-
ARTIGOS VARIADOS
Jovens de periferia e a cidade: trajetrias de vida e processos
de individualizao
(Florianpolis, 2000-2010)
Francisco Canella*
Introduo
O reconhecimento da juventude como uma fase de desafios
particu-larmente mais verdadeiro para os jovens das periferias
urbanas empobrecidas do Brasil. Embora no haja novidade alguma
nessa afirmao, dado o amplo conjunto de pesquisas nesta rea nas
ltimas dcadas, a diversidade de situ-aes encontradas nos impulsiona
a investigaes cada vez mais criteriosas, a fim de evitarmos
generalizaes sobre os jovens pobres urbanos no Brasil. O processo
de autonomizao do sujeito, como parte da transio para vida adulta
que caracteriza a juventude, implica na ampliao de laos sociais
para novos espaos e no afastamento daqueles ligados s agncias de
socializao, como a famlia, a escola, a vizinhana. A forma como esse
processo ocorre bastante variada, dependendo de fatores como classe
social, gnero, etnia, espao de moradia, diferenas regionais,
diferenas entre ambiente urbano ou rural, entre outros (Novaes,
2006). Da o constante emprego do termo juventudes, no plural, para
assinalar essa diversidade. No caso dos jovens de uma localidade da
periferia de Florianpolis, o interesse recai em entender a tenso
existente entre esse ingresso num conjunto mais amplo de
relaes,
* Doutor em Cincias Sociais pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (Uerj) e professor efetivo do Centro de Cincias da
Educao, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
E-mail: [email protected].
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...70
representado aqui pelo mundo da cidade, e os espaos locais de
convivncia. O objetivo do artigo discutir o processo de insero no
mundo da cidade de jovens de uma localidade da periferia
empobrecida de Florianpolis, ana-lisando as mudanas nas suas relaes
com os espaos locais de participao.
A especificidade histrica da localidade analisada neste artigo
conduz o olhar para os espaos de participao poltica. Busca-se
elucidar os meca-nismos por meio dos quais essas relaes entre a
cidade e o plano local so construdas pelos atores sociais,
dependendo de suas escolhas e do campo de possibilidades
existentes. A premissa que o destino social desses jovens pode ser
mais bem compreendido se analisarmosa relao com o espao da cidade,
seja no nvel local, seja na relao com a esfera mais ampliada da
cidade. Alm disso, outraexigncia desta abordagem a compreenso da
forma como os jovens se percebem, por quais categorias se
identificam e significam suas experincias. Assim, oartigo tem como
foco a perspectiva dos jovens sobre este processo, optando-se, para
tanto, pelo recurso histria oral.
A pesquisa foi desenvolvida tambm por meio da observao
partici-pante, proporcionada pelo contato com os moradores durante
as atividades de pesquisa e de extenso como professor da
universidade, mas tambm na condio de algum que havia sido no
passado um apoiador do movimento fato que, sob muitos aspectos,
favoreceu a insero no campo de pesquisa. H um inegvel componente
etnogrfico no olhar que orienta a investiga-o aqui apresentada:
como observa Franco Ferrarotti, o objeto da investi-gao, longe de
ser passivo, modifica continuamente o seu comportamento de acordo
com o observador (Ferrarotti, 1991, p. 172). Tal dimenso no tinha
como no ser incorporada pesquisa.
O primeiro contato que estabeleci com os moradores foi quando
comearam seu processo organizativo em torno do movimento dos
sem--teto, em 1989. Sua histria, junto com a do conjunto de lutas
domovi-mento por moradia, foi incorporada em minha dissertao de
mestrado (Canella, 1992). A partir do final da dcada (1998) retomei
o contato por meio de projetos de pesquisa e de extenso
universitria e, em 2011, fina-lizei uma tese de doutorado sobre as
experincias e memrias dos morado-res da Nova Esperana (Canella,
2011).1 O presente artigo resultado do conjunto de pesquisas
desenvolvidas ao longo de duas dcadas (1990-2010).
1 O artigo refere-se s anlises contidas nos captulos 2, 5 e 6
dessa tese.
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 71
Os principais depoimentos aqui apresentados foram coletados
entre 2008 e 2010, e referem-se aos relatos de experincias vividas
por jovens que, quando da realizao das entrevistas, tinham idades
entre 18 e 25 anos. Alguns desses entrevistados eu conhecia desde a
infncia, em razo do longo perodo de insero como pesquisador e
extensionista na localidade. O contato intenso com algumas das
famlias desses jovens permitiu que fossem incorporados anlise
elementos obtidos ao longo do perodo de convivncia.
O grupo de jovens aqui analisados, a segunda gerao, tem em comum
em suas trajetrias de vida a participao em projetos socioeducativos
desen-volvidos por meio de um programa de extenso universitria, o
qual poste-riormente encaminhou-os para estgios de trabalho em
diferentes rgos pblicos e entidades do terceiro setor. Podem ser
designados pelo termo pro-posto por Regina Novaes: jovens de
projeto.2 Tal fato comum a eles os tor-nou um grupo bastante
diferenciado no contexto de sua localidade, a qual marcada pelos
elevados ndices de desemprego, violncia e criminalidade. So os
jovens que deram certo. A participao em projetos socioeducativos e
o ingresso em estgios para iniciao ao trabalho desempenharam o
papel de integrao com o mercado, com a vida da cidade e
fortaleceram os laos na localidade.
Da participao desmobilizao
A localidade aqui analisada denomina-se Nova Esperana, e uma das
nove comunidades (este o termo empregado pelos moradores e
associaes) que constituem o Conselho de Associaes da Regio do Monte
Cristo (Car-mocris). Situa-se na parte continental de Florianpolis,
prximo divisa com o municpio de So Jos, s margens da via que liga a
BR-101 ponte que d acesso parte insular de Florianpolis. Assim como
outras localidades do bairro, seu surgimento est ligado ao
movimento dos sem-teto, que no final dos anos 1980 e incio dos anos
1990 organizou ocupaes de terrenos em
2 Os jovens de projeto so aqueles que constituem o pblico-alvo
de iniciativas protagonizadas por ONGs e fundaes empresariais em
favelas e reas de pobreza das grandes cidades. Tais jovens se
apropriam de suas ideias, palavras e expedientes, incluindo-as em
suas estratgias de sobrevivncia social (Novaes, 2006).
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...72
diferentes reas de Florianpolis, alm de ter prestado apoio ao
processo de negociao de outras reas ocupadas de forma espontnea na
cidade.
O movimento dos sem-teto inscreveu-se numa conjuntura mais ampla
de mobilizaes coletivas. A emergncia dos movimentos sociais e o
cresci-mento urbano fizeram com que, durante os anos 1980, se
rompesse com a imagem de Florianpolis como cidade pacata e
provinciana.
O cenrio de conflitos na cidade acompanhou a conjuntura
nacional: a dcada de 1980 denominada por muitos analistas do perodo
como a dcada da participao ou a conjuntura da cidadania (Sader,
1988; Tel-les, 1985; Gohn,1997; Doimo, 1995). Em Florianpolis h um
conjunto diversificado de atores em movimento nesse perodo,
destacando-se um ativo movimento sindical (notadamente de bancrios,
professores, eletricitrios, entre outras categorias), o movimento
ecologista o Movimento Ecolgico Livre (Mel) , o movimento
estudantil e um nascente movimento de bair-ros, organizado em torno
da Ufeco (Unio Florianopolitana de Entidades Comunitrias). Com
relao ao movimento de bairros, a Ufeco confrontava os
institucionalizados e controlados conselhos comunitrios criados
durante o perodo militar com o objetivo deconter e tutelar as
demandas urbanas surgidas em torno de questes envolvendo a moradia,
infraestrutura e equi-pamentos urbanos. A Ufeco emblemtica desse
perodo: criada durante o exerccio do prefeito Edison Andrino
(1986-1988), do PMDB, por setores de oposio aos partidos
conservadores (em especial, PDS e PFL), buscava viabilizar e ocupar
espaos de participao popular que estavam sendo criados nessa gesto,
como os conselhos municipais (de sade, transporte, de
desen-volvimento) e o oramento participativo. Foi nesse cenrio que
emergiu o movimento sem-teto em Florianpolis, com mobilizaes (como
ocupaes de terrenos, ocupaes de prdios pblicos, passeatas) que
conquistaram visi-bilidade na cidade. Na poca, a localidade contava
com 250 mil habitantes e tinha uma poltica hegemonizada por
polticos ligados a famlias tradicio-nais, e que contavam com redes
clientelistas muito presentes e atuantes.
Nas palavras de Maristela Fantin (1997, p. 166), Florianpolis:
foi deixando de ser uma cidade aparentemente tranquila para se
tornar um foco de protestos e de negaes. Isso se deveu muito ao
movimento sindical e estudantil. No final da dcada de 1980 um novo
tipo de ator social emergiu no cenrio dos conflitos da cidade:
Florianpolis foi sacudida por ocupaes organizadas pelo movimento
dos sem-teto. Integrado por moradores pobres da cidade, muitos
vindos do interior ou de estados vizinhos, o movimento
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 73
apoiado por membros do clero progressista da igreja catlica teve
uma clara preocupao pedaggica. Concentrou-se no s na conquista de
suas reivin-dicaes, mas tambm na formao de lideranas, pois o
envolvimento em aes coletivas e o contato com a poltica era uma
novidade para a maioria dos sem-teto. Os moradores que participaram
das mobilizaes tiveram suas vidas modificadas a partir dessas
experincias: habitantes de novos espaos da cidade, ocupando a
periferia que se expandia em Florianpolis, passaram a vivenciar
novas relaes de sociabilidade, nas quais o passado de lutas se
fazia presente, com suas marcas mais visveis no esprito comunitrio
e no forte sentimento de unio coletiva.
No entanto, duas dcadas aps, num contexto de desmobilizao
cole-tiva e de privatizao das relaes na localidade, no mais se
encontrava no comportamento da nova gerao a mesma prtica
associativa da gera-o de seus pais, e sua insero na cidade
acontecia por meio de estratgias individualizadas.
A rica dinmica de sociabilidades, marcada por um claro
componente poltico e utpico, no estava mais presente no final da
dcada de 1990. Tam-bm nesse perodo Florianpolis acompanhou a
conjuntura nacional. pos-svel identificar um ciclo de movimentos
sociais que se inicia no final dos anos 1970 e se estende at o
inicio da dcada de 1990. Com os elevados ndices de desemprego, a
desregulamentao das relaes de trabalho e uma poltica que avanava no
sentido da criminalizao dos movimentos sociais, os anos 1990,
especialmente a sua segunda metade, ficaram marcados pela
desmobilizao e desarticulao de movimentos sociais, em especial dos
movimentos sociais urbanos (ou movimentos populares).
E isso se refletia no plano interno e cotidiano da localidade.
As socia-bilidades tinham como marca a desarticulao coletiva e a
privatizao do cotidiano. No havia mais uma associao de moradores
ativa e representa-tiva da coletividade. Tambm no se percebia
qualquer outra contrapartida associativa, mesmo que no poltica,
como, por exemplo, momentos festi-vos ou de lazer que reunissem um
coletivo mais ampliado da comunidade, ou qualquer outro espao que
articulasse os moradores em alguma forma de vivncia coletiva. Ao
contrrio, predominava o encerramento dos mora-dores em suas vidas
privadas. A associao (ou o que sobrara dela) ao invs de agregar,
tornava-se espao de poucos (muitas vezes reduzida figura de seu
presidente), reproduzia relaes de tipo clientelista com polticos e
com o poder pblico (inclusive se transformando em espao para promoo
de
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...74
polticos que visavam se candidatarem em eleies). Emblemtico
disso foi o fato de que, aps alguns anos, a casa que era a sede
comunitria acabou ruindo. O exame da trajetria dos moradores nos
anos seguintes ocupa-o e ao mutiro bastante revelador quanto aos
processos de segregao da cidade. No era difcil constatar o
recolhimento s suas vidas privadas e o pouco interesse em
participar dos espaos coletivos, mesmo ainda havendo uma srie de
questes pendentes (por exemplo, no tinham a escritura das casas).
Tambm reclamavam da perda dos espaos e das prticas de
sociabi-lidade, tal como o das festas e das celebraes coletivas.
Referindo-se a este perodo, dona Marta, antiga moradora da
localidade reclama:
O que eu no gosto aqui o que se tornou de uns dez anos pra c.
Droga, trfico, isso eu nunca vou aceitar na minha comunidade. Se eu
pudesse, eu fazia uma varredura e tirava todos eles daqui, que
lidam com isso, que vivem disso. Isso o que eu no gosto na minha
comunidade, que a gente fundou tijolo por tijolo, pedra por pedra,
ento o que eu no gosto. No mais, o que eu sinto muita falta... se
no tem uma rea de lazer, no tem nada assim, para levar criana pra
brincar, no em casa comunitria bonita, apresent-vel... Ento isso
tambm me deixa chateada, porque tu vai em outros bair-ros, mais
pobre que seja, mas t organizado e tudo. (Marta, 2009).
A falta de unio e a perda dos espaos festivos tambm aparecem na
avaliao de Janete, antiga moradora e uma das importantes lideranas
da localidade:
A comunidade hoje est pssima. No comeo ns ramos muito unidos,
agora no v mais reunio, no v mais festa nenhuma, eu acho que a
comu-nidade cada um pra si mesmo. Era to bom antes, porque tinha
festa, a gente participava de encontro, a gente ia passear, agora,
oh. ( Janete, 2000).
nesse contexto que se desenvolve a juventude da localidade, a
segunda gerao. E a percepo de um tempo perdido no passado no
privilgio dos antigos moradores, como evidencia a fala abaixo de um
jovem morador da localidade:
[der] J foi melhor [morar na Nova Esperana], porque tinha uma
poca que, chegava final de semana, dava oito, nove horas da noite,
tinha
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 75
uma porrada de gente na rua. Durante a semana, deu cinco horas
no fica mais ningum na rua. [...] Final de semana, ento,
nossa![Entrevistador] Mas por conta do qu? Por conta da
violncia?[der] Por conta do prprio pessoal mesmo, pelos prprios
moradores... (der, 2009).
Na fala de der, o problema no se encontra na violncia, mas nos
pr-prios moradores: o novo componente, identificado na fala dos
moradores mais antigos, a violncia, no se apresenta no depoimento
de der, mesmo quando sugerido pelo entrevistador. Ao invs disso,
situa sua explicao para o esvaziamento das ruas nas escolhas dos
moradores.
Entre escolhas e possibilidades, duas geraes
A sada encontrada pela primeira gerao para responder necessidade
de moradia foi o movimento coletivo. E foram bem sucedidos nessa
esco-lha: em seus depoimentos esse sentimento traduziu-se no
reconhecimento ao movimento e queles que os apoiaram (Canella,
2010). Uma das antigas lideranas, dona Janete, criticava
enfaticamente aqueles que no expressavam gratido aos religiosos e
outros apoiadores do movimento: Tudo que eles tm hoje devem nossa
luta. Na verdade, em que pese a reclamao desta senhora, o que pude
constatar foi o profundo respeito do conjunto dos mora-dores por
aquelas pessoas que de alguma forma estiveram envolvidas com as
lutas protagonizadas no passado.
O perodo em que os moradores localizam a crise da comunidade
corresponde a uma transio na qual as estratgias coletivas, no mais
possi-bilitando melhorias nas condies de vida, cederam lugar a
estratgias indi-viduais de resoluo de conflitos e encaminhamento de
demandas. A perda de uma sociabilidade marcada pela solidariedade e
cooperao mtuas, que proporcionava momentos de prazer, parece ter
sido o preo pago por essa opo por estratgias individuais.
Essa mudana no foi de forma alguma uma especificidade da Nova
Esperana. Os movimentos de luta por moradia, que fizeram surgir uma
srie de novas localidades na Grande Florianpolis, no encontraram
maior ressonncia na cidade a partir de meados dos anos 1990. Como
colocado anteriormente, o cenrio dos movimentos em Florianpolis
pouco diferiu
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...76
do nacional. Mesmo com a eleio de um prefeito fortemente
identificado com os movimentos sociais, Srgio Grando (1993-1996),3
as tentativas de incorporar os atores polticos das periferias
urbanas nos espaos de partici-pao no foram bem-sucedidas. Para
alguns analistas, como Edalea Ribeiro (2005), as dinmicas
participativas desfavorecem os setores mais popula-res, pois exigem
outro perfil de militante, normalmente mais escolarizado, com
habilidades como debate intelectual, boa retrica, capacidade
associa-tiva, disponibilidade de tempo, capacidade de dilogo com as
autoridades e conhecimentos jurdicos.
Assim, a segunda gerao da Nova Esperana no pode contar com a
alternativa de participao num movimento coletivo para conquistar
seu espao na cidade. A conquista da casa prpria (um bem com tanto
valor sim-blico e material em classes populares) para a nova gerao
passou por outras alternativas. Eles no buscaram criar uma
alternativa coletiva, mas necess-rio considerar que um importante
diferencial com relao gerao anterior situa-se no encolhimento do
campo de possibilidades de insero na cidade: no contaram com um
movimento organizado e enfrentaram problemas de desemprego. Desse
modo, compreender a insero destes jovens de periferia na cidade,
processo que envolve a complexa interao entre as escolhas e as
possibilidades,4 depende do exame atento das trajetrias dos atores
e dos sig-nificados por eles conferidos s suas escolhas.
Finalmente, antes de passarmos anlise dos depoimentos dos
jovens, cabe uma ltima observao com relao perspectiva aqui adotada
na abor-dagem do conjunto especfico de atores aqui enfocados,
constitudo pelos jovens da localidade. A incorporao de um
componente geracional anlise local, alm evitar as homogeneidades e
simplificaes, conduz a reflexo a uma dimenso que traduz muitas das
tenses das sociedades contempor-neas. Assumindo a perspectiva
geracional, as idades deixam de ser apenas referncias cronolgicas,
uma vez que permitem a percepo da ruptura com padres e atitudes da
gerao anterior, afirmando os estilos de vida, que se referem s
mudanas entre as geraes. A pluralidade de estilos de vida no
3 A Frente Popular era composta por partidos como PPS (do
prefeito Srgio Grando), PT (do vice-pre-feito Afrnio Boppr, partido
hegemnico na Frente), PDT, PSB, PCdoB, PSDB, PV e PCB.
4 Gilberto Velho (1999) e Alfred Schutz (1979) contrapem (e
articulam) as noes de projeto (conduta organizada, no nvel
individual, para atingir finalidades especficas) e campo de
possibilidades (as alter-nativas construdas do processo
socio-histrico e com o potencial interpretativo do mundo simblico
da cultura).
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 77
implica na relao de equivalncia entre eles: na sociedade moderna
h uma maior valorizao do estilo de vida associado juventude. Como
observa Guita Debert, a caracterstica marcante desse processo a
valorizao da juventude que associada a valores e a estilos de vida
e no propriamente a um grupo etrio especfico, sendo que a promessa
da eterna juventude um mecanismo fundamental de constituio de
mercados de consumo (Debert, 1996 apud Peralva, 1997, p. 23).
Nessa perspectiva, os conflitos geracionais podem ser entendidos
como a defesa de padres nicos de comportamento por instituies que
Gilberto Velho (1999) denomina como instituies encompassadoras, que
limitam o movimento na direo da liberdade de estilos de vida
preconizados pelo individualismo moderno.
Esse processo perceptvel entre os jovens de periferias, tal como
o grupo aqui investigado. As prticas dos jovens podem ser
analisadas como parte de processos de individualizao, pois nelas se
constata que a presena da famlia e daquelas instituies que os
vinculam ao plano local so cada vez mais reduzidas nas suas
sociabilidades e projetos de vida.
No entanto, necessrio observar que esse processo de
individualizao tambm se manifesta entre o conjunto dos moradores da
Nova Esperana. Uma de suas manifestaes pode ser exemplificada na
fofoca (nos termos locais: a falao). Da mesma forma que em outras
localidades urbanas pobres, a fofoca est presente entre os
moradores, mas de forma veemente repudiada pelos mais antigos (que
a apontam recorrentemente como um dos principais problemas da
convivncia no plano local). A reao a ela pode ser interpretada como
uma demanda por maior privacidade no cotidiano vivido na
localidade. Do mesmo modo, o abandono dos espaos coletivos de
socia-bilidade. Diversos depoimentos lamentam a perda de um
cotidiano em que os vizinhos sentavam-se na frente de suas casas
para conversar, da mesma forma que muitas lembranas remetem s
festas que reuniam a comunidade. Contrastam com o perodo inicial da
ocupao, quando moravam sob bar-racas de lona em outro terreno (nas
proximidades de onde se localiza Nova Esperana):
Ningum chateou de sair l da Coloninha. [...] Morar sem gua, sem
luz, sem banheiro, sem nada, aqui era bem melhor. Mas muita gente
disse: l na Coloninha ns ramos mais unido, e eu tambm gostava mais
da Coloni-nha. [Pergunto por que isso Janete responde]: Quando veio
pra c muita
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...78
gente comeou a pensar muito em si. A teve muita diviso, todo
mundo... L em cima no parecia, assim, que voc gostava do que era
dos outros. Eu pra mim, eu achava que l em cima todo mundo era
igual, sabe? Mas depois que vim pra c, no... muita diviso, aquele
que mais pode, que pode mais chora menos... cada um por si e Deus
por todos. Eu no sei se l o pessoal era mais unido porque queria
terra. O nosso projeto era ter a terra, n? ( Janete, 2009).
Essa reclamao do tempo presente, marcado por um abandono de laos
e referncias coletivas, talvez permita pensar, nos termos de Elias,
num processo de individualizao em curso, que vem se ampliando ao
longo dos sculos de grupos bastante seletos e restritos da
sociedade para um conjunto maior da sociedade.
medida que os indivduos deixam para trs os grupos pr-estatais
estrei-tamente aparentados, dentro de sociedades nacionais cada vez
mais com-plexas, eles se descobrem diante de um nmero crescente de
opes. Mas tambm tm que decidir muito mais por si. No apenas podem,
mas devem ser mais autnomos. Quanto a isso, no tm opo. (Elias,
1994, p. 102).
No entanto, a explicao de Elias tomada, no caso aqui analisado,
no como fato, como algo dado, mas como tenso. Se tomarmos como
exem-plo os casamentos e a forma como muitos dos jovens se
relacionam com os papis sociais que o seu meio lhes atribui, as
referncias cronolgicas da gera-o anterior se colocam com muita fora
entre eles. Mas tambm poss-vel perceber que existe incorporada nos
jovens a expectativa de serem mais autnomos, e talvez esse elemento
constitua-se como uma das chaves para a elucidao de muitos
conflitos geracionais.
Neste artigo, o exame da tenso do que denomino como processo de
individualizao baseou-se na anlise de dois aspectos da vivncia de
sua juventude: de um lado, a relao com os espaos coletivos
existentes no plano local; de outro, a relao com o consumo de
massas. Para tanto, trato aqui do exame da trajetria de dois jovens
cuja insero nos espaos da cidade e na vida adulta condensa muitas
das caractersticas desse processo na vida de outros jovens de sua
vizinhana.
As trajetrias de vida, no mbito desse trabalho, foram
incorporadas levando em considerao a crtica de Sabina Loriga, que
nos alerta para os
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 79
riscos de se enclausurar a existncia [...] em busca de uma
improvvel unidade de sentido (Loriga, 1998, p. 246). Para Bourdieu,
a iluso biogrfica consiste na organizao, como linearidade histrica,
do que antes eram traos isolados (Bourdieu, 2000). O entendimento
que perpassa o presente artigo, e que moti-vou o recurso s
trajetrias pessoais, que elas permitem, como bem observou Sabina
Loriga (1998, p. 246), se interrogar no apenas sobre o que foi,
sobre o que aconteceu, mas tambm sobre as incertezas do passado e
as possibilidades vividas. De acordo com Loriga (1998, p. 248-249):
no necessrio que o indivduo represente um caso tpico, pois as vidas
que se afastam da mdia permitem perceber melhor o equilbrio entre a
especificidade do destino pes-soal e o conjunto do sistema social.
Nessa especificidade do destino pessoal, d-se relevncia dimenso da
escolha, nos termos j definidos acima.
Nas prximas pginas, concentro os esforos na anlise de duas
dessas trajetrias.5
A trajetria de Renato: projetos e elevao da autoestima
Renato estava com apenas quatro anos quando sua me participou da
ocupao que fez surgir a Nova Esperana. Como muitas outras crianas
de sua vizinhana, participou dos projetos que eram oferecidos
comunidade por ONGs comprometidas com o combate excluso social e
com a defesa dos direitos da infncia. Em que pese o vnculo da
localidade onde nasceu com a histria de lutas sociais e
enfrentamentos polticos na cidade, no s Renato, mas toda a sua
gerao teve uma trajetria bastante distinta da de seus pais,
especialmente no que se refere participao poltica. Assim como a
maioria dos jovens da Nova Esperana, Renato no participou de espaos
polticos como grmios estudantis. No entanto, sua passagem pela
escola foi marcada por um forte protagonismo. Em seus relatos,
ressaltou o quanto teve papel de liderana na turma, nos momentos em
que era necessrio questio-nar os professores, seus critrios de
avaliao, ou sua autoridade disciplinar. Tinha por hbito colocar-se
frente e falar por todos os colegas. Renato orgulha-se disso.
5 Entre 2008 e 2010 foram realizadas entrevistas com 12 jovens
da localidade.
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...80
Ser lder de turma eu no era, deixava pras outras pessoas. Mas
acontecia que da eu perguntava, s vezes ns tinha trs aulas de
matemtica, e tam-bm j respondia: Por que que a gente tem que ter
trs aulas de mate-mtica? Renato, vocs tm trs aulas de matemtica
porque vocs to muito ruim na classe, t? Ah, t. Ento, pelo menos...
porque outros ficam me perguntando: , Renato, pergunta l pro
professor se isso... Eles sentem medo, tm receio de perguntar, e eu
no tinha. (Renato, 2008).
Tambm nos projetos dentro da comunidade essa caracterstica se
fez presente (o que posso testemunhar como coordenador de algumas
ativida-des das quais Renato participou). De esprito carismtico e
forte magnetismo pessoal, sempre soube cativar aqueles que estavam
sua volta. No projeto dos bombeiros juvenis, desenvolvido pelo
Corpo de Bombeiros, recebeu apoio dos coordenadores das atividades
e sempre foi incentivado para que prosse-guisse nos estudos recordo
durante uma das entrevistas que um deles foi a sua casa pra
entregar-lhe apostilas para um concurso. Em outra ocasio,
mostrou-me um equipamento para escaladas que ganhou de presente de
um dos instrutores.
A sua trajetria apontou para a reflexo de muitos analistas do
tema da juventude brasileira contempornea e a participao poltica.
Tal reflexo se faz necessria porque havia, da parte daqueles que
coordenavam os pro-jetos na Nova Esperana (grupo no qual me incluo)
uma preocupao em incorporar os jovens do projeto, na poca de sua
implantao, com a par-ticipao na associao. Fruto de outro momento
poltico do pas, a parti-cipao poltica desses jovens deve ser
pensada em outros termos. Esse o pressuposto que orienta Paulo
Krischke em suas anlises sobre cultura pol-tica e participao
poltica no Brasil. O tipo de participao que esperamos (ou cobramos)
dos jovens est relacionado a outro modelo de participao e de
juventude, extrado muitas vezes, de outras realidades sociais:
Muitas vezes os pesquisadores e as lideranas investem na juventude
expectativas de mudana extradas de outros contextos, que no
condizem com a trajetria histrico-cultural do pas nem com os
incentivos e condies abertos sua participao ( Krischke, 2005, p.
323-324).
Na mesma direo dessa crtica de Krischke, Marlia Spsito (2005)
observa que se assume como parmetro de anlise o modelo de
participa-o constatado em outras dcadas, tal como, por exemplo, a
participao estudantil, e destaca a motivao dos jovens atuais com
relao aos temas
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 81
culturais em oposio ao seu afastamento das formas tradicionais
de parti-cipao poltica.6
A trajetria de Renato e de seus amigos, que evitam a participao
nos espaos polticos locais, o inscreve numa tendncia da juventude
de seu tempo. Bem falante, articulado, confiante, com magnetismo
pessoal (caris-mtico), corajoso no enfrentamento com autoridades:
as mesmas caracte-rsticas que o tornaram uma liderana entre os
jovens de sua localidade, o conduziriam, em outro contexto, a se
transformar em uma liderana de um movimento poltico.
Junto com outros jovens, foi liderana do grupo Ao Radical, o
qual, a partir do apoio da Universidade, realizava atividades de
rapel, escaladas, trilhas, alm da formao nos bombeiros juvenis, que
envolvia uma formao bastante prtica, incorporando as habilidades
dos esportes radicais, alm de testes de sobrevivncia. Examinar a
histria desse grupo e seu significado na trajetria de Renato
oferece algumas importantes reflexes acerca da condi-o juvenil em
classes populares. O grupo Ao Radical surgiu do desejo dos jovens
da Nova Esperana. A proposta partiu deles, mas foi viabilizada por
um projeto de extenso universitria. Houve uma grande adeso dos
jovens da localidade. Criaram um forte sentimento de grupo,
estabelecendo uma sociabilidade cotidiana e todo um conjunto de
regras de convivncia. Com relao a essas regras, que eram
formalizadas, chamou a ateno a forma como espontaneamente
estabeleceram um pacto antidrogas (os coordena-dores e monitores
eram orientados a no impor o debate dessa temtica aos jovens,
evitando que os projetos assumissem um carter modelador do
com-portamento dos jovens). Por esse pacto, a participao no grupo
tinha como condio no ser usurio frequente de drogas.
O final dessas atividades e a dissoluo do grupo coincidiram com
a entrada na vida adulta, quando muitos comearam a assumir
responsabilida-des da vida adulta. por esta via que Renato explica
o final do grupo:
Isso da foi... foi se acabando. Um fazia uma coisinha aqui,
outro fazia l, e a se acabou. Onde uns j to sendo pai, outros j
to... Ainda bem que ningum do foco no caiu, assim, nas drogas, ou
coisa pesada, assim... To
6 Spsito (2005) arrola toda uma diversidade de prticas coletivas
entre os jovens, ainda pouco visveis e escassamente investigadas,
tais como: a produo e circulao de meios de informao, como fanzines,
rdios comunitrias, produo de vdeos e de redes via internet, entre
outros.
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...82
tudo trabalhando. Das equipes de tutor to trabalhando. Pra tu
ver como o projeto teve importncia na pode ter acabado, mas acabou
assim, na hora que era para acabar, ele acabou, entendeu? porque...
da, porque o projeto pegou ns j com uma idade, as pessoas j tinha
que trabalhar, no sobrou muito tempo, foi se acabando, s que se
acabou numa hora boa, entendeu, na hora que era pra acabar mesmo...
O projeto pegou ns, assim, numa idade perigosa, e largou ns... ,
agora vocs se viram. (Renato, 2008).
A continuidade do grupo faria parte do que se convencionou
denomi-nar como prolongamento a juventude. No entanto, na hora que
era pra aca-bar mesmo. Enquanto encerrava suas atividades nos
projetos de extenso, Renato assumia uma srie de novos compromissos:
trabalho, paternidade e casamento, construo de uma casa.
Suas referncias ao novo momento de sua vida colocam em destaque
a busca da ascenso social, onde o trabalho e o comportamento de
poupana, no contexto de uma famlia bem organizada, so meios
importantes para chegar a essa meta.
Mais do que reproduo de um padro familiar (lembro que tais
ele-mentos no estiveram presentes em muitas famlias da primeira
gerao da localidade, at mesmo pela prpria precariedade das condies
que viven-ciavam) a defesa dessas prticas por parte de Renato pode
ser interpretada como ruptura de um ciclo que aprisiona os jovens a
uma dinmica de vio-lncia. Sua afirmao dos valores da famlia tambm
nos sugere considerar a observao de Gilberto Velho (1999) de que os
projetos individuais, no contexto de uma sociedade marcada por uma
ideologia individualista, no significam necessariamente afirmao de
um estilo de vida que rompa com as configuraes de valores e
instituies tradicionais, as unidades encom-passadoras. A ruptura
com o passado de militncia poltica e participao comunitria da gerao
anterior no tem que se traduzir obrigatoriamente, na trajetria de
Renato, em um estilo de vida individualista. A afirmao de estilos
de vida, em oposio s referncias cronolgicas, no ocorre sem
ambiguidades. Segundo Gilberto Velho, tais ambiguidades seriam a
prpria marca da vida na sociedade moderna. Outra dimenso destacada
por Renato tem a ver com a questo do isolamento social, a qual
parece ser menor do que a me. Em sua trajetria, observa-se uma
insero maior nos espaos da cidade. A experincia de trabalho na
Assembleia Legisla-tiva pode ser tomada como experincia de
reconhecimento de outro espao
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 83
social, de contato com outro universo social e da percepo das
habilida-des necessrias para enfrentar esse meio.
Que eu fui, eu fui selecionado, eu fui chamado, no teve nenhuma
que eu fui assim, sabe, eu ligo depois, nunca ela falou eu ligo
depois. Ento eu pego o teu nmero, comparea aqui tal dia... Isso que
eu aprendi bastante, que era o foco do projeto, era esse, de tu
saber se relacionar com as pessoas, e tu crescer na vida. Eu acho
que eu peguei bastante o foco do projeto, assim, o objetivo do
Antonieta de Barros era ensinar pras pessoas, tu saber escolher o
que tu quer trabalhar, no o que.. a pessoa t l trabalhando, p, mas
nem gosta de trabalhar, se alevanta... Tu se alevanta pra trabalhar
todo dia tem que l fazer uma coisa que tu no gosta ou que tu no...
entendeu? Da, no, o foco trabalhar o que tu gosta, tu saber se
relacionar com as pessoas. (Renato, 2008).
Mais do que a declarada experincia de conhecer a poltica, o
impor-tante que Renato destaca que viu, que presenciou, que
incorporou no seu rol de experincias o contato com um mundo que at
ento lhe foi sempre bastante distante. Parece no ter aprendido
muito de poltica, mas aprendeu de convvio com o ambiente dela:
passou a sentir-se mais parte da cidade onde vive. No entanto, sua
trajetria no significou apenas uma adeso ao individualismo de
massas (Peralva, 2000). Renato diferencia-se dos outros jovens
destacando esse aspecto, e posicionando-se criticamente com relao
ao consumo. Assim ele justifica a compra de seu carro: O carro foi
porque d pra levar compras de supermercado, pra me, levar ela,
fazer as coisas. Eu sou um guri que no peguei o carro pra mim,
assim, eu peguei pra minha famlia, assim, entendeu?. Alm de
justificar o seu consumo por questes familiares, tambm critica o
comportamento de outros jovens de sua localidade quando a questo
comprar:
Pago at agora, t ralando, no tem? Como bom tu sair com a tua
moto, sair com o teu carro, porra, no devo nada pra polcia, a
polcia vem, tu pega o documento, , a minha carteira de motorista, o
documento do carro, t aqui pra tu no se incomodar, entendeu? Mas eu
no posso meter um Golf se eu no tenho condies de pagar um Golf, mas
amanh ou depois eu posso ter trabalho ganhando seis mil, vou
juntando, guardo um dinhei-rinho, eu posso ter um Golf, entendeu?
Mas o jovem no tem pacincia,
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...84
do jovem, mesmo, entendeu, no tem, eles no tm, no esperam: No,
eu quero s para mostrar, e quando eles vo mostrar no vale mais a
pena, ou j esto na cadeia. do jovem mesmo, do adolescente, , eu
quero, eu quero, eu quero, no, o jovem no tem pacincia, n? Eu
mesmo... j fui adolescente, adolescente pacincia no existe, n? No
tm pacincia, cara, eles no tm, no tm, querem ter corrente de prata,
querem andar... agora... (Renato, 2008).
Isso relativizando a anlise de Peralva, pois em sua percepo h
uma sria crtica ao consumismo de muitos outros jovens, embora essas
atitu-des de consumo estejam tambm presentes no comportamento de
Renato, como, por exemplo, sua fixao em ter automveis ou
motocicletas. Mas, na percepo que tem de si mesmo, sua relao com o
consumo mode-rada, e explica muitas das suas escolhas, se
comparadas com a de outros jovens. Criticando muitos dos jovens que
se inserem no mundo da crimi-nalidade, Renato diz:
Eles quiseram ter as coisas e no quiseram trabalhar. Quem vem
dizer pra mim, hoje, assim, ah, eu uso droga e no como. No, a,
ele... eu sei, eu vivi, eu sei, os meus amigos tm a mesma idade que
eu, estudamos nove anos, estudamos quase a mesma coisa, porque eu
consegui e eles no consegui-ram? Entendeu? Eu acho assim, , no me
bota na cabea ah, por causa da educao, no sei o que... no porque tu
tem que entender o que tu quer... entendeu? ah, eu quero um carro,
ento, p, ento trabalha... trabalha, entra um dinheirinho, compra um
carrinho, depois vai indo, entendeu? No, eles j querem um Golf...
(Renato, 2008).
Renato traa caminhos que o distanciam da gerao anterior: muito
mais voltado para sua ascenso individual, no desenvolve prticas
associa-tivas, ao contrrio de sua me, que fez da participao poltica
e comunitria um modo de vida. No caso de Renato, suas escolhas o
encaminharam para um processo de individualizao (nos termos de
Elias), e podem ser pensadas muito mais como o afastamento do risco
comum aos jovens de seu meio do que como ruptura com o
comunitarismo e o militantismo.
Por outro lado, pode ser pensada como a presena elementos de
perma-nncia com relao gerao anterior, ao assumir as mesmas
referncias cro-nolgicas de seu meio, tornando-se pai, trabalhador,
adotando uma tica do
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 85
provedor (Zaluar, 2000). O projeto de Renato, assim, se rompe
com o comu-nitarismo e o militantismo da gerao anterior e com os
laos sociais locais, reafirma os valores da famlia. Por trs da tica
do provedor, um projeto.
Letcia: entre sair e ficar
Na poca da ocupao, Letcia ainda era uma criana de colo. Eu a
conheci quando tinha onze anos, no incio da dcada passada, l pelos
anos 2000, 2001. Teve seu primeiro filho aos dezoito anos. Em 2009,
aos vinte anos, era me de uma menina. uma jovem cuja beleza, aliada
a uma grande simpatia, chama a ateno de quem a conhece, aparentando
muita segurana e autoconfiana. Casou-se por conta de uma gravidez
no planejada, mas ficou viva em razo de um acidente sofrido pelo
marido.
Participou intensamente dos projetos desenvolvidos na localidade
e sobre esse ponto pretendia me debruar na entrevista. Assim,
iniciei com uma pergunta sobre os projetos que a Universidade havia
desenvolvido na Nova Esperana, indagando de quais havia
participado. Disse que havia par-ticipado de muitos, que estava em
todos. Dos que mais gostou, destacou o de trilhas, que fez com uma
jovem estudante que compunha a equipe de exten-sionistas da Udesc.
Das pessoas que trabalhavam nos projetos, foi com ela que teve a
melhor relao. Sobre os projetos considerados importantes para a sua
vida, apontou o projeto de informtica, no qual trabalhou como
monitora.
Tambm mencionou o curso (as aulas) de educao sexual. Disse que
foram as que mais ficaram, mas comentou que, apesar delas,
engravidou sem ter planejado.
Minha me falava: um dia tu vai crescer, tu vai casar, tu vai ter
filho e eu: Deus que me perdoe, eu no quero casar, eu no quero
nunca ter filho. Pergunta para minha me, eu falava: Eu nunca quero
casar! Cruz, me amarrar em homem, Deus que me livre!. Foi castigo!
Paguei a lngua! Ela falava pra mim: T vendo como tu pagou a lngua?
Nunca mais tu fala essas coisas, que agora tu casou e tem um filho,
olha a, . Eu nunca ia ima-ginar que eu ia ter um filho, que eu
realmente no tenho pacincia com criana. (Letcia, 2009).
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...86
Ponto de convergncia das trajetrias dos jovens aqui
investigados, os projetos socioeducativos de que participaram so
unanimemente reconheci-dos da parte dos que foram importantes para
suas vidas, mesmo que os bene-fcios prticos no tenham aparecido de
modo direto, explcito, evidente. Mesmo quando suas prticas
aparentemente recusavam de todo os ensina-mentos das oficinas o
caso de Letcia e sua gravidez no planejada (caso em que no a nica)
, elogiam de modo sincero os projetos; reconhecem sua importncia e
no veem contradio entre isso e suas prticas aparentemente
contraditrias com o discurso. Utilizo, no caso das oficinas de
educao sexual, o termo aparentemente porque, segundo os
professores, a ideia no era redirecionar as prticas e as condutas,
mas fornecer informaes e pro-porcionar reflexes que contribussem
com a escolha sobre as suas prprias prticas, respeitando, com isso,
a autonomia dos participantes das atividades.
A trajetria de Letcia pode elucidar um pouco a aparente
contradi-o. De um lado, os projetos preencheram a juventude,
demarcaram um momento de convivncia coletiva. Coincidiram com uma
etapa de vida. De outro, o reconhecimento diz respeito aquisio de
um novo habitus,7 de um conjunto de disposies que proporcionam
maior segurana social e abertura para outros contatos sociais (o
que Nadir Azibeiro (2006) muito bem desta-cou como desconstruo de
subalternidades). Oportunizaram experincias que a conduziram ao
exerccio dessas habilidades.
Letcia, filha de Marta, foi criada sem a presena do pai. Filha
caula, cresceu na Nova Esperana com mais dois irmos, homens. Entre
os filhos, foi a mais aplicada na escola, pois sempre gostou de
estudar.
Adaptou-se bem aos projetos que se iniciaram quando era ainda
criana estava ento com dez anos. Desde ento, passou a se integrar s
mais varia-das atividades que aconteciam na Nova Esperana. Embora
de carter educa-tivo, essas atividades se misturavam com o lazer,
preenchiam o tempo livre, com o que no era ocupado pela escola,
aspecto nunca descuidado por sua me, e ao qual igualmente se
adaptou bem, em tudo sempre considerada boa aluna.
Letcia parece ter tido as possibilidades de vivenciar o lazer
intensamente. No incio da adolescncia, j comeava a fazer suas sadas
noturnas, em gru-pos de amigas da vizinhana. Vivncia de um lazer de
classe, sem dvida, pois
7 Um novo habitus implica a criao de um novo sistema de
disposies, que funcionariam como princ-pios organizadores de novas
prticas e representaes (Bourdieu, 1996; Martins, 1990).
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 87
se restringia mais ao continente. Seu grupo no frequentava, por
exemplo, a regio do centro ou a Lagoa, bairros preferidos pelos
jovens de classe mdia da cidade. Mas circulou para alm dos limites
locais, enfrentando a falta de recursos. Conta as aventuras, como
ficar sem dinheiro, por gastar muito na noite e ter que voltar a p
de uma boate muito distante de sua casa.
No reclamava de dificuldades de relacionamentos, mesmo quando
mudou de rea foi morar em Barreiros. Demorou um pouco para se
acos-tumar. Sentiu falta das amizades que tinha na Nova Esperana,
mas fez novas amizades e montou, junto com seu irmo, um grupo de
dana (de ax).
Com o casamento, seu cotidiano sofreu muitas limitaes,
especial-mente no que toca ao lazer, mas continuou vivenciando a
juventude: saa uma vez por ms, por falta de recursos, e restringia
a sociabilidade aos encon-tros em casa mas tudo certo. Letcia
parece ter gostado bastante dessa alternativa, ligada a uma nova
fase de sua vida.
Praticamente, a gente ficava mais em casa, n, quando a gente no
tinha dinheiro pra sair. Reunia todo mundo quando no tinha dinheiro
opa, vamo l pra casa, a gente faz um churrasquinho, a juntava todo
mundo, o dinheirinho que tinha, a gente ia no mercado, comprava uma
carninha, fazia um churrasco, jogava domin, uma canastra...
(Letcia, 2009).
A gravidez, seguida do casamento, e a mudana da Nova Esperana
pare-cem ter demarcado uma fase posterior da juventude. Saa com os
amigos de seu marido, no mais com as amigas, com as quais
aprontava, se aventurava (tal como no relato sobre a volta a p da
New Time). Aps o casamento, e com a maternidade, ficaram as
saudades de um tempo. Em seu relato biogr-fico, demarcou uma etapa
de vida: A pegamo e viemo andando... mas era uma poca to boa.
Pergunto: Tu sente saudade disso?. Muita, muita, eu sinto muita
saudade de quando eu era mais nova, ela responde.
Com relao s amizades, disse que agora, aps a morte de Fbio, no
tem mais amigos. Mesmo Lisa, que andava sempre com ela, no mais o
mesmo: ela trabalha o dia inteiro, estuda noite, e quando se veem,
oi e tchau.
Revelando maturidade, talvez forada pelas dificuldades que tem
enfrentado ao longo da vida (pobreza, ausncia do pai, maternidade
precoce e indesejada, morte recente e prematura do marido), quando
fala do trabalho tem muito claro que deseja conquistar
estabilidade. Pensa em fazer concurso
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...88
para o Estado, e seu sonho, dentro disso, ser policial, o que
passa tambm por um curso de Direito. Ela diz: mas o que eu mais
quero, mesmo, con-curso da polcia. Mas isso parece estar afetando
outros projetos que j havia revelado em outros tempos, quando
adolescente, como o de ser modelo. De qualquer modo, parece que a
maturidade sua marca, pois, ao invs do des-lumbramento, tem a
percepo das dificuldades inerentes imerso nesse campo, totalmente
estranho para ela.
Entre seus projetos, est o de comprar uma casa (j deu entrada
nos papis para um financiamento). Ao contrrio do que me havia dito
em outra ocasio, no pretendia mais construir atrs da casa de sua
me. Perguntei por qu, e ela respondeu que quer uma casa que seja
sua, resultado de sua luta. Como sua me lutou pela casa que tem,
ela tambm quer ter uma casa que seja sua, que venha de seu
esforo.
No quer educar os seus filhos na Nova Esperana, no ambiente para
eles. Acha que, por conta da violncia, mudou muito. Quanto ao
pessoal ven-dendo essas coisas (como muitos outros moradores,
hesita antes de falar; sua voz quase some quando se refere ao
trfico ou s drogas e, como outros mora-dores, at evita mencionar
essas palavras). Perguntada, atribui essas mudanas ao pessoal de
fora. Mas tambm ao pessoal daqui mesmo, que se juntou.
Tudo indica que o bairro aonde foi morar guarda algumas
diferenas com relao Nova Esperana. H um respeito maior privacidade,
cujo desrespeito na Nova Esperana parece ser reclamao geral. O que
explica-ria isso? O passado comum, e o conhecimento mtuo, em uma
situao de vivncia coletiva partilhada entre todos? A disposio das
casas, voltadas para dentro de si, com a vista recproca de um
morador para com o outro?
Olha... o bom de morar l em Barreiros que um bairro quieto. um
bairro que tu faz o que tu quer e ningum se mete na tua vida,
entendeu? Agora, aqui se tu faz alguma coisa, todo mundo j t
sabendo, todo mundo j t falando, todo mundo v, todo mundo sabe.
Ento, l em Barreiros no, l diferente: tu faz... por exemplo: eu vou
fazer uma reforma, ningum se mete, ningum quer saber se tu t
fazendo alguma coisa ou no t, se deixa de fazer alguma coisa.
Agora, aqui, no: se tu faz alguma coisa todo mundo j t comentando,
todo mundo t falando isso e aquilo, e fica aquele comentrio, assim,
sabe, no ar. Eu gosto l de Barreiros por causa disso: porque ningum
se mete na tua vida. Tu faz o que tem que fazer, tu no faz, ento,
um bairro muito bom, muito quieto... (Letcia, 2009).
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 89
Com essas palavras, junta-se ao coro dos que reclamam da falta
de pri-vacidade. No entanto, no reclamava dessa invaso, mesmo
morando num terreno compartilhado, entre familiares, embora tenha
reconhecido a exis-tncia de alguns problemas. Reconheceu-os aps eu
perguntar: Mas, aqui, a interferncia, se familiar, tolerada, faz
parte da famlia. O problema a interferncia de vizinhos, afirma
Letcia.
Chama a ateno sua segurana, o que no constatei em outros
jovens.8 A autoconfiante Letcia pretende sair, porque deseja algo
melhor para si, ao contrrio de outros jovens, que no apresentam
projetos de futuro. Letcia demonstra ambies; persegue seu sonho de
ser policial, qui at delegada.
Mesmo que Letcia tenha passado por momentos de instabilidade,
algo inerente juventude ou sua condio de classe, vivenciava o
momento com uma disposio que a diferenciava de muitos jovens de seu
meio. E sua dispo-sio aponta para a sada para outros espaos
sociais.
Concluses
As trajetrias de Renato e de Letcia guardam muito em comum com
as de outros jovens de sua localidade, cujas trajetrias foram tambm
investiga-das, embora no aqui expostas. Um destes aspectos, e que
os diferenciam da gerao de seus pais no que diz respeito participao
em espaos coletivos locais, uma sociabilidade que se desenvolveu em
projetos educativos e, a partir deles, a insero em novos
espaos.
Os projetos no lhes criaram alternativas profissionais, mas lhes
propor-cionaram uma maior insero social. Criaram tambm a
possibilidade, de um lado, de fugirem a um destino comum a muitos
de seus vizinhos, de crimi-nalidade ou de vcio. De outro lado,
proporcionaram-lhes a oportunidade de uma maior insero no mundo da
cidade, dando-lhes as ferramentas para, a partir de suas
individualidades, buscarem alternativas para suas vidas.
Tais aspectos no esto isolados, pois a segurana adquirida com os
pro-jetos os afastaram, de diferentes maneiras, dos laos locais. Os
depoimentos revelam, em Renato, a recusa de um modo de ser jovem
(um estilo de vida).
8 Em outras entrevistas realizadas com jovens da localidade, foi
possvel constatar essa ausncia de expec-tativas quanto ao futuro.
Tais depoimentos, no entanto, no sero reproduzidos nos limites
desse artigo. Sobre esses jovens, consultar Canella (2011),
especialmente o sexto captulo.
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...90
Ao valorizar a famlia, o comportamento de poupana, relacionados
a uma conscincia adquirida nos projetos, Renato afirma sua
individualizao e se afasta de seu antigo universo de convvio
social. Letcia, por sua vez, mostra--se decidida a sair e construir
seu espao distante de uma comunidade que no para ela nem para
educar os filhos. Tambm se afasta de uma vizinhana que ameaa sua
individualidade.
Os projetos significaram uma transio para outro tipo de habitus,
o qual lhes permitiu, por exemplo, buscar alternativas
profissionais (mesmo que os projetos no os tenham
profissionalizados). Nesse processo de tran-sio, as diferenas se
fizeram sentir entre eles, mas mudaram as disposies internalizadas
dos que continuaram nos projetos, como ocorreu com Letcia e Renato.
Assim pode ser pensada a incorporao pelos jovens de um senti-mento
de autoestima e de segurana, que favoreceriam aes mais
respons-veis, maior autodisciplina, maior responsabilidade e
autonomia.Termo que era quase uma palavra de ordem entre os
participantes dos mais variados pro-jetos (bolsistas, voluntrios e
professores): o objetivo de elevao da autoes-tima dos jovens. O
termo foi muito bem apropriado por eles (os moradores da Nova
Esperana). Nas menes a si mesmos, como indivduos ou cole-tividade,
sempre foi destacada a elevao da autoestima (especialmente em
Renato). Algo perfeitamente compreendido e incorporado por eles e
relacio-nado com o reconhecimento intersubjetivo do sujeito til e
cidado, de que fala Jess Souza (2003), ou da constituio do
indivduo, como menciona Velho (1999).
Pode-se dizer que os projetos os articularam coletivamente, mas
no no sentido de intermediar com a esfera pblica citadina, tais
como o fariam a associao de moradores e outras entidades.
Mobilizaram os jovens coletiva-mente, mas no sentido de
encaminh-los para buscas individuais, reforando processos de
individualizao. Assim podem ser interpretadas as percepes negativas
dos jovens sobre as sociabilidades no plano local. Tambm permi-tem
entender porque tanto enfatizaram em seus discursos (e o quanto de
fato adquire centralidade em seus projetos) o bem-estar individual,
no plano privado, cujo foco se concentrava em ter casa prpria,
trabalho e constituir famlia.
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 91
Referncias
AZIBEIRO, Nadir Esperana. Educao intercultural e comunidades de
periferia: limiar da formao de educador@s. 338 p. Tese (Doutorado
em Educao) UFSC, Florianpolis, SC, 2006.
BOURDIEU, Pierre. A iluso biogrfica. In: FERREIRA, Marieta de
Moraes; AMADO, Janana (Org.). Usos e abusos da histria oral. Rio de
Janeiro: FGV Editora, 2000. p. 183-191.
CANELLA, Francisco. A Ufeco e o Movimento dos Sem-Teto: prticas
instituintes nos espaos polticos da cidade. 154 p. Dissertao
(Mestrado em Sociologia Poltica) UFSC, Florianpolis, SC, 1992.
______. Entre o local e a cidade: memrias e experincias de duas
geraes de moradores da periferia urbana em Florianpolis
(1990-2010). 275 p. Tese (Doutorado em Cincias Sociais) Uerj, Rio
de Janeiro, RJ, 2011.
______. Lembranas do passado e sentidos do presente: notas sobre
o sentimento de unio em uma localidade da periferia de Florianpolis
(1990-2010). In: NASCIMENTO, Francisco Alcides do (Org.).
Sentimentos e ressentimentos em cidades brasileiras. Teresina:
EDUFPI; Imperatriz: tica, 2010. p. 209-236.
DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e
participao poltica no Brasil ps-70. Rio de Janeiro: Relume Dumar;
Anpocs, 1995.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivduos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
FANTIN, Maristela. Construindo cidadania e dignidade.
Florianpolis: Insular, 1997. v. 1.
FERRAROTTI, Franco. Sobre a autonomia do mtodo biogrfico.
Sociologia: Problemas e Prticas, Lisboa, n. 9, p. 171-179,
1991.
GOHN, Maria da Glria. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas
clssicos e contemporneos. So Paulo: Loyola, 1997.
KRISCHKE, Paulo J. Questes sobre juventude, cultura poltica e
participao democrtica. In: ABRAMO, Helena W.; BRANCO, Pedro M.
(Org.). Retratos da juventude brasileira: anlises de uma pesquisa
nacional. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo; Instituto
Cidadania, 2005. p. 323-350.
LORIGA, Sabine. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques
(Org.). Jogos de escalas: a experincia da microanlise. Rio de
Janeiro: FGV Editora, 1998. p. 225-249.
MARTINS, Carlos Benedito. A pluralidade dos mundos e das
condutas sociais: a contribuio de Pierre Bourdieu para a Sociologia
da Educao. Em aberto, Braslia, v. 9, n.46, p. 59-72, abr./jun.
1990.
-
CANELLA, Francisco. Jovens de periferia e a cidade: trajetrias
de vida e processos de individualizao...92
NOVAES, Regina. Os jovens de hoje: contextos, diferenas e
trajetrias. In: ALMEIDA, Maria Isabel Mendes; EUGNIO, Fernanda
(Org.). Culturas jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006. p. 105-120.
PERALVA, Angelina. Violncia e democracia: o paradoxo brasileiro.
So Paulo: Paz e Terra, 2000.
______. O jovem como modelo cultural. Revista Brasileira de
Educao, Rio de Janeiro, n. 5/6, p. 15-24, maio/dez. 1997.
RIBEIRO, Edala Maria. Movimentos sociais em tempos de democracia
e globalizao em Santa Catarina: os anos 90. Florianpolis: Fundao
Boiteaux, 2005.
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e relaes sociais. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1979.
SOUZA, Jess. A construo social da subcidadania: para uma
sociologia poltica da modernidade perifrica. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2003.
SPSITO, Marlia Pontes. Algumas reflexes e muitas indagaes sobre
as relaes entre juventude e escola no Brasil. In: ABRAMO, Helena
W.; BRANCO, Pedro M. (Org.). Retratos da juventude brasileira:
anlises de uma pesquisa nacional. So Paulo: Fundao Perseu Abramo;
Instituto Cidadania, 2005.
TELLES, Vera da Silva. Anos 70: da experincia da derrota
construo de novos espaos pblicos. In: KRISCHKE, Paulo; MAINWARING,
Scott (Org.). A igreja nas bases em tempo de transio. Porto Alegre:
L&PM, 1985.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das
sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
ZALUAR, Alba. A mquina e a revolta: as organizaes populares e o
significado da pobreza. So Paulo: Brasiliense, 2000.
Fontes orais
DER. [22 anos]. [2009]. Entrevistador: Francisco Canella.
Florianpolis, 2009.
JANETE. [48 anos]. [2000]. Entrevistador: JanianeDolzan.
Florianpolis, 2000.
JANETE. [58 anos]. [2009]. Entrevistador: Francisco Canella.
Florianpolis, 2009.
LETCIA. [20 anos]. [2009]. Entrevistador: Francisco Canella.
Florianpolis, 2009.
MARTA. [50 anos]. [2009]. Entrevistador: Francisco Canella.
Florianpolis, 2009.
RENATO. [22 anos]. [2008]. Entrevistador: Francisco Canella.
Florianpolis, 2008.
-
Histria Oral, v. 17, n. 2, p. 69-93, jul./dez. 2014 93
Resumo: O artigo discute trajetrias de vida de jovens de uma
localidade da periferia empobrecida de Florianpolis, analisando as
mudanas nas suas relaes com os espaos locais de participao e suas
inseres no mundo da cidade. A histria da localidade onde vivem
relaciona-se com as lutas empreendidas pelo movimento dos sem-teto
no final dos anos 1980, o que caracterizou o forte engajamento em
aes coletivas da gerao de seus pais. Assim, as dimenses pblica e
privada da vida dos jovens so mais bem compreendidas se
contrastadas com a forma como a gerao de seus pais se relacionou
com os espaos locais e seus distintos processos de insero no mundo
da cidade. Os dados que fundamentam esse artigo foram coletados por
meio de entrevistas (seguindo a metodologia da histria oral) e por
observao participante. Enquanto a primeira gerao de moradores,
formada pelos pais dos jovens aqui analisados, tem como trao
distintivo ter encontrado na mobilizao coletiva a principal
estratgia para a conquista de seu espao, o exame das trajetrias de
vida da segunda gerao revela significativas mudanas em seu processo
de insero na cidade.
Palavras-chave: jovens, periferia urbana, individualizao.
Young people from impoverished outskirts and the city: life
trajectories and individualization processes (Florianpolis,
2000-2010)
Abstract: This article discusses life trajectories of young
people from a poor neighborhood of Florianpolis (Brazil), and
analyses how the changes in their relationship with the local
spaces of participation. The history of the neighborhood is
connected with the struggles of the homeless movement at the end of
the 1980s, which characterized their parents strong engagement in
collective actions. Thus, the public and private dimensions of the
young peoples lives are better understood if compared to the way
their parents generation related to the local spaces, and their
individual processes of insertion in the world of the city. The
fundamental data for this work were collected by means of
interviews (based on the oral history methodology) and ethnographic
observation. Whereas the first generation of dwellers, composed of
the young peoples parents, has as a distinctive feature the fact
that they found in the collective mobilization the main strategy to
conquer their space, the examination of the life trajectories of
the second generation shows significant changes in their process of
insertion in the city.
Keywords: young people, impoverished outskirts,
individualization.
Recebido em 20/10/2014Aprovado em 2/12/2014