12ª edição Carolina Editorial Epígrafe Adeus! Adeus, eu vou morrer! E deixo esses versos ao meu país Se é que temos o direito de renascer Quero um lugar, onde preto é feliz. “Carolina Maria de Jesus” A poesia Foi assassinada pela polícia E jogada no lixão! Mas ela estava grávida E o que ninguém esperava É que ali Nasceria sua filha, Pariu Carolina! Formato especial para a Daniel Neves
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12ª e
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EditorialEpígrafeAdeus! Adeus, eu vou morrer!E deixo esses versos ao meu paísSe é que temos o direito de renascerQuero um lugar, onde preto é feliz.
“Carolina Maria de Jesus”
A poesiaFoi assassinada pela políciaE jogada no lixão!Mas ela estava grávidaE o que ninguém esperavaÉ que aliNasceria sua filha,Pariu Carolina!
Formatoespecial
para a
DanielNeves
jornaldialetica.blogspot.com 2 Romance
Capitulo V
O que eu perdi?
Nos abraçamos.Quando soltamos não parávamos de nos
olhar. Eu não entendia porque agora parecía-mos tão distantes. Notei que ela carregava um livro.
– Estou indo à reunião do...Não a deixei terminar.– Que livro é esse?– É um diário.Me entregou. Abri numa página qualquer e
li em voz alta:– “8 de novembro - ... Quando ele passa uns
dias sem vir aqui, eu fico lhe chingando. Falo: quando ele chegar eu quero expancar-lhe e lhe jogar agua. Quando ele chega eu fico sem ação.
Ele disse-me que quer casar-se comigo. Olho e penso: este homem não serve para mim. Parece ator que vai entrar em cena. Eu gosto de homens que pregam pregos, con-certam algo em casa.
Mas quando eu estou deitada com ele, acho que ele me serve...” *
Fechei o livro e devolvi. Peguei uma flor que estava caída no chão, estava machucada, mas ainda assim era perfumada, cor rosa claro, com muitos espinhos.
– E você, não foi trabalhar hoje?– É... Eu estava aqui observando mais uma
multidão, mas estou atrasado, preciso mesmo ir.Entreguei a flor a ela e corri para o trabalho.
VirginiaBohemia
* Do Livro Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus
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Noticia urgenteNotícia urgente! Mais
um acontecimento acontecido que aconte-ceu! No dia de ontem... Olha se eu contasse pra vocês... Saiu na capa do jornal, na CNN, em to-dos os canais e rádios. O assunto que tomou os bares. Até filósofo veio indagar a validade cos-mológica do fato. No dia de ontem... - Mais uma morte? – Não? – Duas mortes? – Não!
Nascimento! Ontem foi o Centenário de nas-cimento da escritora Carolina Maria de Jesus. Mulher, negra, favelada, catadora de papelão, es-
crevia nos seus cadernos avulsos, um diário onde registrava o cotidiano so-frido. Depois de alguns anos, foi descoberta por um jornalista e teve sua principal obra, Quarto de despejo, publicada e difundida como símbo-lo da cultura periférica urbana!
Nesse momento, mi-nistros se reúnem e da-rão uma coletiva sobre a questão.
O assunto agora é eco-nomia! O sobe e desce da taxa de juros...
A galáxia da ignorância não sabe até hoje explicar;
A que horas nasceu essa Estrela.
JuniorBezerra
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Outro Poema
Caminhemos juntos pela esperançaE pelo seu fim!Para que assim possa renascer Como esperançaNo versoNa úlceraEm nósVem!E diga a tal esperançaQue o grito encarceradoE a poesia encarniçadaRessurge nos escombros A poesia hoje renasceu no lixo!
prato vaziopátria pariuo meninoe o fuzil não teve brinquedonem berçomamãe bebiapapai não tinha
procurou em faróispedindo gorjetas“ não” recebiacom frequência
cansado de pedirpassou a exigirbrincou de policiae ele o ladrão como polícianão brincavala comumfoi começode sua vida.
ThiagoLoreto
Arma de brinquedo
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VirginiaBohemia
Companheira Carolina
Ao falar de Carolina, meus olhos enchar-cam e o ódio que tenho do dinheiro e dos políticos gera uma coceira em meu nariz.
Penso na fome amarela repetida vertigino-samente em seu espinhento e seco diário.
Tenho vontade de abraça-la, beijar cada um de seus filhos e cuspir no abandono do barraco.
Gostaria de junto com ela, tomar uma cer-veja e mau dizer a política atual, enganar a fome com pensamentos ternos e quem sabe juntas criar mais um escrito marginal.
Entrou no hospital já quase sem fôlego. Tos-sia, tossia muito de ficar vermelha e sem res-pirar. O médico examinou seu pulso, pediu para abrir a boca e a cara do médico não foi nada boa. Olhou cabisbaixo, verificou se a paciente já estava ligada nos aparelhos e resmungou para enfermeira. Coitada, sufo-cou com as palavras que não disse.
ThiagoLoreto
Sufocada
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Jornal Dialética e o Sarau Carolina
O sarau Carolina, é organizado pelo Coletivo Jor-nal Dialética, formado por poetas, cineastas, artis-tas visuais, atrizes, atores e músicos, todos atuantes da arte independente em Guarulhos.
Tem esse nome em homenagem a escritora Ca-rolina Maria de Jesus. Mulher, negra, favelada, não muito estudada pelos cânones acadêmicos, mas grande inspiração para todo um movimento de li-teratura periférica que toma os guetos brasileiros.
Partimos da ideia, da ameaça, de que se conti-nuará a ouvir tiros na quebrada, mas que as balas agora serão versos, as armas poemas, a morte vai ser da televisão e da elite opressora. Fazemos da poesia um canto, de cultura e de resistência. Com a antropofagia dos clássicos e a raiz popular.
Para acompanhar a programação do Sarau e as outras atividades produzidas pelo Jornal Dialéti-ca, basta acessar f/JornalDialetica
II B.I.G.Nascida em 2012, como consequência do cance-
lamento do Salão de Artes Visuais de Guarulhos sem muita explicação pelos governantes da cidade, a BIG – Bienal Internacional de Guarulhos do Pequeno Formato se formou para criar uma alternativa a esta estrutura ofi-cial asfixiante. O modelo “bienal” nasce então, de forma irônica com a ideia bem humorada ao assumir o nome “BIG” do pequeno formato. A ironia contida no nome não é um detalhe ao acaso. É proposital. Somos gran-des, internacionais e estamos quase completamente à deriva. Sem condições materiais e estrutura de apoio. Vivemos e trabalhamos em uma cidade rica que perma-nece com o caráter provinciano. Vivemos em um atraso quase colonial sob alguns aspectos. Não precisamos de licença para pensar e produzir arte, ideias, vida!
Dado o sucesso da primeira edição, a força para a se-gunda só fez aumentar. E nesta 2ª edição, o Jornal Dia-lética, que também nasceu da militância, caminhando à margem, buscando com seu formato enxuto contem-plar todas as formas de textos, chega pra somar. Unindo, assim, as artes visuais e as letras em um discurso único em prol da arte independente.
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Redação: Bruno Quixote, Bruno Maniuc, Daniel Neves, Juliano Lourenço, Junior Bezerra, Renato Queiroz, Thiago Loreto e Virginia BohemiaRevisão: Virginia BohemiaDesigner gráfico: Aline Fonseca