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dossi
Resumo O presente artigo analisa as aes civis pbli-cas propostas
em relao s usinas hidreltri-cas de Belo Monte, Jirau e Santo
Antnio, to-das na Amaznia brasileira. Os dados levan-tados permitem
expor e analisar o contexto de propositura das ACP, bem como as
deman-das que as originaram. Os resultados mos-tram que o
licenciamento ambiental tem sido deficitrio no controle e mitigao
de impac-tos sociais. A maior parte das demandas judi-ciais est
relacionada s irregularidades do procedimento do licenciamento,
principal-mente em relao participao das popula-es impactadas,
qualidade e abrangncia dos estudos de impacto ambiental e de
viabi-lidade ambiental e ao cumprimento de condi-cionantes das
licenas afetando de vrias formas populaes vulnerveis. Dessa forma,
discusses que ocorreriam no mbito do li-cenciamento ambiental esto
sendo desloca-das para o Judicirio. Nos pronunciamentos dados pelos
magistrados, nos casos conside-rados, tm preponderado a no
interveno do Judicirio nas decises tomadas pelos r-gos
licenciadores do Executivo.
PalavRas-chave Licenciamento ambiental. Judicializao. Aes civis
pblicas. Impactos sociais. Hi-dreltricas. Amaznia.
abstRact The paper analyses all the legal actions pro-posed in
relation to the hydroelectric power plants of Belo Monte, Jirau and
Santo Anto-nio in the Amazonia. Through the analysis of judicial
claims, it is possible to expose and analyse its context, as well
as the social demands that it have originated. The majori-ty of the
judicial demands tend to relate to non-compliance of licensing
requirements severely affecting vulnerable social groups.
Therefore, discussions and decisions that should occur within the
licensing procedure are being transferred to the Judiciary.
Main-ly, the judges have decided not to intervene in the decisions
taken by the licensing agen-cies (which are part of the Executive
Bran-ch). These decisions are based on the absen-ce of proof of the
impacts (which refers to the presumption of legality of the
adminis-trative acts) and on the perception of the ju-dges that
they should not intervene in public policy issues.
KeywoRdsEnvironmental licensing. Judicialization. Judicial
claims. Social impacts. Hydroelec-tric dams. Amazon.
Flvia Silva Scabin Nelson Novaes Pedroso Junior
Jlia Cortez da Cunha Cruz
Judicializao de grandes empreendimentos no brasil: uma viso
sobre os impactos da instalao de usinas hidreltricas em populaes
locais na amaznia
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130 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
1 Introduo
O licenciamento ambiental constitui um dos principais
instrumentos para a consecuo da Poltica Nacional do Meio Ambiente
(Lei 6.938/81), funcionando como uma das formas de controle da
or-dem econmica, ao adequ-la defesa do meio ambiente (BENJAMIN,
1992). Seu principal objetivo a preveno do dano ambiental, o que
significa no apenas a escolha pela interveno que comprova-damente
cause menos impacto, mas tam-bm a adoo de medidas mitigadoras dos
impactos ambientais causados.
Trata-se de um procedimento adminis-trativo requerido para a
implantao, am-pliao e operao de empreendimentos potencialmente
causadores de degradao ambiental e que, em vista dos princpios
adotados pela legislao ambiental e ad-ministrativa, deve se
realizar por meio da transparncia quanto aos efeitos ambien-tais de
um determinado projeto; consulta aos interessados e s decises
administrati-vas informadas e motivadas.
Na prtica, so diversos os seus desafios, dada a falta de
informaes sobre o Brasil, a ausncia de clareza sobre a competncia
dos entes federados e sobre o papel de cada ator social no
licenciamento ambiental, as-sim como sobre o que espera a lei ao
definir um conceito de impacto ambiental que vai alm da proteo das
florestas e inclui o bem estar da populao.
No caso de grandes empreendimentos, o cumprimento das obrigaes
relaciona-das aos impactos nas populaes locais um dos principais
desafios (FEARNSIDE, 1989, 2001; TEIXEIRA et al., 2012). Isso, por
diferentes razes, que incluem a falta de capacidade tcnica dos rgos
licencia-dores para lidar com a dimenso humana, a
baixa efetividade dos mecanismos de parti-cipao e a elaborao de
diagnsticos in-capazes de garantir a proteo dos direitos das
populaes impactadas.
Assim, cada vez mais as discusses en-volvendo grandes
empreendimentos e suas relaes com o desenvolvimento local tm sido
levadas ao Poder Judicirio, fazendo com que este se debruce sobre a
avalia-o de impactos nas populaes locais e as medidas de mitigao e
compensao decididas no contexto do licenciamento ambiental desses
projetos. Nesse sentido, o Ministrio Pblico tem desempenhado um
papel ativo por meio de recomendaes ao rgo licenciador e da
propositura de aes judiciais que buscam garantir os direitos de
populaes locais.
O presente artigo visa compreender as razes da judicializao no
caso dos pro-cessos de licenciamento ambiental de gran-des projetos
hidreltricos, com o objetivo de identificar em quais circunstncias
se entende que o licenciamento no capaz de cumprir seus propsitos.
Foram consi-deradas todas as aes civis pblicas (ACP) propostas para
as hidreltricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antnio, desde a sua
concepo at abril de 2014. No foram consideradas as aes judiciais
propostas que no as civis pblicas, como as traba-lhistas isso
porque as ACP renem em si a qualidade de representar uma
coletividade, alm de serem o instrumento judicial mais utilizado na
defesa dos direitos das popu-laes inseridas nas reas de influncia
dos projetos analisados.
A partir da anlise de casos judicializados, o presente estudo
considera (i) se h momen-tos do processo de licenciamento ambiental
em que a judicializao mais frequente; (ii) o contedo das questes
colocadas ao Judi-cirio; (iii) a capacidade da judicializao de
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Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 131
impactar as decises tomadas no mbito do licenciamento e (iv) das
razes do Judicirio para tomar suas decises.
A anlise dos dados levantados apre-sentada em trs etapas: na
primeira, feita uma breve contextualizao do licencia-mento
ambiental de usinas hidreltricas na Amaznia; na segunda, analisado
o licenciamento ambiental das hidreltricas de Belo Monte, Jirau e
Santo Antnio, com nfase nos conflitos socioambientais e na
judicializao dos trs casos por meio de aes civis pblicas; na
terceira, reali-zada anlise das decises dadas s aes, incluindo a
discusso da capacidade do ju-dicirio em lidar com conflitos sociais
no resolvidos no mbito do processo adminis-trativo do
licenciamento.
2 licenciamento de hidreltricas
O crescimento da economia brasileira, intensificado nas ltimas
duas dcadas, um dos responsveis pelo aumento gra-dual da demanda de
energia no pas. Sem conseguir expandir a capacidade instalada na
mesma proporo que o consumo de energia aumenta, o setor eltrico tem
sido apontado como um gargalo em potencial do crescimento econmico,
situao agra-vada aps a crise de energia que ocorreu em 2001 no pas.
Para atender crescente demanda energtica, uma srie de medidas vem
sendo tomadas, desde reformas regu-latrias e criao da Empresa de
Energia Eltrica (EPE) at a concepo de projetos de produo
energtica.
Atualmente, a energia eltrica no Brasil provm predominantemente
da sua matriz hdrica. De acordo com o mais recente Pla-no Decenal
de Expanso de Energia (BRA-SIL, 2013), a hidroeletricidade se
manter predominante dentre as diversas fontes de gerao, com expanso
direcionada princi-palmente ao aproveitamento hidreltrico na regio
amaznica. Alm das usinas hidrel-tricas j instaladas e em operao na
regio, outras vm sendo construdas ou planejadas. Ainda segundo o
Plano Decenal (BRASIL, 2013), s na regio amaznica est previs-ta a
concluso da construo de oito usinas hidreltricas at 2018, sendo
elas Jirau, Coli-der, Ferreira Gomes, Belo Monte, Teles Pires,
Salto Apiacs, Cachoeira Caldeiro e Sinop. J para o perodo de 2018 a
2022 so previs-tas mais nove usinas na regio: So Manoel, So Luiz do
Tapajs, Jatob, Tabajara, Cas-tanheira, Bem Querer, Salto Augusto
Baixo, So Simo Alto e Marab (BRASIL, 2013).1
De acordo com o relatrio do Banco Mundial (2008), problemas
durante o licen-ciamento ambiental de projetos hidreltri-cos no
Brasil tm causado a impossibilida-de de sua implantao de forma
previsvel e dentro de prazos razoveis. A m qualidade dos estudos de
impacto ambiental (EIA) e da sua respectiva avaliao, a falta de um
sistema adequado para resoluo de con-flitos, a ausncia de regras
claras para a compensao social e a carncia de profis-sionais da rea
social no rgo ambiental federal so alguns dos principais problemas
no licenciamento de hidreltricas aponta-dos no relatrio (BANCO
MUNDIAL, 2008).
1. O presente artigo parte do cenrio atual de predominncia da
energia hidreltrica no Brasil para anali-sar a judicializao de
grandes projetos hidreltricos na Amaznia. No faz, pois, uma crtica
aos mode-los energticos adotados, limitando-se a analisar as
consequncias negativas dessas escolhas quando so levadas ao
judicirio. Para anlises mais abrangentes e crticas da produo
energtica no Brasil, ver Gol-demberg e Moreira (2005), Goldemberg e
Lucon (2007), Sachs (2007) e Tolmasquim (2012).
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132 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
Apesar das novas tecnologias e da in-troduo de instrumentos
particulares aplicveis a projetos hidreltricos, confli-tos
decorrentes de impactos causados por esse tipo de empreendimento,
sobretudo em relao s populaes locais, tm sido frequentes, em
especial na Amaznia (BER-MANN, 2013; FEARNSIDE, 2014; FONSE-CA,
2013; LAMONTAGNE, 2010; NASCI-MENTO, 2010; WERNER, 2010). O
relatrio do Comit Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (CDDPH, 2010), apresentado aps quatro anos de anlise
da construo de barragens hidrel-tricas no Brasil, aponta que
violaes aos direitos das populaes do entorno tm sido recorrentes
durante a implementao de barragens, causando o aumento das
de-sigualdades sociais e da pobreza.
Em virtude de impactos como estes, a so-ciedade civil vem se
organizando para rea-gir e lutar contra problemas que deveriam ter
sido evitados e mitigados por meio do licenciamento. O Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB) foi formado a partir deste
processo, destacando-se por ser um movimento social construdo
diretamente pelas populaes impactadas. Neste senti-do, tambm se
destaca o Movimento Xingu Vivo, coletivo de organizaes e
movimen-tos sociais das regies impactadas pela Hi-dreltrica de Belo
Monte. Alm disso, uma srie de Organizaes No Governamentais (ONGs)
nacionais e internacionais tambm vm se juntando mobilizao, como o
Instituto Socioambiental (ISA), Amigos da Terra, International
Rivers, Greenpea-ce, World Wide Fund for Nature, Amazon Watch,
dentre outros.
3 o licenciamento ambiental de belo monte, Jirau e santo antonio
e os conflitos decorrentes
3.1 histrico dos projetos e do licenciamento
As usinas de Jirau e Santo Antnio constituem o complexo
hidreltrico e hi-drovirio do Rio Madeira, uma das princi-pais obras
do Plano de Acelerao do Cres-cimento (PAC) do governo federal.
Ambas se localizam em Rondnia, sendo Santo Antnio a mais prxima da
capital Porto Velho, 7 km rio acima, e Jirau mais 136 km a
montante. De acordo com relatrio pro-duzido por Amigos da Terra e
Bank Track (2008), o processo de licenciamento am-biental das duas
usinas tem sido extrema-mente controverso, com forte interveno
poltica e pareceres tcnicos contraditrios sobre a viabilidade e os
riscos socioam-bientais inerentes ao projeto. Parte desses riscos
diz respeito aos impactos causados s diversas populaes indgenas e
ribeirinhas inseridas nas reas de influncia dos proje-tos, alm da
capital Porto Velho.
Em 2003, foi solicitada a abertura do processo de licenciamento
das duas usi-nas. No ano seguinte, o Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA) emitiu Termo de
Refe-rncia (TR) para o EIA que, elaborado para atestar a
viabilidade das duas usinas de for-ma integrada, foi protocolado no
IBAMA em maio de 2005. Quase dois anos depois, em 3 de maro de
2007, o IBAMA emitiu o Parecer Tcnico n. 014/2007 atestando a
inviabilidade ambiental do empreendimento e a insuficincia do
estudo de impacto am-biental elaborado, recomendando, dessa for-ma,
a no concesso da licena prvia (LP) e a necessidade de estudos
complementares.
Contrariando o parecer elaborado pelos tcnicos do IBAMA, quatro
meses depois, em 9 de julho de 2007, o mesmo rgo emi-tiu LP vlida
para as duas usinas. O restan-
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Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 133
te do processo de licenciamento seguiu de forma separada para
cada usina. Em 13 de novembro de 2008, o IBAMA emitiu a li-cena de
instalao (LI) de Jirau e, em 19 de outubro de 2012, a sua licena de
operao (LO). No caso da UHE de Santo Antnio, em 13 de agosto de
2008 o IBAMA emitiu a LI, a qual foi retificada no dia 18 do mesmo
ms, e em 14 de setembro de 2011 emitiu a LO.
A Usina Hidreltrica de Belo Monte est localizada na regio
conhecida como Volta Grande do Xingu, no Par, prxima ci-dade de
Altamira e cuja rea de abrangn-cia inclui outros dez municpios. Alm
dos centros urbanos, existem na regio diversas populaes indgenas e
ribeirinhas. Estes locais esto integrados pela rodovia
Tran-samaznica e pelo prprio Rio Xingu, nos trechos em que
navegvel. Assim como as usinas do Rio Madeira, Belo Monte tam-bm
uma das principais obras do PAC do governo federal.
O projeto de aproveitamento do poten-cial hidreltrico do Rio
Xingu remonta d-cada de 1970. No incio da dcada de 1990, os estudos
para instalao da usina foram paralisados, devido presso poltica,
au-sncia de solues tcnicas viveis para o projeto e
indisponibilidade de recursos. O projeto s foi retomado em 1994,
com a apresentao Eletrobrs de uma nova verso que apresentava
melhorias do ponto de vista tcnico e ambiental, incluindo di-minuio
da rea inundada e no inunda-o das reas indgenas. Assim, passaram a
ser realizados novos estudos de viabili-dade para a usina. No
perodo dos apages do incio dos anos 2000, o governo federal tomou
diversas medidas emergenciais, com o objetivo de diminuir o dficit
energtico do pas, sendo uma delas a viabilizao de Belo Monte. Com
isso, a sociedade civil e o Ministrio Pblico retomaram a
mobili-
zao poltica contra Belo Monte, inclusive por meios
judiciais.
Em julho de 2005, a Cmara dos Depu-tados e o Senado aprovaram
Decreto Legis-lativo autorizando a Eletrobrs a completar os
estudos, sem que fossem consultadas populaes indgenas e locais. Aps
amplo trmite administrativo, em janeiro de 2011, o IBAMA concedeu a
LI para as instalaes provisrias de Belo Monte e, em junho, a LI
definitiva, quando iniciaram-se as obras civis. Vale ressaltar que
o financiamento da obra tem ligaes expressivas com o setor pblico.
Em 2012, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
(BNDES) aprovou financiamento de 22,5 bilhes destinados construo da
Usina, totalizando mais de dois teros do custo total da obra (que,
poca, estava estima-do em 28,9 bilhes). Embora o banco te-nha
estabelecido auditoria socioambiental independente para averiguar a
regularida-de socioambiental do projeto, o Ministrio Pblico Federal
tem buscado corresponsa-bilizar o BNDES pelos danos que possam ser
causados por projetos que financia. Por exemplo, em setembro de
2013, o MPF do Par entrou com ao civil pblica, atri-buindo a
corresponsabilidade do banco por impactos negativos que porventura
ocor-ram aos ndios Xikrin pela falta de previso de impactos e
compensaes sobre o Rio Bacaj no EIA/RIMA.
3.2 Judicializao das usinas de belo monte, Jirau e santo
antnio
Diversas aes judiciais tm sido pro-postas contra a construo de
grandes empreendimentos no Brasil. Nos casos das Usinas de Santo
Antnio, Jirau e Belo Monte, grande parte dessas aes trata dos
impactos desses projetos s populaes lo-
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134 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
cais e questiona a ausncia de escuta pr-via queles que sofrero
impactos e sobre o cumprimento de condicionantes do li-cenciamento
ambiental que serviriam para mitigar e compensar esses impactos em
re-lao aos direitos das populaes afetadas. De alguma maneira, essas
aes questio-nam a forma como esses empreendimentos vm sendo
planejados e implantados no pas. Em que momentos a judicializao
mais frequente? Quais so suas causas e sua capacidade para alterar
decises toma-das no mbito do licenciamento?
Para responder a esses questionamentos, so analisadas, a seguir,
todas as aes ci-vis pblicas propostas nos casos das Usinas
Hidreltricas de Jirau, Santo Antnio e Belo Monte, totalizando
quarenta aes. Em rela-o a essas demandas judiciais, so analisa-das
as pessoas e instituies colocadas nos plos passivos, o momento de
proposio em considerao fase do licenciamento, seus objetos e
objetivos, alm da autopercepo do Judicirio em relao sua funo
quan-do se trata de intervir em processo de licen-ciamento de
grandes empreendimentos.
Com o objetivo de identificar as razes pelas quais ocorre a
judicializao, as de-mandas judiciais foram classificadas em
demandas sociais, ambientais e procedi-mentais. Para separar as
questes sociais das ambientais, foi utilizada a conceituao de
impacto ambiental da Resoluo Conse-lho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) 01/1986. De acordo com essa resoluo, o impacto ambiental
consiste em alterao das propriedades fsicas, qumicas e biol-gicas
do meio ambiente, causada por qual-quer forma de matria ou energia
resultante das atividades humanas que, direta ou indi-retamente
afetam: (i) a sade, a segurana e o bem-estar da populao; (ii) as
ativida-des sociais e econmicas; (iii) a biota; (iv)
as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; (v) a
qualidade dos recursos am-bientais. Apesar de todas essas condies
se fazerem sentir nas comunidades locais, a enumerao apresentada
permite distinguir os impactos relacionados sua condio
socioeconmica (i e ii) daqueles que diro respeito s alteraes das
qualidades fsicas do meio-ambiente (iii, iv e v). As demandas
procedimentais, por sua vez, dizem respei-to a questionamentos
relacionados forma como se realizou o licenciamento. Todas essas
demandas podem ser formuladas em termos de direitos, o que
legitimaria sua discusso pelo Judicirio.
Apesar de as alteraes provocadas ao meio ambiente serem muitas
vezes sinr-gicas ou apresentarem-se conjuntamente, a classificao
entre as trs categorias per-mite identificar para que tipo de
questes o Judicirio identificado como espao de interlocuo
alternativamente ao proces-so de licenciamento ambiental. Com isso,
evidencia-se para que situaes o procedi-mento do licenciamento
percebido como insuficiente ou deficitrio.
3.2.1 objetivos e demandas das acP
Das quarenta ACP analisadas, todas dizem respeito direta ou
indiretamente ao processo de licenciamento ambiental das usinas. Na
maioria, a relao entre a viola-o de direitos e o licenciamento
ambiental direta e questiona a falha na execuo de algum
procedimento do licenciamento, seja por impacto ou ameaa de impacto
sobre componentes ambientais e/ou sociais locais decorrentes das
obras civis ou da operao das usinas. A minoria relaciona-se de
for-ma indireta com o licenciamento, como o caso da ao n.
25997-08.2010.4.01.3900, referente a Belo Monte, que embora pea
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Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 135
a nulidade da LP emitida para a usina, apresenta como motivao a
falta de re-gulamentao da explorao de recursos hdricos em terras
indgenas, exigida pela Constituio Federal.
Demandas de cunho social foram as mais frequentes (n=26),
enquanto onze tra-tavam de algum aspecto exclusivamente ambiental,
e as demais (n=9) diziam respei-to principalmente a algum
procedimento do licenciamento ou deste derivado. Como exemplo desse
ltimo grupo, possvel ci-tar a realizao de estudos de viabilidade
ambiental sem termo de referncia anterior, associao irregular com
entidade privada para elaborao do EIA, concluso do EIA sem avaliao
ambiental integrada finali-zada, mudana de local do projeto aps a
concluso do EIA, aplicao dos recursos de compensao ambiental,
dentre outros.
Dos procedimentos do licenciamento re-lacionados aos aspectos
sociais e ambien-tais, o EIA um dos que mais geram aes em
decorrncia de deficincias e insuficin-cias dos estudos, incluindo
as consultas pblicas realizadas durante sua elaborao. O
descumprimento das condicionantes es-tabelecidas nas licenas tambm
gera um nmero significativo de aes, inclusive quando licenas so
emitidas sem o cum-primento total das condicionantes estipula-das
na licena anterior.
Das demandas sociais judicializadas, a mais frequente envolve a
insuficincia das audincias e consultas pblicas antes do Ter-mo de
Referncia (TR), durante os estudos socioambientais e aps a concluso
do EIA/RIMA, proposta majoritariamente durante a etapa preparatria
para obteno da LP. Aps a LP, o mais comum so aes decorrentes de
impactos sociais durante as obras civis e o cumprimento parcial ou
nulo de condicio-nantes voltadas compensao ou mitigao
de impactos sobre as populaes locais. Cabe mencionar o fato de
que as trs usinas pos-suem populaes indgenas nas suas reas de
influncia, responsveis pela totalidade ou parte das motivaes de
cunho social de doze das quarenta ACP, sendo doze de Belo Monte e
quatro de Santo Antnio, duas destas com-partilhadas com Jirau.
Dos pedidos formulados, os mais fre-quentes reclamam por
interferncia nas licenas (n=20), sendo que cinco deman-davam o
impedimento de novas licenas, nove a suspenso (1 todas, 3 LP, 4 LI
e 1 LO) e sete a nulidades das licenas existen-tes (4 de LP e 4 de
LI). Dos nove pedidos de suspenso de licena, um se estendia a
to-das as vigentes e trs se referiam LP, qua-tro LI e 1 LO.
Somam-se a essas os dois pedidos de nulidade e quatro de suspenso
de todo o processo de licenciamento.
A exigncia do cumprimento de condicio-nantes tambm bastante
frequente nas ACP analisadas: dos dez pedidos levantados com esse
fim, o que significa das aes propos-tas, um foi formulado de forma
abrangente e os demais se referiam a medidas especficas de
compensao/mitigao de impactos so-ciais, tais como a incluso de mais
um muni-cpio nas aes de compensao, a adequao de projetos de
reassentamento, a execuo de plano emergencial, a concluso de
cadastro socioeconmico, a realizao de regulariza-o fundiria, a
ampliao de criao de re-serva indgena e a elaborao de projeto para
construo de belvedere.
Os impactos decorrentes das obras ou da operao das usinas tambm
tm sido judicializados. Cinco pedidos foram formu-lados para
indenizar os contextos impacta-dos, sendo um referente ao meio
ambiente, um ao componente indgena especfico e trs ao social.
Destes, um tambm pediu a remoo imediata dos ribeirinhos
afetados
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136 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
pelo enchimento do reservatrio alm do previsto, e outro o
provimento das necessi-dades bsicas das populaes atingidas pe-las
cheias nas reas de influncia da Usinas Hidreltricas (UHE) de Santo
Antnio.
Os pedidos no se referem apenas s li-cenas, condicionantes e
indenizaes, mas tambm aos momentos anteriores obten-o da LP. Nesse
caso, o pedido mais fre-quente diz respeito complementao,
atualizao, reviso ou mesmo nulidade do EIA (n=6). Momentos ainda
mais iniciais do processo tambm motivam a proposio de ACP. Dos seis
pedidos levantados, dois deles exigem a declarao de ilegalidade da
reali-zao do EVA e um a nulidade do Inventrio Hidreltrico do Xingu.
Ainda que uma das principais razes para a judicializao seja a
deficincia e insuficincia de consulta e participao pblica durante o
processo de licenciamento, apenas uma destas aes re-ferentes aos
procedimentos iniciais trata da consulta s populaes indgenas
afetadas. J sobre os leiles, duas ACP pedem o im-pedimento de sua
realizao; uma, sua sus-penso e uma, a nulidade dos j
realizados.
Das obras previstas aps a obteno de LI, duas ACP pedem o
impedimento dessas; uma, a sua paralisao e duas, o impedi-mento da
elevao da cota do reservatrio. A preservao de bem histrico tambm
recorrente, motivando quatro pedidos das ACP analisadas.
3.2.2 momentos de proposio e os processos de licenciamento
Das quarenta ACP levantadas, mais da metade (n=23) foi proposta
durante a ins-talao do empreendimento, ou seja, aps a emisso da LI.
Belo Monte, a nica das trs usinas analisadas que ainda no obteve
LO, apresentou tambm uma quantidade relativa de ACP durante a
preparao dos estudos e procedimentos necessrios para a obteno de LP
(n=6). Santo Antnio e Jirau sofreram trs ACP de forma conjunta
nessa fase. Aps a LO, a maior incidncia de ACP foi propos-ta para
Santo Antnio (n=4) (Grfico 1). O maior perodo desde a obteno da LO
(quase 3 anos), a mudana nos nveis do reservatrio e as cheias de
2014 justificam esse dado.
Grfico 1 - momentos do licenciamento em que ocorrem a proposio
das acP
Antes da LP Aps LP Aps LI Aps LO
12
10
8
6
4
2
0
Belo Monte
Jirau
Santo Antnio
-
Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 137
Como apresentado anteriormente, parte das ACP proposta durante
as etapas que precedem a emisso da LP. Se observados os momentos do
processo de licenciamento aos quais as demandas das ACP se referem,
as etapas que precedem a emisso da LP
so ainda maiores, uma vez que parte das demandas das ACP
propostas em estgios posteriores do licenciamento referem-se aos
estudos e procedimentos necessrios para a obteno da primeira
licena.
Grfico 2 - momentos do processo de licenciamento aos quais as
demandas das acP se referem.
3.2.3 Plos passivos das aes
Levantar as instituies e pessoas que so colocadas com mais
frequncia no plo passivo das aes civis pblicas possibilita analisar
aqueles a quem mais comumente se imputa causar impactos ou sua
amea-a. Isso no significa que diferentes atores no possam ser
responsabilizados, o que se deve ao esquema de responsabilidade
ju-rdica adotado no Brasil (no caso de dano ambiental, a
responsabilidade solidria em relao a todos que, de alguma forma,
concorreram para a sua causa). Para Belo Monte, as 12 ACP aps a
emisso da LP
tiveram como polo passivo a Norte Ener-gia (n=11), empreendedora
do projeto. As 8 anteriores LP acionaram principalmente o IBAMA
(n=5), os proponentes do projeto e dos estudos de viabilidade, a
Eletronorte (n=4) e a Eletrobrs (n=6) (Grfico 3). Se consideradas
as 19 aes, o IBAMA, rgo executivo responsvel pelo licenciamento,
foi polo passivo de 57,9% das aes, en-quanto os
proponentes/empreendedores, agrupando aqui Eletrobrs, Eletronorte e
Norte Energia, foram acionados em todas (100%). O BNDES, principal
financiador do empreendimento, foi polo passivo de trs aes
(15,8%).
Belo Monte
Jirau
Santo Antnio
Antes
da LP
Aps
da LP
Aps
da LI
Aps
da LO
Comp
ensa
o
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
-
138 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
Grfico 3 - Polos passivos das acP analisadas
Para as usinas de Jirau e Santo An-tnio, foram propostas vinte e
uma ACP, sendo sete comuns s duas usinas, oito ex-clusivas para
Jirau e seis para Santo Ant-nio. Das quinze propostas para Jirau,
nove tiveram o IBAMA como um dos polos pas-sivos (60%) e sete a
Unio e a Energia Sus-tentvel (46,7%), empreendedora da usina
(Grfico 3). Das cinco primeiras ACP, pro-postas antes do leilo,
quatro acionaram a Central Furnas, proponente do projeto de Jirau.
Somando essas com as da Energia Sustentvel, so 11 (73,3%) as ACP
cujo plo passivo o proponente/empreen-dedor, equivalendo-se ao
IBAMA, rgo licenciador da UHE de Jirau. A Agncia
Nacional de Energia Eltrica (ANEEL) foi acionada em cinco aes
(33%), trs delas relacionadas ao leilo de concesso.
Os polos passivos das ACP da UHE San-to Antnio se assemelham s
de Jirau, mas com mais incidncia do IBAMA como um dos acionados,
sendo nove no total (69,2%). A Central Furnas (proponente) e a
Madei-ra Energia e a Santo Antnio Energia (em-preendedores),
juntas, so polo passivo de 11 das 13 aes (84,6%). Assim como para
Jirau, a Unio e a ANEEL tambm apare-cem de forma significativa como
polo pas-sivo, 38,5% e 30,8% em relao ao total de ACP,
respectivamente (Grfico 3).
Unio
Estad
o
Munic
pio
Agn
cia
Empre
ende
dor
Cons
trutor
Ibama
Interv
enien
te
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r
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Belo Monte
Jirau
Santo Antnio
Total
-
Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 139
4 as decises do judicirio: incapacidade em resolver conflitos
que o licenciamento tambm no consegue?
4.1 como decide o Judicirio?
A expanso do Poder Judicirio, que pode ser observada no apenas
pelo nme-ro crescente de processos de controle ju-dicial de decises
dos outros poderes, mas tambm pelo amplo escopo de temas
ana-lisados judicialmente, marca fundamental das sociedades
democrticas contempor-neas (TATE; VALLINDER, 1995).
Do ponto de vista do processo poltico, essa expanso potencializa
a transformao da jurisdio em parte integrante do pro-cesso de
formulao de polticas pblicas, ao mesmo tempo em que garante a todos
os cidados a capacidade de interpelar seus governantes, de tom-los
ao p da letra e de intim-los a respeitarem as promessas contidas na
lei (GARAPON, 2001, p. 49).
No propsito desse artigo investigar se o que chamado de expanso
do Judi-cirio positivo ou se caberia apenas s instncias da
democracia o benefcio de to-mar decises difceis. Fato que, no
Brasil,
sempre que qualquer ao, deciso ou po-ltica significar leso ou
ameaa de leso a direitos, o Judicirio poder ser acionado em
benefcio desses direitos2. Esse um di-reito ao qual a Constituio de
1988 atribui um estado diferenciado, de direito funda-mental, e que
se concretiza por um con-junto de instrumentos - como a defensoria
pblica, os juizados especiais etc. Aes ju-diciais podem ser
acionadas por qualquer indivduo, inclusive ante a possibilidade de
que direitos sejam violados, por meio de pedidos liminares.3
4.1.1 as liminares e a suspenso de segurana
No caso das UHE de Belo Monte, Santo Antnio e Jirau, o Judicirio
foi acionado quarenta vezes at maio de 2014. O pedido liminar foi
recurso utilizado em todos esses casos sob o argumento dos danos
irrevers-veis que as usinas trariam para o meio am-biente e
populaes locais.
No complexo do Rio Madeira, a liminar foi deferida em apenas
quatro casos. Entre-tanto, em todos eles, a medida foi suspensa por
meio de agravo de instrumento.4 J no
2. Nos termos da Constituio Federal de 1988, a lei no excluir da
apreciao do Poder Judicirio le-so ou ameaa a direito (art. 5,
XXXV).3. Em processo judicial, uma medida liminar deciso judicial
provisria, que se toma quando h a possibili-dade de ocorrer dano
grave ou irreparvel (periculum in mora) em decorrncia da demora da
deciso judicial, em casos em que a veracidade dos fundamentos
invocados (fumus boni juris) pelo requerente notria. Nos termos do
Cdigo de Processo Civil, Lei n 5.869/1973, o pedido liminar vem
regulado da seguinte forma: Art. 273. O juiz poder, a requerimento
da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
preten-dida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequvoca, se convena da verossimilhana da alegao e: I - haja
fundado receio de dano irreparvel ou de difcil reparao; ou II -
fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propsito protelatrio do ru.4. O agravo de instrumento um mecanismo
processual estabelecido pelo cdigo de processo civil para
questionar decises interlocutrias ou seja, decises judiciais
proferidas durante o curso do processo, que no do uma soluo final
controvrsia, As decises liminares, como so apenas decises
preliminares no revestidas de carter definitivo, podem ser
questionadas por meio deste recurso. Em relao s usinas do Rio
Madeira, a ferramenta do agravo de instrumento foi sucessivamente
utilizada para retirar os efei-
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140 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
caso de Belo Monte, a situao distinta. Das dezenove aes
analisadas, em doze casos, o juzo de primeira instncia defe-riu
pedido de medida liminar. Entretanto, destas doze liminares, oito
tiveram seus efeitos suspensos seja por meio de ao de suspenso de
segurana5 ou por agravo de instrumento. Das quatro aes restan-tes,
trs ainda no foram apreciadas pelo Tribunal. Ou seja, manteve-se um
provi-mento liminar em apenas um caso - o pri-meiro, que tratava da
necessidade de lici-tao. So duas as razes para que, apesar de muito
utilizado, o pedido liminar no perdure. Um deles a utilizao de
recur-sos judiciais, como o caso do agravo de instrumento e dos
embargos de declarao, que tm a suspenso de efeitos com um de seus
atributos. Nos outros casos, os efeitos da liminar so suspensos com
a utilizao de Suspenso de Segurana, que pode ser utilizada pelo
Poder Pblico nos casos em que as liminares possam causar grave leso
ordem, sade, segurana e econo-mia pblicas. Assim, diante da
concesso de uma medida liminar a favor do Mi-nistrio Pblico
Federal, a Unio e os de-mais entes pblicos envolvidos adotaram
a prtica de interpor perante o Tribunal Regional Federal um
pedido de suspenso de seus efeitos. Desta forma, estabelece-se meio
de controle sobre decises que afetam o Poder Pblico. No caso da UHE
de Belo Monte, este controle exercido de modo a garantir a
continuidade dos trabalhos quando liminares de primeira instncia
de-terminam sua paralisao.
Dentre as aes civis pblicas analisa-das, houve seis casos em que
o deferimento de medidas liminares levou interposio de aes de
suspenso de segurana. A sua interposio foi fundamentada por meio de
trs argumentos principais: a obedincia das determinaes legais, a
invaso da es-fera de discricionariedade administrativa e os futuros
prejuzos econmicos e ambien-tais. O primeiro argumento enfatiza a
lega-lidade das posturas tomadas pelo IBAMA e a ausncia de vcios
formais nas licenas e demais documentos jurdicos (como a auto-rizao
emitida pelo Congresso Nacional). Este suposto estrito cumprimento
da lei o pano de fundo dos dois argumentos subse-quentes,
articulados como prova de grave leso ordem e economia pblicas.
Se-gundo a lgica proposta pelo Poder Pblico,
tos de decises liminares que determinavam a paralisao das obras.
Ou seja, foi utilizado para garantir que a construo continuasse,
apesar de estar sendo contestada judicialmente.5. A Suspenso de
Segurana um mecanismo processual utilizado para suspender os
efeitos de medidas liminares contra o Poder Pblico. Sua disciplina
jurdica est baseada em uma srie de instrumentos. O instituto foi
inserido no ordenamento jurdico por meio da Lei n 191 de 1936, e
posteriormente retoma-do pela Lei n. 4.348 de 1964. Com o objetivo
declarado de permitir coletividade o expurgamento de me-didas
judiciais consideradas temerrias, a Suspenso de Segurana reflete o
autoritarismo do momento po-ltico em que a Lei 4.348/1964 foi
promulgada, conforme exposto por Bermann (2013). Na prtica, a
nor-ma retirava do cidado a possibilidade de segurana frente a aes
autoritrias praticadas pelo regime mi-litar. Atualmente, sua
regulao se d pela Lei n 8.437/92, cujo artigo 4 assim estabelece:
Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do
respectivo recurso, suspender, em despacho fun-damentado, a execuo
da liminar nas aes movidas contra o Poder Pblico ou seus agentes, a
requeri-mento do Ministrio Pblico ou da pessoa jurdica de direito
pblico interessada, em caso de manifesto in-teresse pblico ou de
flagrante ilegitimidade, e para evitar grave leso ordem, sade,
segurana e economia pblicas.
-
Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 141
as liminares invadem a esfera da discricio-nariedade
administrativa, pois as decises relativas obra so de competncia do
Po-der Executivo, que age com base em crit-rios de convenincia e
oportunidade. Tendo por premissa a legalidade do processo de
licenciamento, sustenta-se que a substitui-o de decises
administrativas por decises judiciais usurparia a competncia do
Poder Executivo para determinar os rumos da po-ltica energtica
nacional e a forma de exe-cut-la. Finalmente, o ltimo argumento se
baseia nos prejuzos econmicos que seriam causados pela liminar.
Estes prejuzos no se restringem queles imediatamente causados pela
paralisao dos trabalhos, mas tambm incluem perdas financeiras em
longo prazo, visto que seria necessrio construir novas usinas que
poderiam inclusive gerar im-pactos ambientais maiores.
Estas teses foram consideradas e aco-lhidas pelo Poder
Judicirio. Em todos os casos em que houve Suspenso de Segu-rana,
foi proferida deciso favorvel ao Poder Pblico, determinando a
suspenso dos efeitos da medida liminar determina-da em primeira
instncia e a consequente continuidade dos trabalho6. Em todas elas,
a deciso mencionou expressamente que a liminar em questo causava
grave dano ordem pblica por invadir a esfera de dis-cricionariedade
administrativa e usurpar a competncia privativa da administrao
pblica sobre a matria.
Em relao legalidade do processo de licenciamento, interessante
observar que
as decises fazem preponderantemente dois tipos de consideraes.
Em alguns casos, h pronunciamento sobre o mrito da contro-vrsia
(ainda que breve), como exemplifi-cado pela anlise a respeito da
competn-cia do Congresso Nacional para aprovar o Decreto que
autorizou a construo da UHE de Belo Monte. Entretanto, em rela-o a
outras matrias, o Judicirio se retira da discusso, limitando-se a
constatar que os atos do IBAMA e da Fundao Nacional do ndio (FUNAI)
gozam de presuno de veracidade e legalidade, sem uma anlise mais
profunda sobre o direito requerido e pretensamente violado.7 O
argumento se baseia no carter tcnico da matria e na consequente
aptido dos rgos referidos para decidir a matria.
Se somados a presuno de legalidade dos atos dos rgos pblicos
envolvidos e o reconhecimento da discricionariedade administrativa
sobre a matria, o que se tem a negativa, pelo prprio Poder
Judi-cirio, da possibilidade de realizar controle de legalidade
sobre atos da administrao em sede de liminar nesses casos. Mediante
tal negativa, o resultado o Judicirio se abster de apreciar leso ou
ameaa de di-reito, uma vez que a efetividade do controle
jurisdicional depende, nestes casos, da con-cesso de liminar
(especialmente porque o julgamento definitivo da ao poder se dar
com as usinas j construdas). Ressal-te-se que isto acontece sem que
o Tribunal seja obrigado a ouvir a parte interessada na concesso da
liminar.
6. Embora algumas aes de suspenso de segurana tenham sido
indeferidas, isto se deveu ao fato de que a liminar j havia sido
suspensa por meio de outra ao julgada anteriormente.7. Na ao n.
25999.75.2010.4.01.3900, por exemplo, foi decidido que: o IBAMA o
rgo responsvel pela aprovao do licenciamento, no sendo possvel a
suspenso do procedimento com base em conjec-turas sobre supostas
irregularidades ou ilegalidades, uma vez que os atos emanados pelo
rgo ambiental tm presuno de legalidade.
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142 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
Esta situao no escapou crtica de membros do prprio Poder
Judicirio. Na ao n 968-19.2011.4.01.3900 para Belo Monte, travou-se
interessante debate entre o Presidente do Tribunal Federal da 1
Re-gio (que deferiu, como de costume, medida de Suspenso de
Segurana no mbito desta ao) e o Desembargador Souza Prudente, que
julgou o Recurso de Apelao propos-to pelo Ministrio Pblico Federal.
Em sua argumentao, o Desembargador enfatizou que, por garantia
constitucional, nenhuma leso ser excluda da tutela jurisdicional.
Este direito fundamental especialmente re-levante em virtude da
natureza da demanda, que envolve interesses coletivos e difusos de
ordem transfronteiria e intergeracional. A prpria natureza destas
questes sobrepe-nas a discusses de ordem meramente eco-nmica o que
desautorizaria, segundo o Desembargador, a utilizao do mecanismo de
Suspenso de Segurana.8
Alm disso, o Desembargador esclarece que, na Suspenso de
Segurana, opera-se um controle poltico do ato judicial que se
distingue do controle jurdico exercido, por exemplo, quando da
concesso da limi-nar ou quando da apreciao da apelao. Neste
sentido, o Ministro Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal
Federal, tambm j se pronunciou a respeito da gra-vidade e
excepcionalidade do instrumento. No mbito da Medida Cautelar de
Suspen-so de Liminar n. 712/MG, disse ele que a suspenso de liminar
medida gravssima, de profunda invasividade, na medida em que
dispensa ampla cognio, bem como contraditrio completo.
4.1.2 decises judiciais de mrito
At o fim do perodo analisado, um nico provimento judicial, das
quaren-ta aes propostas, transitou em julga-do (ao n.
2001.39.00.005867-6 / 5850-73.2001.4.01.3900 para Belo Monte).
Nessa ao, proposta em 2001, o trnsito em julgado se deu apenas em
2010 ou seja, a deciso acerca da necessidade de licitao para
elaborao do EIA s tran-sitou em julgado quando a LP estava para ser
concedida. Em relao a Belo Monte, em mdia so trs anos entre a
propositura da ao e a deciso definitiva de primei-ra instncia,
tempo que pode se estender ainda mais em casos que envolvem
con-flito de competncia - como na ao n 25999.75.2010.4.01.3900, que
teve deciso de mrito na primeira instncia apenas sete anos aps sua
interposio. Porm, isso no significa que a mdia de trs anos seja
suficiente para dirimir a questo, uma vez que, aps a deciso
definitiva de primeira instncia, h uma grande quantidade de
re-cursos que podem ser interpostos.
No caso do Complexo Rio Madeira, em relao ao qual foram
propostas vinte e uma ACP, quatorze delas ainda no tiveram
jul-gamento de mrito em primeira instncia, sendo que a primeira foi
proposta em fe-vereiro de 2006. No houve nenhum pro-vimento
transitado em julgado. Em apenas uma ao o pedido foi deferido (e
apenas em parte) entretanto, a questo analisada se refere
exclusivamente alocao de re-cursos de compensao ambiental para
uni-dades de conservao; ou seja, em nenhum
8. Este ponto tambm levantado por Bermann (2013), segundo quem:
as sucessivas leis que moldam atualmente o instituto da Suspenso da
Segurana retomam o conflito inicial entre o interesse particular em
relao ao interesse pblico, e o estendem para a esfera do interesse
coletivo em conflito com o inte-resse pblico, o que caracteriza um
inequvoco excesso no entendimento da amplitude deste
instrumento.
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Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 143
caso houve provimento definitivo em favor dos direitos das
populaes afetadas.
Nas decises de primeira instncia de Belo Monte, das dezenove
aes, oito tive-ram o mrito apreciado, trs foram extintas sem
resoluo de mrito e oito aguardam julgamento. Das oito que tiveram o
mrito apreciado, em sete se decidiu pela improce-dncia da ao. O
nico caso de procedn-cia foi o primeiro, que tratava da
necessi-dade de licitao para realizao do EIA. Em todos os casos de
improcedncia, houve apelao, das quais trs foram julgadas. Uma delas
manteve a deciso de primei-ra instncia e duas a reverteram, de modo
a proteger o direito dos envolvidos. Vale ressaltar que, nestes
dois casos, a questo abordada envolvia a participao da popu-lao
local, incluindo povos indgenas, no processo de licenciamento. A
razo de de-ciso destes casos a proteo dos direitos da populao e do
meio ambiente, interesse difuso que h de sobrepor-se a discusses de
ordem meramente econmica, justifi-cando sua interveno com base na
inafas-tabilidade do Judicirio em apreciar leso ou ameaa a
direito.
Como se observou, grande parte das aes propostas visava a
garantia de direi-tos das populaes afetadas por esses pro-jetos.
Nessas aes, argumentou-se contra a construo das usinas e em favor
do cum-primento das condicionantes do licencia-mento ambiental, com
base especialmente nos direitos dos indgenas de terem suas terras
demarcadas e de serem ouvidos no processo de licenciamento e, no
caso das populaes locais, dentre as quais esto os ribeirinhos, o
direito moradia e ao aces-so infraestrutura bsica, esgoto, sade
e
educao. Todos esses direitos vm assegu-rados pela Constituio
Brasileira de 1988.
Apesar disso, a posio do Judicirio brasileiro no caso das aes
propostas em relao a Belo Monte, Santo Antnio e Ji-rau foi, em
grande parte das decises, de recolhimento. Isso, por duas razes
princi-pais: porque no havia provas suficientes que mostrassem o
dano ou perigo de dano; e porque se entendeu que no cabia ao
Ju-dicirio apreciar a questo.
Nos casos em que se decidiu pela im-procedncia da ao, no se
chegou a con-siderar se havia ou no leso ou ameaa a direito. De
maneira similar ao ocorrido nas aes de Suspenso de Segurana, a
dis-cusso dos tribunais assumiu outros dois caminhos: (i) o de
ponderar se a questo era poltica, no sentido de afastar a
com-petncia do Judicirio; ou (ii) o de saber se a questo trazida
tona fazia ou no parte do processo de licenciamento ambiental, no
sentido de se tratar de questo tcnica.
4.1.2.1 Questes polticas
A discusso sobre o papel do Judicirio nas questes polticas no
assunto novo e remete discusso da separao dos po-deres. Na teoria,
essa discusso leva con-siderao de requisitos a justificarem as
circunstncias em que o Judicirio deve ou no intervir nas decises
tomadas pelos ou-tros poderes: Legislativo e Executivo.9 Nos casos
analisados, essa justamente a ques-to que se coloca quando se
decide que no cabe ao Judicirio interferir em poltica
governamental, sobre a qual deve decidir o Executivo a partir de
critrios de conve-nincia e oportunidade.10
9. Veja-se, por exemplo, Henkin (1994) e Marshall (1961).10. Um
exemplo a deciso que negou a liminar ACP 11: [...] Todos os rgos e
entidades do Executi-vo aos quais competia essa escolhas, em
diferentes escalas, esto a favor do aproveitamento hidreltrico
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144 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
Nesses casos, em que o argumento pol-tico foi decisivo, o
Judicirio assumiu uma postura consequencialista em relao aos
resultados de sua interveno nos objeti-vos do Executivo, acolhendo
ao argumen-to feito pela Unio de que a suspenso das obras das
usinas se converteria em malef-cios para a Administrao, impactando
os cofres pblicos.11
fato que se coloca que a interveno judicial deve ser feita com
critrio e prudn-cia nesses casos, mas, em nenhum momen-to, na
deciso, apresentam-se quais seriam os critrios que justificariam a
interveno.
No nico caso da amostra a discutir re-quisitos para a interveno
do Judicirio, o da ao n 0001618-57.2011.4.01.3903, para Belo Monte,
retoma-se ao julgada pelo Supremo Tribunal Brasileiro sobre as
restries oramentrias para garantia de polticas pblicas de sade,
a ADPF 45.12 No se menciona, porm, que o Ministro Celso de Mello
apoia essa construo na afirmao de que exceo a justificar a
interveno do Judicirio nesses casos seria o comprometi-mento dos
direitos individuais e coletivos.13
4.1.2. 2 Questes tcnicas
Questo diferente considerar se o Ju-dicirio ou no o melhor lugar
para se tomar determinada deciso. Em diversos momentos, nos casos
analisados, o Judici-rio reconhece que a construo das usinas
impacta os direitos das populaes do seu entorno, mas abdica de
intervir ao conside-rar que se trata de matria j considerada pelo
licenciamento ambiental.
Belo Monte - Unio, MMA, Advocacia Geral da Unio, ANEEL, IBAMA,
FUNAI etc. A interferncia da ati-vidade jurisdicional em polticas
pblicas, nas atribuies especficas e privativas da Administrao,
im-plicando no raro alteraes na conduo do planejamento da sua
atuao, tema desafiante e de grande atualidade, deve ser feita com
critrio e prudncia, de forma pontual e calcada em dados objetivos e
tc-nicos que justifiquem a interveno judicial. No pode o Judicirio
substituir-se ao Executivo nas esco-lhas diretas de poltica
governamental, naquilo que representa a sua atuao institucional,
que envolve convenincia e oportunidade, sob pena de violao da CF
quando traa a engenharia tripartite do exerc-cio do poder. ACP
0028944-98.2011.4.01.3900.11. Essa ponderao apareceu, por exemplo,
na seguinte deciso do Tribunal Regional Federal: A deciso de
primeiro grau, se mantida, acarretar grave leso ordem e economia
pblicas. A interferncia da ati-vidade jurisdicional em polticas
pblicas, nas atribuies especficas e privativas da Administrao,
im-plicando no raro alteraes na conduo do planejamento de sua
atuao, deve ser feita com critrio e prudncia, de forma pontual e
calcada em dados objetivos e tcnicos que justifiquem a interveno
judi-cial Tribunal Regional Federal 1 AGRSLT
0021954-88.2010.4.01.0000/PA Rel. Olindo Menezes: [...].12. A
referncia a essa ao se d para emprestar a seguinte concluso do
Ministro Celso de Mello: a in-terveno judicial na seara da
implementao e controle de polticas pblicas no poder jamais estar
des-vinculadas dos seguintes requisitos: a existncia de um mnimo
existencial a ser garantido ao cidado; a razoabilidade da pretenso
deduzida perante o Poder Pblico e, por fim, a existncia de
disponibilidade fi-nanceira do Estado e a necessidade que se
verifique sua omisso em grau to elevado por parte do Poder Pblico
(excepcionalidade), apta a justificar a singular interveno.13.
Todavia, preciso esclarecer que, no mbito das funes institucionais
do Poder Judicirio, e nas do Su-premo Tribunal Federal, no se
incluem as atribuies de formular e de implementar polticas pblicas.
As-sim, de forma excepcional, tal atribuio recair nossa Suprema
Corte somente quando os rgos estatais competentes, por descumprirem
os encargos poltico-jurdicos que sobre eles incidem, vierem a
comprome-ter, com tal comportamento, a eficcia e a integridade de
direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de clusulas revestidas de
contedo programtico.
-
Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 145
Aqui, h duas possibilidades: ou o Judici-rio assume que h
presuno de legitimidade nos atos da agncia ambiental e demais
ins-tituies intervenientes, at que se comprove o contrrio; ou
decide com base nas anlises feitas pela agncia ambiental e demais
inter-venientes. Nos dois cenrios, o Judicirio est lidando com
limites da prpria institucionali-dade, de produzir provas ou
adentrar assun-tos tcnicos complexos, como por exemplo os que esto
relacionados s dimenses de um impacto ambiental.
A ACP n. 2008.41.00.005474-0 para Ji-rau um exemplo do primeiro
tipo. Nesse caso, em que se coloca a possibilidade de a anlise
ambiental produzida para a UHE de Jirau no ter contemplado os
impactos do empreendimento sobre os usos e costumes das populaes
indgenas e de participao da sociedade rondoniense no debate, a
de-sembargadora ressalta serem os atos admi-nistrativos
presumidamente legais, at que se apresentem fatos novos que
comprovem danos ao meio ambiente que no estejam sendo objeto de
exame pelos rgos admi-nistrativos responsveis. No se questiona, por
exemplo, a qualidade da deciso toma-da pelo rgo ambiental em relao
a afas-tar a leso ou ameaa a direito, bastando a referncia de que a
questo ali considera-da para que o Judicirio deixe de apreciar as
informaes trazidas na inicial.
Exemplo semelhante o da ACP n. 0001618-57.2011.4.01.3903 para
Belo Mon-te. Nesse caso, discute-se que muitas das fa-mlias
impactadas ainda no teriam sido ca-dastradas, apesar do que fora
estabelecido em condicionante da licena prvia de instalao (que
deveria ter sido cumprida antes do in-cio das obras). De acordo com
o Ministrio Pblico, algumas famlias desconhecem os impactos que
sofrero e se sero ou no con-templadas pela medida de mitigao, o que
atentaria contra seu direito de moradia.14
Se, nos dois casos, o Judicirio se apoia na existncia do
processo do licenciamento e na capacidade do procedimento
adminis-trativo para decidir sobre polticas de mi-tigao e
compensao, questo diferente a apresentada no julgamento liminar da
ACP n. 0001618-57.2011.4.01.3903 para Belo Monte, em que o
Judicirio utiliza-se dos argumentos e informaes produzidas no bojo
do licenciamento para decidir que no h uma violao, supondo que o
rgo licenciador tem melhores condies de to-mar determinada
deciso.15
Em um dos poucos casos em que o Judi-cirio acolhe o pedido feito
pelo Ministrio Pblico para a defesa do direito de moradia no
entorno de Belo Monte, o fato de haver pesquisa realizada pela
Universidade Fede-ral do Par (UFPA) parece facilitar bastante o
trabalho do juiz na anlise da liminar,
14. Nesse caso, o Judicirio considera o trmite do licenciamento
para decidir que no deve intervir: [...] No caso em discusso,
entende que no se verifica a existncia de situao excepcional com
grau de rele-vncia apto a deflagrar a imediata interveno postulada
pelo Ministrio Pblico. fato que os ocupantes e proprietrios da rea
na Volta Grande do Xingu esto sujeitas aos efeitos da construo da
UHE de Belo Monte, fazendo jus respectiva indenizao ou realocao
para minimizar os efeitos adversos do empreen-dimento sobre o seu
modo de vida. Todavia, fato, tambm, que tal processo dever correr
em diversas fa-ses atinentes ao prprio licenciamento ambiental, em
conjunto com polticas fundirias para a regio.15. De acordo com
deciso proferida na ao n 0001618-57.2011.4.01.3903: no restou
suficiente de-monstrada a alegada urgncia de que o cadastro
socioeconmico seja concludo no exguo prazo de 60 dias. Alis, a
licena de instalao sequer atribui prazo para o cumprimento da
condicionante.
-
146 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
que se refere aos dados colhidos pela Uni-versidade na quase
totalidade do seu voto, contrapondo-se s informaes produzidas no
contexto do licenciamento ambiental.16
5 concluso
Diversas aes judiciais tm sido pro-postas contra a construo de
grandes empreendimentos no Brasil. Nos casos das UHE de Santo
Antnio, Jirau e Belo Monte, grande parte dessas aes trata dos
impac-tos desses projetos nas populaes locais e questiona sobre a
ausncia de escuta pr-via queles que sofrero impactos e sobre o
cumprimento de condicionantes do li-cenciamento ambiental que
serviriam para mitigar e compensar esses impactos em re-lao aos
direitos das comunidades. Neste ltimo caso, ou se cobra o
cumprimento de condicionante no cumprida dentro da fase do
licenciamento para a qual foi requerida, ou se apontam impactos
subdimensionados nos relatrios ambientais (EIA/RIMA) e, portanto,
ignorados pelos planos de miti-gao e pelas polticas pblicas
locais.
Nesses casos, pode-se observar que o Judicirio tem funcionado
como nica ins-tncia de soluo de controvrsias, ante a ausncia e/ou
inefetividade de canais que possam assim funcionar dentro do
processo de licenciamento ambiental. Apesar desta constncia, o que
se observa so padres
distintos nos casos aqui considerados. Nas aes referentes a Belo
Monte, o Judici-rio tem intervindo por meio de liminar nos casos em
que se demonstra violao aos direitos das populaes impactadas ou s
regras do prprio licenciamento. Porm, essas decises so revogadas em
segunda instncia, quando o Judicirio se abstm de decidir, sob o
fundamento de se tratar de grave leso ordem, sade e econo-mia
pblicas, sobre o qu cabe decidir o Executivo. J nas aes de Santo
Antnio e Jirau, o Judicirio tem indeferido as aes relacionadas ao
licenciamento ambiental de ambas as usinas, com exceo de duas aes
que contestam a violao de direitos moradia e dignidade humana das
popula-es impactadas.
Com isso, o que se observa um mo-vimento de recolhimento do
Judicirio. Mesmo em casos em que se argumentou a violao ou ameaa a
violao a direitos das populaes locais, no h apreciao das violaes
alegadas. Isso em razo de ausncia de provas, a qual se remete a uma
presuno de legalidade dos atos adminis-trativos tomados no contexto
do licencia-mento, ou da percepo do Judicirio de que no deve
intervir em questes de pol-tica governamental.
Portanto, se no processo de licencia-mento os mecanismos
administrativos so insuficientes para resolver os conflitos que
16. A deciso da liminar da ACP n 0002708-66.2012.4.01.3903 assim
estabelece: percebe-se que h ve-rossimilhana nas concluses dos
estudos realizados pela UFPA e que indicam uma probabilidade de que
houve inconsistncia nas medies realizadas pelas empresas
contratadas pela Norte Energia no EIA con-cernentes rea passvel de
alagamento pelo empreendimento. Considerando que mais de 9 mil
morado-res no sero inseridos na cota 100, o que justifica a percepo
do risco, autorizando a concesso da limi-nar para determinar que a
NESA providencie o cadastramento dos moradores do permetro urbano
de Al-tamira no prazo de 60 dias, em conformidade com estudos da
UFPA, sob pena de multa diria de R$10.000, alm de que sejam
identificados e avaliados todos os imveis do permetro urbano de
Altamira onde se lo-caliza a cota 100, sob pena de mesma multa
diria.
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Judicializao de grandes empreendimentos no Brasil 147
emergem, tampouco o Judicirio se apre-senta como instncia
adequada. As aes de Suspenso de Segurana impedem que as decises
tenham qualquer efeito at o trnsito em julgado da ao principal o
que, na maioria dos casos, no ocorrer antes da construo da usina.
Assim, em-bora o Ministrio Pblico e a sociedade ci-vil
continuamente proponham demandas, e embora o Judicirio profira
diferentes decises sobre seus pedidos, a Suspenso de Segurana faz
com que estas aes no tenham qualquer efeito prtico.
A todos os brasileiros se garante o direi-to de ver leso ou
ameaa de leso a direitos apreciada pelo Judicirio o que constitui
garantia da eficcia de todos os seus outros direitos. No entanto, a
violao de direitos durante o processo de licenciamento am-biental
de hidreltricas tem sido apreciada pelo Judicirio de forma
assimtrica. Como apontado por Rocha e Tedesco (s/d), a re-corrncia
ao Judicirio em pouco tem aju-dado as populaes locais, sendo que em
alguns casos tem agravado esta assimetria em favor dos consrcios,
significando, no limite, a instalao das hidreltricas alheia-mente
vontade das populaes locais.
Na presente pesquisa fica evidente que, pelo menos nos casos
analisados, os consr-cios empreendedores so os principais po-los
passivos das ACP, seguidos pelo prprio IBAMA. Assim, a no apreciao
de alega-das violaes colocadas ao Judicirio tem se revertido em
favor de ambos (empreende-dores e rgo licenciador), com nus para os
aspectos sociais e ambientais impactados ou ameaados de leso, ou
mesmo para o prprio procedimento do licenciamento am-biental que,
ao no ser cumprido adequada-mente como determinado por suas normas,
acaba enfraquecido como instrumento de preveno de danos
socioambientais.
Assim como desenvolvido no presente artigo, Rocha e Tedesco
(s/d) tambm anali-saram algumas decises de ACP de hidrel-tricas. Os
autores perceberam que anli-ses sobre casos especficos tm sido
feitas a partir de uma macro perspectiva sobre uma iminente crise
energtica - que estaria sendo prevenida atravs de um plano que no
pode ter o seu conjunto prejudicado por esses casos isolados. Esse
e outros ar-gumentos de ordem poltica fazem parte da concepo de
projetos hidreltricos que derivam de planos, programas e polticas
pblicas de desenvolvimento, no signifi-cando, pois, que no podem
ser analisados por um tribunal. Certamente haver deci-ses polticas
para as quais o prprio direi-to confere amplo poder autoridade
pol-tica para agir da forma que desejar. Nesses casos, a autoridade
poltica , ento, livre para agir dentro, mas no sem a lei. (BA-RAK,
2006, p. 181).
Alm da necessidade das decises do Judicirio envolverem questes
polticas e tcnicas, o tempo que as ACP levam para ser julgadas
tambm deve ser considerado. O perodo do trmite das aes nos
tribunais poderia at ser relativamente longo, desde que liminares
no fossem suspensas e obras continuadas. Como apresentado durante a
anlise das quarenta ACP, a maior parte das aes so propostas durante
as etapas iniciais do licenciamento ambiental das hi-dreltricas,
antes da emisso da LP. Mesmo entre aquelas propostas aps as licenas
de instalao e operao, so comuns as que se referem s demandas
surgidas nas etapas anteriores. Isso s refora os argumentos
expostos anteriormente, da assimetria de poderes entre
concessionrias e populaes locais e da inabilidade do Judicirio em
re-solver conflitos no solucionados durante os procedimentos
previstos pelo licencia-
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148 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
mento ambiental. Essa anlise sugere, ainda, a necessidade de uma
abordagem baseada em direitos durante estgios preliminares do
processo de tomada de decises, concepo de projetos e seu
licenciamento de forma a se evitar a judicializao.
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150 R. Ps Ci. Soc. v.11, n.22, jul/dez. 2014
Notas sobRe os autoRes
Nelson Novaes Pedroso Junior doutor em Ecologia Humana pela
Universidade de So Paulo, mestre em Ecologia e Recursos Naturais
pela Universidade Federal de So Carlos e bi-logo pela Universidade
Estadual Paulista. membro do Grupo de Pesquisa em Ecologia Humana
em Florestas Tropicais, do Diretrio dos Grupos de Pesquisa no
Brasil do CNPq e da Rede Brasil USA em Ambiente, Sociedade e
Governana. Atualmente, responsvel pela linha Estado de Direito e
Meio Ambiente no Centro de Pesquisa Jurdica Aplicada da FGV Direito
SP.
Flavia Silva Scabin professora e pesquisado-ra na Escola de
Direito da Fundao Getlio Vargas. graduada em direito pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo e mestre em Cincia Poltica pela
Universidade de So Paulo (USP). Atualmente, doutoranda na
Fa-culdade de Filosofia, Letras e Cincias Huma-nas da USP. Tambm
membro do Centro Re-gional de Mudana Climtica e Tomada de De-ciso
da UNESCO.
Julia Cortez da Cunha Cruz mestranda em Direito Internacional
pela Faculdade de Direi-to da Universidade de So Paulo e possui
gra-duao em direito pela mesma instituio. Atualmente, atua como
pesquisadora da linha Estado de Direito e Meio Ambiente no Centro
de Pesquisa Jurdica Aplicada e como pesqui-sadora do Grupo de
Direitos Humanos e Em-presa, ambos da Escola de Direito da Fundao
Getlio Vargas.
Recebido em: 26.06.2014aprovado em: 19.12.2014