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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER EDIÇÃO NÚMERO ZERO
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Jornal A Sirene Edição Zero FEVEREIRO

Aug 01, 2016

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Jornal A Sirene

 
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Page 1: Jornal A Sirene Edição Zero FEVEREIRO

A SIRENEPARA NÃO ESQUECER

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Page 2: Jornal A Sirene Edição Zero FEVEREIRO

“O respeito à autono-mia e à dignidade de cada um é um imperati-vo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. (...) Qualquer discrimi-nação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconhe-ça a força dos condicio-namentos a enfrentar”

“Desrespeitando os fra-cos, enganando os incau-tos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros”

PAULO FREIRE

Marinalva – A solidariedade com certeza é muito maior. Ouvimos muitas críticas, mas a maior parte das pessoas está ajudando muito. Só um pedacinho está criticando.

D. Maria – No Centro de Convenções eu ouvi uma pessoa dizendo: “chegou o povo va-gabundo come quieto”. Mas nós não demos atenção, a gente estava precisando daquelas coisas. Só não voltei lá mais pra buscar nada.

Marinalva – Muitas vezes eu penso que es-sas pessoas queriam estar no nosso lugar ago-ra, que estamos lutando por nossos direitos e sim, vamos conquistá-los. Mas essas mesmas pessoas não conseguem se colocar no nosso lugar enquanto pessoas que perderam tudo e sofreram tudo que sofremos. É como se essas pessoas considerassem as conquistas dos nossos direitos como benefícios. Não temos benefícios, temos ressarcimento do que per-demos, pelo que passamos.

D. Maria – O que passei e o que estou pas-sando é só Deus e N.Sra. Aparecida.

E se fosse com você?

Marinalva – Os netos da gente, os pais da gente, todo mundo tendo que correr da lama lá no Bento, isso só a gente passou. E perder isso é perder coisas que não vamos ter nunca mais.

D. Maria – Quando me disseram “a casa caiu, temos que ir pra Mariana”, eu sabia que era só o começo, que eu ia sofrer mais. Já sofri muitos anos, passei fome, criei cinco filhos sozinha, mas aquele dia 5 novembro foi uma coisa que eu nunca mais vou esquecer na minha vida.

Marinalva – Aqui na rua, ninguém teve preconceito não, todo mundo trata a gente bem, né, Dona Maria? O preconceito vem de quem não conhece e não quer conhecer nem a gente nem nossos problemas. Dizer que somos vagabundos porque estamos brigando e conquistando direitos e recebendo a solida-riedade – que é da maioria – é desconhecer o que somos e o que temos passado. Só quero o que é meu por direito. Não quero mais nada além disso.

Dona Maria morava em Paracatu de Baixo, que era vizinho de Bento Rodrigues, onde morava Marinalva. Agora vizinhas em Mariana, elas conversam sobre esse difícil período de transição, em que a solidariedade tem sido vizinha do preconceito.

Por DONA MARIA DO PARACATU E MARINALVA DO BENTOCom apoio do Alexandre Mota, Ana Elisa Novais, Juçara Brittes e Silvany Diniz

EXPEDIENTE

Realização#UmMinutoDeSirene e NITRO

ApoioArquidiocese de Mariana e ICSA/UFOP

EditoresBruno Magalhães, Gustavo Nolasco e Leo Drumond

RepórteresAna Cristina Maia, Ana Elisa Novais, Bruno Arita, Claudia Pessoa, Edilaine Marques, Elias Souza, Elke Pena, Fernanda Tropia, Isabella Walter, Josiane Souza, Juçara Brittes, Kléverson Lima, Lucas de Godoy, Luiza Geoffroy, Maria das Graças Quintão, Marília Mesquita, Marinalva Salgado, Mônica dos Santos, Pablo Fialho, Silvany Diniz, Simária Quintão e Thiago Alves

FotografiaAlexandre Mota, Ana Elisa Novais, Bruno Arita, Bruno Magalhães, Elias Souza, Leo Drumond, Lucas de Godoy, Luiza Geoffroy, Mônica dos Santos

VídeoAlexandre Mota, Bruno Arita, Bruno Magalhães, Gabriel Silva e Lucas de Godoy

Projeto Gráfico/DiagramaçãoClarissa Castro, Ricardo Orlando e Silmara Filgueiras

IlustraçãoAdelaide Dias, Isabella Walter e Maurício Inácio

A passagem do rejeito da barragem de Fundão, propriedade da Samarco/Vale/BHP, pelos distritos de Mariana, deixou várias consequências, entre elas a pulverização das famílias dos atin-gidos pelos diferentes bairros da sede municipal. Essa dispersão apresentou-se, desde o princípio, como um desafio para essas pessoas, que precisam reestabelcer as suas relações a partir de um novo lugar e de uma nova realidade. A mudança do espaço e das circunstâncias em que viviam trouxe a necessidade de repensar a própria maneira como se comunicavam, questão importante tan-to para reconstruírem suas vidas quanto para se preparem para a luta pelos seus direitos.

O quadro acima descrito é apenas um dentre os vários exemplos dramáticos resultantes de uma tragédia que contabiliza um efeito que, neste momento, atinge a Bacia do Rio Doce e parte da costa marítima do Espírito Santo. Melhorar a comunicação entre os atingidos de uma determinada localidade e entre todas as regiões afetadas pelo rejeito é um desafio a ser perseguido.

Passados noventa dias, a tragédia não acabou. Entendendo dessa forma, consideramos fundamental a articulação da sociedade ci-vil organizada, de voluntários e de instituições nessa empreitada.

AgradecimentosAlessandra do Bento, Alexandre Felipe, Ana Amélia Quintão, Ana Beatriz Messias, Ana Clara Oliveira, Antônio Cabeção, Antônio Marcos (Marquinho), Arlinda de Paracatu, Arnaldo Arcanjo, Atila Coelho, Bar do Carlão, Bar da Sandra, Cláudia Alves, Darros Lanchonete, Dona Dirce, Dona Maria (Paracatu), Eliane Salgado, Elias Souza, Eliziene Messias, Fernanda Tropia, Filomeno da Silva, Gladismar Inácio, Gleison Souza, Gleixcilane Silva, Ingrid Souza, Iracema Oliveira, Jardel Souza, Juliana Oliveira, Keila Fialho, Kleverson Lima, Laila Nunes, Manoel Fialho (Branquinho), Marcelo Felício, Maria Aparecida Gomes, Maria das Graças Quintão, Maria Lúcia Alves, Mateus Oliveira, Maurício Inácio, Mônica dos Santos, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Pablo Fialho, Padre Geraldo Martins, Pamela Sena, Paula Alves, Renata do Nascimento, Romeu de Oliveira, Rosilene Ferreira, Sandra Carvalho, Sebastião (Lico), Silvany Diniz, Simária Quintão, Sônia Xisto, Terezinha Marques, Terezinha Quintão, Thiago Alves, Vitor Hugo, Zezinho do Bento e Zezinho do Congado.

ImpressãoSempre Editora e UFOP

Tiragem2.000 exemplares

[email protected] htpp://somos-bento.webnode.com

O jornal A Sirene surge a partir dessa realidade, das necessi-dades que vemos como latentes. Nasce da união entre atingi-dos e os grupos de apoio #UmMinutoDeSirene, Arquidioce-se de Mariana, ICSA/UFOP e NITRO.

Essa primeira edição foi construída na expectativa de contri-buir para a autonomia e o empoderamento de todos, através da livre circulação de informações e do fortalecimento das reinvindicações das comunidades atingidas.

Entendemos, valorizamos e lutamos pela auto-organização dos atingidos. Por isso, todas as pautas foram determinadas por aqueles que se prontificaram a participar. O trabalho foi desenvolvido por equipes compostas por atingidos, jornalis-tas, fotógrafos e voluntários que trabalharam em conjunto. Todo o processo, desde a escolha das pautas até a finalização, foi proposto, acompanhado e validado pelos atingidos.

A Sirene é um jornal feito pelos atingidos para os atingidos. Mais uma ferramenta de apoio para que a comunicação e a preservação das suas memórias se tornem seus patrimônios. Um convite a todos para não esquecer.

#UmMinutoDeSirene

EDITORIAL

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QUEM FOI SUA SIRENE?SANDRA "Oi, pai! Quanta saudade!

Estou te escrevendo para te contar o que aconteceu depois daque-le 5 de novembro de 2015. A nossa vida nunca mais foi a mesma. Eu, a minha mãe e a minha irmã tivemos que reaprender a viver; tomar atitudes que era você quem sempre tomava. Começamos a crescer na marra e a entender o sentido da saudade.

Nunca pensei que viveríamos isso tudo, parece surreal. Ainda não acreditamos.

Você sempre batalhou pelo nosso conforto e bem estar. Sempre foi um marido, pai, filho, amigo exemplar. Sempre esteve ao nosso lado, nos momentos difíceis e nos felizes. Nos deu tanta força em 2015, um ano turbulento e difícil para a nossa família. Porém, nunca imaginarí-amos que o mais difícil desse ano seria conviver com a sua falta, com a vontade de conversar com você, com a vontade de te ver mais uma vez.

Espero que você esteja em paz. Seguimos aqui com uma imensa saudade e com a certeza de que um dia iremos nos reencontrar.

Pai, para terminar, vou lhe dizer o que vivo dizendo com o meu co-ração: você é o nosso herói. Sim, você é!"

De Sandra para seu pai, Daniel, funcionário da Integral, morto pela barragem da Samarco

“Minha mãe morreu de susto. Caiu na lama morta. Não consegui salvar. Não consegui salvar ninguém. Já tinha essa tatuagem, mas agora reforcei”

MARCELO

“Minha sirene foi Deus. Vi a lama a cinco metros de onde estava; corri muito, se não corresse morreria. Salvei minha irmã de 70 anos, carreguei ela no colo”

“Acordei às 16 horas e ouvi o Gladismar gritando na praça. Ele foi a minha sirene. Depois disso salvei seis pessoas da lama”

“Minha sirene foi a gritaiada na praça, a afobação do povo. Não deu tempo de correr. Quando vi, a lama já estava na minha garagem. Eu, meu filho e meu sobrinho nadamos na lama grudenta em zig-zag, fugindo da correnteza, até chegar em um ponto firme”

“Achei que era chuva de poeira. As casas já estavam todas caindo na praça. Voltei atrás, peguei meu telefone uma sacolinha com uma sombrinha, despedi do quarto da minha mãe. Segui para o mato”

ARNALDO

SÔNIA

TEREZINHA

SEU SEBASTIÃO

GLADISMAR

“Quando chegou perto do portão da igreja, a caminhonete não podia subir mais. Carreguei minha avó e levei até perto do barranco, mas não consegui subir. Uns caras ajudaram. Ajudei a salvar outra idosa. Pedi o Wilson para ajudar. Ele cansou. Carreguei até o meio do mato, e aí o Jonas me ajudou”

PABLO

Por EDiLAINE MARQUES, JOSEANE SOUZA, MARINALVA SALGADO E PABLO FIALHOCom apoio da Ana Elisa Novais, Elke Pena, Luiza Geoffroy E Silvany Diniz

“Eu estava na praça e ouvi o barulho da lama quebrando tudo. Corri em casa e tirei minha família. Subi na moto, tentei buscar o Mauricélio, mas o portão da casa estava trancado e nos perdemos. Quando fugia da lama, seu Marcolino caiu da caminhonete. Pensei: ou salvo ele ou me salvo. Nós dois estamos vivos”

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Bandeirantes em Mariana e Ouro Preto que não estavam satisfeito com seu líder, procuraram ir para outros locais.Desceram a Serra de Antônio Pereira, seguiram o rio Gualaxo até o entroncamento com o rio Gregário (no Tico Tico). Lá tiravam em torno de 250 a 300 oitavas de ouro e assim subiram mais acima no leito do rio onde formou o acampamento formado pelo líder Bento Rodrigues .Em 1697, nasceu o povoado formado pela imigração dos senhores donos de escravos, montando suas fazendas e marcando seus territórios.Um casal de fazendeiros chegou no Morro do Fraga, ali onde hoje se chama “Mina de Fábrica Nova”. Seus escravos começaram a fazer retirada de ouro, em quantidade até maior que a encontrada pelo bandeirante Bento. Os donos da fazenda, Seu Georvazio e Dona Olinda, não tiveram filhos e doaram seus terrenos para a Diocese de Mariana.A primeira capela foi construída em 1718, parecida com a igreja de Camargos, tendo suas estruturas maiores.Por forças da natureza, teve sua estrutura demolida em 1853 , então os habitantes constituíram a segunda capela dedicada a Nossa Senhora das Mercês em local diferente,no terreno cedido pelo antigo casal à Diocese de Mariana. A nova capela foi reconstruída com as madeiras da parte superior da fazenda onde depois foi bar da Sandra e com restos de madeiras que sobraram da igreja anterior.Em 1916 este terreno da Fazenda foi cedido a um garimpeiro cujo o nome ninguém sabe. Ele cedeu a Carlos Pinto (engenheiro e professor da Escola de Minas de Ouro Preto) que demarcou o terreno por inteiro como se fosse sua propriedade. Explorava as minas até encontrar o veio mais rico, pois era de seu interesse só descobrir as riquezas ali existentes.Não só o ouro e a bauxita, mas também a platina encontrada, em 1907, pelo Carlos Pinto, num riacho chamado Moysés, (ouro fino), deu fama ao Bento. Esta descoberta foi até noticiada na edição do jornal Minas Gerais.Bento Rodrigues teve até uma banda que se apresentava em toda data comemorativa, em nossas festas todas e também nas da igreja e de santos. Quando o prefeito de Mariana era Jadir Macedo, chegou luz elétrica a Bento Rodrigues. Depois veio o telefone. A extração do metal precioso em ouro fino, bauxita no Morro do Fraga, de cristal nas mediações e a plantação de eucaliptos deram trabalho ao povo do Bento. Então, a história do Bento é essa. Começou há 318 anos. Nem tinha barragem...

Seu Filomeno me contouPor ELIAS Souza e FILOMENO DA SILVACom apoio de Cláudia Pessoa, Marília Mesquita

Um dia, Seu Filomeno contou a história do Bento para o Elias. Elias procurou nos livro e viu que estava do mesmo jeito. Então, Elias escreveu...

Eu estava com minha mãe, quando soube que a barragem tinha estourado. Peguei o livro e mais algumas coisinhas e coloquei na mochila. Não deu tempo de salvar mais nada.Escolhi o livro que ganhei na escola. Nunca tinha ganhado um livro assim. Não queria perdê-lo. É a história de quatro meninos órfãos que, no final, encontram sua mãe.Gosto muito porque eles entram em uma casa assombrada, é bem legal. Queria ter salvado os livros da escola também, mas eles eram muito pesados pra carregar. Como eu ia subir o morro correndo com esses livros? No Centro de Convenções, recebi muitas histórias em quadrinhos e outros livros. Já li todos. Não escolhi brinquedos, prefiro livros. Gosto de poemas, tenho alguns livros de poesia aqui. Tenho sete anos, estudava em Paracatu e ainda não sei onde vamos estudar este ano. Mas vou continuar lendo, livro é sabedoria. Sabedoria, amor, fé, inteligência, isso ninguém tira da gente. Bem material depois a gente recupera.

Ana Clara tem sete anos. Crescia em Paracatu, quando veio a lama. Teve cinco minutos para salvar algo de toda sua vida que perderia. Escolheu salvar um livro.

A menina que salvava livrosPor ANA CLARA DE OLIVEIRA E MARINALVA SALGADOCom apoio do Alexandre Mota, Ana Elisa Novais e Silvany Diniz

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Cinco de novembro, numa quintaOnde tudo aconteceuA maior tragédia de MarianaOnde a batalha ocorreu

No arraial de Bento Rodriguesesta tragédia iniciounão ficou nenhuma casaQuando a barragem estourou

Na escola correram para avisarOs alunos precisavam se salvarO desespero tomou conta daquele lugarMães desesperadas querendo seus filhos encontrar

O helicóptero do bombeiropassou no campo a todos foi avisar"Pega seus documentos,cinco minutos para retirar"

Vamos para o alto do morroA espera da água chegarChegou somente lama,para Paracatu arrasar

Da rua do Sapo até o DadáParacatu coberto de lamaA comunidade pôs-se a chorar

Ao povo brasileiro, muito obrigadoPovo bom de coração, Nunca vimos em Marianatoneladas de doação

Com tristeza no coraçãodeixamos o nosso lugaronde criamos nossos filhose a saudade vai ficar

Paracatu, Bento Rodriguesna história ficaráSe voltar para lá um diaNunca mais o mesmo será

Junto com a lama, nossa história se foiParacatu, Bento Rodriguesnunca mais volta como foi

Esta história tristechegou ao fimVocê que está ouvindo essa mensagemÉ assim que tudo aconteceu

Fica a moral da históriaDe uma triste moradoraque acaba de contar

Por DONA MARIA DE PARACATU (poema) E MAURÍCIO INÁCIO (ilustração)Com o apoio do Bruno Magalhães e da Silmara Filgueiras

Nossas praças

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Que horas é a reunião ?

Vou sobreviver? Vamos morrer?

Quem se salvou? Quem morreu? Por que bombeiros tão despreparados? Por que a TV chegou mais rápido que os bombeiros?Será que vou ficar aqui? Quanto colchão! Muita gente ajudando! Vamos para o hotel, menos mal.

Por que não tinha sirene? Por que não nos avisaram? Foi feito um inven-tário? Por que não assumiram o risco?

Até quando vamos ficar aqui? Cadê meu amigo? Que comida ruim, fui reclamar piorou! E esse advogado? Quem mandou ele aqui? Por que esse tanto de gente querendo falar comigo? QUERO ir pra casa!

Quantas doações! Como isso vai ser distribuído? Como eu vou ter certeza do que vai ser meu? Como alguém doa roupa suja, velha e rasgada?

Sobre o que são essas reuniões? Será que vai haver consenso? Quais são os meus direitos? Quanta dúvida! Quanta incerteza! O promotor fala muito bem!

Fomos avisados e temos ônibus. Parece que tudo está correndo bem e que a Samarco está cumprindo com suas obrigações.

Quem coordena? Quem pode ir? Onde vai ser hoje? Que horas? Quando vou pra minha nova casa? Será que só depois do carnaval? EM QUEM CONFIAR? Me chamam pra tanta coisa! Fui a uma reunião onde não tinha ninguém, e ainda achei que o guarda desconfiou de mim. Achei os movimentos muito extremistas.

Quanto tempo não te vejo! Que bom te reencontrar! Como você está?

Não fiquei sabendo ou não tenho certeza do que é. Por que uma sirene agora?

Onde vou morar? Será uma casa parecida com a minha? Minha mãe vai ficar perto de mim? Será um bairro tranquilo como o Bento? Por que eu não posso escolher minha própria casa?

Pra que uma nova comissão? O que está acontecendo? Quais os inte-resses dos candidatos da comissão? Será que eles vão realmente nos ajudar?

Ufa! Graças a Deus saímos do hotel! Quanto tempo vou ficar nesta casa? Será que tem alguém que eu conheço aqui perto?

Teve reunião? Não fiquei sabendo! Quando será a próxima? Qual é a pauta da próxima reunião?

Um mapa do Bento antigo! Bacana!

Rompeu a barragem de Fundão

Socorro aos atingidosPrimeira noite na Arena

Mariana

O dia seguinte

A ida para hotéis

Doações no Centro de Convenções

Manifestação das famílias dos desaparecidos e mortos

Primeiras reuniões com a Samarco

Criação da comissão dos atingidos

Reuniões continuam...

Culto Ecumênico

Um minuto de sirene "30 dias"

Escolha das casas temporárias

Ampliação da comissão dos atingidos

Mudança dos hotéis para as casas

Mais reuniões...

Um minuto de sirene "60 dias"

Proposta do "novo Bento" Achei que o lugar seria apresentado. Essa tabela está bem confusa! Fiquei frustrado. Quero saber quando isso será decidido.

Viva!!! Conseguimos a garantia de que as negociações continuarão em Mariana.

A gente explica o tempo, os nomes, as palavras, as nossas lutas e as notícias que escreveram sobre nós.A gente fala. E do nosso jeito.

A empresa liga para nossa casa perguntando se temos notícias de nossos parentes desa-parecidos. Como vamos participar? Quem vai dar notícia de nossos parentes e amigos?

Por NÓS DO BENTOCom apoio da Ana Elisa Novais, Elke Pena e Padre Geraldo Martins

Reunião na Assembleia Legislativa

...

5/12

5/01

2016

5 de Novembro de 2015

6/11

21/12

28/01

1 minuto de sirene 05/02 Novo canal: lançamento do jornal ‘‘A Sirene - Para não esquecer’’.

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Escolher o local e o modelo da nossa casa. Não tem que ser padrão.

Uma área grande que possibilite a construção da casa, o cultivo dos pomares, criação de pequenos animais e outras atividades, pensada com muita atenção e partici-pação das famílias atingidas.

Acompanhar todo o processo de construção, assesso-rados por profissionais de diversas áreas, indicados por nós de forma autônoma. Junto com esses profissionais, queremos ter poder de proposição e veto. É nosso direito não deixar que consultorias que não conheciam o Bento façam tudo sozinhas. Quem conhece o Bento, nos míni-mos detalhes, somos nós.

A garantia da construção de espaços coletivos, como praças, igrejas e cemitério. E nessa construção, novos espaços podem ser propostos por nós. A Nova Bento nunca será como a anterior, mas poderá ser um ótimo lugar se formos protagonistas nas decisões sobre todos os detalhes, de forma autônoma e organizada. Este é um direito.

JUNTOS somos fortese queremos:

!

agronegócio: 1.horta 2. plantação 3.pessoas que tinham suas vidas ligadas à agricultura, ou seja, que tiravam seu sustento através do seu trabalho.

atingidos: 1. prejudicados pela lama 2. sofreu algum dano ou perda diretamente 3. pessoas que perderam tudo, ou seja, bens materiais, sonhos, vidas, liberdade 4. inocentes.

barragem: 1.sensação de perigo 2. bomba 3. pesadelo de várias comunidades brasileiras por várias décadas 4. irresponsabilidade.

bento: 1. paraíso; nossa vida 2. o nosso mundo, o nosso maior sonho e esperamos que seja o nosso presente 3. vítima.

bônus/verba de assistência: 1 obrigação 2. não precisamos de verbas assistenciais, precisamos

sim de ressarcimento do que nos foi tirado de maneira brutal e cruel’’.

direito: 1. ter uma casa, um lugar 2. correto 3. o que queremos que seja cumprido justamente 4. justiça.

identidade: 1. união 2. identificação 3. perdemos.

memória: 1. saudade 2. coisas passadas 3. o que nos restou da nossa vida, da nossa comunidade, ou seja, o que foi soterrado pela lama 4. momentos felizes com meu pai.

mineração: 1. emprego 2. retirada de metais 3. o que veio depois que já estávamos instalados e tranquilos, retirando o nosso sossego e a nossa vida 4. uma atividade que, se não for correta, pode acabar com a vida de inocentes.

notícia/imprensa: 1. distorção e manipulação 2.

informação, aproveitando da situação para elevar o nível de audiência sem pensar em quem foi atingido 3. algumas verdades, algumas mentiras, porém, foi de muita validade e está sendo, não deixando que a gente fique no esquecimento, nós achamos de muita importância 4 algumas manipuladoras e oportunistas e outras a favor da verdade e da realidade’’.

reconstrução: 1. esperança de ter todos juntos 2. recuperar o que a gente tinha 3. é o que queremos o mais rápido possível 4. um desafio que é reconstruir a vida sem meu pai.

rejeito/lama: 1. poluição 2. sobra não aproveitada, barro 3. monstro criado pela mineração que nos levou à ruína total, ou seja, destruiu toda a nossa casa 4 .trauma’’.

representação: 1. promotor, segurança / organização do grupo

2. representar o grupo: promotor, a comissão e, depois da reunião na assembleia, a união do grupo 3. estamos tendo através do doutor Guilherme, com ministério público; minha família, advogados e pessoas com boa vontade que se sensibilizaram com nossa luta’’.

solidariedade: 1. surpresa 2. o que foi feito pelo povo brasileiro para nos ajudar, e o que agradeceremos sempre.

tóxico: 1. que mata; faz mal à saúde 2 .coisa ruim que destrói vidas, principalmente o meio ambiente 3. poluição.

tragédia: 1. perdas, destruição, não devia ter acontecido isso 2. morte, coisas inesperadas 3. o fim de nossa história, um caos total, um sonho interrompido 4. dor.

A gente explica

Por NÓS ATINGIDOSCom apoio dO THIAGO ALVES E MÔNICA DOS SANTOS

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Viver tem sido uma barra...

Por NÓS DE BARRA LONGACom apoio da Marília Mesquita e Bruno Arita

Barra Longa é um canteiro de obras.Há três meses, do rio veio lama.Há três meses, o rio é de lama e os 6. 143 habitantes vivem, diariamente, o rompimento da barragem de Fundão.Se passou em outros lugares, em Barra Longa, a lama ficou.

“Você vai escrever o que eu falar, né?!”Desconfiado. Josué Augusto Martins, presidente do Esporte Clube Barralonguense, sente a perda do lazer.“Todos os dias, pelo menos 200 pessoas iam no clube. Durante o dia era usado para Educação Física pela escola. Os idosos usavam quarta, quinta e sexta-feira. Tinha capoeira, eram 80 meninos. E mais 138 meninos no time”.O campo não possui estimativa de reparo. “Eles ficam pra rua, jogando baralho, conversando. O que eles tinham era o campo”.

Olhar tímido, angústia nas palavras. Simone é a neta que vê a avó sem amparo e a mãe que vê a filha adoecer. Nos acordos feitos, era para receber uma cesta a cada 15 dias, e o cartão-auxilio. "Disseram que a avó não tem direito ao cartão, ninguém entendeu o porquê. E quando ela vai buscar a cesta, maltratam ela”.As máquinas, a lama, a poeira e o cheiro são os mesmos de 90 dias atrás. É o que justifica antialérgico, pomada e hidratantes. “Minha menina tem um ano e dois meses. Está com alergia. Passa a mão nos bracinhos dela e parece uma lixa. Ela só fica coçando”.

Mulher de fé.“É a fé em Deus que faz a gente viver”.No Morro Vermelho, a margem do rio aproxima das casas à medida que o barranco cede. “Se for pra sair daqui, eu saio".Com a chuva que deu esses dias, a lama veio toda e encostou nas bordas do rio. Cada dia que passa fica pior. "Os funcionários da Samarco falaram que agora que abaixou o nível vão tirar aquela lama toda, mas eles já tinham tirado e agora voltou tudo, em dobro”.

Ser celebridade da desgraça

“Meu primeiro contato com a mídia foi quando ainda estava no meio da lama, lutando para socorrer as pessoas”

“Estavam fazendo o trabalho deles”

“No céu, outra tempestade, só que de helicópteros da Globo, SBT, Record. Nenhum nos ajudou”

“Estou com birra de jornalista”

“Por que nos fazem perder tempo, reviver coisas tão dolorosas se já sabem as respostas que querem?”

“Surpresa, desconforto, gratidão e medo de jornalista”

“Às vezes, pedem para fazer uma cara triste para as fotos e aproveitam quando choramos”

“Eles só publicam o que querem”

“Se não levarem a notícia do jeito que foram mandados, perdem o emprego”

“O que incomoda é ser celebridade da desgraça”

“Quem devia ter chegado tão rápido quanto eles eram os bombeiros, que demoraram e desistiram das buscas por volta das dez da noite”

“Eles nos levam a expor coisas desnecessárias”

“Eles têm muito poder, que prejudica e às vezes ajuda”

“Só quando a Globo pediu autorização para a equipe do Profissão Repórter, e eles resolveram nos levar, é que pudemos ver o tamanho da desgraça”

Por MARIA DAS GRAÇAS SANTOS, MÔNICA DOS SANTOS E SIMÁRIA QUINTÃO Com apoio da Juçara Brittes

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O que queremosdo velho no

Novo Bento?

Para• Cabeção: as serenatas

• Maria Lúcia: a escada de pedra

• Paulinha: o pé de esponjeira

• Cláudia: os vizinhos

• Dona Dirce: as igrejas

• Vítor: o cascalho

• Maria: o banco de pedra da praça

• Ana Amélia: o baú de palha

• Mônica: o cemitério

• Simária: a praça

• Weverton: o lambari frito

• Elias: o ranca na quadra

• Ana Beatriz: a brincadeira na rua

• Maurício: as cachoeiras

• Xandim: a vida livre

Para todos

• o direito de escolha

• estar perto do Bento

• a paisagem

• o respeito à nossa história

• o nosso modo de vida

Por MARIA DAS GRAÇAS QUINTÃO, MÔNICA DOS SANTOS E SIMÁRIA QUINTÃO Com apoio da Ana Cristina Maia, Isabela Walter, Lucas de Godoy e Luiza Geoffroy

Por MARIA DAS GRAÇAS QUINTÃO, MÔNICA DOS SANTOS E SIMÁRIA QUINTÃO Com apoio da Ana Cristina Maia, Isabela Walter, Lucas de Godoy e Luiza Geoffroy