidos de “estar no mundo”.
Está em curso um processo que vem provocando questionamentos e modulações nas imagens
dominantes que a sociedade constrói sobre os sujeitos jovens. E - como a linguagem não é apenas um veículo,
mas é também construtora da realidade social- , podemos apostar que a cultura (em suas expressões artísticas e
formas de comunicação) poderá jogar um papel ativo para o nascimento de novas percepções e experimentações
sociais que respondam a necessidades e aspirações dos/das jovens de hoje.
Para tanto, a cooperação inter-geracional é fundamental. Por isto é importante encontrar expedientes que
desafiem jovens e adultos a promover transformações em trajetórias juvenis e na sociedade. Considerando o
peso da teledramaturgia nos hábitos de entretenimento dos brasileiros e, também, considerando a (quase) ausência
de programação televisiva com temas, enfoques e linguagem condizentes com este segmento juvenil, podemos
apostar nesta via como um potencial mecanismo questionador de estereótipos e desencadeador de debate
público.
FICTV/MAIS CULTURA • 23
Referências Bibliográficas
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FICTV/MAIS CULTURA • 24
ANEXO 1: Renda, Cor/ raça, trabalho e escolaridade: informações de diferentes pesquisas
RENDA De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar - PNAD/IBGE, realizada em 2003, mostram que dos 34 milhões de jovens de 15 a 24 anos, 4,2 milhões (12,2%) viviam em famílias com renda per capita de até de salário mínimo; 6,8 milhões (20,1%) em famílias com renda per capita entre e salário mínimo; 9 milhões (26,4%) em famílias com renda per capita entre e 1 salário mínimo; e 4,1 milhões (41,3%) em famílias com renda per capita acima de 1 salário mínimo.
COR/RAÇA
Segundo dados da PNAD 2004, para a população jovem de 15 a 29 anos, 48,8% se declaram brancos, 44,6%
pardos, 6% se declaram pretos, 0,3% amarelos e 0,2% se declaram indígenas.
Cor ou raça N % Indígena 94.887 0,2 Branca 24.231.921 48,8 Preta 2.991.217 6 Amarela 172.404 0,3 Parda 2.2168.353 44,6 Sem declaração 3980 0 Total 49.662.762 100
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar, 2004.
Segundo dados de pesquisa recente – 2008 - da Organização Internacional do Trabalho (OIT)11:
A juventude brasileira está concentrada, predominantemente, em áreas urbanas. Em 2006, do total de 34,7 milhões de jovens entre 15 e 24 anos, 28,9 milhões (83,3%) moravam em áreas urbanas e 5,8 milhões (16,7%) encontravam-se no campo.
A desigualdade educacional também persiste entre esses jovens: apenas 1,4% dos jovens rurais tinha 12
anos de estudo ou mais. Esse percentual atingia 9,8 dos jovens das cidades.
As desigualdades regionais também pesam. A taxa de analfabetismo entre os jovens era, em 2006, de 0,9% na região Sul e 5,3% no Nordeste.
Enquanto 39,7% dos jovens negros tinham de cinco a oito anos de estudo, o número cai para 29,5%
quando se trata de brancos com mesmo período de escolaridade. Mais de 13% dos brancos tinham 12 anos ou mais de estudo. Esse número cai para 3,7% entre os negros. O estudo considerou como população negra o total de pessoas pardas e pretas.
11
Ver http://www.oit.org.pe/prejal
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Seguem informações sobre: Distribuição de jovens segundo curso que freqüentam por faixas etárias, Brasil, 2004.
Faixa etária Curso que freqüenta
15 a 17 18 a 24 25 a 29 Total
3.710.748 1.212.830 215.471 5.139.049 Fundamental Regular 42,2% 15,7% 11,6% 27,9%