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Entre Psicanlise, Psicoterapia Institucional e esquizoanlise
Aula aberta de Jean-Claude Polack; Debatedor: Isabel Marazina;
Coordenao: Mauricio Porto
Local: PUC-SP, campus Perdizes
Data: 26/06/2013
Tempo de udio: 1h30
Transcrio por Fernando Pena Miguel Martinez; contato:
[email protected]
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Mauricio Porto: Boa Tarde. Ento eu vou aqui comear a concluso
desses trs dias de
conversa com Jean-Claude Polack. Para aqueles que chegaram s
agora e perderam a
oportunidade de acompanhar o pensamento do Jean-Claude Polack
nos encontros de segunda
e tera ao cair da tarde e de noite e no encontro de hoje de
manh, iremos apresent-lo como
um psiquiatra que transitou e transita por isso que se
convencionou chamar de psicanlise e
psicoterapia institucional e de esquizoanlise. Acredito que esse
trnsito nasceu do encontro
de Polack com Flix Guattari no incio dos anos 1960 quando ambos
apoiavam colonialistas
algerianos na luta contra o domnio francs. A convite de
Guattari, Polack viveu e trabalhou
em La Borde por 12 anos, desde 1964, e depois seguiu sua
atividade clnica em Paris. Para
concluirmos esta conversa, ao meu lado, convidamos Isabel
Marazina que est conosco
interferindo no campo da sade mental desde que precisou se
socorrer da Argentina no final
dos anos 1970, vindo refugiar-se no Brasil. Psicanalista,
analista institucional, tem sido nesses
anos todos que a fizeram brasileira, interlocutora de muitas
equipes que trabalham nos
diversos servios de sade mental. No me lembro de a apresentar
como esquizoanalista, mas
podemos dizer que seu corpo tambm se nutre desta alma. Talvez
alguns de vocs notem a
ausncia de Osvald Saidon, uma vez que ele mencionado em nossa
divulgao. Ocorreu um
imprevisto que eu classifico como feliz: a ideia da vinda de
Polack no Brasil foi disparada por
Peter Pelbart, imediatamente se juntou a Cristina Vicentin,
ambos articularam um pequeno
grupo vigoroso que viabilizou o apoio do consulado da Frana, a
CAPES-CRB, PUC-SP e
vrios programas de ps-graduao, a N-1 Edies, possibilitando isso
que experimentamos
nestes ltimos trs dias. Logo nos primeiros preparativos,
pensamos em convidar Isabel, mas
a fim de privilegiar o momento das conversas, limitamos a fala
inicial a duas pessoas na mesa.
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Quando aconteceu de Saidon no poder ficar at quarta-feira, uma
nova forma logo se fez,
realizando nossa vontade primeira de chamar Isabel. O desejo de
trazer Jean-Claude Polack
existe desde quando lemos A ntima Utopia, agora finalmente
traduzido. Junto com Danielle
Sivadon, eles faziam cooperar a experincia institucional de La
Borde com o funcionamento
do canteiro de obras da relao a dois, caracterstica do
consultrio. Inspirados pelos vetores
da esquizoanlise, percebemos no trabalho de Polack e Sivadon um
adensamento, uma
intensificao, da fibra dos processos psicticos que nos permitem
inclusive voltar s
instituies para ali potencializar o trabalho analtico de um
processo teraputico singular.
Polack e Sivadon acolhem a produo prpria do regime psictico e
pensam a partir deste
regime, extraindo suas consequncias ao mximo. Mais do que
reconhecimento do que j ,
anunciam uma sensibilidade, uma latncia de um futuro anterior
sempre [inaudvel] , utilizam
o arsenal da esquizoanlise para transversalizar as noes de
inconsciente e de transferncia
emprestadas da psicanlise e as noes em torno do coletivo
mapeadas pela psicoterapia
institucional. Isto resulta em um pensamento atento aos
processos mais do que s causas, s
linhas mais do que a memria, atento aos autores, aos fluidos, s
manchas, pele, mais do que
ao sentido e ao significado. As afetaes mais do que as
representaes, aos corpos-monstros
mais do que aos organismos, as comum-idades mais do que as
teorias crticas. Para onde pode
ir o que v? mais descoberta e efetuao do que constatao e
interpretao, agir tanto
quanto escutar, o melhor na escuta da lngua psictica, eles a
fazem como num filme vivo,
imagem-movimento que narra e usina mundos improvveis. Vejo que
esta explorao da qual
fala Polack seguir nos alimentando depois de concluirmos estes
trs dias de conversa, isso
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continuar a fazer efeitos em ns, entre psicanlise, psicoterapia
institucional e
esquizoanlise. Vamos escut-lo, depois a Isabel, e ento podemos
abrir a roda.
Jean-Claude Polack: Gostaria de desfazer um efeito mito quando
trabalhamos a dois com
pacientes psicticos, isso pressupe uma srie de condies que fazem
com que geralmente os
doentes que eu recebo em Paris em meu consultrio sejam pessoas
capazes de vir ao meu
consultrio, uma primeira condio, no apenas vir uma vez, mas
voltar vrias vezes, o que j
um grande sucesso. Algo que pressupe que esses doentes no esto
to doentes assim,
evidente que a relao com um esquizofrnico, em estado
esquizofrnico ou em pleno estado
de delrio, em geral s pode se realizar em uma instituio, num
estabelecimento. E mesmo
em La Borde, quando eu trabalhava l, nem sempre era fcil fazer
com que os pacientes
viessem minha sala, ou falassem comigo a ss. Ento os pacientes
que vemos em Paris so
pessoas que j estiveram no hospital de forma geral, e que
melhoraram o suficiente para
serem capazes de viver em uma cidade, ter um certo nmero de
atividades, e estabelecer
conosco um processo regular de encontros. No entanto, ainda
existe o problema de tentar
abordar a situao dual do profissional liberal, como ela se
realiza no consultrio de um
mdico, um consultrio onde trabalham vrios mdicos, vrios
analistas, utilizando tudo que
fomos capazes de aprender e compreender numa instituio. Em suma,
como eu j disse
vrias vezes aqui, considerar a situao a dois no consultrio como
uma situao particular de
psicoterapia institucional, de certa maneira, criar o
institucional, ou seja, o coletivo, o
mltiplo, algo que faz com que essa presena a dois possa ser
imediatamente recusada,
algumas pessoas no passaram pela psicoterapia institucional, por
exemplo uma psicanalista
de Paris que se chama Franoise Davoine, que escreveu um livro
muito interessante que se
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chama La Folie Wittgenstein1. Esta profissional explica que
quando ela est com um paciente,
tem a impresso de falar com vrias vozes, e isso no um delrio
dela, ela quer dizer com
isso que com muita frequncia ela influenciada por conversas que
teve no dia anterior com
outras pessoas, ou por uma viagem que ela poderia ter feito ou
fez, por uma viagem que fez
para os Estados Unidos. Ela antroploga, conheceu e encontrou
indios americanos, se
interessou pela maneira deles de pensar, por sua maneira de
eventualmente enlouquecer
tambm, e quando ela fala com seu paciente, tenho a impresso de
que, incessantemente, ela
habitada por conselhos, por ideias que no so seus, mas que tambm
esto atuando na sesso,
que esto tambm presentes na sesso. De certa maneira, embora ela
esteja sozinha, o que
ocorre l na sesso autenticamente polifnico. E claro, ela atribui
esta possibilidade a seu
paciente, respeitando dessa maneira a relao complexa que o
paciente pode ter com a
unidade da sua personalidade, e eventualmente com sua
fragmentao, com sua
multiplicidade prpria, com seres no necessariamente humanos que
o habitam e que esto
presentes no tratamento, e que so tanto interlocutores possveis
no trabalho, esta uma
primeira coisa. Uma segunda coisa que com frequncia eu percebi
que na sesso, assim que
eu tinha a oportunidade por causa das palavras do meu paciente,
de propor a este paciente de
encontrar algum, conversar com algum ou fazer um trabalho com
outras pessoas no um
trabalho psicoteraputico, mas um trabalho artstico ou mesmo um
investimento poltico, por
exemplo , quando eu sentia que havia algo que este paciente
poderia ter vontade de
encontrar com pessoas para discutir poltica , quase sempre eu
prescrevi, e na receita eu
escrevi encontrar fulano, cicrano e tudo mais. Ento, embora eu
no esteja cercado por todo o
1 Franoise Davoine, La folie Wittgenstein, Paris, cole
lacanienne de psychanalyse, 1992; sem traduo para o
portugus
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equipamento institucional, tudo que acontece, as oficinas e os
ateliers da instituio, mesmo
em Paris podemos encontrar diferentes lugares, diferentes
ateliers nos quais o paciente pode
se investir, e ns propomos que ele faa isso. Claro, so pessoas
com as quais eu mantenho
relaes, mas como se ns fizessemos que o social trabalhasse em
torno do paciente com
mltiplas referncias possveis e contrapesos, digamos assim, como
numa msica, ao canto e
ao contratempo. Sistematicamente eu fao isso, outra coisa que eu
posso fazer tambm de
modo muito banal, no um princpio totalmente ortodoxo, eu sou um
cinfilo, adoro cinema,
se vi um filme que me pareceu muito interessante, tenho a
tendncia a sugerir que o paciente
veja o filme para que possamos conversar a respeito, ento
vivemos com o paciente apesar de
tudo num lugar onde existem muitas outras pessoas, muitos
centros de interesse, e tudo isso
pode ser cartografado, mapeado dentro da trajetria do paciente.
Durante mais ou menos 10
anos, com Danielle Sivadon, ns criamos em Paris uma Associao de
Pacientes, que foi uma
associao completamente independente, formada pela Lei de 1901,
como se diz na Frana,
ou seja, com presidente, com tesoureiro, com secretrio-geral, e
que de forma nenhuma
precisa prestar contas ao mdico, ou equipe mdica, equipe de
tratamento. Era uma
organizao totalmente independente, e para poder entrar em relao
com essa associao,
ns com alguns amigos, que alis nem eram todos mdicos ou
psiclogos, eram intelectuais,
artistas, todo tipo de gente, formamos tambm uma associao, que
chamamos de Associao
dos Impacientes, e decidimos de modo legal, jurdico, manter uma
relao paritria com a
Associao dos Pacientes, ns nos encontravamos de tempos em
tempos, uma vez por ms e
discutiamos o que eles faziam, o que faziamos, como se
articulava, mas durante o resto do
tempo, sem problemas. s vezes havia problema, por exemplo, em
dado momento as contas
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financeiras da Associao dos Pacientes foram constestadas pela
administrao pblica, e um
delegado convocou o tesoureiro dessa associao, e ele
esquizofrnico, e quando soube que
foi convocado por um delegado, ele me explicou a situao, ele era
um paciente meu e me
disse:
- no, no, no, primeiro me mato, primeiro me mato.
Eu disse:
- No, primeiro vamos juntos.
Ento fomos juntos ver o delegado, e tudo se passou muito bem.
Ento esse o
dispositivo que faz com que, mesmo quando trabalhamos de modo
isolado, preciso saber
sair da estrutura ortodoxa primeira, primordial da psicanlise,
sabemos bem que no
possvel trabalhar neste dispositivo o div, sabemos a muito tempo
que um instrumento
perigoso na relao de trabalho com algum. O simples uso da
palavra com a tentativa de
interpretar mais ou menos o discurso do paciente, isso tambm no
funciona, isso no d
resultado nenhum, e com muita frequncia isso agrava os
transtornos, com muita frequncia.
H pacientes que no eram verdadeiramente psicticos e que depois
de uma ou duas sesses
de psicanlise se tornaram psicticos, por exemplo, no consultrio
em que estvamos, um dos
meus amigos recebeu um paciente que conversou um pouco com ele,
que no parecia muito
louco, e meu amigo lhe diz: por favor, deite-se no div. Ele se
deitou no div, e ai ele deu um
grito horrvel e disse: eu estou caindo. E a partir deste momento
ele se tornou esquizofrnico.
Ele ficou completamente traumatizado, dissociado
instantaneamente simplesmente por essa
maneira de se colocar numa sala sem ver seu terapeuta e entregue
solido de sua angstia,
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ento preciso criar alternativas. Na instituio criamos muitas
alternativas, mas na relao a
dois com o paciente no consultrio mais difcil, porque no estamos
muito longe desse
dispositivo inicial. A segunda constatao que fazemos que quando
trabalhamos com
pessoas psicticas, claro, nos falamos, mas ao mesmo tempo,
parece que as possibilidades
de interpretar, o risco de interpretar raro. O que tentamos
identificar , no fundo, o que no
sujeito que est diante de ns o que lhe interessa, pelo que ele
se apaixona, o que suscitaria
suas disposies, seu interesse. H coisas muitas estranhas, eu
lembro que Guattari tinha um
paciente em dado momento e ele me enviou este paciente pois
queria que eu prescrevesse
alguns remdios, ele no mdico e no podia fazer isso, e esse
paciente me diz:
Flix muito estranho comigo, porque ele me perguntou o que eu fao
quando
estou em casa!
Ele no estava trabalhando naquela poca, era um professor de
escola secundria que
estava licenciado por causa de seu estado de sade, tinha um
grande problema tambm em
relao a uma homossexualidade mal assumida, e Flix ento
perguntou
O que voc faz o dia inteiro?
E o paciente que era muito inteligente, fica um pouco
constrangido e diz:
Olha, eu tenho um caderno enorme e nesse caderno eu anoto todos
os recordes do
mundo, os recordes de esporte, eu leio os jornais esportivos, e
nesse caderno eu atualizo todos
os recordes do mundo, e apago e depois coloco o novo recorde
mais atualizado.
e Flix diz:
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Mas ento voc s faz isso?
E ele diz:
No, eu no fao s isso, eu no anoto simplesmente o recorde, eu
tento calcular
quanto tempo necessrio para que um recorde mundial neste ou
naquele esporte seja
vencido, seja superado, e fao clculos para saber e tentar prever
quando o prximo recorde
mundial ser vencido, e se possvel eu tento descobrir o nmero
exato desse recorde.
Bom, se algum me dissesse dito isso eu teria pensado ele tem que
ter alguma boa
ocupao no final das contas, mas o Felix disse a ele
Vamos trabalhar isso juntos na sesso, voc precisa continuar
fazendo isso, isso
muito interessante!
O paciente achou que tinha que parar de fazer isso e o Felix
diz:
No, voc precisa continuar fazendo isso, isso interessa a voc,
continue fazendo e
veremos depois, talvez possamos complexificar um pouco essa sua
atividade, mas muito
importante continuar a fazer isso, no largue isso de modo
nenhum.
Eu compreendi algo muito importante com essa histria. que o que
importante
nessa espcie de apragmatismos, de abolia de recuo, de retirada
do investimento do desejo, o
que foi chamado ainda em um momento de o narcisismo autstico do
paciente, o simples fato
de que ele possa receber de cara uma atividade diria que o
obriga a sair, a comprar o jornal, a
estudar, a fazer clculos, a encontrar jornalistas esportivos
para conversar com ele, para saber
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se concordam com os clculos que ele faz ou no, h toda uma insero
social, e todo um
entusiasmo intelectual que gira em torno de algo que poderia
parecer desinteressante a
princpio, ou obsessivo, ou estril. O que isto significa?
Significa que ns nos interessamos
pelo que interessa ao outro, e que eventualmente podemos tambm
aderir a esses objetos de
interesse, nos unir a eles, nas associaes que ns criamos, na
associao de pacientes, ns, os
impacientes, iamos at l, mas para fazer coisas com eles. Fizemos
teatro, alguns filmes foram
feitos tambm, fabricamos um jornal e fizemos viagens ao exterior
com eles, alm disso,
participamos com eles de congressos de psiquiatria, ns foramos
os congressos de mdicos e
de psiquiatras a aceitar a presena (no foramos na verdade porque
estes mdicos era pessoas
mais abertas, de esquerda, e eles aceitaram). Pela primeira vez,
num congresso de psiquiatria
havia 20 pacientes psicticos que usaram a palavra, foi muito
interessante, porque em geral
eles usavam a palavra para dizer que detestavam os psiquiatras,
que eram todos idiotas que
no haviam entendido nada, mas eles estavam l, e falavam isso, e
as pessoas ouviam e,
principalmente, aplaudiam. Foi um momento muito interessante,
infelizmente no pudemos
continuar com esta associao por muito tempo porque nunca
obtivemos do Estado os
subsdios que nos teriam permitido continuar a trabalhar. Fomos
voluntrios durante 10 anos,
colocamos dinheiro do nosso bolso, mas depois fomos obrigados a
parar, ento preciso
saber que todas essas experincias que de um jeito ou de outro tm
relao com a psicoterapia
institucional provocam uma recusa a priori do poder central, dos
dois ministrios (do
ministrio da sade e do ministrio do interior). Ou seja, e vou
repetir o que disse esta manh,
a psicoterapia institucional sempre est numa posio de embate, de
contestao , de recusa e
eventualmente de transgresso das regras com as quais o Estado
nos obriga a trabalhar. Ento
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importante compreender que em La Borde uma das primeiras coisas
que fizemos foi recusar
reconhecer as competncias, os diplomas, as qualificaes que eram
atribuidos pela
universidade, pelas faculdades e pelas diferentes
especialidades, tanto em relao ao mdicos
quanto em relao aos enfermeiros. Jean Oury dizia uma coisa
importante: se lembrarmos
que um mdico da instituio se considerar um mdico, se os
funcionrios de manuteno da
clnica se considerarem funcionrios de manuteno, se os
enfermeiros se considerarem
enfermeiros, no haver nenhuma razo para que o doente, o louco no
se considere louco,
ento a primeira coisa era questionar essa condio, esse status,
essa representao, o seu eu
ideal como teria dito Lacan, ento uma das primeiras coisas das
quais se preciso se livrar
ou das quais se preciso duvidar, e por isso muito cedo em La
Borde houve essa ideia de que
todos tinham que poder fazer tudo, e eu quando trabalho em Paris
sozinho eu tambm me
digo h momentos que se preciso fazer todo tipo de coisa,
diferentes coisas, se quisermos
trabalhar de verdade. assim que pouco a pouco percebemos de
nosso pertencimento
primeiro psicanlise lacaniana, porque a psicoterapia
institucional foi pensada por
Tosquelles e depois por Jean Oury. Jean Oury estava fazendo
anlise com Lacan, e no s
isso, ele foi o interlocutor mais importante, na Frana , mais
preciso, o mais exato do
pensamento de Lacan, e at hoje ele continua a fazer seus prprios
seminrios que se
assemelham muito aos seminrios de Lacan por aquela maneira de
improvisar diante das
pessoas de p, o que ele faz em todas as semanas em La Borde, e
uma vez por ms em Paris, e
at hoje, aos 88, 89 anos, ele continua fazer isso dessa maneira,
mas ao mesmo tempo
percebemos sua referncia a Lacan foi progressivamente testada
por um trabalho muito
particular, um trabalho que a psicanlise tentou evitar. O
primeiro que deixou de lado em seu
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projeto psicanaltico foi o prprio Freud, sabemos muito bem que
foi no hospital de Zurique
onde trabalhava Jung, Breuer, e certo nmero de pessoas que
criaram o conceito de
esquizofrenia, foi l que se comeou a trabalhar com a psicose.
Entre os discpulos de Freud,
e de Jung tambm, preciso assinalar particularmente dois nomes
que estiveram praticamente
na origem de uma adaptao da concepo psicanaltica do sujeito nas
situaes de psicose,
um foi Viktor Tausk, que escreveu um texto extraordinariamente
interessante chamado On
The Origin of the Influencing Machine in Schizophrenia2, e o
outro foi aluna e depois
paciente, e depois amante de Jung chamada Sabina Spielrein. E o
que no se costuma dizer
que Sabina foi provavelmente a primeira pessoa a escrever
verdadeiras monografias de
psicticos, de anotar durante horas tudo que diziam, e a dizer
que impresses ela tinha em
relao quela fala, como ela reagia quelas falas. Isso com
frequncia esquecido, mas como
vocs sabem, provavelmente, as relaes de Jung com Sabina se
tornaram espantosamente
complexas, e por fim, com a ajuda de Freud, eles conseguiram se
livrar, por assim dizer, desta
mulher que os perturbavam muito, e a a enviaram para a Unio
Sovitica, aconselhando-a
para criar l uma associao de psicanlise freudiana. O que ela no
fez, mas ela abriu uma
escola para crianas autistas, uma escola notvel, e ela comeou a
cuidar de psicanlise dentro
de uma instituio, uma instituio mais pedaggica do que
psicoterapeutica, e mais tarde,
durante a guerra, ela se casou e teve filhos, e na guerra, no
momento da invaso da Alemanha
Rostov, ela foi assassinada pelo exrcito alemo com suas duas
filhas. Ento so duas
figuras muito importantes a meu ver, porque elas davam ateno
atividade, e no apenas ao
discurso dos pacientes. E tinham uma maneira de pensar que no
estamos essencialmente num
2 Tausk V (1933) On the origin of the influencing machine in
schizophrenia. Psychoanalytic Quarterly, 2, 519-
556.; sem traduo
http://en.wikipedia.org/wiki/Psychoanalytic_Quarterly
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processo em que ser preciso interpretar alguma coisa, ser
preciso, invs disso, encontrar
modos de encontro, de modalidades concretas de transferncia, e
essencialmente pragmticas.
Falo de um modo um pouco associativo, falei com Osvald Saidon
ontem e eu disse a ele que
j faz algum tempo que eu tenho vontade de substituir a palavra
esquizoanlise por outra
palavra, e percebi lendo O Anti-dipo3, de tanto ler esse livro,
eu j li ele vrias vezes,
preciso muito tempo para compreender certas coisas neste livro,
ento em um momento eu
compreendi que h uma equao, muito simples no fundo, entre o
termo esquizoanlise e o
termo pragmtica, no fundo trata-se no de trabalhar com signos
lingusticos, tentar
compreender as metforas ou as metonmias do discurso, mas se
interessar, ao contrrio, por
outros tipos de enunciao, no necessariamente uma enunciao
lingustica, mas todas as
espcies de manifestaes que podem ser fsicas, que podem estar nos
gestos, nas atividades,
que podem ser formas artsticas, e que trabalham num mbito que
escapa amplamente
nomimalizao, e muito mais ainda numerizao. Por que digo isto?
Por que hoje, o grande
inimigo da psiquiatria inteira na Frana quando ela realmente se
quer uma psiquiatria
relacional o DSM, esse sistema mundial de enumerao dos sintomas
do paciente, na
tentativa de catalogar exaustivamente em todos os pases do mundo
um diagnstico em suma
construdo a partir da concatenao de um certo nmero de sintomas.
Eu j vi, porque j envie
doentes urgentemente ao hospital, e vi esses doentes sairem trs
dias depois, e que voltavam
para falar comigo e me davam a carta que o mdico do hospital
havia escrito para mim, e
ficava sempre surpreso com a carta, porque havia Meu caro
colega, ns examinamos este
doente durante quatro dia, pensamos que ele pertence categoria
mdica L1282172-3 e eu
3 Deleuze, Gilles; Guattari, Flix. O Anti-dipo. Capitalismo e
Esquizofrenia 1. Traduo de Luis B. L. Orlandi. So
Paulo: Editora 34, 2010
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compreendi que um paciente havia sido transformado em um cdigo
de barras, estamos
realmente nos dias de hoje numa tentativa desterritorializada,
globalizada de acabar com a
singularidade. Bem, a singularidade disso diz que sempre podemos
arrumar alguns nmeros,
algumas letras, para dar a frmula dessa singularidade, muito
extraodinrio isto, e neste
momento eu comecei a me perguntar quem era o verdadeiro louco
desta histria. Era muito
preocupante. Atualmente, a esquizoanlise se apresenta como algo
que antes de mais nada
uma prtica, uma prtica que deve se abrir para atividades muito
concretas, em que outras
dimenses que no a palavra e a lngua so atendidas e de modo muito
efetivo so
compartilhadas, poderiamos dizer. assim, a meu ver que poderamos
compreender tambm
o fato de Flix Guattari, embora to prximo de Jean Oury (eles era
dois amigos
indefectveis), como eles chegaram ao momento de ruptura, no
plano terico em todo caso, o
que fez com que depois de uma tentativa malograda da parte de
Guattari para seduzir Lacan
com sua teoria da mquina desejante, a qual foi rejeitada muito
explicitamente, ele tenha se
voltado para algum que o ouvia, que o ouvia com muito interesse,
que era o Deleuze.
Deleuze era um filsofo, Flix no, Flix foi um autodidata, algum
que nunca recebeu um
diploma, mas que tinha uma erudio extraordinria, que passava
pela sua prtica cotidiana,
pelo seu contato com os doentes por um lado e por sua vida de
agitador poltico, isso lhe
ensinava muitas coisas. A partir de certo momento, ficou claro
que havia um desvio desse
movimento estruturalista do qual Lacan era uma manifestao no
mbito da psiquiatria. A
esquizoanlise poderia ser chamada ento, foi o que eu disse a
Saidon, de uma pragmtica,
mas ele disse que um problema isso, porque perdemos o termo
anlise, eu tinha essa
preocupao tambm, Saidon disse que queria mostrar que a
esquizoanlise no , apesar do
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Aula aberta de Jean-Claude Polack; Debatedor: Isabel Marazina;
Coordenao: Mauricio Porto
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que se pensa, a inimiga da psicanlise. Muitas pessoas leram O
Anti-dipo dizendo uma
declarao de guerra radical contra a psicanlise esse livro, uma
ruptura completa, apesar
de todas as passagens no livro em que Deleuze e Guattari
prestavam uma homenagem
Lacan, mas apesar disso, sentia-se muito bem que eles tambm
davam um jeito para atribuir
aos discpulos de Lacan a responsabilidade por todos os erros
decorrentes deste pensamento, e
preservando a posio de Lacan que, apesar de tudo, era para Oury
e para Flix o prprio
analista deles. Ento, eles no podiam matar o pai, no podiam
passar ao ato de matar o pai,
uma histria dessas. Apesar de tudo, todo discurso da
esquizoanlise se distancia de certa
concepo de anlise que s leva em considerao o discurso, a
palavras e suas
manifestaes. Ali se tratava de aproximar algo que Oury durante
muito tempo fez questo de
separar, a questo da alienao mental, o fato mental patolgico e
clnico, e a alienao social,
no sentido marxista do termo, dizendo que estes dois componentes
da existncia dos seres
humanos, e dos pacientes que esto na instituio devem ser levados
em conta, mas no
confundidos. Eu acho que a partir de certo momento, sem
confundi-los, Flix e Deleuze
quiseram articul-los de modo muito slido, um ao outro, no mais a
mesma coisa quando
eles diziam que essas duas alienaes esto relacionadas a produes
de desejo, tm a ver
com uma economia de desejo, so de uma mesma natureza era
corajoso dizer isto mas
simplesmente pertencem a regimes de funcionamento de produo
diferentes, e a vamos
muito longe, o que explica tambm o subttulo no livros Anti-dipo
e Mil Plats, o
subttulo, ou o sobretitulo, pois ele aparece antes do ttulo,
esquizofrenia e capitalismo.
Acho que isso foi a coisa que mais me entusiasmou, porque fazia
muito tempo que a questo
mais importante para mim, eticamente e existencialmente, era a
questo de tentar
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compreender o que faz com que um fenmeno como o holocausto e o
nazismo tenham sido
possveis, e comecei a fazer psiquiatria pensando que de tanto
trabalhar, eu conseguiria
compreender algo sobre isso. Acho que no pensamento de Deleuze e
Guattari existe, enfim, a
possibilidade de no dissociar a singularidade psictica de um
indivduo de uma produo de
uma subjetivade que diz respeito sociedades inteiras, e talvez
humanidade inteira,
sobretudo hoje, sobretudo em um momento em que uma espcie
unificao capitalstica da
sociedade faz com que se instaure algo que poderamos chamar de
uma subjetividade, uma
base, um fundamento subjetivo sobre o qual todo tipo de
singularidade possvel, acho que
algum como Maurizio Lazzarato que escreveu um livro entitulado
La Fabrique de lHomme
Endett 4
. Ele no mdico, ele um economista, ele faz economia poltica,
filosofia e ele
tenta compreender como a quase totalidade dos seres humanos no
planeta so pessoas que
vivem graas ao crdito, e que tm uma dvida, mas como isso pode
modelar a existncia
delas e criar um verdadeiro destino? Ou seja, a gente pode
querer fazer uma srie de coisas,
muitas coisas, mas, de certa maneira, quando devemos alguma
coisa, quando se preciso
submeter todas as nossas tentativas de imaginao, nossos projetos
necessidade de
reembolsar a dvida que contramos, extremamente raro, atualmente,
ainda mais em nossas
sociedades, ainda mais nas sociedades economicamente fortes,
entre elas o Brasil, que esse
problema no esteja colocado dessa maneira. Todos ns temos cartes
de crdito, cartes
bancrios, e todos estamos pegos na necessidade de calcular o que
possvel e o que no
para ficar no mbito do direito, como se estivessemos
permanentemente no mundo da
4 Maurizio Lazzarato, La fabrique de lhomme endett. Essai sur la
condition nolibrale,
Editions Amsterdam, 2011
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dvida, e porque estamos neste mundo Lazzarato leva a ideia mais
longe ainda, ele diz ns
vivemos, consequentemente, como culpados, como necessariamente
culpados. Bom, acho
que vou parar por aqui que j estou comeando a fazer uma
digresso, mas com Saidon, o
termo que tentamos imaginar foi, estavamos fazendo um
brainstorm, e eu disse que talvez
pudessemos fazer pragmanlise, a ele falou ah, interessante, a
palavra anlise aparece
tambm, e a ltima coisa que eu queria dizer que eu tambm tenho a
preocupao de que
todos compreendam que a esquizoanlise no uma anti-psicanlise,
mas ao contrrio, levar
o pensamento psicanaltico, o pensamento do desejo inconsciente a
um nvel muito mais
elevado, e muito mais exigente a respeito da vida social e da
vida poltica das pessoas. O
inconsciente est em toda parte, ele no est apenas na loucura
individual de nossos doentes.
Isabel Marazina: Bom, claro que eu no preparei alguma coisa
porque queria escut-los.
Oras, para isso me convocaram como debatedora, mas acho que eu
vou levantar algumas
questes e abrir a possibilidade [inaudvel] desde o incio que se
trata de uma posio, que
Jean-Claude muito claro neste sentido, que a possibilidade de
contornar segregaes.
Ento escut-lo foi escutar um companheiro de estrada, e para
muitos de ns, que faz muito
anos que estamos na luta para alargar o espao existencial das
pessoas capturadas pela
psicose, mas tambm nosso prprio espao. Claro que Jean-Claude
pode trazer um histria
prpria, sua histria, aonde pode nos contar um pouco mais do que
acontecia com Guattari,
com Deleuze, com Oury. No conheciamos o pensamento deles,
conhecamos alguns deles
pontualmente, e que de fato Guattari veio bastante ao Brasil,
tive a oportunidade de trocar
vrias coisas, mas ao reconhecimento imediato, creio que enquanto
ele ia conversando e
trazendo questes, eu creio que quando voc diz, no ltimo momento
de sua fala, para mim
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uma formulao que eu venho j faz bastante tempo eu venho tentando
estabelecer e afirmar,
em muitos momentos, o pensamento esquizoanalitico se colocava
como destrutor do
pensamento psicanalitico. O psicanaltico como se fosse apenas
uma sobreposio, nunca
pensei dessa maneira, inclusive porque todas as experincias as
quais a gente participou, que
estavam na linha de certo poder de distinguir o que era alienao
social de alienao mental,
se houve um instrumento que nos ajudou a conduzirmos uma clnica
pragmtica desse jeito,
por exemplo, quando cortar as unhas de um paciente eram um
efeito teraputico ou uma
ameaa, foram os operadores psicanalticos que nos ajudaram a
compreender a situao, ento
creio que o que acontece que estamos falando de vrias
psicanlises. Quando eu defino o
campo psicanaltico do qual opero, eu tomo pra mim a palavra de
um grande amigo argentino,
Alfredo Grande, justamente quando ele fala da psicanlise
implicada, quando a gente fala da
anlise de implicao, estar necessariamente trabalhando com o
cenrio cultural, poltico e
histrico. Ento creio que neste circuito, quando a gente fala,
por exemplo, que vocs estavam
[termo incompreendido]5 a associao de pacientes, o que a gente
tentou fazer isso tambm
em Santos, nas experincias de Santos, e no dia de hoje essa
experincia sobrevive na
Associao Franco Rotelli, justamente. Esse tipo de dispositivos
foram pensados exatamente
para poder e fazer uma proposta ao paciente de retirarmo-os de
um lugar segregado,
desvalorizado, objetalizado, e empurr-lo como cidado, mais, pra
esse social que est ali de
alguma maneira e que todos precisamos nos virar. A colocao de
Lazzarato, e eu pensava,
caramba, se estamos pensando em alienao social, que um grande
operador que nos
orienta, eu tenho impresso de que nos ltimos 10 anos, eu no sei
se eu envelheci muito, ou
5 Sugere-se ao leitor o termo sustentando.
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se est produzindo um fenmeno idiotizao social, muito do qual,
toda semana no
consultrio tenho a impresso de que tenho lavado a alma, porque o
nvel de alienao em
relao aos sentidos profundos da vida pras pessoas que chegam no
consultrio , e no
estamos falando de psicticos, est muito alto. Estamos cada vez
mais nos aproximando de
uma subjetividade definida pelo consumo, pela marca, pela grife,
por ir fazer compras em
miami porque l mais barato, por que tem-se que comprar o enxoval
do beb, certo, e isto
no um exagero, eu estou falando srio, voc ter que escutar isso,
digamos assim,
[inaudvel], creio que o grau de produo de subjetividade alienada
est muito alto, esse
sistema tem recursos infinitos para essa alienao, no somente
vivemos numa sociedade
endividada, esta uma observao preciosa, ns tambm vivemos numa
sociedade de sujeitos
acelerados, enlouquecidos, sem tempo para pensar em si e nos
outros, cheio de recursos, de
materiais para dar conta de subjetividades cada vez mais
esvaziadas, acho que alienao
social, mas tambm vai sendo alienao mental. Ento, eu acho que a
gente precisa, quando
pensamos nos grandes projetos, que foram grandes porque deixaram
marca, porque fizeram
escola, porque produziram filiao, como foi La Borde, como foi
Santos, como de alguma
maneira os dispositivo substitutivos de hoje male-mal tentam
sobreviver, porque, como Jean-
Claude disse, o Estado no est interessado em dispositivos que
tratem de forma a questionar
as singularidades, sagradas e reprodutoras, seno est interessado
em dispositivo de gesto de
massa do sofrimento, e sabemos muito bem como a psiquiatria
entra nessa situao, nessa
proposta com uma eficincia incomparvel. Todos esses grandes
projetos so o que nossos
companheiros de luta [inaudvel] tambm tem a ver com as filiaes
que ns vamos, de
alguma maneira, atravessando e aqui juntos para pensar em outra
forma de no somente
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trabalhar com nossos pacientes psicticos, mas como trabalhar com
ns mesmos. Eu queria
no falar muito e abrir a conversa para perguntas, em todo caso a
gente continua conversando.
OUVINTE 1: Ol a todos e todas, eu sou um professor de filosofia
do direito, com muito
interesse em [inaudvel] e tambm em esquizoanlise e no momento
bastante interessado,
enfim, nisto eclodindo entre ns, outro lugar esta quase que
realizao de algo que confesso,
eu no digo que vou apostar como uma proposta vivel, mas que devo
reconhecer agora sobre
seu grande valor que Toni Negri com relao s multides, ai eu
fiquei no inicio da fala do
professor, eu ouvi o que ele falou em relao quela colega, tambm
psicloga, como se fosse
na sesso dela um encontro de duas, o Negri fala que a multido o
conjunto de
singularidades, ao contrrio da massa, do conceito freudiano,
contrrio ao Le Bon, negativo
em relao massa, tambm disruptivo em relao massa, e ento ele
prope o conceito de
multido que iria portanto ser uma contraposio tambm a conceitos
j capturados, pelo que
vejo na fala do professor trata-se tambm de escapar dessa
captura que ele faz das formas
jurdicas que opera segregando, identificando o que seria a
multido, a multido que vai s
ruas, graas a mecanismos alienantes como a internet, por sua vez
teria essa possibilidade
dessa reunio de um conjunto de singularidades que numa multido
que pode se reconhecer
multido ela prpria. Foi isso que eu vi, quando ele falou da
sesso em que ns temos algum
que se assume como multido diante daquele outro que se assusta
com a multido que o
habita, que ouve vozes, que enfim, delira, que se assusta,
quando outro assume mais
poeticamente isto que o poeta diz que somos todos, eu sou uma
pessoa, eu sou uma multido.
Ento que me diga o professor como entende esse pensamento de
Toni Negri que est se
mostrando bastante til, pragmaticamente esclarecedor para nosso
momento, poderia de outro
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lado tambm servir para a manuteno do campo da esquizoanlise
dessa subjetividade
multifacetada, despedaada e que se reencontra agora nas ruas
como multido.
Jean Claude Polack: Eu gostaria de retomar essa aluso a Toni
Negri, que algum a quem
aprecio muito, que eu conheo bem, e com quem tenho muita
amizade, e certo nmero de
desacordos, mas no fundo o desacordo muito simples, ele algum
que quer traar uma
espcie de perspectiva poltica para o capitalismo globalizado de
hoje, mas evitando, pulando
a questo do inconsciente, a questo do desejo. Para mim, isso
basta para que eu no possa
compartilhar com ele sua maneira de compreender o mundo, mas eu
li seus trs livros sobre a
globalizao, eu os aprecio muito, Multitude6 um livro magnifco,
mas o que me interessa
que o esforo terico rduo, eu diria, que foi o de Deleuze e
Guattari quando eles tentaram
encontrar um processo que agiria a um s tempo no plano do
conjunto da sociedade, do
desenvolvimento, da evoluo das sociedades e no corpo e no
esprito de um indivduo.
Esquizofrenia e capitalismo. Esquizofrenia quando falamos da
doena individual que
podemos considerar como tal, e quando falamos do mundo e das
sociedades, esse termo que
equivalente para eles do termo de processos esquizofrnicos que a
desterritorializao, esse
termo fundamental para eles, e termo que faz juno entre o que
pode enlouquecer, mas
no necessariamente, porque a desterritorializao no leva
necessariamente loucura, longe
disso, e essa evoluo clnica, podemos dizer, que tambm no dada de
uma vez por todas.
H uma afirmao muito importante desde o incio do Anti-dipo, ele
diz que a esquizofrenia
no um processo esquizofrnico, um fracasso do processo
esquizofrnico, quando o
6 Michael Hardt e Antonio Negri. Multitude: War and Democracy in
the Age of Empire, New York: Penguin,
2004. traduo brasileira: Multido, Rio de Janeiro,Record,2005
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processo esquizofrnico no acompanhado, no reterritorializado em
certo momento de
modo inteligente e profundo, na prtica que se pode ter com o
paciente nos fenmenos de
segregao, de abondono, de marginalizao que se chega ao
esquizofrnico doente,
esquizofrenia como doena, com a perpectiva no fim de uma
catatonia e de uma morte, mas o
processo esquizofrenico, ao contrrio, um processo
extraordinariamente fecundo, o que
faz com que passemos nosso tempo individualmente e coletivamente
decodificando o mundo
no qual estamos. Decodificar no quer dizer apenas compreender,
mas tambm distanciar-se,
distanciar-se dos cdigos que nos so impostos, que esto a, poder
imaginar outro sistema de
signos, outros cdigos, outras maneiras de sentir, de fazer amor,
de pensar sobre a morte, e de
pensar tambm tambm nossa relao com a poltica, com a democracia,
ou ao contrrio, com
o fascismo. A desterritorializao abre estas possibilidades, a
crtica que Deleuze e Flix
fazem ao capitalismo que para o capitalismo h um s tipo de
reterritorializao, que
bloqueia o fenmeno e que o orienta constantemente para duas
constantes do capital, que so
a propriedade privada e o lucro. A a desterritorializao,
reterritorializada, para nesse embate,
podemos imaginar tudo o que quisermos, mas essa a linha que no
podemos ultrapassar,
uma espcie de limite interno que faz com que toda a produo
riqussima que pode
manifestar-se na arte, na literatura, no teatro, na poesia, na
msica, na arquitetura, no
urbanismo, toda essa riqueza deve se submeter aos imperativos
reterritorializantes do capital.
De um lado a reterritorializao no se realiza, e abandonamos os
pacientes a si mesmos,
entregamos os pacientes a si mesmos, e eles acabam morrendo de
suas doenas, e se
revestindo de sintomas e de modos de ser que so descritos nos
manuais. Ai nos aproximamos
da descrio dos grandes psiquiatras do sculo XIX, Kraepelin,
Esquirol, na Frana. Mas no
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fundo, possvel ser esquizofrnico sem ser assim, claro, alguns
exemplos nos vem a mente
que foram muito utilizados h uma grande insistncia num grande
nmero de personagens
intelectuais que viveram de maneira muito produtiva, e fecunda,
seus processos
esquizofrnicos, Antonin Artaud, Franz Kafka e Joyce, por
exemplo, podemos at incluir
Proust, eles falam muito dele, mas no vamos nos estender nesse
ponto. Isso s para dizer
que de fato no podemos falar dos danos do capitalismo de maneira
unvoca, o capitalismo
tem certos efeitos e podemos at concordar com Negri nesse ponto,
talvez existam tecnologias
e modos de utiliz-lo que podem ser muito frteis para a
humanidade, que podem criar
situaes de encontro, de produo, de inveno multiplicadas,
possvel. No se trata de
tomar uma posio passadista em relao ao capital, trata-se de
combater um confisco da
desterritorializao pelo capitalismo globalizado ou pela
psiquiatria tradicional.
Isabel Mazarina: Eu queria retomar um pouco a questo da produo
de subjetividade,
justamente esta questo dos limites internos. Ns temos uma
trabalhamos no curso uma
maneira clnica, [trecho inaudivel] onde comeamos tentando
questionar quase a maior parte
dos pressupostos que norteiam a orientao profissional daqueles
alunos que nos procuram. E
o meu trabalho esse, eu dou um primeiro mdulo no primeiro
semestre, passa um tempinho
e dou um segundo mdulo, no segundo semestre. Faz pouco tempo
dois alunos vieram e me
disseram professora, ainda bem que existe um tempo entre seu
primeiro mdulo e seu
segundo, porque a gente precisa desse tempo para se recompor, e
eu achei muito interessante,
quando ele me diz voc arrebentou minha cabea, pode-se pensar
muito a partir dai, um cara
que fez um trabalho maravilhoso de concluso de curso, mas eu
tomei essa frase dele ao p da
letra, com toda propriedade, a gente no percebe at que ponto
estamos modelizando para
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reproduzir essa reterritorializao extrema desse sistema que a
gente vive e que precisa
continuar se reproduzindo ilimitado, uma bela posio de elucidao
crtica implica o tempo
inteiro estar com a cabea meio arrebentada, neste sentido que eu
acho que os pacientes
psicticos nos ajudam muito, porque eles sabem como fazer isso,
ou seja, o exerccio de
radicalidade subjetiva intensssimo que o processo esquizofrnico
comporta no pode ajudar
tambm a suportar um exerccio de elucidao crtica que corta
totalmente com o significante
que nos orientaram o tempo inteiro? Ns arrebentamos a cabea, e
creio que nesse sentido
tambm podemos pensar uma conexo entra capitalismo e
esquizofrenia por esse lado, ou
seja, como tambm o contato com uma alteridade radical do
paciente psictico nos ajuda a
poder tambm entrar em contato com nossa alieno radical, e
trabalhar.
Ouvinte 2: Queria perguntar-lhe sobre a questo do DSM, e eu
gostaria de saber sobre a sua
impresso sobre a questo da psicoterapia institucional e da
esquizoanlise o impacto da
medicalizao dos pacientes mesmo do social hoje na Frana. No
mundo inteiro sabemos que
a indstria farmacutica est impondo uma fora muito grande nesta
questo inclusive de
classificao, e na Frana, em particular, ouvimos que os pacientes
esto sendo muito
medicados. Eu queria saber que composies ou decomposies existem
hoje em sua
experincia entre a medicao e a psicoterapia institucional e
esquizoanlise.
Jean Claude Polack: Precisaria de muito tempo para responder
essa pergunta, mas tentarei
ser muito conciso. Quando houve o movimento da antipsiquiatria
na Frana nos anos 1968,
1970, entre 68 e 75 houve na Europa um movimento de
antipsiquiatria muito importante, e
houve um grande grupo que vinham de diferentes pases, como
Itlia, Blgica, Frana,
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Inglaterra, que se reuniram, que se juntaram para fazer uma
coordenao antipsiquitrica.
Nessa coordenao estava Flix e a psicoterapia institucional, alm
disso em La Borde, Oury
era radicalmente contra isso. Oury nunca suportou que
falassemos, ou que usassemos o termo
antipsiquiatria, porque ele se orgulha, e acho que ele tem toda
a razo, de ser psiquiatra, ele
considera que a psiquiatria uma disciplina muito interessante,
muito rica e de que no h
razo alguma para acus-la. Flix tambm pensa que devemos respeitar
a psiquiatria, e no
livro escrito com Deleuze, com frequncia ele diz eu acho que a
psiquiatria materialista
deveria tatatatata. Com muita frequncia ele utiliza esse termo
de psiquiatria, mas no
movimento da antipsiquiatria, como vocs sabem, existiam
tendncias de pensamentos
extremamente diferentes. Havia os italianos, que privilegiavam
totalmente a questo da
alienao social, que no se interessava pela questo da alienao
inconsiente, poderiamos
dizer pela questo do desejo, e que voltavam as costas para a
psicanlise, ao passo que Flix
foi psicanalista toda sua vida. Para contar uma histria para
vocs, eu estive muito prximo
dele nos dias que precederam sua morte, trs dias antes haviam
pacientes em seu div,
preciso saber disso, ele foi psicanalista por toda sua vida, at
o fim. Ento h um mito a
respeito da posio da esquizoanlise e da psicanlise que no se
sustenta, em contrapartida, a
esquizoanlise tem outras maneira de abordar as coisas no mbito
poltico, eu falei do Toni
Negri, mas poderiamos falar tambm de Basaglia, de David Cooper,
que fazia terapia familiar
e que era do grupo da antipsiquiatria e que tenta compreender as
coisas de modo sistmico, a
doena como um problema familiar. H algo que separa totalmente a
esquizoanlise em seu
procedimento poltico que no se interessar unicamente ou nem
mesmo prioritariamente s
necessidades dos seres humanos e aos interesses de classe, e
introduzir uma categoria que
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parece decisiva que a do desejo, e esse desejo no se manifesta
na sua produo
necessariamente, eu concordo com tudo que voc disse, mas em dado
momento voc
rapidamente diz que preciso se afastar dos significantes, mas o
termo significante muito
importante, o que Flix e Deleuze querem dizer com frequncia que
no nesse estrato do
significante que est a armadilha, porque estamos armados para
criar polmicas, para negar,
para compreender, em estratos muito mais inalcanveis pelo
discurso, pela lngua, que no
esto no mbito da ideologia. Estamos no espao de modos ntimos de
vidas, por isso eu falo
de ntima Utopia, o modo de ser no sentido mais material do
termo, a maneira de estar com
outro, os gestos, a maneira de se apaixonar, a relao entre as
crianas e os idosos, a
sensibilidade para este ou aquele aspecto do outro, as relaes
com a natureza, as relaes
com os animais, toda essa reflexo que pode parecer fantstica, um
pouco moda de Borges,
mas que na realidade muito importante para eles, eles levam a
srio quando dizer que tem
uma vida de co, para eles no uma expresso metafrica, vida de co
posso morder,
posso latir se encherem minha pacincia, h um devir animal e h
pessoas que presentiram
isso antes deles, e eles prestaram uma homenagem a estas
pessoas, e um dessas pessoas a
quem eles prestam homenagem [nome incompreensvel], que na
Alemanh na poca era
comunista e psicanalista e lutava violentamente contra o
nazismo, mas tambm contra as
pessoas que no compreendiam a que ponto o desejo inconsciente
importante na vida, e que
finalmente foi esmagado tanto pelos psicanalistas quanto pelo
partido comunista, ningum o
suportou, nem uns, nem outros. E a desterritorializao foi para
ele at o fim, ele enlouqueceu
completamente e inventou um sistema totalmente fantstico com uma
economia que estava
em toda parte, a sexualidade das estrelas, que era at muito belo
poeticamente, mas difcil
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enquanto projeto poltico. Ento era isso que eu queria dizer, h
uma linha de demarcao que
poderiamos pensar para se falar no que acontece atualmente na
Frana, h 30 anos na Frana a
psicanlise dominava a situao, ela estava no topo da psiquiatria,
todo mundo falava de
psicanlise, Lacan tinha uma reputao fantstica, criou uma escola
que se difundiu muito no
mundo, mas na Frana, podemos dizer que em dado momento, se no
fossemos um pouco
psicanalista, no poderiamos ser psiquiatras, e as coisas mudaram
completamente nos ltimos
10 anos em que houve um forte retorno das neurocincias, do
behaviorismo, do
comportamentalismo e da psicofarmacologia, apoiadas pelas
grandes multinacionais, e essas
pessoas esto lutando frontalmente, e de modo muito violento,
muito agressivo com todo tipo
de procedimentos desonestos contra a psicanlise. A esquizoanlise
est numa posio
insegura, ambigua porque ela critica a psicanlise lacaniana, por
exemplo, mas que num
momento como este no possvel aliar-se com os inimigos
encarniados da psicanlise que
querem acabar com inconsciente e com o desejo, ento a situao
muito difcil. Em Paris,
recentemente, houve um ajuntamento muito importante de 800
trabalhadores de todos os
cantos da Frana que reuniram-se para lutar contra as leis
extremamente repressivas do Estado
e a medicalizao exagerada, desmedida do trabalho
psiquitrico.
Mauricio Porto: Bom, a gente est vivendo um momento de
desterritorializao bem intensa
onde as ruas no servem mais para os carros, mas para as pessoas,
a gente vai ter que terminar
aqui, deixar essa vontade que Polack suscita, Isabel tambm, que
a gente possa continuar
pensando nessas coisas atravs do Intima Utopia.