Jornalistas fogem do tradicional ao unir o romance e a realidade S ão, grosso modo, 7 anos de jor- nalismo em 390 páginas. Lança- do no Brasil em 2010, o livro A turma que não escrevia direito (edito- ra Record) traz a história por trás das histórias: o contexto e as situações que envolveram a produção das reporta- gens de Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. ompson, Joan Didion, Lillian Ross, John Sack e Mi- chael Herr, escritores e repórteres que fizeram parte do chamado Novo Jor- nalismo. Marc Weingarten, também autor de Quem Tem Medo de Tom Wolfe?, entrevistou os principais par- ticipantes do movimento que decidiu utilizar recursos da literatura em re- portagens jornalísticas e buscar uma forma de contar os fatos que explicasse as grandes mudanças políticas, sociais e culturais da sociedade americana nos anos 60. Eles eram cronistas de uma época frenética: os norte- -americanos estavam envolvidos com a guerra e havia o rock’n’roll, as drogas, os hippies e o presidente Nixon. Havia também uma insatisfação geral com a forma com que o jornalismo era feito e um grupo totalmente disper- so e diferente que resolveu mudar. “Não vejo porque eu não deveria tentar fazer um artigo factual em forma de romance, ou talvez um romance em formato factual”, dizia Lillian Ross. “O que estava er- rado em todo o jornalismo era que o repórter tendia a ser objetivo e que esta era uma das maiores mentiras de todos os tempos”, di- zia Norman Mailer. Bancados por corajosos editores simpáticos à mudança, os escritores faziam o que bem entendiam - e dava certo. “A regra número um do novo jornalis- mo é: as antigas regras não se aplicam”, disse Tom Wolfe, quem nomeou o movimento e o definiu como sendo “um jornalismo que se lê como ficção e que soa como a verdade do fato relatado”. Segundo Clay Felker, editor da revista New York, Norman Mailer “simplesmente pegou o formato e o explodiu, mostrou aos escrito- res que havia outras possibilidades” - e isso se aplica a todos eles. Não se tratava, por exemplo, de conse- guir descrever bem e corretamente um indivíduo, mas jun- tar características de vários para montar o que seria a personificação de uma ten- dência. “Pensávamos em idéias como sendo o nosso assunto. As pessoas eram interessantes para nós na medi- da em que personificavam certos con- ceitos”, disse um dos editores da New York, Jack Nessel. “Um grande dogma do Novo Jornalismo era colorir fatos e personagens como um aquarelista para chegar a uma verdade emocional e filosófica maior”, diz o autor do livro. Entre os recursos do Novo Jorna- lismo estavam a descrição minuciosa da aparência física e da personalidade de pessoas, a reconstituição de diálo- gos, a criação de monólogos internos (pensamentos) e as onomatopeias (“Ggghhzzzzzzhhhhhggggggzzzzzzeeeeong – gawdam!”, interpretação de Wolfe para o arrancar de um carro). Era comum o repórter se colocar como personagem da história, modificar aquilo sobre o que escrevia e en- feitar situações. Hunter S. ompson era quem levava esses instrumentos ao extremo - às vezes além da con- ta. Uma frase que ompson escreveu em um de seus ensaios talvez represente essa vontade que eles tinham de “escrever errado”: “Retroceda as páginas da história e veja os homens que moldaram o destino do mundo. Segurança nunca era com eles, mas eles vive- ram, em vez de existi- rem”. O estilo dos novos jornalistas gerou muita controvérsia, mas as re- portagens conseguiam explicar contextos e nu- ances que o jornalismo comum não alcançava. Foram alguns poucos veículos que protagoni- zaram o “motim” con- tra tudo que era considerado convencional: a revista Esquire, o suplemento dominical do jornal New York Herald Tribune, a revista New York (que surgiu a partir do Tribune) e a Rolling Stone. Com o passar dos anos, porém, todos passaram a se adequar a demandas do pú- blico e dos anunciantes, publicando mais matérias de serviço e comportamento do que qualquer outra coisa. Em A turma que não escrevia direito, Weingarten mostra como o Novo Jornalismo foi tragado pelas exi- gências do mercado e o quanto se perdeu com isso. Faz com que os leitores se interessem pelas referências que traz e, mais que isso, evidencia o buraco no qual a im- prensa de hoje se enterrou - buraco de onde saem pe- quenas porções de informação facilmente digeríveis. A maior discussão que ele faz não é sobre uma ques- tão de estilo, sobre “escrever direito”, mas sim sobre a função do jornalista de ampliar o fato para o leitor além do que aconteceu. Porque atualmente os profissionais se escondem atrás da imparcialidade, e se esquivam de fazer o que seria, verdadeiramente, o jornalismo. Autores norte-americanos utilizam as liberdades dos recursos literários para retratar tendências culturais da década de 1960 A redação da Realidade, revista que publicava textos com traços de literatura “Trata-se do jornalismo que se lê como ficção, e soa como a verdade do fato relatado” Um homem do povo e dos incendiários James Earl “Jimmy” Breslin foi recrutado para trabalhar no suplemento dominical do New York Herald Tribune, um dos redutos do Novo Jornalismo, quando era repórter na editoria de esportes do New York Journal-American, em 1983. Fascinado pelos personagens derrotados e inspirado pelo lugar onde nasceu - o Que- ens-, Breslin passou a escrever colunas sobre indivíduos que nunca conseguiram ir muito longe. Filho de dois alcoólatras, era um estudante pobre, fazia faculdade de noite e escrevia de dia. As melhores histórias de Nova York estavam, para ele, na classe trabalhadora. Breslin fazia todas as suas pesquisas a pé, frequentemente em bares. Percebia que as melhores idéias de reportagens eram aquelas que soavam boas depois da ressaca. Descrevia persona- gens como “Marvin the Torch”, incendiário profissional, e com suas narrativas dava vida ao que relatava como nenhum outro repórter da época. Com muitos diálogos e humor negro, buscava arrancar risadas dos leitores. Enquanto todos escreviam com relativa ante- cedência, Breslin tinha uma luta ferrenha com os prazos de entrega das matérias: sentava à maquina quando só faltava uma hora e meia para o dea- dline. Não mudava seu texto por nada, nem pelo homem que assinava seu cheque toda semana, e se vários repórte- res seguiam em uma direção, Breslin ia para o outro lado, em busca da “verdadeira história”. Dos Novos Jornalistas, ele se considera o último. Quando soube da morte de Norman Mailer, em 2007, o New York Times relatou sua reação aos telefonemas da imprensa na ocasião: “‘Todo mundo já morreu” Breslin disse, e o tele- fone tocou. Era a NPR [rádio pública nacional dos EUA] ligando de novo, e ele gritou para sua mulher ‘fala pra eles que eu morri’”. O humor negro continua sendo um dos seus pontos fortes. E ele continua escrevendo, no alto dos seus 82 anos - mas agora, na internet. Leia em: http://goo.gl/iiq8e Repórter não é visto como um escritor Foram bastante esporádicas as manifestações do uso da literatura no jornalismo do Brasil, segundo Neila Bianchin, professora e escritora do livro Romance Reportagem. A maior delas, diz, é a revista Realidade, com um texto “mais livre e rico em contextualização” do que a maior parte dos veículos da época. Bianchin defende que essas tentativas, de uma forma geral, representam uma insatisfação dos jornalistas com um texto que só respondia as perguntas “O que? Quando? Onde? Como? Por quê?”. Como nos jornais não ha- via espaço ou incentivo para reportagens do tipo, Bianchin diz que os jornalistas come- çaram a utilizar as notícias publicadas para escrever livros. “Eles se propunham a ‘contar a história verdadeira’, explo- rar os motivos e contextos de determinadas situações. Isso aconteceu principalmente com matérias de polícia”. Para ela, foi assim que surgiu o “Roman- ce Reportagem”, um híbrido de jornalismo e literatura que pode ser comparado ao Novo Jornalismo americano. Esses livros, como Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (José Louzeiro) e A menina que comeu césio (Fernando Pinto), foram criticados por não serem nem a literatura padrão, e nem bem jornalismo - ao roman- cear o fato, as obras estariam pecando na objetividade jorna- lística. Para escrever de forma romanceada, diz Bianchin, o repórter não pode modificar o fato e deve ser ético - mas isso “não necessariamente precisa limitar os instrumentos utiliza- dos para conduzir a narrativa”. A reportagem convencional não conseguia explicar o contexto social da contracultura Jorge Butsen Associated Press Florianópolis, 29 de novembro de 2012 Edição nº1 - Ano 1 Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto • Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Luisa Tavares • Colaboração: Júlia Schutz, Lucas Sampaio e Rafaella Coury • Serviços editoriais: e New York Times e Observatório da Imprensa Impressão: Postmix • Novembro de 2012 Retrato dos bastidores do “new journalism” 1