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Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Jul 25, 2016

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Ludover

 
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Jacquie D’alessandro Um Amor Escondido

Regência Histórica 02

Disponibilização em esp: LLL

Tradução: YGMR

Revisão: Monica Alonso

Revisão Final: Debora Lauton

Formatação: Gisa

PPRROOJJEETTOO RREEVVIISSOORRAASS TTRRAADDUUÇÇÕÕEESS

Para escandalizar à rigorosa, dissimulada e puritana sociedade em que vive, Catherine

Ashfield, viscondessa Bickley, acaba de ajudar uma amiga na publicação de um manual para as damas que perverte todas as normas do decoro. Nunca pensou que esta diversão

fosse prejudicá-la, obrigando-a abandonar Londres em companhia de um atraente protetor.

Seu guardião é Andrew Stanton, o melhor amigo de seu irmão, um plebeu. Mas sem saber, ele está obrigando à formosa e independente Catherine, que renega ao

amor, a reconsiderar sua posição. Assim os segredos, paixões e um amor escondido estão convertendo o homem que prometeu proteger à viscondessa, no mais doce dos perigos...

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Capítulo 1

A mulher moderna atual deveria lutar pela iluminação pessoal, a independência e a

franqueza. O lugar próprio para dar começo a esta luta pela igualdade é a cama...

Guia feminino para a conquista da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

—Um escândalo, isso é o que é – ouviu-se o ultrajado sussurro de uma voz masculina—

Minha esposa apareceu não sei como, com um exemplar desse maldito Guia feminino.

—Como sabe? —ouviu-se dizer outro resmungo masculino.

—É mais que óbvio. A julgar por sua forma de agir. Não faz mais que vomitar estupidez

sobre a mulher moderna atual e sobre a independência como um bule fervendo. Ontem mesmo

entrou no meu quarto e me perguntou sobre meus resultados no jogo e sobre a quantidade de

tempo que passo no White's!

Seguiram agudas inspirações.

—Mas que ultraje - sussurrou o outro irritado.

—Precisamente o que eu disse.

—O que fez?

—Naturalmente, mandei que ela saísse do quarto, chamei uma carruagem e a enviei ao

Asprey's para que comprasse uma roupa nova para se distrair.

—Excelente. Devo entender que sua estratégia surtiu efeito?

—Infelizmente não como eu teria desejado. Ontem à noite a encontrei me esperando no

quarto. Deu-me um bom susto, te garanto. Sobre tudo porque havia acabado de me despedir da

minha amante e estava muito esgotado. Maldita seja uma esposa não deve dizer tais barbaridades

nem se tornar tão exigente.

—Minha esposa fez exatamente o mesmo na semana passada – ouviu-se um terceiro

sussurro ofendido— Entrou no meu quarto com todo o descaramento que possam imaginar,

empurrou-me contra o colchão e logo... bom, o único modo em que me atrevo a descrevê-lo é

dizer que saltou sobre mim. Deixou meus pulmões sem uma gota de ar e esteve a ponto de me

esmagar. Ali permaneci imóvel debaixo dela em estado de choque, lutando para recuperar o

fôlego, e ainda por cima ela me diz com o mais impaciente dos tons: “Move um pouco o traseiro”.

Conseguem imaginar atos e palavras mais indignos? E, então, justo quando acreditei que não

podia me causar maior espanto, exigiu saber por que eu nunca...

A voz se apagou ainda mais e lady Catherine Ashfield, viscondessa de Bickley, inclinou-se

mais sobre o biombo oriental que ocultava sua presença dos homens que falavam do outro lado.

—.. temos que deter esse tal Charles Brightmore - sussurrou um dos cavalheiros.

—Estou de acordo. Um desastre de grandes proporções, isso é o que nos causou. Nem sei o

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que dizer, se minha filha ler esse maldito Guia, não casarei jamais a moça. Independência, onde

estamos! Completamente insuportável. Este Guia poderia ser pior que a revolta provocada pelas

escrituras dessa tal Wollstonecraft. Não são mais que ridículas tolices reformistas.

A declaração encontrou eco nos murmúrios de concordância. O sussurro prosseguiu:

—As mulheres estão exigindo besteiras demais, exigem constantemente novos vestidos,

brincos, carruagens e coisas mais. É um ultraje que suas expectativas se estendam a essa parcela.

Sobre tudo quando se trata de uma mulher da idade de minha esposa, mãe de dois filhos adultos.

Indecente, isso é o que é.

—Não poderia estar mais de acordo. Se chegar a me encontrar em companhia desse

bastardo do Brightmore, torcerei o seu pescoço pessoalmente. Todos com quem falei parecem ser

da opinião que Charles Brightmore é um pseudônimo, e, sendo como é um covarde, nega-se a dar

a cara e identificar-se. O livro de apostas do White's é um autêntico frenesi de apostas sobre sua

identidade. Malditos sejam todos. Que classe de homem é capaz de pensar, em escrever, idéias tão

impróprias?

—Bom, passei pelo White's pouco antes de vir aqui, e a última teoria é a possibilidade de

que o tal Charles Brightmore seja na verdade uma mulher. De fato, ouvi...

As palavras sussurradas do cavalheiro ficaram sufocadas pelo estrondo de uma risada

feminina. Catherine se aproximou ainda mais até quase fixar a orelha no biombo.

—.. e, de ser certo, seria o escândalo do século. —Ouviu então mais murmúrios

ininteligíveis, e logo—: ...contratei um detetive faz dois dias para checar este assunto. É um

homem altamente recomendado... desumano, e nos dará a verdade. De fato... Oh, maldição, minha

esposa me viu. Olhem como pisca para mim. Chocante, isso é o que é. Espantoso. E

definitivamente aterrador.

Catherine deu uma olhada através do biombo. Lady Markingworth estava em um dos

extremos do salão de baile com suas grandes proporções dentro de um desafortunado vestido de

cetim verde e amarelo que dava a seu rosto uma cor cítrica. Usava no cabelo castanho um

complicado penteado que incluía saca-rolhas, laços e plumas de pavão. Com sua atenção fixa no

lado oposto do biombo, lady Markingworth piscava como se tivesse sido surpreendida em uma

tormenta de vento infestado de pó. Então, com ar decidido, encaminhou-se até eles.

—Maldita seja – ouviu-se um horrorizado e apavorado sussurro que, conforme supôs

Catherine, pertencia ao lorde Markingworth— Tem esse condenado brilho no olhar.

—E é muito tarde para poder escapar, velho amigo.

—Maldição. Que caia uma praga sobre a casa deste bastardo do Charles Brightmore. Vou

descobrir a identidade desse personagem e o matarei... ou a ela. Bem lentamente.

—Você estava aqui, Ephraim - disse lady Markingworth, acrescentando uma risada juvenil

a sua saudação— Estive procurando por toda parte. Vai começar a valsa. E que sorte que lorde

Whitly e lorde Carweather estejam em sua companhia. Suas esposas estão esperando ansiosas

junto à pista de baile, meus prezados senhores.

O anúncio provocou no círculo dos três homens um acesso de pigarros e de tosses nervosas

que foi seguido pelo arrastar de sapatos sobre o chão de madeira quando o grupo se moveu.

Catherine se apoiou contra o painel de carvalho que cobria a parede e soltou um tremente

suspiro, levando as mãos ao peito. Saiu detrás do biombo em busca de um instante de

tranqüilidade, longe das rodas de convidados da festa, rapidamente virou-se na outra direção

para evitar lorde Avenbury e lorde Ferrymouth, que se aproximavam e que seguiam seus passos

desde o momento em que ela tinha chegado à festa de aniversário de seu pai, tentando levá-la a

um tête a tête. Tanto lorde Avenbury como lorde Ferrymouth tinham sido seguidos de perto por

Sir Percy Whitehall e alguns outros cujos nomes escapavam agora e em cujos olhos se apreciavam

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inconfundíveis —e indesejados— brilhos de interesse. Deus santo, o período de luto oficial por seu

marido tinha acabado fazia só dois dias. Quase podia ouvir a voz de sua querida amiga Genevieve

advertindo-a na semana anterior: «Aparecerão homens de todos os lugares. Tal é o destino das

solteiras ricas».

Maldição, ela não era solteira, e sim viúva. E com um filho quase em idade adulta. Não

imaginava que fosse gerar tal entusiasmo masculino... tão cedo. Se tivesse suspeitado, sem dúvida

haveria se sentido tentada de seguir levando o luto.

Entretanto, ao tratar de evitar a seus inesperados pretendentes, tinha escutado uma

conversa muito mais perturbadora que a atenção masculina da que fugia. As zangadas palavras

de lorde Markingworth ressonavam em sua cabeça: «A possibilidade de que Charles Brightmore

seja uma mulher... se for isso, será o escândalo do século».

Que mais havia dito que ela não pôde ouvir? E o quão perto estaria o desumano

investigador da verdade? E quem seria ele?

«... descobrirei quem é essa pessoa, e logo o matarei... ou a ela. Lentamente.»

Um calafrio provocado por um pressentimento deslizou por sua coluna. Deus santo, o que

tinha feito?

Capítulo 2

A mulher moderna atual deveria saber que um homem que pretende seduzi-la

empregará um dos dois métodos seguintes: ou a abordará diretamente e sem rodeios ou

utilizará um cortejo mais sutil e amável. Infelizmente, poucos homens têm em conta qual é o

método que a dama em questão prefere... até que já é muito tarde.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Essa noite daria começo a seu cortejo amável e sutil.

Andrew Stanton estava de pé em um canto pouco iluminado do elegante salão de lorde

Ravensly estava com uma sensação muito similar a que, conforme imaginava devia sentir um

soldado antes da batalha: estava ansioso, concentrado e rezando com todas suas forças para que

seu plano desse certo.

Seu olhar procurava inquieto entre os convidados formalmente vestidos. Damas

elegantemente vestidas e carregadas de jóias giravam ao redor da pista de baile de braços dados

aos seus companheiros perfeitamente equipados ao ritmo dos cadenciosos compasses do trio de

corda. Entretanto, nenhuma das damas que agora deslizavam ao ritmo da valsa era a que ele

procurava. Onde estava lady Catherine?

Bebeu um curto gole de brandy, apertando os dedos ao redor da taça de cristal esculpido

com o intento de controlar o desejo de beber a forte bebida em um só trago. Maldição, nunca havia

estado tão nervoso nem tão inquieto em sua vida... nunca. Bom, deixando de lado a quantidade de

vezes durante os últimos meses que tinha passado em companhia de lady Catherine. Era ridículo

que o fato de pensar naquela mulher, estar no mesmo lugar que ela afetava sua capacidade para

respirar com clareza e pensar adequadamente... quer dizer, respirar adequadamente e pensar com

clareza.

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Seus esforços para encontrar lady Catherine essa noite já foram interrompidos em três

ocasiões por pessoas que ele não tinha o menor desejo de falar. Temia que mais interrupções o

obrigasse a ranger os dentes até desgastá-los.

De novo olhou pelo salão. Demônios. Depois de esperar uma eternidade para poder

cortejá-la, por que não podia lady Catherine, ao menos aparecer para acalmar sua ansiedade?

O zumbido das conversas lhe rodeava, marcado por gargalhadas e o tinido das delicadas

taças de cristal tocando-se em um brinde congratulatório. Prismas de luz refletiam o chão de

parquet, um grande número de velas brilhavam nos deslumbrantes candelabros de cristal,

envolvendo a sala em um fulgor quente e dourado. Mais de cem membros da mais alta sociedade

tinham assistido à festa de aniversário de lorde Ravensly. «Os mais nobres da alta sociedade e...

eu.»

Elevou a mão e afrouxou levemente sua gravata cuidadosamente atada.

—Maldita seja esta incômoda gravata - resmungou. Quem quer que tenha inventado esta

praga incômoda merecia terminar com seus ossos nas águas do Tâmisa. Apesar de seu traje negro

e formal e de excelente tecido se igualar com o de qualquer nobre da sala, Andrew seguia

sentindo-se em parte como uma erva daninha entre as flores de uma estufa. Incomodado. Fora de

seu elemento. E dolorosamente consciente da distância entre ele e o elegante círculo social no qual

se encontrava... e, sem dúvida, muito mais afastado do que qualquer um dos presentes se teria

atrevido a esperar. Sua velha amizade com Philip, o filho de lorde Ravensly, e a amizade cada vez

mais íntima que lhe unia ao próprio lorde Ravensly, assim como lady Catherine, tinham

assegurado a Andrew um convite para a elegante festa de aniversário dessa noite. Era lastimável

que Philip não estivesse presente. Meredith estava pronta para dar a luz e Philip não queria

afastar-se do lado de sua esposa.

Embora possivelmente fosse melhor que Philip estivesse ausente. Quando tinha dado sua

permissão a Andrew para que cortejasse lady Catherine, tinha-lhe advertido, que sua irmã não

estava disposta a casar-se de novo, depois de seu desastroso primeiro casamento. A última coisa

que Andrew precisava era ter Philip perto, murmurando palavras de desânimo.

Inspirou fundo e adotou uma atitude positiva. Estava se sentindo fracassado por não

localizar lady Catherine entre a multidão, mas teve a oportunidade de conversar com numerosos

investidores que já se comprometeram em doar recursos para a aventura do museu compartilhada

por Philip e ele. Lorde Avenbury e lorde Ferrymouth estavam desejosos de saber como

progrediam as coisas, como também lorde Markingworth, lorde Whitly e lorde Carweather, que já

haviam entregado seus respectivos investimentos. A senhora Warrenfield parecia ansiosa por

investir uma suculenta soma, como também lorde Kingsly. Lorde Borthrasher, que já tinha feito

um grande investimento, parecia interessado em investir mais. Depois de falar com eles, Andrew

também tinha feito algumas discretas investigações sobre um assunto que lhe tinham encarregado

recentemente.

Entretanto, assim que as conversas sobre negócios chegaram ao fim, Andrew se retirou a

um silencioso canto para reordenar as idéias, fiel a uma tática muito semelhante a que utilizava

para preparar uma luta no Emporium de Gentleman Jackson. Seu olhar seguiu estudando aos

convidados, detendo-se repentinamente assim que vislumbrou lady Catherine saindo de um

biombo de seda oriental situado junto às grandes janelas.

Andrew se tranqüilizou ao ver o vestido de cor bronze de lady Catherine. Toda vez que a

viu durante o ano passado, o negro luto a tinha engolido como uma escura e pesada nuvem de

chuva. Agora, oficialmente completo o luto, Catherine parecia um sol de bronze dourado sobre o

Nilo, iluminando a paisagem com seus inclinados raios de calor.

Lady Catherine se deteve para trocar umas palavras com um cavalheiro e o ávido olhar de

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Andrew reparou na forma em que o vívido tecido de seu vestido contrastava com seus pálidos

ombros, complementado pelos seus resplandecentes cachos castanhos, recolhidos em um trançado

grego. O penteado deixava à vista a vulnerável curva de sua nuca...

Andrew soltou um longo suspiro e passou a mão que tinha livre pelo cabelo. Quantas

vezes tinha imaginado que passava os dedos, a boca, por aquela pele suave e sedosa? Mais vezes

do que se atrevia a reconhecer. Ela era o resultado de todas as coisas boas e deliciosas. Uma dama

perfeita. Sem dúvida perfeita em todos os sentidos.

Sabia muito bem que não era bom o bastante para ela. Apesar de estar bem

financeiramente, socialmente se sentia como um mendigo com o nariz pregado à vitrine de uma

confeitaria. Entretanto, nem sua mente nem seu bom senso tinham o controle sobre suas reações.

Ela era livre. E enquanto ele analisava a relação platônica que tinha florescido entre ambos no

correr dos últimos quatorze meses, seus sentimentos eram mais profundos do que uma mera

amizade e não encontrava forma humana de sossegar seu coração. Seu manchado passado, a

nobre linhagem dela, sua própria falta de linhagem... maldito seja isso tudo.

O olhar de Andrew seguiu a esbelta e régia figura de lady Catherine enquanto ela percorria

o salão, e seu coração executava o mesmo salto irregular ao que se entregava cada vez que a

olhava. Se pudesse rir, teria rido de si mesmo e de sua instintiva reação ante a presença de sua

dama. Sentia-se como um adolescente com a língua travada... algo de fato decepcionante, tendo

em conta que normalmente se considerava um homem de grande desembaraço.

Movimentando os ombros para relaxar a tensão dos músculos, aspirou uma baforada de ar

e se preparou para sair das sombras. Uma mão firme o agarrou pelo ombro.

—Deveria arrumar a gravata antes de entrar em combate, velho amigo.

Andrew virou rapidamente e se encontrou olhando fixamente nos olhos divertidos de

Philip, protegidos por seus óculos. Imediatamente, a frustração cedeu lugar à preocupação.

—O que faz aqui? Meredith está bem?

—Minha esposa está bem, obrigado, esta tão bem quanto todas as mulheres que passaram

os últimos meses, esperando pelo filho. Quanto a minha presença aqui, confesso que, por motivos

que não consigo imaginar, Meredith insistiu para que eu aparecesse na festa de aniversário de

meu pai. —Sacudiu a cabeça, claramente divertido— Não queria deixá-la, mas se houver algo que

aprendi durante os últimos meses, é que só um idiota discute com uma futura mãe. Assim com

muito pesar, a deixei em casa, suportei às três horas de viagem a Londres para felicitar ao meu

pai. Meredith me disse para passar a noite aqui, mas neguei. Enquanto falamos, pedi que me

trouxessem o carro. Mas não podia partir sem falar com você. Como vão os progressos com o

museu?

—Muito bem. Contratar Simon Wentworth como administrador foi uma das decisões mais

inteligentes que tomamos. É extremamente organizado e mantém os trabalhadores na linha.

—Excelente. —A voz de Philip se reduziu quase a um sussurro— Como vai a investigação

sobre Charles Brightmore?

Andrew soltou um suspiro.

—Ao que parece, o bastardo não existe, salvo no papel, como autor do Guia, embora isso só

consiga me intrigar ainda mais. Confia em mim; tenho intenção de resolver isso logo, a quantia

que lorde Markingworth e seus amigos me prometeram, se eu resolver este caso, será de grande

ajuda para nós

—Sim, bom, por isso te recomendei. É tenaz e implacável quando se trata de descobrir a

verdade. E graças a seus vínculos com o museu e sua associação com os, bem... exaltados como eu,

tem acesso tanto aos membros mais velhos da sociedade como às pessoas de origens mais

humildes, por assim dizê-lo. As pessoas se sentiriam mais inclinadas a confiar em você do que em

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um detetive, e sua presença nestas festas não levanta uma só sobrancelha, como ocorreria no caso

de um desconhecido ou de um detetive.

—Sim, isso está em meu favor - concordou Andrew— A experiência me diz que durante as

conversas casuais se revelam pistas que freqüentemente passam despercebidas.

—Bom, não me cabe nenhuma dúvida de seu êxito. Só espero que ao revelar a identidade

do tal Charles Brightmore acabe de vez com este Guia feminino. Quero que esse livro desapareça

das estantes antes que Meredith consiga um exemplar. Minha adorável esposa já é bastante

independente. Mantê-la na linha já requer mais energia da que posso lhe dedicar.

—Sim. Estou seguro de que é a independência de sua formosa esposa que requer toda sua

energia. —Observou a Philip com seu olhar intencionado— Não parece estar sofrendo muito em

suas mãos. Mas, não tema, tenho intenção de desmascarar esse tal de Brightmore. Não somente

terei prazer em delatar o enganador, mas o dinheiro que ganhar fazendo isso ajudará a conquistar

sua irmã. Estou plenamente decidido a dar para lady Catherine todos os luxos aos que está

acostumada.

—Ah. Falando nisso... Como vai o cortejo de minha irmã?

Andrew olhou ao teto.

—Muito lento, eu temo.

—Bom, deixa de perder tempo. Você sempre foi implacável quando queria algo.

—E, pelo amor de Deus, arrume este cabelo. Qualquer um diria que caiu um raio em sua

cabeça.

Andrew passou rapidamente uma mão pelo cabelo que parecia ter sido vítima de um raio e

franziu o cenho.

—Olhe quem fala. Olhou-se no espelho ultimamente? Seu aspecto só pode definir-se como

desarrumado e, a julgar por seu cabelo, parece que foi surpreendido por uma monstruosa

tormenta.

—Pois sim, estou desarrumado, embora tendo em conta que estou a ponto de ser pai pela

primeira vez, ao menos conto com uma desculpa de peso para me descabelar e me comportar de

maneira estranha. Que demônios ocorre com você?

—Não me ocorre nada, além desta condenada frustração. Nem sequer tive a oportunidade

de falar com lady Catherine. Cada vez que consigo vê-la entre a multidão, outro investidor do

museu ou outro potencial investidor reclamam minha atenção. —Lançou a Philip um olhar

afiado— Estava tentando abordá-la pela quarta vez nesta noite quando de novo tornaram a me

deter. Esta vez foi você.

—E deveria se alegrar por isso. Se ela tivesse visto seu desastroso penteado teria saído

correndo da sala.

—Obrigado. Seus ânimos me encorajam. Sério. Embora seja difícil aceitar um conselho

sobre moda de alguém cujo traje e penteado freqüentemente são comparáveis a um ninho de

esquilos.

Em vez de ofender-se, Philip sorriu.

—Certo. Entretanto, não sou eu quem tenta cortejar uma dama esta noite. Eu já consegui

ganhar o favor da mulher que amo.

—Sim, e devo acrescentar. Que não foram os seus conselhos que me ajudaram a ganhar o

amor de Meredith... —Andrew sacudiu tristemente a cabeça— Bom, digamos que o resultado de

seu cortejo tivesse sido altamente questionável.

Um rude som escapou dos lábios de Philip.

—Ah, sim? Se é tão bom, por que não obteve nada com Catherine?

—Porque ainda tenho que começar com ela. E obrigado. Mas me diga, não tem nenhuma

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outra casa que visitar em Mayfair?

—Não tema, dirigia-me para a porta. Mas se partir agora, não poderei te falar das duas

interessantes conversas que tive esta noite. Uma foi com um tal senhor Sydney Carmichael. Você

conhece?

Andrew negou com a cabeça.

—O nome não me é familiar.

—Foi a senhora Warrenfield, a rica viúva norte-americana, quem me apresentou ele. —

Philip baixou a voz— Se alguma vez falar com ela, se prepare para ouvi-la descrever

detalhadamente suas dores.

—Obrigado pela advertência. Antes eu soubesse disso há uma hora.

—Ah. Há algo nessa dama que me pareceu muito estranho, embora não saberia dizer

exatamente o que. Não notou nada?

Andrew pensou durante um instante.

—Reconheço que estava preocupado enquanto falava com ela, embora agora que o

menciona, sim, acredito que é sua voz. É estranhamente grave para uma dama. Combinada com

esse chapéu negro de véu que lhe escurece a metade da cara, é um pouco desconcertante falar com

ela.

—Sim, deve ser isso. Bom, voltando para senhor Carmichael. Está interessado em fazer um

investimento no museu.

—Quanto?

—Parece que, cinco mil libras.

As sobrancelhas de Andrew se arquearam.

—Impressionante.

—Sim. Estava ansioso para conhecer meu sócio norte-americano, pois viveu vários quantos

anos em seu país. Estou seguro de que virá falar com você antes que termine a noite.

—Suponho que por cinco mil libras posso mostrar um pouco de entusiasmo.

—Excelente. Não obstante, seu tom e o fato de que não deixa de olhar ao seu redor

denotam uma clara falta de curiosidade por minha outra conversa, que, por certo, teve Catherine

como interlocutora. —Philip soltou um profundo suspiro e sacudiu um pouco de penugem da

manga de sua jaqueta azul marinho— Uma pena, pois a conversação foi interessante.

—E, naturalmente, vai me contar isso em recompensa por ter salvado sua vida.

O rosto de Philip se enrugou até esboçar um cenho confuso.

—Se esta falando sobre o incidente do Egito acreditava que era eu quem te salvou a vida.

Quando salvou você a minha?

—Neste momento. Ao não te jogar de cabeça pelas janelas contra os arbustos espinhosos. O

que disse lady Catherine?

Philip olhou ao redor. Assim que esteve seguro de que não corriam perigo de ser ouvidos,

disse:

—Pelo que parece, tem concorrente.

Andrew piscou.

—O que?

—Não é o único homem que tenta ganhar o amor de minha irmã. Pelo que parece, há

outros que mostram interesse por ela.

Andrew olhou fixamente para Philip, sentindo como se acabassem de lhe esbofetear.

Continuando, um som carente de qualquer indício de humor apareceu entre seus lábios ao reparar

em sua própria vaidade. Como não tinha percebido isso? Naturalmente que outros homens se

veriam atraídos pelos encantos de lady Catherine. Esclareceu-se garganta para encontrar a voz.

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—Que tipo de interesse?

—Sem dúvida, um perito de seu calibre deveria sabê-lo. Os gestos tipicamente românticos.

Flores, convites, quinquilharias. Esse tipo de coisas.

A raiva, junto com uma boa dose de ciúmes, golpeou Andrew.

—E ela demonstrou de que se agradava desses cuidados?

—Pelo contrário, comentou que estava aborrecida com estes cavaleiros, posto que não tem,

e agora cito textualmente: «a menor intenção de comprometer minha independência me atando a

outro homem». Reconheço que ultimamente minha irmã se mostra surpreendentemente

categórica. Isso, acrescentado a uma veia de clara teimosia que detectei em suas maneiras

ultimamente, e a esses outros pretendentes... —Um estremecimento feroz de compaixão contraiu o

rosto de Philip— Não é um início estelar para sua campanha de cortejo, meu amigo.

Andrew deixou de lado a descrição vagamente pouco aduladora de lady Catherine que a

apresentava como categórica e teimosa. Acaso não era sempre isso o que pensavam os jovens de

suas irmãs? Entretanto, não podia passar por cima do resto e seus olhos se fecharam até ficar

convertidos em finas ranhuras.

—Quem são esses homens?

—Demônios, Andrew, esse tom glacial não parece nada bom para os cavalheiros, e não

acredito ter visto antes esse olhar em seus olhos. Espero jamais me encontrar entre você e os seus

objetivos. —Pareceu observá-lo durante alguns segundos, e logo acrescentou—: Minha irmã

mencionou a um médico do povoado. Logo, naturalmente, está o duque de Kelby, cuja

propriedade no campo está próxima à casa que ela tem em Little Longstone. E havia também

vários barões, viscondes e títulos semelhantes, alguns dos quais estão aqui esta noite.

—Aqui? Esta noite?

—Quando desenvolveu este irritante costume de repetir tudo o que digo? Sim. Aqui. Esta

noite. Por exemplo, lorde Avenbury e lorde Ferrymouth.

—Nossos investidores?

—Os mesmos. Lembre-se que obviamente retirarão seus investimentos se ensangüentar

seus nobres narizes.

—Suponho então que socar e deixá-los sentados sobre seus nobres traseiros também está

fora de cogitação.

—Acredito que sim, embora isso contribuísse com uma boa dose de entretenimento à

noitada. Pelo que parece, Kingsly também se declarou a Catherine.

—Está casado.

—Sim. E tem uma amante. Também está lorde Darnell. —Philip sacudiu a cabeça para a

poncheira.

Andrew se virou e esticou o pescoço. Lorde Darnell estava dando a Catherine uma taça de

ponche e a olhava como se fosse um delicioso alimento que desejava dar uma boa dentada.

Andrew reparou que outros cavalheiros revoavam ao redor de Catherine, todos eles com similares

expressões.

—Ao que parece vou ter que comprar uma vassoura - resmungou Andrew.

—Uma vassoura? Para que?

—Para varrer o bastardo do Darnell e seus amigos do lado de lady Catherine.

—Excelente idéia. Como irmão, mentiria se dissesse que eu gosto da forma como Darnell a

está olhando.

Andrew com grande esforço desviou o olhar do grupo situado ao redor da poncheira e

olhou para o Philip.

—Tampouco eu gosto.

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—Bom, posto que seja perfeitamente capaz de se comportar corretamente. Vou embora

para que possa prosseguir. Mando uma carta quando me converter em papai para comunicar se o

bebe é menino ou menina.

Andrew sorriu.

—Sim, por favor. Estarei ansioso por saber se me tem feito tio ou tia.

Philip riu.

—Boa sorte com seu plano para ganhar o coração de minha desinteressada irmã. —Nos

olhos de Philip cintilou uma faísca divertida quando voltou a olhar o grupo reunido ao redor da

poncheira— Sinto não poder ser testemunha do cortejo, pois não me cabe dúvida de que será

realmente divertido. E que ganhe o melhor.

Depois de ter saído para se despedir de Philip, Andrew subiu pelo atalho de tijolo para

voltar a entrar na casa, prevendo o encontro com Catherine. Esperava que não acontecesse

nenhuma outra interrupção...

A porta principal se abriu e um grupo de cavalheiros saiu da casa. Andrew apertou os

dentes ao reconhecer lorde Avenbury e lorde Ferrymouth. Ambos os jovens estavam

impecavelmente vestidos: complicadas gravatas de nó adornavam seus pescoços e luziam um

artístico penteado de cachos soltos e descuidados. Cada um deles usava anéis que brilhavam à luz

da lua enquanto desfrutavam do prazer de um pouco de rapé. Andrew imaginou que não teriam

tão bom aspecto com o maxilar quebrado e os olhos roxos.

E aquele nojento do Kingsly ia com eles. Com sua barriga, seus lábios enrugados e seus

pequenos olhos, Kingsly era um tipo carente de atrativos, embora Andrew estivesse mais que

disposto a fazer dele um homem ainda mais feio se persistisse em perseguir lady Catherine.

O magro lorde Borthrasher olhou por detrás de seus óculos para Andrew por cima de seu

largo nariz, parecia um abutre com seu bicudo queixo e esses afiados olhos de olhar frio e

inquebrável. Dois cavalheiros que não reconheceu fechavam o grupo. A última coisa que Andrew

desejava era falar com eles, mas, infelizmente, não houve forma de evitá-los.

—Ah, Stanton, gostaria de se juntar a nós para fumar? —perguntou lorde Kingsly,

encarando de tal modo que Andrew apertou os dentes até o limite de suas possibilidades.

—Não fumo.

—O que disse Stanton? —Um dos cavalheiros que Andrew não conhecia levantou e olhou

nos seus olhos. Igual a seus companheiros, o homem em questão usava um traje de corte perfeito,

uma complicada gravata e um anel. Apesar de ser claramente maior que todos seus companheiros,

tinha o corpo atlético e ombros largos. Andrew se perguntou se seu físico estaria reforçado devido

à prática do remo— Faz tempo que eu queria te conhecer, Stanton. Ouvi falar muito sobre o

museu.

—Me permita que o apresente, o duque de Kelby - disse Kingsly.

Ah, o pretendente cuja propriedade fazia divisa com a de Catherine. Andrew lhe ofereceu

uma breve inclinação de cabeça, tranqüilizado em parte pelo fato de que o duque, por mais cordial

que parecesse, tinha todo o aspecto de uma carpa.

—Também estava esperando para te conhecer. —O outro cavalheiro que Andrew não

conhecia se adiantou e ofereceu a mão— Sidney Carmichael.

Andrew reconheceu o nome que Philip tinha mencionado como potencial investidor de

cinco mil libras. De altura e constituição mediana, Andrew calculou que rondaria os sessenta anos

e, cansado, perguntou-se se seria também outro dos pretendentes de Catherine. Estreitou a mão

do homem, notando o firme apertão que cravou o anel contra seus dedos.

—Lorde Greybourne me informou que você é norte-americano - disse o senhor Carmichael

ao tempo que avaliava Andrew com seu olhar calculador, favor que este lhe devolveu.

Page 12: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Assim que ele abre a boca ninguém se atreve a duvidar de que procede das malditas

colônias - disse lorde Kingsly com uma sonora gargalhada que arrancou risadas do grupo—

Embora fale muito pouco. Homem de poucas palavras, né, Stanton?

Fazendo caso omisso de Kingsly, Andrew respondeu:

—Sim, sou americano.

—Passei algum tempo em seu país durante minhas viagens - disse Carmichael— Sobre

tudo na região de Boston. De onde você é?

Andrew vacilou por um segundo. Não gostava de responder perguntas sobre si mesmo.

—Da Filadélfia.

—Nunca estive ali - disse Carmichael com ar pesaroso— Sou um amante das antiguidades.

Avenbury, Ferrymouth e Borthrasher estiveram cantando os louvores do museu que vão abrir

lorde Greybourne e você. Eu gostaria de falar com você de um possível investimento. —Agarrou

um cartão do bolso do colete e deu a Andrew— Meu endereço. Espero que venha me visitar logo.

Andrew meteu o cartão no bolso e assentiu.

—Claro.

—Eu também gostaria de falar com você de certo investimento, Stanton - interveio o

duque— Sempre procuro boas oportunidades.

—Sempre procuro investidores - disse Andrew, com a esperança de que seu sorriso não

parecesse tão tenso como ele sentia— E agora, se me desculparem, cavalheiros... —Assentiu e saiu.

Ao passar junto a lorde Avenbury, o jovem lorde disse ao grupo:

—Ferrymouth e eu vamos às mesas de jogos. Gostaria de dançar com lady Catherine, mas

suponho que sempre há uma próxima vez.

Andrew ficou gelado e lançou um olhar enfurecido ao jovem.

—É uma deliciosa viúva - disse lorde Avenbury. Umedeceu os lábios e o grupo riu.

Andrew teve que apertar as mãos para conter-se e não ceder ao impulso de ver que aspecto teria

Avenbury sem lábios.

—Como sabem, sua propriedade está situada junto à minha - disse o duque, levantando os

braços e fazendo cintilar seu anel.

—Sério? —perguntou lorde Kingsly com um evidente brilho lascivo em seus olhos— Nesse

caso possivelmente preciso de um convite para te visitar, Kelby. Sim, acredito que sinto uma

repentina vontade de ir te visitar para tomar as águas.

—Excelente idéia - concordou lorde Ferrymouth— Borthrasher, não foi você vítima de

ocasionais ataques de gota? As águas te fariam muito bem, estou convencido. —Borthrasher

assentiu e Ferrymouth resplandeceu ao olhar para o duque— Acredito que teremos um encontro

em sua casa, Kelby. —Sua mão varreu ao grupo em um gesto no que incluiu a todos os

presentes— Nós adoraríamos ir. Alguns dias de caça, nos encharcando nas águas - arqueou as

sobrancelhas—, visitando os vizinhos.

—Pode ser divertido descansar das noitadas - disse o duque— Vamos às mesas de jogo e

combinaremos.

Afastaram-se pelo atalho, rindo e fumando. Andrew apertou os dentes até sentir dor, deu

meia volta e entrou na casa a passos largos. Maldição, a noite não estava transcorrendo como tinha

previsto. Embora, ao menos, agora que aquele grupo partiu as coisas não podiam ficar pior.

De pé entre as sombras de um canto afastado do salão, Catherine suspirou fundo, por fim

aliviada ao encontrar-se só durante um instante e poder assim acalmar seus turbulentos

pensamentos. Consciente de que aquele lugar lhe ofereceria só um breve recesso da multidão,

passeou o olhar pelo lugar em busca de outro santuário para se refugiar.

Page 13: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—A quem busca com tanta concentração, lady Catherine? —perguntou uma profunda voz

que falou diretamente com suas costas.

Lady Catherine conteve o fôlego e se voltou apressadamente para encontrar-se olhando

fixamente os conhecidos olhos escuros do senhor Stanton. Olhos firmes, amigáveis. Percorreu-a

uma sensação de alívio. Aí tinha, por fim, um amigo com quem falar. Um aliado que não

pretendia lhe fazer nenhum dano. Um cavalheiro que não tinha a menor intenção de cortejá-la.

—Senhor Stanton, você me assustou.

—Me perdoe. Vi-a aqui de pé e quis vir cumprimentá-la. —Andrew a saudou com uma

formal inclinação de cabeça e sorriu— Olá.

Ela deixou de lado suas preocupações e sorriu consciente de que ele captaria qualquer

desconcerto que pudesse revelar.

—Olá. Não te vejo desde a última vez que esteve em Londres, faz dois meses. Suponho que

esteja tudo bem... e também ocupado com o museu.

—Sim a ambas as coisas. Também vejo que você passou bem. —Seu olhar se posou

brevemente em seu vestido— Está linda.

—Obrigado. —Lady Catherine esteve tentada de admitir ante ele o alívio que sentia ao ter

posto fim ao luto, embora, sabiamente, preferiu guardar silêncio. Fazê-lo originaria outra conversa

sobre o Bertrand, conversa similar a que já tinha mantido com outros convidados desde sua

aparição essa noite, e não tinha nenhum desejo de falar de seu falecido marido.

—Posso ajudá-la a encontrar alguém, lady Catherine?

—De fato, estava procurando por você. —Não era exatamente certo, mas Andrew sim

representava o que ela tinha estado procurando: uma enseada onde poderia encontrar refúgio

entre as águas turbulentas da noite.

Um júbilo inconfundível cintilou nos olhos do senhor Stanton.

—Que oportuno, pois aqui me tem.

—Sim. Aqui... tenho-lhe. —De aspecto forte e sólido, familiar embora imponente... o

candidato perfeito para distrair sua atenção de suas preocupações e desanimar os incômodos

cavalheiros que vinham zumbindo a seu redor toda a noite como insetos.

Enrugou os lábios.

—Pensa me dizer por que me buscava ou teremos que brincar de charada?

—Charada?

—É um jogo divertido no qual uma pessoa encena palavras, como quem encena uma peça,

enquanto outros adivinham o que o outro tenta representar.

—Entendo. —Lady Catherine franziu os lábios e mostrou estar analisando-o— Humm. Sua

gravata claramente retocada, em combinação com essa ligeira ruga entre as sobrancelhas, indica

que está tentando dizer que desejaria que Philip estivesse aqui falando com todos esses potenciais

investidores de seu museu.

—Uma observação muito ardilosa, lady Catherine. Philip é muito mais apto que eu para

navegar por estas águas. Contento-me com não assustar a nenhum de nossos apoios financeiros

antes que Meredith dê a luz e Philip retorne a Londres.

Eu te vi falando com várias pessoas esta noite e nenhuma me pareceu muito assustada.

Quanto ao Philip, encantou-me que tenha vindo à festa, embora seja uma lástima que tenha estado

conosco tão pouco tempo.

—Ele me disse que Meredith insistiu para que viesse, apesar de suas objeções.

—Tenho certeza de que assim foi.

—Bastante estranho, tendo em conta a delicadeza de seu estado, não lhe parece?

—Absolutamente - respondeu Catherine com um sorriso— Ontem recebi uma carta de

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Meredith na qual ela dizia que meu normalmente tranqüilo e contido irmão começou a alternar a

prática de frenéticos passeios de um lado a outro da casa com o repetido resmungo de: «já é a

hora?». Depois de uma semana suportando semelhante comportamento, estava a ponto de lhe

sacudir. Antes de expor-se ao perigo de ferir o pai de seu filho, minha cunhada se apegou à

desculpa desta festa para empurrá-lo literalmente pela porta.

O senhor Stanton riu.

—Ah, agora entendo. Sim, posso imaginar Philip andando ao redor de Meredith, com o

cabelo em pé e a gravata desgrenhada...

—.. sem rastro da gravata - lhe corrigiu Catherine com uma gargalhada.

—Os óculos torcidos.

—A camisa espantosamente enrugada...

—.. arregaçada. —Andrew sacudiu a cabeça— Estou me compadecendo com a pobre

Meredith. Adoraria estar presente na casa de campo de Greybourne para desfrutar do espetáculo.

Catherine agitou a mão, desprezando a questão.

—Vamos. Você simplesmente desejaria estar em qualquer outro lugar que não fosse este,

tentando convencer a possíveis investidores.

Algo brilhou nos olhos de Andrew e a seguir um encantador sorriso apareceu em seu rosto,

desenhando duas covinhas idênticas em suas bochechas, um sorriso que foi impossível não

responder com outro semelhante. Andrew se inclinou para ela e Catherine percebeu um agradável

aroma de sândalo. Um inexplicável estremecimento lhe percorreu a coluna, surpreendendo-a

devido ao calor que reinava no salão.

—Devo reconhecer que solicitar recursos não é meu passatempo favorito, lady Catherine.

Devo-lhe um favor por haver me concedido este momento de paz.

Quase disse que também lhe devia um favor por uma razão similar, mas se conteve.

—Eu te vi falando com lorde Borthrasher e com lorde Kingsly, e também com a senhora

Warrenfield - disse ela— Teve algum êxito?

—Acredito que sim, sobre tudo no caso da senhora Warrenfield. Seu marido lhe deixou

uma grande fortuna e sente um grande amor pelas antiguidades. Uma boa combinação, no que se

refere a Philip e a mim.

Catherine sorriu e Andrew ficou sem fôlego. Maldição. Era uma preciosidade. Toda a

conversa se desintegrou em sua mente enquanto seguia olhando-a. Por fim, sua voz interior lhe

devolveu a vida de repente. «Deixa de olhá-la como um idiota e fala cabeça de vento, antes que

algum lorde volte com um enorme buquê de flores e seus declamados sonetos.»

Esclareceu-se garganta.

—E como está seu filho, lady Catherine?

Uma mescla de orgulho e de tristeza apareceu em seu rosto.

—Em geral, Spencer está bem de saúde, obrigado, mas o pé e a perna ainda doem.

—Não veio com você a Londres?

—Não. —O olhar de Catherine percorreu os convidados reunidos no salão e sua expressão

congelou— Não gosta de viajar e sente aversão a Londres, sentimento que compartilho com ele.

Tampouco gosta das festas. Se não tivesse sido pela festa de aniversário de meu pai, eu não me

teria aventurado a vir à cidade. Tenho planejado retornar a Little Longstone amanhã mesmo

depois do café da manhã.

Sentiu uma forte desilusão. Tinha esperado que ela ficasse em Londres ao menos alguns

dias, lhe concedendo assim a oportunidade de passar um tempo em sua companhia. Convidá-la

para a ópera, mostrar os progressos no museu. Montar em Hyde Park e passear pelo Vauxhall.

Maldição, como ia levar a cabo seu plano para cortejá-la se ela insistia em esconder-se no campo?

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Sem dúvida precisava fazer uma visita a Little Longstone, embora, como não recebeu nenhum

convite, teria que pensar em alguma desculpa plausível para aparecer por ali. Entretanto,

enquanto isso não acontecia, precisava deixar de desperdiçar o tempo precioso e aproveitar ao

máximo a oportunidade presente. Lembrou que uma valsa flutuava no ar e todo seu corpo se

alterou ante a perspectiva de dançar com ela, de sustentá-la entre seus braços pela primeira vez.

Justo quando abriu a boca para lhe pedir que lhe concedesse essa dança, ela se inclinou e

sussurrou:

—Oh, Deus. Olhe isso. Está agindo de forma absolutamente errada.

—Como diz?

Catherine assinalou com a cabeça para a poncheira.

—Lorde Nordnick. Está tentando seduzir a lady Ofélia e está caindo no mais absoluto

ridículo.

Andrew voltou sua atenção para o casal que estava de pé junto à adornada poncheira de

prata. Um jovem de aspecto ansioso, presumivelmente lorde Nordnick, estava dando a uma

atraente jovem, presumivelmente lady Ofélia, uma taça de ponche.

—Céus existe acaso uma forma incorreta de dar um refresco a uma mulher? —perguntou

Andrew.

—Não só esta dando um refresco, senhor Stanton. Está-a cortejando. E temo que não esta se

saindo muito bem.

Andrew estudou o casal durante vários segundos e logo sacudiu a cabeça, perplexo.

—Não vejo nada estranho.

Catherine se aproximou dele alguns centímetros. Um embriagador aroma de flores encheu

a cabeça e Andrew teve que apertar os dentes para seguir concentrado em suas palavras.

—Note em suas maneiras exageradamente entusiasmadas.

—Exageradamente entusiasmadas? Está claro que o jovem está apaixonado e que deseja

agradá-la. Não acreditará que deveria ter permitido que lady Ofélia se servisse o ponche ela

mesma?

—Não, mas sem dúvida não perguntou qual é sua preferência. A julgar por sua expressão,

é óbvio que lady Ofélia não desejava uma taça de ponche... sem dúvida porque já tomou uma faz

menos de cinco minutos.

—Possivelmente lorde Nordnick está simplesmente nervoso. Conforme acredito, a

prudência costuma abandonar a cabeça de um homem quando está em companhia de uma dama a

que considera atraente.

Catherine respondeu com um leve estalo da língua.

—E isso me parece mais desafortunado. Observe como ela esta aborrecida.

Humm. Lady Ofélia parecia sem dúvida aborrecida. Demônios. Quando tinha começado a

arte do cortejo a ser tão complicada? Com a esperança de parecer mais um conspirador que um

homem desejoso de obter informação, perguntou:

—O que deveria fazer lorde Nordnick?

—Deveria ser mais romântico e interessado. Descobrir qual é sua flor favorita. Sua comida

preferida.

—Deveria lhe enviar rosas e doces?

—Como amiga dela, senhor Stanton, devo apontar que essa é precisamente uma hipótese

masculina tristemente típica. Possivelmente lady Ofélia prefira as costelas de porco aos doces. E

como sabe que a rosa é sua flor favorita?

—Como amigo dele, lady Catherine, devo apontar que seria muito estranho que um

pretendente aparecesse de visita com uma caixa de presente cheia de costelas de porco. As

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mulheres não gostam de rosas?

—Não saberia lhe dizer. Eu gosto. Entretanto, não são minhas favoritas.

—E quais são suas favoritas?

—As dicentra spectabilis.

—Lamento reconhecer que o latim não é meu forte.

—Esta vendo?

—De fato, não.

—Aí tem você outro problema com os métodos pouco originais de lorde Nordnick. Deveria

recitar a lady Ofélia algo romântico em outra língua. Mas estou caindo em uma mera suposição.

Dicentra spectabilis significa «coração sangrento».

Andrew afastou os olhos do casal e voltou a olhá-la.

—Uma flor chamada «coração sangrento» é sua flor favorita? Não me parece que haja

muito romantismo nesse nome.

—Ainda assim, é minha favorita, e isso é precisamente o que a faz romântica. Eu sei que

lady Ofélia gosta especialmente das tulipas. Mas você acredita que lorde Nordnick se incomodará

em averiguá-lo? Não acredito. Depois de ver a quantidade de vezes que foi procurar taças de

ponche que ela não desejava, estou segura de que enviará rosas a lady Ofélia porque isso é o que

ele acredita que ela goste. E, precisamente por isso, está condenado ao fracasso.

—E tudo porque ofereceu ponche e mandou flores erradas? —Andrew voltou a olhar ao

casal e ficou com pena por lorde Nordnick. Pobre diabo. Anotou mentalmente passar a

informação sobre as tulipas ao desventurado jovem. Nesses perigosos empenhos de cortejo, os

homens tinham que permanecer unidos.

—Possivelmente esses tolos intentos teriam ganhado o amor de uma dama no passado,

mas não hoje. A mulher moderna atual prefere a um cavalheiro que tome em consideração suas

preferências, em oposição a um homem que em sua arrogância acredita saber o que é melhor para

ela.

Andrew riu baixo.

—A mulher moderna atual? Soa como se tivesse tirado isso, deste ridículo Guia feminino.

—Por que «ridículo»?

—Humm, sim, possivelmente me tenha equivocado na escolha da palavra. «Escandalosos e

espantosos disparates cheios de lixo» se aproxima mais ao que quero dizer.

Andrew seguiu estudando ao casal durante alguns segundos, tentando decifrar os enganos

do aparentemente equivocado lorde Nordnick para não cometê-los ele mesmo, embora não

soubesse ao certo o que o lorde, estava fazendo de tão errado. Mostrava-se cortês e atento, duas

estratégias que o próprio Andrew considerava importantes para seu plano para cortejar lady

Catherine.

Voltou-se de novo para ela.

—Temo não ver...

Interrompeu-se bruscamente ao ver que ela estava olhando para ele com as sobrancelhas

arqueadas e uma expressão de frieza.

—Perdi algo?

—Não sabia que tinha lido o Guia feminino para a conquista da felicidade pessoal e a

satisfação íntima, senhor Stanton.

—Eu? Uma Guia feminino? —Andrew riu de novo entre dentes, tentando decidir se estava

mais perplexo ou divertido por suas palavras— Naturalmente que não li.

—Nesse caso, como pode qualificar de «escandalosos e espantosos disparates cheios de

lixo»?

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—Não preciso ler as palavras para conhecer seu conteúdo. O Guia se converteu no tema

principal de conversa na cidade. —Sorriu, mas a expressão de Catherine permaneceu imutável—

Como você esteve nos últimos meses em Little Longstone, não pode estar a par do escândalo que

esse livro provocou com as desatinadas idéias propostas pelo autor. Não tem mais que escutar aos

cavalheiros que há no salão para dar-se conta de que não só o livro está infestado de estupidez,

mas também ao que parece está precariamente escrito. Charles Brightmore é um renegado e

possui pouco talento literário, isso se possuir algum.

Duas bolas vermelhas apareceram nas bochechas de Catherine e seu olhar se tornou

gelado. Soaram badaladas de advertência na cabeça de Andrew que sugeriram (desgraçadamente

com umas quantas palavras de atraso) que tinha cometido um grave engano tático. Ela elevou o

queixo e lançou um olhar como se estivesse olhando por cima de seus ombros, o que era uma

façanha, tendo em conta que ele era uns vinte e cinco centímetros mais alto que ela.

—Devo dizer que estou surpreendida, por não dizer decepcionada, ao descobrir que é você

muito curto de idéias, senhor Stanton. Haveria dito que um homem de sua vasta inteligência

viajante se mostraria mais aberto às idéias novas e modernas, e que, no mínimo, fosse homem

capaz de examinar todos os fatos antes de formar sua própria opinião sobre um tema, em vez de

confiar nas intrigas que ouve de bocas alheias, sobre tudo quando essas bocas alheias com toda

probabilidade não tenham lido o livro.

Andrew arqueou as sobrancelhas ao perceber seu tom.

—Não sou absolutamente curto de idéias, lady Catherine. Entretanto, não acredito que seja

necessário experimentar algo para saber que não é de meu agrado ou que não coincide com

minhas crenças - disse brandamente, perguntando-se o que tinha ocorrido para que a conversa se

desviasse daquele modo— Se alguém me disser que o pescado podre fede, conformo-me

acreditando em sua palavra. Não sinto a necessidade de colocar o nariz no barril para cheirá-lo

por mim mesmo. —Soltou uma risada fraca— Posso dizer que você mesma leu o Guia... e que o vê

com bons olhos.

—Se não sabe se eu li o Guia então não estava me escutando com a devida atenção, senhor

Stanton, defeito que, conforme temo, você compartilha com a grande maioria de homens.

Totalmente seguro de que seu ouvido acabava de lhe pregar uma peça, Andrew disse

devagar:

—Não me diga que leu esse livro.

—Muito bem, nesse caso não o direi.

—Mas... leu? —Suas palavras soaram mais uma acusação que a uma pergunta.

—Sim. —Catherine lhe lançou um olhar desafiador— De fato, várias vezes. E não me

pareceu cheio de ideais rebuscados. De fato, parece-me exatamente o contrário.

Andrew só podia olhá-la. Lady Catherine tinha lido aquele escandaloso lixo? Várias vezes?

E tinha adotado seus preceitos? Impossível. Lady Catherine era toda uma dama. O modelo de

uma perfeita dama, sossegada e de gentil criação. Mas estava claro que tinha lido, posto que não

havia possibilidade alguma de interpretar mal suas palavras nem sua expressão obstinada.

—Está perplexo, senhor Stanton.

—Não posso negar que estou.

—Por quê? Se me guiar por suas próprias palavras, quase todas as mulheres de Londres

leram o Guia. Por que ficou surpreso por eu ter lido?

«Porque você não é como as demais mulheres. Porque não quero que você seja

"independente" nem "moderna". “O que quero é que necessite de mim, que me deseje, que me ame

do mesmo modo que eu a necessito, a desejo e a amo.» Deus santo, se as tolices do bastardo do

Brightmore tinham transformado lady Catherine em uma dessas feministas sabichonas, o homem

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pagaria muito caro. Sem dúvida, todas essas condenadas tolices sobre «a mulher moderna atual»

não foram de nenhuma ajuda em seu plano para cortejá-la. A julgar pelo que ela havia dito sobre

lorde Nordnick, corria já o risco de distanciar-se de lady Catherine pelo simples ato de ir lhe

buscar uma taça de ponche.

—Não me parece que esse livro seja a classe de leitura que corresponda a uma dama como

você.

—E, me diga que classe de dama sou, senhor Stanton? A classe de dama que não sabe ler?

—É obvio que não.

—A classe de mulher que não é o bastante inteligente para compreender palavras que

contenham mais de uma sílaba?

—Não, sem dúvida.

—A classe de mulher que é incapaz de formar suas próprias opiniões?

—Não. —passou uma mão pelo cabelo— Não tenho a menor dúvida de que você é capaz

disso. Como pôde a conversa mudar de rumo tão depressa?— O que eu queria dizer é que não me

parece o tipo de leitura adequado para uma dama decente.

—Entendo. —Catherine deu um olhar frio e distante. Definitivamente, não era essa a forma

que tinha esperado que lhe olhasse no final da noite— Bem, possivelmente o Guia não seja tão

escandaloso como acredita ser, senhor Stanton. Possivelmente o Guia poderia ser mais bem

descrito como um documento brilhante. Provocador. Inteligente. Embora, claro, como vai saber, se

não leu. Possivelmente deveria fazê-lo.

Andrew arqueou as sobrancelhas ante a inconfundível provocação que brilhava nos olhos

de Catherine.

—Deve estar brincando.

—Não. De fato, estaria encantada de emprestar meu exemplar.

—E por que eu ia querer ler um Guia feminino?

Catherine sorriu um pouco mais docemente.

—Muito simples: para que pudesse oferecer assim uma opinião informada e inteligente na

próxima vez que fale da obra. E, além disso, possivelmente até aprenda algo.

Meu deus, aquela mulher estava louca. Possivelmente era devido a um excesso de vinho.

Andrew a cheirou discretamente, mas só percebeu o sedutor aroma das flores.

—E que demônios poderia eu aprender de um Guia feminino?

—O que as mulheres gostam, por exemplo. E o que não gostam. E por que as tentativas de

cortejo de lorde Nordnick dirigidas a lady Ofélia estão condenadas ao fracasso. Só por citar

algumas.

Andrew apertou os dentes. Ele sabia o que as mulheres gostavam... ou possivelmente não?

Não se lembrava de ter recebido nenhuma queixa no passado. Mas sua voz interior estava

advertindo de que possivelmente não soubesse tanto sobre o que gostava lady Catherine como

acreditava. De fato, possivelmente não conhecesse lady Catherine tão bem como acreditava, o que

lhe inquietou e lhe intrigou ainda mais. Ela tinha revelado um lado inesperado de sua

personalidade no decorrer da noite. Andrew se lembrou da advertência de Philip sobre o novo

comportamento teimoso e resolvido de Catherine. Naquele momento, não tinha dado nenhum

crédito ao comentário de Philip, embora seu amigo parecesse estar certo. Mais ainda, parecia que a

culpa dessa mudança era devida ao Guia.

«Maldito seja Charles Brightmore. Você e seu estúpido livro dificultaram ainda mais o

cortejo da mulher que desejo. “Vou adorar descobrir quem é você e pôr fim a sua carreira de

escritor.»

Sim, mais difícil ainda, porque o Guia não só tinha enchido claramente a cabeça, de lady

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Catherine de idéias de independência, mas também a conversa, que supostamente devia levar

Andrew a pedir que dançasse com ele e assim dar início a seu plano para cortejá-la, tornou-se uma

discussão; um giro dos acontecimentos que tinha que corrigir imediatamente. Não, o encontro não

estava desenvolvendo-se absolutamente como ele tinha imaginado. Segundo seus planos, lady

Catherine teria que ter estado em seus braços, olhando com quente afeto. Em vez disso, se

distanciou dele com um olhar gelado e chateado, uma sensação que ele compartilhava, pois estava

irritado.

Apertou com força os lábios para não seguir discutindo. Sem dúvida, discutir era a última

coisa que desejava, sobre tudo essa noite, quando dispunham de tão pouco tempo juntos. Seu

plano para cortejá-la tinha sido condenado a um começo desastroso. A retirada e o reagrupamento

de forças era sem dúvida sua melhor alternativa. Andrew levantou as mãos em uma amostra de

paz e sorriu.

—Agradeço pelo livro, mas não estou interessado em ler. Quanto ao que gosta ou não à

mulher moderna atual, inclino-me ante seu superior conhecimento sobre o tema, minha senhora.

Não lhe devolveu o sorriso. Em vez disso, limitou-se a arquear uma sobrancelha.

—Continua me surpreendendo, senhor Stanton.

Uma risada carente de humor escapou de seus lábios.

—Continuo? De que modo?

—Não pensei que fosse um covarde.

As palavras de Catherine o deixaram uma fera. Maldição, aquilo tinha ido muito longe.

—Suponho que porque não o sou. Tampouco eu a tinha tomado por uma instigadora,

embora ao que parece me esteja perseguindo deliberadamente, lady Catherine. Pergunto-me por

que.

Uma nova onda de calor tingiu mais ainda as ruborizadas bochechas de Catherine. Deu um

profundo suspiro e deixou escapar uma risada nervosa.

—Sim, isso parece. Temo-me que tive uma noite muito difícil e que...

Suas palavras foram interrompidas por um forte estalo e o rangido de cristal quebrando.

Ofegos e gritos de perplexo temor se elevaram entre os convidados da festa. Andrew virou

rapidamente e um temor doentio lhe percorreu a coluna quando reconheceu que o primeiro som

era o disparo de uma pistola. Os fragmentos do cristal quebrado de uma das janelas salpicavam o

chão. No espaço dos batimentos de seu coração atormentadoras imagens que Andrew tinha

acreditado estar enterradas brilharam em sua mente com uma nitidez angustiante. Começou a

soar uma campainha em seus ouvidos, engolindo os sons a seu redor, e as indesejadas lembranças

do passado voltaram a lhe golpear.

—Meu deus, está ferida!

O grito apavorado que surgiu diretamente atrás dele obrigou a virar-se de repente. Então

tudo em seu interior se congelou.

Lady Catherine estava tombada no chão aos seus pés com um fio de sangue entre os lábios.

Capítulo 3

Em toda relação chega um momento em que um homem e uma mulher se esquecem da

existência do outro. Em muitas ocasiões, essa consciência se manifesta ou com um inexplicável

tinido ou como uma pontada no estômago. Infelizmente, a sensação freqüentemente se

confunde com febre ou com a indigestão.

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Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

As vozes, desconexas, ressonavam na cabeça de Catherine junto com sensações

inexplicáveis e contraditórias. Doía-lhe a cabeça como se alguém a tivesse esmagado com uma

rocha. Mas esse desconforto não era nada comparado com o ardor infernal que sentia no ombro. E

quem teria instalado uma colméia de zangadas abelhas sobre seu lábio inferior? Entretanto, tinha

a sensação de estar flutuando, engolida por um forte e reconfortante abraço que a enchia de calor,

como se estivesse envolta em sua aveludada manta favorita. Tinha a bochecha encostada sobre

algo quente e sólido. Inspirou, enchendo sua dolorida cabeça com o aroma de lençóis limpos, o

sândalo e algo mais... um delicioso aroma que não conseguia identificar, mas que gostava.

De repente reparou no zumbido de vozes. Uma voz, grave, profunda e fervente, e muito

próxima ao seu ouvido, conseguiu infiltrar-se entre o ruído das demais. «Por favor, desperte...

“Deus, por favor.»

Algo a sacudiu, lhe causando dor, e Catherine gemeu.

—Resista - sussurrou a voz junto a seu ouvido— Estamos quase chegando.

Chegando? Obrigando-se a abrir as pálpebras, encontrou-se olhando o perfil do senhor

Stanton. Seu rosto parecia pálido, o maxilar tenso, as feições rígidas, marcadas por uma

indescritível emoção. Uma brisa soprou pelos seus cabelos cacheados, e Catherine se deu conta de

que se movia apressadamente por um corredor... um corredor da casa de seu pai, firmemente

embalada contra o peito do senhor Stanton, com os joelhos apoiados por um de seus braços e as

costas apoiada no outro.

Andrew baixou o olhar e Catherine se viu olhando fixamente para seus olhos intensos que

ardiam como dois braseiros. O olhar dele posou no dela, e um músculo se contraiu em sua

bochecha.

—Está acordada - disse, voltando ligeiramente a cabeça, embora sem desviar o olhar do seu

em nenhum momento.

Acordada? Estava dormindo? Não, sem dúvida. Piscou várias vezes, mas antes de

conseguir que sua dolorida boca formulasse uma pergunta, cruzaram a soleira de uma porta e

entraram em um quarto que reconheceu como o dormitório de seu pai. Segundos depois, o senhor

Stanton a posou brandamente sobre a colcha marrom. Imediatamente Catherine sentiu falta de seu

calor e a percorreu um calafrio gelado, mas segundos mais tarde abriu ainda mais os olhos

quando viu que ele apoiava um quadril sobre o colchão e se sentava a seu lado na cama enquanto

o calor de sua mão apertava seu ombro. Um pequeno lugar de sua mente protestou, reparando

que a proximidade de Andrew roçava a indecência, embora sua presença fosse muito

reconfortante... e Catherine se sentia inexplicavelmente necessitada desse consolo.

Um movimento captou sua atenção e seu olhar se desviou por cima do ombro do senhor

Stanton até ver seu pai olhando-a com expressão ansiosa.

—Graças a Deus que voltou a si, querida - disse seu pai com voz rouca— O doutor Gibbens

já esta a caminho.

O senhor Stanton se inclinou, aproximando-se dela.

—Como se sente?

Catherine passou a língua, que sentia extremamente inchada, pelos lábios secos,

estremecendo-se ao tocar com ela um ponto sensível.

Dói-me o ombro. A cabeça também. —Tentou voltar a cabeça, mas imediatamente pensou

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melhor quando uma dor aguda ricocheteou atrás de seus olhos e uma onda de náuseas a

percorreu por inteiro— O que...? O que aconteceu?

Algo indecifrável cintilou nos olhos de Andrew.

—Não se lembra?

Numa tentativa de ignorar as dores que a atravessavam, tentou concentrar-se.

—A festa de papai. Seu aniversário. Você e eu discutíamos... e agora estou aqui. «Deitada

na cama, com você sentado muito perto de mim. Tocando-me.» Sinto-me como se me tivessem

golpeado... espero que não tenha sido o resultado de nossa discussão.

—Atiraram em você - disse o senhor Stanton. A irritação ficou evidente em sua voz— No

ombro. E parece que ao cair deu um forte golpe na cabeça.

—Sinto dor...

—Mantenha a pressão sobre a ferida que tem no ombro para conter o sangue até que

chegue o médico.

As palavras de Andrew ressonaram em sua palpitante cabeça. Atirado? Desejou enganar-se

de semelhante afirmação, mas o ardor que sentia no ombro e a gravidade refletida no intenso

olhar dele deixavam claro que dizia a verdade. E, sem dúvida, explicavam sua presença e seu

contato. E sua evidente preocupação.

—Lembro... Lembro de um forte ruído.

O senhor Stanton sacudiu a cabeça, assentindo.

—Isso foi o tiro. Veio de fora, de Park Lañe.

—Mas quem? —sussurrou— Por quê?

—Isso é precisamente o que vamos descobrir - interveio seu pai—, embora o porquê seja

mais que óbvio. Estes malditos criminosos estão por toda parte. No que está se convertendo esta

cidade? Esta onda de crimes precisa acabar. A semana passada, lorde Denbitty voltou para casa da

ópera e a encontrou arrombada. O desastre desta noite é claramente obra de algum condenado

salteador cuja arma disparou enquanto cometia algum roubo na rua.

O maxilar do pai de Catherine se fechou ao mesmo tempo que passava as mãos

visivelmente trementes pelo rosto.

—Graças a Deus que temos aqui o senhor Stanton. Enquanto reinava o caos, ele manteve a

cabeça fria. Mandou um criado me procurar, outro chamar o médico e a outro localizar a

autoridade, e logo reuniu a vários cavalheiros para que fizessem uma busca do lado de fora no

intento de encontrar ao culpado e possivelmente a outra vítima, e tudo isso enquanto examinava

suas feridas. Assim que determinou que a bala não se alojou em seu ombro, te trouxe aqui.

Catherine olhou então para o senhor Stanton, que a olhava com uma expressão tão intensa

que os dedos dos pés lhe encolheram em suas sapatilhas de cetim.

—Obrigado - sussurrou.

Durante vários segundos, ele não disse nada. Logo, como que parecesse ser um grande

esforço, ofereceu um sorriso.

—De nada. Graças a minhas aventuras com seu irmão, tenho alguma experiência nestes

assuntos, embora possivelmente retire suas palavras quando se der conta de como deixei seu

vestido. Lamento dizer que tive que cortar a manga.

Ela tentou responder com um sorriso, mas não esteve segura de ter conseguido.

—Sem dúvida, a mancha de sangue teria sido desastrosa de todos os modos.

O pai de Catherine pegou a sua mão.

—Temos que estar agradecidos pelo fato de que a bala simplesmente raspou e de que não

tenha impactado em ninguém mais antes de alojar-se na parede. Demônios, um ou dois

Page 22: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

centímetros mais e possivelmente agora estaria morta. —A determinação lhe afinou os lábios—

Juro que não descansarei até capturar ao canalha que fez isto, Catherine.

O quarto pareceu girar a seu redor assim que Catherine tomou consciência da verdadeira

dimensão do ocorrido. Antes de poder articular uma resposta, alguém bateu na porta e seu pai

gritou:

—Entre.

O doutor Gibbens entrou no quarto com sua maleta médica de couro negro. Enquanto se

aproximava dela, seu comprido rosto era a viva imagem da preocupação.

—Sangra muito a ferida? —perguntou, deixando a maleta aos pés da cama.

Catherine notou que se referia a pressão sobre seu ombro.

—Quase deixou de sangrar - disse o senhor Stanton, com inconfundível alívio— Há um

galo de grande tamanho na parte detrás da cabeça, mas não se mostrou inconsciente em nenhum

momento. Além disso, mordeu o lábio ao cair, mas também deixou de sangrar.

—Excelente - disse o médico. Seguiu de pé durante vários segundos e logo se esclareceu

garganta— Assim que os cavalheiros saírem do quarto, examinarei a paciente.

O senhor Stanton lançou um olhar irado e pareceu a ponto de discutir, mas o doutor

Gibbens acrescentou com firmeza:

—Darei meu diagnóstico assim que terminar. Enquanto isso necessitam de sua presença lá

embaixo. A autoridade chegou junto comigo.

Embora não cabia dúvida de que nem o senhor Stanton nem seu pai tinham desejos de

deixá-la, ambos seguiram as indicações do médico. Ao ver que fechavam a porta, um calafrio

sacudiu Catherine, um tremor de medo que nada tinha que haver com a incessante dor que a

percorria.

Seu pai parecia estar convencido de que tinha sido vítima de um tiro absolutamente

acidental. Um roubo. O que não sabia era que havia uma grande quantidade de gente que queria

terminar com a vida de Charles Brightmore.

E que, essa noite, alguém tinha estado a ponto de consegui-lo.

Andrew percorria o corredor com um nó no estomago de impaciência e frustração. E um

medo absoluto. Quanto tempo demorava em examinar e enfaixar uma ferida? Sem dúvida, nem

tanto. Maldição, os convidados da festa partiram, tinha aparecido uma testemunha que já tinha

sido interrogada, já tinham falado com a autoridade e o doutor Gibbens ainda seguia sem

reaparecer. Ao longo de sua vida se encontrou com um grande número de situações precárias,

inquietantes e inclusive perigosas, mas ficou paralisado ao ver lady Catherine inconsciente e

sangrando.

Deus. Deteve-se durante alguns segundos e apoiou as costas contra a parede. Fechou os

olhos e passou as mãos, que ainda não sentia muito firme, pelo cabelo. Todo o medo, a raiva e o

desespero que tinha sentido do instante em que aquele disparo tinha estalado romperam o dique

de controle e contenção depois que se refugiou. Notou que seus joelhos tremiam e, com um suave

gemido, se agachou, segurando as pernas. Demônios. Durante toda sua vida só em uma ocasião

havia sentido tão impotente... e a situação em questão tinha concluído desastrosamente. E sob

circunstâncias espantosamente similares. Um disparo. Alguém a quem amava caindo ao chão...

Suas terminações nervosas palpitavam com a necessidade de derrubar a condenada porta,

agarrar ao médico pelo pescoço e exigir que curasse lady Catherine. E, assim que ela se

recuperasse, ele mesmo se encarregaria do bastardo que lhe tinha feito isso. Entretanto, enquanto

isso, a espera o estava matando. Isso e o fato de que, nos instantes prévios ao disparo, Catherine e

ele estavam discutindo. Discutindo, pelo amor de Deus. Nunca antes tinham trocado uma só

Page 23: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

palavra de irritação. Uma doentia sensação de perda lhe embargou ao recordar o olhar frio e

desapaixonado de Catherine durante a conversa.

—Alguma novidade?

Andrew se virou para ouvir a voz do pai de lady Catherine. O barão de Ravensly se

aproximava andando rápido pelo corredor com a tensão gravada no rosto.

—Ainda não. —levantou-se e sacudiu a cabeça para a porta de dormitório— Vou dar mais

dois minutos ao doutor Gibbens. Se não abrir a porta, deixarei de lado as formalidades e

arrombarei a porta.

O fantasma de um sorriso percorreu durante um segundo o rosto do barão.

—Muito americano de sua parte. Embora neste caso, devo me mostrar de acordo com você.

De fato...

Nesse momento se abriu a porta e o doutor Gibbens saiu ao corredor.

—Ela esta bem? —perguntou Andrew antes que o barão pudesse dizer alguma coisa. Deu

um empurrão no painel de madeira que revestia a parede e se aproximou do médico, contendo-se

para não agarrar ao homenzinho pela gravata e lhe sacudir igual faria um cão com um trapo na

boca.

—Você conduziu a situação com absoluta presteza, senhor Stanton. Por sorte, a ferida de

lady Catherine é um raspão superficial, que limpei e enfaixei. Graças a sua rápida intervenção, não

sofreu uma grande perda de sangue. Embora o galo que tem na cabeça lhe causará certo

desconforto, não provocará danos duradouros, como tampouco o fará o corte do lábio. Espero que

se recupere totalmente. —Tirou os óculos e limpou as lentes com seu lenço— Deixei um pouco de

láudano no criado mudo, embora se negasse a tomá-lo até ter falado com vocês dois. Recomendo

que não a mova esta noite. Virei visitá-la amanha pela manhã para ver como evolui e para trocar o

curativo. Insiste em voltar amanhã para Little Longstone e reunir-se ali com seu filho.

Andrew se rebelou por dentro ao pensar na possibilidade de perder Catherine de vista, e

teve que apertar bem os lábios para não dar voz a sua objeção.

—Que menina tão teimosa - disse o barão com olhos úmidos— Não suporta a idéia de estar

separada de Spencer. É aconselhável que parta tão logo?

—Darei minha opinião depois de que a examine amanhã - disse o doutor Gibbens— Desejo

boa noite aos dois. —E com uma inclinação de cabeça, o médico partiu.

—Venha, Stanton - disse o barão, abrindo a porta— Vejamos com nossos próprios olhos

como está minha filha.

Andrew agradeceu o convite de lorde Ravensly, pois não tinha certeza se seria capaz de

continuar no corredor um mais minuto. Seguiu o barão ao dormitório e parou na porta.

Lady Catherine estava deitava na imensa cama. O edredom marrom a cobria por inteiro até

o queixo. Banhada no resplendor acobreado do fogo que ardia na chaminé parecia um anjo

dourado. Mechas soltas de cabelos castanhos se esparramavam pelo travesseiro de cor nata, e os

dedos de Andrew estiveram a ponto de afastar as brilhantes mechas de sua pele suave. Nas

inúmeras ocasiões em que tinha sonhado tendo-a em seus braços, jamais tinha suspeitado que este

momento fosse levando seu corpo inconsciente e sangrando.

Aproximou-se devagar da cama com os joelhos a ponto de dobrar-se enquanto seu olhar

captava minuciosamente cada detalhe de seu ser. Os olhos de Catherine pareciam imensos, e

sombras de dor espreitavam em suas douradas profundidades marrons junto a algo mais, algo

semelhante ao temor. Uma pequena marca vermelha desfigurava seu inflamado lábio inferior. O

rosto tinha perdido toda sua cor.

—O doutor Gibbens nos assegurou que ficará bem - disse lorde Ravensly, tomando a mão

de Catherine entre as suas— Como se sente?

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Uma careta de dor apareceu em seu rosto.

—Dolorida, mas muito agradecida. Minhas feridas poderiam ter sido muito piores.

O barão estremeceu visivelmente, um sentimento que Andrew concordou de todo coração.

O olhar visivelmente preocupado de Catherine se alternou entre os dois homens.

—Descobriram algo, sobre o atirador?

Andrew esclareceu garganta.

—Um dos convidados da festa, o senhor Sydney Carmichael, informou que ouviu o

disparo no momento em que subia em sua carruagem. Viu um homem entrar correndo em Hyde

Park. Deu uma detalhada descrição ao encarregado e disse que sem dúvida reconheceria o homem

se o visse novamente. Lorde Borthrasher, lorde Kingsly, lorde Avenbury e lorde Ferrymouth,

assim como o duque de Kelby, estavam subindo em suas carruagens nas proximidades e todos

admitem ter visto uma figura envolta em sombras no parque, embora nenhum deles conseguiu

dar uma descrição detalhada do sujeito em questão.

O grupo de cavalheiros que estavam procurando fora da residência, encontrou um homem

ferido perto da casa. Identificou-se como senhor Graham. Este afirma que, enquanto ia andando

pelo Park Lañe, foi atacado pelas costas. Quando recuperou a consciência, deu-se conta de que lhe

tinham roubado a carteira e o relógio de bolso.

—Entendo - disse Catherine devagar— O ladrão levava uma pistola?

—O senhor Graham não sabe, embora não chegou a ver o homem que lhe assaltou antes de

perder o sentido.

—Sem dúvida o canalha lhe golpeou com a culatra da pistola - bufou de cólera lorde

Ravensly— Então a arma se disparou, e aqui estamos. Malditos salteadores. —Sacudiu a cabeça e

logo olhou carrancudo para lady Catherine— E me diga que bobagem é essa de voltar para Little

Longstone amanhã?

—Prometi ao Spencer que estaria amanhã de volta em casa, pai.

—O jovem que venha a Londres.

—Não. Já sabe que odeia a cidade. E, depois desta noite, por acaso pode me culpar por não

desejar prolongar minha estadia aqui?

—Suponho que não, mas eu não gosto de imaginar você sozinha, isolada no campo

enquanto se recupera. Necessita de alguém que cuide de você.

—Estou de acordo - disse ela devagar, franzindo o cenho de um modo que levou a Andrew

se perguntar no que estaria pensando. Estava totalmente de acordo com o barão, embora, de certo

modo, tinha esperado que a nova «teimosa e independente» lady Catherine se recusaria,

declarando que seus empregados cuidariam dela.

—É uma lástima que Philip não possa ficar em Little Longstone durante uma temporada -

Catherine pronunciou as palavras com absoluta ligeireza, mas houve algo em seu tom captou a

atenção de Andrew. Isso e o fato de que não disse «Philip e Meredith».

—Sim - murmurou o barão—, mas neste momento não pode deixar Meredith. Eu me

ofereceria como voluntário, mas não serei um bom enfermeiro para você.

Andrew se obrigou a não comentar que o papel de enfermeira tampouco era o forte de

Philip precisamente. Olhou para lady Catherine, e os olhares de ambos se encontraram. Deu um

nó em seu estômago quando de novo viu em seus olhos um brilho de medo e de algo que não

conseguiu decifrar. Então a expressão de Catherine se tornou em especulativa, e quase...

calculadora?

Antes que ele pudesse tomar uma decisão, Catherine disse:

—Acredito que encontrei a solução perfeita. Senhor Stanton, contemplaria você a

possibilidade de me acompanhar a Little Longstone e ficar ali como meu convidado? Assim não

Page 25: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

precisaria ter que viajar sozinha, e estou segura de que desfrutaria de uma visita ao campo.

Spencer adoraria voltar a lhe ver e saber mais de suas aventuras com Philip no Egito. Já que vocês

se conheceram durante o funeral de meu marido. E com Spencer ali como companhia, sua visita

não levantaria a menor recriminação e seria decente.

Por razões que Andrew não soube explicar nesse momento, sentiu em seu interior uma

advertência - uma reação instintiva que no passado tinha sido correta— que lhe dizia que o

convite de Catherine tinha algo mais do que parecia. Mas o que? E realmente desejava questionar

suas razões nesse momento? Não. Tinha passado grande parte da última hora tentando criar um

argumento plausível para ir a Little Longstone com ela e ficar ali durante uma prolongada estadia,

e ela acabava de lhe oferecer a solução ao problema.

—Sou consciente de que tem suas obrigações em Londres...

—Nada que não possa esperar - a tranqüilizou— Será uma honra acompanhá-la e ficar um

tempo com você, lady Catherine. Asseguro-lhe que me ocuparei pessoalmente de que não volte a

lhe ocorrer nada. —Certo. Qualquer um que tentar de novo lhe fazer algum mal, pode se preparar

para conversar com Deus.

—Uma solução excelente, querida - disse o barão com uma inclinação de cabeça— Terá

assim amparo e companhia.

—Sim. Amparo... —A voz de Catherine se apagou. Não havia dúvida do evidente alívio

que sentia. Obviamente não se sentia a salvo em Londres, sentimento que Andrew podia entender

perfeitamente. Mesmo assim, suspeitava que lhe tinha pedido que ficasse em Little Longstone

durante um longo período pela mesma razão: amparo. Por quê? Acaso não se sentia segura em

sua própria casa?

Não sabia, mas sem dúvida ia averiguar.

Capítulo 4

Os homens entendem muito pouco às mulheres porque procuram conselho e informação

sobre elas em outros homens igualmente desinformados. Ganhar o amor de sua dama ocorreria

de forma muito mais fluída se o cavalheiro em questão simplesmente perguntasse a sua dama:

«O que deseja?». Se a mulher moderna atual chegar a ser tão afortunada e receber semelhante

pergunta, é de esperar que responda com absoluta sinceridade.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

—Como se encontra lady Catherine?

Catherine elevou o olhar de seu trabalho para olhar seu companheiro de viagem, agora

sentado diante dela e a quem tinha conseguido ignorar com grande êxito com a desculpa de

concentrar-se em seu trabalho de costura durante a última hora... pelo menos tudo o que uma

mulher consegue ignorar de um homem sentado a menos de meio metro dela. Um homem que

parecia ocupar muito espaço. Nunca tinha reparado em quão imponente era a presença do senhor

Stanton. Uma coisa era compartilhar um salão ou um jantar com ele e, como acabava de descobrir,

outra muito distinta compartilhar os limites impostos por uma carruagem.

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Catherine fixou seu olhar nos olhos preocupados de Andrew.

—Estou um pouco dolorida, mas nada mais.

—Deseja que paremos para descansar um pouco?

Adoraria parar um pouco. Cada sacudida e cada terremoto radiava dor através de seu

dolorido ombro e dava asas às pontadas de dor surda que lhe palpitavam depois os olhos.

Entretanto, cada sacudida a aproximava um pouco mais de Little Longstone e de Spencer,

afastando-a de uma vez do pesadelo da noite anterior. Mais próxima à segurança de sua casa, e

mais afastada de quem quer que tenha sido o autor do disparo... disparo que, estava convencida,

não tinha sido nenhum acidente. Mais perto de Genevieve, com quem precisava falar o mais

rápido possível. Precisava contar todo o ocorrido a sua querida amiga e lhe falar do investigador

contratado para encontrar Charles Brightmore. Adverti-la do perigo. Avisar que ela podia ser a

seguinte.

—Não é necessário que nos detenhamos - disse.

—Está você pálida.

—Obrigada. Sem dúvida semelhante galanteio me encherá a cabeça... que, depois de minha

queda de ontem à noite, está já bastante inflamada.

Seu esforço de humor passou despercebido a Andrew, que juntou as sobrancelhas em um

gesto de preocupação.

—Sente dor...

—Estou bem. Perfeitamente. O doutor Gibbens me deu permissão para viajar...

—Depois de lhe haver intimidado. Se me recordo bem, suas palavras exatas quando saímos

da casa de seu pai esta manhã foram: «Não conheci uma mulher mais obstinada em toda minha

vida».

—Estou segura de que você não ouviu corretamente.

—Estou seguro que sim.

—Mesmo assim, se eu não estiver errada, ontem à noite concordamos que o ouvido da

maioria dos homens não é muito apurado.

Vários segundos de silêncio se interpuseram entre ambos e Catherine teve que conter a

repentina necessidade de baixar os olhos.

—Eu não sou a maioria dos homens, lady Catherine - disse ele por fim com voz firme—

Além disso, vejo-a muito preocupada.

—Simplesmente estou ansiosa por chegar a casa.

—Não me cabe dúvida. Mas há algo mais. Algo que a preocupa.

—Porque diz isso? —perguntou, forçando um tom mais ligeiro de voz. Maldição, que má

sorte a sua, estar fechada em uma carruagem com o único homem perceptivo de toda a Inglaterra.

—Essa atitude tão imprópria de você. Nunca a tinha visto tão... pouco faladora.

—Ah, bom. Isso se deve simplesmente a fato de que estive concentrada em meu trabalho.

—Isso é algo que me intriga ainda mais, tendo em conta que você odeia o trabalho de

agulha. —Obviamente, Andrew pôde ver o rubor de culpa que sentiu arder em suas bochechas,

pois acrescentou—: Mencionou sua aversão à costura faz dois meses, em sua visita a Londres.

Maldição dupla. O homem era perceptivo e, além disso, recordava detalhes corriqueiros.

Que absolutamente irritante.

—Bom... eu... espero poder desenvolver certa afeição pela atividade. E, além disso,

simplesmente não tenho nada o que dizer.

—Entendo. Em geral... ou a mim em particular?

Catherine esteve a ponto de mandar ele se calar, mas como ele não parecia fácil de enganar,

admitiu a verdade.

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—A você em particular.

Em vez de parecer ofendido, Andrew assentiu com atitude solene.

—Isso já suspeitava. Quanto à conversa de ontem à noite... não era minha intenção

incomodá-la.

—Não me incomodou senhor Stanton. A dúvida faiscou nos traços de seu rosto, e arqueou

uma sobrancelha escura.

—Tem certeza? Devo entender então que você normalmente se comporta como um bule a

ponto de estourar?

—De novo devo lhe implorar que contenha suas adulações. Certamente, «incomodada»

não seria o termo correto. «Decepcionada» se aproxima mais ao que senti.

—Por mim?

—Sim.

—Simplesmente porque não estive de acordo com você? Se for assim, sou eu o

decepcionado.

Sentindo-se de certo modo castigada, Catherine ponderou suas palavras durante vários

segundos e a seguir negou com a cabeça.

—Não, não porque não chegássemos a um acordo, mas sim porque você fez afirmações

categóricas sem ter nenhuma base nem conhecimento de primeira mão. A meu entender, isso é

injusto, e me parece decepcionante, para não dizer irritante, como qualidade em uma pessoa.

—Entendo. Diga-me, alguma vez, em algum de nossos anteriores encontros, pareci injusto?

—Jamais. Por isso a conversa de ontem à noite me deixou tão...

—Decepcionada?

—Sim. —Catherine se esclareceu garganta— Para não dizer entediada.

—Sem dúvida. Não podemos esquecer-nos de mencionar.

De novo o silêncio se interpôs entre ambos, incômodo de um modo inexplicável que a

inquietou. Até a noite anterior, sempre tinha se sentido cômoda em companhia do senhor Stanton.

Sempre tinha se encontrado inteligente, engenhosa e encantadora na companhia do melhor amigo

de seu irmão, e tinha desfrutado da relaxada amizade e da camaradagem que tinha sido gerada

entre ambos durante a meia dúzia de vezes em que tinham conversado. Entretanto, os

comentários de Andrew na noite anterior sobre o Guia tinham sido realmente decepcionantes.

Escandalosas e espantosas bobagens cheias de lixo. Ora! E sua opinião, segundo a qual Charles

Brightmore era um renegado com pouco, se é que tinha algum, talento literário lhe tinha feito

apertar os dentes. Havia se segurado para não lhe apontar o dedo e lhe perguntar quantos livros

tinha lido em sua vida.

Naturalmente, a parte dela que clamava justiça tinha que reconhecer que o Guia podia ser

descrito como escandaloso. Embora estivesse firmemente convencida de que a informação

oferecida pelo Guia era necessária e valiosa para as mulheres, uma parte dela estava encantada

com as idéias escandalosas do livro e não podia deixar de reconhecer que esse tinha sido

precisamente o elemento decisivo na hora de embarcar no projeto. Produzia nela uma satisfação e

um estremecimento secreto chatear os hipócritas membros da sociedade a quem ela tinha dado as

costas depois do doloso trato que tinham dado a seu filho. Esse desejo, essa necessidade de um

pouco de vingança, era sem dúvida um defeito em seu caráter, mas aí estava. E desfrutava de cada

minuto da bagunça que tinha causado... até a noite anterior. Até que se tinha dado conta de que o

Guia se converteu em um escândalo de proporções imensas. Estremeceu ao pensar no escândalo

que seria se descobrissem a identidade de Charles Brightmore. Seria sua ruína. E não seria ela a

única. Tinha que pensar em Spencer. E em Genevieve... Meu Deus, Genevieve perderia quase

tanto, se não mais, que a própria Catherine se descobrissem a verdade.

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Entretanto, os acontecimentos da noite anterior sugeriam que possivelmente sua reputação

não era a única coisa que estava em jogo. Sua própria vida podia correr perigo. Naturalmente,

cabia a possibilidade de que tivesse sido vítima de um acidente - rezava porque fosse assim—,

mas a coincidência do ocorrido parecia suspeita. E Catherine não acreditava muito nas

coincidências...

Andrew esclareceu garganta, tirando a de suas profundas reflexões.

— O que diria se lhe dissesse que possivelmente eu aceite o desafio de ler o livro de

Brightmore?

Catherine o olhou fixamente durante vários segundos e logo caiu em gargalhadas. Uma

combinação de chateação e de confusão piscou nos olhos de Andrew.

—Que demônios lhe parece tão divertido?

—Você. Você está «possivelmente aceitando o desafio...» Diria que você evita tanto a leitura

deste livro como ver-se flutuando no Atlântico de retorno aos Estados Unidos. —Um malévolo

demônio interno a levou a acrescentar—Embora não acredito que me surpreende. Como bem sabe

a mulher moderna atual, a maioria dos homens é capaz de chegar muito longe a fim de não

comprometer-se com nada, a menos que seja em benefício e prazer próprios, naturalmente. E

agora, antes de passar a outra discussão, sugiro que mudemos de tema, posto que é óbvio que

estamos em total desacordo sobre a questão do Guia. —Estendeu sua mão— Trégua?

Ele estudou seu rosto durante vários segundos e a seguir estendeu a mão para apertar a

dela. A mão de Andrew era grande e forte, e ela sentiu o calor de sua palma através das luvas.

—Trégua – concedeu brandamente. Ele apertou os lábios quando seus dedos apertaram

com suavidade os de Catherine— Embora suspeite que na realidade esteja tentando conseguir

minha rendição incondicional, neste caso devo lhe advertir algo. —inclinou-se para diante e em

seus lábios cintilou um sorriso— Não me rendo facilmente.

Era o timbre profundo e suave de sua voz que iluminou seus olhos escuros, ou o calor que

subiu pelo braço do ponto exato onde a mão de Andrew apertava a sua - ou possivelmente a

combinação dos três— o que de repente provocou nela a sensação de que a carruagem ficou

totalmente desprovido de ar? Devagar, Catherine retirou a mão. Era imaginação sua ou Andrew

parecia mostrar-se reticente a soltar-lhe?

—Sua advertência ficou devidamente registrada. —Céus, soava como se faltasse o fôlego.

—Não foi minha intenção discutir com você. Nem agora, nem ontem à noite, lady

Catherine.

—Ah, não? E qual era então sua intenção?

—Pretendia pedir uma dança.

Uma imagem encheu imediatamente a mente de lady Catherine. Viu-se girando ao redor

da pista de baile ao ritmo dos harmônicos acordes de uma valsa, com a mão de novo entre a dele,

e o forte braço de Andrew ao redor de sua cintura.

—Faz mais de um ano que não danço - murmurou— E acredite não me importo.

—Possivelmente tenhamos oportunidade de desfrutar de uma valsa em Little Longstone.

—Temo que não. Não damos ali grandes festas. —Decidida apagar de sua mente a

perturbadora imagem de ambos dançando, pediu-lhe— Me conte mais sobre como estão indo as

coisas no museu.

—Estamos um pouco atrasados devido à recente ausência de Philip, mas o edifício deve

estar terminado até o final do ano.

Um calafrio de culpa a percorreu.

—E tomando seu tempo pedindo para me acompanhar a Little Longstone se atrasará ainda

mais. —Engoliu a chateação que a tomava e sorriu. Ao fim e ao cabo, Andrew não podia evitar ser

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irritante... era um homem— Você é um amigo de verdade, um bom amigo e de toda minha

família, e estou agradecida. —A dor apertou em seu ombro: um aviso físico de que alguém podia

lhe desejar um dano verdadeiro. «Mais agradecida do que imagina.»

—O prazer é só meu.

Andrew guardou silêncio e Catherine voltou a concentrar toda sua atenção no odiado

bordado. Com a cabeça encurvada, olhou para ele através de dissimuladamente, reparando que

estava totalmente concentrado na janela, aproveitou a circunstância para percorrê-lo com o olhar.

Um cabelo denso e escuro como a meia-noite, com uma mecha rebelde caindo sobre a testa. Cílios

escuros rodeando olhos misteriosos que de certo modo conseguiam ser atraentes e serenos ao

mesmo tempo. Gostava de seus olhos. Eram serenos. Pacientes e firmes, embora freqüentemente

ilegíveis. Maçãs do rosto marcadas, maxilar forte e uma boca bem desenhada dada a sorrisos e

covinhas que lhe marcavam as bochechas perfeitamente barbeadas quando sorria. Embora não era

um homem de uma beleza clássica, não podia negar-se que o senhor Stanton era muito atraente, e

de repente Catherine se perguntou se haveria alguma mulher em sua vida.

—No que está pensando?

Ante o suave tom de sua pergunta, a cabeça de Catherine se levantou bruscamente. Seus

olhares se cruzaram e seu coração se acelerou ao ver a intensidade que ardia nesses escuros olhos

normalmente serenos e firmes. A temperatura no interior da carruagem pareceu de repente muito

alta e Catherine resistiu à tentação de abrir seu leque. Depois de um apressado debate interno,

optou por lhe contar a verdade sem rodeios... ou quase.

—Perguntava-me se haveria alguma dama especial em Londres que sentirá sua falta

enquanto estiver conosco em Little Longstone.

Andrew pareceu tão assombrado pela pergunta que Catherine não pôde conter a risada.

—Sei que Meredith tentou lhe apresentar algumas damas, senhor Stanton. É a casamenteira

do Mayfair, se por acaso não sabia.

Ele deu de ombros.

—Ela tentou em varias ocasiões, mas até o momento não cai na rede de nenhuma.

—Ah. Evitando cuidadosamente o altar. Quão... tipicamente masculino de sua parte.

—Ao contrário. Eu adoraria ter esposa. E família.

Catherine levantou as sobrancelhas.

—Entendo. Você se dá conta de que as possibilidades de que isso ocorra aumentariam

grandemente se deixasse de evitar cair na rede da casamenteira Meredith.

—Humm. Você faz com que me pareça um peixe.

—Um peixe escorregadio - concedeu Catherine entre risadas— Bom, como amiga dela,

sinto que é meu dever lhe advertir de que Meredith me disse que assim que se recuperar

completamente do parto, você é seu próximo projeto.

Andrew inclinou a cabeça.

—Obrigado pela advertência, embora confesse que não me preocupa muito. Sei

perfeitamente a classe de mulher que quero. Não necessito nenhuma ajuda.

A curiosidade foi despertada em Catherine.

—Que classe de mulher você acredita que desejo?

—Formosa, jovem, boa esposa, de doce voz e comedida. E se adorasse o chão por onde

você pisa isso seria um ponto adicional.

Andrew jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada, enchendo a carruagem com o

potente som de sua risada.

—Percebo por acaso um pingo de cinismo em sua resposta, lady Catherine?

—Está dizendo que estou equivocada?

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—«Equivocada» possivelmente seja o termo incorreto. A frase correta seria «total e

absolutamente equivocada».

Ela nem sequer fez o menor esforço para ocultar sua dúvida.

—Não deseja que eu acredite que você quer uma esposa espantosa e horrenda.

—Não. Tampouco isso a descreve.

Andrew se recostou contra o encosto e seu casaco marrom de veludo desenhou um escuro

contraste sobre o veludo cinza pálido do assento. Seu ânimo divertido desapareceu, tornando sua

expressão em uma máscara ilegível.

—Ela tem que ser amável - disse com voz forte e olhos sérios— Carinhosa. Leal. E

possuidora de alguma coisa inexplicável que me comove como ninguém me comoveu nunca.

Assim é ela. —levou a mão ao peito— Encha espaços que estiveram vazios durante anos. Com ela,

não existirá a solidão.

O fôlego de Catherine pareceu ficar preso em seus pulmões. Não sabia o que tinha

esperado ouvir, mas sem dúvida não era... isso. Vazio? Solitário? E não se tratava simplesmente do

que havia dito, mas sim de como havia dito, com aquela solidão soando em sua voz grave que a

tinha deixado perplexa. Deus sabia que ela tinha experimentado essas sensações de solidão em

mais ocasiões do que desejava recordar. Mas o senhor Stanton?

Antes que pudesse pensar em uma resposta, ele pareceu tirar de cima a seriedade que lhe

embaraçava e um sorriso elevou um dos lados de seus lábios.

—E, naturalmente, se der a casualidade de adorar o chão que piso, isso seria sem dúvida

um ponto a mais.

Catherine aprisionou firmemente a curiosidade - e a sensação de pena— que as intrigantes

palavras de Andrew tinham provocado nela. Nunca tinha visto um homem que sofresse de

solidão, um homem que encontrasse vazia uma parte de sua vida.

—Não é meu desejo te desanimar, mas considero justo lhe advertir, por minha própria

experiência, que o casamento não é necessariamente uma solução para a solidão. Entretanto, te

desejo sorte na tarefa de dar com a comparação que acaba de descrever, senhor Stanton. Espero

que exista.

—Sei que existe, lady Catherine.

Certo impulso a levou a perguntar:

—E supõe você que ela tenha lido o Guia feminino?

Ele lhe deu um olhar estranho.

—Como parece que todas as mulheres de Londres já leram o livro, é sem dúvida uma

possibilidade.

—Se o tiver lido, estou segura de que você ficará satisfeito quando a conhecer.

—Satisfeito? —Não havia como fingir-se de surdo ao seu ceticismo— O que quer dizer com

isso?

Sorriu docemente.

—Asseguro que, se tivesse lido o livro, saberia.

—Ah, sim, esse intrigante desafio. E se aceitasse a aposta? O que ganharia com isso?

Que homem tão arrogante. Supor que merecia uma recompensa por ler o livro. Mesmo

assim, aquilo ainda podia ficar a favor dela...

—Não tinha nenhuma aposta em mente, acredite, embora por que não? —«Sobre tudo,

porque quase tenho a vitória garantida»— Quem sai vitorioso deverá ao outro um favor, dentro

dos limites, que escolherá o ganhador. —Catherine não pôde conter um sorriso— Ah, sim, já o

imagino sacudindo os tapetes e podando as rosas. Ou possivelmente polindo a prata. Colocando

as pedras do novo atalho do jardim, arrumando o teto dos estábulos...

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—Ganhe ou perca, estaria encantado de ajudar você com essas tarefas. Mas por que

ninguém se encarregou até agora delas?

Catherine deu de ombros.

—Não é fácil encontrar ajuda adequada no campo.

—Entendo - murmurou ele— E o que determinará quem é o ganhador?

—Se você ler o livro, o livro inteiro, é obvio, teremos uma discussão bem informada sobre o

conteúdo do mesmo, assim você ganha. Se não tivermos, eu ganho.

Ao ver que ele guardava silêncio, ela murmurou:

—Claro que se você estiver com medo...

—De uma simples aposta? Duvido.

—Então, por que dúvida?

—A verdade é que duvido seriamente se, apesar da grande tolerância que tenho à dor,

serei capaz de sofrer com as tolices do Brightmore. Entretanto, o pior que pode acontecer é que

simplesmente lhe deva um favor, suponho que não há mal algum em aceitar sua aposta. Que

período de tempo sugere?

—Digamos três semanas?

Concordou.

—Muito bem. Aceito.

Catherine quase não pode reprimir o júbilo. Havia muitas tarefas que um homem forte e

robusto como o senhor Stanton podia fazer na propriedade. Ainda não sabia onde ele seria mais

útil, e qual atividade o irritaria mais. Sem dúvida deveria horrorizá-la experimentar tal

estremecimento ante a idéia de lhe vencer e de apagar assim uma porção de sua arrogância.

Deveria... mas não era assim.

—Naturalmente, - disse o senhor Stanton— no prazo de três semanas, sem dúvida a fofoca

que rodeia o conteúdo real do Guia ficará suplantado pelo escândalo que causará o

desmascaramento do Charles Brightmore.

Catherine levou um susto. Andrew se referia sem dúvida ao investigador que tinha sido

contratado. Com sorte, o homem não encontraria o rastro que levaria a Little Longstone. Mas e se

ele descobrisse, uma mulher precavida valia por duas. Certamente não conseguiria a menor

informação de seus lábios. Obrigando-se a parecer calma, coisa que estava longe de estar, soltou

uma risada ligeira:

—O desmascaramento? Céus, qualquer que lhe ouvisse acreditaria que o senhor

Brightmore é um bandido.

—Muita gente em Londres o considera assim.

—Incluindo você.

—Sim.

—Possivelmente mude de opinião depois de ter lido seu livro... caso leia, claro.

O dar de ombros com que Andrew saudou seu comentário indicou que não tinha uma

sincera intenção de ler «essas tolices», e de que, se o fizesse, não mudaria de opinião. Uma

sensação de tristeza percorreu sua coluna. Que homem tão irritante. Como podia ter achado ele

galante? Agradável? Sem dúvida, viu-se erroneamente predisposta a uma opinião favorável

apoiada nos maravilhosos informes de seu irmão sobre o caráter do senhor Stanton. A

camaradagem que tinham compartilhado no passado se devia a Philip e Meredith. Seu casamento,

e, mais recentemente, o iminente nascimento de seu filho. O museu era também um tema comum.

Franziu o cenho. Voltando atrás no passado, Catherine reparou que todas suas conversas tinham

sido de natureza muito impessoal. De fato, sabia muito pouco sobre o senhor Stanton. Tinha-o

aceito como amigo e bom homem, sem questionar nada mais, porque Philip dizia que ele era bom.

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Segundo Philip, o senhor Stanton tinha salvado sua vida em situações difíceis quando ambos

estavam no estrangeiro. Definia a seu amigo norte-americano como um homem leal, firme, bravo e

excelente com os punhos e com a espada. Enfim, Catherine não tinha nenhuma razão para

duvidar de que era todas essas coisas. Entretanto, Philip tinha esquecido de acrescentar, como

tampouco ela tinha conseguido discernir no curso de seus anteriores encontros, que o senhor

Stanton era também um homem teimoso, obstinado e irritante.

Observou-o. Estava olhando pela janela enquanto um músculo lhe palpitava em sua

bochecha brandamente barbeada, sublinhando a tensão de seu maxilar. Seu teimoso maxilar.

Embora Catherine não pudesse negar que era um forte maxilar teimoso. Com a intrigante sombra

de uma covinha no centro. Isso era algo que Philip não tinha mencionado. Como tampouco tinha

feito menção ao perfil do senhor Stanton... a pequena cicatriz que tinha na ponta do nariz.

Certamente se tratava de uma lembrança de seus combates. Deveria ter deixado ele menos

atraente, e, entretanto lhe dava um ar tosco, misturado com uma perceptível sensação de perigo,

lhe recordando que, apesar de seu elegante traje, Andrew não pertencia a sua classe. Um tipo

duro, sem dúvida.

E inegavelmente atraente.

— Você tem uma expressão realmente intrigante, lady Catherine. Importa-se em

compartilhar o que pensa?

O calor aqueceu suas bochechas. Meu Deus, quanto ficou olhando para ele? E por que ele a

estava observando dessa forma... especulativa? Como se já lhe tivesse adivinhado o pensamento?

Ora. Um aspecto mais para somar ao irritante conjunto.

Adotando o que esperava que pudesse passar por um ar desenvolto, Catherine disse:

—Estava pensando que, apesar do tempo que passamos juntos durante os últimos quatorze

meses, o certo é que não nos conhecemos muito. —Arqueou as sobrancelhas— E no que pensava

você?

—De fato, pensava em algo muito similar... que não a conheço como acreditava.

Catherine enrugou o nariz e respirou fundo.

—Não sei por que, mas isso não me soou muito adulador.

—Não pretendia insultá-la, te garanto. —A malícia piscou nos olhos de Andrew— Gostaria

que a elogiasse? Estou seguro de que, se isso a agradar, poderia pensar em algo.

—Suplico que não se esforce por mim - respondeu Catherine com uma voz seca.

Ele respondeu com um gesto desinteressado.

—Te garanto que não é nenhum esforço para mim. —Seu olhar passeou pelo vestido de

viagem de cor verde de Catherine— Você esta linda.

Três simples palavras. Entretanto, algo em sua forma de dizer «linda», combinado com o

inconfundível calor de seus olhos, provocou um estremecimento que a percorreu por inteiro.

Andrew impediu qualquer resposta que ela tivesse podido lhe dar, concentrando toda sua atenção

em sua boca.

—E seus lábios... —Seus olhos pareceram obscurecer-se, e se inclinou para frente. Todo o

interior de Catherine se paralisou... à exceção daquelas inexplicáveis reviravoltas no estomago,

que de repente voltaram muito mais... fortes. Meu Deus, por acaso ele ia beija-la? Sem dúvida

não...

Seu próprio olhar ficou preso nos lábios de Andrew, e pela primeira vez reparou em sua

boca atraente. Parecia suave e firme ao mesmo tempo. O tipo de boca que sem dúvida sabia beijar

uma mulher...

—Seus lábios - disse ele em voz baixa, aproximando-se ainda mais até que seus rostos

ficaram a menos de cinco centímetros de distancia do dela, ela sentiu uma necessidade de inclinar-

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se para ele e apagar esses poucos centímetros— Estão... bem desinflamados e têm melhor aspecto

que depois do incidente de ontem à noite. Quase recuperaram sua beleza habitual.

Afastou-se e esboçou um amplo sorriso. Fosse qual fosse a loucura que tinha sentido,

desintegrou-se como uma nuvem de fumaça e Catherine se incorporou imediatamente, pregando

as costas à almofada, horrorizada. Nem tanto com ele, mas consigo mesma. Subiu um calor pelo

seu pescoço e rezou para não ruborizar-se. Meu Deus, durante um instante de loucura tinha

acreditado que ele pretendia... que ela queria que ele... beijasse-a.

Mas o mais humilhante era o fato de que se sentia decepcionada porque não o tinha feito.

Demônios, estava perdendo a cabeça.

—Esta vendo? —disse ele— Ao contrario do que pensa, sou muito capaz de lhe fazer

elogios. E não vejo a hora de visitar sua casa assim teremos a oportunidade de descobrir coisas

que não sabemos um do outro.

Bom Deus coisas que ele não sabia dela... Catherine tinha intenção de deixar como estava.

—Maravilhoso. Tampouco eu... não vejo a hora.

Em vez de ofender-se por seu tom, o sorriso apareceu nos lábios de Andrew.

—Peço que você não se esforce tanto para mostrar entusiasmo por mim.

Ora. Como se atrevia a estar de bom humor quando se supunha que devia estar abatido?

Devia ser o norte-americano que havia nele. Bom, possivelmente tivesse em mente que se

conhecessem melhor durante sua estadia em sua casa, mas, como bem sabia a mulher moderna

atual, ela não tinha por que aceitar aos planos de nenhum homem se não o desejava.

E, a julgar pelos segredos que devia proteger, Catherine não tinha a menor intenção de

fazê-lo.

Capítulo 5

A mulher moderna atual deve admitir que em ocasiões as restritivas normas da

sociedade deveriam ser claramente e rotundamente ignoradas. E, quanto mais atraente seja o

cavalheiro em questão, mais clara e rotundamente deveria ser tal amostra de ignorância... com

toda sua discrição, naturalmente.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

—A Vila Bickley aparecerá à vista a qualquer momento - disse lady Catherine duas horas

mais tarde, assinalando à esquerda— Depois desse arvoredo.

«Graças a Deus.» Andrew esperava que essa sensação de alívio não fosse muito óbvia. As

quatro horas de viagem tinham alternado silêncios incômodos e uma absurda conversa. Ela tinha

se concentrado em seu trabalho, mas Andrew conseguia ver algo mais e Catherine estava

claramente preocupada com algo. O instinto lhe dizia que estava pensando no incidente da noite

anterior, que, conforme suspeitava preocupava-a mais do que ela queria reconhecer.

Concentrou sua atenção na paisagem que via do outro lado da janela, deleitando-se com

verde da paisagem. Não via a hora de sair do pequeno espaço da carruagem, onde tinha estado

preso nas últimas quatro torturantes horas, respirando a delicada fragrância floral de Catherine.

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Deixou escapar um comprido e discreto suspiro. Deus existia no mundo uma mulher que

cheirasse melhor? Não. Impossível. Tinha tido que segurar suas mãos para não tocá-la, inclinar-se

para ela e aspirar ao aroma de sua pele. Sim, tinha cedido à tentação, aproximando-se dela em

uma ocasião, e o esforço que tinha tido que fazer para não beijá-la tinha sido terrível.

Paciência. Tinha que recordar que seu plano para cortejá-la devia ser sutil e pausado.

Pressentia que se demonstrasse muito depressa, ela se retiraria como uma lebre assustada.

Naturalmente, o fato de que Catherine estivesse claramente irritada com ele por causa do Guia o

fazia um favor, embora era certo que também era irritante o entusiasmo que Catherine mostrava

pelo livro de Brightmore e por todo esse lixo da mulher moderna atual. Suspeitava que ela não ia

gostar de saber, que ele tinha sido contratado para descobrir e desmascarar seu ídolo literário,

Charles Brightmore.

Apesar de que sua missão de encontrar o homem tinha ficado temporariamente suspensa

enquanto estivesse em Little Longstone, dedicaria-se inteiramente à tarefa quando retornasse a

Londres. Charles Brightmore seria descoberto, Andrew receberia por isso uma boa gratificação e

todas essas tolices sobre a mulher moderna atual se desvaneceriam, desapareceria também a

tensão que tinha surtido entre lady Catherine e ele. Enquanto isso aproveitaria a oportunidade

para passar o tempo com ela e pôr em marcha seu plano para cortejá-la.

Menos de um minuto depois, ao fazer uma curva, apareceu diante de seus olhos uma

majestosa casa de tijolo e colunas brancas comodamente aninhadas contra um fundo de árvores

enormes, suaves colinas e prados verdes. As distintas tonalidades de verde ficavam quebradas por

atalhos de vívidas violetas e rosas, misturados com mantos de flores silvestres de tons pastéis.

Retalhos do sol da última hora da tarde ficavam refletidos nas brilhantes janelas, suavizando a

fachada de tijolo em um resplendor dourado. A cena completa representava uma pitoresca e

campestre tranqüilidade. Um lugar tranqüilo e seguro para ela e seu filho, longe da cruel

mesquinharia da sociedade.

—Agora entendo por que gosta tanto daqui - manifestou ele.

—É minha casa - respondeu ela em voz baixa.

—É muito maior e majestosa do que tinha imaginado. Chamá-la «vila» é como chamar um

barco a remos de um navio.

—Possivelmente. Mas o íntimo ambiente e os convencionalismos muito menos formais que

imperam aqui dão à casa uma comodidade que contradiz seu tamanho. Apaixonei-me por ela

assim que a vi.

Andrew se virou e passeou o olhar pelo delicado perfil de Catherine. A branda curva de

sua pálida bochecha, a suave linha de sua mandíbula. A leve inclinação ascendente do nariz. Os

luxuriosos lábios carnudos. «se apaixonar no instante em que vê algo... “sim, sei exatamente o que

é isso.»

—Comprar esta propriedade, onde Spencer dispõe de um acesso fácil e privado aos

curativos mananciais das águas quentes, foi o único gesto de generosidade que Bickley mostrou

com seu filho. —Catherine falava brandamente, com uma voz totalmente desprovida de

expressão. Virou-se para olhá-lo e Andrew ficou perplexo ao ver que seus olhos pareciam

totalmente vazios. Maldição, como desejava apagar todas as sombras que os anos infelizes do

casamento tinham deixado nela.

—Naturalmente, como todos sabem, a verdadeira razão que levou Bickley a comprar uma

casa foi simplesmente intenção de instalar Spencer —e a mim— longe, onde não tivesse que ver

seu filho imperfeito nem ser visto com ele. Nem com a mulher que, segundo suas próprias

palavras, tinha-lhe imposto esse filho.

Graças a sua amizade íntima com Philip, Andrew já ouvirá falar do egoísta, insensível e

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indiferente bastardo que se converteu em marido de lady Catherine, e no péssimo pai que tinha

sido para um menino que necessitava desesperadamente de um. «Nada me daria mais prazer, que

passar apenas cinco minutos, com o bastardo do seu marido». Em vez disso, disse:

—Lamento que seu casamento não fosse feliz.

—Eu também. Começou com grandes promessas. Entretanto, depois do nascimento de

Spencer... —Sua voz se apagou e durante vários segundos seus olhos se encheram com as sombras

que sem dúvida seguiam espreitando-a. Andrew teve que se segurar, sentia uma grande

necessidade de tocá-la. Consertar toda aquela dor. Aliviá-la e consolá-la do mesmo modo que para

ele, só pensar nela, já era um consolo.

Entretanto, antes que pudesse se mover, ela se recompôs e sorriu.

—Mas isso faz parte do passado - disse— Nós adoramos Little Longstone. Espero que

desfrute de sua estadia.

—Não tenho dúvida de que desfrutarei.

—E você deve aproveitar as águas quentes enquanto esteja aqui. São muito terapêuticas.

Não vejo a hora de tomar eu mesma para acalmar a rigidez do meu ombro.

Andrew engoliu a apreensão que ia subindo pela garganta. Não lhe atraía o plano de

passar perto da água. Muito menos dentro dela.

Não precisou responder, pois a carruagem se deteve como um forte tremor, indicando que

tinham chegado a seu destino.

—Antes de descer, - disse Catherine, baixando a voz e falando depressa—tenho que lhe

pedir um favor. Fico agradecida se você não comentar o incidente de ontem à noite com Spencer.

Não quero deixar meu filho preocupado.

Andrew não pôde esconder sua surpresa.

—Mas ele verá que você esta ferida.

—A manga do vestido oculta meu curativo.

—O que me diz de seu lábio?

— Estou certa de que ele não notará.

—E se notar?

—Falo que eu mesma me mordi, na verdade foi isso mesmo que aconteceu.

—Você vai mentir para ele.

—Prefiro mentir a preocupar meu filho.

A porta se abriu, e um criado formalmente vestido estendeu a mão para ajudar lady

Catherine a descer, encerrando assim a conversa. Na realidade foi melhor assim, já que Andrew

suspeitava que qualquer comentário de sua parte poderia levar a outra discussão.

—As discussões não são um bom início para um cortejo bem-sucedido - murmurou.

—O que disse senhor Stanton? —De pé na porta da carruagem, com a mão na do criado,

lady Catherine olhou a Andrew por cima do ombro com uma expressão interrogativa.

—É que estou ansioso... para pular. —Meu Deus, parecia um idiota. Tampouco isso levava

a um cortejo com final feliz.

—Pular?

—Sim, nas águas quentes e terapêuticas. —Rezou para que sua pele não empalidecesse ao

pronunciar as palavras.

—Ah. —Lady Catherine pareceu relaxar sua expressão, embora ainda ficassem vestígios

que indicavam que não tinha renunciado totalmente à noção de que era um pouco idiota.

Tampouco isso levava a um final feliz.

Depois de descer da carruagem, Andrew olhou ao redor por alguns instantes, enquanto

lady Catherine dava instruções ao criado sobre a bagagem. O caminho ficava à sombra de

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enormes olmos e a luz do sol salpicava o cascalho ao penetrar entre a abóbada de folhas. Inspirou

fundo. Os aromas do verão tardio lhe encheram a cabeça de uma prazerosa mescla impregnada de

erva e de terra aquecida pelo sol, e um penetrante aroma de feno que indicava a proximidade dos

estábulos. Fechando os olhos, Andrew deixou que uma imagem ganhasse vida, um brilho de um

tempo passado quando tinha desfrutado da vida em um lugar similar a aquele. Entretanto, como

ocorria sempre que se permitia dar um olhar ao passado, a escuridão cobriu rapidamente essas

lembranças de rápida felicidade, cobrindo-os com a sombra da culpa e da vergonha. Da perda, do

pesar e da condenação. Abriu os olhos e piscou com a intenção de tirar da cabeça sua vida

anterior. Era uma vida morta e passada. Literalmente.

Virou-se e viu, cheio de temor, que lady Catherine tinha os olhos fixos nele com um olhar

interrogante.

—Está bem? —perguntou.

Andrew voltou a sepultar suas dolorosas lembranças e a culpa que doía seu coração, onde

ninguém pudesse vê-los, e esboçou um amplo sorriso.

—Estou bem. Estou desfrutando da sensação de estar ao ar livre, depois de tantas horas de

viagem. E com muita vontade de ver seu filho.

—Tenho certeza de que não terá que esperar muito.

Como se a tivesse ouvido, as portas que conduziam até a casa se abriram e apareceu um

jovem vestido com calças de cor camurça e uma singela camisa branca. Sorriu e saudou com a

mão, gritando:

—Bem-vinda a casa, mamãe!

Spencer avançou mancando e o olhar de Andrew se desviou para o pé aleijado do jovem. A

compaixão encolheu seu coração pelo sofrimento que o menino devia sofrer diariamente, não só

produzido pelo desconforto físico, mas também por ser considerado diferente dos outros.

Defeituoso. Ele sabia que a decisão de lady Catherine e Spencer viverem em Little Longstone se

devia à crueldade que o menino tinha vivenciado em Londres. Andrew recordava perfeitamente

como era difícil essa idade, próxima aos doze anos, em que um menino já estava às portas da

puberdade. Foi muito difícil para ele, mesmo sem o peso adicional de uma enfermidade.

Spencer se encontrou com sua mãe no meio do caminho, e esta o envolveu em um abraço

que ele correspondeu com grande entusiasmo. Andrew sentiu um pouco de inveja diante daquela

grande demonstração de afeto. Não se lembrava o que era sentir um abraço materno, sua mãe

tinha morrido ao lhe trazer para o mundo. Reparou que Spencer era quase tão alto como sua mãe

e tinha os ombros surpreendentemente largos, enquanto seus braços gordos indicavam que ainda

faltava muito para crescer. Se parecia muito com lady Catherine, de quem tinha herdado o cabelo

castanho e os dourados olhos marrons.

Mãe e filho se separaram e, entre risadas, lady Catherine levantou a mão - o braço ileso,

conforme pôde ver Andrew— e passou pelo denso cabelo de Spencer.

—Ainda está molhado - disse— Como foi sua visita aos mananciais?

—Excelente. —Franziu o cenho e se inclinou para ela— O que aconteceu com seu lábio?

—Me mordi por acidente. Nada que deva se preocupar.

A preocupação desapareceu de seu rosto.

—Como estava a festa do avô?

—Foi... agitada. Eu te trouxe uma maravilhosa surpresa. —Olhou para a parte detrás da

carruagem, onde estava Andrew.

Spencer afastou o olhar de sua mãe e, quando reparou em Andrew, arregalou os olhos.

—É realmente você, senhor Stanton?

—Sim. —Andrew se reuniu com eles e deu a mão ao jovem— Encantado em ver você

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novamente, Spencer.

— Digo o mesmo.

—O senhor Stanton teve a amabilidade de me acompanhar a casa, e aceitou ficar alguns

dias de visita. Prometeu-me nos satisfazer com as histórias de suas aventuras com seu tio Philip.

O sorriso de Spencer se iluminou.

—Excelente. Quero ouvir como conseguiu enganar os canalhas que lhe prenderam no

calabouço. Não consegui que tio Philip me contasse a história.

Lady Catherine arqueou as sobrancelhas.

—Canalhas? Calabouço? Não sabia disso. Acreditava que Philip e você empenhavam-se em

desenterrar artefatos.

—Realmente - tranqüilizou Andrew— Entretanto, como seu irmão tem uma misteriosa

inclinação a se meter em confusões, me vi obrigado a realizar vários resgates.

A malícia brilhou nos olhos de lady Catherine.

—Entendo. E você, senhor Stanton? Não se viu alguma vez necessitado de que alguém lhe

resgatasse?

Andrew fez cara de inocente e colocou a mão no meio do peito.

—Eu? Refere-se a mim, que represento o modelo de decoro...?

—Uma vez tio Philip lhe ajudou a escapar de homens armados com facões - interveio

Spencer com um tinido de animação na voz— Lutou contra eles utilizando só seu bastão e sua

rapidez. Perseguiam-lhes porque você tinha beijado à filha de um bandido.

—Um grande exagero - disse Andrew com um gesto dissuasivo— Seu tio Philip é famoso

por sua tendência em aumentar as coisas.

Lady Catherine franziu os lábios.

—É certo isso? Então, qual é a verdadeira história, senhor Stanton? Por acaso não beijou à

filha desse bandido?

Maldição. Por que ultimamente todas as conversas que tinha com ela tomavam esses

desastrosos rumos?

—Foi um amistoso beijo de despedida. Totalmente inocente. —Não havia necessidade de

mencionar que as duas horas que tinham antecedido esse amistoso beijo de despedida tinham sido

pouco inocentes— Desgraçadamente, temo que o pai da jovem se opôs de forma bastante

enérgica. —encolheu-se de ombros e sorriu— Justo na hora que eu ia levar uns bons socos, um

desconhecido apareceu, balançando sua bengala e gritando em uma língua estrangeira. Acreditei

que ele estava louco, mas a verdade é que me salvou a vida. Era Philip, e desde esse dia somos

amigos.

—Mas o que Philip disse? —perguntou lady Catherine.

—Não sei. Não quis me contar dizendo que era seu pequeno segredo. Até agora continuo

sem saber.

—Eu acho que ele disse algo muito feio sobre você - disse Spencer com um sorriso de

orelha a orelha.

—Sem dúvida - concordou Andrew, rindo.

—Bem, Spencer e eu desejamos saber mais coisas de suas viagens durante sua estadia aqui,

senhor Stanton. Permita-nos lhe acomodar —Catherine deu seu braço ileso a Spencer. Puseram-se

a andar pelo caminho e Andrew os seguiu. Reparou na firmeza do braço de Catherine, permitindo

suportar grande parte do peso de Spencer enquanto o menino avançava correndo pelo caminho.

Foi pego por um grande sentimento de admiração por ela, por ambos. Andrew sabia das cargas

emocionais com as quais ela brigava. Mesmo assim, Catherine fazia com humor e dignidade,

enquanto o amor que dedicava a seu filho brilhava como o quente resplendor do sol. E Spencer,

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apesar das dificuldades físicas que enfrentava, era obviamente um jovem inteligente e amável que

correspondia abertamente ao afeto de sua mãe. Sem dúvida, um jovem que qualquer homem

estaria orgulhoso de ter por filho. Andrew apertou as mãos ao pensar na crueldade com que o pai

do menino lhe tinha recusado.

Atravessaram a soleira da porta principal e entraram em um espaçoso vestíbulo, com chão

de parquet. Havia uma mesa redonda de mogno no centro do local sobre a qual repousava um

vaso de porcelana com um enorme arranjo de flores recém cortadas. A fragrância das flores enchia

o ar, mesclada com o agradável aroma de cera de abelha. Olhando para o outro lado, Andrew viu

a ampla e curva escada que conduzia ao piso superior, e os corredores que se perdiam a direita e

esquerda. Várias mesas decoravam os corredores, todas adornadas com vasos cheios de flores

frescas.

Um mordomo formalmente uniformizado e de estilizada figura estava de pé junto à porta,

como uma sentinela, com os óculos próximos à ponta de seu nariz farpado.

—Bem-vinda a casa, lady Catherine - disse o mordomo com uma voz muito grave e sonora

para vir de um homem de tão magro. Dava a impressão que uma rajada de vento podeira fazer o

homem cair de costas.

—Obrigado, Milton. —Enquanto lhe entregava seu chapéu e o xale, disse-lhe:—Este é o

senhor Stanton, o sócio de meu irmão e um grande amigo da família. Ficará conosco alguns dias.

Dei instruções para que levem suas coisas ao quarto azul de convidados.

Milton inclinou a cabeça.

—Irei garantir que o quarto esteja preparado.

Spencer assinalou com o queixo a mesa de mogno.

—Viu suas flores novas, mamãe?

Andrew se preveniu para o ligeiro rubor que tingiu as bochechas de Catherine.

—É difícil não as ver.

Spencer, zangado, bufou.

—Este é muito menor que o arranjo do salão. Estão convertendo nossa casa em um jardim

interno! Por que não lhe deixam em paz? —virou-se para Andrew, procurando nele um aliado—

Não te parece que teriam que deixá-la em paz?

—Teriam quem?

—Seus pretendentes. Lorde Avenbury e lorde Ferrymouth. O duque de Kelby, lorde

Kingsly. E também lorde Bedingfield, que recentemente comprou a casa que faz divisa com a

nossa pelo oeste. Todos eles enviam flores suficientes para fazer que alguém se sinta como se

vivesse em uma prisão botânica. —Spencer voltou a bufar— Sinto-me como se estivesse afogando

com tantas flores. Não lhe parece que deveriam parar?

«Sim, demônios.» Andrew se obrigou a não lançar um olhar assassino ao arranjo floral.

Antes de poder responder, lady Catherine, cujo rosto se tingiu de rosa, disse:

—Spencer, isso é muito descortês de sua parte. Lorde Avenbury, lorde Ferrymouth e outros

só pretendem mostrarem-se amáveis.

Andrew tragou irritado «Ora!» que lhe subia pela garganta. Amáveis? Dificilmente. Teve

que morder a língua para não anunciar que homem nenhum enviava flores suficientes para

afundar uma fragata como simples gesto de cortesia.

—Sirvo já o chá? —perguntou Milton, no incômodo silêncio.

—Sim, obrigado, mas só para dois. No salão. —virou-se para Andrew— Assegurarei-me de

lhe deixar comodamente instalado, mas lamento dizer que tenho um compromisso rápido. —

Tocou a manga de Spencer— Se ocupará do senhor Stanton em minha ausência?

—Sim. Seu compromisso é com a senhora Ralston ou com o doutor Oliver?

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—Com o doutor? —perguntou Andrew, ao tempo que seu olhar saltava sobre lady

Catherine— Você está doente?

—Não - se apressou em responder lady Catherine— Meu compromisso é com a senhora

Ralston.

Spencer voltou seu olhar para Andrew.

—A senhora Ralston é a melhor amiga de minha mãe. A menos que o tempo feche, mamãe

vai a sua casa todos os dias para visitá-la e ajudá-la.

—Ajudá-la? —perguntou Andrew.

Spencer assentiu.

—A senhora Ralston sofre de artrite nas mãos. Mamãe lhe escreve as cartas e se ocupa de

suas flores.

Andrew sorriu.

—Muito gentil de sua parte.

Catherine pareceu ruborizar-se.

—Genevieve é uma dama muito querida.

—E afortunada de poder contar com uma amiga tão fiel. —Andrew voltou a concentrar sua

atenção em Spencer— E quem é o doutor Oliver? —perguntou.

—Outro pretendente, embora bastante agradável, não é tão endinheirado para enviar esses

exagerados arranjos. Não, o doutor se limita a olhar para mamãe com olhos sonhadores. —

Spencer iniciou então a representação do que ele entendia pela expressão «olhos sonhadores»

adotando uma expressão abobalhada e piscando os cílios repetitivamente.

Se a mulher implicada na paródia tivesse sido outra, Andrew acharia divertidos os gracejos

do jovem. Entretanto, reparou calado, que as bochechas de lady Catherine ardiam até tingir-se de

vermelho. Recordou com claridade ter ouvido Philip mencionar que um dos admiradores de lady

Catherine era um médico do povoado. Andrew teve a indiscutível suspeita de que esse era o

homem.

—Tolices, Spencer - disse Catherine— O doutor Oliver não faz essa cara e não é mais que

um amigo.

—Que vem te ver diariamente.

—Não, diariamente não. E, além disso, simplesmente o faz com desejo de se mostrar cortês.

—Pelo que parece, há uma grande quantidade de cavalheiros corteses em Little Longstone

- disse Andrew secamente.

Spencer olhou o teto.

—Sim, e todos empenhados em cortejar a minha mãe.

—Não pode se tomar por cortejo se eu mostro indiferença - disse lady Catherine com voz

firme— Os interesses cessarão assim que se derem conta de que não estou absolutamente

interessada.

Andrew esclareceu a garganta.

—Se tivermos em conta estas amostras, - começou, agitando a mão e incluindo com seu

gesto o trio de arranjos florais—ainda não se deram conta.

—Agora lorde Bedingfield já sabe - disse Spencer— Eu mesmo disse quando veio aqui

ontem a tarde.

—Que diabos lhe disse? —perguntou lady Catherine.

—Disse-lhe: «Mamãe não está interessada em você».

Lady Catherine emitiu um som semelhante a uma gargalhada mal dissimulada seguida por

uma tosse. Andrew mordeu o lábio para reprimir seu sorriso. Spencer era sem dúvida um bom

menino.

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—E o que disse lorde Bedingfield? —perguntou Catherine.

Spencer vacilou e logo deu de ombros.

—Algo muito feio.

Milton esclareceu a garganta.

—De fato, sua senhoria disse algo extremamente desagradável que não merece repetição,

momento no qual lhe convidei a abandonar a casa antes de soltar os cães.

Andrew apertou a mandíbula ao dar-se conta de que lorde Bedingfield havia dito algo

desagradável a Spencer.

—Não temos cães - disse lady Catherine.

—Não acreditei ser necessário fazer saber a sua senhoria, senhora.

Apesar da dor que havia em seus olhos, um sorriso apareceu nos lábios de Spencer.

—E quando lorde Bedingfield partia, tropeçou ao cruzar a soleira...

—Não saberia dizer como, mas meu pé se interpôs em seu caminho - disse Milton com

rígida expressão— Que desafortunado incidente.

—Nunca tinha visto o tom de vermelho que vi em seu rosto - disse Spencer, agora com um

amplo sorriso— Não posso nem imaginar quanto como ficaria zangado se soubesse que não temos

cães.

—Sim, temo que o senhor não voltará - disse Milton com uma cara perfeitamente

imperturbável— Mil desculpas por minha estupidez, lady Catherine.

—De algum modo conseguirei encontrar o perdão em meu coração - respondeu ela com

voz igualmente séria. Logo se virou e dedicou a seu filho uma imensa piscada. «Bom, um

pretendente menos», pensou Andrew sorrindo. Infelizmente, ainda faltava um bom número deles

para desaparecer.

Enquanto o chofer permanecia na carruagem, Catherine entrou no modesto vestíbulo da

vila Ralston.

—Boa tarde, Baxter - saudou o imponente mordomo de Genevieve.

A senhora Ralston está em casa?

—A senhora sempre está em casa para você, lady Catherine - anunciou Baxter com sua voz

grave e profunda. Aliviada, Catherine pôs seu chapéu de veludo e seu xale de caxemira nas

enormes mãos de Baxter.

Por mais que visse a enorme altura e corpulência de Baxter nunca deixavam de assombrá-

la. Media pelo menos um metro e noventa, e seus impressionantes músculos esticavam as costuras

de seu formal uniforme negro. Suas proporções, em combinação com sua calvíce, sem contar com

os pequenos aros de ouro que adornavam os lóbulos de suas orelhas, ou o fato de que tivesse

tendência a responder às perguntas com um grunhido monossilábico, davam-lhe um ar

intimidante. Sem dúvida, ninguém que se encontrasse com o Baxter suspeitaria que adorava

flores, que cuidava das crias do gato de Genevieve como uma mãe e que assava as bolachas mais

deliciosas que Catherine tinha provado. “Protegia Genevieve e a sua casa dos perigos como se

fossem as jóias da coroa, e se referia a Genevieve como a que me salvou”.

Catherine sabia que ambos se conheceram durante a vida «anterior» de Genevieve, a que

tinha vivido antes de instalar-se em Little Longstone, e agradecia que Genevieve tivesse um amigo

forte que a ajudasse. E que a protegesse. Simplesmente as mãos de Baxter pareciam capazes de

pulverizar uma rocha, e, segundo Genevieve, tinham-no feito em mais de uma ocasião. Catherine

rezava para que não voltassem a conhecer essa violência.

Baxter a escoltou até o salão, e a seguir se retirou. Cinco minutos mais tarde, Genevieve

entrou com seu formoso rosto iluminado de puro prazer. Um vestido de musselina de cor verde

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adornava sua exuberante figura e levava seu cabelo loiro claro recolhido em um coque singelo que

sempre preferia, um estilo que ressaltava seus olhos de cor azul claro e seus lábios carnudos. Às

duas e meia, o rosto de Genevieve seguia coberto de maquiagem, e até as ligeiras rugas que se

insinuavam ao redor de seus olhos e em sua testa não tiravam sua beleza.

—Que maravilhosa surpresa - disse, cruzando o tapete azul e bege com seus passos lentos e

comedidos— Acreditei que estaria muito cansada depois da viagem para me visitar hoje.

Como era seu costume, Genevieve lhe lançou um beijo como saudação, tocando com seus

lábios as enluvadas pontas de seus dedos. Catherine lhe devolveu o gesto com o coração

encolhido de compaixão ante essas desgraçadas mãos que nem sequer as grossas luvas

conseguiam dissimular. Durante todos os anos que tinham sido amigas, Catherine nunca tinha

visto as mãos de sua amiga descobertas.

—Tinha que vir - disse Catherine— Há algo que temos que falar.

Genevieve lhe deu um olhar penetrante.

—O que aconteceu com seu lábio?

—Isso é parte do que temos que falar. Vamos nos sentar.

Assim que estavam sentadas em um sofá de brocado extremamente fofo, Catherine falou

com sua amiga do disparo.

—Deus santo, Catherine - disse Genevieve com os olhos cheios de preocupação— Que

espantoso. Como você esta agora?

—Um pouco dolorida, mas muito melhor. A ferida foi superficial.

—Felizmente. Para todos nós. —Sua expressão se tornou fria— Espero que capturem o

canalha que fez isto. Quando penso no que poderia ter ocorrido com um tiro extraviado... você, ou

qualquer outro dos convidados da festa, poderiam ter se ferido gravemente. Ou sido mortos. —

Um delicado estremecimento sacudiu seu corpo— Um acidente absolutamente espantoso. Não

sabe quanto me alegro de que não esteja ferida gravemente.

—Certo. Embora... —Catherine inspirou fundo— De fato, não estou convencida de que foi

um acidente. —Seguidamente falou com Genevieve da conversa que tinha ouvido antes do

disparo. —Rezo para que tenha sido um mero incidente, mas estou assustada. Assustada de que o

disparo estivesse dirigido a mim. Que alguém, possivelmente esse investigador, tenha descoberto

minha conexão com Charles Brightmore. E, se for assim...

—Nesse caso, eu também estaria em perigo - disse devagar Genevieve, cuja expressão

adquiriu formas de profundo pesar e arrependimento— Oh, Catherine, não sabe quanto lamento

haver te comprometido com meu livro, que isso te tenha posto nesta insustentável situação.

Devemos pôr fim a isto. Imediatamente. Viajarei amanhã a Londres para falar com nosso editor e

darei instruções ao senhor Bayer para que revele que eu sou Charles Brightmore.

—Não fará nada disso - disse Catherine com firmeza— Isso só conseguiria te pôr em um

perigo mais iminente e destruir sua reputação.

— Minha querida, por acaso acredita que isso importa em comparação com sua vida?

Sempre posso partir daqui e me instalar em qualquer outra parte. Você tem que pensar no

Spencer.

—Não sairá daqui - insistiu Catherine— Necessita dos mananciais de água quente para

suas mãos e para suas articulações tanto como Spencer.

—Há outras termas na Inglaterra. Na Itália. —olhou as mãos e lhe esticaram os lábios—

Tantas vezes amaldiçoei estas mãos entrevadas. Tirou-me tanto. O homem que amo... —Uma

risada carente de humor apareceu entre seus lábios. Quem quer uma amante com umas mãos

como estas? Nenhum homem deseja que lhe toquem com semelhante feiúra. Mas nunca as tinha

amaldiçoado tanto como agora. Se fosse fisicamente capaz de escrever, ou de sustentar uma

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pluma, nunca teria pedido sua ajuda para assinar esse maldito livro.

—Por favor, não diga isso. Eu quis te ajudar. Escrever o livro, escutar seu ditado, me

implicar, deu a minha vida um propósito que a muito tempo não tinha. Você acredita que me

tirou algo, mas na realidade foi justamente o contrário. Me deu mais do que um dia poderei te

devolver.

—Como você sempre tem feito comigo, embora não poderá me negar que tirei sua sensação

de segurança, esta obra te pôs em perigo.

—Não podemos estar seguras de que isso seja certo. O ocorrido pode perfeitamente ter sido

um acidente.

—E como poderíamos sabê-lo com certeza? —perguntou Genevieve— Não podemos nos

limitar a esperar que uma das duas, ou ambas, fiquem feridas. Ou pior. Devemos pôr fim a isto.

Imediatamente. Tenho que falar com o senhor Bayer.

—Suplico que não o faça, ao menos durante um ou dois dias. Houve uma testemunha que

pode identificar o culpado. Meu pai me prometeu que escreverá para me comunicar se tiverem

achado o autor do ocorrido. Se for assim, estamos nos preocupando em vão. Esperemos a ter

notícias de meu pai.

Genevieve enrugou o lábio inferior e finalmente assentiu em sinal de acordo.

—Muito bem. Mas se não tiver notícias dele amanhã à noite, viajarei a Londres no dia

seguinte. Enquanto isso devemos fazer algo para garantir nossa segurança. Baxter se encarregará

de que nada me ocorra, mas temo que, apesar de sua valentia, Milton e Spencer não possam te

oferecer o amparo necessário em caso de que a necessite.

—Já me ocupei disso. O amigo norte-americano de meu irmão, o senhor Stanton,

acompanhou-me a Little Longstone e vai ficar alguns dias de visita.

—Mas poderá te proteger? —perguntou Genevieve com voz incerta.

A imagem do senhor Stanton levando-a em seus fortes braços apareceu em sua cabeça e,

envergonhada, sentiu que o calor lhe subia pelo pescoço.

—É... sim. Não tenho dúvida.

O olhar de Genevieve se tornou especulador e arqueou uma sobrancelha loira, desenhando

com ela uma curva perfeita.

—Ah, sim? Muito bem, deixa-me enormemente aliviada. Lembro de você mencionar o

senhor Stanton, embora só vagamente. Como é?

—Rabugento e teimoso - respondeu Catherine sem a menor vacilação.

Genevieve riu.

—Querida, assim são todos os homens. Por acaso possui alguma boa qualidade?

Catherine deu de ombros.

—Suponho que, se me visse pressionada a pensar nisso, me ocorreria uma ou duas. —Ao

ver que Genevieve seguia esperando, Catherine olhou ao teto e soltou um suspiro— Pelo que

parece foi de grande ajuda quando me feriram ontem à noite. E, bom... não tem um aroma

corporal desagradável.

Algo parecido à diversão faiscou nos olhos de Genevieve.

—Entendo. A engenhosidade e o compromisso com a limpeza pessoal são sem dúvida boas

qualidades em um homem. Me diga, qual foi exatamente a ajuda que te prestou depois do

disparo?

Uma nova onda de calor invadiu Catherine.

—Pressionou a ferida até que chegou o médico.

—Excelente. Está claro que sabe algo sobre como tratar feridas. —Abriu ainda mais os

olhos— Oh não me diga que o medico te examinou, ali mesmo no salão!

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—Não. —«Maldição, que calor faz aqui dentro.» Consciente de que Genevieve terminaria

por lhe tirar toda a informação, Catherine a olhou diretamente nos olhos e disse com sua melhor

voz evasiva—: O senhor Stanton foi tão amável de me levar nos braços ao dormitório de meu pai

para me tirar dos olhos curiosos de outros convidados.

—Ah, e, além disso, é um homem de discrição - disse Genevieve com uma inclinação de

cabeça— E suponho que percebeu que não possui um ofensivo aroma corporal enquanto te levava

em seus braços.

—Sim.

—E, obviamente, é um homem forte.

Catherine lançou a sua amiga um olhar malicioso.

—Não está insinuando que peso mais do que devo?

A musical risada de Genevieve surgiu de repente.

—É obvio que não. Simplesmente me referia que só um homem forte pode levar uma

mulher nos braços do salão ao quarto, viagem que naturalmente inclui a subida pelas escadas,

enquanto mantém a pressão sobre sua ferida. Realmente impressionante. É homem de fortuna

pessoal?

—Nunca perguntei.

Genevieve sacudiu a cabeça.

—Querida minha, estou segura de que deve ter alguma idéia. Como é sua roupa?

—Muito refinada. Cara.

—Sua residência?

—Tem uma casa em Chesterfield. Não conheço sua condição posto que, naturalmente,

jamais lhe visitei.

—Uma elegante parte da cidade - disse Genevieve— Até agora, soa muito interessante.

—Interessante? Para que?

A expressão inocente de Genevieve era comparável a de um anjo.

—Para que te ajude, naturalmente.

—Uma fortuna e roupas de bom corte não são suficientes. É um perito esgrimista e um

grande pugilista, e bastante musculoso, sua presença é ameaçadora. É tudo o que preciso.

—Naturalmente, está certa. Sendo pugilista. Suponho que tenha varias cicatrizes e que

tenha quebrado alguns ossos no passado. Lastimável. —Genevieve soltou um suspiro— Devo

entender que é um homem sem atrativos?

Os dedos de Catherine brincaram com o cordão de veludo de sua saia.

—Bom, se tiver que lhe fazer justiça, não diria isso.

—Oh? E o que diria então?

«Que esta conversa mudou e ficou incômoda.» Veio-lhe à cabeça uma imagem do senhor

Stanton, sentado diante dela na carruagem, com seus olhos escuros fixados nos nela e um sorriso

zombador aparecendo em seus lábios. Esclareceu a garganta.

—Embora o senhor Stanton não seja possuidor de uma beleza clássica em nenhum dos

sentidos, acho que certa classe de mulher possa lhe achar... não desagradável.

—Que classe de mulher?

«Toda mulher que viva e respire.» As palavras brotaram de improviso em sua mente,

horrorizando-a. Céus, estava perdendo o controle.

—Não saberia te dizer - disse muito mais rígida do que era sua intenção— Possivelmente

as míopes?

Desgraçadamente, Genevieve fingiu não perceber o tom enrijecido de sua resposta.

—Oh, querida. Pobre homem. E qual é exatamente o aspecto do senhor Stanton?

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—Seu aspecto?

A preocupação apareceu nos olhos de Genevieve.

—Querida, está segura de que o golpe que levou na cabeça não é mais sério do que

acredita? Seu comportamento está estranho.

—Estou bem. —Soltou um suspiro— O senhor Stanton é... tem... «Tem atraentes olhos

escuros, que me obrigam a afastar o olhar. Um sorriso lento e cativante que, por alguma razão

doentia, faz com que o meu coração acelere simplesmente ao pensar nele. Uma maxilar forte e essa

preciosa boca que parece firme e ao mesmo tempo deliciosamente suave. Cabelo escuro e sedoso,

com algumas mechas caindo sobre a testa, que me dá vontade de tocá-los e colocá-los no lugar...»

—Tem o que, querida?

A voz de Genevieve tirou Catherine de seu sonho com um sobressalto. Meu Deus, sem

dúvida acabava de perder por completo a noção. Possivelmente o golpe na cabeça foi mais forte

do que imaginava.

—Tem o cabelo escuro, os olhos escuros e um... é... sorriso bastante agradável. —Sua

consciência resistiu para ouvir de seus lábios a morna descrição de «agradável» do sorriso do

senhor Stanton.

—Então, é um homem de aspecto bastante comum.

Comum? Catherine tentou aplicar a palavra ao senhor Stanton e sua intenção foi

espetacularmente fracassada. Antes que pudesse pensar em uma resposta, Genevieve continuou.

—Bom, possivelmente seja melhor assim. Está aqui para te proteger. Se você se sentisse

atraída por ele, possivelmente acabaria tendo uma ligação maior com ele, e isso traria

complicações que poderiam lhe distrair de suas funções.

—Posso te assegurar de que uma ligação com o senhor Stanton, ou com qualquer outro

homem, agora que menciona, é a ultima coisa que tenho em mente.

Genevieve sorriu.

—Nesse caso, graças a Deus que você não acha ele atraente.

—Sim, graças a Deus.

Entretanto, inclusive enquanto essas quatro palavras saíam de seus lábios, ouviu sussurrar

a sua voz interior quatro palavras por iniciativa própria.

«Mentirosa, mentirosa, mentirosa, mentirosa.»

Capítulo 6

Poucos são os homens que se mostram resistentes a dar a uma mulher o que ela quer se

for suficientemente atrevida para pedi-lo. Além disso, muitos homens desprezam excelentes

idéias só por ter sido sugeridas por uma mulher. Assim, a forma mais simples para que a

mulher moderna atual consiga o que quer é levar ao cavalheiro em questão acreditar que a idéia

foi dele, e não dela.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Andrew apoiou os ombros contra o suporte de mármore branco da lareira do salão e fez o

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que pôde para não lançar um olhar irado ao arranjo floral que dominava a sala. Sem dúvida, não

teve êxito em seu intento (ou isso, ou possivelmente Spencer fosse clarividente), porque o menino

disse:

—Espantoso, não acha?

Andrew voltou o olhar a Spencer, que estava sentado em um fofo sofá de brocado junto à

lareira. A atenção do menino estava concentrada no trio de tortas de frutas que sobraram na

bandeja de prata que Milton lhes tinha servido com o chá.

—Espantoso - concordou Andrew— Quem quer que tenha enviado este arranjo esvaziou

todas as floriculturas da cidade.

—O duque de Kelby - disse Spencer, agarrando uma torta coberta de morangos da

bandeja— Horrívelmente rico, embora estou certo de que as flores procedem de sua própria

estufa, e não de nenhuma floricultura local.

Maldição. O duque, com essa cara de carpa, era um homem muito rico. E com sua própria

estufa.

Antes que Andrew pudesse acrescentar algum comentário, Spencer o olhou com uma

expressão de preocupação.

—Minha mãe está bem?

Andrew ficou receoso.

—A que se refere?

—Parecia preocupada. Aconteceu alguma coisa em Londres que a tenha perturbado?

Demônios. Não desejava mentir para o menino, mas não podia esquecer que Catherine lhe

tinha pedido que não mencionasse o tiro.

—Acredito que a viagem de volta a Little Longstone a esgotou - disse com cautela.

O alívio que mostrou Spencer era claro, e Andrew se sentiu como um cretino de primeira

classe por não ter sido sincero com ele. Bem sabia Deus que tinha mentido em inumeráveis

ocasiões ao longo de sua vida sem nem piscar, mas não lhe agradava mentir para aquele jovem.

Estava ansioso para mudar a conversa e não desejava ter que dizer mais mentiras, assim

perguntou:

—Me diga que tipo de homem é o duque?

—Não saberia dizê-lo. Mas parece uma carpa. Diria que ficaria bem em seu museu com o

resto das relíquias. —Spencer colocou a metade da torta na boca com uma enorme e entusiasmada

dentada, Andrew teve que reprimir um sorriso. Engoliu e a seguir acrescentou—Mas não só

parece uma carpa. É que não gosta de minha mãe.

—E como sabe você isso?

Spencer sacudiu a cabeça, assinalando a monstruosidade floral.

—Porque lhe enviou essas flores. Minha mãe odeia esse tipo de presentes grandes e

ostentosos. Se conhecesse minha mãe, saberia que ela teria preferido uma só flor.

Andrew tomou mentalmente nota dessa útil informação e, enterrando a culpa que sentia ao

se ver interrogando Spencer, perguntou:

—E do que mais a sua mãe gosta?

Spencer enrugou a cara, concentrado na resposta.

—Coisas de meninas - disse por fim.

—Coisas de mulheres?

—Sim. Você entende: vestidos, laços, flores e demais. Mas singelas. Não como isso -

acrescentou, mostrando de novo o enorme arranjo.

Humm. Não estava sendo de muita ajuda.

—Que mais? Suponho que também as jóias.

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Spencer negou com a cabeça.

—Não, ou pelo menos não muito. Não acredito, porque quase nunca usa. A mamãe gosta

de animais, passear pelo jardim, cuidar de suas flores, banhar-se nas águas e os morangos. Adora

morangos. —Colocou outra metade da torta na boca e sorriu— Eu também.

Andrew sorriu também.

—Já somos três. —inclinou-se para a mesa e se serviu de uma torta de morangos.

—Bom, me alegro de que o duque não saiba o que gosta a mamãe - disse Spencer, cuja

expressão recuperou a seriedade—, nem ele nem nenhum dos outros cavalheiros que estão

tentando ganhar seu amor. Não precisa deles. Não precisamos de ninguém. —Olhou para seu pé

aleijado e contraiu o maxilar. Andrew sentiu um aperto no coração diante das mil afrontas que viu

atrás dos olhos de Spencer.

—Quem dera pudesse fazer com que levassem suas flores, seus convites e seus presentes e

que deixassem em paz a mamãe - disse Spencer com um evidente tremor em sua apaixonada

voz— Quem dera fosse forte e soubesse brigar. Como você. Assim a deixariam em paz.

—Eu brigo contra outros cavalheiros no boxe - disse Andrew com suavidade— Não tenho

por costume sair por aí dando murros nos duques no nariz... nem sequer quando enviam

espantosos arranjos florais. «Naturalmente, essa é uma política sensível a algumas mudanças...»

Spencer não respondeu com o sorriso que Andrew tinha esperado dele.

—Tio Philip diz que também é você um ótimo esgrimidor.

—Não sou mau.

—Tio Philip disse que você o venceu, e ele é muito bom. —Antes que Andrew pudesse dar

uma resposta, Spencer prosseguiu— Quem lhe ensinou a brigar com os punhos?

—Meu pai me deu algumas lições... depois de chegar em casa uma tarde sangrando pelo

nariz, com o lábio inchado e os dois olhos roxos. Temo que o resto aprendi de maneira pouco

agradável.

Spencer ficou literalmente boquiaberto.

—Alguém lhe pegou?

—«Pegar» é quase um eufemismo se você se refere à tremenda surra que levei.

—E quem lhe fez uma coisa assim? E por que? Não tinham medo de você?

Andrew riu.

—Dificilmente. Naquele tempo só tinha nove anos e era mais fracote do que possa

imaginar. Voltava para casa depois de uma bem-sucedida tarde de pesca no lago quando dois

meninos do bairro me atacaram. Teriam mais ou menos minha idade, mas eram mais fortes do

que eu. Depois de me deixar os olhos roxos, tiraram-me a pesca.

—Agora não fariam algo semelhante - disse Spencer.

—Sem dúvida daria muito mais trabalho que naquele tempo—disse Andrew.

—Voltaram a fazê-lo?

—Oh, sim. Esperavam-me todas as semanas no mesmo lugar, quando voltava para casa do

lago. Mudei de caminho, mas rapidamente se deram conta da manobra. Durante vários meses me

amarguraram a vida. —de repente voltaram às lembranças vergonhosas dos dias que voltava para

casa sem o pescado que seu pai tinha mandado pescar. A humilhação de chorar de dor e de

frustração diante dos meninos, apesar de seus impetuosos esforços para conter. Seu pai lhe

olhando com olhos penetrantes, embora tranqüilos, dizia-lhe: «Quantas vezes mais vai permitir

que esses patifes te batam e roubem nosso jantar, filho?» Limpando o sangue do nariz com o dorso

da mão e contendo as lágrimas, respondia. «Nenhuma papai. Não vão me bater da próxima vez.

“Ensine-me, como quebrar a cara deles...».

—E o que aconteceu então?

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Andrew piscou e a lembrança se desvaneceu como pela vontade de uma suave brisa.

—Aprendi a brigar. A me proteger. E fui eu quem lhes tirou sangue do nariz. Só tive que

fazer uma vez.

Os lábios de Spencer se fecharam com força, desenhando uma fina linha.

—Aposto que seu pai ficou orgulhoso de você quando conseguiu bater nos meninos.

A dor implícita nessas palavras era evidente, e Andrew sentiu pena por aquele jovem cujas

feridas eram obviamente muito profundas e que, apesar de contar com todo o amor de sua mãe,

ainda desejava o amor e a aceitação de um pai.

—Meu pai ficou orgulhoso, sim—disse Andrew com suavidade, negando-se a reconhecer o

nó de emoção que ameaçava a fechar sua garganta— E muito aliviado ao ver que não voltaríamos

a perder nossa pesca.

—Por que seu pai não foi com você ao lago para impedir que os meninos te batessem?

—Bom, naquele tempo, eu também fiz a mesma pergunta. E nunca esqueci sua resposta.

Disse-me: «Filho, um homem não deixa nunca que outro brigue suas batalhas. “Se outro tiver que

lutar por seu orgulho, então nada te pertence». - Andrew sorriu— Meu pai era um homem muito

sábio.

—Era?

Andrew assentiu.

—Morreu quando fiz dezesseis anos.

A solene expressão de Spencer indicou que compreendia a sensação de perder um pai.

—E pensa nele... frequentemente?

Por seu tom, era óbvio que a pergunta era séria para Spencer, de modo que Andrew

pensou bem antes de responder.

—Quando morreu, pensava nele constantemente. Tentava não fazer, me obrigava a não

fazer, trabalhando mais, tentando esgotar meu corpo e minha mente para não pensar nele, porque

quando fazia... doía. Era meu melhor amigo. Eu só tinha a ele e ele só tinha a mim.

—Onde estava sua mãe?

—Morreu, quando eu nasci.

—Assim seu pai e você estavam sozinhos - murmurou Spencer— Como minha mãe e eu.

—Sim, suponho que era assim. À medida que passaram os anos, a dor de sua morte foi

diminuindo. É como uma faca que esta perdendo o corte, mas ainda pode cortar. Ainda penso nele

diariamente... mas agora já não me dói tanto.

—Como morreu?

Outra imagem cintilou na mente de Andrew, lhe enchendo de uma dor aguda, e se deu

conta de que não tinha sido totalmente sincero com Spencer ao lhe dizer que, com o tempo, a dor

da ausência tinha diminuído.

—Se afogou. Uma noite, uma densa névoa cobriu o lago enquanto ele estava no barco, e se

desorientou, caindo na água. —A emoção secou sua garganta— Apesar de ser um homem forte e

enérgico, capaz de fazer mil coisas, não sabia nadar.

—Sinto muito.

—Eu também.

O olhar de Spencer voltou a se deslocar até seu pé aleijado e, durante quase um minuto, o

único som que encheu a sala foi o tic tac do relógio que estava sobre o suporte da lareira. Por fim,

levantou os olhos.

—Curioso que a única coisa que seu robusto pai não sabia fazer seja precisamente a única

coisa que eu sei fazer.

—Pode fazer muitas mais coisas além de nadar, Spencer.

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Este negou com a cabeça.

—Não. Não posso fazer esgrima. Nem brigar. Nem montar a cavalo. —E sua voz

demonstrou uma crítica amarga e resignada que partiu o coração de Andrew— Não posso fazer

nada disso. Por isso meu pai me odiava.

Andrew se sentou ao seu lado. Inclinando-se para frente, apoiou os cotovelos em seus

joelhos separados e juntou as mãos, tentando encontrar as palavras certas. Desejava negar a

afirmação do menino e lhe assegurar que seu pai o tinha querido, mas Spencer não era nenhum

menino, e sem dúvida era muito inteligente para aceitar um argumento tão vazio como esse.

Andrew voltou a olhar para o garoto e disse:

—Sinto que sua relação com seu pai fosse tão distante e que ele não visse o maravilhoso

jovem que é. Sem dúvida ele o perdeu, e foi sua decisão... decisão que de modo algum deve fazer

mal a você.

A surpresa e a gratidão faiscaram nos olhos de Spencer, mas logo mudou.

—Mas não teria me odiado se eu fosse como os outros meninos.

—Engano seu Spencer. Julgar uma pessoa pelo seu aspecto externo é uma pobre medida

para se julgar uma pessoa. Só porque alguém é bonito ou porque não tenha imperfeições físicas

isso não significa que possua integridade ou um bom caráter. Essas são as coisas pelas que temos

que julgar uma pessoa.

Spencer afastou o olhar e tirou a jaqueta.

—Antes todos pensassem assim, senhor Stanton.

Andrew pensou durante alguns segundos, e logo cedeu a sua simpatia e deu uma palmada

no ombro de Spencer no que esperava que fosse entendido como um gesto de consolo.

—Eu sim. Mas, infelizmente, não podemos controlar os atos dos outros. Nem suas

palavras. Só os nossos. E se engana Spencer. Claro que pode fazer essas coisas. Se realmente

desejar.

Spencer olhou-o com olhos que eram muito jovens para dar vazão a toda dor e o cinismo

que tinha em seu interior.

—Não, não posso.

—Tentou alguma vez?

Uma risada amarga escapou dos lábios do menino.

—Não.

—Meu pai, que, como já sabemos, era um homem muito sábio, não deixava de me repetir:

«Filho, se sempre fizer o que sempre tem feito, sempre estará onde está». —Andrew manteve o

olhar fixo em Spencer— É isso o que quer? Dizer sempre que não pode fazer as coisas que quer

fazer?

—Mas como posso fazer? Não esta vendo isto? —perguntou, destacando o pé com o dedo.

—Claro que vi. Mas não te impediu de andar. Nem nadar. Tem o pé disforme, mas não a

mente. Não estou dizendo que espere se converter no melhor esgrimidor ou cavaleiro da

Inglaterra, só estou dizendo que deve ser o melhor que pode. Diga-me, qual é sua comida

favorita? A que você mais gosta?

O menino pareceu confundido diante a repentina mudança de tema, mas respondeu:

—As tortas recém assadas com geléia de morango que prepara a cozinheira.

—Como sabe que são suas favoritas?

—Porque as provei... —Sua voz se apagou assim que a compreensão lhe iluminou os olhos.

—Exato. Não teria descoberto sua comida favorita se não tivesse provado. Eu não saberia

que podia vencer os meninos se não tivesse tentado. Se não tivesse desejado fazer. Se não tivesse

determinação. A única coisa que te impede de fazer as coisas que quer fazer é você mesmo,

Page 49: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Spencer. Pensar que não pode.

Uma combinação de dúvida, confusão e esperança se acendeu em seus olhos.

—Você acredita que posso?

—Sei que pode.

—Você me ensina?

—Só tem que me pedir

—Mas... e se fracasso?

—Só pode fracassar se não tentar. Se não der esse primeiro passo, nunca saberá até onde

pode chegar. Se pelo menos tentar, já esta triunfando.

— Essas palavras também são de seu pai?

—Não. Estas são lições que ganhei quando tive que aprender por mim mesmo. Lições que

ninguém se ofereceu a me ensinar.

—Como você se está oferecendo a me ensinar.

—Sim.

Spencer franziu a testa. Por fim, disse:

—A mamãe não vai gostar de saber. Terá medo de que me faça mal. - Uma sombra

vermelha apareceu em seu rosto— Na verdade é que possível também que me dê um pouco de

medo.

—Iremos muito devagar. Em grande parte é uma questão de equilíbrio, e tenho um montão

de idéias que podem te ajudar com isso. E se, em qualquer momento, quiser pôr fim às lições,

assim faremos.

O menino inspirou fundo.

—Quando podemos começar? —perguntou Spencer— Amanhã?

—De acordo.

—Será melhor enquanto a mamãe não estiver - disse o jovem, baixando a voz até um tom

conspirador— Sugiro que o façamos depois do café da manhã. É então quando se tranca uma hora

em seu quarto para ver sua correspondência.

—Feito.

—Depois da lição, eu te levarei às águas termais. Vai ser muito saudável, a gente se

encharcar de água depois do exercício.

Andrew conseguiu esboçar um débil sorriso.

—As águas termais. Sim, parece fantástico.

Fez outra rápida anotação mental: inventar algo logo após a lição para não ir às águas

termais. Não tinha a menor intenção de aproximar-se da água. «Tal pai, tal filho...»

Capítulo 7

A mulher moderna atual não deveria ter medo de tomar a iniciativa ao fazer amor. Tocar

a seu amante enquanto fazem amor. Apesar de que em princípio ele pode expressar surpresa

ante um comportamento tão direto, confia em sua determinação que sairá com resultados muito

satisfatórios.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Page 50: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Charles Brightmore

Catherine chegou a casa após visitar Genevieve muito inquieta. Sua conversa sobre o

senhor Stanton e o disparo que tinha recebido, estava mais que perturbada.

Depois de entregar a Milton seu chapéu e seu xale, perguntou:

—Chegou alguma mensagem de meu pai?

—Não, senhora.

Demônios. Teve que engolir a decepção antes de perguntar:

—Onde está Spencer?

—Desfruta de sua sesta da tarde.

—E o senhor Stanton? —Apertou os lábios, profundamente contrariada ao perceber que o

coração acelerava ao pronunciar seu nome.

—A última vez que o vi se dirigia a seu dormitório, acho que foi descansar antes do jantar.

Deseja que lhe prepare o chá, senhora?

—Não, obrigado. —Sem dúvida se sentia aliviada, e não desiludida, ao ficar sabendo que o

senhor Stanton não estava visível— Faz um tempo delicioso e, como tomei a carruagem para

visitar a senhora Ralston, vou até os estábulos para ver como está Fritzborne. —Seu ajudante feriu

a mão arrumando o telhado do estábulo pouco antes dela partir para Londres— Como está?

—Voltou a ser o mesmo de sempre, embora eu acredite que o ar que rodeia o estábulo

ainda conserva as palavras que soltou quando amassou o polegar com o martelo.

Catherine sorriu, imaginando muito bem a cena de Fritzborne. Saiu da casa e pegou o

caminho cruzando o grama para os estábulos. O sol do final da tarde beijava o céu, dourando as

nuvens brancas como um lençol de vívidas laranjas e ouros. Inspirou fundo o quente aroma de

flores que impregnava o ar, permitindo que a paz a enchesse de tranqüilidade.

Entretanto, sentiu que a calma que procurava e que sempre encontrava naquele lugar a

evitava. Obviamente, o disparo seguia perturbando sua paz interior. Um pouco mais de tempo em

casa, rodeada pelo Spencer, do ambiente familiar e das coisas que amava, ajudaria a recuperar o

equilíbrio.

As enormes e desgastadas portas de madeira do estábulo estavam totalmente abertas.

Depois de cruzar a soleira, ficou vários segundos de pé na porta, piscando para adaptar a vista à

penumbra em que estava o interior do recinto. O murmúrio de uma voz grave chegou a seus

ouvidos do canto mais afastado, onde Vênus tinha seu estábulo, seguida por um suave relincho.

Nos lábios de Catherine se desenhou um suave sorriso ao perceber o familiar som de sua égua

favorita quando a escovavam. Se dirigiu para ali, antecipando o bate-papo com Fritzborne. Os

fortes aromas do feno fresco, o couro e o pelo de cavalo esquentado pelo sol enchiam sua cabeça,

aliviando de todas as suas tensões.

Entretanto, quando se deteve diante do estábulo, ficou gelada. Não pôde desviar o olhar da

cena que presenciavam seus olhos.

Não era Fritzborne e sim o senhor Stanton quem estava de pé no estábulo, escovando a

Vênus com movimentos largos e firmes. O senhor Stanton, tinha tirado a jaqueta e a gravata,

arregaçado a camisa, revelando alguns músculos dos braços que se flexionavam de um modo

absolutamente fascinante cada vez que passava a escova pelo lombo de Vênus. O senhor Stanton,

vestido com calças de montar de cor bege que se ajustava a suas largas pernas de um modo que

fez a boca Catherine secar.

O suor tinha desenhado um risco na camisa branca de linho que se esticava seus largos

ombros, descendo até o centro de suas costas. Tinha o cabelo revolto e as mechas escuras lhe

caíam sobre a testa com cada movimento. Embora lhe visse total e absolutamente depravado por

Page 51: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

alguma razão que Catherine não conseguia adivinhar, a palavra que apareceu em sua cabeça foi

«fascinante».

Qualquer pingo de serenidade que tinha conseguido recuperar se dissipou como o vapor.

Ficou onde estava, parada, percorrendo com o olhar o corpo de Andrew de um modo que teria a

deixado horrorizada - e que, de fato, horrorizou-a—, embora não o suficiente para ameaçá-la a

deixar de olhar.

A visão das mãos fortes e dos dedos largos acariciando a Vênus enquanto sua voz grave

murmurava palavras tranqüilizadoras encheu Catherine de um desejo que a assustou por sua

intensidade. Tinha que partir dali...

Andrew levantou os olhos e os olhares de ambos se encontraram. As mãos dele se

detiveram e para Catherine pareceu que seus olhos se obscureciam. Uma onda de calor a invadiu

ao se ver presa em seu intenso olhar e logo conseguiu se conter para não passar o dorso da mão

pela testa. E que demônios acontecia com seu estômago? Sentia uma sensação tão estranha... era

óbvio que tinha comido algo que não lhe sentará bem.

—Lady Catherine. Não sabia que estava aqui.

—Eu... acabei de chegar.

Andrew deixou a escova no chão e se aproximou dela devagar. Os dedos dos pés de

Catherine se encolheram em seus sapatos e teve que obrigar-se a não se virar e fugir de sua

presença, uma sensação que a incomodou. Bom, ao menos agora estava incomodada Sem dúvida

era melhor, e muito mais seguro que... não sentir-se incomodada.

—Onde está Fritzborne? —Meu Deus. Ela estava rouca?

—Levou Afrodite para correr. Seus cavalos têm nomes românticos.

—Eu gosto de mitologia. Milton me disse que você estava em seu quarto.

—Eu estava, mas só o tempo suficiente para trocar de roupa. Precisava de um pouco de ar

fresco.

Uma sensação que ela podia entender muito bem, sobre tudo porque tinha a impressão de

que alguém tinha deixado os estábulos sem ar.

Andrew abriu a porta do estábulo e sorriu.

—Deseja unir-se a nós?

Mesmo quando sua cabeça lhe dizia para que recusasse a oferta de Andrew, os pés de

Catherine se moveram para frente. Entrou no estábulo e passou a mão pelo focinho acetinado de

Vênus. O cavalo relinchou e se encostou afetuosamente contra sua palma.

—É um belo animal - disse o senhor Stanton, voltando a pegar a escova.

—Obrigado. Já a montou?

—Sim. Espero que não se importe.

—Claro que não, ela adora correr.

O silêncio se instalou entre ambos e Catherine observou enquanto ele passava a escova

pelo brilhante lombo castanho da égua. Sua atenção ficou presa na musculatura de seus braços e

na forma em que a camisa se esticava sobre seu peito com cada prolongado movimento.

—Como foi à visita a sua amiga?

O olhar de Catherine retornou bruscamente ao de Andrew e experimentou a inquietante

sensação de que ele era consciente de que ela estava lhe observando.

—Bem. E você como foi com o Spencer?

—Maravilhosamente bem. É um jovem excepcional.

Não havia a menor falsidade em sua voz nem em seus olhos, e parte da tensão desapareceu

dos ombros de Catherine. Enquanto passava os dedos entre a crina castanha de Vênus, sorriu a

Andrew por cima do lombo do cavalo.

Page 52: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Obrigado. Estou muito orgulhosa dele.

—E assim deve ser. É muito inteligente e mostra uma notável maturidade.

—Tem se destacado nos estudos. Seu tutor, o senhor Winthrop, está em Brighton, visitando

sua família, como costuma fazer durante um mês todos os verões. Entretanto, inclusive durante

sua ausência, Spencer lê com avidez. Quanto a sua maturidade, suponho que em parte se deve ao

fato de que passa todo seu tempo em companhia de adultos.

Catherine lhe olhava ao falar, reparando que Andrew não desperdiçava um só movimento

nem mesmo quando uma capa de suor umedecia sua pele, não dava mostra alguma de fadiga.

—Vênus está acostumada a se mostrar assustada com os desconhecidos - disse— Sem

dúvida você sabe lidar com cavalos.

—Certamente porque passei minha juventude trabalhando em estábulos.

Catherine piscou diante aquela nova notícia.

—Não sabia.

Ele a olhou e ela teve que apertar as mãos para evitar afastar o sedoso cabelo, negro como o

ébano, que caia sobre sua testa. Maldição, não podia ser tão atraente. Se fosse ela que estivesse

suada, com a roupa enrugada, despenteada e cheirando a cavalo, ninguém a teria achado atraente.

—Há muitas coisas que não sabemos um do outro, lady Catherine - disse Andrew com

suavidade.

Sua voz, suas palavras fluíram sobre ela como o mel, enchendo-a com a inquietante

percepção de que ele estava certo. E com a percepção ainda mais inquietante de que desejava

saber mais coisas dele. Tudo. Nem sequer tinha parado para pensar em como teria sido sua vida

na América do Norte. Estava claro que Andrew era de origem humilde e tinha trabalhado em um

estábulo. Embora isso não fosse nada interessante. E, obviamente, ele tinha família ali. Amigos.

Mulheres...

Algo que, novamente, não deveria perturbá-la, mas que perturbava.

—Tenho a esperança de que possamos nos conhecer melhor durante minha estadia aqui -

acrescentou.

De repente, Catherine teve a alarmante e perturbadora consciência de que ela também

tinha a mesma esperança. Adotando seu tom mais animado, disse:

—Mas já nos conhecemos melhor, senhor Stanton. Até agroa sabemos que temos muito

pouco em comum e que temos opiniões opostas sobre um bom número de assuntos.

Em vez de mostrar-se ofendido, Andrew sorriu.

—Que visão tão pessimista, lady Catherine. Entretanto, por muito que você prefira ver a

garrafa meio vazia, eu prefiro vê-la meio cheia. Embora nossas preferências literárias possam não

ser as mesmas...

—São drasticamente opostas.

Andrew inclinou a cabeça em sinal de acordo.

—Ambos gostamos de ler. E estamos de acordo que seu filho é um jovem encantador. E

que Vênus é uma égua excepcional.

—Sim, bem, estou certa de que também podemos concordar que o céu é azul, a erva é

verde, e meu cabelo castanho.

—De fato, neste preciso instante, o céu está salpicado de vermelho e ouro, esmeralda seria a

cor que melhor descreveria a erva, e quanto a seu cabelo...

Sua voz se apagou e seu olhar se moveu para o cabelo de Catherine, de repente consciente

do fato de que tinha saído de casa sem seu chapéu.

—A deliciosa cor castanha de seu cabelo, a riqueza dos intensos dourados e dos sutis

vermelhos misturados entre as mechas não merece conformar-se com tão simples descrição. —

Page 53: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Devagar, estendeu a mão e um acalorado formigamento de antecipação a percorreu por inteiro. Os

dedos de Andrew roçaram o cabelo justamente por cima da orelha, lhe cortando o fôlego.

—Exceto isto - disse, sustentando uma parte de feno entre os dedos— Isto sim pode

descrever-se como marrom, embora eu devo lhe dizer que acredito que muitas mulheres preferem

decorar seus cabelos com laços.

Catherine conteve o fôlego e apertou os dentes, chateada, embora não soube decidir se

estava mais zangada com ele por havê-la desconcertado como tinha feito, ou com ele por não

parecer nenhum pouco desconcertado. Enfim, estava claramente irritada com ele e tinha dois

motivos para está-lo.

—E—acrescentou ele—, é evidente que ambos compartilhamos o amor pelos cavalos... ou

não é assim?

—Não nego que os adoro - respondeu Catherine com um olhar malicioso— Os cavalos

nunca discutem conosco.

—Certo. —Rodeou a Vênus até ficar de pé junto a ela. Catherine inspirou fundo e

percebeu uma agradável essência de sândalo.

—Nossa última conversa parece ter terminado... de forma incômoda, - disse Andrew—e me

sinto mal por isso. Podemos assinar uma trégua?

Céus, Catherine não tinha a menor intenção de assinar nenhuma trégua. Desejava

recuperar toda a irritação que tinha sentido por ele, que era melhor do que essa acalorada e quase

dolorosa consciência de sua presença. De sua força. De sua altura. De seus atraentes olhos. E desse

aspecto descuidado, com a forte e bronzeada coluna de seu pescoço visível depois de haver tirado

a gravata.

Em que momento a relação entre ambos tinha dado esse giro inquietante? Embora

Catherine não soubesse, desejava poder voltar a percorrer esse caminho e evitar o desastroso giro

que de algum modo ela tinha tomado.

—Lembro de ter pedido algo similar - disse.

—Sim. Embora suspeitasse que na realidade o que estava me pedindo era uma rendição

total.

—E é isso o que deseja senhor Stanton? Minha rendição total?

Algo faiscou nos olhos de Andrew.

—Está me oferecendo isso, lady Catherine?

Andrew não se moveu. Ainda assim, Catherine teve a impressão de que ele se aproximou

dela, por isso deu um involuntário passo para trás. Logo outro. Sua costa encostou contra a tosca

parede de madeira.

—A mulher moderna atual não se rende senhor Stanton. Se a ocasião requerer, ela pode

pensar no assunto.

—Já vejo. Mas só se a ocasião requerer.

—Exatamente.

—Muito bem. —Deu um passo adiante, detendo-se há poucos centímetros dela. Olhou-a

de cima com os olhos famintos de algo que ela não conseguiu decifrar, junto com um véu de

inconfundível diversão.

Diversão? Que homem irritante. Como ousava mostrar-se divertido quando ela estava tão...

pouco divertida? Zangada. E, maldição, sem fôlego por causa de sua proximidade. Encostou-se

ainda mais à parede, embora compensasse sua covardia levantando o queixo.

Andrew estendeu a mão, tomando a dela na sua, e o fôlego de Catherine retrocedeu em sua

garganta ao notar o contato de sua pele com a dele. Detectou a aspereza dos calos e reparou que

nunca tinha sido tocada por mãos tão... mãos que não mostravam a suavidade das de um

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cavalheiro. Sua própria mão parecia pálida, pequena e frágil contra a bronzeada força da dele, seu

tato embora forte, era de uma infinita suavidade, como se ele levasse sua mão aos lábios.

—Não me lembro ter visto uma rendição elegante, lady Catherine. Desejo presenciá-la...

caso a ocasião se apresente. —As palavras sussurraram sua mensagem sobre a pele de Catherine,

paralisando-a com um golpe de calor. Com seu olhar preso no dela, Andrew lhe deu um beijo

quente nas pontas dos dedos.

«Oh, Deus.» A sensação de sua boca ao entrar em contato com seus dedos lhe enviou uma

descarga de prazer em estado puro pelo braço. Antes de poder recuperar a respiração, Andrew

baixou sua mão e a soltou e ela apertou os lábios para ocultar sua desilusão.

Seu contato era... delicioso. Suave, embora com uma intensidade que a fez sentir como se

tivesse a saia do vestido em chamas. Fazia muito tempo que um homem não a tocava. Não tinha

sentido falta disso até esse instante. E jamais o contato com um homem tinha inspirado nela

semelhante onda de calor... Meu Deus devia pôr fim a isso. Discretamente, limpou os dedos no

vestido com intenção de apagar de sua pele a provocadora sensação dos lábios de Andrew.

—Não posso imaginar que uma situação semelhante a essa possa chegar a se apresentar,

senhor Stanton.

Andrew sorriu.

—A esperança é a última que morre lady Catherine.

Ora. Sem dúvida, o melhor que Catherine podia fazer era se retirar e desaparecer de sua

perturbadora presença.

—Se me desculpar, senhor Stanton... —virou-se e se dirigiu para a porta do estábulo— Te

vejo na hora do jantar.

Em vez de se limitar a deixá-la partir, Andrew estendeu a mão e segurou a porta aberta do

estábulo. Decidida a não deixar que ele arruinasse sua saída perfeita, Catherine passou entre a

abertura como um navio a toda velocidade.

Imediatamente ele estava caminhando a seu lado.

—Já terminei de escovar a Vênus e, já que há algo que eu gostaria de falar com você, ficaria

encantado em acompanhar você até a casa.

Catherine mordeu a parte interna das bochechas. Não tinha o menor desejo de discutir

nada com esse homem chato.

Importuno. Imediatamente, Catherine se iluminou. Sim, era um homem importuno.

Irritante. Não podia encontrar nada de atraente em um homem assim. Não, é obvio que não.

Possivelmente deveria ter com ele uma conversa sobre o Guia e assim não esquecer o quanto

irritante e importuno ele era. Para recordá-lo do pouco que tinham em comum. Porque,

constantemente parecia esquecê-lo.

Saindo a passo rápido dos estábulos, empreendeu apressadamente o caminho de volta a

casa, decidida a pôr em prática seu plano de retirada. Andrew não só caminhou a seu lado sem

maior dificuldade, mas também parecia simplesmente passear ao fazê-lo.

—Estamos atrasados? —perguntou.

—Atrasados?

—A julgar pela velocidade de seu passo, muito parecido com uma corrida, me perguntava

se estamos atrasados para o jantar.

—Eu adoro caminhar a passo rápido. É, humm, muito bom para a saúde.

—Sem dúvida se sente melhor. Dói-lhe o braço?

—Só um pouco. Do que queria falar comigo?

—Quando pensou em contar ao Spencer o ocorrido?

—Por que a pergunta?

Page 55: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Esta manhã ele me perguntou se algo a tinha preocupado em Londres. Sem dúvida

percebeu algo em seu comportamento.

—O que você disse a ele?

—Que a viagem até Little Longstone a tinha esgotado.

—O que não deixa de ser verdade.

—Sim, mas essa não é a verdade, e eu não gosto de mentir para ele. Queria saber quando

você pensa em contar a verdade, eu não gostaria de mencionar o incidente antes de você.

—Prefiro que não o mencione.

Catherine sentiu, e ignorou o peso de seu olhar.

—Não pretende contar a ele?

—Para quê? Ele só se preocuparia sem necessidade.

—Mas e se ficar sabendo por outras pessoas? Seu pai. Ou pelo Philip, a quem sem dúvida

seu pai já teria informado. Ou pela Meredith.

Maldição, ele tinha razão, e ainda por cima não era um assunto dele, o que só a chateou

ainda mais.

—Reconheço que a notícia deveria ser contada por mim... Escreverei ao meu pai e ao Philip

e lhes pedirei que não mencionem o incidente.

—Compreendo sua preocupação por seu filho, um sentimento sem dúvida admirável.

Mesmo assim, não acredita que Spencer prefere a verdade... sobre tudo tranquilizando,

garantindo que se recuperará de todo o ocorrido? Acredito que ele merece a verdade. Um jovem

às portas da puberdade não está acostumado ver com bons olhos quando o tratam como um

menino.

—Quando você se converteu em um perito em meninos, senhor Stanton? E em meu filho

especialmente?

—De fato, não sei nada de meninos, exceto que eu fui um, um dia.

—Assim considera que é a voz da experiência que fala?

—Sim, de fato é isso mesmo. E ninguém gosta quando recebe mentiras.

Catherine parou, girou sobre seus calcanhares para encarar ele e lhe dedicou seu olhar mais

frio.

—Agradeço sua preocupação e seu conselho não solicitado, realmente estou convencida de

que sei perfeitamente como dirigir esta situação. Spencer é meu filho, senhor Stanton. Você apenas

o conhece. Criei ele sozinha, e sem interferência alguma, desde o dia em que nasceu. Se eu contar

ao Spencer o que ocorreu, farei da minha maneira, quando desfrutarmos de um momento de

calma juntos para assim minimizar sua preocupação.

Andrew ficou quieto durante vários segundos. Ficou parado em pé com a brisa lhe

despenteando e o olhar fixo nela de um modo que fez Catherine desejar voltar e possivelmente

reconsiderar seu comportamento, embora temesse que não fosse o certo. Depois de tudo, por

acaso não estava vivendo uma mentira durante os últimos meses em relação ao Guia feminino? E

cada vez era mais consciente de que havia algo nesse homem que afetava seu comportamento de

um modo que ela não conseguia compreender. E não estava certa de que gostava disso.

Por fim, Andrew inclinou a cabeça.

—Spencer já estava preocupado com você. E me incomodou ter que evitar a questão com

ele. Lembro perfeitamente como foi difícil, passar por esta idade. Spencer já não é um menino,

embora também não seja um adulto. Na sua idade, eu sabia que era mais capaz do que os outros

acreditavam, e acredito que isso é o que ocorre com Spencer. Entretanto, peço desculpas. Não foi

minha intenção ofendê-la.

—Isso é verdade? Então suponho que você acha certo que me chamem de mentirosa? —

Page 56: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Catherine ignorou sua voz interior, que nesse momento lhe murmurava «é uma mentirosa».

—Não era minha intenção me referir a você nesses termos.

— Então qual era sua intenção?

—Simplesmente animá-la para que contasse o ocorrido. Com a maior rapidez possível.

—Muito bem, senhor Stanton. Considere-me informada. —Levantou então as

sobrancelhas— E agora, há mais alguma coisa que devemos conversar?

Andrew soltou um suspiro e passou uma mão pelo cabelo em um gesto de evidente

frustração. Bem. Por que demônios ela tinha que ser a única a ficar frustrada?

—Só não estou certo do motivo que levou outra conversa a virar uma nova discussão.

—Não vejo mistério nenhum nisso, senhor Stanton. Isso se deve ao fato de que você é

teimoso, irritante e sem dúvida incômodo.

—Uma afirmação que pode ser comparada como ouvir o lago chamar de «molhado» ao

oceano, lady Catherine.

Catherine abriu a boca para responder, mas ele pôs o dedo indicador sobre os seus lábios,

lhe cortando as palavras.

—Entretanto - acrescentou Andrew com suavidade ao mesmo tempo em que o calor de seu

dedo já esquentava os lábios dela—, além de considerá-la teimosa, irritante e absolutamente

incômoda, você é uma mulher inteligente, formosa e uma maravilhosa mãe, para não mencionar a

companhia deliciosa que encontro em você... pelo menos na maior parte do tempo.

Seu dedo se afastou devagar da boca de Catherine, que apertou os lábios para evitar

umedecê-los sem querer.

—Nos vemos na hora do jantar, lady Catherine. —lhe oferecendo uma formal inclinação de

cabeça, Andrew girou sobre seus calcanhares e caminhou para a casa, deixando-a com o olhar fixo

nele, literalmente sem palavras.

Nos lábios de Catherine ainda formigava a suave pressão do dedo de Andrew, e, agora que

ele não podia vê-la, tirou apenas a ponta da língua para saborear o ponto de calor.

Sentia-se ultrajada. Absolutamente. Quem era ele para lhe dizer como tratar a seu filho? Ou

para sugerir que ela era teimosa, irritante e absolutamente incômoda? E logo em seguida se

atrever a chamá-la de inteligente, bonita, mãe maravilhosa e deliciosa companhia... pelo menos na

maior parte do tempo? Sem dúvida, era um canalha de primeira classe. Um canalha que...

«Considera-me bonita.»

Um calafrio de prazer completamente inaceitável desceu pela sua espinha, e Catherine

soltou um suspiro prolongado e feminino que acreditava ter deixado para trás há muito tempo.

Levantou a mão para proteger os olhos contra as últimas frestas do sol poente e fixou o olhar no

traseiro de Andrew.

E, maldição, que traseiro atraente...

Viu-o subir os degraus de pedra que levavam ao terraço e, quando desapareceu pelas

portas que conduziam à casa, Catherine despertou de seu boquiaberto espanto e seguiu com

passos rápidos. Sentia uma urgente necessidade do efeito restaurador de uma boa taça de chá.

Sem dúvida seriam necessárias duas taças de chá para se recompor. Na verdade seriam

necessárias três.

Capítulo 8

A mulher moderna atual deve atuar ante a atração que sente para um homem. Mesmo

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assim, deveria reconhecer que é possível ser direta e discreta ao mesmo tempo. Um roçar

«acidental» com o corpo dele, um sussurro que só ele deve ouvir, sem dúvida captarão sua

atenção.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

—Conta, mamãe.

Catherine elevou repentinamente o queixo e seus olhos se encontraram com o olhar de seu

filho, sentado diante dela à mesa. Céus, quanto tempo tinha sumido em suas próprias reflexões,

com o olhar cravado no prato cheio de comida.

Piscou com a intenção de se desfazer da preocupação que tentava reprimir e forçou um

sorriso.

—Contar?

—Contar uma história daquelas «Antes não tivesse feito isso». —Spencer sorriu— Conte ao

senhor Stanton a história de quando ficou pendurada na árvore.

Apesar de seus esforços para continuar concentrada em Spencer, o olhar errante de

Catherine foi para o senhor Stanton. Por que não podia deixar de olhar para aquele homem?

Durante todo o jantar esteve olhando às escondidas disfarçadamente, incapaz de esquecer a

conversa que tinha tido sobre ele com Genevieve. Em vão tinha esperado a tarde inteira que

chegasse uma nota de seu pai comunicando que o culpado tinha sido pego, aliviando seu medo.

Assim que isso ocorresse, não haveria mais necessidade de que o senhor Stanton continuasse em

Little Longstone. Sua presença, cada vez mais perturbadora, poderia retornar a Londres e pôr um

ponto final a essa indesejada... ou seja, lá o que for. Sim, assim que ele partisse de sua casa,

Catherine o esqueceria.

Enquanto isso parecia impossível esquecê-lo principalmente quando ele estava sentado a

menos de um metro de distância, grande, masculino e incrivelmente atraente com sua jaqueta

marrom e a camisa branca imaculada. Os olhos escuros de Andrew a estudavam com uma

chamativa combinação de calor, interesse, diversão e algo mais que ela não conseguia definir. E

seja o quer, aquele algo mais, produzia nela um calor que se estendia até os dedos dos pés.

No rosto de Andrew se levantou uma sobrancelha escura.

—Pendurada em uma árvore? —repetiu— Acaba de despertar minha curiosidade, lady

Catherine. Por favor, deve compartilhar conosco essa história. Como teve tão desafortunado

incidente?

—Estava resgatando um gatinho.

—Não me diga que subiu em uma árvore para isso.

—Muito bem. Não direi. Mas se não disser, será muito difícil continuar com a história.

Não havia dúvida da sinceridade na surpresa que refletia o rosto de Andrew. Mesmo

assim, em vez de se sentir envergonhada por sua expressão de absoluta perplexidade, Catherine

reprimiu uma gargalhada de prazer ao se dar conta de que ele tinha ficado constrangido.

—Sendo assim, continue.

Catherine inclinou a cabeça em sinal de consentimento.

—Faz alguns anos, Fritzborne trouxe para casa uma gata que tinha encontrado

perambulando pelo bosque. Em um período de tempo notavelmente breve tínhamos nos

convertido em orgulhosos proprietários de uma ninhada de gatinhos. Embora fossem adoráveis,

tratavam-se dos animais mais peraltas do mundo. A gata Angélica era a mais malvada do grupo.

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Um dia, quando Spencer e eu voltávamos dos mananciais, ouvimos um som. Olhamos para o alto

e vimos a Angélica pendurada no alto da árvore. Precisava que alguém a resgatasse, assim fui eu

quem se encarregou de fazê-lo. —esclareceu garganta e espetou uma ervilha com o garfo— Fim da

história.

—Mas, mamãe não contou a melhor parte - protestou Spencer— Quando ficou pendurada

na árvore. —Com os olhos iluminados de pura animação, voltou a olhar ao senhor Stanton— A

mamãe prendeu o vestido entre os galhos. Quando viu que não podia se liberar sozinha, tive que

ir aos estábulos procurar Fritzborne. Voltamos para árvore com uma corda grossa e uma cesta.

Fritzborne lançou a corda à mamãe, enganchou a cesta e logo, com certo toque de engenho,

baixamos a Angélica na cesta.

—Deixando a sua mãe ainda pendurada na árvore - disse o senhor Stanton.

—Sim - interveio Catherine com um suspiro exagerado— Enquanto a covarde gata se

afastava tranqüilamente como se nada tivesse ocorrido.

—E como desceu?

—Fritzborne retornou à casa para pegar uma tesoura, que me mandou na cesta - disse

Catherine— Naturalmente, Milton, Cook e Timothy, retornaram com ele. Enquanto eu continuava

sobre a árvore, dando tesouradas para conseguir soltar o vestido do galho, o grupo ficou lá

embaixo, discutindo a melhor forma de me descer. Spencer, bendito seja, teve a melhor solução.

Amarrei a corda no galho em que estava sentada e simplesmente deslizei por ela até o chão. Fim.

Spencer lhe dedicou um olhar sofrido.

—Mamãe...?

Catherine olhou e enrugou o nariz.

—Oh, muito bem. Estava tão orgulhosa de mim mesma por ter conseguido deslizar pela

corda que decidi me soltar quando ainda estava a alguns metros do chão e presentear meu público

uma elegante reverência. Infelizmente, aterrissei sobre uma escorregadia parte de barro. Levantei

os pés e meu traseiro foi ao chão. —Dedicou a ambos um sorriso triste— Felizmente, o barro

estava muito macio, assim com minhas anáguas, e nada, salvo meu orgulho, ficou ferido. Mas

nada, nem uma pessoa com a melhor das intenções, poderia chamar de digno o que aconteceu. E

meu vestido ficou totalmente destroçado. Sem dúvida, um episódio para se chamar de «não

deveria ter feito isso».

Deu um gole em sua taça de vinho e disse:

—Assim que consegui tranqüilizá-los, começaram a rir de meu aspecto espantosamente

desalinhado.

—Deveria ter visto, senhor Stanton - disse Spencer com os olhos cheios de bom humor— O

cabelo cheio de folhas, o nariz sujo, o vestido manchado de barro e esfarrapados.

—Mesmo assim, não tenho dúvidas de que estaria você encantadora - disse o senhor

Stanton.

Um suspiro impróprio de uma dama escapou dos lábios de Catherine, as palavras de

Andrew provocaram nela uma onda de calor que a percorreu por inteiro.

—Sinto desapontá-lo, mas creio que meu aspecto era exatamente o contrário de

«encantador». Entretanto, algo de bom se iniciou com esse desastre, foi nesse dia que nasceu a

tradição do «não deveria ter feito isso». Spencer e eu freqüentemente recordamos estas histórias

para futuramente evitá-las. —Olhou para o filho e disse. — Aprenda com a minha estupidez, filho.

Spencer adotou uma expressão igualmente séria.

—Não se preocupe. Se alguma vez eu tiver que descer de uma árvore deslizando por uma

corda, tomarei o cuidado de não aterrissar sobre um escorregadio buraco cheio de barro.

Catherine deu ao senhor Stanton um sorriso conspirador.

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—Viu o que dá?

—Estou profundamente impressionado - disse o senhor Stanton. O sorriso que lhe

devolveu estava cheio de um calor que de repente deixou Catherine quase sem fôlego— Exceto

pelo seu vestido, um final totalmente feliz. O que aconteceu a Angélica?

—Oh, continua aqui, perambulando pela propriedade e pelos estábulos junto a vários de

seus irmãos e alguns filhos.

—Um impressionante relato sobre o sua coragem, lady Catherine - disse o senhor

Stanton— Embora o que me surpreende é que você tenha subido na árvore.

—Oh, mamãe estava acostumada a subir em árvores quando tinha minha idade - disse

Spencer com uma nota de orgulho na voz.

O olhar do senhor Stanton não se afastou nem um segundo do dela.

—Sério? Seu irmão nunca me disse isso, lady Catherine.

—Certamente porque meu irmão desconhece minha predileção juvenil por subir nas

árvores. —Lhe escapou uma gargalhada que foi incapaz de conter— Embora devesse, tendo em

conta que foi vítima de... mas nunca chegou a resolver esse mistério em particular.

Um inconfundível interesse iluminou os olhos de Andrew.

—Ao que se refere? A algo que Philip desconhece? Me conte isso.

Catherine adotou sua expressão mais séria.

—Meus lábios estão selados.

—Não é justo, mamãe - declarou Spencer— Já que mencionou, tem que contar.

O senhor Stanton levantou as sobrancelhas e olhou para Spencer.

—Não sabe do que ela está falando?

—Não tenho a menor idéia. Mas, vai contar, caso contrário morrerei de curiosidade.

Catherine bateu as pontas dos dedos nos lábios.

—Suponho que não posso ter esse peso na minha consciência. Mas devem me prometer

não contar a mais ninguém.

—Prometido - disseram Spencer e o senhor Stanton obedientemente.

—Muito bem. Quando eu tinha a idade do Spencer, de noite subia na árvore que estava

perto do quarto do Philip e jogava pedrinhas na janela.

—Por que fazia isso? —perguntou Spencer com os olhos arregalados.

—Era meu irmão, querido. Era minha responsabilidade lhe chatear. Estava convencido de

que o ruído vinha de algum espantoso pássaro que bicava contra sua janela. Abria as janelas e saía

feito louco para sacada, agitando os braços e soltando os piores palavrões, prometendo todo tipo

de vingança assim que apanhasse o pássaro culpado.

—Isso é horrível, mamãe - disse Spencer, disse gargalhando.

—E Philip alguma vez ficou sabendo que era você e não um pássaro? —perguntou o

senhor Stanton, evidentemente divertido.

—Nunca. De fato, nunca contei para ninguém até hoje.

—Me sinto honrado em ser merecedor de sua confiança - anunciou Andrew rindo—

Embora realmente eu adoraria contar a Philip que sei de algo que ele desconhece. —Devido a

surpresa de Catherine, levantou as mãos em um gesto de fingida rendição— Mas mantenho

minha promessa de não dizer nada. Sou um homem de palavra.

—E quando deixou de jogar as pedrinhas, mamãe? Por acaso vovô te descobriu?

—Céus, não. Seu avô teria ficado muito bravo se soubesse que eu subia em arvores. Tinha

uma cestinha feita com ramos de árvores, e guardava nela meu arsenal de pedrinhas. Uma noite,

coloquei a mão na cesta e descobri horrorizada que estava cheia de insetos. —Um calafrio subiu

pela sua espinha, só de lembrar— Eu não gosto de insetos. Esse episódio realmente curou

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imediatamente minhas tendências em subir na árvore.

—Teve uma boa lição - disse o senhor Stanton com um sorriso zombador.

—Sim - concedeu Catherine entre risadas— Eu mereci. Estou certa de que Philip contou

como eu era malvada quando era pequena.

—OH, é claro que sim. —Pouco a pouco a expressão divertida foi abandonando o rosto do

senhor Stanton— Mas também me contou que era um jovem estranho, tolo, sério e gordo, e que

você curou sua timidez quando lhe ensinou a sorrir. A ter tempo para se divertir. Que seu

entusiasmo, lealdade e amor o salvaram de ter uma infância muito solitária.

Catherine se emocionou e recordou imagens de Philip e ela durante a infância de ambos.

Engoliu a saliva para encontrar sua própria voz.

—Seus colegas freqüentemente o tratavam de forma desagradável, algo que jamais deixou

de me enfurecer. Só queria ver meu irmão feliz. Philip era, e segue sendo, o melhor dos irmãos. E

dos homens.

—Concordo plenamente - disse o senhor Stanton— De fato, lady Catherine, não me

surpreenderia que Philip suspeitasse que fosse você que estava diante de sua janela depois de ter

subido na árvore. Isso explicaria que tivesse descoberto sua pequena cesta de pedrinhas. Devo

supor que ele sabia de sua aversão pelos insetos.

Catherine piscou, e a seguir sacudiu a cabeça e riu ao considerar sua própria estupidez.

—Sim, é verdade. Vou perguntar a ele, assim que a gente se encontrar. Que demônios.

Como nenhum de vocês, cavalheiros, tem irmãos, não espero que saibam da necessidade que têm

os irmãos e irmãs de irritar-se mutuamente. Embora o certo seja que tanto ele como eu só

pretendíamos nos divertir.

—Mamãe ainda faz algumas travessuras, sabe? —anunciou Spencer.

O senhor Stanton pareceu imediatamente interessado.

—Ah, sim? Como o quê?

—Desce a escada deslizando pelo corrimão.

Olhos escuros cheios de diversão a julgaram.

—Por Deus, lady Catherine, é verdade esta surpreendente revelação?

—É que às vezes tenho muita pressa para descer andando pelas escadas - disse o mais

recatadamente possível.

—E às vezes desperta depois de que Cook se deitou para que nós dois desçamos na cozinha

para procurar um bom lanche.

—Spencer está em pleno crescimento e requer uma alimentação abundante - disse

Catherine com atitude ainda mais recatada, apesar de que o efeito ficou prejudicado quando

sentiu que tremiam os lábios.

—Canta canções com letras fora de tom enquanto trabalha no jardim.

—Spencer! —Catherine ficou vermelha. Meu Deus, nunca tinha se dado conta de que ele a

tinha ouvido— Estou certa de que, bem, entendeu mal.

—Tenho certeza que não. Canta alto e desafina. —Spencer sorriu ao senhor Stanton—

Mamãe tem um ouvido impossível.

—Seria tão amável se nos desse o prazer de uma pequena seleção, lady Catherine? —

Brincou o senhor Stanton.

Uma risada horrorizada escapou dos lábios de Catherine, que em seguida tossiu para

dissimulá-la.

—Possivelmente em outro momento. E agora que todos sabem muito mais sobre mim do

que deveriam, cabe a você, senhor Stanton, compartilhar conosco uma história de «não deveria ter

feito isso».

Page 61: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Andrew se recostou contra o encosto da cadeira e golpeou o queixo com os dedos. Depois

de vários segundos de consideração, disse:

—O dia que cheguei ao Egito, depois de estar a bordo de um navio durante semanas, só

desejava duas coisas: um prato de comida quente e decente e um banho quente e decente. Depois

de comer, fui a uma casa de banhos nos subúrbios do Cairo. Saí dali, me sentindo bem alimentado

e limpo. Não demorei em descobrir que, sem saber, estava em uma região famosa por ser o

refúgio de ladrões e assassinos. Felizmente, consegui sair dali com vida. Infelizmente, roubaram-

me antes de conseguir escapar.

—Por que não venceu o canalha com os punhos? —perguntou Spencer com os olhos

arregalados.

—Canalhas. Eram quatro. E se levarmos em consideração que todos tinham facas e pistolas,

acredito que não teria saído da briga muito bem.

—O que roubaram?

—O dinheiro. E minha... roupa.

Spencer ficou boquiaberto.

—Não é possível! Toda a roupa?

—Toda. Até as botas, algo que me irritou muito, pois eram minhas favoritas.

—Então, ficou...? —Spencer perdeu a voz em uma clara amostra de incredulidade.

—Nu como no dia em que nasci - confirmou o senhor Stanton.

—O que fez?

—Durante alguns instantes, tive vontade de pegar minhas roupas de volta, embora

finalmente decidi que minha vida valia mais. Felizmente, pareciam não ter intenção de me matar.

Na verdade acredito que eles se divertiram muito me deixando encontrar o caminha de casa, nu

como um bebê.

Uma de onda de calor percorreu o corpo de Catherine e sua garganta secou, pensando em

Stanton recém banhado e de pé em uma coluna de luz dourada. Nu.

Imediatamente recordou o capítulo do Guia dedicado a instruir à mulher moderna atual

não só sobre a grande quantidade de coisas que podia lhe fazer a um homem nu, mas também as

que podia fazer com ele. A lembrança não ajudou a esfriar o inferno que parecia havê-la engolido.

—Alguém te viu? —perguntou Spencer com os olhos cheios de curiosidade. Catherine

rezou para não mostrar uma expressão de êxtase e quase não conseguiu conter a vontade de se

abanar com o guardanapo de linho.

—Oh, sim, mas comecei a correr o mais depressa que pude. Finalmente consegui roubar

um lençol do varal de alguém, o que me devolveu um pouco da minha dignidade perdida. Não é

um dos meus melhores episódios, sem dúvida, e, embora agora possa rir disso, naquele momento

não foi nada divertido. Sim, perambular pelo Cairo sozinho foi um dos muitos momentos de «não

deveria ter feito isso». —Sorriu — Gostaria que lhes contasse outro?

—Sim! —disse Spencer.

—Não! —exclamou Catherine ao mesmo tempo. O senhor Stanton nu, perambulando com

um lençol, vítima de um roubo. Só Deus sabia que mais teria feito, e Catherine estava certa de que

não queria saber. Sim, estava totalmente certa.

Um sorriso nervoso escapou de seus lábios e se levantou, pondo assim fim ao jantar.

—Possivelmente em outra ocasião. Por agora, sugiro que nos retiremos ao salão. Você joga

de cartas, senhor Stanton? Ou xadrez? Ou gamão?

—Eu adoro os três, lady Catherine. O que você prefere?

«Ver você nu.» Catherine ficou horrorizada. Deus santo, de onde vinha essa ridícula idéia?

É obvio que não desejava lhe ver nu. O absurdo e inapropriado da idéia era sem dúvida

Page 62: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

conseqüência da absurda e inapropriada história relatada pelo senhor Stanton. «Sim, era isso.»

Catherine ergueu os ombros e disse:

—Por que Spencer e você não jogam enquanto eu desfruto de meu trabalho de costura

junto ao fogo?

—Muito bem. —Andrew se voltou para o Spencer— Gamão?

—É meu preferido - disse Spencer.

Catherine abriu o caminho para o salão e se parabenizou mentalmente por seu excelente

plano. Agora teria um trabalho de costura para se concentrar em vez de ter que se concentrar no

inquietante e atraente convidado.

Uma hora mais tarde, entretanto, se deu conta de que, depois de tudo, seu plano não era

tão excelente como tinha pensado. Era impossível concentrar sua atenção no intrincado desenho

floral de seu odiado trabalho de costura enquanto seu olhar se desviava constantemente e de um

modo absolutamente deprimente, cruzando o salão para a sacada, onde estavam sentados o

senhor Stanton e Spencer com o tabuleiro de gamão sobre uma mesa de madeira de cerejeira

situada entre ambos. Maldição, quando tinha começado a perder o controle sobre seus próprios

olhos? Mesmo quando conseguia fixar o olhar em sua costura, pouco avançava, pois todo seu ser

estava concentrado em tentar captar pedaços da conversa dos dois homens, conversa que sem

dúvida fazia Spencer sorrir.

O som profundo da risada do senhor Stanton se mesclou com as gargalhadas de Spencer e,

pela enésima vez, as mãos de Catherine se detiveram e olhou ao casal de jogadores por

disfarçadamente. A boca de Spencer desenhava um sorriso infantil de orelha a orelha. Via-se que

ele estava realmente se divertindo, e Catherine sentiu uma onda do mais puro amor maternal.

Spencer voltou a rir e Catherine deixou de fingir, já que era incapaz de prestar atenção em

seu trabalho. Deixando a costura de lado, recostou-se contra o suave tecido bordado de sua

poltrona e observou abertamente ao seu filho. Adorava quando ele sorria, algo que ele fazia

segundo sua opinião, em estranhas ocasiões. Durante o último ano, Spencer só dava passeios

sozinho, perambulando pelos jardins da casa e aos atalhos que levavam às águas termais.

Enquanto ele desfrutava da liberdade que lhe proporcionavam os vastos terrenos da propriedade,

ela ficava preocupada por ele passar tanto tempo sozinho, perdido em seus pensamentos. Dava a

ele a intimidade que ele necessitava, mas buscava sempre que passassem diariamente um tempo

juntos, lendo, falando, compartilhando histórias, comendo seus pratos favoritos, desfrutando dos

jardins e da companhia um do outro.

Agora, sentado diante do senhor Stanton, Spencer parecia feliz, despreocupado e solto

como ela tinha presenciado pouquíssimas ocasiões quando o jovem estava em companhia de

alguém que não fazia parte de seu círculo mais íntimo e familiar. Normalmente Spencer era

receoso e tímido com os desconhecidos. Temia que zombassem ou sentissem pena dele. Mas não

tinha nenhum desses sentimentos com o senhor Stanton.

O olhar de Catherine se desviou até se pousar no homem que tinha invadido seu

pensamento freqüentemente na noite anterior. Andrew tinha o queixo apoiado na palma da mão

enquanto estudava o tabuleiro de gamão ao mesmo tempo em que Spencer ria uma risada

fingidamente diabólica, predizendo sua derrota. De repente Catherine se surpreendeu ante a cena

calma e doméstica que tinha diante de seus olhos, -e não só a cena, mas também a noite inteira—e

um penetrante desejo a dominou até o mais profundo de seu ser.

Quantas vezes no decorrer de seu casamento tinha desejado inutilmente experimentar uma

cena caseira como essa? Quantas horas tinha desperdiçado estupidamente inventando cenas em

sua cabeça nas quais Bertrand, Spencer e ela desfrutavam de um jantar e depois pai e filho riam

inclinados sobre algum jogo de mesa enquanto ela os observava, deslumbrada? Mais do que era

Page 63: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

capaz de lembrar.

O fato era que esta imagem que tanto tinha desejado estava diante de seus olhos, tendo

como protagonista o senhor Stanton. Sentiu uma dolorosa sensação que não conseguiu pôr nome.

Ele nunca tinha feito parte no quadro que ela tinha imaginado. Entretanto, embora sua presença

devesse fosse absolutamente inadequada, aos olhos de Catherine era mais do que apropriada.

Ficou confusa. Deus santo, fazia tanto tempo que deveria ter deixado de esperar e desejar

uma cena doméstica desse tipo. Spencer e ela não necessitavam de ninguém mais em suas vidas.

Mesmo assim, vendo a expressão de júbilo de seu filho e a animação com a que falava com o

senhor Stanton, sentiu um calafrio de gratidão com seu convidado pela amabilidade que

demonstrava com seu filho. Apesar de que o senhor Stanton possuía muitas qualidades que lhe

pareciam incômodas, sem dúvida Spencer apreciava sua companhia.

Nesse instante, o senhor Stanton se virou e os olhares de ambos se encontraram. Uma onda

de calor a tomou, lhe provocando cãibras no estômago; os dedos dos pés se encolheram em um

ato impensado dentro das sapatilhas de cetim. Como conseguia aquele homem desconcertá-la

tanto com um simples olhar? Como podia ser que sua presença em sua casa a reconfortasse e a

agitasse ao mesmo tempo? E por que, Oh, por que, estava tão dependente dele?

Os lábios do senhor Stanton se curvaram para cima, esboçando um lento sorriso, e a seguir

voltou a se concentrar no tabuleiro de gamão. Catherine apertou os lábios, horrorizada ao

descobrir que tinham estado ligeiramente abertos enquanto tinha os olhos cravados nele. Com

carrancuda determinação, voltou a agarrar o trabalho e cravou a agulha na malha.

—É um homem entediante, presunçoso e tampouco é atraente, porque me enganar -

resmungou entre dentes— Sem dúvida conheci dúzias de homens muito mais bonitos.

«Possivelmente. “Mas nenhum deles lhe fazia fraquejar as pernas como este», zombou dela

sua voz interior.

Apertou ainda mais os lábios. Demônios. Se tinha as pernas débeis, era simplesmente

devido ao esgotamento. Tinha passado por uma prova exaustiva. Não era mais que o cansaço

jogando com seu corpo e com suas emoções. Depois de uma noite de sono reparador, tudo voltaria

para seu lugar.

Erguendo as costas, voltou a bordar com a agulha. Muito bem, o homem era atraente,

embora só um pouco, e em um plano estritamente físico. Assim, o melhor a fazer era evitar-lo ao

máximo, sempre que possível, toda provocação, tendo em conta que o único propósito da

presença do senhor Stanton na casa era o de protegê-la se fosse necessário. Nada dizia que ela

teria que ficar no mesmo cômodo que ele. E, inclusive embora se encontrasse na mesma estadia

que ele, nada a obrigava a falar com ele. Nem a estar perto dele. Podia simplesmente ignorá-lo.

Sentiu uma onda de alívio. Evitá-lo e ignorá-lo seria sua estratégia, duas tarefas sem

dúvida fáceis de conseguir.

Mas em seu interior, ela sabia que isso seria impossível

Capítulo 9

Se a mulher moderna deseja que seu cavalheiro expresse mais paixão, deveria lhe

explicar abertamente que, embora um beijo na mão possa empregar-se para demonstrar uma

fervente estima, não é o método mais efetivo, pois pode também simbolizar tão somente uma

amostra de sentimento fraternal. Entretanto, é quase impossível interpretar mal o significado

Page 64: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

que encerra um beijo nos lábios. Ou na nuca. Ou na coluna...

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Depois de uma noite agitada, que se convenceu que era devido as suas preocupações

devido ao disparo, Catherine começou imediatamente sua estratégia de «evitar e ignorar»

tomando um café da manhã cedo e solitário em seu quarto. Sabia que Spencer não se levantaria

tão cedo e não tinha a menor intenção de se arriscar e enfrentar um quente café da manhã com o

senhor Stanton como única companhia. Depois do café da manhã, ocupou o resto da manhã

sentada em seu escritório, colocando a correspondência em dia. Quando terminou, vestiu-se

cuidadosamente, aliviada ao ver que a dor do braço tinha melhorado bastante. Dedicou um tempo

adicional a seu aspecto e se convenceu que o fazia porque desejava estar apresentável quando essa

tarde visitasse Genevieve.

Quando decidiu que já era hora mais que apropriada para ir ver o que Spencer fazia, que

sem dúvida já devia ter levantado, e representar o papel de cortês anfitriã com o senhor Stanton,

desceu desejosa de tomar uma taça de chá.

Ao entrar no vestíbulo, Milton, que levava uma pequena bandeja com uma nota selada,

saudou-a imediatamente.

—Acaba de chegar de Londres, senhora.

Catherine sentiu o coração acelerar ao reconhecer a letra clara e inclinada de seu pai.

Decidiu então que o chá podia esperar, agradeceu a Milton com uma leve inclinação de cabeça e se

dirigiu diretamente ao seu quarto. Assim que fechou a porta à suas costas, rompeu o selo e leu o

conteúdo da nota.

Querida Catherine:

Agrada-me te informar de que o canalha autor do disparo de ontem à noite foi detido. O

homem, um ladrão chamado Billy Robbins, é muito conhecido pelo magistrado por efetuar roubos

no Mayfair e em demais lugares. Graças à informação subministrada pelo senhor Carmichael,

Robbins foi identificado e capturado. Como já suspeitávamos, foi vítima de um roubo frustrado.

Naturalmente, Robbins insiste em sua inocência, mas, como todos sabemos, Newgate está

infestado de homens «inocentes».

Embora esta notícia não consiga apagar o angustiante sofrimento que passou, ao menos

agora conta com a satisfação de saber que o culpado já não poderá fazer mal a ninguém. Por favor,

faz extensivas minhas saudações ao Spencer e ao senhor Stanton, e espero te ver muito em breve.

Com todo meu amor,

SEU PAI

Catherine fechou os olhos e soltou um suspiro de profundo alívio. Tinha sido um acidente.

Graças a Deus. Não corria perigo. Spencer tampouco. Nem Genevieve. A identidade de Charles

Brightmore estava a salvo. Sim, ainda restava o investigador contratado por lorde Markingworth e

seus amigos, mas dado que o editor do Guia feminino jamais revelaria o segredo que

compartilhava com Genevieve, chegaria o momento em que o homem teria que se dar por

vencido. As possibilidades de que suas investigações o levassem a Little Longstone eram ínfimas,

por não dizer inexistentes.

Catherine abriu os olhos, sorriu e inspirou o que lhe pareceu seu primeiro fôlego aliviado

Page 65: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

desde que se escondeu atrás do biombo oriental de seu pai. Agora sua vida poderia retomar seu

curso tranqüilo, sem ameaça de perigo. Sem a necessidade de amparo...

Sem necessidade do senhor Stanton.

Congelou o sorriso nos lábios. Já não precisava de amparo e a segurança que garantia sua

presença. Andrew podia partir de Little Longstone nesse mesmo instante, embora Catherine

supôs que seria de uma enorme grosseria lhe sugerir que partisse antes da manhã do dia seguinte.

E, posto que ela em estranhas ocasiões viajava a Londres, não tinha que se preocupar em voltar

vê-lo em um futuro imediato.

A iminente ida do senhor Stanton era uma boa notícia. Muito boa. Já não precisava usar a

tática de «evitar e ignorar». Esse homem era uma praga em sua pacífica existência, e quanto antes

voltasse para Londres, melhor. Catherine estava feliz. Muito feliz.

Sua voz interior lhe disse que este «muito feliz» na verdade era «absolutamente infeliz».

Droga. Precisava encontrar a forma de sossegar essa maldita voz.

—Posso lhe roubar um minuto, senhor Stanton?

Andrew se deteve no alto da escada. Agarrou-se ao corrimão de mogno e conteve um

suspiro ao notar que o coração dava um pulo com o simples som da voz de Catherine.

Tinha estado toda a manhã – para não citar o bom número de horas da madrugada, em que

não tinha sido possível conciliar o sono — revivendo a maravilhosa noite anterior. Compartilhar

um jantar e pequenas histórias com ela e com o Spencer, rindo juntos, desfrutando dos jogos

depois do jantar... tudo isso desenhava uma cena doméstica e acolhedora que tinha visto em

sonhos mais vezes do que podia se lembrar. E a realidade tinha superado todas suas imaginárias

expectativas. Por Deus, não via a hora de repetir a cena essa noite.

E todas as noites, durante o resto de suas vidas.

Teria reparado Catherine em quão bem encaixavam os três? Na noite perfeita que tiveram?

Bem, se por alguma razão ela não tinha sido consciente disso, ele estava mais do que decidido a

lhe pôr a par esta noite.

Virou-se e viu como se aproximava. Alguns cachos castanhos lhe emolduravam o rosto e

iluminavam seus dourados olhos marrons. O vestido de musselina cor pêssego muito clara,

ressaltava sua pele sedosa. Embora o vestido e o decote fossem totalmente modestos e

despretensiosos, em vez de inspirar nele decoro, a imaginação de Andrew enlouqueceu ao

imaginar as delícias que o discreto traje cobria.

Quando ela se aproximou, o sutil aroma a flores invadiu seus sentidos e fechou com força a

mão ao redor do corrimão para reprimir o desejo de tocá-la.

—Pode me pedir todos os momentos que deseje lady Catherine.

—Obrigado. Na biblioteca?

—Onde deseje. —«Onde deseje. Como a desejo. “O que você deseje.» Andrew apertou os

dentes para reprimir as palavras que ameaçavam romper de seu coração. Não era aquele, nem o

lugar nem o momento oportuno para declarar que estava loucamente apaixonado por ela, que a

desejava tanto que o desejo era pura dor e que só ansiava poder lhe conceder tudo o que lhe

pedisse.

Seguiu-a escada abaixo e pelo corredor, admirando as sutis insinuações das curvas

femininas que revelava ao andar. Seu olhar subiu até parar em sua suave e vulnerável nuca, agora

ao descoberto pelo coque... à mostra, exceto por um único cacho que dividia em duas sua pálida

pele com uma reluzente espiral castanha.

Andrew flexionou os dedos e esticou os cotovelos para evitar esticar a mão e passar a ponta

do dedo por aquele sedutor cacho solitário. Tão concentrado estava que não reparou que

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Catherine havia parado diante de uma porta fechada. Não se deu conta até que tropeçou nela.

Catherine soltou um suspiro e estendeu os braços, colocando as palmas das mãos contra o

painel de carvalho para manter o equilíbrio e evitar assim dar de cabeça contra a porta. As mãos

de Andrew rapidamente se deslizaram ao redor de sua cintura.

Durante vários segundos de absoluta perplexidade, nenhum dos dois se moveu. A mente

de Andrew gritava que a soltasse que retrocedesse, mas suas mãos e pés se negavam a obedecer a

ordem. Em vez disso, seus olhos se fecharam e Andrew absorveu o intenso prazer de sentir o

corpo de Catherine contra o seu peito. O aroma dela, essa embriagadora essência de flores,

envolveu-o como uma nuvem sedutora. Só tinha que virar ligeiramente a cabeça para beijá-la, ela

estava tão próxima... de forma tão atormentadora.

Antes de poder pensar, antes que qualquer amostra de razão lhe impedisse de fazê-lo,

rendeu-se ao entristecedor desejo. Seus lábios tocaram a pele de marfim bem atrás da orelha, com

a ternura de um sussurro desprovido de fôlego, tão brandamente que Andrew duvidou inclusive

de que ela se deu conta do que acabava de fazer... nem de que o tinha feito deliberadamente.

Mas ele sim sabia, e o efeito que esse ato teve sobre ele, o assalto que aquele beijo teve sobre

seus sentidos, foi enorme. O desejo, um desejo feroz, ardente e tanto tempo negado lhe golpeou e

fechou ainda mais os olhos com a vaga intenção de bloquear as necessidades que cravavam nele

suas garras.

A absoluta quietude de Catherine e a rigidez de sua coluna devolveram a Andrew a

prudência. Fazendo uso de todas suas forças, obrigou-se a afastar as mãos de sua cintura e dar um

passo atrás.

—Peço-lhe desculpas— Não vi por onde ia.

Catherine não disse nada durante vários segundos e a seguir esclareceu garganta, afastou

as mãos da porta e as baixou.

—Desculpa aceita.

Andrew ficou indeciso com o ligeiro tremor na voz dela. O tom vacilante de suas palavras

era fruto da raiva ou da vergonha? Ou possivelmente cabia a possibilidade de que se viu tão

afetada por esses escassos segundos como ele? Em silêncio, Andrew desejou que ela se virasse

para poder olhar em seus olhos, e ver se existia neles alguma sombra de desejo, mas Catherine não

lhe deu esse gosto. Em vez disso, abriu a porta e se dirigiu apressadamente para a lareira de

mármore que ocupava a parede mais afastada.

Andrew cruzou a soleira e logo fechou a porta atrás de si. O estalo da porta ao fechar-se

ecoou no silêncio pesado da sala, um silêncio que esteve a ponto de quebrar, dizendo que seu

pedido de perdão não tinha sido uma desculpa. Sem dúvida não se arrependia nem um pouco de

ter aproveitado a inesperada oportunidade de tocá-la... embora possivelmente devesse se

arrepender. O delicioso contato com ela lhe tinha ficado gravado na mente e ainda sentia no

corpo, nos lábios, o formigamento que o tinha percorrido devido ao impacto.

Não pôde evitar uma careta antes de avançar para ela. Embora lhe incomodasse o modo

como ela seguia com o olhar fixo nas chamas baixas, lhe ignorando, era melhor assim. Se

Catherine se virasse, sem dúvida se daria conta de como o breve encontro entre ambos o tinha

afetado.

—Se importa se eu me sirvo uma taça? —perguntou, com a esperança de encontrar um

pouco de brandy em uma das garrafas de cristal dispostas em uma mesa redonda de mogno

situada junto ao sofá.

Catherine não se virou.

—Pode se servir.

—Quer me acompanhar?

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Surpreendeu-lhe ao responder:

—Sim. Para mim um xerez, por favor.

Andrew cruzou a sala até as garrafas. Tomou seu tempo para servir as duas taças,

inspirando lenta e profundamente até que conseguiu recuperar o controle de suas emoções e de

seu corpo. Logo foi até a lareira, parando há uma distância prudente dela.

—Seu xerez, lady Catherine.

Por fim ela se virou. Uma sombra febril lhe tingia as bochechas, embora Andrew não

conseguisse saber se a vermelhidão era fruto da vergonha, do calor do fogo ou do desejo. Olhou-

lhe com uma expressão perfeitamente calma e fria que lhe provocou uma onda de irritação. Bem,

obviamente não tinha sido desejo. Intencionalmente, fez um olhar despreocupado, assim como ela

e entregou a taça de cristal com o licor.

—Obrigado. —Catherine agarrou a taça e Andrew que usou toda sua habilidade e se

empenhou para evitar que os dedos de ambos se tocassem. Ela afastou o olhar dele e deu um gole

em seu xerez. Andrew a imitou, reprimindo o desejo de beber seu potente brandy de um gole só.

Depois de um segundo gole, Catherine tirou uma folha de papel do bolso da saia e o

mostrou.

—Isto chegou faz um momento. É de meu pai. O homem responsável pelo disparo foi

pego.

Andrew deixou sua taça sobre a mesa, agarrou a nota e leu o conteúdo apressadamente.

Billy Robbins. Fez uma careta quando seus olhos leram o nome do canalha que tinha ferido

Catherine. O homem que facilmente poderia ter acabado com sua vida. «se alegre de estar nas

mãos de Newgate e não nas minhas, bastardo.»

Quando terminou de ler, devolveu a nota a Catherine.

—Fico aliviado em saber que o ladrão foi pego. Devemos ser gratos à capacidade de

observação do senhor Carmichael.

—Sim. Devemos todo nosso agradecimento. —Catherine voltou a guardar a carta no

bolso— E a captura deste homem significa que não existe mais a ameaça de perigo sobre mim...

—Mais? —Andrew apertou os olhos— Não tinha consciência de que você estivesse sob

ameaça de perigo. Ao que se refere?

Um brilho que pareceu de temor faiscou em seus olhos, embora desapareceu tão depressa

que Andrew não conseguiu confirmar se era real ou imaginário. Catherine apertou os lábios

durante vários segundos e a seguir disse:

—Queria dizer que já não existe ameaça de perigo para minha saúde. Encontro-me bem e

Milton e os empregados podem atender completamente minhas necessidades. Sem nenhuma

ajuda.

Andrew compreendeu então a mensagem, compreensão que chegou acompanhada de uma

irreprimível dose de decepção. E, demônios, quanto lhe doeu. Catherine queria que partisse de

Little Longstone.

—Posso dispor de minha carruagem amanhã pela manhã - prosseguiu ela— Agradeço sua

amabilidade por haver me acompanhado até em casa, não desejaria que sacrificasse mais de seu

valioso tempo longe de seu trabalho em Londres.

Antes que Andrew tivesse uma resposta adequada, e depois de haver sabiamente decidido

que «Demônios, não, não penso partir », não era a resposta mais adequada, alguém bateu na

porta.

—Entre - disse lady Catherine.

A porta se abriu e Spencer entrou arrastando os pés na sala. Seu sorriso desapareceu assim

que alternou o olhar entre sua mãe e Andrew.

Page 68: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Tem alguma coisa errada, mamãe?

Catherine pareceu dar de ombros e logo lhe sorriu.

—Não, carinho. Queria falar comigo?

Spencer não pareceu nenhum pouco convencido. Em vez de responder à pergunta de sua

mãe, perguntou:

—Do que falavam?

Lady Catherine deixou sua taça sobre a mesa e logo cruzou o tapete de cor verde clara para

lhe dar um beijo na bochecha.

—Estávamos concretizando os detalhes do transporte. O senhor Stanton nos deixa amanhã

pela manhã para retornar a Londres.

—Que? Amanhã? —A consternação que embargou Spencer era clara como a água. Virou-se

para Andrew e lhe olhou com olhos transbordantes de confusão e dor— Mas por quê? Chegou

ontem.

Lady Catherine disse:

—O senhor Stanton tem muitas obrigações em Londres, Spencer, sobre tudo agora que seu

tio Philip não está disponível. Embora teve a gentileza de deixar seu trabalho no museu para me

acompanhar, deve retornar a suas responsabilidades.

—Mas por que tem que ir tão depressa? Se acabamos de começar... —fechou os lábios e

lançou ao Andrew um olhar implorante.

—Começar o que? —perguntou lady Catherine.

—É uma surpresa - interveio Andrew — Algo que Spencer e eu falamos ontem a tarde.

Prometi que o ajudaria.

Catherine arqueou as sobrancelhas.

—Que tipo de surpresa?

O mais puro pesar escureceu o rosto de Spencer. Antes que o menino pudesse responder,

Andrew voltou a falar.

—Se o disséssemos, já não seria nenhuma surpresa. —Lançou a Spencer uma piscada

conspiradora— Acredito que temos que trazer um dicionário a sua mãe para que possa procurar

nele «surpresa», Spencer.

—Eu sei que normalmente você não gosta de surpresas, mamãe - disse Spencer

apressadamente—, mas esta você gostará. Sei que ficará orgulhosa de mim quando tivermos

terminado.

—Já estou orgulhosa de você.

—Nesse caso, ficará ainda mais.

Catherine estudou o rosto de seu filho durante vários segundos e logo se voltou para o

Andrew.

—Você lhe prometeu esta... o que quer que seja?

—Sim.

—Mas não me falou sobre isso antes.

—Não me ocorreu fazê-lo, pois essa é precisamente a natureza de toda surpresa. Além

disso, não tinha imaginado que minha visita seria tão breve.

O silêncio encheu a sala e Andrew quase pôde ouvir como os pensamentos giravam na

mente de Catherine. Por que estava de repente tão ansiosa para se livrar dele? Havia algum

aspecto de sua vida que temia que ele descobrisse? As palavras que Catherine tinha pronunciado

pouco antes, «a captura deste homem significa que já não existe ameaça de perigo sobre mim...», o

inquietavam de uma maneira extraordinária. O fato de ter percebido medo em seus olhos em mais

de uma ocasião depois do disparo dava a sua posterior explicação de «perigo para minha saúde»

Page 69: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

uma nota de falsidade. Estava mentido? Por quê?

Só lhe ocorriam outras duas razões pelas quais lady Catherine pudesse esperar

ansiosamente sua partida. Se estiver interessada em ter uma relação com um homem, podia ser

com um dos muitos pretendentes que lhe enviavam essas flores, a presença de Andrew em sua

casa podia pôr em perigo seus planos. Entretanto, isso não tinha muito sentido, tendo em vista

que Catherine havia deixado claro que não desejava estabelecer nenhum tipo de compromisso.

O outro motivo lhe acelerou o coração, lhe enchendo de um raio de esperança. «Se tão

veemente lady Catherine disse não querer uma relação, e se por acaso ela se sentisse atraída por

mim...»

Naturalmente, desejaria que partisse. O quanto antes. Podia ser essa a razão pela que

ultimamente se mostrava tão melindrada com ele? Porque lutava contra seu próprio desejo?

Andrew despertou de seu sonho e a olhou. Catherine parecia muito contrariada, parecia

um general cuja brilhante campanha militar acabasse de ser superada em estratégia. Humm. Era

mais do que comprometedor.

—E quanto tempo precisam para que completem a surpresa em questão? — ela perguntou.

—Pelo menos uma semana - disse Andrew, certo de que ao redor de sua cabeça tinha

aparecido magicamente uma auréola para acompanhar a expressão angelical de seu rosto.

—Uma semana! —O desconsolo de lady Catherine era mais que evidente... ou

possivelmente era o receio que mostrava em sua voz.

O rosto de Spencer por fim se iluminou.

—Você pode ficar durante tanto tempo, senhor Stanton?

—Sim - disse Andrew.

Catherine lhe lançou um olhar indecifrável e voltou seu a olhar para Spencer, cujos olhos se

encheram de uma angustiosa mescla de entusiasmo e de esperança. Não havia dúvida de que

estava despedaçado. Por fim, estendeu a mão e a passou pelo cabelo escuro do pequeno.

—Uma semana - concedeu.

O sorriso de Spencer poderia ter iluminado um quarto escuro.

—Bem, e agora que por fim está decidido, - disse lady Catherine—devo ir visitar a senhora

Ralston.

—Sua amiga vive no povoado? —perguntou Andrew.

—Sim, por quê?

—Posso ir com você? Preciso comprar algumas coisas e eu gostaria de visitar as lojas locais.

—O que deseja comprar?

Andrew estalou a língua e a assinalou, agitando o dedo.

—Não posso dizer. É parte da surpresa.

—Provavelmente temos aqui esse material.

—Já procurei, e não temos aqui. —virou-se para Spencer— Você gostaria de me

acompanhar, Spencer? —perguntou despreocupadamente.

Andrew percebeu imediatamente a tensão que se tornou insuportável no silêncio do salão.

Sabia que Spencer poucas vezes abandonava a segurança da casa, e embora possivelmente fosse

muito cedo para lhe animar a ir ao povoado, fizeram progressos tão magníficos essa manhã

durante a primeira lição de equitação que Andrew tentava de todas as formas manter vivo o

impulso do garoto.

Passaram-se vários segundos em silêncio e Andrew se deu conta de que Spencer se debatia

em um claro conflito.

Lady Catherine esclareceu garganta.

—É muito amável de sua parte, senhor Stanton. Entretanto, Spencer não gosta de

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aventurar-se a...

—Eu gostaria, sim - disse o jovem.

—Sério? —A perplexidade de sua mãe não deixou lugar a dúvidas.

Spencer assentiu vigorosamente e Andrew se perguntou se o menino estaria tentando

convencer a sua mãe ou a si mesmo de sua decisão.

—Quero ajudar com a surpresa. —Levantou o queixo — Tudo irá bem, mamãe. O senhor

Stanton cuidará de mim. Quero ir. De verdade.

Catherine vacilou durante uns segundos e Andrew percebeu com claridade a surpreendida

satisfação que as palavras de Spencer tinham causado nela. Juraria havê-la visto piscar para conter

as lágrimas. Por fim, sorriu ao seu filho.

—Estarei encantada de desfrutar de sua companhia. Mandarei preparar a carruagem.

Podem me deixar na casa da senhora Ralston e seguir depois até o povoado. Não precisam me

buscar na volta. Retornarei a casa dando um passeio revitalizador.

—E não poderíamos utilizar o carro de dois cavalos? —perguntou Spencer — Assim o

senhor Stanton poderia me ensinar a levá-lo. —virou-se para Andrew com expressão esperançada

— Sabe dirigi-lo, não é?

Andrew assentiu.

—Sim, mas em um carro de dois cavalos só cabem duas pessoas.

—Podemos nos apertar um pouco os três no assento - insistiu Spencer — Eu ocupo pouco

espaço. Além disso, a casa da senhora Ralston está muito perto e como mamãe deseja voltar

caminhando, ficaremos só nós dois.

Andrew se virou para lady Catherine, que estava claramente perplexa diante do caminho

que tinham tomado os acontecimentos. Mantendo uma expressão e uma voz serena, disse:

—Estou disposto a dar meu consentimento ao plano de Spencer sempre que você estiver de

acordo, lady Catherine. Se descobrirmos que vamos ficar muito apertados no assento, vou

caminhando junto ao veículo até a casa da senhora Ralston.

Catherine lhe olhou com uma mescla de preocupação e de esperança.

—Promete não correr durante esta lição?

Andrew levou a mão ao coração.

—Juro que jamais faria nada que pudesse pôr em perigo o Spencer, ou a você.

O olhar de lady Catherine voltou a posar-se em Spencer e sorriu.

—Muito bem. Seja então o carro de dois cavalos.

Quarenta e cinco minutos mais tarde, Spencer, sob a paciente tutela do senhor Stanton,

conseguiu parar com êxito o par de idênticos cavalos diante da casa de Genevieve. Catherine se

emocionou ao ver o absoluto deleite e o triunfo que revelava o rosto de seu filho.

—Consegui - disse Spencer, com a cor da vitória ruborizando suas bochechas.

—Sim, conseguiu - concedeu Catherine — E maravilhosamente bem. Estou muito

orgulhosa de você... — A garganta se fechou, afogando sua voz. Para mascarar sua emoção,

puxou-o para ela para lhe dar um abraço. Os braços do Spencer a rodearam e, com seu rosto

encostado ao dele, Catherine olhou por cima do ombro de seu filho e seus olhos encontraram o

olhar firme e de olhos escuros do senhor Stanton.

Seu coração se debatia contra suas costelas, e as confusas emoções que aquele homem

inspirava nela voltaram a assaltá-la mais uma vez. Entretanto, uma delas emergiu à superfície: a

gratidão. Estava profundamente agradecida a Andrew por ter dado ao Spencer essa alegria.

Piscando para conter a lágrima que ameaçava ridiculamente atrás de seus olhos, sorriu-lhe.

«Obrigado», articulou em silêncio.

Page 71: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Os lábios de Andrew esboçaram um cálido sorriso que a deixou sem fôlego. «De nada», foi

sua silenciosa resposta.

—Meu Deus, é o senhor Spencer a quem vejo atrás das rédeas desta magnífica carruagem?

Ao ouvir a sensual e viva voz de Genevieve, Catherine afastou os olhos do senhor Stanton

e deixou de abraçar o seu filho.

—Boa tarde, senhora Ralston - disse Spencer, com um sorriso de orelha a orelha — Sim, sou

eu. Acabo de aprender a levá-lo.

Genevieve se aproximou do carro de dois cavalos do caminho rodeado de flores que levava

a casa ao mesmo tempo que seu ávido olhar envolvia aos três passageiros apertados no assento da

carruagem. Com um alegre vestido de musselina amarela decorado com pequenos ramos de lilás

bordadas, parecia um raio de sol de final do verão.

—Não acredito, estive a ponto de não lhe reconhecer, senhor Spencer - disse, sorrindo

diretamente ao jovem — Converteu-se em um lindo jovem desde a última vez que te vi.

Spencer se ruborizou ao ouvir suas palavras.

—Obrigado, senhora Ralston.

—E quem traz com você hoje a me ver? —perguntou com um sorriso zombador.

—Bom, a minha mãe, embora já a conhece.

—Sim, lady Catherine e eu nos conhecemos bem.

—E este é nosso amigo, o senhor Stanton. Viajou por todo o Egito com meu tio Philip.

Deveria pedir que lhe contasse a história de quando uns patifes lhe roubaram a roupa com uma

faca.

O calor queimou o rosto de Catherine assim que a imagem do senhor Stanton nu apareceu

em sua cabeça. O sorridente olhar de Genevieve examinou o senhor Stanton com descarado

interesse.

—Sou curiosa mesmo.

Catherine esclareceu garganta.

—Genevieve, permita-me que lhe presente formalmente ao senhor Andrew Stanton, o sócio

do meu irmão no museu que estão criando juntos. Senhor Stanton, apresento a minha grande

amiga, a senhora Ralston.

O senhor Stanton se desencaixou do assento e saltou agilmente no chão. Ofereceu a

Genevieve uma inclinação de cabeça formal e um amistoso sorriso.

—Encantado, senhora Ralston.

—O mesmo digo eu, senhor Stanton. Bem-vindo ao Little Longstone. Você está

aproveitando sua estadia?

—Muito. Fazia muito tempo que não tinha oportunidade de desfrutar de um ar tão puro e

de um quintal tão tranqüilo e colorido. —Indicou a profusão das bem cuidadas flores que lhes

rodeavam — Você tem um jardim excepcional.

O rosto do Genevieve se iluminou.

—Obrigado. Na verdade o mérito é só de Catherine. Foi ela quem ressuscitou todas as

flores. Não me deixou contratar um jardineiro.

—A um desconhecido? —interveio Catherine com a voz cheia de um horror fingido —

Cuidando de minhas pequenas? Jamais!

—Esta vendo? —disse Genevieve ao senhor Stanton com largo sorriso — Uma mulher

incrivelmente teimosa.

—Será? —disse o senhor Stanton com a viva imagem da mais exagerada das comoções no

rosto — Não tinha reparado nisso.

Dos lábios de Genevieve soltaram uma risada encantada.

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—Tomará o chá conosco?

—Obrigado, mas Spencer e eu vamos ao povoado.

—Em outra ocasião então?

—Não quero interferir em sua reunião com lady Catherine.

—Bobagens. Você tem que me contar a história desses ladrões e suas facas.

Andrew riu.

—Nesse caso, para mim será uma honra me unir a vocês outro dia. —Depois de uma breve

inclinação de cabeça em agradecimento, dirigiu-se à parte do carro que ocupava Catherine e

levantou a mão — Quer que a ajude, lady Catherine?

Catherine cravou o olhar em sua mão e engoliu a saliva. Não queria lhe tocar. A brutal

sinceridade de sua voz interior a qualificou imediatamente de mentirosa, e teve que apertar os

dentes. Maldição. Muito bem, desejava lhe tocar, mas temia muito fazê-lo. Temia sua própria

reação, principalmente se era algo semelhante ao que tinha experimentado quando o senhor

Stanton tinha tropeçado contra ela no corredor...

«Oh, deixe de ser ridícula», repreendeu-se. Era somente sua mão, uma mão que a ajudaria

para evitar que caísse no chão. Além disso, não iam se tocar, pois ambos estavam de luvas.

Demonstrando o que, conforme esperava pudesse passar por um sorriso despreocupado e

tranquilo, pôs sua mão na dele.

Os dedos de Andrew envolveram os seus com força e firmeza, e o calor ultrapassou a

malha de suas luvas, subindo pelo braço. Um calor adicional lhe corou as bochechas e Catherine

rezou para que ninguém percebesse isso. Assim que seus pés tocaram o chão, retirou a mão como

se Andrew a tivesse queimado.

—Obrigado. — protegeu os olhos contra a luz do sol que penetrava entre as árvores e

sorriu a Spencer— Aproveite sua excursão.

—Farei isso, mamãe.

O senhor Stanton se virou, como se estivesse a ponto de voltar a subir no carro. Entretanto,

em vez de fazê-lo, inclinou-se para ela.

—Não se preocupe - disse em voz baixa para que só ela pudesse lhe ouvir — Cuidarei bem

dele.

Subiu com um salto no assento do carro e, dedicando um sorriso e uma leve inclinação de

cabeça a Genevieve e a ela, indicou ao Spencer que podiam partir. Segundos depois, o carro se

afastava para o povoado.

Catherine seguiu olhando o veículo até que desapareceu depois da esquina ao final da rua.

Logo se virou para Genevieve e disse:

—Tenho novidades. —Pegou a carta de seu pai e a entregou a Genevieve.

Depois de ler a carta, Genevieve a devolveu com um sorriso de alívio.

—Então não há com o que se preocupar.

—Realmente. Bom, exceto pelo investigador contratado por lorde Markingworth e seus

amigos, embora não vejo de que modo possa descobrir nossa identidade.

—Excelente. —Genevieve olhou de novo à rua por onde tinha desaparecido o carro de dois

cavalos — Então este é o senhor Stanton -disse com a voz melosa. É muito diferente de como o

tinha imaginado depois de ouvir sua descrição.

—Ah, é? E como você o tinha imaginado?

Genevieve riu.

—Certamente não como esse homem alarmantemente atraente com esse sorriso devastador

e esses olhos comovedores. Querida, sua descrição não lhe faz absolutamente justiça. Poderia

descrever a esse glorioso homem em duas palavras: absolutamente divino.

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Um sentimento semelhante ao ciúme apareceu em Catherine.

—Nunca disse que era feio.

—Não, mas também não deixou transparecer em nenhum momento que fosse tão... —

deixou escapar um suspiro sonhador — tão absolutamente divino. Masculino e forte. Você não

notou nas maravilhosas covinhas quando ele sorri?

«Deus, sim.» Era difícil afastar os olhos dele.

—Na verdade não tinha reparado nelas, mas agora que você mencionou, sim, suponho que

tem covinhas.

—Parece ter se apegado muito com o Spencer.

—Sim. Estão preparando juntos uma certa surpresa que querem me dar.

—É mesmo? Que tipo de surpresa?

—Se soubesse, não seria uma surpresa - disse Catherine com um sorriso, fazendo eco das

palavras que o senhor Stanton lhe tinha dirigido pouco antes — Quando o senhor Stanton pediu

ao Spencer que lhe acompanhasse ao povoado, estava certa de que enfrentaríamos um momento

constrangedor. E imagine minha surpresa quando Spencer aceitou. Faz anos que deixei de lhe

pedir que me acompanhasse porque sabia que se negaria a sair dos jardins da casa. —Um sorriso

tímido apareceu em seus lábios — Se não estivesse tão satisfeita com a mudança de ânimo de

Spencer, estaria irritada com o senhor Stanton por ter conseguido em apenas vinte e quatro horas

o que eu não pude conseguir em todo este tempo.

—Obviamente, o motivo que se esconde depois da incomum decisão de seu filho terá que

buscá-lo no senhor Stanton. A presença de seu convidado está sem dúvida tendo um efeito

positivo sobre o Spencer.

—Sim. —Desgraçadamente, não estava só provocando um claro efeito sobre o Spencer.

O olhar de Genevieve procurou o seu, e todo rastro de diversão desapareceu

imediatamente.

—Sente alguma coisa por você.

Catherine sentiu que o fundo do estômago caía aos pés. Adotou um tom desenvolto para

dizer:

—É obvio que sente algo por mim. É meu filho.

Genevieve a observou com um olhar tão penetrante que Catherine estremeceu.

—Não me referia ao seu filho.

Catherine acalmou as emoções em seu rosto até esboçar com eles uma expressão que rezou

para que passasse por surpresa.

—Ah. Bom, qualquer sentimento que o senhor Stanton possa ter por mim não vai além de

uma mera demonstração de cortesia para a irmã de seu melhor amigo.

—Está enganada, Catherine. Não entendo como não se deu conta. Não percebe como ele te

olha? Acredite em mim não se trata só de uma amostra de cortesia.

O rosto Catherine ruborizou.

—Creio que você precisa de óculos, querida.

—Tenho certeza que não. Ele não disse o que sente por você?

—Agora que mencionou, sim. Disse que eu sou teimosa e irritante. «E formosa.»

Genevieve riu.

—Oh, sim, está total e perdidamente apaixonado. Querida, ele pode te considerar teimosa,

o que é certo, e irritante, algo que pode se dizer de qualquer um dependendo da situação. Ainda

assim, te deseja.

—Ora - zombou Catherine, pondo todo seu empenho em esconder o repentino

pressentimento que assaltou seu coração. Céus, Genevieve estaria certa? E, se for assim, por que a

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possibilidade de que o senhor Stanton a desejasse lhe acelerava o coração em vez de horrorizá-la?

—Pode soltar quantos «ora» deseje, mas, como bem sabe, tenho grande experiência nestas

coisas, Catherine. Esse homem sente uma grande atração por você. E o fato de você se negar a ver

o que tem bem diante dos olhos não faz mais do que me sugerir que você também se importa com

ele.

—Te garanto que não! Como já te disse, é um homem absolutamente irritante.

—Embora muito atraente.

—Teimoso e obstinado.

—Algo que ambos têm em comum - disse Genevieve com um sorriso zombador.

—Briguento.

—Embora bondoso com seu filho.

Essas palavras deixaram Catherine gelada.

—Sim - concordou brandamente, desconcertada.

—E não acredito ter visto um homem com uma boca mais atraente.

Uma afirmação que a desconcertou ainda mais. A imagem da atraente boca do senhor

Stanton piscou em sua mente. Essa atraente boca que com grande suavidade tinha encostado em

sua pele... ou tinha sido só impressão? Tinha sido tão rápido, tão doce... A sensação de perceber o

contato de seu corpo contra suas costas parou seu coração. Deixando-a sem fôlego. Lançando por

todo seu ser raios de ardente desejo que debilitaram os seus joelhos.

E tudo tinha ocorrido em no máximo dois simples segundos.

Deus santo, o que teria ocorrido se em vez de dois, os segundos tivessem sido três? Ou

meia dúzia?

—Catherine? Está bem? Está vermelha.

Sem dúvida, pois se sentia como se alguém tivesse botado fogo na sua saia. Piscou para

afastar de si seus errantes pensamentos e disse:

—Estou bem. É que simplesmente está muito calor, aqui, de pé ao sol.

—Então vamos entrar e tomar uma taça de chá. Baxter acabou de tirar do forno uma

bandeja de biscoitos.

Embora um chá quente não fosse o que Catherine desejava, consciente de que era muito

mais seguro do que realmente estava desejando, decidiu que pelo menor era uma sábia escolha.

Entretanto, enquanto desfrutava de uma trégua do senhor Stanton em companhia de

Genevieve, sabia que não demoraria para enfrentar outra noitada em casa nessa mesma noite.

Uma noite compartilhando o jantar, histórias e jogos. «Evitar e ignorar». Sim, não podia esquecer

em nenhum momento. Simplesmente tinha que evitar e ignorar esses doentios desejos que a

presença do senhor Stanton provocava nela.

Mas como?

—Me diga, - disse Genevieve ao entrar em casa — Você irão, o senhor Stanton e você, esta

noite à recepção na casa do duque de Kelby? Conforme ouvi falar no povoado, chegou um grupo

de convidados de Londres, assim essa noite promete ser uma interessante diversão.

Catherine se lembrou então do convite que tinha encontrado entre a correspondência da

manhã. Não tinha intenção de ir, pois não desejava dar ao duque a menor esperança.

—Não acredito que... —Sua voz se apagou assim que se deu conta de que a noitada lhe

proporcionava a oportunidade perfeita para evitar outra noite caseira em casa.

Sorriu.

—Acredito que não perderia isso por nada do mundo.

Uma mão enluvada se fechou sobre o pesado cortinado de veludo de cor verde e afastou o

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tecido para o lado. No outro lado da janela, o povo de Little Longstone agitava-se com seus

afazeres, mas o único som que enchia o ambiente era o tic tac do relógio que estava sobre o

suporte da lareira e um soltou lentamente um suspiro de frustração.

Aí estavam esses idiotas, caminhando, falando, rindo, comprando, como se não tivessem

nenhuma preocupação. Como se nenhuma vida tivesse sido destroçada.

Mas nenhuma mais seria. «Eu me encarregarei disso.»

A cortina caiu de novo, voltando para seu lugar.

«Conseguiu sobreviver na última vez. Na próxima não “conseguirá.»

Capítulo 10

A mulher moderna atual pode perfeitamente ver-se convertida em objeto do afeto de um

ou mais cavalheiros. Essa é uma invejável posição, posto que sempre é vantajoso ter escolhas.

Entretanto, quando escolher um dos cavalheiros, a melhor forma de desanimar aos outros

restantes é deixar claro que seus afetos se reclamam em outro lugar.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Essa noite, Andrew estava sentado diante de lady Catherine na carruagem. Dirigiam-se à

recepção oferecida pelo duque de Kelby. Embora Andrew preferisse desfrutar de outra noite

caseira como a anterior em vez de assistir a uma reunião em que só Deus sabia quantos homens

disputariam a atenção de lady Catherine, pensava aproveitar todas as oportunidades para cortejá-

la que a noite pudesse lhe oferecer. E se em uma dessas oportunidades fosse possível desanimar à

concorrência, melhor ainda. Com sua iminente partida de Little Longstone pesando sobre sua

cabeça como uma escura nuvem de condenação, tinha decidido aproveitar o tempo.

Justamente nesse momento, lady Catherine lhe sorriu e o coração esteve a ponto de sair do

peito. Com um vestido de musselina turquesa claro e laços combinando enlaçados entre seus

reluzentes cachos castanhos, Catherine tirava o fôlego. Por Deus, não via o dia de poder apertá-la

livremente entre seus braços e beijá-la, deixando assim de ter que observá-la à distância.

Devolveu-lhe o sorriso e disse:

—A cor de seu vestido lembra às belas e cintilantes águas do Mediterrâneo. Você está, - seu

olhar a percorreu, posando-se em seus lábios durante vários segundos antes de voltar para seu

olho—imponente.

Catherine sentiu que o calor deixava seu rosto vermelho.

—Obrigada. —Repassou com o olhar a jaqueta azul marinho, a gravata atada e as calças de

cor nata de Andrew, e teve que apertar os lábios para reprimir um suspiro de apreciação feminina.

Podia um homem estar imponente? Um olhar a seu companheiro assegurou com claridade que

era assim — Poderia dizer o mesmo de você.

—Poderia dizer? —provocou-a — Ou diz?

Seu sorriso esteve a ponto de cortar seu fôlego.

—Você está tentando me provocar, senhor Stanton?

—Deus me livre. Simplesmente estou tentando comprovar se me dedicou um elogio

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verdadeiro.

Catherine enrugou os lábios e fingiu pensar na questão com profundidade.

—Meu Deus. Acredito que fiz sim.

—Nesse caso, meu muito obrigado, senhora. Reconheço que ninguém tinha me chamado

de «imponente» até agora. Diga-me, Spencer te contou sobre as nossas aventuras no povoado?

—Sim, embora fiquei com a impressão de que não me contou tudo, para não estragar a

surpresa. Pelo pouco que me disse, parece que foi tudo bem.

—Certo.

—Me disse que várias pessoas o olharam com cara estranha, mas que «o senhor Stanton

pôs todos em seu lugar». Disse-me que vocês se apresentaram, a todas as pessoas que

encontraram pelo caminho e a todos os donos das lojas que visitaram.

O senhor Stanton assentiu.

—Quando as pessoas ficavam sabendo que ele era seu filho, mostravam-se muito amáveis.

Todas as pessoas com as que falamos lhe mandaram saudações. Alguns nos olhavam, mas

tranqüilizei Spencer lhe dizendo que o mais provável é que lhe olhassem por simples curiosidade

e não por desconsideração.

—Conforme me contou você lhe disse que se alguém se mostrasse mal educado com ele,

você sairia aos murros com essa pessoa.

—Sim, essas foram minhas palavras exatas. - concedeu o senhor Stanton sem a menor

hesitação.

Catherine não conseguiu reprimir o sorriso que aparecia a seus lábios.

—Bem, embora reconheça que possivelmente o método não seja muito civilizado, agradeço

a idéia. Confio que a boa gente de Little Longstone não tenha considerado oportuno pôr a prova

seu talento de lutador.

—Foram todos modelos de amabilidade. De fato, até vimos alguém a quem conheço. A

uma das investidoras do museu.

—Ah, sim? Quem?

—À senhora Warrenfield. Sofre de diversas enfermidades e está de visita a Little Longstone

para tomar banho nos mananciais. Mencionou a festa que o duque oferece esta noite, de modo que

suponho que assistirá. —Vacilou e logo acrescentou—Ficou surpresa que Spencer desejasse

aventurar-se até o povoado.

—A verdade é que fiquei perplexa. Spencer adora perambular pelos terrenos da

propriedade, caminhar até os mananciais e passear pelos jardins. A propriedade é privada e estou

muito grata de que ele tenha este lugar para poder se mover sozinho, fortalecendo-se com isso e

me permitindo assim não ter que me preocupar, que, coisa que receio estar acostumada a fazer

com freqüência. Mas sempre se mostrou tímido em sair da propriedade. Faz alguns anos que

simplesmente deixei de lhe perguntar se queria me acompanhar.

—Entendo que sofresse e que se preocupasse com ele, e lhe agradeço que confie o bastante

em mim para deixar que me acompanhasse. Spencer também ficou grato.

—Nunca duvidei que estivesse em boas mãos. Embora devo admitir que tinha a

preocupação de alguém ferir os sentimentos de meu filho, confiei que você não duvidaria em...

—Esmurrar? Não sabe o prazer que isso teria me dado.

Catherine baixou os olhos e alisou os fios de cetim de sua saia.

—Quando Spencer terminou de me contar sua tarde no povoado, contei do disparo. —

Levantou então os olhos e enfrentou sem rodeios o olhar do senhor Stanton — Permito que me

diga «eu te disse».

—Ficou bravo.

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—Por enfim confiar nele. Insistiu em que lhe contasse todos os detalhes, me interrogando

igual a um investigador do Bow Street com o suspeito de um crime. Tive um grande esforço para

convencê-lo de que estava bem.

—E está?

—Sim, estou perfeitamente.

—E conseguiu convencer Spencer com sua argumentação?

—Não exatamente. Exigiu ver minha ferida. Depois de comprovar com seus próprios olhos

que se tratava apenas de um arranhão, nossa conversa mudou para outro assunto.

—Ficou chateado por não ter contado a ele.

—Estava chateado, zangado, preocupado. Espero não voltar a ver nunca a expressão que vi

em seu rosto.

—Spencer se preocupa com você tanto quanto você se preocupa por ele. Nem sempre

podemos evitar que nossos entes queridos se preocupem. Às vezes, temos que nos limitar

simplesmente a deixar que o façam.

—Spencer me disse algo muito parecido... Exatamente depois de me lembrar que já não era

um menino. Me fez prometer que nunca mais vou esconder nada importante. —Um extremo de

sua boca se curvou para cima — Naturalmente, eu quero dele a mesma promessa.

—Então, no final tudo se acertou.

Assentiu.

—Acredito que, no fundo, tinha plena intenção de contar-lhe, mas me ofendeu que você me

dissesse o que devia fazer. Faz anos que não tenho um homem aos meus pés me dizendo o que

devo ou não devo fazer.

—Sem dúvida, você se refere ao uso mais elegante da expressão «aos meus pés» - disse

Andrew com um brilho de suas covinhas — E não era minha intenção dizer o que você deve fazer.

Simplesmente era uma sugestão.

—Sou consciente disso... agora. Entretanto, reagi mal no momento, e sinto muito. —

Esboçou um sorriso tímido — Temo que à mulher moderna atual não goste que lhe dêem ordens.

Andrew foi para trás em uma amostra de exagerada surpresa.

—De verdade? Nunca ouvi nada sobre isso.

Catherine riu.

—Quanto ao Spencer, ele se mostrou muito maduro em seu empenho por cuidar de mim.

—Bom, Acho que é assim que fazem os homens quando querem cuidar de uma mulher que

amam.

As palavras, pronunciadas com suavidade pela sua voz, provocaram uma revoada de

mariposas no estômago de Catherine.

—Entretanto, a mulher moderna atual pode cuidar de si mesmo.

—Mesmo assim, é sempre muito agradável ter alguém com quem compartilhar as coisas

boas e más que a vida oferece.

Catherine meditou nessas palavras durante uns segundos e logo assentiu.

—Sim, suponho que seja verdade.

Andrew se inclinou para frente, apoiou os antebraços nos joelhos e a observou

demoradamente. Catherine conteve o fôlego ao tomar consciência da repentina proximidade do

senhor Stanton que enchia sua cabeça com seu aroma limpo e masculino. O coração pulsou com

força no peito ao ver a expressão de seriedade que revelaram seus olhos escuros.

O silêncio se instalou no interior da carruagem durante vários segundos até que Andrew

disse:

—Você se deu conta de que estamos neste carro quase há vinte e cinco minutos e ainda não

Page 78: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

discutimos? De fato, se não me engano, acabamos de concordar com algo.

Catherine piscou.

—Por Deus, você tem razão.

—De novo estamos de acordo!

—E isso apesar de que foram pronunciadas as palavras «mulher moderna atual».

—Três vezes - disse o senhor Stanton.

—Duas.

—Ah. Já sabia que era muito bom para que durasse.

Catherine não pôde reprimir um sorriso, absorvendo o calor que a banhou quando sorriu.

A carruagem se deteve com uma sacudida e Catherine se obrigou a afastar os olhos de Andrew

para olhar pelo guichê. Acabavam de chegar a Kelby Manor.

Uma casa cheia de gente onde não teria que passar uma confortável noite a sós com o

senhor Stanton, que era exatamente o que precisava.

E como já havia descoberto durante o agradável passeio em uma carruagem, era cada vez

mais difícil evitar e ignorar o senhor Stanton.

Fazendo girar um brandy em uma das taças de delicado cristal do duque, Andrew ficou

entre um grupo de cavalheiros que falavam de certo tipo de técnicas de exploração granjeira. Ou

possivelmente falassem de ovelhas. Ou seria de finanças? Tinha a atenção tão firmemente

concentrada no outro lado do salão, por isso não tinha muita certeza.

Lady Catherine estava perto da lareira, falando com sua amiga, a senhora Ralston, e,

embora estivesse feliz apreciando o belo perfil de lady Catherine durante toda à noite, estava de

fato mais concentrado nos homens que dirigiam seus olhares nessa direção.

A julgar pelo número de cavalheiros pressentes que Andrew tinha conhecido na festa de

aniversário de lorde Ravensly em Londres, obviamente o duque tinha cumprido com sua

promessa de convidar seus amigos a tomar banho nos mananciais. Parados perto da poncheira,

lorde Avenbury e lorde Ferrymouth tinham o olhar fixado em lady Catherine como quem olha um

doce na vitrine de uma confeitaria. Lorde Kingsly também estava, aquele infame casado, olhando-

a de um modo que Andrew não pôde evitar apertar a mão ao redor da taça. E, perto das grandes

janelas, estava o doutor Oliver, que tinha sido apresentado a Andrew pouco depois de sua

chegada à festa, olhando lady Catherine com o que supôs eram seus «olhos sonhadores». Não

custaria muito Andrew esmurrar esses dois malditos olhos sonhadores...

—Você concorda, senhor Stanton?

Andrew voltou abruptamente à atenção à conversa. O duque, lorde Borthrasher, o senhor

Sydney Carmichael e lorde Nordnick lhe olhavam esperando sua resposta.

—Com o quê?

—Que hoje em dia as mulheres expressam suas opiniões de maneira muito direta - disse o

duque.

—Reparei nisso, sim - disse secamente — Embora prefira que uma dama diga o que pensa.

—Entretanto, freqüentemente o que pensam não são mais que bobagens - protestou lorde

Borthrasher.

—Suponho que isso depende da dama em questão - disse Andrew.

—Bom, se querem saber minha opinião, são muito teimosas - disse o duque — Minhas

sobrinhas, sem ir muito longe. —Assinalou com a cabeça ao trio de jovens com vestidos de varias

cores que conversavam perto das portas abertas que levavam ao terraço — Não há um só

pensamento inteligente entre esse grupo de bobinhas. Um momento atrás, a menor me informou

que não tinha a menor intenção de se casar para conseguir fortuna... de que só se casará por amor.

Page 79: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Menina ridícula. É responsabilidade de um pai arrumar casamentos vantajosos, uniões de fortunas

e propriedades.

—Está extremamente fora de moda estar apaixonado por sua mulher - apontou lorde

Borthrasher. Virou-se para lorde Nordnick— Espero que você tenha a intenção de escolher

sabiamente, Nordnick.

Uma sombra de profundo carmesim tingiu de rubor o pescoço do jovem.

—Sem dúvida é possível conseguir um casamento vantajoso com uma mulher a que

também se ame.

—Bobagens - disse o duque, agitando a mão— Escolha a esposa pela sua família e fortuna e

considere-se afortunado se for alguém com quem possa viver sem excessivas preocupações.

Reserve seu amor para sua amante.

Lorde Nordnick olhou para Andrew.

—Você é norte-americano, senhor Stanton. Como tal, você tem uma opinião diferente?

—Sim. Acho que devemos deixar as meninas escolherem seus maridos

Lorde Borthrasher pigarreou.

—E você, Carmichael? Qual é sua opinião?

—É dever e direito de todo pai casar a sua filha como o marido oportuno - disse o senhor

Carmichael.

Andrew se esticou. Antes de poder se conter, perguntou com suavidade:

—E se a filha não está de acordo com o noivo eleito por seu pai?

O senhor Carmichael se voltou para ele com um olhar zangado. Levantou a mão para

acariciar o queixo e o diamante de seu anel cintilou.

—Seria uma amostra da pouca sabedoria de sua parte. Interferir nessa classe de disposições

não é mais que pedir um desastre a gritos.

—Bem, espero que meu cunhado consiga casar a essas três meninas - disse o duque — E,

quanto antes, melhor.

Um movimento no outro extremo da sala captou a atenção de Andrew, que se virou para

olhar. O doutor Oliver se dirigia para lady Catherine.

—Me desculpem cavalheiros. — Com uma leve inclinação de cabeça, Andrew abandonou

seu círculo. Entretanto, antes de cruzar o ambiente, inclinou-se por detrás de lorde Nordnick e

disse — Sei de boa fonte que lady Ofélia adora tulipas.

Satisfeito por ter feito o que estava em sua mão para dar asas às tentativas de cortejo do

Nordnick, tinha chegado o momento de se preocupar com as suas próprias tentativas. Enquanto

cruzava o salão, seu olhar percorreu o doutor Oliver, atormentando-o por sua crítica avaliação.

Esperava que o doutor fosse um homem velho, decrépito e frágil. Calvo. Com uma dessas

espantosas barrigas. E com os dentes marrons. Ou, melhor ainda, sem dentes. Com cara de cão de

caça. Um cão de caça feio, calvo, gordo e desdentado.

Desgraçadamente, o doutor era um homem alto, robusto e sem dúvida era bem novo, devia

ter uns trinta anos. Andrew notou carrancudo, que o rosto do doutor Oliver, aquele rosto formoso,

acendia-se como uma maldita vela ao aproximar-se de lady Catherine. Seu sorriso revelou uma

fila de dentes perfeitos e imaculadamente brancos. Andrew foi pego de um irreprimível desejo de

desnivelar esses dentes.

—Poderia falar com você só um instante, Oliver? —perguntou, detendo estrategicamente o

homem antes que chegasse à lareira.

O doutor Oliver se deteve e saudou Andrew com uma inclinação de cabeça.

—É obvio. Não tive oportunidade de falar muito com você quando nos apresentaram. É

um grande prazer conhecer o explorador que está criando o museu com o irmão de lady

Page 80: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Catherine. Os relatos de suas façanhas com lorde Greybourne foram fonte de longas horas de

entretida conversa entre lady Catherine e eu.

—Verdade? —disse Andrew com suavidade — Lady Catherine te contou a lenda do infeliz

pretendente?

O doutor Oliver franziu o cenho e negou com a cabeça.

—Não me lembro.

—Uma história realmente triste. Um jovem mal aconselhado, que, casualmente, também

era médico. Sendo a dama extremamente bonita, o homem, que era muito razoável, compreendeu

a fascinação que o médico sentia por ela e decidiu que lhe daria um aviso sábio. Olhou o médico

diretamente nos olhos e lhe disse: «A dama te considera somente como um amigo, e seria muito

sábio de sua parte sempre se lembrar disso. “Se e fizer só mais uma insinuação a minha mulher,

serei obrigado a lhe fazer mal». - Andrew sacudiu a cabeça com gesto triste— Pequeno grupo de

bárbaros, os antigos egípcios.

Lentamente, a compreensão foi iluminando o olhar do médico e sua mandíbula se esticou.

—Meu Deus. E o que fez o médico?

—Segundo conta a lenda, bateu em retirada. Uma decisão inteligente.

Olharam-se durante vários segundos e logo o doutor Oliver disse:

—Estou convencido de que se o médico bateu em retirada foi porque se deu conta de que a

dama realmente o via só como a um amigo. Não porque fosse um covarde. —inclinou-se para

diante e baixou a voz — Porque se a dama tivesse dado a menor indicação de que o via como algo

mais que um amigo, bem, nesse caso acredito que o outro cavalheiro se veria sem dúvida com

uma briga entre mãos.

Andrew manteve a expressão impassível, embora mentalmente não pudesse deixar

aplaudir o médico. Se não fosse por lady Catherine, de fato possivelmente teria sentido simpatia

por esse homem.

—Acredito que nos entendemos.

—Sim, acredito que sim. E, se me desculpar, senhor Stanton... —Com uma seca inclinação

de cabeça, Oliver lhe deixou para dirigir-se para a poncheira.

Excelente. Outro pretendente fora de jogo. Andrew olhou ao seu redor e, assim que seu

olhar posou em lorde Kingsly, seus olhos se apertaram. Era evidente que Kingsly, era igual a

vários outros cavalheiros, fariam bem em ouvir o relato do desafortunado pretendente.

Catherine estava sozinha junto à lareira, tomando seu xerez e esperando a volta de

Genevieve. De fato, quando Genevieve se desculpou um instante, ela se havia sentido aliviada.

Pela primeira vez no decorrer de sua longa amizade, tinha sido difícil seguir o fio da conversa de

sua amiga. Viu-se obrigada a dizer «Perdão?» em três ocasiões, e tudo por culpa dele. A noite não

corria como tinha imaginado. Oh, a parte de seu plano apoiada na arte de evitar funcionava

esplendidamente. Pouco depois de sua chegada à recepção, tinha deixado o senhor Stanton em

companhia do duque e de vários cavalheiros mais para ir se reunir com a Genevieve. Era na parte

que deveria ignorar que estava fracassando. Sabia perfeitamente o número de vezes que o senhor

Stanton se moveu pela sala. Quantas vezes falou com alguém novo. Quantas vezes se aproximou

da poncheira. Presa no desespero havia por fim decidido ficar de costas para o salão. Entretanto,

se viu aguçando o ouvido com intenção de captar o som de sua voz e lançando apressadas olhadas

por cima do ombro para ficar sabendo a localização do senhor Stanton.

Nunca antes tinha estado tão dependente de alguém. Jamais tinha sido difícil ou tão

absolutamente impossível ignorar alguém. Era uma sensação inquietante e confusa, e não tinha a

menor dúvida de que não gostava nem um pouco.

Page 81: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Genevieve se reuniu com ela e disse, baixando a voz:

—Querida, acabo de ouvir uma conversa fascinante.

—Ah, é? Entre quem?

—Entre seu senhor Stanton e o doutor Oliver.

O calor se apropriou das bochechas do Catherine.

—Não é meu senhor Stanton, Genevieve.

—A julgar pelo que acabo de ouvir, acredito que é sim, queira você ou não. Acaba de

manifestar suas intenções diante do doutor Oliver, e de uma forma notavelmente inteligente, devo

acrescentar, com auxílio de uma história chamada «a lenda do desafortunado pretendente».

—Manifestar suas intenções? Ao que se refere?

Catherine escutou atentamente enquanto Genevieve relatava a conversa que acabava de

escutar.

Quando terminou, Genevieve deixou escapar um suspiro encantado.

—Esse homem é simplesmente divino, Catherine.

O calor queimava Catherine, que tentava se convencer que isso não passava de calor

devido a vergonha. Do ultraje diante da manifestação ousada do senhor Stanton. Entretanto, por

mais que se empenhasse, não podia negar o estremecimento feminino e quase primitivo que a

percorreu.

—Oh, voltar a ser desejada desse modo... —Um sorriso lento e malicioso curvou os lábios

de Genevieve — Se não fosse por minhas mãos, estou convencida de que competiria contigo pelos

cuidados do senhor Stanton.

Um ciúme intenso tomou conta de Catherine.

—É todo seu - disse com expressão rígida.

Genevieve riu.

—Querida, quem me dera que suas palavras fossem sinceras e minhas mãos não

estivessem entrevadas nem o cavalheiro tão profundamente apaixonado por você... —

Interrompeu suas palavras e se aproximou de Catherine para sussurrar— Aí vem ele.

Antes que Catherine pudesse tomar fôlego, o senhor Stanton apareceu diante dos seus

olhos.

—Posso acompanhá-las, senhoras?

—É claro, senhor Stanton - disse Genevieve com um deslumbrante sorriso — Uma festa

deliciosa, não é mesmo?

—Sem dúvida. Estou aproveitando muito.

—Você está sendo muito sociável, senhor Stanton - disse Catherine, encantada por verificar

como sua voz soava fria em contraste com o calor que a queimava — Diria que falou você com

todas as pessoas da sala.

—Só tentava animar um pouco a festa.

—Estávamos falando da competição - disse Genevieve, cujos olhos se mostraram cheios de

um interesse inocente.

A certeza de Catherine de que a temperatura que alimentava o calor de suas bochechas não

podia subir nem mais um grau era errada, e lançou um olhar repreensivo a sua amiga, olhar que

Genevieve ignorou alegremente.

—Da competição? —repetiu o senhor Stanton — Em relação aos eventos esportivos?

Genevieve negou com a cabeça.

—Em relação aos assuntos do coração. Seria tão amável de nos dar sua opinião?

O olhar do senhor Stanton se posou então em Catherine e o atraente olhar de seus olhos

escuros a paralisou. Logo, Andrew voltou sua atenção para incluir Genevieve em sua resposta.

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—Identificar o competidor —disse — e superar sua estratégia.

—Excelente conselho - disse Genevieve, assentindo de modo aprovador— Não concorda,

Catherine?

Catherine teve que engolir a saliva duas vezes para encontrar a voz.

—Sim, sim.

—A música está a ponto de começar - disse Genevieve — Conhece você os passos de

nossos bailes campestres, senhor Stanton?

—Claro.

—A valsa?

O senhor Stanton sorriu.

—Extremamente bem.

—Excelente. Estou certa de que não lhe faltarão casais. —Genevieve se inclinou para diante

e baixou a voz em um gesto conspirador — As sobrinhas do duque mostram um vivo interesse

por você.

—Como? —disseram Catherine e o senhor Stanton ao uníssono.

—As sobrinhas do duque. Estão tão animadinhas.

O olhar de Catherine se fixou no trio de jovens damas. Três olhares fascinados estavam

presos no senhor Stanton como fosse uma nova espécie de animal exótico. Sentiu uma cãibra

desagradável e indesejada que Catherine estava começando a reconhecer muito bem.

O quarteto de corda tocou uma série de arpejos e se lançou a tocar sua primeira peça, uma

valsa.

O senhor Stanton se virou para Catherine e lhe ofereceu uma formal inclinação de cabeça.

—Já que foi impossível compartilhar um baile na festa de aniversário de seu pai, posso

agora solicitar tal honra?

O bom senso lhe indicou que dançar com ele, deixar-se estreitar entre seus braços, não se

encaixava em sua tática de «evitar e ignorar». Mas tudo o que havia nela de feminino desejava

aceitar sua oferta. Fazia muito tempo que não dançava. E desejava tanto dançar com ele...

—Será um prazer - disse.

Posando levemente os dedos no antebraço que lhe oferecia o senhor Stanton, ambos se

dirigiram à pista de baile. Andrew a fez girar até que ela ficou de cara com ele e Catherine teve

que conter o fôlego ao ver a expressão de seus olhos. Antes de conseguir decifrar esse olhar, sua

mão ficou envolta na dele enquanto a palma do Andrew se posou com firmeza na base de sua

coluna e a dela sobre seu largo ombro. Logo... pura magia.

O salão começou a girar em um redemoinho colorido enquanto ele a guiava com mão

perita ao redor do brilhante chão da pista. Ali onde a mão de Andrew tocava suas costas, o calor

se expandia por todo seu ser, envolvendo-a ardentemente, como se estivesse sob um raio de sol.

Catherine notava a flexível força de seu ombro sob as pontas dos dedos e prazerosos

formigamentos subiam por seu braço do imperceptível espaço existia entre as mãos entrelaçadas

de ambos. O aroma do senhor Stanton, essa deliciosa mescla de linho, sândalo e algo mais que

pertencia só a ele, enchia-lhe a cabeça, quase a enjoando.

Tinha a sensação de flutuar sobre a pista, voando entre seus fortes braços enquanto tudo e

todos, desapareciam em um plano secundário exceto aquele homem cujo olhar em nenhum

momento se separou do seu, sua expressão encantada a fazia sentir de algum modo formosa e

mais mulher. Feminina e excitante. Jovem e despreocupada. Estimulada, com o coração pulsando

de puro prazer, dando uma sensação de liberdade como não tinha conhecido até então,

obrigando-a a usar toda sua educação para não jogar para trás a cabeça do modo menos

apropriado para uma dama e simplesmente rir diante da mais pura e absoluta felicidade.

Page 83: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Quando o senhor Stanton finalmente a parou, Catherine nem sequer tinha reparado que a

música tinha terminado. Durante o espaço de vários segundos, nenhum dos dois se moveu e

seguiram de pé na pista presos a uma dança imóvel. Sons errantes de sua respiração apareceram

entre os lábios separados de Catherine, embora não soubesse dizer se seu esforço na respiração se

devia ao baile ou ao homem que seguia tocando-a. Ao olhá-lo, teve a impressão de que seus olhos

escuros ocultavam centenas de secredos, milhares de pensamentos, e de repente se viu

desesperada para conhecer cada um deles.

O aplauso dedicado aos músicos a tirou de seu estado inconsciente. Andrew a soltou

devagar e imediatamente ela chorou a perda de seu calor e de sua força. Depois de se acalmar, não

sem evidente esforço, aplaudiu cortesmente e sorriu ao senhor Stanton.

—Dança você muito bem, senhor Stanton.

—Encontrei a inspiração em meu par.

—Receio que estou tremendamente destreinada.

—Não foi a impressão que tive. Mas, peço que me considere ao seu dispor se desejar pôr

em prática suas habilidades.

A tentação de passar horas desfrutando da deliciosa sensação de girar ao redor da pista

com ele esteve a ponto de atormentá-la.

Não, voltar a dançar com ele seria um engano mais do que evidente. E só provaria

novamente o fracasso de sua tática de «evitar e ignorar». Mesmo assim, não tinha o menor desejo

de dançar com nenhum outro dos presentes.

O som de risadas femininas captou sua atenção e Catherine se virou. As três sobrinhas do

duque se aproximavam nesse instante a eles com os olhares presos no senhor Stanton, cada uma

das jovens à espera de um convite para dançar.

Alarmada, Catherine se deu conta de que não só não tinha o menor interesse em dançar

com nenhum outro cavalheiro que não fora o senhor Stanton, mas também não desejava que este

dançasse com ninguém que não fosse ela. As palavras anteriores de Andrew ressonaram em sua

cabeça: «Identificar o competidor e superar sua estratégia». Levantou os olhos para olhá-lo e disse

com suavidade:

—Creio que me encontro um pouco... acalorada. Se importa se voltássemos para casa?

Imediatamente, a preocupação apareceu nos olhos de Andrew. Apesar do olhar do senhor

Stanton dar uma certa pontada na consciência de Catherine, era verdade que se sentiu

tremendamente acalorada.

—É obvio que não - foi a imediata resposta de Andrew — Vamos agora mesmo.

Catherine tentou de todas as maneiras passar por cima da vermelhidão de prazer que a

invadiu diante a inegável disposição de Andrew, vermelhidão que previa não ser nada boa para

sua estratégia apoiada nas premissas de «evitar e ignorar».

Tentou, mas fracassou.

Capítulo 11

Freqüentemente o destino sorri, apresentando à mulher moderna atual a incomum e

preciosa oportunidade de obter o desejo mais secreto de seu coração. De encontrar-se em tão

afortunada e gloriosa circunstância, deveria pronunciar as palavras Carpe Diem e não duvidar

em aproveitar o dia, pois possivelmente seja sua única oportunidade. Ser uma mulher de ação, e

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não de lamentos, pois são as coisas que não fazemos as que nos causam pesar.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Andrew percorria seu quarto de um lado ao outro, alternando o olhar entre as brasas

ardentes da lareira e o jardim iluminado pela lua do outro lado da janela. Passou andando

majestoso enfrente da cama e lançou um olhar escuro e carrancudo ao edredom azul marinho.

Apesar da cama parecer confortável, não tinha vontade de se deitar, pois sabia muito bem que o

sono não chegaria. Sua mente, seus pensamentos estavam cheios. Por ela.

Catherine. Com um gemido, deteve-se diante das brasas acesas da lareira e passou as mãos

pelo rosto, recordando vividamente a expressão de júbilo dela enquanto dançavam essa noite ao

ritmo da valsa. O delicioso contato de seus braços, seus belos olhos iluminados de pura felicidade,

seu delicado aroma floral lhe enchendo a cabeça. Havia usado até a última grama de seu poder de

autocontrole para evitar puxá-la para ele e lhe confessar seu amor na presença de toda aquela

coleção de convidados.

Apesar do delicioso percurso na carruagem e a posterior valsa lhe tinha proporcionado um

pouco de esperança em relação ao seu plano para cortejá-la, essa luz se extinguiu completamente

assim que retornaram a vila Bickley e Catherine se desculpou imediatamente, se retirando.

Uma semana. Dispunha de uma condenada semana para cortejá-la. Para conseguir que se

apaixonasse por ele. Que mudasse de opinião e considerasse a possibilidade de voltar a se casar.

Para convencer ela que eles se pertenciam. De que, apesar de seu berço plebeu, seria um bom

marido para ela e um bom pai para o Spencer. Que a amava tanto que vivia em uma nuvem de

dor.

Fechou com força os olhos, ao se ver com medo. Uma semana... a não ser que algo drástico

ocorresse, pressentia com clareza que não lhe convidaria a ficar mais tempo, e, em qualquer caso,

ele tinha que voltar para Londres para fiscalizar os serviços do museu. Não, no prazo de uma

semana, ele retornaria a sua vida na cidade e ela ficaria ali.

Uma semana. Inclusive embora, por um milagre, fosse capaz de terminar todas essas suas

tarefas aparentemente impossíveis e conseguisse convencê-la para que aceitasse compartilhar seu

futuro com ele, não podia ignorar o que ocorreria quando revelasse seu passado. Catherine o

rejeitaria quando lhe confessasse segredos, que nunca contou a ninguém? As circunstâncias que

tinham lhe obrigado a abandonar a América do Norte?

Abriu os olhos e fixou o olhar no fogo, procurando inutilmente respostas nas oscilantes

chamas alaranjadas. Sua consciência se debatia na mesma dúvida que se enfrentava cada vez que

pensava na desalentadora pergunta de revelar ou não seu passado. Odiava a idéia de mentir ou de

que existissem segredos entre ambos. Gostava de pensar que, se surgia a ocasião, contaria a ela.

Mas será faria? Deus santo, não sabia. Se fosse tão afortunado para obter finalmente seu

favor, se arriscaria, poderia se permitir arriscar a perdê-la lhe dizendo a verdade? A consciência

apressava a dizer-lhe que Catherine merecia a verdade. Mas logo se impunha a racionalização que

sempre retorcia as suas vísceras até fazer com elas um nó impossível: ninguém, exceto ele, sabia.

Se não disesse, ela jamais saberia.

Com um suspiro comprido, mexeu nos cabelos e afastou a questão de sua cabeça,

deixando-a sem resposta mais uma vez. Agora tinha que se concentrar em revisar sua estratégia

para cortejá-la, porque, até o momento, seu cuidadoso plano não estava dando o deslumbrante

êxito que tinha esperado. Precisava de um novo, e, levando em conta as restrições temporárias e o

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fato de que havia outros pretendentes ameaçando no horizonte, tinha que ser um plano não só

drástico, mas também brilhante. Mas qual? «Maldição. Preciso de ajuda. “Necessito...»

De repente uma idéia apareceu em sua mente e Andrew ficou paralisado durante uns

segundos. Sim... provavelmente isso poderia lhe ajudar. Com passo decidido, cruzou o tapete

persa azul e dourado para o armário e tirou da mala de couro marrom do canto traseiro. Colocou

a mão dentro e com muito cuidado abriu o bolso oculto no forro, do qual tirou o objeto que tinha

escondido dentro depois de comprá-lo em Londres na manhã que tinham saído em direção à vila

Bickley.

O Guia feminino para a conquista da felicidade pessoal e a satisfação íntima de Charles

Brightmore.

Fez girar o fino exemplar forrado em pele em suas mãos. Embora Catherine tinha apostado

a que ele não o leria, Andrew lhe demonstraria que estava equivocada. Não só o leria, mas

também, com sorte, aprenderia algo do tal Charles Brightmore que possivelmente inspirasse nele

um novo plano para cortejá-la. Ou no mínimo, ganharia sua aposta com lady Catherine, tendo

assim direito a um pagamento... uma perspectiva cheia de possibilidades.

Aproximou a poltrona do fogo e se acomodou na confortável poltrona. Não deveria

demorar mais do que uma hora para ler o livro. Logo desenharia seu novo plano.

Desta vez iria à batalha armado até os dentes.

Acomodada em seu dormitório no conforto de sua poltrona junto ao fogo, Catherine

apoiou a cabeça na poltrona macia e fechou o fino exemplar forrado em pele. Pegou o livro a seu

peito, fechou os olhos, apertando-os com força, e de novo amaldiçoou sua estupidez ao ler as

palavras que a enchiam de escuros desejos. Muitas necessidades. E insaciável curiosidade.

Alguns retalhos do Guia Feminino invadiam seu cérebro, prendendo fogo aos desejos que

com tanto esforço tinha tentado reprimir.

«Pausada a carícia da mão de um homem percorrendo por inteiro a coxa de uma mulher...

as incríveis sensações experimentadas por ambos quando a mulher é lentamente penetrada por

sua dureza... fazer amor em plena luz para ver assim cada matiz da paixão que embarga ao seu

amante... aprender os segredos mais íntimos do outro com as mãos, os lábios e as línguas... “um

homem nu se converterá em um festa de sensações para aquela mulher desejosa de explorar...»

Um suave gemido escapou de seus lábios. Um calor que nada tinha que ver com o fogo da

chaminé a alagou. Sentiu palpitar o pulso na base do pescoço. Entre as coxas. Sentiu os peitos

pesados e inflamados, e quase dolorosamente eretos.

Levantou uma mão e devagar a fechou sobre a pele sensível envolta na malha da camisola.

O mamilo, duro e ofegante, pego à palma. Apertou o seio com suavidade, lançando labaredas a

suas entranhas, aumentando o desconforto que a embargava, mais do que aliviando-a. Deixou o

Guia de lado, levantou-se e começou a caminhar de um lado a outro no quarto.

Deus bendito, as coisas que Genevieve havia descrito no Guia... coisas incríveis,

impensáveis, imensamente atormentadoras. Enquanto escrevia ao ditado de Genevieve, dando

forma com mão tremente a semelhantes maravilhas íntimas, questionava-se se Genevieve estaria

criando ficção. Entretanto, sua amiga lhe tinha assegurado que não. Genevieve tinha sido durante

dez anos a amante de um barão, que tinha cativado com suas proezas sexuais, proezas que tinha

aprendido sob a tutela de sua mãe, quem a sua vez tinha dedicado toda sua vida adulta aos

trabalhos de amante. Tinha posto também em funcionamento sua própria imaginação, inspirada

no profundo amor que sentia pelo barão. «Cometi um grave engano ao me apaixonar por ele,

Catherine - havia dito Genevieve — Me partiu o coração quando decidiu pôr fim a nossa relação.

Encontrou a uma mulher mais jovem. Mais bonita. “Já não desejava que mãos minhas feias lhe

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tocasse.»

Catherine parou junto à janela. Apoiando a frente contra o vidro frio, fixou o olhar na

escuridão, vendo só as imagens que a bombardeavam. O senhor Stanton e ela... as mãos de ambos

explorando-se. As bocas tocando-se. Braços e pernas entrelaçados.

Como seria o tato de suas mãos grandes, fortes e calosas ao acariciá-la? Sentir como sua

formosa boca a beijava? Suas pernas largas e musculosas agarradas às suas?

Sem dúvida estava em um estado febril. Não deveria ter voltado a ler o livro. Deveria ter

deixado que seus desejos e necessidades seguissem adormecidos. E teria conseguido. Se o senhor

Stanton não os tivesse feito nascer de novo à vida.

Depois de ajudar Genevieve a escrever o livro e de ter aprendido as maravilhas que

podiam existir fisicamente entre um homem e uma mulher, Catherine tinha ficado perplexa.

Jamais tinha experimentado algo semelhante com Bertrand.

Isso não impedia que depois de ter tido acesso à sedutora informação refletida no Guia, sua

mente tivesse vagado com maior freqüência aos assuntos de índole sensual, avivando nela a

curiosidade e os desejos longamente reprimidos. Desde que, onze meses atrás, e pouco depois da

morte do Bertrand, embarcou na escrita do Guia, quantas noites tinha passado deitada em sua

solitária cama sentindo palpitar o corpo com necessidades novamente acordadas e insatisfeitas?

Mais do que se atrevia a recordar. Suas tentativas de acalmar o desejo só tinham conseguido

deixá-la ainda mais frustrada.

Antigamente, sempre que imaginava que um amante a tocava, a imagem do homem em

questão tinha sido escura e envolta em sombras.

Agora não.

O rosto do senhor Stanton enchia sua mente, acendendo sua imaginação e suas fantasias

como nunca tinham estado até então. O senhor Stanton não era um produto de sua imaginação,

era um homem de carne e osso. Que a tinha chamado de linda. Que a tinha feito sentir como se

flutuasse sobre as nuvens enquanto dançava a valsa com ela. Que podia lhe inspirar calafrios de

prazer com um simples olhar. Que, aos olhos de Genevieve, sentia algo por ela, ou, no mínimo,

desejava-a.

Desejava-a. Catherine fechou os olhos e deixou escapar um longo suspiro diante da imensa

quantidade de imagens sensuais que essas duas palavras inspiravam nela. Imagens que nada

fizeram para esfriar sua excitação nem relaxar sua tensão. Desejava poder desfrutar do

esquecimento que só proporciona o sono, mas sabia por experiência própria que o sono não

chegaria.

Sempre que não conseguia relaxar o corpo nem a mente, as águas dos mananciais a

chamavam com seu reconfortante calor. Catherine adorava a privacidade que lhe proporcionava

poder desfrutar das águas na escuridão, a sós, só ela e os suaves murmúrios da noite ao seu redor.

Afastando-se da janela, girou sobre seus pés e foi até o armário, tirou um penhoar grosso e

acolchoado que a acompanhava em todas suas excursões noturnas.

Precisava sentir sobre a pele as calmantes águas como nunca antes tinha necessitado.

Andrew se deteve no caminho escuro e aguçou o ouvido. Um barulho de àgua. Devia estar

perto das águas termais ou possivelmente do pequeno lago que Spencer tinha mencionado em

alguma ocasião. Seria melhor que andasse com cuidado e não tropeçasse nas águas ou no lago sem

querer, senão, aquele poderia ser o último passeio noturno que daria em sua vida.

Ouviu outro ruído suave que parecia vir de um monte de rochas alinhadas à luz da lua uns

dez metros por diante dele. Seria melhor dar uma olhada nos condenados mananciais e assim

estar preparado em caso de que não ser capaz de encontrar alguma desculpa para evitar ir ali com

Page 87: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Spencer. Se não tivesse jeito, ficaria olhando, mas nenhuma manada de cavalos selvagens

conseguiria fazer com que entrasse na água.

Deu vários passos adiante e ficou gelado quando aos seus ouvidos chegou outro som. Algo

que soava claramente parecido a... um canto? Seguido por um comprido hummmmm de

inconfundível prazer. Inconfundível prazer que soava claramente feminino. Sem dúvida não

podia tratar-se de...

Tirou a idéia da cabeça antes que começasse a criar raízes e enchesse sua cabeça com

centenas de fantasias, continuou avançando. Rápido, silencioso, se aproximou do monte de

rochas. Coberto pelas sombras, foi se movendo ao redor das rochas até que nada impediu sua

visão. E o coração esteve a ponto de deixar de bater no peito.

Um pequeno lago circular de água, de uns três metros de diâmetro, rodeado de rochas por

três de seus lados, apareceu diante do seu olhar perplexo. Da água subiam sinuosas espirais de

vapor, brilhantes à luz da lua... que rodeavam a lady Catherine em uma névoa sublime.

Andrew piscou convencido de que era sua desesperada imaginação que tinha conjurado a

Catherine. Entretanto, ao abrir os olhos, ela continuava ali.

Inundada até o queixo na água vaporosa, com os olhos fechados e um sorriso aparecendo

nos lábios, Catherine soltou outro comprido ronrono de prazer.

Aturdido, Andrew ficou totalmente imóvel, deslocado diante da visão dela.

Quis fazer... algo. Revelar sua presença, ou desaparecer sem ser visto, mas quando

Catherine levou as mãos à cabeça e, devagar, foi tirando-os grampo que prendiam seu o cabelo, foi

incapaz de se mover. Os cachos escuros foram caindo sobre os ombros e imediatamente Andrew

se imaginou passando seus dedos entre as delicadas mechas, afundando o rosto nesses suaves e

fragrantes cachos de cabelo.

Catherine abriu a boca, inspirou fundo e desapareceu sob a superfície. As sobrancelhas de

Andrew se uniram em um repentino cenho. Maldição. Odiava ver alguém desaparecer sob a água

daquele modo. E onde demônios estava? Por que demorava tanto para voltar à superfície?

Seus olhos esquadrinharam a superfície. Por que ainda não tinha aparecido? Não deveria

passar tanto tempo debaixo da àgua. Quanto tempo tinha passado? Sem dúvida, só uns segundos.

Mesmo assim, sentiu que era fincado por pequenos pregos de pânico.

Avançou uns passos. E se Catherine se enroscou em algo debaixo da água? Como faria para

salvá-la? Não sabia nadar. Os dois morreriam. Saltaria na água para salvá-la, mas poderia

conseguir antes de afundar como uma pedra?

Catherine continuava sem reaparecer. Gotas de suor salpicaram a testa de Andrew e o

pânico deu lugar a um terror absoluto que lhe contraiu o coração.

—Catherine - gritou, pondo-se a correr— Cath...

A cabeça de Catherine apareceu na superfície e Andrew escorregou até parar bruscamente

a pouco mais de um metro da borda do manancial.

Ela abriu os olhos, viu-o e soltou um ofego.

—Senhor Stanton! —Seus olhos se abriram como pratos — O que está fazendo aqui?

Andrew respirava ainda em entrecortados ofegos ao mesmo tempo em que seus pulmões

funcionavam como foles. Fechou com força os olhos e tentou recuperar o controle de suas

emoções. De fato, estava fisicamente debilitado. Sentia os joelhos fracos e estava furioso.

Avançou até a borda do manancial com uma furiosa pernada e lhe lançou um olhar

zangado.

—A pergunta mais apropriada seria: «Que demônios você está fazendo aqui?».

Catherine ficou boquiaberta e só conseguiu fixar o olhar nele. Andrew não soube dizer se

ela estava emocionada pela clara ameaça implícita em sua postura e em sua voz ou por deixar

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claro com a sua pergunta que a atitude dela ia contra as regras do decoro, embora nesse momento,

nesse momento pouco se importasse.

—Ficou louca vindo aqui sozinha? —bufou de cólera — E de noite? Para nadar a sós? Por

acaso alguém sabe que está aqui? E se lhe tivesse ocorrido algo? Pelo amor de Deus, no que estava

você pensando?

Catherine piscou várias vezes e apertou os lábios com firmeza. Resmungando algo que

soou como «que homem tão irritante e insuportável», se agarrou na bordo do lago e antes que

Andrew se desse conta do que ela pretendia, Catherine se impulsionou para fora do manancial

para subir na borda rochosa. Então, com a água caindo pelo corpo, se aproximou dele

rapidamente.

Qualquer pensamento que Andrew pudesse ter tido, e uns quantos que ainda não tinham

ocorrido, desapareceram de sua cabeça imediatamente e caíram no chão, junto aos seus pés,

reunindo-se ali com seu queixo.

Catherine parecia uma pálida ninfa marinha, com o cabelo escuro molhado jogado para

trás, os cachos escuros alisados pela água e caindo nas costas até a cintura. Seu corpo estava

coberto, ou, falando corretamente, descoberto, por uma camisa molhada que se adaptava ao seu

corpo como grafite sobre ele com pintura transparente. O olhar estupefato de Andrew deslizou

para baixo, percorrendo sua delicada clavícula até a generosa elevação dos seus peitos, coroados

por mamilos escuros e endurecidos. A fenda de sua cintura. A dilatação dos quadris. A sombra do

escuro triângulo aninhado entre suas torneadas coxas. Descendeu até as panturrilhas, e dali até

seus esbeltos tornozelos e seus delicados pés.

Catherine parou há menos de um metro diante dele e Andrew voltou a fixar os olhos em

seu rosto. O gelo que emanava de seu olhar frio sem dúvida pretendia deixá-lo congelado onde

estava.

—Não, senhor Stanton - disse ela com a voz palpitando de ira— Não perdi o julgamento.

Freqüentemente visito este manancial de água quente, só e de noite, e desfruto desta solidão. Não

estava nadando, simplesmente me banhava. Não corria o menor risco, pois não sou só uma

excelente nadadora, mas também a água do manancial não chega a cobrir os meus ombros.

Ninguém sabe da minha presença aqui, mas tenho certeza que estou perfeitamente segura aqui.

Little Longstone não é Londres, nem, exceto por você, temos pessoas perigosas rondando pelos

arbustos. E agora que respondi a todas suas perguntas, possivelmente possa me esclarecer que

demônios você está fazendo aqui.

Apesar de quer responder, Meu Deus, não encontrava a voz. Vê-la ali molhada, formosa e

zangada tinha deixado Andrew totalmente desprovido de sua capacidade de fala. Maldição, mas

quase tinha perdido até a capacidade de respirar.

Catherine colocou as mãos nos quadris.

—Estava me vigiando? Por acaso, tentava me assustar?

Andrew franziu o cenho, negou com a cabeça e engoliu a saliva.

—Não. —Sua voz soou rouca, como se não a usasse há uma ou duas décadas — Não

conseguia dormir. Precisava tomar um pouco de ar. Ouvi um som de àgua... e lá estava você.

Ainda não tinha me recuperado da surpresa quando te vi mergulhar na água. Tive a impressão de

que já estava muito tempo sem aparecer. Pensei que estava se afogando. — Logo que conseguiu

empurrar a última palavra entre seus lábios.

Incapaz de se controlar estendeu a mão e passou os dedos vacilantes por sua bochecha. Sua

pele era suave, quente e molhada sob seus dedos. Catherine abriu ainda mais os olhos diante

daquele gesto, mas não afastou o rosto.

—Me desculpe por ter gritado. Achei que estava se afogando... —Os dedos de Andrew se

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retiraram de sua bochecha e teve a impressão de ver uma sombra de decepção nos olhos de

Catherine. Baixou as mãos e segurou as dela, levando-as a seguir ao ponto exato de seu peito onde

seu coração ainda pulsava acelerado — Você consegue sentir o quanto eu me assustei? —

perguntou, apreciando sentir as mãos dela sobre seu corpo, desejando que sua camisa

desaparecesse como por um passe de mágica.

A cabeça de Catherine deu uma leve inclinação.

—Eu... eu também sinto muito. Só estava molhando o cabelo.

Andrew inspirou e o delicioso aroma do corpo quente, molhado e quase nu de Catherine

encheu completamente os seus sentidos, embriagando-o. Seu repentino ataque de ira desapareceu

tão rápido quanto tinha vindo, substituído agora por um rugido de desejo que ameaçava derrubá-

lo de joelhos. Todos os sentimentos que tinha contido durante tanto tempo afloraram à superfície,

desmoronando o muro que havia criado como uma pluma carregada pelo mar revolto. Desejava-a

tanto...

Soltou as mãos, segurou seu rosto entre as suas mãos e, devagar, baixou a cabeça.

Quando sentiu o primeiro roçar suave de seus lábios contra os dela, Andrew se deteve,

assumindo a incrível realidade de que estava certamente beijando-a, memorizando a sensação. De

novo roçou com seus lábios os dela e Catherine não pôde reprimir um ofego quase imperceptível.

Seus dedos se fecharam contra o peito dele, seus lábios se separaram ligeiramente e o desejo que

ele tinha contido durante tanto tempo estalou em uma corrente.

Com um gemido, Andrew apagou o espaço que se abria entre os dois com um só passo.

Rodeando a sua cintura com um braço, atraiu-a com força para ele. Enredou-lhe os dedos entre o

cabelo molhado e então intensificou a força do beijo.

Catherine ficou de pé no forte círculo dos braços de Andrew e simplesmente permitiu que

a violência de sensações se apropriassem por completo dela. Quente. Andrew era tão quente...

sentia-se como se a tivessem envolto em uma manta de veludo.

Sólida. A sensação de seu corpo pego ao dele do peito ao joelho arrebatou o fôlego. Seus

dedos se fecharam para voltar a abrir-se contra seu peito, e sentiu então a dureza dos músculos

daquele homem sob a finura do linho. O coração de Andrew palpitava contra sua palma e

absorveu então cada pulsado, consciente de que seu coração palpitava a um ritmo de idêntico

frenesi.

Separou os lábios e foi recompensada com o erótico e delicioso contato de sua língua com a

dela. Andrew tinha um sabor escuro e exótico, com um leve rastro de brandy.

Mais. Queria mais daquela embriagadora maravilha, mais daquelas sensuais delícias.

Pegou-se ainda mais contra ele, deleitando-se ao sentir sua dureza contra seu ventre. Um gemido

surdo vibrou na garganta de Andrew e Catherine deslizou uma mão até ela para tocar o som. Ele

não levava gravata e seus dedos roçaram a suave fenda da base de seu pescoço para introduzir-se

sob a malha e tocar sua cálida e firme pele antes de subir deslizando e abrindo passo entre seu

abundante cabelo.

O senhor Stanton a agarrou com mais força e ela se pegou mais a ele, retorcendo-se contra

seu corpo. «Mais, por favor, mais...»

Andrew respondeu a sua silenciosa súplica, inclinando sua boca sobre a dela com um

comprido, lento e profundo beijo de língua contra língua que fez Catherine delirar. Suas grandes

mãos percorreram seus cabelos e se deslizaram pouco a pouco por suas costas, como tentando

memorizar cada centímetro dela.

Quando suas mãos chegaram a sua cintura, Andrew separou seus lábios dos dela e

deslizou sua boca ao longo de sua mandíbula, descendo por seu pescoço com uma série de beijos e

pequenas dentadas ardentes. Calafrios de prazer a sacudiram e jogou para trás a cabeça para lhe

Page 90: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

facilitar o acesso.

Andrew riscou um pequeno atalho de volta, ascendendo de novo por seu pescoço até o

reencontro com seus lábios, destruindo-a com outro beijo abrasador e luxurioso de bocas abertas

com o que lhe fez sentir que era um punhado de dinamite a ponto de estalar. Um comprido

gemido cheio de desejo subiu entre rugidos das imediações dos dedos dos pés de Catherine.

Andrew suavizou o beijo, levantou a cabeça e o gemido dela se transformou em uma clara

amostra de protesto.

Catherine se obrigou a abrir os olhos e ficou quieta. Um feminino estremecimento em nada

parecido ao que tivesse podido sentir até então a cobriu ao ver o fogo que ardia no olhar de

Andrew. Nunca um homem a tinha tratado assim. Com tanto ardor. Tanta paixão. Tanta

reverência. Com uma fome tão pura. Sentiu que um tremor percorria o senhor Stanton e viu como

lutava por dominar seus impulsos... uma luta que uma parte dela desejava ver perdida. A parte

feminina que desejava voltar a sentir seu beijo. Suas mãos sobre seu corpo. Pele contra pele.

O forte braço a soltou e Andrew lhe levou a mão ao rosto. Devagar, as pontas de seus

dedos lhe roçaram a frente. As bochechas, os lábios... tudo isso enquanto com seu outro braço a

sustentava fortemente abraçada contra seu corpo... escolha mais do conveniente, pois Catherine

suspeitava que do contrário se deslizaria ao chão em uma massa acalorada e desossada. Andrew

tragou a saliva e logo sussurrou uma palavra.

—Catherine.

Soou como uma sensual carícia. Rouca e profunda, com um leve deixe de assombro. O som

de sua voz formigou sobre a pele de Catherine, fazendo-a sentir malvada e decadente. Mais

femininamente viva do que o tinha estado em anos. Só havia uma palavra que pudesse dar como

resposta.

—Andrew.

Um lento sorriso se desenhou nos lábios dele.

—Eu gosto de como soa meu nome quando você o pronuncia.

—É tudo o que me ocorreu dizer, exceto «Oh, Deus».

—Estou totalmente de acordo com você.

—Mas é possível isso? Que voltemos a estar de acordo esta noite?

—Assombroso, mas certo. Entretanto, você parece surpreendida de que lhe tenha ocorrido

dizer «Oh, Deus» quando a beijei.

—Confesso que, até certo ponto, estou-o. Você não?

Andrew negou com a cabeça.

—Em nenhum momento duvidei que fosse assim. A única coisa que me surpreendeu é ter

sido capaz de reunir a fortaleza suficiente para me deter.

—Tinha pensado em me beijar? —Catherine benzeu a capa de escuridão que impedia que

Andrew visse o rubor que lhe tingiu as bochechas ante sua pergunta direta, mas queria sabê-lo.

Precisava sabê-lo.

—Sim. Isso... a incomoda?

«Não. Excita-me.

—Não. —Os olhos de Catherine procuraram os dele e, depois de um rápido debate,

confessou a verdade sem rodeios — Nunca tinham me beijado assim.

Andrew cobriu sua bochecha com a palma da mão e lhe esfregou levemente os lábios com

o polegar.

—Bem. Eu gosto de ser o primeiro.

Uma dúzia de sensuais imagens colidiram na mente de Catherine, quando se deu conta de

que aquele homem podia representar uma grande quantidade de «primeiras vezes» para ela,

Page 91: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

«primeiras vezes» que seu corpo estava desejoso por experimentar. A excitação que seguia lhe

pressionando o ventre e o intenso e acelerado pulsar do coração do Andrew sob suas mãos

indicavam que ele não se mostraria em nenhum modo resistente à idéia.

Mas Catherine não podia tomar uma decisão tão importante como a de tomar ou não como

amante enquanto seguia entre seus braços. Precisava pensar. E, para isso, tinha que pôr espaço

entre ambos.

Devagar, retrocedeu até que entre os dois mediu uma distância prudente. Viu o olhar de

Andrew descer por seu corpo. A camisola molhada lhe pegava à pele, revelando tudo diante dos

seus ávidos olhos. Entretanto, em vez de se sentir tímida, Catherine se recreou no intenso desejo e

necessidade gravados em seu rosto.

—É formosa, Catherine. A mulher mais formosa do mundo.

O desejo que sua voz despertou nela a deixou tremente e assustada. Com a esperança de

esfriar o fogo que a percorria e dissipar a tensão sensual que existia entre os dois, tentou rir.

—Como pode dizer algo semelhante? Não conheceu a todas as mulheres do mundo.

—Não preciso tocar o fogo para saber que queima. Não preciso me golpear o dedo com um

martelo para saber que doerá. Nem comer um doce da confeitaria para saber que desejarei outro.

Há coisas, Catherine, que simplesmente sabemos. — estendeu a mão e tomou a sua com

suavidade, entrelaçando seus dedos — Também sei que nosso próximo beijo será inclusive mais

«Oh, Deus» que o que acabamos de compartilhar. E o seguinte... — Elevou suas mãos unidas,

levando-lhe aos lábios e depositando um quente beijo na parte interna da mão da Catherine—,

indescritível.

—Nosso próximo beijo, senhor Stanton? O que lhe faz pensar que haverá um próximo

beijo?

—Como já lhe hei dito, há coisas que simplesmente sabemos.

Outra quebra de onda de calor a arrasou. Deus santo. Tinha chegado o momento de pôr

fim a aquele interlúdio antes que o próximo beijo se fizesse realidade. Catherine se voltou de

costas e se dirigiu com passo firme à rocha onde tinha deixado sua roupa. Depois de colocar os

braços nas mangas, esticou a banda ao redor de sua cintura. Quando se voltou de novo, Andrew

estava a menos de um metro dela. Catherine inspirou fundo e sua cabeça se encheu com a

deliciosa essência a almíscar dele.

—Andrew - disse ele com voz fraca.

—Perdão?

—Acaba de me chamar senhor Stanton. Preferiria que me chamasse de Andrew. Do mesmo

modo que preferiria chamá-la de Catherine.

Catherine lhe tinha chamado assim para pôr um pouco de distância emocional entre os

dois, embora duvidasse de sua capacidade de voltar a pensar nele empregando esses termos

formais. Sobre tudo agora que conhecia a textura de sua pele. O tato sedoso de seus cabelos. A

sensação de sua língua acariciando a sua. E não podia negar que gostava do som de seu nome

pronunciado nos lábios dele. Era incrível como a simples pronúncia da palavra «lady» mudava...

tudo.

—Suponho que a partir de agora podemos nos chamar por nossos primeiros nomes. De

acordo... Andrew. —Seu nome lhe deixou na língua um sabor decadente e voluptuoso.

Andrew estendeu o braço e a tirou das mãos, as envolvendo com seu calidez.

—Arrepende-se do que ocorreu entre nós, Catherine?

Ela negou com a cabeça.

—Não, não me arrependo. Embora sim... —Sua voz se apagou incapaz de encontrar a

palavra exata com a que descrever o torvelinho de emoções que se abriam passo em seu interior.

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—Aterroriza-a? —adivinhou — A confunde?

Maldição. Quando havia se tornado tão transparente?

—Você tem dotes de clarividente, Andrew?

—Absolutamente. —Andrew levantou as mãos, uma atrás de outra, para levar-lhe à boca

sem afastar em nenhum momento seu olhar do dela— Só sugiro essas possibilidades porque são

algumas das coisas que eu sinto.

—Assustado? Você? —Catherine quis rir, mas o som que saiu de seus lábios pareceu mais

um ofegante suspiro quando a língua de Andrew acariciou o centro da palma de sua mão.

—De fato, aterrorizado seria um termo mais fiel à verdade.

O fato de que esse homem forte e viril admitisse tal coisa a comoveu de um modo que se

viu incapaz de descrever.

—Por que?

—Diria que pelas mesmas razões que você.

—Porque, por mais agradável que tenha sido nosso beijo, não está certo de que foi uma boa

idéia?

—Não. Me parece que foi uma boa idéia. E Catherine, nosso beijo foi muito mais que

«agradável».

—Você tem que estar em desacordo com tudo o que digo?

—Só quando se equivoca. E se equivoca ao descrever o ocorrido entre nós empregando

uma palavra tão suave como «agradável».

Bem, sem dúvida não podia lhe discutir isso.

—Do que você tem medo?

Andrew não disse nada durante vários segundos, pensando como responder à pergunta.

Por fim, disse:

—Dá-me medo o amanhã. Dá-me medo que, quando partirmos daqui, nos separando para

passar a sós o resto da noite, amanhã, quando voltar a vê-la, você haja esquecido o que

compartilhamos. Ou, que se não o esqueceu, tenha decidido ignorá-lo. Tenho medo que me olhe

com frieza e não com calor em seus olhos. Tenho medo a que ponha fim ao que poderíamos

compartilhar juntos antes que tenha tido a possibilidade de começar.

Catherine esclareceu a garganta.

—Temo-me que neste momento não há nada que possa dizer para sossegar seus temores.

Mas posso lhe assegurar que nunca esquecerei o que compartilhamos esta noite.

O fantasma de um sorriso apareceu nos lábios de Andrew.

—Algo mais no que estamos de acordo, pois tampouco eu o esquecerei. Nem que viva cem

anos. E agora, me diga... o que a deixa tão confusa?

Catherine considerou recorrer à mentira. Também esteve tentada a partir. Entretanto, o

melhor sem dúvida era justificar-se.

—A cabeça e o sentido comum me dizem que vá em frente. Entretanto, o resto de meu ser

não quer fazê-lo. Não sou nenhuma donzela inocente e virginal, e sei aonde este... flerte poderia

nos conduzir. Mesmo assim, não só posso pensar em mim e em meus desejos. Portanto, tenho

muito no que pensar. E decisões que tomar.

—Eu também.

—Ah, sim? E que classe de decisões você tem que tomar?

Uma sombra de malícia cintilou nos olhos de Andrew.

—Devo decidir qual é a melhor maneira de convencê-la para que tome a decisão que quero

que tome.

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Em um tom igualmente malicioso, Catherine disse:

—Você se dá conta, naturalmente, de que a arrogância é um irritante traço de seu caráter

que em nenhum caso lhe fará ganhar pontos a seu favor em minha decisão.

—Não é arrogância e sim, sinceridade... um traço que muita gente aprecia e que considera

admirável.

—Está dizendo que pretende me seduzir?

—Estou dizendo que pretendo cortejá-la.

O coração de Catherine acelerou. Uma ridícula reação a uma ridícula declaração.

—Não seja ridículo.

Andrew arqueou as sobrancelhas.

—Preferiria então não ser cortejada?

—Não há razão alguma para que o faça.

—Então preferiria simplesmente que a seduza.

—Sim. Quero dizer não! O que quero dizer é que... O! —separou-se dele e se apertou mais

o penhoar ao redor de corpo— É você tão...

— Irresistível?

Um regozijo que Catherine não pôde negar a percorreu por inteiro e seus lábios se

enrugaram.

—Ia dizer irritante.

—Devo confessar que prefiro irresistível.

—Sim, estou segura.

—Por que não tem sentido que a corteje?

—O cortejo é o precursor do casamento e, como não tenho intenção de voltar a me casar,

seus esforços seriam em vão.

—É que um homem não pode cortejar a uma mulher simplesmente porque desfruta do

prazer de sua companhia?

— Você desfruta da minha companhia, senhor Stanton?

—Andrew. E sim, assim é. Quando você não se mostra suscetível. Embora deva reconhecer

que desfruto de sua companhia inclusive quando está suscetível. Simplesmente a desfruto mais

quando não o está.

—Não sou suscetível.

—Se acha que não é, é porque obviamente desconhece a definição da palavra. Entre isso e

não saber o que é uma surpresa acredito que se impõe ter sempre um dicionário ao alcance da

mão.

—E a isto você chama me cortejar? Me irritar até me provocar enxaqueca?

—Não. Entretanto, não acredito que importe muito, pois acaba de dizer que não deseja ser

cortejada.

Catherine mordeu os lábios, sem saber se estava zangada ou divertida, lhe dedicando um

cenho exagerado, perguntou:

—Sabe quem é mais irritante que você?

Um evidente regozijo faiscou nos olhos de Andrew.

—Não, mas não me cabe dúvida de que está a ponto de me dizer isso.

—Ninguém, senhor Stanton. Não conheci a ninguém mais irritante que você.

—Andrew. E que afortunado me sinto de ocupar o primeiro lugar.

Sorriu. Foi um sorriso pleno e formoso, completo com aquelas sedutoras covinhas que a

obrigaram a apertar com força os lábios para evitar assim lhe responder com idêntico gesto.

Maldição, onde tinha ido parar sua irritação? Não teria que ter tido vontade de sorrir. Supunha-se

Page 94: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

que tinha que estar chateada. Muito chateada.

Por que, então, estava tão absolutamente... encantada?

Sem dúvida tinha chegado o momento de despedir-se dele.

Deu um passo adiante, mas ele a deteve tomando-a com suavidade pelo braço. Todo

vestígio de humor tinha desaparecido de seu olhar e estendeu a mão para lhe passar a ponta do

dedo pela bochecha.

—Acredito que compartilhamos algo bom esta noite, Catherine.

Um formigamento lhe percorreu a coluna. Como podia aquele homem provocar nela uma

reação física tão forte simplesmente com o roce de seu tato? Apesar de que teria desejado

desesperadamente o contrário, já não podia seguir mentindo-se e negar-se que aquele homem lhe

parecia irresistivelmente atraente.

Agora a única pergunta pendente de resposta era: o que pensava fazer a respeito?

Capítulo 12

A mulher moderna atual deve ser consciente de que não é nenhum crime ser egoísta

quando a ocasião o requer. Em muitos aspectos da vida, espera-se das mulheres, e em ocasiões

se as força a isso, que antepor as necessidades e desejos de outros aos próprios. Em muitos

casos, tais sacrifícios são admiráveis. Em outros, entretanto, são uma temeridade. A mulher

moderna atual deveria tomar o tempo de olhar-se ao espelho e dizer-se: «Quero isto, mereço-o,

vou tê-lo».

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

—Terminamos já, senhor Stanton? —perguntou Spencer pela terceira vez em menos de

meia hora.

Agachado sobre o tosco chão de madeira de uma parte pouco utilizada dos estábulos,

Andrew sorriu por cima do ombro. Spencer estava de pé junto a uma bala de feno com uma

vassoura na mão... pela primeira vez em sua vida. Quando, meia hora antes, Andrew lhe tinha

dado a ferramenta, Spencer tinha estudado o chão de madeira durante vários segundos como se

fosse uma serpente, mas não demorou para perceber o espírito da tarefa. A pátina de trabalho

duro brilhava no rosto do jovem, como também o claro testemunho de sua satisfação pelos frutos

de seus esforços.

Só tenho que cravar uns quantos pregos mais. Logo poderemos começar.

Enquanto Andrew colocava outro prego em seu lugar, Spencer se esclareceu garganta.

—Quero lhe agradecer por ter cuidado de minha mãe como o fez depois do disparo.

Andrew se voltou, concentrando no menino toda sua atenção.

—Foi um prazer, Spencer.

—Lhe teria agradecido antes, mas ela não me contou isso até ontem. —Baixou o olhar e

arrancou uma fibra de feno da bala — Quando me contou isso, não só me zanguei com ela, mas

também com você por não haver me contado isso.

—Não me tocava lhe contar isso Spencer. E as intenções de sua mãe eram boas. Todos

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tentamos proteger a nossos seres queridos.

—Sei. Mamãe e eu falamos disso. Já não estou zangado. Prometeu-me não me ocultar

nenhum outro segredo.

—Bem. —Andrew se adiantou até a bala de feno e estendeu a mão — Espero que ainda

sejamos amigos.

Spencer levantou a cabeça com gesto brusco e seu olhar sério encontrou o de Andrew.

Estendendo ele também a mão, estreitou a do Andrew com força e assentiu.

—Amigos. Mas... não mais segredos.

A culpa sacudiu Andrew como uma bofetada e se limitou a oferecer uma leve inclinação de

cabeça como resposta, resistindo a dar voz a tamanha falsidade. Toda sua vida estava apoiada em

segredos. E mentiras.

Soltou a mão do menino e retrocedeu para voltar a agarrar o martelo.

—Terminarei isto para que possamos começar - disse. Enterrando o pesar que provocava

nele sua falta de honradez ante a confiança de Spencer, pôs um prego na madeira e o golpeou com

toda a força de suas frustrações.

Dez minutos mais tarde, Andrew completou a tarefa e se levantou para fiscalizar sua obra.

Enquanto Spencer tinha tirado o pó e as teias de aranhas, Andrew tinha feito no chão três dúzias

de retângulos de madeira, de aproximadamente o tamanho de um tijolo, formando um amplo

círculo. Sim, funcionaria à perfeição.

—Preparado? —perguntou.

—Sim. E ansioso. —Assinalou os blocos de madeira com o queixo — E agora quer me dizer

o que são?

—Pusemo-los para te ajudar a conservar o equilíbrio durante nossas lições. Assim que te

encontre firmemente plantado sobre seus pés, não vejo razão alguma para que não vá bem.

Permita-me que lhe demonstre isso. Apóia o lado de seu pé débil com a madeira e dá um passo

adiante com seu pé forte, mantendo quase todo seu peso na perna adiantada.

Assim que Spencer seguiu suas indicações, Andrew disse:

—Sempre que manter o peso para frente, a madeira impedirá que seu pé esquerdo

escorregue, te impedindo assim de cair para trás.

Spencer flexionou devagar os joelhos várias vezes e então um amplo sorriso lhe iluminou o

rosto.

—Muito engenhoso senhor Stanton.

Andrew saudou suas palavras com uma reverência.

—Obrigado. Estou certo de que não era sua intenção parecer perplexo.

O sorriso se desvaneceu do rosto de jovem.

—Oh, não. Eu...

—Estou brincando Spencer. E agora, comecemos com as noções básicas. O pugilismo tem

dois princípios básicos. Alguma idéia de quais são?

—Golpear ao outro e não deixar que te golpeie.

—Exato. —Andrew inclinou a cabeça — Pelo que me parece, conhece bem a matéria. Está

certo de nunca o praticou antes?

—Totalmente certo - disse Spencer com o rosto perfeitamente sério.

Andrew reprimiu um sorriso.

—Até que tenhamos terminado, deverá saber como dar um murro e como bloquear ou

evitar o do adversário.

—Imagino que a velocidade é muito importante neste esporte - disse Spencer com voz

triste.

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—Certo. Mas não é a única coisa. A coordenação e a capacidade de te adiantar às intenções

de seu oponente são igualmente importantes. O que possivelmente te falte em velocidade,

compensará com a inteligência. E não esqueça que o objetivo não é te converter no pugilista mais

temido do reino... a não ser só fazê-lo o melhor que possa.

—Mas e se não puder fazê-lo?

—Se tentar e descobrir que não pode fazê-lo, não passa nada. Nem todo mundo se destaca

em tudo o que tenta Spencer. O importante é tentá-lo. Estou convencido de que pode fazê-lo. Se

não fosse assim, nós nem começaríamos. Se no final, eu estiver enganado, não passa nada. Ao

menos, terá descoberto que você não gosta.

—E não pensará que sou... tolo? Ou estúpido? —Olhou ao chão — Nem um fracassado?

A preocupação e a resignação implícitas na voz do menino rasgaram o coração de Andrew.

Tendeu os braços, posou as mãos sobre os ombros de Spencer e esperou que o menino levantasse

os olhos para encontrar com seu olhar.

—Se der certo ou não, sempre me parecerá um jovem valoroso, inteligente e bem-sucedido.

A esperança que apareceu nos olhos do jovem cavou o espaço que rodeava o coração de

Andrew. Spencer piscou e tragou saliva.

—Diz a verdade?

—Dou-te minha palavra. — Soltou-lhe os ombros e passou a mão por seus cabelos— Não

sabe até que ponto invejo seu valor.

—Você? —A palavra foi um bufido de incredulidade — Tio Philip e você são os homens

mais valentes que conheço.

—Obrigado, embora acredite que somos os dois únicos homens que conhece - brincou.

O rosto do Spencer se tingiu de um vermelho.

—Não é certo. Conheço...

—Estava brincando, Spencer.

—O... já sabia. —Franziu o cenho — Que classe de valor tenho eu que você inveje?

Andrew se passeou pensativo diante do menino várias vezes e logo se deteve em seco.

—Se lhe disser isso, promete não me considerar um bobo nem um fracassado?

Spencer abriu os olhos como pratos.

—Nunca pensaria isso de você, senhor Stanton. Prometo.

—Muito bem. —passou-se os dedos pelo cabelo e a seguir inspirou fundo — Não sei nadar

- soltou apressadamente. Já estava. Havia-o dito. A viva voz.

—Perdão?

Maldição. Ao parecer teria que voltar a dizê-lo.

—Não sei nadar.

Os olhos de Spencer se abriram ainda mais.

—Não me diga. Tem certeza?

—Totalmente. Nunca aprendi. Como bem sabe meu pai não sabia nadar, e quem mais

poderia me haver ensinado? Quando se afogou, qualquer entusiasmo que eu pudesse ter

albergado pela água me abandonou de repente. A última vez que me meti na água, sem

mencionar a banheira, naturalmente, foi durante a ridícula celebração de uma antiga travessia em

canoa pelo Nilo em que me vi obrigado a participar por insistência de seu tio. Deu-me muita

vergonha admitir que não sabia nadar e, contra o que ditava minha prudência, fiz-o. A canoa

virou e estive a ponto de me afogar. —Percorreu-lhe um calafrio quando reviveu o espantoso

terror da água fechando-se sobre sua cabeça. Enchendo-lhe os pulmões. Sacudindo-se de cima a

lembrança, olhou firmemente ao Spencer —Acredite, entendo a inquietação que te provoca tentar

algo sobre o que acredita não ter controle. Mas te ajudarei. Pode fazê-lo. Se realmente o desejar.

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—E você também.

Andrew sorriu.

—Eu já sei brigar.

—Referia-me a nadar. Tentou aprender?

—Não. Embora odeie reconhecê-lo, dá-me medo a água.

—Mas cruzou um oceano inteiro!

—E acha que não tive medo. Em nenhum momento me aproximei dos corrimões.

—Eu poderia lhe ensinar. Poderíamos começar hoje mesmo! Assim que terminemos com

nossa lição de pugilismo.

Andrew sentiu literalmente que o sangue lhe abandonava o rosto.

—Hoje? Não, não acredito que...

—Poderia lhe ensinar a nadar, senhor Stanton - prosseguiu Spencer com os olhos

iluminados de pura excitação — por que não me deixa tentar? Seria para mim uma honra lhe

ensinar algo em troca de tudo o que você me está ensinando. E, assim que aprenda, poderá tomar

as águas com mamãe e comigo... embora o certo é que não precisa saber nadar para tomar as

águas. A água dos mananciais só cobre até o peito.

O «não» que tinha rondado pelos lábios do Andrew se afastou assim que considerou essa

oportunidade. Se aprendia a nadar... imediatamente imaginou Catherine e ele juntos de noite no

manancial, beijando-se, tocando-se na água temperada e calmante. Logo uma relaxante e divertida

tarde familiar, chapinhando e nadando com o Spencer e com Catherine.

—Senhor Stanton?

Andrew despertou de seu sonho.

—Sim?

—Se o tentar, e descobrir que não pode fazê-lo, não passa nada. Não todo mundo destaca

em tudo o que tenta. O importante é tentá-lo.

Uma das comissuras dos lábios de Andrew se curvou para cima.

—Estou certo de que em algum lugar está escrito: «não utilizará as palavras de um homem

em seu contrário».

—Desgraçadamente para você, não está escrito em nenhuma parte - disse Spencer sem

indício de dúvida — E estou seguro de que não esperará de mim que siga seu conselho se você

não estiver disposto a fazê-lo.

Andrew piscou. O pequeno lhe tinha pegado.

—Alguma vez pensaste em ser advogado?

—Não. Mas se tiver alguma possibilidade de ganhar este, meu primeiro caso, pode ser que

me exponha isso. —Estendeu o braço e posou uma tranqüilizadora mão no ombro de Andrew —

Sei que será difícil, sobre tudo depois do que ocorreu ao seu pai. Mas um homem muito sábio me

disse recentemente que se te limitar a fazer o que sempre tem feito, sempre ficará onde está.

Andrew negou com a cabeça.

—Está-me dando de beber da minha própria medicina - resmungou.

—Agradeço-lhe sua confiança por ter compartilhado seu segredo comigo, senhor - disse

Spencer com voz muito séria — Lhe dou minha palavra de que está seguro.

Era evidente o forte desejo que Spencer tinha de sentir-se necessitado e importante, de ser o

bastante bom em algo para poder ensiná-lo a alguém mais. Estava tudo aí, nos olhos do jovem,

pedindo-lhe aos gritos. Uma chamada que Andrew não podia passar por cima.

—Muito bem – concedeu — Tentarei. Mas uma só vez - acrescentou apressadamente

quando o rosto de Spencer se iluminou com um sorriso entusiasmado — Mas se eu não gostar,

paramos. Imediatamente.

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—Trato feito. Mas, antes, nossa lição de pugilismo.

Andrew assentiu.

—Preparado?

Spencer fechou os dois punhos contra o peito e adotou uma postura de combate.

—Preparado.

—Dedica-te agora a estudar as folhas do chá, Catherine?

Ante a pergunta de Genevieve, Catherine levantou abruptamente o olhar de sua taça de

chá e piscou.

—Como diz?

—Perguntava-me se de repente sente algum interesse especial pelas folhas do chá, posto

que é evidente que se encontra fascinada por algo que tem no fundo de sua taça.

O calor abrasou as bochechas de Catherine.

—Desculpe Genevieve. Estou um pouco preocupada.

—Sim, já me dei conta. Aconteceu alguma coisa?

Catherine olhou a afetuosa preocupação refletida nos olhos azuis de Genevieve e qual foi

sua consternação quando sentiu uma cálida umidade abrir-se passo do fundo dos seus.

—Não, não é que ocorra nada, embora sim há algo que me mantém preocupada.

—Fico feliz em poder ajudar.

—Não sei realmente como e nem por onde começar.

Genevieve assentiu devagar.

—Entendo. E isso tem haver com o senhor Stanton.

Catherine a olhou fixamente.

—Meu Deus. Ou me tornei totalmente transparente ou todos os que me rodeiam

desenvolveram a clarividência.

—Nada há aqui de natureza clarividente nem transparente, querida. Simplesmente te

conheço tão bem, e é tanta minha experiência nestes assuntos, que facilmente posso reconhecer os

sinais.

—Estes assuntos? Sinais? A que te refere?

—Naturalmente, estou falando de ti e do senhor Stanton. Ontem à noite. De como te

olhava. Dos esforços que fazia para não lhe olhar. Da forma em que dançaram juntos a valsa.

—Não... não sei o que dizer. Encontro-me tão confundida que não estou segura de saber

como descrever o que penso.

—Não há nada do que deva estar confundida, Catherine. Entendo perfeitamente.

Uma risada totalmente desprovida de humor escapou de lábios de Catherine.

—Então possivelmente possa me explicar isso.

—Será um prazer. O senhor Stanton te resulta um homem muito atraente... apesar de que

ponha todo seu empenho em que não seja assim.

—Certo, não quero que seja assim - concedeu Catherine energicamente — E, pior ainda,

não compreendo por que o encontro tão fascinante. É o homem mais irritante que conheci em

minha vida.

—Razão pela qual o encontra fascinante - disse Genevieve com uma suave risada — Te

parece estimulante porque não cai rendido a seus pés nem se mostra de acordo contigo em tudo o

que diz como o resto de homens que procuram seus favores. Entretanto, é gentil e te tem em muito

alta estima. Para não mencionar o fato de que é uma delícia para a vista. —O olhar penetrante de

Genevieve estudou Catherine durante vários segundos — Me equivoco ao supor que te beijou?

O fogo acendeu as bochechas de Catherine.

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—Sim.

—E é um homem que sabe beijar a uma mulher.

—Palavras mais certas provavelmente não tenham sido jamais pronunciadas.

—Fizeram amor?

Um tremor acalorado percorreu Catherine ante essa possibilidade.

—Não.

—Mas o deseja. —Genevieve não necessitou confirmação disso porque, antes que

Catherine pudesse dizer, continuou — Obviamente, ele também. Deu-te alguma indicação de

quais são suas intenções?

—Há dito que pretende me cortejar.

—Ah! —Os olhos do Genevieve faiscaram — Não só é encantador, bonito, inteligente e...

—Irritante. Ao parecer o esquece uma e outra vez.

—.. e viajado, mas sim, além disso, é um homem honorável.

Sentindo-se decididamente como uma galinha com as plumas totalmente agitadas,

Catherine disse:

—Como já lhe disse ontem à noite, não há nenhuma razão para que me corteje, pois não

tenho a menor intenção de voltar a me casar.

—Então tão somente deseja que te seduza - disse Genevieve com uma pragmática

inclinação de cabeça — Poderia convencer à maioria dos homens para que aceite seus termos, mas

a primeira vista fica claro que seu senhor Stanton não é um deles.

—Não é meu senhor Stanton.

Genevieve desprezou o comentário com sua mão enluvada.

—Não imagino desperdiçando a oportunidade de converter-se em seu amante, embora

suas intenções de lhe cortejar me levam a pensar que, à larga, não ficará satisfeito com esse acordo.

—Sim, não me cabe dúvida de que se cansará de mim depois de um tempo.

—Não o entendeste querida. O senhor Stanton deseja te cortejar. Quer uma esposa. Não se

cansará de ti, mas sim da natureza temporária de sua relação. Quando isso ocorrer, insistirá em

que te case com ele.

—Não o conseguirá.

—Então, tudo me leva a pensar que nesse momento porá fim a sua relação.

Catherine fez caso omisso da estranha sensação que a invadiu para ouvir a cortante

afirmação de Genevieve, e riu.

—Não tinha consciência de que os homens pusessem fim a suas relações porque a mulher

em questão se negasse a casar-se. Que classe de homem desejaria a responsabilidade de uma

esposa, sobre tudo tratando-se de uma esposa que chega ao casamento com o filho de outro

homem, quando poderia desfrutar do despreocupado prazer de uma amante?

—A classe de homem que deseja uma família. A permanência. Uma mulher e um filho com

quem compartilhar sua vida. Um homem capaz de dar a uma mulher todas as coisas que alguém

como seu marido não era capaz de oferecer. A classe de homem que está apaixonado. —

Genevieve se deu de ombros — O senhor Stanton poderia ser qualquer deles... ou possivelmente

todos.

—É impossível que esteja apaixonado por mim, Genevieve. Apenas nos conhecemos.

—Não demoramos muito em nos apaixonar. —Um olhar distante e melancólico apareceu

nos olhos de Genevieve, e Catherine soube que sua amiga estava pensando em seu antigo amante.

Genevieve pareceu se perder em seus pensamentos e a seguir dedicou a Catherine um sorriso

triste — Asseguro que pode ocorrer com desafortunada rapidez. E, infelizmente também, a flecha

do Cupido freqüentemente alcança nossos corações no momento menos oportuno e nos faz se

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apaixonar por gente que não nos convém. Deus sabe que sou o perfeito exemplo disso.

—Não estou apaixonada por senhor Stanton. Céus, mas se nem sequer eu gosto

especialmente!

—De fato, referia-me ao senhor Stanton, querida. Sem dúvida é inconveniente para ele

possuir sentimentos por uma mulher que é declaradamente contrária ao casamento. Para não

mencionar que a mulher em questão é socialmente superior a ele. E estou convencida de que você

gosta mais do que acredita. Sem dúvida, mais do que está disposta a reconhecer.

Uma negativa apareceu nos lábios de Catherine. Entretanto, deu-se conta de que não era

capaz de pronunciar as palavras. Limitou-se então a deixar a taça de chá a um lado e se levantou

para passear-se diante do sofá.

—Não te negarei que me vejo obrigada a decidir o que fazer com esta... inconveniente

atração que sinto pelo senhor Stanton.

—Não é difícil, Catherine, pois contas só com duas opções: fazer caso omisso de seus

sentimentos, ou desfrutar deles e te entregar a um romance.

Catherine negou com a cabeça.

—Não acredito que seja tão singelo. Devo considerar algumas coisas antes de tomar uma

decisão tão importante como essa.

—Mas é justamente muito simples. Deseja-lhe, deseja-te, ambos são livres e nenhum dos

dois é inocente... que mais terá que considerar?

—Meu filho, por exemplo. E se descobrir que tenho um amante?

—Bem, naturalmente deveria atuar com a mais absoluta discrição, Catherine. Já não só para

proteger ao Spencer, a não ser a ti mesma.

—Mesmo assim, alguém poderia descobri-lo.

—Sim, mas ninguém há dito que tomar um amante esteja livre de risco. Freqüentemente, é

o próprio risco o que dá um ar excitante ao romance.

—E o que me diz do fato de que Andrew viva em Londres?

—Pode ser que viva na cidade, mas agora está em Little Longstone.

—Mas voltará para Londres dentro de uma semana.

Genevieve arqueou as sobrancelhas.

—Diria que é perfeito. Você não deseja uma relação permanente e ele parte de Little

Longstone dentro de uma semana. Acaso poderia ser mais ideal?

Catherine se deteve em seco diante da lareira.

—Não me tinha exposto isso desse modo.

—Possivelmente deveria.

Agarrando-se ao bordo do suporte da lareira, jogou para trás a cabeça para olhar ao teto.

—Não deveria ter tornado a ler o Guia ontem à noite. —Olhou a Genevieve por cima de

ombro e soltou uma risada tímida— Como certamente imaginará, colocou-me toda classe de

idéias na cabeça.

—Estou muito segura disso. Mas acredito que o mais provável é que voltasse a ler o Guia

porque já tinha essas idéias na cabeça... postas ali pelo senhor Stanton.

Catherine assentiu devagar.

—Sim, tem razão. —voltou-se a olhar a seu amiga — E se ficasse grávida?

—Como bem sabe depois de ter lido o Guia, há várias formas de impedir que isso ocorra.

—levantou-se e se aproximou de Catherine. Sem dúvida a angústia de Catherine devia ser

evidente, pois Genevieve fez algo que em estranhas ocasiões fazia: tendeu sua mão enluvada e lhe

tocou o ombro em uma amostra de apoio e de simpatia — Sei que está desolada, querida, e não

deveria. Só existe uma decisão possível, e acredito que no fundo de seu coração sabe qual é. Te

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permitir desfrutar do prazer sensual não te subtrai valor como mãe. Como bem aponta o Guia, ser

egoísta quando a ocasião o requer não é nenhum crime.

—Não há lugar para este homem na vida que tenho aqui.

—Possivelmente não durante muito tempo, mas sim poderia haver lugar para ele durante

esta semana.

O silêncio se dilatou entre ambas até que por fim Catherine disse com voz fraca:

—Você tomaria como amante.

—Sim - replicou Genevieve sem indício de dúvida — Não nos negaria o prazer a nenhum

dos dois. Escutaria ao meu coração e Carpe Diem! Vive o dia! Embora, a julgar pelas palavras do

Guia, estou segura de que já estava à corrente disso. —Um sorriso triste se desenhou em seus

lábios — Toda mulher merece viver uma grande paixão em sua vida, Catherine. Uma coisa é ler

que essa classe de prazeres sensuais existem, mas experimentá-los... —Deixou escapar um suspiro

sonhador — As lembranças de meus anos com Richard seguirão me dando calor o resto de meus

dias.

O coração do Catherine deu um tombo de compaixão.

—Não tem por que estar sozinha, Genevieve.

Seu amiga levantou as mãos.

—Não são estas as mãos que um homem deseja tocar.

—Não só é suas mãos. É uma mulher formosa, inteligente e vibrante.

—Obrigado. Mas um grande romance, a aceitação de um amante, está apoiada em uma

forte atração física, mas como, lamento te dizer, forma para mim parte do passado. Mas não para

ti. Catherine, o que é o que te diz o coração?

Fechou os olhos. Tinha esperado escutar uma batalha interna entre sua cabeça e seu

coração, mas os desejos do coração afogaram qualquer outro som... e com apenas duas palavras.

Abriu os olhos.

—Meu coração diz Carpe Diem.

Capítulo 13

Enquanto a intimidade que oferece a escuridão se disposta a encontros sensuais, a mulher

moderna atual não deveria vacilar na hora de tentar fazer amor sem o amparo que garante a

escuridão. Ver cada matiz das expressões de seu amante, observar como a rendição toma o

controle, acrescenta capas de prazer à experiência de fazer o amor.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Presa da necessidade de um enérgico passeio a cavalo para aquietar seus pensamentos à

fuga, Catherine decidiu deter-se nos estábulos de volta a casa da vila de Genevieve. Encontrou

totalmente aberto as portas de carvalho de duas folhas e entrou nas frescas sombras do interior.

Bolinhas de pó dançavam nos raios de sol que entravam em torrentes pelas janelas, e inspirou

fundo, encantada com o embriagador aroma do feno fresco, o aroma de cavalo e a couro. O

murmúrio de vozes masculinas chegou a seus ouvidos e lhe acelerou o coração. Estaria de novo

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Andrew nos estábulos com o Fritzborne?

Dirigiu-se para as vozes e reparou em que o som procedia de algum lugar ao outro lado da

esquina: a velha seção traseira dos estábulos que não tinha sido restaurada. À medida que se

aproximava, as vozes eram mais claras e Catherine se deu conta de que uma delas pertencia sem

dúvida ao Andrew. A outra era do Spencer.

—Bem - disse Andrew, cujas palavras distinguiu com maior claridade com cada passo que

dava — Mantenha levantada a mão esquerda. Mais alto. Proteja o rosto. E agora golpeia com a

direita.

—Não condenou maneira de lhe alcançar - soou a ofegante resposta de Spencer, seguida de

um grunhido. Catherine se deteve e arqueou as sobrancelhas para ouvir a linguagem empregada

por seu filho.

—Move um pouco para trás sua perna forte. Isso me atrairá um pouco mais para ti. Logo,

quando tiver ao alcance, te lance para diante e golpeia.

—Ja! Já lhe tenho.

—Ja! Eu gostaria de vê-lo.

Catherine avançou nas pontas dos pés, silenciosa com suas sapatilhas sobre o chão de

madeira. Ao chegar à esquina, deu um olhar pela porta aberta. E ficou gelada.

Andrew e Spencer pareciam estar ocupados... dando-se murros? Nenhum dos dois levava

gravata nem jaqueta e ambos se arregaçaram a camisa até os cotovelos. Ficou boquiaberta ao ver

Andrew expulsar sobre as pontas dos pés, fintando adiante e atrás enquanto Spencer, com os

punhos fechados à altura do queixo, lançava-lhe vários murros com os que não lhe alcançou. Logo

foram as mãos de Andrew as que saíram despedidas para diante, a ponto de estampar-se na

mandíbula do Spencer. Este se tornou para trás para evitar o golpe e a ponto esteve de cair de

costas.

Um grito de pânico nasceu em sua garganta, mas antes que pudesse sair, Andrew agarrou

a seu filho pela parte superior do braço e lhe ajudou a recuperar o equilíbrio.

—Mantenha o equilíbrio, Spencer. Mantenha o peso para frente e levanta as mãos para

impedir...

—Que diabo está ocorrendo aqui? —Catherine, com a voz tremente em uma combinação

de ira e de temor, saiu das sombras e plantou as mãos nos quadris.

Andrew ficou duro ao ouvir sua voz ultrajada e olhou por cima do ombro com a esperança

de que Catherine não estivesse tão zangada como parecia indicar sua voz. Seus olhares se

encontraram e ao Andrew lhe caiu a alma aos pés. Não só parecia zangada, mas também, além

disso, estava claramente horrorizada.

Abriu a boca para responder, mas antes de poder pronunciar palavra, algo lhe golpeou

diretamente debaixo do queixo com um golpe perfeitamente colocado. Reparando imediatamente

em que aquele algo era o punho do Spencer, deu um passo para trás, tropeçou com seu próprio pé

e foi dar diretamente com seu traseiro contra a dura madeira do chão. Sem poder evitar uma

careta de dor, tomou nota mentalmente de cair contra o montão de feno na seguinte ocasião.

—Deus santo, Spencer acaso há... hão... perdido o julgamento? —trovejou a voz de

Catherine a suas costas. Andrew a ouviu correr para diante.

Spencer afastou seu olhar estupefato de seu punho fechado para fixá-la em Andrew e

devolvê-la logo a seu punho. Olhou então a sua mãe, quem parecia estar tirando vapor pelas

orelhas. Tragou saliva visivelmente e se aproximou de Andrew.

—Sinto muito, senhor Stanton, não era minha intenção...

Andrew levantou uma mão para fazer calar ao menino enquanto esfregava a mandíbula

dolorida com a outra.

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—Eu chamo isso de um golpe excelente e perfeitamente executado, e um magistral

exemplo da segunda regra que te ensinei que é...?

—Se aproveitar sempre da debilidade de seu rival.

—Exatamente. Vi-me momentaneamente distraído pela chegada de sua mãe, e de repente

me encontrei sentado no chão. Muito bem feito. —ficou de pé de um salto, sacudiu-se o pó das

calças e, com um sorriso, estendeu sua mão ao Spencer — Estou orgulhoso de ti.

A vermelhidão de inconfundível satisfação que apareceu em rosto do jovem, combinado

com o assombro e a gratidão impressos em sua expressão, esquentaram o coração de Andrew de

um modo que nunca tinha experimentado.

—Obrigado, senhor Stanton. —Seu sorriso se desvaneceu com a mesma celeridade com a

que tinha aparecido — Não lhe terei feito mal, não é?

Andrew moveu a mandíbula para frente e para trás e logo lhe piscou os olhos.

—Sobreviverei.

Logo voltou sua atenção a Catherine e sorriu, fingindo não reparar em sua tormentosa

expressão.

—Seu filho é um aluno excelente.

—Aluno? Por favor, rogo-lhe que não me diga que lhe está ensinando a brigar com os

punhos.

—Muito bem, nesse caso não direi.

—O que está fazendo então?

—Já que me pediu que não lhe dissesse que lhe estou ensinando a brigar com os punhos,

vai ser muito difícil responder a essa pergunta.

Catherine lhe dedicou um olhar irado, agradeceu por não ser leite, do contrário teria se

coalhado imediatamente. A seguir olhou para Spencer.

—Está bem?

—Sim, mamãe, claro. É o senhor Stanton quem foi bater o traseiro no chão.

—E estou muito bem, obrigado.

Seu olhar de irritação foi alternando-se entre o Andrew e Spencer.

—Estou esperando uma explicação.

—Estava ensinando ao Spencer alguns conhecimentos básicos sobre pugilismo - disse

Andrew — E, como pode ver, é um aluno muito dedicado.

—E por que demônios você ia lhe ensinar algo semelhante? É que nenhum dos dois teve

em conta os riscos que implica semelhante atividade? Spencer poderia haver-se cansado. Poderia

ter ficado gravemente ferido. A ponto esteve de tropeçar e cair de costas faz apenas um instante.

—Mas não estou cansado, mamãe - interveio Spencer — O senhor Stanton me agarrou.

—E se não o tivesse conseguido?

—Mas o tem feito - reiterou Spencer — É muito forte e muito rápido. Construiu este

quadrilátero especialmente para mim. Ajuda-me a manter o equilíbrio. Olhe. —Fez-lhe uma

pequena demonstração e logo acrescentou—: o quadrilátero está rodeado de feno para que caia

em brando se chegar a cair... algo que não ocorrerá porque o senhor Stanton é um professor

excelente. E, quanto à pergunta de por que o senhor Stanton me está ensinando... —levantou um

centímetro o queixo — Porque eu o pedi. Era a surpresa que eu queria te fazer.

Catherine agitou a mão, desenhando com ela um arco que incluiu a habitação inteira.

—Bem, pois certamente estou surpreendida.

—E já que te inteirou que isto, possivelmente seja melhor que saiba o resto, mamãe.

—Há mais?

—Também pedi ao senhor Stanton que me instrua na disciplina da esgrima e da equitação.

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Ontem demos nossa primeira lição de equitação e foi muito bem. —voltou-se para Andrew

— Ou não foi assim?

—Certamente - confirmou Andrew.

A cor se desvaneceu do rosto de Catherine ao tempo que olhava ao Andrew.

—Equitação? Mas está você louco? E se cair da sela?

—E se for você a cair da sela? —respondeu Andrew — Ou eu? Ou Philip? Acaso ninguém

deveria então montar a cavalo?

Com o cenho franzido Catherine se voltou para o Spencer, reparando na expressão

iluminada e esperançosa de seu filho.

—Há... desfrutado da lição?

—Muito. Oh, ao princípio estava nervoso, mas em seguida fiquei tranqüilo.

—É um jovem extremamente brilhante, lady Catherine.

—Vê-o, mamãe? A lição de equitação de ontem foi bem e a de pugilismo de hoje também

foi perfeitamente segura - disse o menino apressadamente. Avançou arrastando os pés para

Catherine e lhe pôs uma mão tranqüilizadora no braço — O senhor Stanton se assegurou de que

assim fosse. E não se preocupe. Não tento me converter no melhor pugilista da Inglaterra. Só tento

fazê-lo o melhor que posso. Assim, se alguém tentar alguma vez te fazer mal, poderei lhe deixar

sentado no chão como fiz com o senhor Stanton.

Catherine piscou várias vezes.

—Isso é muito doce de sua parte, carinho. E terrivelmente cavalheiresco. Mas...

—Por favor, não me peça que o deixe, mamãe. Eu adoro.

—Já... vejo. —Catherine inspirou fundo — Por que não volta para casa e me deixa uns

instantes a sós para que fale disto com o senhor Stanton?

Spencer lançou um olhar de uma vez preocupado e esperançoso a Andrew, que por sua

vez dedicou uma alentadora inclinação de cabeça.

—Posso ir às águas em vez da casa, mamãe?

—Sim, naturalmente.

Spencer se aproximou de Andrew e sussurrou:

—Virá se encontrar comigo para nossa lição?

Andrew assentiu. Catherine e ele ficaram em silêncio, atentos ao som do arrastar de pés de

Spencer.

Quando as pisadas do jovem se fundiram no silêncio, Catherine disse:

—Por favor, rogo-lhe que se explique. No que estava pensando quando começou com isso?

Andrew inspirou fundo e a seguir relatou a conversa que tinha mantido com o Spencer na

tarde de sua chegada a Little Longstone.

—Spencer se está convertendo em um homem – concluiu — Deseja e precisa sentir que

pode fazer as mesmas coisas que outros jovens de sua idade. Pareceu-me muito perdido, muito

hesitante e inseguro de si mesmo. Só pretendia lhe dar um pouco de fôlego e de confiança em si

mesmo... a mesma classe de fôlego que eu recebi quando menino.

Catherine guardou silêncio durante vários segundos e Andrew viu aliviado que já não

parecia tão zangada como antes.

—Agradeço sua amabilidade, senhor Stanton...

—Andrew.

Catherine ficou vermelha

—Andrew. Mesmo assim...

—Não é uma questão de amabilidade, Catherine. É uma questão de carinho. Spencer me...

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cativou. Recorda-me muito a alguém que conheci na América do Norte, e eu gostaria de lhe ajudar

na medida de minhas possibilidades. —Esticou os braços e tomou as mãos dela entre as suas —

Dou-lhe minha palavra de que jamais faria nada que pudesse lhe pôr em perigo.

Os olhos do Catherine procuraram os seus.

—Naturalmente, não acredito que lhe fizesse mal intencionalmente, mas uma coisa assim...

—Seu olhar perambulou pelo local para voltar de novo para fixar-se em Andrew — Não posso

evitar me preocupar. Como pode me prometer que não sofrerá nenhum dano?

—Se pensar bem, ele ou qualquer um poderia ficar ferido em qualquer parte. Em qualquer

momento.

—É certo, mas sejamos realistas. Tendo em conta sua incômoda doença, as possibilidades

de que Spencer se faça mal são maiores que as de qualquer um que ande com normalidade.

—Certo. Razão de mais para pensar que as lições de pugilismo são uma boa idéia. Ele

ficara mais forte e equilibrado. Mas como, de uma vez, respirará sua confiança em si mesmo. Já

pôde ver com seus próprios olhos quão satisfeito estava consigo mesmo quando me atirou ao

chão.

—Sim. Entretanto, acredito que nisso lhe ajudou você um pouco. E, o rogo, não esqueça

que antes Spencer esteve a ponto de cair.

—Não vou mentir lhe, Catherine. Spencer esteve a ponto de cair uma dúzia de vezes antes

que você chegasse. —Os olhos de Catherine se abriram sobre umas bochechas agora desprovidas

de cor — Mas lhe ajudei a recuperar o equilíbrio cada vez que isso aconteceu. E cada vez

aconteceu mais minutos até que tornou a perder o equilíbrio. Melhorou rapidamente, e só com

uma lição, tal como ocorreu ontem com a lição de equitação.

—De fato, tentei que Spencer se interessasse por aprender a montar quando era menor,

mas nunca quis. Acreditando que era o tamanho dos cavalos o que lhe atemorizava, me ocorreu

ter um pônei e comprei a Afrodita, mas Spencer não mostrou o menor interesse. Do mesmo modo

em que deixei de esperar que se aventurasse fora das terras da propriedade, também nisso

terminei por deixar de insistir. —Seus olhos voltaram a encontrar-se com os dele, e o coração de

Andrew executou a já familiar pirueta induzida pelo olhar de Catherine — Sua presença parece

ter o efeito de fazer que meu filho deseje expandir seus horizontes e tentar coisas novas.

—E isso a incomoda?

Catherine se deu uns segundos para ponderar sua resposta, e disse:

—Não, mas reconheço que a precavida mãe que há em mim teria preferido que Spencer

pedisse que lhe desse lições de gamão em vez de lições de equitação, pugilismo e esgrima.

Andrew sorriu.

—Acredite o menino não necessita que lhe dêem lições de gamão.

—Mas a mãe protetora que levo dentro deseja que meu filho tenha uma vida o mais normal

e plena possível. Quando penso na mobilidade acrescentada que lhe proporcionará aprender a

montar. —Deu um comprido suspiro — Não posso permitir que meus temores turvem seu

entusiasmo e sua incipiente independência. Mas, embora fale assim, seguirei preocupada e

inquieta por sua segurança. Confio-lhe sua segurança, Andrew.

Andrew levou as mãos de Catherine à boca e tocou as pontas de seus dedos com os lábios,

desfrutando ao vê-la conter o fôlego ante seu gesto.

—Sinto-me honrado e agradecido pela fé que deposita em mim, pois sei quão importante

Spencer é para você. Juro-lhe que sua confiança está em boas mãos. E agora, damos por resolvida

a questão?

—Sim, suponho que sim. Mas o advirto: não penso lhe tirar olho.

Andrew sorriu.

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—Que delícia, pois nada pode me fazer mais feliz que sentir seu olhar sobre mim. Faz um

momento há dito que minha presença parece provocar em seu filho o desejo de expandir seus

horizontes e tentar coisas novas. Possivelmente minha presença produz o mesmo efeito em sua

mãe?

O coração lhe deu um tombo ante o inconfundível brilho de consciência que apareceu nos

olhos de Catherine.

—A que se refere?

—Refiro-me a que eu gostaria de convidá-la a tentar algo novo comigo. Nunca dei um

passeio à luz da lua por um jardim da campina inglesa. Gostaria de me acompanhar esta noite?

— Você sente um repentino desejo de cheirar as rosas na escuridão?

—Não. Sinto um desejo longamente desejado de passear com você por um jardim na

escuridão. —Desfrutou intensamente ao ver o fulgor dos olhos de Catherine para lhe ouvir

reconhecer suas intenções — Se estivéssemos em Londres, convidaria para irmos ao Vauxhall.

Mas já que estamos em Little Longstone, vejo-me obrigado a improvisar - acrescentou, deixando-

se levar pelo entristecedor desejo que lhe embargava e lhe passando as pontas dos dedos por sua

acetinada bochecha— Acompanhará-me?

Catherine não disse nada. Seu olhar procurou o dele, e o coração de Andrew palpitou tão

forte que teria jurado que ela tinha que havê-lo ouvido. Ele estava pedindo algo mais que um

simples passeio e ambos sabiam, embora sem dúvida ela tivesse pensado na conversa da noite

anterior. E ele logo que tinha pensado em outra coisa. Obviamente ela tinha chegado a alguma

conclusão. Mesmo assim, com cada segundo de silêncio que passava, as esperanças de Andrew se

desvaneciam, pois podia ver como ela seguia ponderando sua decisão.

Então, por fim, Catherine se esclareceu garganta.

—Sim, Andrew. Eu vou.

Embora ele supunha que na história da humanidade se teriam pronunciado palavras mais

doces, não alcançava a imaginar que palavras podiam ter sido essas.

Catherine passou toda a tarde presa em um exaltado estado de consciência que, além disso,

deixou-a a um estado próximo à vertigem. Tudo lhe parecia mais claro, mais agudo, e tinha os

sentidos totalmente alerta. Não recordava ter comido um cordeiro mais saboroso, umas cenouras

mais deliciosas nem haver provado um vinho mais embriagador. Com cada movimento, seu

vestido de musselina lhe acariciava a pele, agora estranhamente sensível, lhe provocando

pequenos formigamentos em suas terminações nervosas. As oscilantes e pálidas velas dos

candelabros de prata davam uma luz mais brilhante, o som da risada de Spencer a deleitava mais

e o profundo timbre da voz de Andrew lhe provocava calafrios de antecipação na coluna.

Algum homem lhe tinha parecido mais atraente? Mais tentador? A muda luz das velas

elogiava seu escuro atraente, envolvendo seu rosto em um intrigante desenho de sombras que

atraía o olhar de Catherine uma vez e outra. Com uma jaqueta azul marinho, camisa branca e

calças de cor camurça, Andrew tinha um aspecto masculino, imponente e absolutamente delicioso.

Cada olhar entrecruzado entre ambos a inflamava, lhe acendendo a pele. Cada sorriso que

lhe dedicava enchia o seu coração de uma palpitante excitação. Catherine sabia que seu iminente

passeio com Andrew à luz da lua era responsável por uma grande dose da vertigem que a

embargava, embora também fosse plenamente consciente de que o resto se devia à estratégia que

tinha desenhado. Estava decidida. Sabia o que queria. E, depois de várias horas lhe dando voltas a

suas diferentes opções no que levava de tarde, por fim tinha descoberto como consegui-lo. Agora

simplesmente esperava poder suportar a espera até pôr em ação seu plano.

Depois do jantar, os três se retiraram ao salão, onde Catherine viu Andrew e Spencer

Page 107: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

jogando uma animada e altamente competitiva partida de gamão.

—É sua última tiragem, senhor Stanton - riu Spencer entre dentes, esfregando-as mãos com

evidente regozijo — Está a ponto de ser derrotado.

—Possivelmente. Embora se tiro um dobro seis, ganho eu.

Spencer soltou um bufido zombador.

—E que probabilidades tem de que isso ocorra?

Andrew sorriu.

—Uma entre trinta e seis.

—Não muitas.

—Poderia ser pior.

Andrew lançou os dados sobre o tabuleiro. Catherine observou perplexa o par de seis.

Spencer arregalou os olhos e começou a rir.

—Diabo. Não tinha visto alguma vez tanta sorte, e você, mamãe?

—Não - disse Catherine entre risadas — Sem dúvida o senhor Stanton é um homem muito

afortunado. —Seu olhar se posou em Andrew e, quando os olhos de ambos se encontraram, ele

sorriu.

—Sim, sem dúvida sou um homem muito afortunado.

Seu sorriso a envolveu como uma cálida capa, rodeando-a com uma aura de calor.

Spencer se levantou e estendeu a mão.

—Excelente trabalho. Mas sairei vitorioso na próxima vez que jogarmos.

Andrew se levantou e estreitou sua mão com gesto solene.

—Espero ansioso a ocasião.

Spencer bocejou e dedicou um tímido olhar a Catherine.

—Estou cansado - reconheceu.

—Teve um dia ocupado. —Catherine dedicou ao Andrew um olhar arqueado e de soslaio

— Deve estar, sobre tudo depois de ter feito cair ao senhor Stanton de traseiro e todo o resto.

O menino riu entre dentes e conteve um segundo bocejo.

—Acredito que vou à cama. Preciso descansar para as lições de equitação e de pugilismo

amanhã.

Catherine fez caso omisso do nó de preocupação que se fez em seu estômago ao pensar

nessas lições.

—Muito bem, carinho. Quer que te ajude a subir as escadas?

—Não, obrigado. Posso fazê-lo sozinho.

Catherine se obrigou a assentir e a sorrir. E aceitou uma amostra mais na necessidade de

autoconfiança de seu filho.

—Que durma bem.

—Sempre o faço. —Spencer beijou Catherine na bochecha, estreitou a mão de Andrew e

logo saiu da sala, fechando a porta atrás dele com um silencioso estalo.

O olhar de Andrew se posou então nos dela com olhos de silenciosa compreensão.

—Quanto mais nos aproximamos da idade adulta, — disse — mais desejamos fazer coisas

por nós mesmos.

—Sei. No fundo estou muito orgulhosa de sua incipiente independência, embora parte de

mim sinta falta do menino que me necessitava para tudo.

—Sempre a necessitará, Catherine. Não do mesmo modo que quando era pequeno,

naturalmente, mas a necessidade de seu amor e de seu apoio não desaparecerá jamais.

—Sim, suponho que é certo. E me alegro. —Sorriu — Se sentir útil é uma sensação muito

agradável.

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—Certo.

Algo na forma em que ele pronunciou essa palavra a levou de repente a perguntar-se se em

realidade seguia falando do Spencer. Antes de poder decidi-lo, Andrew perguntou:

—Gostaria que déssemos nosso passeio? Ou possivelmente... —Indicou o tabuleiro de

gamão com uma inclinação de cabeça— Possivelmente antes preferiria receber uma surra,... refiro-

me a que possivelmente goste de jogar uma partida.

Catherine arqueou as sobrancelhas.

—Com um homem que acaba de demonstrar que pode tirar um dobro seis à vontade?

Obrigado, mas não.

Andrew inclinou a cabeça antes de estender o cotovelo com um cortês floreio.

—Nesse caso, vamos ao jardim.

Catherine posou a mão com grande correção na dobra de seu cotovelo, consciente de que se

conseguia o que tinha em mente, aquele ia ser o último gesto decente que faria naquela noite.

Saíram da casa pelas portas que davam ao terraço. Avançaram devagar sobre as pedras do

jardim e Catherine inspirou fundo, absorvendo o bem-vindo ar fresco sobre sua acalorada pele e

os reconfortantes aromas da erva, as folhas e as flores mesclados com o intrigante e sutil rastro de

sândalo que desprendia Andrew. A lua cheia brilhava na escuridão do céu como uma pérola

reluzente contra o veludo negro, cobrindo a paisagem com uma iluminação chapeada.

Depois de descer pelos degraus, dirigiram-se ao jardim. O caminho se bifurcava em várias

direções, mas Catherine virou à direita.

—Importa-lhe se tomarmos o caminho da esquerda? —perguntou Andrew — Há algo que

quero lhe mostrar.

Franziu o cenho ante o que parecia ser um inconveniente destinado a entorpecer o

desenvolvimento de seus planos perfeitamente desenhados.

—Do que se trata?

—Verá quando chegarmos.

Demônios, esse homem a chateava em cada tira de caminhos, literalmente falando neste

caso. À esquerda não havia nada exceto algumas estatua de mármore, enquanto que à direita

estava o terraço elevado. E esse era o lugar ao que Catherine pretendia lhe levar. Quis insistir em

tomar o caminho da direita. De fato, desejava galopar até o maldito terraço, embora diante a cortês

solicitude de Andrew, não lhe ocorreu forma alguma de negar-se a sua proposta sem parecer

grosseira. Nem confessando a verdade de seus planos.

—Muito bem - acessou, com a esperança de não soar tão contrariada como realmente o

estava. Vá. Bom, limitaria-se a olhar educadamente o que fora que ele queria lhe mostrar e logo

lhe faria voltar por onde tinham ido. Ou também podia lhe animar a continuar andando pelo

mesmo caminho, que em um momento dado desenhava uma curva que levava a parte posterior

do terraço elevado, embora sem dúvida por uma rota muito mais longa.

Ansiosa por terminar com aquilo, Catherine pôs-se a andar pelo caminho da esquerda, logo

que resistindo ao desejo de agarrar ao Andrew pela manga e se atirar nele.

—Normalmente você anda tão depressa, Catherine? —perguntou Andrew com a voz

salpicada de bom humor.

—Normalmente você anda tão devagar?

—Bom isto é um passeio. Desgraçadamente, esqueci trazer comigo um dicionário, e ao que

parece de novo o necessitamos. Parece que você confundiu o significado do termo «passeio» pelo

de «corrida».

—Não necessito nenhum dicionário. Simplesmente não sou mulher que gosta de perder

tempo.

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—Ah, uma qualidade admirável - disse ele, andando ainda mais devagar. «Deus santo, até

os caracóis se moviam mais depressa»— Entretanto, há certas coisas que sim deveriam ser

tomadas com calma.

—Como, por exemplo? —Catherine não estava especialmente interessada na resposta, mas

possivelmente se seguia lhe fazendo falar, ele se distrairia o bastante para avançar um pouco mais

depressa.

—O som da brisa noturna acariciando as folhas. O aroma ainda presente das flores

diurnas...

Logo que conseguiu conter um suspiro de impaciência. Que o céu a ajudasse. Aí estava ele,

ficando poético sobre as brisas e as flores enquanto ela estava mais frustrada com cada minuto que

passava. É que aquele homem não se dava conta de que morria de vontade de ver-se entre seus

braços e de ser beijada até que os joelhos dobrassem?

«Ohhh» bufou de cólera em silêncio. Que tipo de maldita sorte tinha caído sobre ela para

amaldiçoá-la assim com a atração por um homem que sem dúvida era mais espesso que a mais

espessa névoa e que avançava mais devagar que uma tartaruga sonolenta?

—.. o aroma do pescoço de uma mulher.

Essa frase a arrancou bruscamente de seus pensamentos. O aroma do pescoço de uma

mulher? Isso soava... interessante. Prometedor. Maldição, o que se tinha perdido? Antes de poder

perguntar-lhe Andrew se deteve e a rodeou até ficar frente a ela. Catherine olhou a seu redor e

reparou que estavam em seu canto preferido do jardim: um pequeno e isolado semicírculo ao que

carinhosamente tinha batizado com o nome de O Sorriso do Anjo. Andrew devia ter dado com ele

por mera casualidade, pois ficava oculto do atalho principal por alguns altos sebes. Um passeio à

propriedade jamais teria reparado nele, a menos que soubesse onde buscá-lo.

—Este é seu lugar favorito do jardim - disse Andrew.

As sobrancelhas de Catherine se arquearam bruscamente.

—Como sabe?

— Fritzborne me disse.

—Ah, sim? Não sabia que vocês eram tão... íntimos.

—Tivemos um longo bate-papo no dia de minha chegada. Também falamos bastante

enquanto limpávamos a zona dos estábulos onde montei o quadrilátero de pugilismo, depois do

qual ele me ofereceu um copo de uísque. É um bom homem. Toma um uísque absolutamente

espantoso, mas ainda assim é um bom homem.

—Tomou um uísque com ele? —Catherine tentou imaginar Bertrand fazendo algo

semelhante, sem êxito.

—Assim é. E, a julgar pelo sabor do licor, não estou seguro de ser capaz de repeti-lo. —

Sorriu e seus dentes brilharam à luz da lua— De fato, foi só o primeiro gole o que doeu. Depois

disso, minhas vísceras deixaram de sentir.

—E enquanto tomava você esse uísque, ele mencionou por acaso que este é meu lugar

favorito do jardim.

—De fato, foi enquanto exercitávamos aos cavalos esse primeiro dia. Pedi-lhe que me

descrevesse seu lugar favorito do jardim. Disse-me que era um lugar que você chamava O Sorriso

do Anjo e que era uma réplica do lugar favorito que sua mãe tinha em seu próprio jardim.

Catherine assentiu ligeiramente perplexa.

—Pedi ao Fritzborne que plantasse os sebes e me encarreguei pessoalmente das flores:

basicamente rosas e lírios, as favoritas de minha mãe. —Olhou a seu redor, sentindo-se imbuída

da paz que aquele lugar sempre lhe produzia — Terá que vê-lo durante o dia para apreciar sua

beleza e serenidade. O modo em que o sol brilha entre essas árvores - disse, assinalando um

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bosque de altos olmos situados a alguns cinco metros de onde estavam — banha este pequeno

lugar com um semicírculo de luz que parece...

—O sorriso de um anjo.

—Sim. Antes de sua morte, minha mãe e eu passamos muitas horas felizes juntas nos

jardins. Quando estou aqui, sinto-me como se ela estivesse comigo, sorrindo do céu. —

Repentinamente envergonhada de suas divagações, disse—: Não é mais que uma tola

extravagância.

Andrew tomou brandamente suas mãos e entrelaçou seus dedos com os dela, gesto que a

reconfortou e a excitou simultaneamente.

—Não é nenhuma bobagem, Catherine. É importante ter lugares que signifiquem algo para

nós, lugares que podemos ir e pôr em ordem as idéias. Ou simplesmente desfrutar de um pouco

de tranqüilidade.

—Você deve ter um lugar assim para me compreender tão bem.

—Tive vários durante minhas viagens.

—Tem algum na Inglaterra?

—Sim. —Sorriu— A próxima vez que viaje a Londres mostrarei meu banco favorito no

Hyde Park, e minha sala favorita do Museu Britânico.

Catherine lhe devolveu o sorriso e ignorou firmemente sua voz interior, que voltou para a

vida entre tosses para lhe recordar que não tinha intenção de viajar a Londres em um futuro

próximo.

—Por que perguntou ao Fritzborne por meu lugar favorito do jardim?

—Porque tinha que sabê-lo para sua surpresa.

—Outra surpresa? Não estou segura de hoje ser capaz de suportar mais surpresas.

—Não tema. Venha.

Soltou-lhe uma mão e logo, ainda com a outra firmemente agarrada, levou-a até o bosque

de olmos. Curiosa, Catherine olhou ao seu redor, mas não viu nada fora do comum. Não obstante,

quando Andrew se deteve junto à árvore mais alta, o aroma da terra recém escavada lhe fez

cócegas no nariz e a obrigou a baixar os olhos. E ficou gelada.

Diante dos seus olhos, à pálida luz da lua, estendia-se um canteiro de flores cheio de uma

profusão de mudas de vários tamanhos que rodeavam as duas árvores mais afastadas.

Imediatamente Catherine reconheceu a familiar folhagem e conteve o fôlego.

—O que é isso?

—Reconhece a planta? É uma...

—Coração Sangrento – sussurrou — Sim, sei.

—Conforme me disse, o coração sangrento era sua favorita. Dei-me conta que tem alguns

corações sangrentos repartidos por seu jardim, mas nenhum grupo numeroso.

Aturdida, Catherine soltou sua mão e se agachou para passar com suavidade o dedo por

uma delicada fileira de diminutos e perfeitamente torneados brotos pendentes vermelhos e

brancos.

—Você fez isto?

—Bom, não posso me atribuir todo o mérito. Contei com a ajuda do Fritzborne e do

Spencer.

—Estão eles sabem disto?

—Sim. Spencer me ajudou a escolher as mudas quando visitamos o povoado. Fritzborne as

escondeu nos estábulos e esta tarde as transportou até aqui. Spencer e eu as plantamos. —riu entre

dentes— Acredito que guardar o segredo desta surpresa esteve a ponto que lhe matar.

—Sim, posso imaginá-lo. —Catherine afastou o olhar da assombrosa maravilha do canteiro

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e olhou para Andrew por cima do ombro — Por isso queria ir ao povoado? Para comprar?

—Entre outras coisas, sim.

Ela fez gesto de levantar-se e Andrew imediatamente deu a mão para ajudá-la. Catherine

deslizou sua mão na dele, absorvendo a cálida e calosa textura de sua palma ao rodear a sua.

Quando de novo esteve de pé frente a ele, não lhe soltou a mão.

—Outras coisas? —repetiu, sentindo que o coração lhe palpitava em pulsados lentos e

intensos — Não me diga que há mais surpresas.

Andrew sorriu.

—Muito bem. Não o direi. —Afastou-lhe com o dedo um cacho errante da frente, e seu

acelerado coração deu um tombo ante a intimidade que encerrava aquele gesto.

—Não posso acreditar que a pequena floricultura do povoado dispusera de tal abundância

de mudas - disse.

—De fato, tinham só umas quantas. Quando lhe disse ao florista que queria mais, sugeriu

que alguns dos habitantes do povoado possivelmente estariam dispostos a me vender suas

mudas. Assim Spencer e eu fomos procurar - explicou, tornando-se a rir — Acredito que

conhecemos todos os habitantes do povoado em nossa busca de corações sangrentos.

Catherine lhe olhou sem sair de seu assombro.

—Está-me dizendo que foi a casa de gente a que não conhece perguntar se podia comprar

as mudas de seu jardim?

—Isso o resume à perfeição. Todos se mostraram encantados de deixar que Spencer e eu

nos levássemos suas mudas para a «surpresa de lady Catherine».

Céus, ao menos havia três dúzias de novelo ao redor dos olmos.

—Vocês tiveram muito trabalho.

—Trabalho nenhum, foi um prazer fazer algo por você.

Catherine voltou a baixar os olhos e, ao ver o que Andrew fazia por ela, uma corrente de

ternura a embargou, lhe inflamando a garganta de emoção e fazendo aparecer um véu de úmido

calor atrás de seus olhos. Voltando a posar nele o olhar, apertou-lhe a mão e pronunciou a pura

verdade:

—Nenhum homem fez por mim algo tão precioso e tão considerado.

«Nem romântico», cantarolou sua voz interior com um feminino suspiro. «esqueceste de

acrescentar romântico.»

Andrew levou aos lábios as mãos entrelaçadas de ambos e depositou um beijo na sensível

na palma da mão de Catherine.

—Já lhe hei dito que eu gosto de ser sempre o primeiro.

O contato de sua boca em sua pele, as suaves palavras exalando fôlego, enviaram

diminutas línguas de fogo por seu braço. Andrew baixou então a mão de Catherine até pegá-la

contra seu peito, onde seu coração palpitou depressa e com força contra sua palma. Quase tão

depressa e com tanta potência como o dela. Pela forma em que ele a olhava. Pelo perto que

estavam um do outro. E não só pelo que ele tinha feito, mas também por como o tinha feito.

—As flores são ainda mais especiais porque inclui Spencer em sua surpresa - disse com voz

fraca — Obrigada.

—De nada.

Para mortificação de Catherine, a umidade que tinha aparecido em seus olhos se

transbordou e um par de lágrimas se deslizaram de seus olhos.

Os olhos do Andrew se abriram com uma expressão que só poderia ter sido descrita como

de pânico masculino.

— Você está chorando.

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Suas palavras soaram tão horrorizadas e acusatórias que o soluço contido na garganta de

Catherine estalou em uma gargalhada.

—Não é certo.

—E como você chama isto? —Andrew apanhou uma lágrima na ponta do dedo enquanto

sua outra mão apalpava freneticamente seus bolsos, presumivelmente em busca de um lenço.

Já mais tranqüila, graças a Deus, Catherine fez aparecer seu próprio lenço de sua larga

manga e secou com ele os olhos.

—Segue chorando?

—Não estava chorando.

—De novo precisamos recorrer ao dicionário. —Andrew estendeu a mão e lhe agarrou o

lenço, lhe secando com suavidade as bochechas. Quando terminou, inclinou a cabeça à esquerda e

logo à direita, olhando-a atentamente — Pelo visto, deixou de chorar.

—Não tinha começado. Simplesmente... sofri uma inesperada erupção líquida das pupilas.

A mulher moderna atual não chora quando um homem lhe dá de presente flores. Céus se fosse

esse o caso, teria estado sumida em um estado de histerismo constante durante as últimas duas

semanas.

Pronunciou as palavras a modo de brincadeira, mas assim que se ouviu as dizer, foi

consciente de que as que tinha ante seus olhos não eram umas flores qualquer. Além disso, estava

começando a ficar alarmantemente claro que o homem que estava de pé diante dela não era um

homem qualquer.

Andrew lhe devolveu o lenço, que ela voltou a meter-lo na manga.

—Bem, me considere então aliviado de que a... inesperada erupção de suas pupilas se

corrigiu.

Certamente parecia aliviado, e Catherine teve que reprimir um sorriso. Inclusive nos

momentos posteriores ao disparo, ele tinha se mostrado sereno e cometido. Ainda assim, o

espetáculo de umas lágrimas femininas tinham desarmado visivelmente a esse homem, feito que

Catherine achou enternecedor.

Deus santo. Se é que ela não desejava nem por indício encontrar nele nada que resultasse

enternecedor. Já era bastante mau que lhe parecesse um homem dolorosamente atraente. «Por

certo - interveio sua voz interior—, já vai sendo hora de que ponha em ação seu plano.»

O Sorriso do Anjo era tão perfeito como o terraço elevado, e Catherine não desejava esperar

mais para que ele a estreitasse entre seus braços. Para que a beijasse. O que, por algum motivo que

ela desconhecia, ele ainda não tinha feito. Desejou lhe agarrar pelos ombros, sacudi-lo e lhe

perguntar que demônios estava esperando. Enfim, tinha chegado a hora de passar à ação.

Dedicando a Andrew o que, conforme esperava passasse por um sorriso despreocupado,

embora não isenta de uma ligeira sombra sedutora, disse:

—Sua generosidade e sua consideração me fazem sentir ainda mais culpada pela aposta

que fizemos.

—A aposta?

—Em relação a sua leitura do Guia feminino.

A expressão confusa do Andrew se dissipou.

—Ah, sim, a aposta. O que a faz sentir-se culpada?

—Quando fizemos a aposta, acordamos um prazo de três semanas. Após, acordamos os

dois que você estará em Little Longstone só uma semana. Temo-me que, jogos de dados os

imperativos temporários e o fato de que resultaria virtualmente impossível que se agencie um

exemplar do guia aqui, devemos renegociar os términos da aposta.

A expressão de Andrew se tornou pensativa e, retrocedendo dois passos, apoiou as costas

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contra o grosso tronco do olmo que tinha atrás dele e a observou atentamente.

—Se já me for virtualmente impossível conseguir um exemplar da Guia aqui, em Little

Longstone, no prazo de uma semana, não vejo como poderia ter podido cumprir com a tarefa em

três semanas. Nem sequer em três meses. O qual me leva a me perguntar se possivelmente me

deixei enganar.

—Absolutamente. Dispondo de três semanas, teria tido tempo suficiente para enviar um

pedido a alguma livraria de Londres para que lhe enviassem aqui um exemplar. Isso em caso de

que tivesse tido realmente a intenção de lê-lo.

—Ah. Mas agora só disponho de uma semana...

—Temo que deixou que ser uma opção viável - disse Catherine, injetando a nota justa de

pesar a sua voz. Entretanto, sua consciência a levou a perguntar—: Se ainda dispusesse de três

semanas, faria um pedido a Londres?

—Não.

Catherine conseguiu fazer com muita dificuldade que seus lábios esboçassem um sorriso

triunfal. Perfeito. Andrew tinha mordido seu anzol sem piscar. Agora, já só tinha que recolher o

fio.

—Isso imaginava - disse, conservando uma expressão séria — O qual significa que...

—Nossa aposta fica cancelada. —Andrew assentiu — Sim, suponho que tem você razão.

Catherine cravou nele o olhar.

—Cancelada? Isso não é o que ia dizer.

—Ah? E o que ia dizer então?

—Que eu ganhei.

As sobrancelhas do Andrew se dispararam para cima e se cruzou de braços.

—E como chegou a essa conclusão?

—Acaba de reconhecer que não teria movido um só dedo para ter com um exemplar do

Guia em Londres, independentemente da duração de sua estadia em Little Longstone. Recordará

que para que você ganhasse a aposta tinha que ler o Guia e entrar em uma discussão sobre ele,

algo que não pode fazer se não contar com um exemplar, o qual, conforme acaba de reconhecer,

não tem intenção de fazer, o que, embora estivesse em seus planos, já não tem tempo de levar a

cabo. —Concluiu seu discurso com um florido gesto e tomou uma baforada de ar que necessitava

desesperadamente. Logo ofereceu ao Andrew o mais doce de seus sorrisos — Assim, isso significa

que eu sou a ganhadora.

Andrew ficou vários segundos em silêncio, observando-a com uma expressão ligeiramente

divertida que fez as delícias de Catherine. Excelente. Era evidente que o tinha desconcertado. Sua

estratégia estava funcionando às mil maravilhas. E agora, o último passo...

—Admite você sua derrota? —perguntou.

—Diria que tenho pouca escolha.

O coração de Catherine lhe deu um tombo de antecipação.

—Como sem dúvida recordará, o ganhador tem direito a cobrár dívida exigindo um favor

de sua escolha.

—Ah, sim. Agora que o menciona, recordo-o - reconheceu, rindo-se entre dentes — Assim

por isso queria me ouvir aceitar minha derrota em vez de dar por resolvida a aposta. Suponho que

me passarei todo o dia de amanhã dando brilho à prata.

Catherine deu um passo para ele.

—Não.

—Capinando as roseiras?

Outro passo.

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—Não.

—Limpando os estábulos?

Um passo mais. Agora apenas lhes separava a distância de um braço. O coração de

Catherine palpitava com tanta força que sentiu os batimentos do coração nos ouvidos.

—Não.

O olhar observador de Andrew se manteve firme na dela durante o que pareceu uma

eternidade, embora sem dúvida não fosse mais de dez segundos. Por fim, disse com voz rouca:

—Nesse caso, possivelmente deva me dizer o que é o que quer Catherine.

«Carpe Diem», apressou-a sua voz interior. Fazendo provisão de todo seu valor, deu um

passo mais para diante. Seu corpo roçou o do Andrew, cuja masculina essência encheu sua cabeça.

Animada ao ver tomar fôlego com gesto brusco, posou as palmas das mãos sobre seu peito e lhe

olhou diretamente nos olhos.

—Quero fazer amor com você.

Capítulo 14

A mulher moderna atual deveria procurar adquirir certo nível de experiência sexual. A

mulher versada nas delícias do quarto pode confiar que seu amante não perderá interesse nela e

procurará assim companhia em outra parte.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Andrew ficou totalmente imóvel, deixando que sua mente e seu corpo assimilassem

completamente o assombroso impacto que as palavras e atos de Catherine lhe tinham produzido.

Catherine de pé diante ele com os olhos brilhantes de desejo, as mãos posadas sobre seu peito e

seu luxurioso corpo pego ao dele. O nebuloso timbre de sua voz ao sussurrar aquela sentença com

a que a ponto tinha estado de lhe deter o coração. «Quero fazer amor.»

E apesar das inumeráveis vezes que tinha fantasiado ouvindo pronunciar essas palavras,

nada lhe tinha preparado para a realidade. O coração lhe pulsava com tanta força contra as

costelas que não ficaria surpreso se ela houvesse dito: «Que demônios é esse barulho de

tambores?».

Mesmo assim, sob as capas de alegria, desejo e necessidade, piscava uma única e diminuta

vela de descontentamento. Sim, Andrew desejava desesperadamente fazer amor com Catherine,

mas queria muito mais que isso. “Dada a manifesta aversão dela para o casamento e sua fé nos

preceitos expressos no Guia, um dos quais animava às mulheres de certa idade» a não manter-se

celibatários, estava claro que ela só desejava uma aventura. Se ele a recusasse, ela procuraria a

outro? Imaginá-la pedindo a outro homem que lhe fizesse amor fez que lhe esticasse a mandíbula.

E não é que tivesse a menor intenção de recusá-la.

Catherine se moveu contra ele e o corpo de Andrew se esticou por inteiro. Sim, queria

muito mais dela, mas no momento isso seria suficiente.

A incerteza apareceu nos olhos de Catherine e Andrew foi consciente de que tinha

guardado silêncio durante muito tempo e de que ela acreditava que seu silêncio apontava a uma

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recusa. As palavras e as emoções que tinha reprimido durante uma eternidade se inflamaram de

repente, engasgando-o e lhe fazendo impossível falar. Embora isso logo que importava, pois era

incapaz de pronunciar uma frase coerente. Só uma palavra reverberava em sua cabeça, um mantra

de quão único desejava, do único que tinha desejado do momento em que tinha posto seus olhos

nela. «Catherine. Catherine. “Catherine.»

Ela leu claramente o inferno de desejo que ele sabia que ardia em seus olhos porque a

incerteza se desvaneceu do olhar de Catherine e seus lábios se separaram. Passando-lhe um braço

pela cintura, Andrew a atraiu enquanto lhe acariciava as costas com a outra mão até que seus

dedos alcançaram seus cabelos. Baixou a cabeça ao tempo que ela ficava nas pontas dos pés.

Assim que os lábios de ambos se encontraram, Andrew se perdeu. No doce e sedutor sabor

dela. Na incrível sensação do corpo dela pego ao dele. Em seu delicado aroma de flores. Na

deliciosa fricção de sua língua contra a dele. No erótico som de seu gemido de prazer.

As necessidades e desejos até então não respondidos, durante tanto tempo insatisfeitos,

açularam-lhe como afiadas esporas. Separando as pernas, atraiu-a ainda mais para ele. Sua ereção

esticou o tecido de suas calças e amaldiçoou a barreira de roupa que lhes separava. Outro suave

gemido rugiu na garganta de Catherine, que se esfregou contra ele, desfazendo-se de uma capa

mais de um controle que desapareceria rapidamente.

Enquanto seus lábios e sua língua exploravam as aveludadas delícias da boca de Catherine,

posou uma mão em seu seio enquanto deslizava as outras por suas costas até abranger com ela

seu traseiro arredondado. Catherine ofegou e deixou cair atrás a cabeça, lhe apresentando a

delicada e vulnerável curva de seu pescoço, uma delicadeza da que ele não duvidou em desfrutar

de forma tão instantânea.

Catherine se pegou mais a ele, desejosa por sentir seu corpo duro e excitado. Fechou os

olhos e se agarrou a seus largos ombros em um esforço por não ceder à tormenta de sensações que

a golpeavam. Os lábios e a língua de Andrew riscaram um atalho de fogo por seu pescoço,

avivando as chamas que já a consumiam. Uma mão forte apalpou seu seio por cima do tecido do

vestido, lhe apertando o mamilo e lançando cãibras de afiado desejo até o meio de suas pernas

enquanto que com a outra lhe massageava as nádegas com um movimento lento e hipnótico que

arrancou um prolongado e ardente gemido de sua garganta. Sentiu inflamada, pesada e úmida a

feminina carne que abrigavam suas pernas, e um desespero cada vez maior a percorreu.

Andrew levantou a cabeça e um gemido de protesto vibrou na garganta de Catherine.

—Aqui não - sussurrou ele com a respiração tão forte como a dela — Assim não.

O coração do Catherine tropeçou consigo mesmo ao ver a nua avidez nos olhos dele. Ante

as quebras de onda de desejo que emanavam daquele homem. Andrew parecia querer devorá-la e

tudo o que nela tinha de feminino se estremeceu ante a idéia.

—Merece mais que isso, Catherine.

Que Deus a perdoe, mas ela queria ali mesmo - qualquer coisa para aliviar aquela pressão

— soava como uma promessa celestial. Embora ele tivesse razão. Não era o lugar apropriado.

Quando estava a ponto de tomar da mão e lhe levar ao terraço elevado foi ele quem a

agarrou pela mão e a conduziu nessa direção.

—Vem-disse com a voz convertida em um excitado rugido. Catherine pôs-se a caminhar ao

seu lado enquanto a excitação e a antecipação a percorriam por inteiro.

—Aonde vamos?

—Ao terraço elevado. Está mais perto que a casa. E é mais íntimo.

—Como conhece o terraço?

—Encontrei-o enquanto montava Afrodita.

Catherine se alegrou de que a escuridão ocultasse o sorriso de satisfação que apareceu em

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seus lábios. Não só terminariam no terraço, mas também ele pensaria que terminar ali tinha sido

fruto de seu idéia. Não se sentiria satisfeito ao descobrir assim que chegassem que o terraço não

estava totalmente vazio, mas sim continha as coisas que ela tinha tirado às escondidas da casa e

que tinha deixado ali horas antes, essa mesma tarde? O certo era que teria desejado levar ainda

mais coisas e converter o espaço em um refúgio acolhedor, mas não queria arriscar que alguém a

descobrisse saindo da casa carregada com algo mais que com uma simples cesta. Isso teria levado

a perguntas que não desejava responder. Ao fim e ao cabo, não podia simplesmente dizer que

estava preparando o terraço para um encontro. E, embora o modo era claramente rústico, segundo

o Guia, contava com todo o necessário para uma noite memorável: uma confortável manta, uma

garrafa de vinho, uma parte de queijo, e... Andrew e ela.

Giraram uma esquina no atalho e o terraço apareceu à vista. A branca estrutura octogonal

brilhava à luz da lua de modo que a velha e descascada pintura não apreciava. Catherine sempre

tinha desejado restaurar o terraço, mas nunca tinha encontrado o momento.

Os passos de Andrew diminuíram o ritmo ao aproximar-se da estrutura e Catherine

agradeceu pelas firmes persianas de madeira que cobriam as altas janelas do terraço, pois lhes

proporcionariam um íntimo refúgio de intimidade.

Uma nuvem obscureceu a lua e Catherine baixou o olhar, concentrando-a em seus pés para

não tropeçar com algum ramo ou pedra. A mão de Andrew apertou a sua, uma promessa

silenciosa de que não a deixaria cair.

Quando chegaram à porta, ele fez girar a maçaneta de bronze e empurrou lentamente o

pesado painel de carvalho para dentro.

—A porta chia espantosamente... —começou ela, mas suas palavras se apagaram até

fundir-se em nada mesma. A porta não chiou absolutamente enquanto se abria de par em par para

revelar o interior do terraço.

Catherine soltou um ofego e, levando-as mãos ao peito, ficou boquiaberta e absolutamente

perplexa. O acolhedor interior do terraço estava brandamente iluminado com meia dúzia de

abajures colocados em semicírculo ao redor do perímetro do chão. Inspirou, percebendo a

delicada essência a flores, e viu que uma manta de pétalas de rosa cobria o chão de madeira,

emprestando beleza e fragrância à pequena habitação.

A manta de viagem que ela tinha tirado da casa às escondidas estava disposta no centro de

uma sala que de outro modo teria estado completamente nua. Dois enormes travesseiros, uma

marrom e a outra de cor azul escura, estavam colocados em um extremo da manta. A um lado

havia uma bandeja de prata, e sobre ela uma garrafa de vinho, duas taças, uma tigela com

morangos e o pedaço de queijo que ela tinha roubado da cozinha.

Em transe, entrou e girou lentamente sobre seus pés. Um suave estalo ressonou a suas

costas, no que reconheceu o som da porta ao fechar-se. Logo ouviu Andrew aproximar-se atrás

dela. Braços fortes lhe rodearam a cintura, colando seu corpo ao seu com suavidade. Ela posou

suas mãos sobre as dele e inspirou a sedutora sensação do ter pego a ela, cativada e comovida pelo

romântico esconderijo que ele tinha criado.

—Quando fez isto? —perguntou em um sussurro, temerosa de elevar muito a voz e romper

assim a magia do ambiente.

—Logo antes do jantar. —Os lábios de Andrew lhe roçaram a têmpora ao falar enquanto

seu quente fôlego lhe acariciava a orelha, lhe provocando um delicioso formigamento coluna

abaixo — Fiquei muito surpreso, e encantado, quando encontrei a cesta com as coisas que

obviamente você tinha deixado aqui. E você? Está satisfeita?

Os olhos de Catherine se fecharam e soltou um suspiro prolongado e feminino. Logo se

voltou, ainda entre seus braços, e embalou as bochechas brandamente barbeadas de Andrew entre

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as palmas das mãos.

—Dedicou muito tempo, esforço e dinheiro para plantar minhas flores favoritas e criar um

lugar íntimo e romântico para nós dois. Sim, Andrew. Estou encantada. E comovida. E adulada.

Esta noite tinha a intenção de ser eu quem te seduziria e, estou aqui, totalmente seduzida.

—Comecei a noite esperando te cortejar e, estou aqui, totalmente seduzido.

O calor a percorreu até os dedos dos pés.

—Encaramos a noite com objetivos distintos e com os mesmos resultados. Embora me

pergunte como é possível algo assim, pois ainda tenho que tentar te seduzir.

Andrew voltou a cabeça e depositou um beijo abrasador na palma de sua mão.

—Se isso for certo, que Deus me ajude quando fizer o menor esforço por obtê-lo. Mas não

tema. Conseguiste-o plenamente sem o menor esforço.

—Sério? O que é o que tenho feito?

Deus era testemunha de que se desejava sabê-lo era para voltar a fazê-lo.

Com o olhar firmemente cravado no dela, Andrew a tirou da mão, deu-lhe outro beijo na

palma e logo com a língua lhe roçou a pele. Catherine conteve o fôlego e seus olhos se

arregalaram.

—Isso - sussurrou Andrew— A forma em que reage quando te toco. Sua forma de conter o

fôlego e o calor que pisca em seus olhos. Muito sedutor. E isto... —Estreitou-a entre seus braços,

inclinou-se para frente e lhe acariciou o lóbulo da orelha com a língua. Percorreu-a um calafrio —

Sua forma de tremer quando algo te resulta prazeroso. E isto... —Seus lábios se deslizaram por sua

mandíbula antes que sua boca se posasse na dela e lhe desse um suave beijo zombador que a

deixou com o rosto levantado, pedindo mais — A sensação de sua boca contra a minha. Sua forma

de querer mais, como eu.

Andrew levantou a mão e, muito devagar, foi lhe tirando as presilhas do cabelo.

—A sensação de ter seu cabelo entre meus dedos. —Catherine sentiu desfazer o coque, que

lhe caiu sobre as costas e lhe cobriu os ombros. Depois de agarrar um punhado de cachos na mão,

Andrew afundou o rosto neles— O aroma de flores que desprendem de seu cabelo e sua pele. Ah,

sim, e também está sua pele...

Afastou-lhe os cabelos do ombro e deslizou lentamente as pontas dos dedos pelo pescoço

de Catherine.

—A pálida perfeição. A aveludada textura. A sedutora fragrância... esse embriagador

cheiro floral que me leva a desejar não me afastar mais de um centímetro de ti para não tomar

uma só baforada de ar que não contenha seu aroma. —Baixou a cabeça e roçou com sua boca o

sensível ponto de encontro entre seu ombro e seu pescoço— Sedução em estado puro.

Os dedos de Catherine se fecharam contra a jaqueta dele e um surdo rugido de prazer

tremeu em sua garganta.

—O som que sai de ti quando está excitada —disse Andrew, cujas palavras vibraram

contra a pele dela — é uma das coisas mais sedutoras que ouvi em minha vida.

—«Uma das coisas»? —perguntou Catherine com uma voz desprovida de fôlego — O que

de mais sedutor que ouviste em sua vida?

Andrew levantou a cabeça e a olhou diretamente aos olhos.

—Sua voz. Pedindo-me para fazer amor.

O calor encheu as bochechas de Catherine.

—Nunca antes tinha pronunciado essas palavras.

—Uma entre suas inumeráveis forma de me seduzir, Catherine. Já sabe quanto eu gosto de

ser o primeiro.

—Nesse caso será melhor que te prepare, porque tenho a sensação de que esta noite vou

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experimentar muitas coisas pela primeira vez.

— Eu também.

Os olhos de Catherine se dilataram ligeiramente.

—Refere-te a que nunca há... ? —Não, não estou dizendo que nunca estive com uma

mulher, embora faça... um tempo. Mas nunca estive com nenhuma mulher que desejasse tanto,

nem com nenhuma a que desejasse satisfazer deste modo. Nem tampouco com nenhuma que me

agradasse tanto.

Catherine tragou saliva, segura de que suas mãos agarradas aos ombros de Andrew era a

única coisa que lhe impedia de cair ao chão.

—Espero te agradar, Andrew. Desejo-o, embora...

Ele a fez calar lhe pondo os dedos nos lábios.

—Fará-o, Catherine. Não duvide nem por um segundo.

Sua expressão deixava bem claro que estava convencido disso, embora de repente a

assaltou uma faísca de insegurança e de duvida em si mesma e, antes de poder conter-se, deu voz

à dolorosa verdade.

—Temo-me que não posso evitá-lo. Meu marido me achava... pouco atraente. Nunca me

tocou depois do nascimento de Spencer. Apesar de ter estado casada durante dez anos e de ter

tido um filho, temo-me que sou infelizmente inexperiente. —Seu olhar procurou os olhos de

Andrew — Como pode estar tão seguro de que te agradarei?

—Como te hei dito, há coisas que simplesmente sei, Catherine. Você e eu vamos fazer amor

maravilhosamente bem. Quanto a sua inexperiência... —Deu um passo atrás e abriu os braços —

Pratica tudo o que queira. Estou a sua disposição.

O coração de Catherine lhe golpeou no peito por ouvir o convite de voz rouca, tão cheia de

possibilidades sexuais.

—Não seja tímida - disse Andrew com suavidade — Nem vergonhosa. Estamos sozinhos,

você e eu, Catherine. A única pessoa que há nesta habitação além de ti é um homem que não

deseja nada mais que agradar todos seus desejos e te fazer feliz. Diga-me como fazê-lo. Diga-me o

que quer.

Na mente de Catherine apareceram as palavras do Guia: «Em caso de que a mulher

moderna atual seja tão afortunada de receber a pergunta "Que desejas", esperemos que responda

sinceramente». Umedeceu-se os lábios e a seguir deixou descender lentamente seu olhar, para

voltar a subi-lo por seu comprido e musculoso corpo. Quando os olhos de ambos voltaram a se

encontrar, disse simplesmente a verdade.

—Faz que deseje tantas coisas que não estou certa de por onde começar.

—Por que não começa por me tirar a jaqueta?

Catherine examinou a jaqueta e de repente soube exatamente por onde começar. Dando um

passo adiante, agarrou-lhe pelo punho.

—Quero fazê-lo.

Andrew ficou imóvel, observando-a, e pela primeira vez em sua vida, Catherine tirando a

roupa de um homem. O simples feito de deslizar devagar o tecido por seus braços a embriagou.

Quando terminou, ficou com o objeto, que ainda conservava o calor do corpo de Andrew, contra

seu peito. Suas pálpebras se fecharam e agachou a cabeça para aspirar seu aroma.

—Cheira deliciosamente - murmurou com um suspiro — A sândalo misturado com algo

mais que não consigo distinguir. Mas é um aroma limpo e masculino que não cheirei em ninguém

mais.

Andrew ficou totalmente imóvel, enfeitiçado por suas palavras e pela visão de Catherine

embalando sua jaqueta contra seu corpo. Deus sabia que nunca tinha sido mais sincero que

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quando lhe havia dito que quão único desejava era agradá-la, embora não tinha a menor

possibilidade de sobreviver ao resto da noite se Catherine lhe derretia os joelhos simplesmente

sustentando entre as mãos sua condenada jaqueta.

O curioso olhar dela voltou a descer por seu corpo e Andrew teve que fechar as mãos com

força para evitar tocá-la.

—Se preocupa se tem capacidade para me agradar - disse ele com voz tensa—, e, entretanto

é capaz de me seduzir com um simples olhar.

O olhar de Catherine subiu bruscamente ao encontro do seu e Andrew leu claramente o

brilho de segurança que iluminou os seus olhos. Depois de colocar com supremo cuidado a

jaqueta no chão junto a ela, Catherine acariciou com as pontas dos dedos o depravado nó de sua

gravata.

—Quero te despir - sussurrou.

Andrew tragou saliva e tentou um pequeno sorriso, mas não esteve absolutamente seguro

de ter conseguido esboçá-la.

—Sou todo teu.

Rendendo-se à entristecedora necessidade de tocá-la, passou-lhe a ponta do dedo pela

bochecha.

—Não se preocupe. Eu te ajudarei.

Catherine se aplicou a lhe desfazer o nó da gravata e Andrew permaneceu preso em uma

agonia de desejo, guerreando entre a necessidade de seu corpo que lhe apressava a arrancá-la

roupa mutuamente e lhe fazer amor com fúria imediatamente e seguir observando-a, sentindo o

assombroso milagre de ver como Catherine lhe tirava a roupa. A radiante confiança e

perplexidade que irradiavam seus olhos enquanto terminava de lhe tirar a gravata para logo lhe

desabotoar devagar a camisa. Quando chegou a sua cintura, Andrew atirou da camisa para liberá-

la do confinamento de suas calças e logo conteve o fôlego.

Catherine separou pouco a pouco o linho e colocou suas mãos sobre seu peito. O calor

cravou nele suas flechas e logo que pôde tomar fôlego. Uma expressão de júbilo absolutamente

feminino se desenhou no rosto de Catherine, quem devagar foi deslizando suas mãos para sua

cintura. Andrew desejava tocá-la, mas seus olhos se fecharam por vontade própria e um grunhido

de prazer escapou de suas vísceras ao tempo que memorizava a intensa sensação de sentir como

lhe tocava.

—Você gosta? —sussurrou Catherine enquanto as pontas de seus dedos lhe roçavam os

mamilos.

—Deus, sim.

Seguiu deslizando as mãos pelo abdômen e Andrew sentiu contraírem-se seus músculos.

— Você também gosta disto?

—Sim. —A palavra foi um tosco chiado. Obrigou-se a abrir os olhos para olhá-la ao tempo

que as mãos de Catherine se tornavam mais atrevidas com cada carícia sobre sua pele. Ali onde

lhe tocava, Andrew sentia como se lhe abrasasse. O desejo rugia em sua interior e sua ereção

cabeceava no interior de suas calças. Depois de ascender de novo por seu peito com as mãos,

Catherine lhe tirou a camisa pelos ombros e a passou logo pelos braços. Ele liberou suas mãos e

deixou cair o objeto ao chão.

Catherine passou as mãos pelos ombros nus e pelas costas, e Andrew chiou os dentes de

prazer.

—É muito forte - disse ela, lhe acariciando o peito com seu quente fôlego.

Percorreu-lhe um calafrio. Sentia-se fraco. Tremiam-lhe as vísceras e seus joelhos haviam...

desaparecido.

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Catherine passou as mãos ao redor da cintura e deu um passo adiante para apoiar a cabeça

em seu peito.

—Seu coração pulsa quase tão depressa como o meu Andrew.

Antes que ele pudesse responder, ela levantou o olhar para ele com olhos solenes.

—Quero que me dispa.

Já que ele desejava aquilo mais que voltar a tomar ar, não o duvidou um segundo.

—Vire-se.

De pé atrás dela, cravou os dedos entre os compridos e lustrosos cachos castanhos de

Catherine, lhe apartando as mechas de cabelo por cima do ombro para deixar à vista sua pálida

nuca. Inclinando-se para diante, pegou os lábios nessa suave e fragrante ilha de pele que lhe tinha

repleto milhares de sonhos e incontáveis momentos de vigília. Um delicado estremecimento

percorreu Catherine, que inclinou a cabeça, convite a que ele nem sequer tentou resistir.

Depois de roçar com um beijo fugaz sua doce nuca, Andrew deu um passo atrás e por

mãos à obra a fim de lhe desabotoar os botões das costas do vestido. À medida que cada pequeno

botão de marfim ficava liberado de sua casa, ele se via recompensado com uma torturante visão

da fina camisa que aparecia debaixo. Quando por fim terminou, moveu-se até ficar de frente a ela.

A cor tinha acendido as bochechas de Catherine e o desejo brilhava em seus dourados olhos

marrons. Andrew estendeu a mão e atirou lentamente o vestido até passar-lhe por cima dos

ombros. Deslizou-se logo por seus braços e sobre seus quadris para aterrissar com um suave

shhhh a seus pés.

O olhar ávido de Andrew a percorreu por inteiro. Catherine estava dolorosamente

formosa, coberta por uma camisa de tão fino tecido que deixava à vista seus escuros mamilos.

Passando os dedos sob os suspensórios de cor nata, foi lhe baixando a regata, observando

atentamente seu avanço à medida que ia deixando à vista cada delicioso centímetro de sua pele.

Quando soltou os suspensórios, a regata caiu a seus pés, em cima do vestido.

Durante vários segundos, Andrew permaneceu imóvel e se limitou a beber da visão que

lhe oferecia, elegantemente de pé no centro de sua roupa desprezada como uma rosa recém aberta

elevando-se de um inestimável vaso. Seu olhar congelou nos seios generosos e pesados coroados

por mamilos de tom coralino que se contraíram sob seu olhar. A curva de sua cintura deixava

passo a arredondados quadris e a coxas torneadas, abraçando o triângulo de cachos castanhos

aninhado entre suas pernas. Agora só com suas meias e sapatos, Catherine lhe arrebatou o

controle que durante tempo ele tinha tentado denodadamente manter. Cada um de seus músculos

se esticou com as necessidades que já não podia seguir negando-se. Catherine estava

amadurecida, voluptuosa e absolutamente deliciosa, e, que Deus lhe ajude, ele estava morto de

fome.

Esticou a mão e a ajudou a sair do montão de tecido que a rodeava. Assim que ela esteve

livre, Andrew dobrou os joelhos, tomou em braços e a levou até a manta de veludo, mais suave

ainda graças ao leito de feno fresco que tinha repartido debaixo. Deixou-a brandamente sobre a

manta, apoiando sua cabeça sobre o travesseiro azul. Depois de lhe tirar as meias e os sapatos e

deixá-los a um lado, Andrew se levantou para tirar suas botas baixas de couro e as calças.

Catherine rodou até ficar de lado, apoiou a cabeça sobre a palma da mão e lhe observou

despir-se com encantada atenção. Quando Andrew liberou sua ereção do estrangulador

confinamento de suas calças, soltou um suspiro de alívio.

—Oh, Deus - ofegou Catherine, ficando de joelhos e lhe excitando ainda mais com a avidez

de seu olhar.

Andrew lançou descuidadamente sua roupa ao montão de objetos empilhados no chão e a

seguir se ajoelhou na manta diante dela. Tomando o rosto de Catherine entre as mãos, baixou a

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cabeça e esfregou seus lábios contra os dela.

—Catherine...

Tudo o que sentia todo o amor e o desejo que ardiam nele, todas as batalhas que tinha

liberado para reprimir essas emoções durante tanto tempo ficaram expressas nessa única e sincera

palavra. E, assim que seus lábios tocaram os dela, todas essas batalhas se perderam.

Com um gemido que raiava na dor, atraiu-a para ele. Cada nova sensação logo que tinha

tempo de piscar em sua mente antes de ver-se suplantada por outra. O corpo do Catherine pego

ao seu do peito aos joelhos. Os dedos dela abrindo-se passo entre seu cabelo. Suas próprias mãos

deslizando-se pelas costas de Catherine até fechar-se sobre suas nádegas. Catherine lhe

devolvendo o gesto. O peso de seu seio lhe enchendo a mão. Agachando a cabeça para lhe lamber

o mamilo até meter-se na boca o excitado casulo. Absorvendo seu gutural gemido ao pronunciar

seu nome. Outro profundo beijo ávido de sua alma. A pele suave sob suas mãos. A carne úmida e

lustrosa entre as coxas dela, inflamada de desejo.

Catherine deslizou seus dedos ao longo de sua ereção e Andrew interrompeu bruscamente

o beijo para tomar fôlego.

—Tenho-te feito mal?

Incapaz de pronunciar palavra, Andrew negou com a cabeça.

—Quero te tocar, Andrew.

Apertando os dentes, Andrew apoiou a cabeça na dela e se submeteu a doce tortura de

sentir os dedos de Catherine lhe acariciando todo o tempo que foi capaz de suportar. Mas quando

ela envolveu sua ereção entre seus dedos e a apertou com suavidade, Andrew a agarrou pela mão.

Seus lábios capturaram os dela em um beijo intenso e apaixonado, provocando uma frenética

fusão de línguas e lábios. Sem interromper o beijo, Andrew foi obrigando-a a descer até apoiar as

costas na manta e logo cobriu o corpo de Catherine com o seu. Ela separou as pernas e gemeu e ele

baixou a cabeça para tocar com a língua o som de intenso prazer que vibrava na base de seu

pescoço.

Apoiando todo o peso de seu corpo nas palmas das mãos, Andrew a olhou enquanto

penetrava devagar seu corpo. Um revôo de cachos castanhos, despenteados pelas exploradoras

mãos de Andrew, rodeavam a cabeça de Catherine. Tinha os lábios vermelhos, úmidos e

ligeiramente separados enquanto seu peito subia e baixava com rápidos e superficiais ofegos.

Tinha os escuros mamilos molhados e eretos por obra de sua boca. Mas foi a crua necessidade, o

agudo desejo que apareceu em seus olhos, o que terminou de lhe desfazer.

Devagar, Andrew foi penetrando em seu quente e úmido calor aveludado e fechou os olhos

com força ante o tremendo prazer. Desejava ir devagar, fazê-lo durar, mas seu corpo, tanto tempo

negado, estava fora de seu controle. Suas investidas se prolongaram, acelerando-se. Mais

profundas. Mais intensas. Catherine saía ao encontro de cada uma delas, lhe apressando para que

a penetrasse, ao tempo que seus dedos se enterravam em seus ombros. Esticou-se debaixo dele,

jogando adiante os quadris enquanto exalava um comprido «ohhhhh» de prazer. Incapaz de

conter-se por mais tempo, Andrew afundou a cabeça na fragrante curva de seu ombro e alagou o

interior dela com seu úmido calor durante um eterno e milagroso instante que o deixou sem

fôlego, débil, absolutamente satisfeito.

Catherine seguiu tombada sob seu delicioso peso: sem fôlego, débil, absolutamente

satisfeita e mais viva do que se sentiu em toda sua vida.

A isso se reduzia tudo. Isso era o que ela perdeu durante todo seu casamento. Aquela era a

esplêndida maravilha descrita no Guia, embora nenhum dos vívidos comentários nem das vívidas

instruções que apareciam no livro a tinham preparado o suficiente para uma experiência tão

íntima e incrível.

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Com os olhos fechados, tomou um instante para saborear os momentos seguintes,

desejando que aquele assombroso prazer não acabasse. Os ofegos entrecortados do Andrew

palpitando contra ela. Seu corpo cobrindo-a, pele acalorada contra pele acalorada. Os braços dele

ainda envolvendo-a, como se jamais fossem a soltar. Os braços de Catherine rodeando seus largos

ombros, também reticentes a lhe soltar. O coração dele palpitando contra seus seios. E a

deslumbrante sensação de seu corpo ainda intimamente unido ao dela. Não, não tinha a menor

idéia de que seria assim.

Nem de que Andrew se voltasse tão pesado de repente.

E não é que não desfrutasse sentindo-o em cima, mas a necessidade de respirar fundo

estava a ponto de superar o prazer que lhe provocava o ter cobrindo-a como uma manta humana.

Não teria sabido dizer se ele se precaveu de sua necessidade ou se simplesmente fez

ornamento de uma perfeita sincronização, mas o certo é que Andrew se moveu. Depois de lhe

acariciar a bochecha com um beijo, retirou-se para apoiar todo seu peso em seus antebraços e a

olhou de acima com os olhos escuros e intensos e a respiração ainda alterada. Seu cabelo negro,

desordenado pelos frenéticos dedos de Catherine, derramava-se sobre sua frente. Ela levantou a

mão e afastou para um lado as mechas, que imediatamente voltaram a cair onde estavam.

—Está muito despenteado - disse com um sorriso.

—Você também. Deliciosamente. —Baixou a cabeça e a beijou. Um beijo lento, profundo e

íntimo que comunicava melhor do que o teriam feito as palavras a mensagem de que a experiência

amorosa lhe tinha sido tão satisfatória para ele como para ela. Um beijo que reavivou a chama que

se extinguiu para apenas uns instantes.

—Quero repetir de novo - sussurrou Catherine contra seus lábios, lhe passando

ligeiramente os dedos pela coluna.

—Não recordo ter recebido nunca melhores notícias. Entretanto, temo-me que necessitarei

primeiro alguns minutos para me recuperar. —Deixando cair um beijo rápido na boca dela,

separou-se de seu corpo e rodou até ficar convexo de costas, levando-a com ele.

Tombada sobre seu peito, Catherine viu como se colocava um dos travesseiros detrás da

cabeça. Depois de envolvê-la entre seus braços, as pálpebras de Andrew se fecharam.

Imediatamente, Catherine arqueou as sobrancelhas.

—Não irás dizer me que está cansado!

Ele riu entre dentes.

—Muito bem. Não lhe direi isso.

—Mas está! —Sua voz estava cheia de acusação — Como pode ser? Não me hei sentido

mais cheia de energia em toda minha vida. —Deslizou seus dedos por seu abdômen.

—Então não se sente maravilhosamente?

—Sinto-me incrivelmente bem. Mas de um modo comparável a «uma esponja espremida»,

em oposição ao modo «pleno de vigor» que caracteriza sua satisfação.

—Vamos «esponja espremida» não soa muito... alentador.

Uma profunda gargalhada trovejou na voz de Andrew.

—De fato, pretendia ser um completo.

—Ah, sim? Pois acredito que chegou o momento para eu procurar no dicionário a palavra

«completo». Estou segura de que «esponja espremida» não aparece como exemplo.

—Minha querida Catherine, estou destroçado porque me tem completamente satisfeito.

Absolutamente. —Suas mãos se deslizaram pelas costas de Catherine — Como nunca até agora.

«Minha querida Catherine.» Céus, isso soava... delicioso. Sobre tudo nesse rouco rugido no

que se converteu sua voz.

—Bom, sem dúvida posso te dizer o mesmo. De fato, estou ansiosa por te falar de todas as

Page 123: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

primeiras vezes que experimentei desde que entrei neste terraço. Você gostaria de ouvir as coisas

que tenho descoberto?

—Eu adoraria.

Catherine o encarou.

—Está certo de que não esta dormindo? Parece estar com muito sono.

Andrew afundou o queixo e a olhou com um pecaminoso sorriso aparecendo em seus

lábios.

—Não tenho sono. Estou satisfeito. Asseguro-te que conta com toda minha atenção.

—Muito bem. Nunca tinha despido a um homem. —Riscou uma série de leves círculos

sobre seu peito nu — Nunca tinha visto um homem nu.

Uma sobrancelha escura se arqueou bruscamente.

—Nenhuma vez?

Catherine negou com a cabeça ao tempo que seu queixo ricocheteava contra o peito de

Andrew. Logo se incorporou e percorreu seu corpo com os olhos.

—Embora não tenho nada com o que poder te comparar, acredito que com toda

probabilidade é um espécime bem feito.

Um extremo da encantadora boca de Andrew se curvou para cima.

—Obrigado.

—Eu adoro sentir sua pele. Cálida e firme. —Incapaz de deixar de lhe tocar, posou a mão

sobre seu ombro e logo arrastou a palma até o centro de seu peito — Nunca vi o cabelo do peito de

um homem. É um pouco áspero, embora suave ao mesmo tempo. E seus músculos... uma

cativante delícia. Tão fortes sob toda essa pele cálida e firme. —Deslizou para baixo a ponta de um

dedo — Este laço de pêlo escuro é absolutamente fascinante. O modo em que nasce em seu peito e

continua para baixo, dividindo em dois estes maravilhosos ondulações de seu estômago para

voltar a estender-se até embalar... —Sua voz se apagou ao tempo que seu olhar se fixava em sua

masculinidade — ...esta parte de ti que tão cativada me tem, que me provocou sensações tão

incríveis. Inclusive em repouso é impressionante. —Com suavidade, riscou um pequeno círculo ao

redor da ponta com o dedo — Nunca havia visto assim a um homem - sussurrou.

Andrew tragou saliva e a seguir se incorporou até ficar convexo de lado, apoiando o peso

de seu corpo no antebraço. Seus olhos escuros a observaram com uma expressão ilegível.

Estendeu então a mão e embalou o rosto de Catherine em sua palma, lhe acariciando a bochecha

com a ponta do polegar.

—Lamento que seu casamento não foi feliz, Catherine.

Ante sua própria mortificação, Catherine sentiu que lágrimas abrasadoras se abriam passo

do fundo de seus olhos.

—Não demorei a me dar conta de que com o Bertrand tínhamos apenas um vínculo

emocional. Entretanto, esta noite fiquei consciente do que perdi em nossa relação. Concebi nas

primeiras semanas de meu casamento e, assim que minha condição ficou confirmada, Bertrand

não se aproximou de mim. E, quando Spencer nasceu... Bertrand não voltou a me tocar. Poderia

contar o número de vezes que visitou meu dormitório, e nenhuma dessas visitas se assemelhou

em nenhum modo ao que você e eu compartilhamos esta noite. Estar com o Bertrand era

mecânico. Seco. Carente da menor inspiração. Atos rápidos e apressados na escuridão. Tão

decepcionante que eu não conseguia entender. —Catherine voltou a cabeça e depositou um beijo

na calejada palma de Andrew— Estar contigo foi... milagroso. Excitante. Cativante. E

absolutamente seco. Uma primeira vez até o inimaginável.

Respirou fundo, ponderando suas seguintes palavras durante vários segundos antes de

prosseguir.

Page 124: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Bertrand tinha amantes, como pode imaginar. Várias das que tenho conhecimento e

estou segura que muitas outras das que não tenho notícia. Devo admitir que também eu cheguei a

me expor essa solução em mais de uma ocasião quando a solidão se fez insuportável. Quando

precisava tocar a outra pessoa. Quando desejava sorrir a alguém, além do meu filho. Quando

desejava companhia adulta.

—Mas alguma vez teve um amante?

—Não.

—Por que?

Encolheu-se de ombros.

—Apesar do comportamento de meu marido, minha consciência resistia à idéia de romper

os votos do meu casamento. Entretanto, sendo bem sincera, minha fidelidade tinha mais que ver

com o fato de me manter fiel a meus próprios valores.

—O que não menospreza seu caráter, Catherine.

—Possivelmente não, mas o resto de meus motivos não são tão nobres. Basicamente, tinha

medo. Não queria me arriscar a me converter em pasto das intrigas do povo, e uma aventura em

um povoado do tamanho de Little Longstone seria impossível de ocultar. Temia não só por minha

reputação, mas também pela do Spencer.

—A cautela não é uma virtude ignóbil, Catherine.

—Estou de acordo. Embora possa ver o que foi toda essa cautela. Não foi difícil mantê-la

enquanto nada a pôs a prova. Mas nunca conheci ninguém a quem queria ter como amante. Até

agora.

Os olhos de Andrew se obscureceram e um calafrio de júbilo percorreu Catherine. Suas

pálpebras se fecharam e, durante vários segundos, voltou a viver a maravilha do que acabavam de

experimentar juntos. Soltando um prolongado e lento suspiro, sussurrou sonhadora:

—Nada do que tínhamos falado me tinha preparado para isto. Quando escrevi o Guia,

nunca pensei...

Suas palavras se interromperam bruscamente ante seu deslize e seus olhos se abriram de

repente. Durante um horrorizado segundo, não pôde mover-se. Nem respirar. O calor lhe abrasou

a cara e sentiu uma cãibra nas vísceras. Logo forçou uma gargalhada, rezando para que não soasse

para ouvidos dele tão nervosa como o fez aos dela.

—Li - disse, tentando desembaraçar o rubor que lhe abrasava as bochechas— Quero dizer

quando li o Guia acreditei que sabia o que podia esperar. Mas me equivocava.

Forçou os lábios até esboçar com eles um sereno sorriso, embora soubesse que seu rosto

seguia vermelho. Acaso o olhar dele se tornou repentinamente vigilante? Especulativo? Não, não.

Sem dúvida era imaginação sua. A língua lhe tinha jogado uma má passada. A gente cometia

constantemente essa classe de enganos. Simplesmente tinha que mudar de tema. E deixar de

ruborizar-se.

Não obstante, antes de poder falar, Andrew disse:

—Sem dúvida terá pensado em algum momento que em nosso encontro poderia conceber

um filho.

Aliviada ao ver que não lhe tinha dado nenhuma importância a seu tropeço verbal, disse:

—Sim. Não tema. Já tomei minhas medidas para que não ocorra.

—Entendo. E é consciente de que ainda corre o risco de que alguém descubra que somos

amantes.

—É obvio. Embora não me negará que isso fica minimizado pelo fato de que você reside

em Londres e de que retornará à cidade dentro de uma semana.

—Em outras palavras, não teme que nos descubram porque isto é só uma disposição

Page 125: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

temporária.

—Sim. —Por razões que Catherine se negou a examinar, essa singela palavra lhe pareceu

quase amarga.

Entre ambos se acomodou o silêncio e Catherine se deu conta de que estava contendo o

fôlego. Por fim, ele assentiu como mostra evidente de seu acordo e, por alguma razão inexplicável,

sentiu-se decepcionada ao ver que não discutia com ela. Que não sugerisse que, de algum modo

ou outro, encontrariam a maneira de continuar sua relação depois da semana de sua visita. Não

podiam nem deviam, naturalmente. Mesmo assim...

Deixou vagar a mente enquanto lhe acontecia os dedos pelo cabelo, lhe provocando um

comichão da cabeça aos pés que lhe afastou qualquer idéia da cabeça.

—Seu cabelo —disse Andrew em voz baixa — e sua pele são incrivelmente suaves. —Sua

mão desceu por seu ombro e logo por seu braço — Nunca havia visto algo tão suave, tão sedoso.

—Cravou os olhos nos dela, que ficou imóvel ao ver a seriedade que encerrava seu olhar — Tenho

que te confessar algo, Catherine.

O coração lhe deu um tombo para ouvir a gravidade de seu tom. Desejaria Andrew que sua

aventura continuasse depois de sua visita?

—Escuto-te.

—Nunca imaginei que teria a oportunidade de te tocar, e agora que a tenho... —Rodeou

seu seio com a mão e um olhar malicioso cintilou em seus olhos — E agora que a tenho, devo

confessar que não posso parar.

Catherine conteve o fôlego quando ele levou seu mamilo ao bordo da dor. Pondo-lhe a mão

na coxa, ela se inclinou para diante até que apenas um escasso milímetro separou seus lábios.

—Meu querido Andrew, não recordo ter recebido melhores notícias.

Com o olhar fixo nas chamas baixas que crepitavam na lareira, um lento sorriso curvou

para cima as comissuras dos lábios da solitária figura. Os planos seguiam seu curso. Tudo estava

preparado...

O tictac do relógio situado no suporte da lareira não era a não ser um irritante aviso do

passado do tempo. «Mas devo ter paciência. Minha presa está já à vista. Sei quem é. “Logo, muito

em breve, todos os danos serão reparados.»

Capítulo 15

Já que os homens tendem a ser criaturas esquecidas, a mulher moderna atual deve deixar

uma impressão na mente de seu cavalheiro de modo que ele nunca chegue a apartá-la

totalmente de seus pensamentos. A forma mais efetiva de conseguir é fazendo algo

deliciosamente travesso... de forma muito discreta, para que só ele repare nisso. Se um homem

acreditar que existe um encontro sexual em seu futuro imediato, sua atenção não se afastará

muito.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Page 126: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

À manhã seguinte Andrew se preparou para sair de seu quarto com uma só coisa na

cabeça: Catherine. Depois de um último e prolongado beijo, tinha-a deixado a contra gosto em seu

quarto poucas horas antes. Para ser mais exato, quatro horas e onze minutos, e não é que levasse a

conta.

Muito bem, sim, levava a conta. E essas quatro horas e onze minutos pareciam muito

longos. Precisava tocá-la. Beijá-la. Estreitá-la entre seus braços para confirmar o milagre da noite

anterior. Fazer amor tinha sido uma revelação. Em seus sonhos, havia amado ela inumeráveis

vezes, mas nada lhe tinha preparado para a realidade de senti-la debaixo dele, lhe olhando com os

olhos velados de desejo. Seu corpo unindo-se ao dela enquanto expressava em silêncio todas as

emoções que tinha mantido bloqueadas durante tanto tempo. Todas as coisas que não podia

dizer... ainda.

Saiu de seu quarto e avançou a passo firme pelo corredor, empurrado pela impaciência.

Quando olhasse Catherine aos olhos essa manhã, veria neles refletida toda a magia que tinham

compartilhado? O desejo de experimentar mais do mesmo? Ou teria passado Catherine as últimas

quatro horas e já onze minutos decidindo que a noite passada era suficiente?

Apertou os lábios. Se ela tinha decidido que era suficiente, teria que mudar de opinião. Era

dele. E Andrew estava firmemente decidido a possuí-la.

Quando girou a esquina, viu Milton aproximando-se do alto das escadas.

—Senhor Stanton - disse o mordomo com seus precisos tons de voz — Neste momento

dirigia a seu quarto. Chegou isto para você. —Apresentou uma pequena bandeja de prata que

continha uma carta selada.

Andrew pegou a carta. Sentiu o estomago doer quando reparou seu nome rabiscado com a

irregular letra de Simon Wentworth. Duvidava de que o secretário que compartilhava com o

Philip lhe escrevesse para lhe dar boas notícias.

—Há dito algo o mensageiro?

—Só que a nota era para você e que não requeria resposta. Já partiu.

—Entendo. Estão em casa lady Catherine e Spencer?

—O senhor Spencer está a caminho do lago para tomar banho nas águas. Lady Catherine

pediu que levasse o café da manhã a seu quarto. O seu está servido na copa, senhor.

—Obrigado. Primeiro tenho que ler esta nota. Descerei em seguida.

Milton inclinou a cabeça e a seguir desceu as escadas enquanto Andrew retornava a seu

quarto. Depois de fechar a porta a suas costas, rompeu o selo de cera e rapidamente leu as

palavras da carta.

Senhor Stanton:

Escrevo-lhe para lhe informar de que alguém entrou no museu ontem à noite e lamento ter

que lhe comunicar que as instalações se viram seriamente prejudicadas. O juiz acredita que

quando o ladrão —ou os ladrões— se deram conta de que não havia nenhum objeto no museu,

ficaram com tanta raiva, que danificaram as instalações. Atacou com uma tocha o chão e as

paredes e todas as janelas recém instaladas estão quebradas. O juiz não tem muitas esperanças de

que o ladrão seja apressado, a menos que apareça alguma testemunha que possa contribuir

alguma informação. Porei aos operários a trabalhar para que reparem os danos, de modo que não

precisa preocupar-se disso, mas não tenho nenhuma experiência com o manejo dos investidores e

me temo que suas reações são já, como pouco, desfavoráveis. Lorde Borthrasher e lorde Kingsly

estiveram fazendo suas próprias pesquisas, assim como a senhora Warrenfield e o senhor

Carmichael. Portanto, acredito que o melhor seria que retornasse a Londres o antes possível.

Page 127: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Enquanto isso tentarei contratar a mais operários. Seguindo as instruções que me deu antes que

abandonasse Londres, não tenho escrito a lorde Greybourne para lhe informar de nada

relacionado com o museu.

Afetuosamente,

Simon WENTWORTH

Andrew deixou escapar um comprido suspiro. Sua mente projetou o brilhante chão do

assoalho e as paredes profusamente revestidas com painéis de madeira do museu. E todas aquelas

formosas janelas de cristal... Maldição! Todo esse trabalho destruído. Sentiu náuseas. E

duplamente, ante a idéia de deixar Catherine, sobre tudo nesse momento. Mas não tinha escolha.

E devia dizer-lhe meteu a nota no bolso do colete e saiu em silêncio de seu quarto.

Com a pele ainda formigando depois de um banho quente, Catherine olhou pela janela de

seu quarto o suave resplendor do sol da manhã refletindo brilhos de prata na erva coberta de

rocio. Seu olhar perambulou livremente para o jardim... para o atalho que Andrew e ela tinham

percorrido na noite anterior.

Seus olhos se fecharam. Por sua mente cintilaram vividas imagens de como tinham

acontecido as horas até pouco antes do amanhecer... explorando-se íntima e mutuamente os

corpos. Compartilhando o vinho, o pão e o queijo. Andrew lhe dando de comer os morangos.

Rindo. Tocando-se. Voltando a fazer amor, devagar, saboreando cada carícia. Cada olhar. Cada

beijo. Cada investida de seu corpo dentro do dele.

Apesar de todas as vezes que Catherine tinha imaginado o que seria estar com um amante,

de toda a curiosidade que o Guia tinha despertado em sua mente, nunca, nenhuma só vez, tinha

imaginado nada semelhante ao vivido na noite anterior. Sempre tinha acreditado que a

imaginação podia conjurar cenários que a realidade jamais chegava a igualar.

Quão equivocada tinha estado ao acreditar em algo assim!

A imaginação não podia experimentar a maravilha dos lábios e as mãos de Andrew

adorando-a, queimando tudo, qualquer pensamento, exceto ele. Sentir seus peitos esmagados

contra seu quente peito nu de homem. O aroma almiscarado do ato amoroso envolvendo-os na luz

dourada e no ar quieto do terraço. A textura de sua pele firme sob as gemas de seus dedos. E o

prazer de lhe olhar...

Deixou escapar um comprido e feminino suspiro. Deus santo, o prazer de lhe olhar... seu

corpo forte e musculoso brilhando na luz, totalmente excitado. Para ela. Por ela. Seus olhos negros

de desejo. Ardentes de desejo. Famintos de um ardor totalmente ligado com a suavidade de suas

carícias. A expressão encantada de Andrew ao excitá-la além do suportável. E logo a sensual e

saciada frouxidão resplandecendo nesses olhos nos instantes posteriores à paixão. Seu rápido

sorriso. Seu precioso sorriso. E mesmo assim, detrás de seu humor, aquele calor cintilando justo

debaixo de sua superfície.

Desgraçadamente, Catherine suspeitava que sentia algo mais que um simples calor pelo

Andrew. E isso era inaceitável. Inquietante. E, sobre tudo, aterrador.

Não podia nem devia permitir-se esquecer que isso era temporário. Conhecia com

perfeição o mal de amores implícito em uma relação permanente. E a menos que esquecesse...

Cruzou a estadia até seu armário e se ajoelhou para agarrar um pequeno porta jóias de

mogno que conservava escondido no canto traseiro sob umas mantas. Abriu a tampa e tirou o anel

que guardava dentro. Levantou-se e olhou fixamente a aliança de casamento de diamantes que

tinha na palma da mão. Cinco quilates de perfeito brilhantismo, rodeados de uma dúzia de pedras

menores, todas de idêntica perfeição. Um anel que a maioria das mulheres cobiçariam.

Page 128: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Desgraçadamente, Catherine não era como as demais mulheres. Tinha conservado aquela

dolorosa lembrança do passado para não esquecer jamais o vazio que vinha de todas suas

promessas. Um olhar à jóia era um aviso forçoso de que não devia nem podia permitir que uma

noite de paixão perturbasse seu bom senso. Independentemente do que fossem esses...

sentimentos para o Andrew tinha que deixá-los de lado. Esquecê-los. Desfrutariam de alguns dias

mais juntos e logo cada um seguiria seu caminho, conservando ambas as maravilhosas

lembranças, mas nada mais.

Satisfeita assim que se assegurou de ter colocado tudo em sua justa perspectiva, estava a

ponto de voltar a pôr em seu lugar o porta jóias quando ouviu que alguém chamava com

suavidade a sua porta. Meteu-se o anel no bolso e, perguntando-se se Mary teria esquecido algo

quando lhe tinha subido o café da manhã, disse:

—Entre.

Abriu-se a porta e Andrew apareceu na soleira. Limpo e recém barbeado, com o cabelo

penteado, suas calças de camurça e sua jaqueta azul marinho acentuando sua beleza morena, a

gravata perfeitamente atada e as botas lustrosas como espelhos. Viu-o alto e forte, masculino e

atraente e, com os olhos cravados nela, possivelmente um pouco perigoso. O coração lhe deu um

tombo e sentiu formigar de pura alerta cada uma de suas terminações nervosas.

O olhar de Andrew desceu por seu corpo, provocando em Catherine a consciência de que

não tinha posto nada sob a bata de cetim ligeiramente atada ao redor da cintura. Tremeu-lhe a

pele de antecipação sob o olhar pausado dele. Quando por fim os olhos de ambos voltaram a

encontrar-se, Andrew jogou a mão para trás e fechou a porta. O silencioso estalo reverberou em

sua cabeça e tentou desesperadamente recordar o sábio conselho do Guia sobre como saudar o

amante após passar uma noite nua em seus braços. Seu bom senso lhe gritou que ele não deveria

estar ali, que não lhe queria ali. Seu dormitório era seu santuário. Seu refúgio. Desgraçadamente,

os ensurdecedores batimentos do coração de seu coração afogaram seu bom senso.

Andrew caminhou devagar para ela com todo o aspecto de um lustroso gato selvagem

espreitando a sua presa, e o ritmo do coração de Catherine se duplicou ao ver o brilho voraz que

iluminava seus olhos. Vendo-se de repente incapaz de qualquer movimento ou discurso, esperou

que ele se detivesse e que sorrisse, e que dissesse bom dia, mas ele não fez nada disso. Pelo

contrário, avançou diretamente para Catherine, estreitou-a sem mediar palavra entre seus braços e

baixou a boca até a dela.

«Oh, Deus», foi seu último pensamento coerente enquanto se limitava a entregar-se à

exigência daquele beijo. O limpo aroma de Andrew a rodeou, como também o calor de seu corpo.

A força de seus braços. A premente pressão de suas coxas contra as suas.

Catherine separou os lábios e foi recompensada com a sensual carícia de uma língua contra

a sua. E suas mãos, essas gloriosas, grandes e calosas mãos que só podiam ser descritas como

mágicas, pareciam estar por toda parte. Despenteando-lhe os cabelos. Deslizando-se por suas

costas. Agarrando-lhe as nádegas. Acariciando-lhe os peitos. E tudo isso enquanto sua boca

devorava a dela com uma ardente avidez que a deixou sem fôlego e faminta por mais. Tinham

passado só umas horas desde que tinha estado em seus braços? Em certo modo, pareciam-lhe

anos.

Os braços de Andrew se estreitaram a seu redor e Catherine se deleitou com sua força,

elevando-se sobre as pontas dos pés, tentando aproximar-se mais a ele. De repente, ele trocou o

ritmo de seu frenético beijo, suavizando-o até convertê-lo em uma lenta e profunda fundição de

bocas e línguas que lhe dissolveu os joelhos. Quando por fim ele levantou a cabeça, Catherine não

poderia ter jurado que recordava como se chamava.

—Bom dia, Catherine - sussurrou contra seus lábios.

Page 129: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

«Catherine. Sim, claro. “Esse é meu nome.»

Supôs que tinha murmurado «bom dia», embora não estava segura de havê-lo feito. Ele se

inclinou para diante e aproximou seus lábios contra a sensível dobra onde seu pescoço encontrava

com seu ombro.

—Cheira maravilhosamente. —Seu quente fôlego lhe acariciou a pele, despertando nela um

bombardeio de ardentes calafrios — Como um jardim de flores.

Reunindo todas suas forças, Catherine assinalou a banheira de bronze situada em um canto

do quarto.

—Acabo de me banhar.

Andrew se voltou, olhou à banheira e gemeu.

—Quer dizer que se tivesse chegado alguns minutos antes teria te visto no banho?

—Acredito que sim.

Seus dentes lhe atiraram levemente do lóbulo da orelha.

—Devo procurar corrigir meu lamentável sentido de oportunidade. Embora, não sei se

meu coração teria suportado te ver no banho. Tem alguma idéia de até que ponto te ter ante meus

olhos, simplesmente aí de pé em camisola, afetou-me?

Catherine se recostou no círculo de seus braços. Sem dúvida pretendia mostrar-se afetada.

Tímida. Embora a singela verdade saísse sem rodeios de seus lábios.

—Sim. Porque verte entrar em meu quarto, com esse desejo no olhar, afetou-me do mesmo

modo. —O calor lhe avermelhou as bochechas — Por que está aqui?

—Preciso falar contigo. —Vacilou e logo disse—: Temo-me que tenho que voltar para

Londres. Hoje. O quanto antes.

A consternação e a desilusão fizeram presa nela.

—Entendo. Ocorreu algo?

—Um roubo e certo grau de vandalismo no museu. Embora não havia nada que roubar, o

edifício sofreu danos consideráveis. Tenho que quantificar a dimensão das reparações para poder

comunicar ao Philip. Também terei que falar com os investidores e sossegar qualquer temor que

possam ter. A última coisa que Philip e eu precisamos é ter investidores nervosos.

Catherine posou a palma da mão em sua bochecha em um gesto de comiseração e

compaixão. Andrew estava afetado.

—Que espanto. Não sabe quanto sinto que isto tenha ocorrido.

— Eu também. E não só pelas razões óbvias no que concerne ao museu, mas também

porque não tenho o menor desejo de ir daqui. Não sabe quanto desejava passar o dia com Spencer

e contigo. —Lhe obscureceram os olhos — E a noite contigo.

O desejo formigou pelas veias de Catherine, que tragou saliva antes de perguntar:

—Tem pensado... voltar para Little Longstone?

—Sim.

Um ofego no que até então não tinha reparado se abriu passo entre seus lábios.

—Quando?

—Espero que amanhã.

—Por favor, considere meu estábulo a sua disposição.

—Obrigado. A viagem será mais rápida se viajar a cavalo que se o fizer de carro. Farei todo

o possível por retornar na primeira hora da noite, mas possivelmente tarde.

—Entendo. Virá a te encontrar comigo... amanhã de noite?

—Onde e quando?

Catherine pensou durante um instante.

—A meia-noite. Nos mananciais. Quero...

Page 130: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Embalou seu rosto entre as mãos ao tempo que seus olhos procuraram os dela.

—Me diga o que quer.

—Quero que faça amor comigo nas águas quentes.

Um pouco parecido ao medo, embora sem dúvida nada tivesse que ver com ele, piscou nos

olhos de Andrew, mas se desvaneceu tão rápido que Catherine decidiu que devia haver-se

equivocado. Acariciou-lhe a boca com um suave beijo.

—Será para mim um grande prazer satisfazer seu desejo, Catherine.

As palavras do Andrew acariciaram os lábios dela, disparando o desejo em suas vísceras.

—Amanhã de noite, nos mananciais, a meia-noite - murmurou com um ofegante sussurro.

Sentiu-se banhada em uma onda de paixão, de desejo e de luxúria... tudo isso tão novo, tudo tão

longamente negado— Andrew... não quero esperar até amanha a noite.

Ele levantou a cabeça e o inferno que ardia em seus olhos a reduziu a cinzas.

—Tome cuidado com o que desejas Catherine, porque está a somente alguns segundos de

distância de...

—De que me levem pelo mau caminho? —Retrocedendo e retirando-se assim de seu

abraço, desatou o laço que atava sua camisola e se sacudiu o cetim dos ombros, que foi formar um

suave montão a seus pés.

Andrew observou deslizar a camisola sobre seu corpo, deixando-a nua. Esticou então o

corpo, enchendo a de uma embriagadora sensação de poder e satisfação feminina.

—Levada pelo mau caminho? —repetiu ele em voz baixa e dando um passo para ela —

Humm. Sim, essa é definitivamente uma possibilidade.

—Só uma possibilidade? —Catherine estalou a língua e retrocedeu de novo um passo, logo

outro, até apoiar as costas contra a parede — O que... desilusão.

Andrew apagou a distância que os separava com uma pernada e pôs as mãos à parede,

uma a cada lado dela, encerrando-a entre o parêntese de seus braços. Seu ardente olhar a

percorreu enquanto um músculo palpitava em sua mandíbula e o fôlego de Catherine se

entrecortava.

—É isso o que quer, Catherine? Que te leve pelo mau caminho?

—Não estou certa de saber exatamente o que isso implica, embora soe... sedutor.

Catherine apoiou as mãos no peito do Andrew, encorajada ainda mais pelo apressado

palpitar de seu coração contra suas palmas. Todo seu corpo se acelerou, antecipando o contato

com o corpo dele.

—Excelente. Não vejo o momento de desfrutar de uma despedida decente.

—Minha querida Catherine, nada tem de decente na despedida que está a ponto de

receber.

A boca do Andrew cobriu a sua com um beijo abrasador e devorador. Ela deslizou as mãos

em sua jaqueta para lhe acariciar as costas, presa de uma desesperada e entristecedora necessidade

de tocar e de ser tocada por toda parte ao mesmo tempo. Com um entrecortado gemido, ele

intensificou ainda mais seu beijo, lhe afundando a língua e acariciando-a com ela ao tempo que

enchia suas mãos com seus ávidos peitos enquanto seus dedos brincavam com seus sensíveis

mamilos, que pediam mais e mais. Os lábios do Andrew abandonaram então sua boca,

percorreram sua mandíbula com beijos ardentes e abrasadores, seguindo pelo pescoço para passar

depois aos seus seios. Com a língua desenhou enlouquecedores redemoinhos ao redor de seus

eretos mamilos antes de levar-se cada um dos duros casulos ao aveludado calor de sua boca.

Catherine arqueou as costas, presa de uma silenciosa súplica em que lhe pedia que seguisse

saboreando-a mais, e ele a agradou enquanto ela entrelaçava seus dedos entre os abundantes e

sedosos cabelos de Andrew.

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Retorceu-se contra ele e, como resposta, Andrew caiu de joelhos, riscando com a boca

aberta beijos por seu estômago. Os músculos de Catherine tremeram quando ele saboreou a fenda

de seu umbigo. Tomou ar, enchendo-a cabeça de um erótico aroma no que reconheceu seu próprio

almíscar feminino combinado com o sândalo de Andrew.

—Separa as pernas para mim, Catherine - lhe pediu Andrew com um rouco rugido ao

tempo que suas palavras vibravam contra seu estômago.

Com a sensação de estar ardendo de dentro para fora, Catherine obedeceu e ele a

recompensou acariciando as inflamadas e úmidas dobras ocultas entre suas coxas. Um ofego, ao

que seguiu um comprido gemido de prazer, ressonou em sua garganta, e teve que se aferrar então

aos ombros dele.

Andrew pegou os lábios a sensível pele situada justo debaixo de seu umbigo e então seus

lábios foram deslizando-se mais e mais abaixo, até que sua língua a acariciou como acabavam de

fazê-lo seus dedos.

Umas assombrosas e incríveis sensações a percorreram por inteiro. Catherine fechou os

olhos e apoiou a cabeça contra a parede, inflamada além de toda prudência enquanto lhe envolvia

as nádegas com as palmas das mãos e fazia amor com os lábios e a língua até que ela acreditou

voltar-se louca de prazer. O clímax rugiu por todo seu corpo entre brilhos de um fogo abrasador,

arrastando com ele um áspero chiado de seus lábios.

Quando seus espasmos estavam chegando ao fim, Andrew se levantou e rapidamente a

levou para a cama, onde a depositou sobre a colcha. Ainda presa de algumas ondas de deliciosos

tremores, Catherine estendeu os braços, lhe convidando em silêncio a aproximar-se dela,

desesperada por sentir seu delicioso peso, a investida de sua ereção dentro dela. Os cinco

segundos que Andrew necessitou para liberar a ereção de suas calças pareceram uma eternidade.

Tombou-se em cima dela, acomodando-se entre suas coxas separadas e a penetrou com uma larga

e suave investida que esteve a ponto de lhe deter o coração.

Os olhares de ambos se encontraram e, com cada matiz de sua intensa expressão visível na

suave luz do sol que se filtrava pelas cortinas, Andrew foi movendo-se lentamente dentro dela,

penetrando-a até o fundo para retirar-se quase completamente de seu corpo e afundar-se nela de

novo até o mais fundo. As mãos de Catherine agarravam em suas costas até descansar sobre seus

ombros. Andrew intensificou o ritmo de suas investidas e ela gemeu, saindo ao seu encontro,

aceitando, saboreando cada ataque. Arqueou as costas e o prazer a afligiu de novo. Um gemido

masculino, que soou como se rasgasse da garganta de Andrew, ressonou na estadia. Afundou a

cabeça, no oco do ombro de Catherine e se estremeceu, aliviando-se, murmurando seu nome uma

e outra vez como uma oração.

Respirando pesadamente, Andrew rodou a um lado, levando-a com ele, e fechou os olhos,

lutando por recuperar o controle. Demônios, essa mulher e a forma em que faziam o amor lhe

deixavam vencido. Vulnerável. Mais nu e exposto do que se sentiu em toda sua vida. Como ia

suportar se ela não correspondesse a seus sentimentos? Se não desejasse que formasse parte

permanente de sua vida? Catherine sentia algo por ele, disso não lhe cabia dúvida. Mas seria o

suficiente?

Quando o mundo voltou a recuperar sua prudência, Andrew tombou para trás e afastou o

cabelo emaranhado do rosto avermelhado de Catherine. Ela manteve os olhos abertos com óbvio

esforço e ele tragou um gemido de desejo ao ver o sonolento e lânguido fogo latente nas marrons

profundidades douradas dela. Sem dúvida havia algo que teria que lhe dizer. Deus bem sabia que

tinha o coração a ponto de lhe estalar com tudo o que sentia por ela. Mas temia dizer muito.

Preocupava-lhe que se falava, não seria capaz de deter-se até lhe confessar que era proprietária de

seu coração. Que lhe tinha pertencido desde muito antes do que ela era consciente. E que sempre

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seria dele. Mesmo assim, sabia também que não seria capaz de reprimir as palavras durante muito

tempo mais. Logo ela saberia. E rezou a Deus para que lhe contar não custasse o que

compartilhavam nesse instante. Porque, por mais milagroso que fora, ter o corpo de Catherine não

era suficiente.

Durante vários segundos ela não disse nada. Simplesmente lhe olhou com uma expressão

aparentemente consternada. E confusa. Logo, sua expressão se esclareceu e um diminuto sorriso

elevou uma das comissuras de seus lábios, lhe persuadindo para poder lhe tocar os lábios.

—Oh, Deus – suspirou — Acabo de acrescentar algo a minha lista de primeiras vezes. Foi a

primeira vez que me levam pelo mau caminho. Espero que não seja a última.

—Estarei encantado de te agradar sempre que o deseje minha senhora. Não tem mais que

me pedir isso.

—Não sabe quanto desfrutei da minha decente despedida, Andrew.

Este lhe depositou um beijo na ponta do nariz.

—Isso se deve a que foi sua indecente despedida. E se tiver desfrutado disso, estou seguro

de que você gostará ainda mais da decente, ou, mas bem indecente saudação de amanhã a noite.

—Oh, céus. O que significa isso?

—Não lhe posso dizer isso É uma surpresa. —E quando ela pareceu a ponto de discutir, ele

acrescentou—: Tenho que ir procurar o dicionário?

—Não. —Catherine inclinou o queixo, fingindo elevar o nariz ao ar — Portanto, não penso

te falar da surpresa que planejei.

—Uma surpresa? Para mim?

—Possivelmente - disse.

—Do que se trata?

— Quem necessita agora o dicionário?

—E se me dá uma pista? Só uma? —perguntou, juntando o polegar e o indicador.

Um delicioso som que só podia descrever-se como uma risada borbulhou entre os lábios de

Catherine.

—Nem pensar.

Inclinando-se para diante, Andrew acariciou com a língua a delicada concha de sua orelha.

—Por favor.

—Oh. Bom, possivelmente... não. Nem pensar.

—Ah, uma mulher com grande força de vontade - murmurou Andrew, deslizando com

suavidade os dedos pelo centro de sua coluna para a cintura.

—Como deve ser a mulher moderna atual.

—Entretanto, a mulher moderna atual também sabe que é aconselhável deixar uma

indelével impressão na mente de seu cavalheiro para que ele não possa chegar em nenhum caso a

fazê-la desaparecer de seus pensamentos. Me dando uma minúscula pista sobre a natureza de sua

surpresa sem dúvida saciaria meu apetite e garantiria que permanecesse em minha mente

enquanto estou longe de ti.

Catherine ficou totalmente imóvel, à exceção de seus olhos, que se apertaram.

—O que há dito?

—Que me dando uma pista...

—Antes disso.

Andrew franziu o cenho e refletiu durante vários segundos.

—Acredito haver dito: «A mulher moderna atual também sabe que é aconselhável deixar

uma indelével impressão na mente de seu cavalheiro para que ele não possa chegar a nenhum

caso a fazê-la desaparecer de seus pensamentos». A isso refere?

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—Sim. —Os olhos de Catherine se apertaram ainda mais — Onde aprendeste isso?

—Tirei-o do Guia feminino, naturalmente.

Teve que apertar os dentes para manter o rosto sério ante a expressão pasmada de

Catherine.

—E como diabos sabe você o que está escrito no Guia?

—Embora custe acreditá-lo, querida minha, a gente freqüentemente aprende coisas lendo.

—Não irás dizer me que tem lido o Guia.

—Muito bem. Nesse caso não lhe direi isso, embora para mim é um mistério por que quer

que te minta.

—Tem lido o Guia?

—Palavra por palavra. Do principio ao fim.

—Quando? Onde? Como?

—Que natureza tão inquisitiva. Deixe-me ver. Quanto ao quando, anteontem à noite...

antes de nosso encontro nos mananciais. Quanto ao onde, em meu quarto. E para te responder

como, comprei um exemplar na manhã em que saímos de Londres. A conversa que mantivemos

na festa de seu pai me deixou intrigado e decidi ler o volume para ver o que tinha. E devo

confessar que em certo modo me vi exposto a isso pelo fato de que parecesse tão convencida de

que não leria tais tolices.

—Essa foi sua descrição, não a minha.

—Ah, sim? Bem, pois devo então me retratar.

—E isso o que quer dizer exatamente?

—Que o Guia, pareceu-me muito... informativo. E bem escrito.

A satisfação paga de si mesmo que apareceu nos olhos de Catherine foi inconfundível.

—Acredito que já lhe mencionei isso em seu momento.

—Assim é. Certo é que defendeu o livro e ao autor com a classe e lealdade que a mãe

tigresa mostra com seus cachorrinhos.

O carmesim tingiu as bochechas de Catherine, quem nesse instante afastou o olhar.

Andrew acariciou com a ponta do polegar as bochechas banhadas de uma intensa cor.

—Não me cabe dúvida de que entende por que o livro está causando tanto escândalo.

A vermelhidão de Catherine ficou pior.

—Sim, embora esteja convencida de que a informação que proporciona às mulheres é

muito maior que qualquer dessas sensibilidades feridas. Charles Brightmore deveria ser elogiado

pelo que tem feito.

—De novo volta a lhe defender. Quase como se... conhecesse-lhe.

Catherine apertou os lábios e a seguir se desembaraçou de seu abraço. Ele a soltou, vendo-a

sair da cama e colocar a roupa, deslizando os braços nas mangas de seda. Depois de atar o

cinturão ao redor da cintura, voltou-se a lhe olhar com os olhos fecundados de emoção contida.

—Defendo-lhe porque Deus sabe que oxalá tivesse tido acesso à informação que aparece no

Guia antes de me casar. Ou em qualquer momento durante os primeiros dias de meu casamento.

Cheguei ao casamento sem saber nada absolutamente sobre o que fazer nem o que esperar. Não

sabia que as mulheres podiam experimentar prazer durante o ato amoroso. Não tinha nem idéia

de que o ato amoroso implicasse mais que uns quantos minutos em um quarto às escuras com

minha camisola levantada por cima da cintura. Não sabia que o calor que começava a sentir

durante esses escassos minutos podia, ser adequadamente atendida, converter-se em um

chamejante inferno que abrasava tudo ao seu redor. Não sabia que era capaz dessa classe de

luxúria e avidez que sempre tinha associado aos homens. Charles Brightmore me ensinou todas

essas coisas e algumas mais. Ensinou-me e me animou a me permitir sentir essas coisas. E também

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a reagir diante delas.

—Entendo. Sabe? Ouvi alguns rumores que apontam a que de fato Brightmore pode ser

uma mulher - comentou despreocupadamente, observando-a com atenção.

—Ah, sim? Onde ouviste isso?

Andrew se levantou e arrumou a roupa enquanto falava.

—Muito recentemente. De fato, na festa de aniversário de seu pai. Pessoalmente, acho

intrigante e perfeitamente possível. Brightmore ter ornamento de uma compreensão da mulher

que jamais vi em nenhum homem, independentemente do sofisticado ou mundano que seja. —

Sorriu — Se por acaso não reparaste nisso, as mulheres são notoriamente difíceis de compreender

e Brightmore não parece sofrer a mesma confusão que o resto de nós, que não somos mais que uns

pobres homens.

—Obviamente está muito versado nas coisas das mulheres.

—Obviamente. Mesmo assim, eu gostaria de saber como chegou a adquirir um

conhecimento tão exaustivo.

—Fazendo-se eco de numerosas intimidades, imagino que como as que você e eu

compartilhamos recentemente - disse, avançando para ele até que quase se tocaram. Colocou as

mãos no abdômen. Entretanto, e embora Andrew recebeu com agrado o gesto, tinha a inegável

suspeita de que Catherine estava tentando lhe distrair. Mas, considerando que Catherine era tão

enlouquecedora, deixou de lado seu receio.

—Possivelmente – admitiu — Naturalmente, é consciente de que isto significa agora que eu

sou o ganhador de nossa aposta.

Catherine arqueou uma sobrancelha.

—Ah, sim? Refere-te à mesma aposta que ontem à noite me induziu a acreditar que eu

tinha ganhado?

—Me permita que difira. Se mal não recordar, insistiu, e muito enfaticamente, em que tinha

ganhado. E eu, em meu ânimo de ser um cavalheiro, simplesmente preferi não discutir contigo.

Andrew reprimiu um sorriso ante o bufido de Catherine.

—Que preferiu não discutir comigo? Vá, isso sim é uma novidade.

—Pareceu-me a escolha mais sábia e queria saber qual era o pagamento que desejava.

Acredite-me se te disser que eu adorei descobrir que seu desejo era um reflexo quase idêntico ao

meu.

—Entretanto, agora sou eu a que te devo o pagamento da aposta.

—Sim.

—E qual é seu desejo?

Os dedos do Andrew massagearam a flexível cintura de Catherine.

—Tantas coisas... que precisaria de um grande período de reflexão para me decidir só por

uma. —Deslizou as palmas das mãos para baixo, sobre seus quadris — O que é isto? —perguntou,

tocando um vulto pequeno e duro junto ao quadril.

Depois de uma breve hesitação, Catherine colocou a mão no bolso de sua bata e tirou um

anel que sustentou à luz. Brilharam prismas de diamantes, ricocheteando entre as paredes, o chão

e o teto como se tivesse arrojado mil estrelas ao céu.

—Meu anel de casamento - disse.

Um ciúme irracional e ridículo esbofeteou Andrew ao ver o símbolo físico do direito de

propriedade que seu marido tinha exercido sobre ela. Embora tivesse um profundo conhecimento

sobre pedras, não era necessário ser um perito para ver que as pedras eram verdadeiras. Forçando

a voz para manter-se neutro, disse:

—Nunca te vi usá-lo. Por que estava no bolso?

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—Não o uso. Simplesmente o olhava. Quando ouvi que alguém batia na porta, meti-me

isso no bolso e o esqueci. —Deu o anel ao Andrew — O que te parece?

Andrew o estudou com toda atenção.

—Individualmente, as pedras são verdadeiras, inclusive as menores. Entretanto,

surpreende-me que tenha escolhido um anel como este.

—Por quê?

O devolveu, pois não desejava seguir tocando-o.

—É só que não parece com você. «Porque não lhe dei de presente isso eu.» Parece-me um

pouco exagerado para sua mão delicada. Embora suponho que não existe nenhuma jóia muito

grande.esteja certo de que para muita gente o anel deve parecer precioso, eu o odeio. Sempre o

odiei.

Ele a observou atentamente.

—Por quê?

—Acredite ou não, não me chamam muito a atenção os diamantes. Acho-os incolores e

frios. Apesar de ser perfeitamente consciente disso, Bertrand me deu de presente este anel, não

porque acreditasse que eu gostaria, mas sim porque era o anel que ele desejava que eu usasse. Não

importava o que eu quisesse nem o que eu gostasse. Infelizmente, no momento em que me deu de

presente isso eu era muito inocente para vê-lo como um anúncio do que viria.

—E o que você teria gostado?

—Qualquer outra coisa exceto um diamante. Uma esmeralda. Uma safira. Algo com cor e

com vida. Minha mãe estava acostumada usar um broche de esmeraldas que eu adorava... é uma

de minhas mais preciosas posses. —Inclinou a cabeça e olhou ao Andrew com curiosidade — Com

todas suas viagens, imagino que terá reunido objetos muito interessantes. Qual é para ti o mais

querido?

Vacilou durante uns segundos e disse:

—Prefiro te mostrar Amanhã o trarei comigo para que possa vê-lo.

—De acordo.

—Catherine... se não gosta do anel, por que o conserva? «por que o estava olhando?»

—Porque é outro dos meus preciosos pertences... embora não devido a seu valor

econômico.

—Então, por que?

—Porque é uma lembrança. Pelo que tive com Bertrand. —Olhou o anel que agora tinha na

palma de sua mão — Da infelicidade. Da solidão. E do que não tive com ele. A risada. O amor. A

generosidade. Nossa união foi fria e totalmente carente de cor, como estas pedras.

Obrigou-a elevar o queixo até que seus olhares se encontraram.

—E por que quer recordar algo assim?

Algo no olhar de Catherine se endureceu.

—Porque não quero esquecê-lo jamais. Nego-me a voltar a cometer o mesmo engano. A

entregar minha vida, minha felicidade, meu carinho e o de meu filho de novo a outro homem. A

permitir que ninguém exerça de novo sobre mim ou sobre o Spencer essa classe de controle.

Andrew leu com claridade a resolução que destilava sua voz. E seus olhos. E, com o

coração em um punho, deu-se conta de que as palavras de Catherine eram uma sutil advertência

de que não desejava outro casamento... justamente o que o mais desejava no mundo.

Tinha esperado, rezado, para que depois de fazer amor, ela se tivesse dado conta de que

nasceram um para o outro. De que havia lugar para ele na vida dela. De que sua relação não seria

em nada parecida com seu casamento anterior. Entretanto, o anel que ela levava no bolso era

muito evidente. Era óbvio que, os pensamentos da noite que tinham ficado juntos não haviam

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despertado nela exatamente os que ele teria esperado.

Bem, sem dúvida tinha perdido a batalha. Mas as coisas tinham que lhe sair muito mal

para que perdesse a guerra.

Capítulo 16

A mulher moderna atual precisa conservar um ar de mistério a fim de manter vivo o

interesse de seu cavalheiro. Assim que ele souber —ou acredita saber— tudo sobre uma

mulher, considerará-a um quebra-cabeças «resolvido» e procurará um enigma mais intrigante

para decifrar. Para conseguir esse ar misterioso, a mulher moderna atual jamais deveria

permitir que um cavalheiro estivesse muito seguro do que ela pensa ou do que sente.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Catherine entrou na biblioteca e sorriu ao ver Spencer sentado em sua poltrona favorita

diante do fogo com o nariz afundado em um livro.

—Shakespeare? —adivinhou Catherine com um sorriso.

Spencer levantou o olhar e assentiu.

—Hamlet.

—Que história tão triste para um dia tão formoso.

Um ombro se encolheu como resposta, e Spencer afastou o olhar, ao parecer descobrindo

algo fascinante no tapete, gesto que Catherine reconheceu como sinal de que algo lhe preocupava.

Aproximou-se da cadeira do jovem e se inclinou para lhe dar um ligeiro beijo em seus cabelos

ainda úmidos.

—Desfrutaste que seu banho matutino?

—Sim.

—Dói-te a perna?

—Não.

—Você gostaria de passear comigo pelos jardins?

—Não.

—Sair a dar um passeio em carro?

—Não.

—Ir de excursão ao povoado?

—Não.

Catherine se abaixou então diante dele e baixou a cabeça até que captou a atenção de seu

olhar. Tomou sua mão entre as suas e sorriu.

—Pode me dar o nome de três peças do xadrez?

Um cenho confuso enrugou a testa de Spencer.

—Cavalos, bispos e peões. Por que o pergunta?

—Queria te ouvir dizer algo mais além de «sim» ou «não» - brincou Catherine. Quando viu

que Spencer não lhe devolvia o sorriso, apertou-lhe a mão — O que te preocupa, querido?

De novo o jovem encolheu o ombro. Atirou-se da jaqueta com a mão que tinha livre e

Catherine esperou, obrigando-se a permanecer em silêncio recluso enquanto via debater-se com o

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que fora que afligia sua mente, sabendo como sabia que o menino o contaria quando estivesse

preparado para fazê-lo.

Por fim, Spencer tomou fôlego e soltou:

—O senhor Stanton partiu.

Catherine conteve o fôlego. Assim era essa a fonte de seu mal-estar. Bom, sem dúvida

podia entendê-lo perfeitamente. Andrew era sem lugar a dúvidas a base de todos seus

inquietantes e conflitivos pensamentos.

—Sim, sei. Há-me dito que tinha pensado passar a cavalo pelos mananciais para despedir-

se de ti. Viu-lhe?

—Sim. — Gostaria que ele ficasse.

«Quanto a isso eu penso o mesmo.» A idéia esbofeteou Catherine como um trapo frio e

molhado. Apertou com força os lábios ao tomar consciência pela primeira vez de até que ponto

tinha desejado que Andrew não partisse.

Maldição, como Andrew tinha conseguido meter-se em sua vida, e na de Spencer, até esse

ponto e em um período tão breve de tempo? Spencer e ela tinham se arrumado muito bem sem

nenhuma interferência masculina durante muitos anos, e Catherine se deu conta, com uma

repentina e indisputável claridade, que a presença de Andrew em suas vidas ameaçava a paz e a

serenidade que ambos desfrutavam.

E com toda sua atenção posta em sua própria consternação ante a volta de Andrew a

Londres, não se tinha parado para pensar até que ponto sua repentina partida podia afetar ao

Spencer. Obviamente, seu filho tinha estabelecido um forte vínculo com Andrew. Se afetava tanto

ao Spencer que Andrew se ausentasse uma noite, como reagiria quando partisse para sempre

depois de uma semana? Se a expressão do rosto do pequeno podia lhe dar uma pequena idéia, seu

filho ficaria destroçado.

—Contou-me do roubo no museu - disse Spencer — Você acredita que estará de volta

amanhã de noite? —perguntou com a voz cheia de esperança e de dúvida — Pelo que diz, tem

muito que fazer na cidade.

—Estou certa de que tentará. Mas como não pode partir de Londres até reorganizar as

coisas, não te desiluda muito se tiver que se ausentar por mais tempo.

—Mas é que não quero perder nenhuma de minhas lições de equitação nem de pugilismo.

E nem sequer começamos com as de esgrima. E o senhor Stanton não deveria perder sua lição de

na... —As palavras do Spencer ficaram apanhadas em sua garganta como cortadas por uma faca.

Abriram-lhe os olhos e a cor lhe tingiu o rosto.

—Não deveria perder seu o que? —disse Catherine.

—Não lhe posso dizer isso mamãe. É uma surpresa.

—Humm. Pelo que parece os dois planejaram um bom número de surpresas juntos.

O sorriso torcido de Spencer apareceu em seu rosto e o coração do Catherine sorriu como

resposta.

—Gosta do senhor Stanton?

—Sim, mamãe. É muito... decente. Um professor amável e paciente. Mas o melhor de tudo

é que não me trata como se fosse de cristal. Nem como a um menino. Nem como se fosse...

aleijado. —antes que Catherine pudesse lhe reconfortar, o olhar do Spencer se voltou curioso e

perguntou—: Você não gosta mamãe?

—Claro... é obvio que sim. —Não estava certa de que uma palavra tão morna como «gostar

de» descrevesse adequadamente a atração que sentia por ele, mas sem dúvida não podia dizer a

seu filho que em realidade «desejava» aquele homem— O senhor Stanton é muito... «Sedutor.

Tentador. “atraente.»... agradável.

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«E gentil», ouviu intervir a sua voz interior. E Catherine não pôde negá-lo. Não tinha mais

que recordar como Andrew tinha tratado ao Spencer e a ela para saber que era certo.

—Parece-te que poderíamos lhe convencer para que ficasse mais de uma semana, mamãe?

Catherine ficou gelada por ouvir a pergunta enquanto em seu interior o pânico colidia com

a antecipação. E não só por seus caóticos sentimentos pessoais, mas também por Spencer.

—Acredito que temos que aceitar que o senhor Stanton tem sua vida em Londres, Spencer -

disse com toda cautela — Embora ficasse um ou dois dias mais, o qual duvido muito, sobre tudo

tendo em conta que seu tio Philip não está em Londres, o senhor Stanton teria que voltar cedo ou

tarde para a cidade.

—Mas poderia voltar a nos visitar? —insistiu Spencer — Muito em breve? E

freqüentemente?

Catherine rezou para não mostrar sua consternação. Deus santo, ela tinha planejado que

assim que Andrew voltasse para Londres e sua breve aventura fosse história, seus caminhos

raramente, por não dizer nunca, voltariam a se cruzar. Voltar a lhe ver «muito em breve» e

«freqüentemente» quando ela não tinha intenção de retomar sua aventura seria... estranho. Em

realidade seria mais uma tortura, corrigiu sua voz interior irritantemente sincera. Colocou

mentalmente um lenço na boca de sua voz interior para silenciar suas indesejadas meditações.

—Spencer, de verdade não acredito que...

—Possivelmente poderíamos ir visitar o senhor Stanton em Londres.

Perplexa, Catherine só pôde limitar-se a olhar. Spencer nunca tinha feito semelhante

sugestão. Depois de tragar saliva, disse tentando que sua voz soasse o mais despreocupada

possível:

—Você gostaria de ir a Londres?

Spencer apertou os lábios e negou com a cabeça.

—Não - sussurrou— Eu... não. —Jogou o queixo para diante em um teimoso ângulo—

Teremos que nos assegurar de que o senhor Stanton nos visite. Estou certo de que ele concordará,

se ambos pedirmos, mamãe.

Catherine lhe deu uns tapinhas na mão e a seguir se levantou.

—Possivelmente - murmurou, sabendo de que em nenhum caso faria esse convite e

odiando-se por dar ao Spencer uma mínima esperança. Sua aventura tinha que terminar. De forma

permanente. E isso significava que assim que Andrew retornasse a Londres para o fim de semana,

não voltaria a visitar Little Longstone.

Andrew avançou desenhando um lento círculo, fiscalizando as paredes e se acostumando

com a destruição do museu, os espaços vazios onde o vidro deveria estar brilhando. Fechou as

mãos com força em um gesto perfeitamente idêntico ao de sua tensa mandíbula enquanto a ira

fazia que lhe palpitasse o corpo inteiro. «Bastardos. “Por Deus que serão feridos e ensangüentados

bastardos se alguma vez lhes puser a mão em cima.»

—Como pode ver, todos os vidros quebrados já foram recolhidos - informou Simon

Wentworth— O vidraceiro estará aqui em menos de uma hora para falar com você sobre as novas

janelas. Contratei seis homens a mais para ajudar com as reparações do chão e das paredes que,

como pode ver, são importantes.

Andrew assentiu, soltando um comprido suspiro.

—O termo «importantes» não basta para descrever todo este desastre.

—Estou de acordo com você. O modo como esfaquearam a madeira... enfim, o certo é que

vê-lo produz calafrios. Arrebatamento de violência se quer saber minha opinião. Odiaria ter que

encontrar com estes vândalos.

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Andrew mordeu os lábios. «eu adoraria me encontrar com estes vândalos.»

—Quanto tempo para terminar as reparações?

—Ao menos oito semanas, senhor Stanton.

Maldição. Isso supunha outros dois meses de salários de operários a pagar, dois meses

mais de aluguel do espaço de armazenagem dos artigos do museu, para não mencionar os dois

meses de atraso que isso representava para a data de abertura. Nem o exorbitado custo dos

materiais. Sabia exatamente quanto tinha pagado pelas janelas, as paredes e os chãos a primeira

vez.

—Alguma notícia dos investidores? —perguntou Andrew.

Simon estremeceu.

—Temo que as más notícias correm como a pólvora. O senhor Carmichael, lorde

Borthrasher e lorde Kingsly, assim como a senhora Warrenfield, enviaram notas exigindo lhe ver

hoje mesmo. Lamento lhe dizer que a linguagem das cartas é declaradamente fria. Esperam-lhe

em seu escritório.

Andrew conteve a ira e se obrigou a se concentrar nos assuntos que requeriam sua atenção

mais imediata. Obviamente, a senhora Warrenfield, o senhor Carmichael, lorde Borthrasher e

lorde Kingsly já não estavam tomando banhos nos mananciais em Little Longstone e tinham

retornado a Londres. Lorde Borthrasher já tinha feito um investimento a que estava expondo-se

acrescentar uma soma significativa, enquanto que os outros três estavam a ponto de doar recursos.

De fato, o êxito do museu dependia de assegurar esse dinheiro...

—Responda às cartas, Simon, convidando aos investidores a encontrar-se aqui comigo esta

mesma tarde às cinco.

—Acredita ser correto deixar que vejam isto?

—Sim. Se não lhes convidarmos, virão por iniciativa própria de todos os modos e isso terá

péssimas conseqüências para nós. Têm que saber exatamente o que ocorreu e os passos que

estamos dando para que não volte a ocorrer. Não nos convém que pensem que estamos ocultando

algo. Os investidores que têm a sensação de que não lhes está dizendo toda a verdade podem ficar

muito nervosos, e investidores nervosos não é algo que queira acrescentar ao desastre ao que já

enfrentamos.

—Enviarei as notas em seguida, senhor Stanton. —Simon deu meia volta e se dirigiu ao

pequeno escritório cravado no extremo mais afastado do museu.

Andrew soltou um comprido suspiro, tirou a jaqueta e arregaçou a camisa. Havia muito

trabalho a fazer e, por Deus, queria ver concluído parte dele quando por fim se sentasse a escrever

ao Philip para lhe contar todo o ocorrido.

Catherine passeava diante de Genevieve enquanto seu vestido de musselina de cor pêssego

formava redemoinhos em seus tornozelos cada vez que dava meia volta nos extremos do

acolhedor salão de sua amiga.

—Me alegro de que se foi - disse orgulhosa do timbre decidido que delatava sua voz.

—Já disse isso três vezes só na última hora - murmurou Genevieve.

—Bom, só para reiterar minha argumentação.

—Qual é exatamente?

—Que me alegra que partiu.

—Se, isso... evidente. Entretanto, suponho que te dá conta de que o senhor Stanton volta

para Little Longstone. Amanhã.

Catherine desprezou o comentário com um florido gesto.

—Sim, mas então já voltarei a ter tudo sob controle. Estou segura de que meu bate-papo

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contigo esclarecerá toda mi... confusão. Além disso, ele estará aqui só uns dias mais, e puf! —

Catherine estalou os dedos— Voltará para Londres.

—Perspectiva que te faz feliz?

—Delirantemente feliz - concedeu Catherine — Logo Spencer e eu poderemos retomar

nossa rotina sem mais interrupções.

Ao ver que Genevieve não respondia, Catherine olhou ao sofá. Seus passos se detiveram ao

ver a expressão de absoluta incredulidade refletida no rosto de sua amiga, e deixou de andar.

—O que?

—Catherine, é que não te ocorreu que a «interrupção» que o senhor Stanton provocou em

sua rotina é algo bom? —antes que Catherine pudesse responder, Genevieve prosseguiu—: A

julgar por tudo o que me contaste, trata-se de um homem simplesmente divino. É obvio que é

irritante às vezes, mas, como já te disse, todos os homens o são. Mesmo assim, nem todos os

homens podem se gabar de reunir todas as qualidades que reúne seu senhor Stanton: ser bonito,

forte, romântico, considerado. Um amante completo e generoso.

O calor tingiu as bochechas de Catherine e Genevieve riu.

—Sim, sei sem necessidade de que me conte nenhum detalhe específico, querida. Tem

escrita a expressão de mulher bem amada da cabeça aos pés.

—Eu nunca hei dito que não fosse todas essas coisas - disse Catherine — Embora...

—E a amizade que teve tempo de forjar com seu filho está sem dúvida reforçando a

confiança de Spencer em si mesmo. Suponho que isso te agrada.

—Por uma parte sim, mas também representa uma nova fonte de preocupação. Temo que

Spencer fique destroçado quando Andrew retorne a Londres para sempre.

—E o que me diz de ti, Catherine? —perguntou amavelmente Genevieve com seus olhos

azuis suavizados pela preocupação — Você também teme ficar destroçada?

—É obvio que não - respondeu Catherine, embora de certo modo as palavras afetassem

seus joelhos até tal ponto que teve que procurar refúgio na poltrona colocada diante de Genevieve.

Assim que esteve sentada, prosseguiu—: A mulher moderna atual não fica destroçada pelo fim de

uma aventura.

—Querida, qualquer mulher ficaria destroçada pelo fim de uma aventura se guardasse

sentimentos profundos para seu amante. Conheço de primeira mão essa classe de espantosa dor,

e, me acredite, não o desejo a ninguém.

—Bom, não corro nenhum risco de ser vítima de semelhante dor já que não estou

«profundamente» afeiçoada ao Andrew.

—Sério?

Catherine soltou uma ligeira risada.

—Não quero dizer com isso que não sinta nada por ele. É só que apenas lhe conheço. Não

duvidaria em reconhecer que lhe desejo. Entretanto, os sentimentos mais profundos que poderiam

me deixar «destroçada» germinam só depois de compridos períodos de tempo. E, sobre tudo,

entre pessoas que compartilham interesses comuns.

Genevieve assentiu.

—Naturalmente, uma dama de sua nobre linhagem não pode compartilhar muitos

interesses comuns com um homem com um berço semelhante ao do senhor Stanton. É obvio, mas

ele é um plebeu! O que digo! É muito pior que isso. Um plebeu das colônias!

—Você disse bem - disse Catherine, embora a verdade e a sinceridade das palavras de

Genevieve a irritaram.

—É uma bênção que sua atração pela volta do senhor Stanton seja simplesmente física e

que sua ida a Londres ao final da semana não tenha sobre ti o menor efeito adverso.

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—Uma bênção, sem dúvida.

Um som exasperado escapou de lábios de Genevieve.

—Catherine, o que vou dizer isso digo pelo amor, a amizade e a lealdade que te tenho. —

Inclinando-se para frente, cravou nela um olhar cheio de emoção — Nunca em toda minha vida

me vi obrigada a escutar tantas tolices, mais absurdas do que as que acabo de ouvir. Estou

completamente assombrada depois de ter ouvido tamanha estupidez, sobre tudo vindo de ti. Por

não falar de suas mentiras.

A consternação, tinta de uma incrédula perplexidade, por não mencionar uma boa dose de

dor, embargaram Catherine.

—Nunca te mentiria, Genevieve.

—Não é para mim, a não ser a ti, a quem mente querida minha. Pode dizer «me alegra que

se vá» e «só estou desfrutando de uma aventura passageira» todas as vezes que queira, mas

embora o repita um milhão de vezes, isso não fará que suas palavras sejam verdade. Certamente

que não está me convencendo, e acredito que, se tomasse o tempo para examinar seu próprio

coração, te daria conta de que tampouco pode te convencer a ti mesma. Por muito que nos

empenhemos em sossegar o desejo de nosso coração, é tarefa impossível. Podemos escolher não

atuar em conseqüência, mas nunca chegamos a sossegá-lo de tudo.

Catherine abriu a boca, disposta a responder, mas antes que pudesse pronunciar uma só

palavra, Genevieve seguiu pressionando-a.

—Inclusive embora suponhamos durante um instante de loucura que seus sentimentos

pelo senhor Stanton podem enquadrar-se na categoria de sentimentos mornos, em algum

momento pensaste nos sentimentos que ele possa ter por ti? Porque te asseguro que são tudo

menos mornos.

As palavras de Genevieve ameaçavam deixando expostas emoções que Catherine se

negava a submeter a exame.

—Sou consciente de que lhe importo, mas ele também está de acordo em que, assim que

termine a semana, nossa aventura finalizará.

A combinação de consternação e de chateio que expressavam os olhos de Genevieve era

inconfundível.

—Querida, dizer que lhe importa é não lhe fazer justiça. Vi-o claramente na velada na casa

do duque. A forma em que te olhava quando se sabia observado, e, o que é ainda mais delatador:

sua forma de te olhar quando acreditava que ninguém lhe observava... —Deu um comprido e

tremente suspiro — Meu Deus. A paixão, o desejo, a emoção que desvelavam seus olhos eram

evidentes. Vendo te olhar, dançar a valsa contigo, senti-me como se tivesse interrompido um

íntimo tête a tête. Está tristemente equivocada se acredita que esse homem simplesmente se

desvanecerá de sua vida dentro de uma semana.

—Não penso lhe dar escolha. Ele sabe perfeitamente, tão bem como você, que não tenho

intenção de voltar a me casar. E, inclusive se desejasse me atar a outro marido, certamente não

escolheria a um homem cuja vida está em Londres. Não tenho a menor intenção de afastar

Spencer da segurança de nossa casa, da vida que criamos aqui, em Little Longstone, dos

mananciais de águas termais. E se meu marido e eu temos que viver separados e ter vidas

separadas, que sentido tem que nos casemos? Spencer e eu já sofremos uma situação semelhante, e

te asseguro que uma vez é suficiente.

Genevieve se recostou sobre o respaldo do sofá e arqueou as sobrancelhas.

—Acaso o senhor Stanton te pediu que te case com ele?

—Bom, não, mas...

—Insinuou algo que te faça pensar que lhe vai pedir isso?

Page 142: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Catherine franziu o cenho.

—Não, mas...

—Possivelmente te esteja preocupando com nada. Possivelmente a única coisa que deseja é

uma aventura prolongada.

—O qual não deixa de ser desafortunado, pois eu só estava, e estou disposta a manter uma

breve aventura.

Genevieve assentiu devagar.

—Sim, bom, possivelmente seja o melhor. Ao fim e ao cabo, uma aventura prolongada

implicaria passar mais tempo juntos, o qual a sua vez poderia terminar provocando esses

sentimentos que poderiam deixá-los destroçados quando a aventura chegasse a seu fim.

—Exatamente.

—É preferível cortar as coisas antes de correr qualquer risco de desenvolver uma

implicação mais profunda.

—Precisamente.

—Depois de tudo, salvo pelo sentido bíblico, logo que conhece senhor Stanton.

—Correto.

—E o que sabe de seu passado? De sua família? De sua educação? De sua vida na América

do Norte?

—Nada - respondeu Catherine, relaxando-se um pouco. Finalmente a conversa tinha

tomado o rumo adequado.

Genevieve franziu o cenho.

—Embora... conhecia perfeitamente a lorde Bickley antes que pedisse sua mão, ou

possivelmente me equivoco?

Um timbre de advertência tilintou nas profundidades da mente de Catherine.

—Nossas famílias se conheciam bem, sim - admitiu.

—Se mal não recordar, em algum momento mencionou que lhe conhecia virtualmente de

toda a vida, equivoco-me acaso?

—Não, não te equivoca.

—E lhe acreditava um homem decente, gentil e carinhoso.

Catherine franziu o cenho.

—Dou-me perfeita conta do que tenta fazer, Genevieve, mas o que diz não faz mais que

reforçar minha postura. Sim, casei-me com o Bertrand, um homem que tinha conhecido durante

toda minha vida. E sim, acreditava que fazíamos um bom casal. Acreditei que era um homem

gentil e decente. E, apesar de não ter por ele nenhum sentimento profundo nem comovedor, sentia

respeito e um afeto que confiei em ver florescer até transformar-se em um amor duradouro. Sentia

por ele um carinho sincero. E olhe como foi desastroso meu casamento. Se fui capaz de julgar tão

equivocadamente a um homem que conhecia fazia anos, como sei que julgarei adequadamente a

um homem que acabo de conhecer?

Genevieve procurou seu olhar durante vários segundos e logo disse:

—Te darei uma resposta sincera a essa pergunta, Catherine. Lorde Bickley foi um homem

mimado e malcriado ao longo de sua privilegiada vida. Se Spencer tivesse nascido perfeito, seu

visconde e você teriam mantido uma união formal e amistosa, sem que nenhum dos dois tivesse

desenvolvido «profundos» nem «comovedores» sentimentos um para o outro. Foi no momento

em que seu marido teve que fazer frente à adversidade que mostrou seu verdadeiro caráter.

—Estou sinceramente de acordo contigo. Meu pai há dito freqüentemente que o modo em

que um homem enfrenta às dificuldades é a autêntica prova de sua valia.

—E olhe o modo em que o senhor Stanton se comportou desde sua chegada a Londres.

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Manteve-se inquebrável e leal a seu irmão e a seu projeto do museu. Manteve a cabeça fria e

calma, te protegendo e oferecendo sua ajuda quando foi ferida. Deixou suas preocupações de lado

para te acompanhar a Little Longstone e assegurar-se de que estava a salvo. Tomou tempo para

estabelecer uma relação com seu filho. Não é nenhum aristocrata malcriado, a não ser um homem

que se fez sozinho. No curto prazo de tempo que faz que lhe conhece, compartilhaste com ele mais

intimidades que com seu marido em dez anos. Esse é o tipo de homem que ele é.

Catherine fechou os olhos e levou as pontas dos dedos às têmporas.

—Por que me diz tudo isto? Vim com a esperança de que me ajudasse a ver as coisas mais

claramente.

—E é precisamente isso o que estou tentando. Acredito que o problema é que não te estou

dizendo o que você gostaria de ouvir.

Catherine apoiou as mãos em seus joelhos e esboçou um débil sorriso.

—Sim, é certo.

—Porque sou sua amiga. Porque não quero que cometas um engano que lamentará o resto

de sua vida. Porque não fazer frente à verdade, não escutar ao seu coração, é muito mais maléfico,

mais prejudicial que qualquer outra dor. E me parece que não examinou seu coração neste

assunto, Catherine. Te dá medo de fazê-lo, o que, a julgar por seu passado, é algo completamente

compreensível. Eu também estaria assustada se estivesse em seu lugar. Mas deve tentar deixar

seus medos de lado. Negou sua felicidade durante muito tempo, querida minha. Não volte a lhe

negar isso.

—Mas não vê que não estou me negando isso? Queria um amante e arrumei um. Não quero

um marido, de modo que não o terei. Há exatamente quatro motivos pelos que uma mulher

deveria casar-se. —Foi contando os motivos com os dedos ao tempo que os enumerava—:

Aumentar sua fortuna, melhorar sua posição social, ter um filho ou necessitar de que alguém dela

cuide. Já que minha situação econômica está perfeitamente assegurada, gozo de uma boa posição

social, já tenho um filho e não necessito que ninguém cuide de mim, não tenho a menor

necessidade nem o menor desejo de ter marido.

—Há uma quinta razão para que uma mulher queira se casar, querida.

—E é?

—O amor. Embora já que é óbvio que não está apaixonada...

—Não, não o estou.

—Bem, pois não há nada mais que falar.

—É claro que sim. Sou feliz, Genevieve. —Quanto ao de examinar seu coração, tinha-o feito

já com suficiente detalhe. Sem dúvida tinha investigado tão profundamente como era sua

intenção.

Durante vários segundos, Genevieve não disse nada, limitando-se a dedicar a Catherine

um olhar inescrutável. Logo sorriu.

—Me alegro de que seja feliz querida. E não sabe quanto me alivia saber que não corre o

perigo de que lhe rompam o coração. E, obviamente, sabe muito bem o que mais te convém. E

também ao Spencer.

—Obrigado. E sim, assim é. —Mesmo assim, inclusive enquanto pronunciava essas

palavras, Catherine teve a sutil suspeita de que estava mostrando-se de acordo com algo com o

que não deveria estar de acordo.

—E agora me diga, querida, quem acredita que será seu próximo amante?

Catherine piscou.

—Como diz?

—Seu próximo amante. Parece-te que preferirá a um homem mais velho e mais experiente?

Page 144: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Ou possivelmente ao tipo espetacular e jovem ao que possa dobrar a teu prazer?

Uma sensação desagradável lhe percorreu a pele ao pensar em outro homem tocando-a.

Antes de poder dar uma resposta, Genevieve refletiu em voz alta:

—E me pergunto que classe de mulher esquentará depois de ti a cama do senhor Stanton.

Estou segura de que não estará só muito tempo. Céus, não viu como as sobrinhas do duque

salivavam ao lhe ver? E Londres está sem dúvida infestado de mulheres formosas e sofisticadas à

busca de distração de suas monótonas vidas. O senhor Stanton oferecerá com certeza uma

maravilhosa distração.

O calor apareceu no corpo de Catherine. Uma sensação terrivelmente desagradável lhe

percorreu a pele ao pensar em outra mulher tocando ao Andrew. Piscou os olhos sem deixar de

olhar para Genevieve, quem a observava com a inocência de um anjo.

—Sei perfeitamente o que está fazendo, Genevieve.

Seu amiga sorriu.

—E funciona?

«Sim.»

—Não! —levantou-se de um salto, impulsionada por um grande número de emoções.

Confusão. Frustração. Angústia. Medo. Ciúmes. E raiva. Apertou as mãos com força ao tempo que

tentava decidir se estava mais zangada com Genevieve por provocá-la, com Andrew por despertar

essas inquietantes emoções em sua vida, ou consigo mesma por permitir que a situação tivesse

chegado até ali.

—Não me importa quem possa ser sua próxima amante - bufou de cólera ao tempo que a

raiva a convencia de que estava dizendo a verdade — Como tampouco sei quem será o meu. Mas

estou certa de que encontrarei alguém. Por que ia ficar sozinha?

—Certo, por que?

A complacência demonstrada por Genevieve só servia para avivar a ira de Catherine. A

determinação lhe esticou a coluna.

—Exatamente. Não tenho por que estar sozinha, e tampouco é minha intenção estar. —E

baixando a mão, agarrou sua bolsa— Obrigado, Genevieve, por este bate-papo. Foi muito...

iluminadora.

—Sempre encantada de poder ajudar, querida minha.

—E agora, se, por favor, me desculpar, há alguém a quem devo visitar.

Algo semelhante à preocupação piscou nos olhos de Genevieve, embora ficasse

instantaneamente substituído por sua habitual despreocupação.

—É obvio. Acompanho-te à porta?

—Não, obrigado. Conheço o caminho.

«E sei exatamente aonde vou.»

Andrew estava um pouco afastado do senhor Carmichael, de lorde Borthrasher, de lorde

Kingsly e da senhora Warrenfield, à espera que fossem testemunhas visuais dos danos que tinha

sofrido o museu. Por fim, retornaram a seu lado, todos eles com expressão taciturna.

—Isto é terrível - murmurou a senhora Warrenfield com sua voz grave e áspera ao tempo

que suas palavras ficavam parcialmente amortecidas por seu véu negro.

—Um espantoso desastre - concedeu lorde Borthrasher enrugando o lábio de pura

contrariedade e passeando seu frio olhar de abutre pela estadia.

Os olhos pequenos e brilhantes de lorde Kingsly se fecharam e cruzou os braços sobre sua

proeminente barriga.

—Nunca tinha visto nada semelhante.

Page 145: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Diria que possivelmente demore mais dois meses do que você calculou para endireitar

tudo isto - disse o senhor Carmichael, acariciando-se devagar o queixo e centrando a atenção de

Andrew em seu intrincado anel de ouro no que brilhava um diamante quadrado rodeado de ônix.

Carmichael agarrou as mãos depois das costas e dirigiu ao Andrew um olhar glacial— Não tem

nada que dizer, senhor Stanton?

O olhar de Andrew abrangeu ao grupo por inteiro.

—Confio que dois meses serão tempo suficiente. Falei com o vidraceiro sobre as janelas e

contratamos operários adicionais para recolocar o chão. Se não surgir imprevistos, recuperaremos

o tempo perdido em um prazo de dois meses.

—Quer dizer se não surgir mais desastres imprevistos - disse lorde Kingsly— Foram

capturados os vândalos que fizeram isto?

—Ainda não.

—E o mais provável é que não sejam - acrescentou o senhor Carmichael franzindo o

sobrecenho — Estou horrorizado diante da abundância de crimes que presenciei desde que

cheguei a Londres faz apenas uma semana. Os ladrões e os ladrões abundam em qualquer parte,

inclusive nas melhores zonas da cidade. Mas se só faz uns dias que dispararam a lady Catherine...

na zona supostamente segura de Mayfair.

—O responsável por esse crime já foi pego... em grande medida graças a seus esforços,

senhor Carmichael - lhe recordou Andrew— É certo que existem criminosos na Inglaterra, embora

desgraçadamente estejam por toda parte. —Dedicou ao homem um sorriso — Até na América do

Norte.

—Feito do que, asseguro-lhe, sou plenamente consciente - disse o senhor Carmichael com

voz gelada.

—Bandoleiros em qualquer parte - interveio lorde Kingsly — Hoje em dia não se pode

confiar em ninguém.

—Estou completamente de acordo - disse o senhor Carmichael sem afastar em nenhum

momento seus olhos entrecerrados dos de Andrew — me diga senhor Stanton, que garantia nós

temos, ou qualquer um dos investidores, de que isto não voltará a ocorrer?

—Deus santo - disse a senhora Warrenfield — Outra vez?

—É certamente possível, - interveio lorde Kingsly antes que Andrew pudesse responder—

sobre tudo tendo em conta que os responsáveis não foram capturados. Provavelmente para eles

não seja mais que um jogo. Lembra um pouco o que ocorreu faz alguns anos Sir Whitscour

durante as obras de restauração de sua propriedade no Surrey.

—Recordo-o - disse lorde Borthrasher, levantando seu proeminente queixo — Assim que

Sir Whitscour terminou de recompor todos os danos, voltaram a destroçar-lhe tudo.

Possivelmente estejamos ante uma situação parecida.

—Dou-lhes minha palavra de que se tomarão medidas necessárias para nos assegurar de

que o museu não sofra mais danos. Contrataremos guardas adicionais para que patrulhem o

perímetro da propriedade - disse.

—Tudo isso está muito bem, - disse o senhor Carmichael—mas, conforme me há dito o

magistrado, o museu já contava com vigilância e os vândalos deixaram sem sentido a seu homem.

Independentemente da quantidade de guardas que possa empregar, não será impedimento algum

para um potencial bando de malfeitores. —Sacudiu a cabeça — Sinto lhe dizer, senhor Stanton,

que o que vi aqui, junto com o que ouvi ontem à noite, convence-me de que investir em seu museu

não é um risco que esteja disposto a correr.

—O que ouviu ontem à noite? —perguntou Andrew — A que se refere?

—Durante a velada a que assisti me chegaram rumores sobre a segurança econômica, ou,

Page 146: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

mas bem a falta dela, da empresa que administra o museu. Como também sobre questões

concernentes à autenticidade de algumas das antiguidades que lorde Greybourne e você afirmam

possuir.

Andrew se obrigou a conservar os traços do rosto perfeitamente imutáveis enquanto era

pego de uma onda de raiva.

—Não tenho a menor idéia de onde puderam surgir rumores tão malévolos, mas o certo é

que me surpreende que tenha prestado atenção a tão ridículas intrigas, senhor Carmichael.

Asseguro-lhe que o museu goza de uma perfeita saúde financeira. Estaria encantado de lhes

mostrar, a todos vocês, as contas como prova disso. Quanto às antiguidades, todas foram

devidamente examinadas por peritos anexos ao Museu Britânico.

A frieza não desapareceu dos olhos do senhor Carmichael.

—Não tenho desejos de ver essas contas, já que este projeto não tem para mim nenhum

interesse nem conseqüência. Simplesmente dou obrigado por não ter investido nenhuma só libra

nesta loucura. —voltou-se para seus acompanhantes e inclinou a cabeça — Naturalmente, vocês

três devem tomar suas próprias decisões sobre esta questão. Lorde Avenbury, lorde Ferrymouth e

o duque de Kelby esperam ansiosos ouvir o que hoje vimos aqui, e acredito não me equivocar ao

pensar que o relatório não vai parecer lhes absolutamente favorável.

—Para você é fácil dar marcha atrás, Carmichael - grunhiu lorde Borthrasher — Para mim é

muito tarde. Já dei quinhentas libras.

—Investimento que verá seus frutos assim que... —começou Andrew.

—Lamento dizer que estou com o Carmichael nisto - disse lorde Kingsly — Greybourne é

um bom homem, mas está claro que seu interesse pelo museu minguou desde seu casamento e eu

não estou disposto a esbanjar meu dinheiro. Minha esposa já se encarrega disso.

—Devo mostrar meu acordo com os cavalheiros - disse a senhora Warrenfield com sua voz

rouca cheia de pesar — O sinto de verdade, senhor Stanton, mas como você bem sabe, tenho uma

saúde frágil. Simplesmente seria muito para meu delicado estado ter que estar me preocupando

constantemente por não receber nada em troca de meu investimento.

Andrew chiou os dentes. A julgar pela expressão de seus rostos, não lhe coube dúvida de

que nenhum tento por sua parte serviria para lhes fazer mudar de opinião... ao menos não esse

dia.

—Entendo. Embora compreenda o que lhes preocupa, asseguro-lhes que seus temores são

totalmente inconcebíveis. Quando as reparações se completaram, espero que reconsiderem sua

postura.

As expressões dos ali reunidos sossegaram qualquer esperança de que as coisas fossem ter

esse final. Depois de lhe desejar um bom dia, partiram em grupo e Andrew passou a mão pelo

rosto. Maldição. Lorde Kingsly e a senhora Warrenfield tinham insinuado que pretendiam fazer

um investimento de mil libras. Entretanto, essa perda não era um golpe tão duro como as cinco

mil libras que o senhor Carmichael se mostrou disposto a investir. E quantos potenciais

investidores mais seguiriam seu exemplo e terminariam retirando-se da empresa? Andrew

suspeitou que Avenbury, Ferrymouth e Kelby seguiriam seu exemplo como cordeiros. Tinha

esperado ter boas notícias quando escrevesse ao Philip essa mesma noite, mas desgraçadamente

estava sendo uma tarefa difícil encontrar uma notícia boa para dar.

Deu um comprido suspiro, estava frustrado. O vandalismo, os rumores, a deserção de

investidores... qualquer desses problemas podia chamar o desastre. A combinação de todos eles

dizia muito pouco a favor do futuro do museu, e por sua vez não augurava nada bom para o

estado financeiro pessoal de Andrew, a maior parte de cujos recursos tinham sido investidos no

projeto. Agora, mais que nunca, necessitava a recompensa que lhe tinham devotado lorde

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Markingworth, lorde Whitly e lorde Carweather por descobrir a identidade de Charles

Brightmore. Já só ficava rezar para que a recompensa não ficasse fora de seu alcance.

Depois de assegurar-se de que os trabalhos de limpeza estivessem sob controle, decidiu

que era chegado o momento de dedicar parte de seus esforços ao assunto Brightmore. Disse ao

Simon que voltaria em umas horas e partiu do museu.

De um modo ou outro, daria com as respostas que estava procurando.

Capítulo 17

As questões relacionadas com o amor e com os assuntos do coração são muito

semelhantes às campanhas militares. A estratégia é chave, e cada movimento deve ser

cuidadosamente planejado para evitar cair em possíveis emboscadas. Entretanto, se, no intento

por conseguir seus objetivos íntimos, a mulher moderna atual se encontra em uma situação que

destila fracasso, não deveria vacilar em fazer o que muitos grandes estrategistas têm feito no

passado: retirar-se com a maior brevidade.

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Catherine avançou com passo firme pelo atalho varrido que levava a modesta casa cravada

na sombra de um bosque de altos olmos, cheia de uma entristecedora combinação de raiva,

confusão e desespero que não conseguia compreender. Da parte traseira da residência de pedra

chegaram até ela apagados sons, entre eles o choroso balido de uma ovelha e o grasnido de vários

patos.

Quando levantou a mão para bater na porta, uma voz grave a deteve.

—Olá, lady Catherine.

Catherine se voltou. O doutor Oliver caminhava para ela com o rosto iluminado por um

sorriso surpreendido. Sob o braço embalava um pequeno porco que não deixava de soprar.

—Um novo paciente, doutor Oliver? —perguntou, com a esperança de que seu sorriso não

parecesse forçado.

O doutor riu.

—Não, é o pagamento de meu último paciente. Só estava tentando lhe tranqüilizar. Eu não

gosto de muito de bacon.

—Estou certa de que ficou muito tranqüilo.

O médico sustentou o leitão no alto e, muito sério, perguntou-lhe:

—Está muito tranqüilo?

Uma série de bufos deram resposta a sua pergunta e o médico assentiu.

—Alegra-me ouvi-lo. —Com absoluta indiferença, voltou a acomodar ao leitão em seu

braço dobrado e a seguir saudou Catherine com uma formal reverência — O que a traz para

minha humilde morada? Espero que não haja ninguém doente.

—Não, estamos todos muito bem, obrigado. Vim a lhe pedir algo.

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—E será para mim uma honra e um prazer atendê-la. Se esperar aqui um instante enquanto

deixo meu pequeno amigo no curral da parte traseira da casa poderemos entrar.

De pé à sombra que oferecia um dos olmos, Catherine lhe viu desaparecer detrás da casa.

Voltou a aparecer menos de um minuto mais tarde e lhe observou enquanto se aproximava. Era

indubitável que o doutor Oliver era um homem arrumado. Muito arrumado. De um ponto de

vista estritamente estético, certamente muito mais arrumado que o senhor Stanton, quem, com

seus traços marcados e seu nariz torcido, respondia mais à descrição de «atraente».

Pela primeira vez se fixou na largura dos ombros do médico. Na estreiteza de sua cintura.

A longitude de suas musculosas pernas, perfiladas por suas calças rodeadas. Na suavidade de

seus andar. Com seu cabelo castanho dourado pelo sol e esses olhos cor mel, era o tipo de homem

que sem dúvida podia acelerar o coração de qualquer mulher. O fato de que não fora esse seu caso

não fez mais que aumentar seu desespero e fortalecer sua decisão. Não demoraria a acelerar-se.

Quando entraram no pequeno embora elegantemente decorado salão, o médico perguntou:

—Gosta de uma taça de chá, lady Catherine?

—Não, obrigado.

O doutor Oliver assinalou um par de poltronas de brocado que flanqueavam a lareira.

—Se quer sentar-se...

—Prefiro ficar de pé.

O doutor arqueou as sobrancelhas, que emolduraram um olhar interrogante, embora se

limitou a assentir.

—Muito bem. No que posso ajudá-la?

Agora que tinha chegado o momento, Catherine sentiu que lhe abandonava o valor. Deus

santo, como podia estar tão louca para haver-se embarcado em semelhante missão. Mas então se

lembrou do Guia e de todos seus liberadores preceitos e ergueu as costas. «A mulher moderna

atual vive o dia. “E é direta e clara no que quer.» E sabia muito bem o que queria. Tinha algo que

provar-se e, maldição, estava decidida, desesperada-se, por fazê-lo.

Elevou o queixo.

—Me beije.

—Como diz?

—Quero que me beije.

O médico a olhou atentamente durante o que pareceu uma eternidade, como se tentasse ler

em sua mente. Quando por fim se moveu, em vez de estreitá-la entre seus braços, tomou

ligeiramente dos ombros e a sustentou separada dele.

—Por que deseja que a beije?

Catherine quase não conseguiu reprimir sua impaciência e repicar contra o chão de

madeira com o sapato. Céus, não havia nada no Guia que sugerisse que um homem pudesse fazer

semelhante pergunta.

—Porque... «Porque quero saber, preciso saber, tenho que saber, se outro homem pode me

fazer sentir o que ele...» sinto curiosidade. —Dito estava. E sem dúvida era certo.

—Curiosidade por ver se pode sentir algo mais por mim que uma simples amizade?

—Sim.

—Bem, poderia facilmente satisfazer sua curiosidade sem necessidade de beijá-la, mas só

um idiota recusaria oferta tão tentadora. E devo admitir que eu também sinto curiosidade... —

Atraiu-a para ele, estreitando-a entre seus braços, e colocou logo seus lábios nos dela. Catherine

apoiou suas mãos no peito do doutor e ficou nas pontas dos pés, mostrando-se como uma

voluntariosa colaboradora. Obviamente, o bom doutor estava bem versado na arte do beijo.

Mesmo assim, não lhe acelerou o coração. Nem sequer um pouco. Tinha uns lábios quentes e

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firmes, mas não geravam as ardentes sensações que Andrew lhe inspirava com um simples olhar.

«Oh, Deus.»

O doutor levantou a cabeça e a soltou lentamente. Depois de estudá-la durante vários

segundos, deu um passo atrás e a observou, surpreso.

—Bastante insípido, não lhe parece?

Catherine sentiu que lhe ardiam as bochechas.

—Temo-me que sim.

—E bem, ficou satisfeita sua curiosidade?

Sentimentos de culpa choveram sobre Catherine, enchendo a de vergonha por lhe haver

utilizado de um modo tão pouco gentil. Deus santo, em que classe de pessoa se converteu? Não

estava segura... mas não estava gostando.

Sentiu remorso. O fato de que ele tivesse encontrado no beijo tão falta de paixão como ela

era um claro indicador de que não sentia por ela o menor desejo. E ela se jogou em seus braços.

Como uma vulgar rameira. Teria rido de sua própria vaidade de ter sido capaz de fazê-lo. Pelo

contrário, rezou para que milagrosamente se abrisse um buraco na terra que a tragasse. «Retirada -

gritou sua mente— Retirada!»

—Não sabe quanto o sinto - disse— Eu...

—Não tem por que se desculpar. Entendo perfeitamente. Devo confessar que em uma

ocasião beijei a uma mulher a fim de comparar minha reação com outra. O certo é que acredito

que é uma prática mais do que comum, um pouco como provar uma amostra de geléia de

morango e de amora para determinar qual das duas preferimos.

Seu bom humor e sua compreensão só obtiveram que Catherine se sentisse pior. De novo

sua mente lhe ordenou que se retirasse, mas antes que pudesse mover-se, o doutor disse:

—Não se aflija lady Catherine. No momento em que cheguei em Little Longstone, e isso já

faz seis meses, você me ofereceu uma amizade que eu tenho em grande estima. Convidou a sua

casa, a compartilhar com você comida e risadas e, salvo por este pequeno engano, jamais me deu a

menor esperança de que pudéssemos ser nada mais que amigos, engano que valoro na medida em

que também tem satisfeito minha própria curiosidade. Estamos destinados a ser só amigos. —

passou-se a ponta do polegar pelos lábios e lhe piscou os olhos — Melhores amigos que muitos,

mas, mesmo assim, só amigos.

Eternamente agradecida ao lhe ver comportar-se com tamanha elegância, e ao ver que não

a tinha humilhado ainda mais, Catherine forçou um sorriso e disse:

—Obrigado. Alegro-me de que sejamos amigos.

— Eu também. —deu-se um tapinha na mandíbula — Só espero que ele não me tente

romper.

—A quem se refere? Romper-lhe o que?

—Andrew Stanton. E minha mandíbula. Não ficaria nada feliz em descobrir que a beijei -

confessou com um sorriso de orelha a orelha — Embora confie em que conseguiria lhe convencer

para que não me golpeasse até me converter em pó. E se não, bom... pode ser que ele seja um

homem forte, mas também eu conheço alguns truques.

Se a temperatura que acendia nas bochechas de Catherine aumentava um pouco mais,

muito em breve começaria a soltar vapor pelos poros. Retrocedeu lentamente para a porta aberta

ao tempo que todo seu ser a ameaçava à retirada.

—Devo ir. Obrigado por sua amabilidade e por sua compreensão.

—Foi um prazer. —O doutor a acompanhou à porta principal e Catherine se afastou

apressadamente pelo atalho que levava a vila Bickley. Assim que teve a certeza de estar fora do

campo de visão do doutor Oliver, levou as mãos às bochechas acesas, rezando para não sofrer

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nenhuma enfermidade no futuro próximo porque teria que passar muito tempo antes que se

atrevesse a olhar ao médico de novo.

Antes de dirigir-se a cavalo a vila Bickley, Andrew se deteve brevemente no povoado de

Little Longstone para fazer algumas compras. Justamente quando estava a ponto de entrar na

ferraria, percorreu-lhe uma estranha sensação. Voltou-se, esquadrinhando a zona com atenção.

Filas de lojas, várias dúzias de pedestres, um carro de dois cavalos com um homem e uma jovem

sentados no assento, duas damas conversando debaixo de um toldo de raias azuis e brancas.

Ninguém parecia lhe prestar nenhuma atenção especial e mesmo assim tinha a intensa sensação

de que alguém lhe observava. E era a segunda vez no dia que experimentava a mesma sensação.

Aproximadamente uma hora antes, enquanto se dirigia ali de Londres, havia sentido o

mesmo formigamento de advertência. Tinha detido a Afrodita, mas não tinha visto nem ouvido

ninguém. Entretanto, a inquietante sensação persistia agora, inclusive mais forte que antes.

Embora quem podia estar lhe observando? E por que? Seriam acaso imaginações? Não podia

negar que estava cansado e que tinha na cabeça muitas coisas. Sem dúvida era tudo obra de suas

preocupações, de repente enlouquecidas. Mesmo assim, assegurou-se de permanecer alerta.

Depois de terminar seus assuntos com o ferreiro, dirigiu-se ao seu cavalo para a vila

Bickley, onde esteve alguns minutos conversando com Fritzborne nos estábulos antes de cruzar

apressadamente os canteiros de grama que levavam a casa, ansioso por ver o Catherine e ao

Spencer. Sentia um imenso vazio desde sua partida de Little Longstone no dia anterior. Voltar

para vila Bickley era como voltar para casa, uma cálida sensação que não experimentava há

décadas.

O sol de última hora da tarde dourava a casa, iluminando-a como se um halo rodeasse o

edifício, e acelerou o passo. Tinha estado fora apenas trinta e seis horas e tinha a sensação de que

tinham transcorrido anos. Sem dúvida, pois de fato tinham acontecido trinta e sete horas. E vinte e

dois minutos. E não é que levasse a conta.

Milton abriu a porta com um inóspito cenho que se relaxou imediatamente ao ver Andrew

de pé na soleira.

—Ah, é você, senhor.

Andrew arqueou as sobrancelhas e sorriu.

—Obviamente, esperava você a alguém mais.

—De fato, esperava que não houvesse mais visita esta tarde. —esclareceu-se gargantac—

Salvando o presente, é obvio. Embora você não é uma visita. É um convidado. Entre, senhor

Stanton. Ver-te é um alivio.

—Obrigado. —Andrew entrou no vestíbulo. Irritou-se quando notou o tremendo novo

arranjo floral — Pelo que parece o duque de Kelby tornou a esvaziar sua estufa.

O fantasma de um sorriso apareceu nos finos lábios de Milton.

—Sim. Que afortunados somos. Lorde Avenbury e lorde Ferrymouth enviaram agrados

menores, benditos sejam.

—Lady Catherine e Spencer estão em casa?

—Estão dando um passeio pelos jardins. —Deu um profundo suspiro — Odeio

enormemente lhes incomodar.

—Não o faça por mim.

—Não me refiro a você, senhor. —Milton inclinou a cabeça para o corredor e franziu o

lábio superior — A não ser a eles.

—Eles?

—Ao duque, ao lorde Avenbury e lorde Ferrymouth. As notas que enviaram esta manhã

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com suas flores indicavam que desejavam nos visitar, embora nenhum deles tenha escrito que

pensasse fazê-lo hoje.

—E estão todos no salão?

—Sim. Mantive-os, deixei-os de pé um momento no alpendre, mas os três eram um grupo

muito numeroso. E muito ruidoso. Sugeri-lhes com firmeza que retornem em outro momento, mas

se negaram a partir. Faz uns instantes ameaçaram irromper nos jardins em busca de lady

Catherine. Para evitá-lo, tenho-lhes feito entrar em meu pesar no salão e após estive estudando

uma forma de me libertar deles que não seja a de tirar os daqui a frigideiras.

—Entendo. —Andrew deu alguns tapinhas no queixo — Acredito que poderei lhe ser de

ajuda, Milton.

—Estaria imensamente agradecido, senhor.

—Considere-o feito.

Ainda rindo depois da humorística imitação que seu filho acabava de fazer de um sapo,

Catherine e Spencer entraram na casa pelas sacadas traseiras e dali se dirigiram ao vestíbulo. O

momento em companhia de seu filho tinha ajudado Catherine a pôr em ordem suas caóticas idéias

e dar forma a uma nova resolução. Sua relação com o Andrew era uma deliciosa e agradável

diversão da que pensava desfrutar durante o resto do curto período de tempo que ele passaria em

Little Longstone. Quando ele retornasse a Londres, ela seguiria com sua vida, cuidando do

Spencer, desfrutando de sua independência, livre das decepções que a tinham afogado no curso

de seu casamento. Como correspondia a toda mulher moderna atual, recordaria sua aventura com

íntimas lembranças e desejando ao Andrew uma vida próspera e longa. Pois, além desse breve

interlúdio, simplesmente não havia em sua vida lugar para ele.

Enquanto Spencer e ela se aproximavam do vestíbulo, chegou-lhes o som de várias vozes

masculinas.

—Quem será? —murmurou Catherine.

Entraram no vestíbulo pelo arco situado diante da porta principal e Catherine se deteve em

seco como se topasse com uma parede de cristal. Olhou fixamente o espetáculo que tinha ante

seus olhos.

O duque de Kelby, lorde Avenbury e lorde Ferrymouth estavam de pé no vestíbulo, cada

um deles estreitando a mão de Andrew enquanto Milton estava de pé junto à porta com uma

expressão indecifrável no rosto. Como se o fato de ver esse inesperado sortido de homens em seu

vestíbulo não fora já de por si surpreendente, foi a condição em que se encontravam os homens o

que a deixou perplexa. O olho direito do duque estava tão inchado que quase não podia abri-lo,

além de rodeado de um feio hematoma. Lorde Avenbury sustentava um lenço com inconfundíveis

mancha de sangue pego ao nariz e lorde Ferrymouth mostrava um lábio inferior com três vezes

seu tamanho normal.

Catherine se voltou a olhar ao Spencer, que observava a cena com uma expressão de

assombro que não era a não ser o vivo reflexo da sua. Nesse preciso instante, lorde Avenbury se

voltou e a viu. Em vez de lhe dedicar um sorriso de bem-vinda, parecia... assustado? Deu-lhe uma

cotovelada a lorde Ferrymouth e a seguir assinalou Catherine com a cabeça. Os olhos de lorde

Ferrymouth se abriram e este, a sua vez, sacudiu-lhe uma cotovelada ao duque. Os três a olharam

fixamente durante vários segundos. Em seus rostos se desenharam vários graus do que parecia

um claro sinal de alarme. Logo resmungaram um montão de palavras ininteligíveis enquanto se

dirigiam apressadamente para a porta, que Milton abriu com florido gesto. Assim que os

cavalheiros saíram a toda pressa da casa, Milton fechou dando uma portada e logo esfregou as

mãos como expulsando a sujeira. Andrew e ele trocaram sorrisos de satisfação.

Catherine esclareceu a garganta para encontrar a voz.

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—Que diabo ocorreu ao duque, a lorde Avenbury e a lorde Ferrymouth?

Ambos os homens se voltaram para ela. Milton recompôs imediatamente a expressão de

seu rosto, recuperando sua habitual máscara inescrutável. Seu olhar se cruzou com o de Andrew e

o calor a banhou por completo. Um prazer inconfundível, junto com uma saudável dose de ardor,

faiscou nos olhos do Andrew, enchendo a mente de Catherine com uma chuva de imagens

sensuais e lhe provocando um calafrio na espinha.

Andrew a saudou com uma reverência.

—É um prazer voltar a vê-la, lady Catherine. —Lançou uma piscada ao Spencer — A ti

também, Spencer.

Fazendo caso omisso do revôo que a presença do Andrew tinha provocado em seu

estômago, Catherine cruzou o vestíbulo com o Spencer a seu lado. Antes que pudesse voltar a

falar, Spencer olhou ao Andrew e perguntou com um sussurro de absoluta perplexidade:

—Pergunto-me se... as bofetadas recebidas por esses tipos são obras suas?

Andrew se agarrou das lapelas da jaqueta ao tempo que a expressão de seu rosto se

tornava muito séria

—No curso de minhas obrigações, temo-me que assim é.

Catherine cravou nele o olhar.

—Não irá dizer-me que utilizou os punhos contra esses cavalheiros.

—Muito bem, não o direi.

—Deus santo. Golpeou-lhes?

—Bom, é impossível não empregar os punhos na prática do pugilismo. Quando os

cavalheiros se inteiraram de minha —tossiu modestamente na mão — reputação estelar no

Emporium do Gentleman Jackson, insistiram em que lhes desse uma lição. Como eram

convidados deles, pareceu-me descortês me negar a sua petição.

—Entendo. E como chegou aos seus ouvidos sua reputação estelar?

—Eu mesmo a fiz chegar.

Um som que só poderia ter sido descrito como uma risada saiu da garganta do Spencer.

Catherine tragou seu próprio e inapropriado desejo de tornar-se a rir.

—E como, exatamente, teve lugar tudo isto?

—Quando cheguei de Londres —disse Andrew — tenho descoberto aos três cavalheiros no

salão. A verdade é que era todo um espetáculo, sentados sobre o sofá como uma manada de

gordas pombas em um ramo, lançando-se olhadas assassinas entre si, dando-se cotoveladas,

competindo por um pouco mais de lugar. Como você não estava em casa, ofereci-me a lhes

receber em seu nome. Desgraçadamente, durante o curso de nossa lição de pugilismo, receberam

suas feridas, que, por outra parte, carecem de importância. —Negou com a cabeça — Temo que

nenhum deles é muito forte, embora o gancho de lorde Avenbury apontava boas maneiras. Depois

da lição, informei aos cavalheiros de que estive dando algumas lições ao Spencer... e de que tenho

intenção de dar-lhe também a você, lady Catherine.

Catherine notou que ficava literalmente boquiaberta.

—A mim?

—Mostraram-se tão surpreendidos como você, eu asseguro, mas lhes hei dito que em

realidade essas lições eram necessárias devido ao elevado índice de criminalidade. Ao fim e ao

cabo, a mulher moderna atual deve ser capaz de defender-se, não lhe parece?

Catherine não estava segura de se estava mais horrorizada que divertida ou o inverso.

—Suponho, embora não imagino que a arma mais efetiva de uma mulher sejam seus

punhos.

—Precisamente por isso o elemento surpresa funcionaria tão bem.

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—E suponho que os cavalheiros terão ficado horrorizados.

—Minha querida lady Catherine, por sua forma de seguir meu relato quase diria que

estava você na habitação. Sim, ficaram perplexos. Espero que não esteja você desejosa de sua

companhia, porque não acredito que nenhum deles volte a fazer ato de presença em sua casa.

—Ah, sim? E por que ia ocorrer algo semelhante?

—Porque todos lhe têm medo.

A risada borbulhou em sua garganta, e Catherine teve que apertar os lábios com força para

reprimi-la.

—Bom, pessoalmente me alegro de que não voltem - disse Spencer — Pesados, isso é o que

eram tentando todos impressionar a mamãe. —Sorriu ao Andrew — E me alegro de que haja

retornado, senhor Stanton.

— Eu também, Spencer.

—Retornou antes do que esperávamos - disse Catherine, negando-se há admitir o muito

que isso a agradava — Espero que isso signifique que tudo foi bem em Londres.

—Significa que, no momento, fiz tudo o que pude.

—São muito abundantes os danos que sofreu o museu?

—São sim, mas já estão reparando.

—E os investidores?

Andrew esticou a mandíbula, e Catherine sentiu um beliscão de compaixão ao ver as linhas

de esgotamento que lhe rodeavam os olhos.

—Não estão encantados, como poderá imaginar, mas espero não demorar a recuperar sua

confiança. Tenho escrito ao Philip, contando-lhe tudo. Tentei lhe apresentar o ocorrido da melhor

forma possível, embora obviamente ficará muito preocupado, o qual por sua vez não fará mais do

que preocupar Meredith. E só há uma forma de evitar isso. —Um pesaroso olhar apareceu em

seus olhos e Catherine de repente soube o que viria a seguir — Por muito que odeie cortar minha

visita, lamento anunciar que devo retornar a Londres amanhã mesmo.

—Amanhã? —repetiu Spencer com a voz cheia do mesmo desalento que alagava Catherine.

—Sim. Mas irei à tarde, de modo que teremos tempo de sobra para nossas lições matinais.

—Quando voltará? —perguntou Spencer.

O olhar de Andrew se posou em Catherine e a seguir sorriu ao Spencer, um sorriso,

conforme pôde apreciar Catherine, que pareceu em certo modo forçada.

—Sua mãe e eu falaremos disso para ver se podemos nos pôr de acordo em uma data.

—Mas se for você sempre bem-vindo! —disse Spencer — Não é assim, mamãe?

Catherine ficou sem fôlego ante a pergunta e seu olhar voou para o Andrew, que por sua

vez a olhava com uma expressão insondável. Negava-se desesperadamente a dar ao Spencer falsas

esperanças de que o senhor Stanton retornaria, mas não se via capaz de obrigar-se a dizer que

Andrew não era bem-vindo.

Um pesado silêncio se instalou durante vários segundos até que por fim disse alegremente:

—Não se preocupe. O senhor Stanton e eu discutiremos a questão.

—Quando? —insistiu Spencer.

—Esta noite - disse Catherine. «depois de que Andrew e eu tenhamos feito amor nas águas.

“Depois de que tenhamos feito o amor pela última vez...»

—Está com ânimos de tomar hoje uma lição, Spencer? —perguntou Andrew.

Catherine deixou a um lado seus inquietantes pensamentos e viu iluminar os olhos de seu

filho.

—Sim.

—Excelente. Mas primeiro tenho uma surpresa para ti. —voltou-se a olhar para Catherine

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— E também para você, lady Catherine.

Catherine sentiu o coração acelerar. Até então não lhe faziam graça as surpresas. Naquele

momento, entretanto, pareciam lhe gostar de muito. Muito. E antes de poder conter-se, perguntou:

—Do que se trata?

Andrew negou com a cabeça com tristeza e logo sacudiu com gesto exagerado a jaqueta.

—Vá, onde terei deixado esse dicionário? —Olhou ao Spencer, quem tentava, sem êxito,

não sorrir — Pode acreditar que sua mãe ainda desconhece o significado da palavra «surpresa»?

—É mais do que chocante - disse Spencer.

—Certo. Portanto, sugiro que vamos aos estábulos o quanto antes para lhe ensinar a sua

mãe o significado da palavra «surpresa».

Entretanto, antes que desse um só passo, alguém bateu na porta.

—Espero que não sejam mais pretendentes - resmungou. Abriu a porta, deixando à vista a

um jovem criado.

—Trago uma nota para lady Catherine —anunciou o lacaio com gesto importante — De

parte de lorde Greybourne.

Catherine se adiantou e o jovem lhe fez entrega da missiva com um florido gesto. Com o

coração lhe pulsando no peito, Catherine rompeu rapidamente o selo e leu atentamente o breve

conteúdo da nota. Levantou os olhos para olhar os rostos ansiosos que a rodeavam e sorriu.

—Chegou ao mundo o herdeiro Greybourne, um menino são, que chamaram de William.

Tanto a mãe como o filho estão esplendidamente, embora Philip assegura que não voltará a ser o

mesmo. Jura que todo o processo foi para ele uma prova tão dura como o foi para Meredith. —

Catherine olhou ao teto — Que homem mais idiota.

Depois de que fossem expressas as felicitações, Catherine se desculpou brevemente para

escrever uma rápida nota ao Philip e enviar de retorno com o lacaio. Logo o grupo se dirigiu aos

estábulos. Quando chegaram, Fritzborne lhes saudou.

—Tudo está perfeitamente, senhor Stanton.

—Excelente.

Andrew guiou o grupo ao interior do edifício, detendo-se diante do terceiro estábulo, que,

como Catherine já sabia, em estranhas ocasiões se utilizava.

—Antes de retornar hoje, passei pelo povoado a fazer umas compras. Enquanto estava ali,

vi algo ao que não pude resistir.

—Acreditava que eram as mulheres as que supostamente são compradoras compulsivas.

Mesmo assim, parece você possuir de muito pouco autocontrole assim que as vê com qualquer

classe de loja - se burlou Catherine.

O olhar de Andrew, ávido e cálido, posou-se no dela.

—Ao contrário. Possuo um excesso controle. —Guardou silêncio durante uns segundos... o

tempo suficiente para acender o fogo nas bochechas dela, lhe deixando claro que não somente se

referia às compras. Logo prosseguiu — Embora admita que eu gosto de comprar coisas às pessoas

a que... quero. Entretanto, neste caso, comprei-me algo para mim em um ato de total egoísmo. O

que lhes parece? —perguntou, abrindo a porta do estábulo.

No canto, e encolhido sobre um leito de feno fresco, dormia um cachorrinho de pelo negro.

—É um cão - disse Spencer com a voz cheia de silencioso assombro.

—Certo - concedeu Andrew, entrando no estábulo. Com suavidade agarrou ao pequeno

cachorrinho nos braços e foi recompensado com um satisfeito suspiro canino.

—Levo querendo ter um desde que seu tio Philip adquiriu ao Prince, um cão precioso, sem

dúvida. Você gostaria de pegá-lo?

Spencer, com os olhos arregalados, assentiu.

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—Oh, sim, por favor.

Com supremo cuidado, Andrew lhe entregou o cão adormecido. Segundos mais tarde, o

cachorrinho levantou a cabeça e soltou um tremendo bocejo, deixando à vista sua língua rosada.

Assim que viu Spencer, imediatamente se transformou em uma alvoroçada massa de júbilo canino

e movimentos de cauda, lambendo cada centímetro do queixo do Spencer que pôde alcançar, para

absoluto deleite do menino, quem não podia parar de rir.

Andrew se aproximou um pouco de Catherine e disse:

—Parece que meu cão gosta de seu filho.

—Humm. E é evidente que meu filho gosta de seu cão. Embora tenha a ligeira suspeita de

que você sabia...

—Que se apaixonariam assim que se vissem? —Sentiu que Andrew se voltava a olhá-la, e

teve que fazer força para manter o olhar fixo em Spencer — Sim, admito que suspeitei.

—É fantástico, senhor Stanton - disse Spencer, aceitando as lambidas do cachorrinho nas

bochechas — Onde o comprou?

—No povoado, no ferreiro. Detive-me a fazer umas compras e me mostrou toda a ninhada

que sua cadela pariu faz apenas dois meses. Seis adoráveis fantasias de diabo. Foi-me muito difícil

decidir. Este pequenino me escolheu e o sentimento foi mútuo.

—Não me cabe dúvida - murmurou Spencer, afundando a cara no pelo encaracolado do

cão.

Incapaz de resistir por mais tempo, Catherine estendeu a mão e arranhou ao cão detrás das

orelhas. Um olhar de absoluta devoção apareceu nos olhos negros do cachorrinho.

—Oh, é um encanto, não é mesmo? —disse, tornando-se a rir.

—Como se chama? —perguntou Spencer.

—O ferreiro lhe chamava Sombra, e parece ser o nome certo, pois o pequeno não parava de

me seguir por toda parte. O que te parece?

Spencer estendeu os braços e sustentou o cachorrinho no ar, inclinando primeiro a cabeça

para a direita e logo à esquerda. Com a língua rosada aparecendo entre os dentes e as diminutas

orelhas erguidas, o cachorrinho imitou suas ações, inclinando sua pequena cabeça. Todos riram e

Catherine disse:

—Pelo visto, Sombra é sem dúvida o nome perfeito.

—Pois seja. E agora, vamos atrás dos estábulos. Spencer se importaria de levar o Sombra

para mim?

Catherine não pôde conter a risada.

—Isso é como perguntar a um camundongo se lhe importaria comer um pouco mais de

queijo.

Saíram juntos dos estábulos e Andrew lhes conduziu até uma grande manta estendida na

grama à sombra de um olmo. Catherine olhou com curiosidade a lona que estava a um lado da

manta.

—O que há aí debaixo?

Andrew sorriu.

—Vamos fazer um pouco de magia. Embora temo que é trabalho de dois homens.

Necessito a ajuda de alguém forte. —Olhou ao seu redor com exagerado teatro.

—Eu lhe ajudarei - disse Spencer entusiasmado.

—Um voluntário. Excelente. Lady Catherine, seria tão amável de vigiar o Sombra para que

Spencer e eu possamos proceder?

Catherine aceitou, tomando ao cachorrinho dos braços de Spencer.

—Você limite-se a ficar cômoda na manta —disse Andrew— enquanto eu dou instruções

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ao meu ajudante sobre seus deveres.

Catherine tomou assento na manta e riu das piruetas de Sombra, que tentava apanhar sua

própria cauda, de soslaio, viu falar em voz baixa ao Andrew e ao Spencer e reparou na

vermelhidão de satisfação que tingiu as bochechas de seu filho. Retornaram vários minutos

depois, e, com um florido gesto, Andrew retirou a lona deixando ver o que ocultava.

Catherine estirou o pescoço e ficou olhando os cinco cubos de diversos tamanhos que

Andrew tinha deixado ao descoberto.

—O que há aí?

—Gelo, sal, nata, açúcar e morangos - disse, assinalando cada cubo por ordem. Logo

indicou com uma inclinação de queixo uma bolsa de tecido— Tigelas e colheres.

—Vamos fazer sorvete de morango, mamãe! —disse Spencer.

—Sério? —Tomou a Sombra nos braços e se aproximou para ver melhor— E como vamos

fazer?

—Você olha - disse Andrew — Não provou nada mais delicioso em sua vida, eu asseguro.

—Tomei sorvete de morango em Londres o ano passado - disse Catherine — Era delicioso.

—Pois este será extraordinariamente delicioso - prometeu com um sorriso.

Quase uma hora mais tarde, depois de que Andrew agitasse até o esgotamento um cubo

cheio de partes de gelo e de sal enquanto Spencer removia vigorosamente um cubo cheio de nata,

açúcar e morangos, Andrew por fim anunciou:

—Preparado.

Spencer, com a cara vermelha pelo esforço, soltou um forte ofego.

—Graças a Deus. Tenho os braços a ponto de salta dos ombros.

—Como os meus - concedeu Andrew — Mas, acredite, assim que prove isto, a dor

desaparecerá.

—Sinto-me terrivelmente culpada - disse Catherine — Enquanto vocês trabalham, eu

simplesmente fiquei aqui sentada desfrutando deste tempo maravilhoso.

—Estava vigiando o Sombra —recordou Andrew, servindo enormes colheradas de

substância rosada nas tigelas de porcelana.

—Não é um trabalho difícil, sobre tudo tendo em conta que o fantasia de diabo esteve

dormindo durante há ultima meia hora. —Baixou os olhos para olhar à massa de pelo negro

ajeitado em seus joelhos e tentou, sem o menor êxito, ocultar o afeto que a embargava — Acredito

que aborreci tanto o Sombra que dormiu.

—Bom, quem aborrece ao cão até fazer dormir serve à causa tanto como os que agitam e

removem —disse Andrew, lhe dando uma tigela e uma colher— Prove-o.

Catherine afundou a colher no cremoso preparado e a levou aos lábios. Arregalou os olhos

de puro prazer ao sentir o suave e doce calafrio com sabor de morango deslizar-se por sua

garganta.

—Oh, Deus.

Andrew riu. Depois de servir ao Spencer uma generosa porção, e fazer o próprio consigo

mesmo, sentaram-se os três na manta e desfrutaram do sorvete.

—Tem razão, senhor Stanton - disse Spencer— É o manjar mais delicioso que provei em

minha vida.

—Tenho certeza que te cura todos os males.

—Todos - concedeu Spencer.

—Onde aprendeu a fazer isto? —perguntou Catherine, saboreando outra deliciosa

colherada.

—Na América do Norte. A família proprietária dos estábulos onde eu trabalhava estava

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acostumado a servi-lo a seus convidados. —Uma certa emoção que Catherine não conseguiu ler

cintilou nos olhos do Andrew — Sempre que o faziam, sua filha me guardava um pouco. Um dia

perguntei à cozinheira como se preparava.

O ciúme percorreu Catherine ao pensar em Andrew sentado em uma manta com a filha de

seu chefe, desfrutando de um sorvete que lhe tinha levado.

—A jovem que lhe levava o sorvete... Como se chamava? —perguntou Spencer, dando voz

à pergunta que Catherine não tinha tido a coragem de formular.

—Emily - disse Andrew com voz fraca e baixando os olhos à tigela.

—Era agradável?

—Muito. —Andrew levantou o olhar e dedicou ao Spencer um pequeno sorriso que para

Catherine resultou mais triste que feliz — De fato, recorda-me muito a ela, Spencer.

—Recordo a uma garota?

Andrew riu ao ver sua expressão horrorizada.

—Não pelo fato de que fora uma garota, mas sim por que... esforçava-se para encontrar seu

lugar. Não se sentia muito cômoda com gente. De fato, exceto por mim, tinha muito poucos

amigos.

O cenho de Spencer se franziu enquanto ponderava as palavras do Andrew. Logo

perguntou:

—Segue sendo amigo dela? Ainda se escrevem?

A dor que velou os olhos do Andrew não deixou lugar a dúvidas.

—Não. Morreu.

—Oh. Sinto muito.

— Eu também.

—Quando morreu?

Andrew tragou saliva e disse:

—Fará uns onze anos. Justamente antes que eu saí da América do Norte. Tenho certeza que

ela estaria encantada de me ver preparar este banquete. E desejava especialmente preparar o de

morango porque sei que é o favorito de ambos. Um pouco mais de sorvete?

—Eu sim, muito obrigado —disse Spencer, lhe estendendo a tigela.

A destra mudança de tema não passou despercebida e Catherine, se perguntou se haveria

atrás dele algo mais que simplesmente a falta de vontade de falar de um tema triste. A dor que

tinha embargado em Andrew ao falar da tal Emily era evidente, e isso a tinha enchido de

compaixão por ele. A conversa também tinha aguçado sua curiosidade.

Entre muitos murmúrios apreciativos, cada um desfrutou de outra tigela de sorvete

enquanto riam de Sombra, que acabava de despertar e mostrava um grande interesse no que

ocorria a seu redor.

—Só fica gelado por mais algum tempo - disse Andrew — Dado que sei por experiência

que este é um manjar preferido pelos moços de estábulos, sendo assim Fritzborne adorará.

—Eu o levarei - se ofereceu Spencer.

Enquanto Catherine via seu filho afastar-se para os estábulos ao tempo que o andar de

Spencer formava o familiar nó de amor em sua garganta, também se sentiu aguda e

dolorosamente consciente de que Andrew e ela estavam a sós.

Voltou seu olhar e ficou paralisada ao ver o olhar sério e irresistível que aparecia em seus

olhos escuros.

—Senti sua falta —disse ele com suavidade.

Três singelas palavras. Como podia abrir caminho entre sua férrea determinação com três

singelas palavras? Sentiu que lhe desfaziam as vísceras e deu graças a Deus por estar sentada, pois

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sentiu os joelhos estranhamente moles. Por mais que odiasse reconhecer, também tinha sentido

mais a sua falta do que acreditava possível sentir falta de alguém. Muito mais do que gostaria. E,

sem dúvida, muito mais do que aconselhável. E agora, com essas três singelas palavras, temia que

todos seus intentos para manter o coração livre de qualquer carga estavam condenados ao

fracasso.

Andrew esticou a mão e, devagar, acariciou com os dedos o dorso da mão de Catherine

adiante e atrás, lhe provocando deliciosos formigamentos no braço.

—Me disse antes que careço de autocontrole e quero que saiba quão equivocada está. Nem

sequer posso descrever a quantidade de controle que estou pondo em prática neste momento para

não te beijar. Para não te tocar.

—Está me tocando —disse Catherine, sem fôlego.

—Não da forma que eu gostaria de fazê-lo, asseguro-lhe isso.

O calor acumulou no seu estômago e uma corrente de sensuais imagens apareceram em

sua mente.

—Ainda desejas que nos encontremos esta noite nos mananciais, Catherine?

—Sim. «Desesperadamente.» E você?

—Acha mesmo necessário perguntar?

—Não. —Facilmente podia ler o desejo em seus olhos. E, se não mudasse de assunto, corria

o perigo de dizer ou fazer algo que poderia muito bem lamentar depois.

—Isto —Catherine estendeu a mão para indicar a zona do piquenique e a coleção de cubos

— foi uma agradável surpresa. E um grande detalhe de sua parte.

—Me alegro de que tenha gostado.

—Devo confessar que também eu tenho uma surpresa para ti.

—De verdade? Qual?

Catherine lhe lançou um olhar ofendido.

—O que está sempre dizendo de um dicionário?

Andrew riu.

—Touché. Quando será revelada minha surpresa?

—Sempre é tão impaciente?

Seus olhos se obscureceram.

—Às vezes.

Céus, Catherine lamentou não ter com ela seu leque para aliviar o calor que esse homem

lhe inspirava.

—De fato, possivelmente te seja revelada agora mesmo. —Deslizou um pacote com um laço

de cetim azul do bolso do vestido e o entregou.

Um inesperado prazer piscou nos olhos de Andrew.

—Um presente?

—Não é nada —disse Catherine, de repente sentindo-se muito tímida.

—Ao contrário. É extraordinário.

—Mas ainda nem abriu.

—Isso não tem importância. Segue me parecendo extraordinário. Como é que pôs isto no

bolso?

—Coloquei em meu quarto depois de escrever a nota ao Philip... antes de me reunir contigo

no vestíbulo.

Andrew desfez o laço, abriu o papel e a seguir tirou do pacote o quadrado de linho branco.

—Um lenço. Com minhas iniciais bordadas.

Com o olhar cravado na malha, passou com suavidade o polegar pelas letras bordadas em

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escura seda azul que obviamente tinham sido obra de uma mão inexperiente.

—A noite em que passamos no jardim, —disse Catherine, cujas palavras surgiram de sua

garganta em uma corrente—quando me mostrou os corações sangrentos, não tinha lenço quando

comecei a chorar, e não é que chorasse, perdoa que lhe recorde isso. Mas, como não tinha nenhum,

acreditei que possivelmente poderia utilizar este.

Andrew não disse nada durante vários segundos, limitando-se simplesmente a acariciar as

letras com o polegar. Logo, com voz rouca, disse:

—Você não gosta de bordar e ainda assim bordou isto para mim.

Uma risada tímida escapou de lábios de Catherine.

—Tentei. Como pode ver, o trabalho de agulha não é meu forte.

Andrew levantou os olhos e seu olhar capturou o dela. O prazer que lhe produziu o

presente de Catherine era mais do que evidente.

—É formoso, Catherine. O presente mais formoso que já recebi. Obrigado.

Sentiu que a alagava uma cálida onda que imediatamente se transformou em calor quando

o olhar de Andrew se posou em seus lábios. Conteve então o fôlego, antecipando o roce de seus

lábios contra os seus, o sabor dele, a sedosa carícia de sua língua.

Sombra escolheu esse momento para subir em sua perna e pedir carinho. Sobressaltada,

Catherine recordou onde estavam e imediatamente afastou o olhar de Andrew. Para delícia do

pequeno, passou os dedos sobre a suave barriga do cachorrinho enquanto Andrew metia seu

lenço novo no bolso.

—É consciente de que agora Spencer quererá um cão.

—Tão terrível seria isso?

Catherine pensou bem antes de dar uma resposta e logo disse:

—Embora tanto ao Spencer e nós adorasse os cães, sempre me deu medo ter um.

—Porque acreditava que possivelmente o cão se equilibraria sobre ele? Que o atiraria ao

chão?

—Sim. —Catherine elevou o queixo — Só tentava manter Spencer a salvo.

—Não pretendia te criticar. De fato, quando era pequeno, acredito que foi uma decisão

sábia e prudente. Mas Spencer já não é um menino.

—E um homem deveria ter um cão?

—Sim, acredito que deveria.

—Não tornou a tocar no assunto há uns anos... embora suspeite que isso está a ponto de

mudar.

Andrew tomou a mão e ela reprimiu um suspiro de prazer ao sentir esses dedos calosos

fechando-se ao redor dos seus.

—Vi os pais da ninhada, e nenhum dos dois cães era grande. Fritzborne mencionou que

adoraria ter um cão nos estábulos se não quisesse o animal dentro da casa. Diz que um cão

manteria a todos esses gatos longe.

Catherine meditou durante uns instantes e logo disse:

—Não negarei que Spencer já não é um menino. E que é cuidadoso. E forte. Um jovem

como ele merece um cachorrinho se o desejar. —Negou com a cabeça — Tudo parece estar

mudando, e muito depressa. Juro que parece que foi ontem quando não era mais do que um bebê

em meus braços.

—Só porque algo parece estar mudando depressa, não significa que seja mau, Catherine.

Segundo minha experiência, normalmente significa que essas coisas são... inevitáveis. —antes que

ocorresse a ela algo que responder, acrescentou —Spencer está vindo. —Retirou sua mão com

óbvia reticência e logo a meteu no bolso do colete e tirou o relógio. Depois de consultar a hora,

Page 160: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

olhou para Catherine com uma expressão que a abrasou — Sete horas e trinta e três minutos até a

meia-noite, Catherine. Rezo para poder agüentar tanto.

Ele não era o único que rezava essa oração em particular. Essa noite a aventura entre ambos

alcançaria seu inevitável fim. Um pouco antes do que ela tinha antecipado, mas sem dúvida seria

o melhor.

Sim, sem dúvida.

Capítulo 18

Há pontos sutis e menos óbvios no corpo de todo homem e de toda mulher que, ao ser

tocados, beijados, acariciados e esfregados provocam sensações intensas e prazerosas. Por

exemplo, a zona lombar. A nuca. Os lóbulos da orelha. A parte interna da mão e dos cotovelos.

As panturrilhas. A parte interna das coxas. A mulher moderna atual deveria esforçar-se por

descobrir todos os pontos deliciosamente sensíveis do corpo de seu amante e assegurar-se de

que ele descubra todos os seus...

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Andrew se dirigiu aos mananciais, tentando resolver o problema que ainda parecia não ter

solução. O que fazer com Catherine?

Naturalmente, sabia perfeitamente o que queria fazer, tinha dado passos para esse fim em

Londres, embora todos seus instintos lhe advertiam de que era muito cedo para declarar seu amor

e pedir sua mão. Pela enésima vez amaldiçoou os fatos que lhe obrigavam a partir no dia seguinte.

Apesar de que tinha feito progressos óbvios, não tinha tido tempo suficiente para ganhar seu

coração. Para convencer de que mudasse sua opinião sobre o casamento. Para encontrar algum

modo de lhe contar a verdade sobre seu passado. Rezar para que essa informação não a voltasse

contra ele. Necessitava tempo, algo que desgraçadamente não tinha.

Também necessitava paciência, que cada vez parecia mais difícil reunir. Tinha desejado a

essa mulher, tinha-a amado e desejado muito por uma eternidade. Tudo em seu interior se

revelava contra a idéia de demorar meses e meses para cortejá-la devagar. Desejava-a

imediatamente.

Temia que todo o terreno ganho até a data se perdesse ao partir. Ela só desejava uma

relação a curto prazo. Ele suspeitava que assim que Catherine voltasse para sua rotina habitual,

não estaria disposta a convidar ele de novo para Little Longstone. O certo é que uma visita dessas

características bem podia converter-se em fonte de falatórios. Uma coisa era ficar uns quantos dias

depois de ter escoltado até sua casa para que não tivesse que viajar de Londres sozinha. Outra

muito distinta era realizar viagens de volta simplesmente para visitá-la.

Quando se aproximava já à última curva do atalho antes de chegar aos mananciais, o estalo

de um pequeno ramo chamou sua atenção. O primeiro que pensou foi que se tratava de Catherine,

mas a seguir percebeu um leve aroma de tabaco. Esticou-se e se voltou apressadamente, mas com

um segundo de atraso. Algo se estrelou contra a parte posterior de sua cabeça e seu mundo se

fundiu em negro.

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Catherine estava de pé na borda dos mananciais, olhando a água temperada e

brandamente borbulhante, esperando a chegada de Andrew. Envolta em sua própria resolução

como em uma armadura, atando com força o coração para evitar qualquer risco de que este

escapasse aos seus limites. Durante anos tinha estado satisfeita com sua existência solitária,

compartilhando sua vida com o Spencer, desfrutando das águas e de seus jardins e de sua

amizade com Genevieve. A presença do Andrew ameaçava invadindo o porto seguro que se

construiu ali, removendo todos esses sentimentos confusos, os desejos e desejos que ela não

possuia. Necessitava desesperadamente recuperar o equilíbrio. Depois dessa noite, assim o faria.

Essa noite pertencia a ela e ao Andrew. No dia seguinte cada um seguiria seu caminho. E assim

era como ela queria.

O som amortecido de um pequeno ramo a despertou de seu sonho e o coração lhe deu um

tombo de pura antecipação. Segundos depois, ouviu o que lhe pareceu um golpe surdo seguido de

um suave gemido, ao que seguiu um segundo golpe.

—Andrew? —chamou com voz fraca. Só lhe respondeu o silêncio. Ficou nas pontas dos pés

e espionou por cima da mureta de pedra que desenhava uma curva ao redor dos mananciais, e

olhou para o atalho escuro. Só pôde ver negras sombras, e, apesar de ficar escutando vários

segundos, não ouviu nada salvo o rangido das folhas na suave brisa. Teria imaginado aquele som?

Ou possivelmente Andrew tinha tropeçado com um ramo ou com a raiz de uma árvore na

escuridão?

—Andrew? —voltou a lhe chamar, esta vez elevando um pouco a voz. Silêncio.

Amaldiçoou o fato de não ter levado com ela uma lanterna, mas conhecia tão bem o atalho que

conduzia aos mananciais que podia percorrê-lo com os olhos fechados. Além disso, não quis

arriscar que ninguém visse a luz da casa. Andrew haveria também tentado evitar ser descoberto e

teria ficado ferido como conseqüência disso?

Catherine saiu detrás das rochas e caminhou apressadamente pelo atalho. Assim que

dobrou a curva viu o corpo estirado de barriga para baixo no chão.

—Andrew! —Com o coração na boca, correu para ele, rezando para que não estivesse

ferido gravemente. Justamente no momento em que chegou até ele, viu-se pega brutalmente por

trás. Um forte braço a agarrou por debaixo do peito, lhe aprisionando os braços ao lado, e jogou

ela para trás, levantando-a do chão. Catherine conseguiu chiar uma vez antes que seu agressor lhe

tampasse a boca com a outra mão.

Catherine chutou e se revolveu com ferocidade, mas não demorou para perceber o óbvio,

que nada podia fazer contra a força superior desse homem. O homem médio a arrastava e

carregava com ela para os mananciais. Afastando a do Andrew.

Andrew. Meu Deus. Devia ter sido vítima daquele ladrão. Seguiria vivo? Redobrou seus

frenéticos esforços, retorcendo-se, chutando, embora em vão enquanto era arrastada, cada vez

mais perto da água.

Sons longínquos se elevavam e se desvaneciam penetravam entre a densa névoa que cobria

a mente de Andrew. Uma espantosa dor lhe palpitava depois dos olhos e, com um esforço,

conseguiu abrir as pálpebras. Piscou e olhou... o céu escuro?

Teve que reunir todas suas forças para empurrar-se até conseguir sentar-se, esforço que lhe

obrigou a fechar os olhos para conter a náusea e as agudas pontadas que radiavam em sua cabeça.

Respirou fundo várias vezes, tentando assimilar o ocorrido e compreender por que demônios lhe

doía tanto a cabeça. Ia de encontro aos mananciais. Encontrar-se com Catherine. Um ruído a suas

costas. Logo... alguém lhe atacando por trás. Abriram-lhe os olhos de repente. Catherine.

Page 162: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Um som áspero, seguido de um grunhido amortecido, procedente da zona próxima aos

mananciais, captou sua atenção e Andrew se obrigou a levantar. Deu uns passos a tropicões e teve

que pegar a palma da mão contra o tronco de uma árvore durante vários segundos até que teve

amortecido o enjôo e recuperou o equilíbrio. Assim que esclareceu a vista, moveu-se

silenciosamente pelo atalho. Ao rodear a curva, o espetáculo com o que se encontrou paralisou

todas e cada uma de suas vísceras: a respiração, o sangue, o coração.

Catherine, quem se debatia com todas suas forças, era arrastada depois das altas rochas que

rodeavam os mananciais por uma figura vestida de negro. Desapareceram de sua vista e Andrew

pôs-se a correr para frente. Quando logo que tinha dado meia dúzia de passos, ouviu Catherine

gritar. Seu chiado ficou silenciado por um forte barulho.

Com o sangue lhe pulsando nos ouvidos, Andrew correu para o lugar de onde procedia o

ruído. Rodeou as rochas e imediatamente avaliou a situação. O bastardo olhava as borbulhantes

águas do manancial. Sem dúvida tinha empurrado Catherine à água, pois não a via por nenhuma

parte. E não tinha aparecido na superfície...

Com um rugido de raiva, Andrew agarrou ao homem pelo pescoço da camisa e o levantou

do chão. Os olhares de ambos se encontraram e uma sacudida de reconhecimento percorreu ao

Andrew da cabeça aos pés.

—É você, bastardo —grunhiu. Seu punho cintilou, estampando-se contra o nariz do

homem. Logo o lançou de costas contra as rochas. O corpo do homem colidiu com um golpe

surdo. Caiu então ao chão com um gemido e a cara coberta de sangue.

Andrew não esperou para ver o bastardo dar contra o chão. Saltou ao borbulhante

manancial. A água morna se fechou sobre sua cabeça e lutou contra o pânico que se apropriou

dele, lhe atarraxando entre suas garras. Seus pés deram contra algo duro e de ali se impulsionou

para cima. Sua cabeça quebrou a superfície e inspirou ar entre ofegos ao tempo que seus pés se

hospedavam no fundo e a água morna se formava redemoinhos ao redor de seu peito.

Entrou vadeando no lago, agitando as mãos dentro da água e esquadrinhando frenético a

superfície. A um par de metros diante dele vislumbrou o que parecia uma parte de material

escuro. Lançou-se a agarrá-lo e puxou.

Era Catherine. Seu vestido. Puxou ela para cima, lhe tirando a cabeça da água. Catherine

ficou pendurando como um trapo molhado entre seus braços.

—Catherine. —Sua voz soou como um afiado chiado. Embalando-a com um braço, com a

água formando redemoinhos ao redor dos dois, afastou-lhe o cabelo molhado do rosto. Seus

dedos perceberam uma sombra bem em cima de sua orelha e lhe esticou a mandíbula. Devia

haver-se golpeado a cabeça quando aquele bastardo a tinha atirado à água.

—Catherine... por favor, Meu Deus... —Sacudiu-a brandamente e lhe deu firmes palmadas

nas bochechas, apressando-a para que respirasse, incapaz ele mesmo de respirar enquanto olhava

seu rosto pálido, molhado e imóvel. Atraiu-a mais para ele, apertando-a contra seu corpo,

sussurrando seu nome, lhe suplicando que respirasse. Que abrisse os olhos.

De repente ela tossiu. Voltou a tossir. E então ofegou, tentando tomar fôlego.

—Assim —disse Andrew, lhe dando fortes palmadas entre os omoplatas. Depois de várias

tosses afogadas mais, suas pálpebras revoaram até abrir de tudo e o olhou com uma expressão

confusa. Pestanejou e levantou uma tremente mão molhada a sua bochecha.

—Andrew.

Aquele rouco sussurro foi o som mais formoso que ele tinha ouvido em sua vida.

—Estou aqui, Catherine.

—Estava ferido. Mas está bem.

Sem dúvida não estava. Há um décimo de segundo atrás tinha estado a ponto de perder

Page 163: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

tudo o que lhe importava na vida.

O temor apareceu nos olhos de Catherine, que se encolheu em seus braços.

—Há um homem, Andrew. Agarrou-me, e deve te haver ferido.

—Sei. É...

O olhar de Andrew ficou congelado o agressor já não estava mais ali. Em sua desesperada

tentativa de salvar Catherine se esqueceu por um instante do bastardo. Era evidente que só o tinha

aturdido. Rapidamente varreu a zona com o olhar, mas não viu nada.

—Se foi. —Sujeitando bem a Catherine contra seu peito, andou até a borda do manancial e

a deixou com supremo cuidado no suave meio-fio de rocha. Catherine já se pôs de pé quando

Andrew saiu da água.

—Pode andar? —perguntou Andrew, alternando seu vigilante olhar entre o rosto dela e as

imediações.

—Sim.

Tirou a faca que levava na bota, amaldiçoando-se por não haver matado ao bastardo

quando tinha tido ocasião, mas todos seus pensamentos se concentraram em chegar ate Catherine

antes que fosse muito tarde. E quase tinha sido.

—Feri-lhe —lhe sussurrou Andrew ao ouvido—, embora obviamente não o suficiente.

Espero que esteja por aí lambendo as feridas e que não volte a tentá-lo esta noite, mas não posso

estar seguro disso. Voltaremos o mais depressa e o mais silenciosamente possível a casa. Não me

solte a mão.

Catherine assentiu. Com a faca em uma mão e agarrando com firmeza a mão molhada de

Catherine com a outra, puseram-se a andar pelo escuro atalho. Vinte minutos mais tarde,

chegaram à casa sem sofrer nenhum outro incidente.

Depois de fechar com chave a porta ao entrar, Andrew acendeu um abajur e se tomou um

momento para examinar o corte que Catherine tinha na cabeça. Catherine se estremeceu quando

os dedos dele apalparam o ponto sensível da ferida, mas em seguida lhe tranqüilizou.

—Estou bem.

—De acordo. Quero registrar e assegurar bem a casa. —Acendeu outro abajur e o deu a ela

— Não separe de meu lado. —Não estava disposto a perdê-la de vista.

—Quero ir ver se Spencer esta bem —disse Catherine com os olhos cheios de angústia.

—Bem, isso é a primeira coisa - concedeu Andrew, começando a subir as escadas.

Depois de assegurar-se de que Spencer estava a salvo, sussurrou:

—Fique aqui com ele. Quero dar uma olhada ao resto dos cômodos. Fecha a porta com

chave quando eu sair e só abra para mim. —Tirou então a faca — Agarra isto.

Catherine abriu os olhos e tragou saliva. Mas aceitou a arma com expressão decidida em

seu olhar.

—Tome cuidado —sussurrou.

Andrew assentiu e logo saiu do quarto. Assim que ouviu o estalo da porta ao fechar-se a

suas costas, dirigiu-se a seu quarto. Quando se assegurou de que ninguém espreitava em seu

dormitório, tirou a pistola e outra faca da capa de couro que guardava no fundo do armário.

—Agora estou preparado para enfrentar a ti, maldito. —Dúzias de perguntas zumbiam em

sua cabeça, a mais persistente das quais era «por que?», embora as respostas teriam que esperar.

Meteu a faca na bota, agarrou o abajur com uma mão, acomodou o reconfortante peso de

sua pistola na outra, e saiu a registrar e a assegurar a casa.

Catherine ficou no quarto do Spencer, segurando à faca, aguçando o ouvido ante qualquer

som estranho e sem apartar o olhar em nenhum momento do rosto de seu filho, que ficava

Page 164: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

brandamente iluminado pelo abajur que tinha colocado em seu criado mudo. A roupa molhada

lhe pegava ao corpo como uma incômoda segunda pele, e apertou os lábios com força para

impedir que lhe tocassem castanholas os dentes. Não estava segura de se os calafrios que a

percorriam eram mais o resultado de estar úmida ou da comoção provocada pelo susto dessa

noite.

Spencer se moveu na cama, soltou um pequeno suspiro, voltou a relaxar-se e Catherine

fechou com força os olhos. Tinha acreditado que o perigo tinha passado, estava convencida de que

o disparo de que tinha sido vítima em Londres foi um acidente, absolutamente relacionado com

Guia nem com o Charles Brightmore, mas obviamente se equivocava. Deus santo, o que tinha

feito? A culpa a consumia, estrangulando-a. Andrew podia facilmente ter sido assassinado. Ela

poderia haver-se afogado. E só Deus sabia que tipo de ameaça tinha forjado seus atos sobre sua

família.

Manteve sua silenciosa vigília enquanto o coração lhe acelerava com cada rangido da casa,

rezando pela segurança de Andrew. Quando por fim ouviu que chamavam com suavidade à

porta, os joelhos lhe tremeram de puro alívio.

—Catherine, sou eu - se ouviu a voz firme de Andrew do corredor.

Sustentando em alto o abajur, abriu a porta, totalmente convencida de não haver-se sentido

mais aliviada de ver alguém em toda sua vida. Andrew lhe indicou que se unisse a ele no

corredor. Assim que o fez, fechou com cuidado a porta do quarto do Spencer, logo a levou em

silêncio diretamente ao quarto de Catherine. Quando a porta se fechou atrás deles e se viram no

amparo da intimidade, Andrew deixou os abajures de ambos sobre o suporte de mármore que

coroava a lareira e a estreitou entre seus braços.

Catherine deslizou seus braços ao redor da cintura dele e apoiou a cabeça sobre seu peito,

absorvendo os intensos e acelerados pulsados de seu coração contra sua bochecha.

—A casa não corre perigo —disse Andrew com suavidade, cálidas palavras contra as

têmporas dela — Está livre de intrusos. Fechei bem todas as portas e janelas. Despertei ao Milton,

informei-lhe do ocorrido e lhe dei instruções para ficar atento. —inclinou-se para trás e com o

dedo elevou o queixo de Catherine — Sei quem tem feito isto, Catherine. Vi-lhe. Reconheci-lhe. E

te juro que o encontrarei.

—Quem é?

—Um homem chamado Sydney Carmichael.

Catherine franziu o cenho.

—Esteve presente na festa de aniversário de meu pai e na noitada celebrada pelo duque.

—Sim. É, ou melhor dizendo, era um dos potenciais investidores do museu. Falei ontem

mesmo com ele em Londres. —Um profundo cenho lhe enrugou a testa apesar da escuridão, sei

que era ele. O que não entendo é por que faria algo assim. Nem sequer tinha doado recursos para

o museu, de modo que não pode lamentar a perda de uma só libra.

Catherine sentiu doer o estomago. Lamentava ter que dizer-lhe mas não tinha escolha.

Inspirou fundo e disse:

—Temo que eu sim sei por que, Andrew.

O olhar dele se aguçou, mas em vez de exigir uma explicação imediata, disse:

—Estou ansioso por saber o que pensa, mas antes temos que te pôr roupa seca para que

não adoeça. Vire-se.

Pela primeira vez, Catherine reparou que ele havia trocado de roupa e havia posto uma

camisa de linho e umas calças limpas. Voltou-se e sentiu como lhe desabotoava habilmente a fila

de botões das costas do vestido. Depois de que ele a ajudasse a tirar o vestido e a roupa interior

molhados, Catherine colocou uma camisola, e seus sapatos. Enquanto Andrew colocava sua roupa

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molhada no respaldo de uma poltrona e avivava o fogo, que para então ardesse na lareira, ela se

vestiu rapidamente.

Depois de se vestir, Catherine se encaminhou à lareira, onde ficou um instante para deixar

que as chamas terminassem de lhe aquecer, voltou-se para Andrew. O fogo envolvia a, tingindo as

feições de Andrew de sombras e luz. Tinha os olhos sérios e fecundados de perguntas enquanto a

observava, embora não dizia nada, esperando pacientemente a que ela falasse.

Juntando as nervosas mãos à altura da cintura, Catherine disse:

—Não estou certa de como te dizer isto, como não lhe seja dizer isso tal como é. Sabe bem

que há muita gente que se há sentido irada pelo Guia e que existe um grande interesse pelo autor.

—Sim.

—E que se emitiram ameaças contra a vida do Charles Brightmore.

Andrew apertou os olhos.

—Ameaça contra sua vida? E você como sabe?

—Ouvi a conversa de lorde Markingworth, a lorde Whitly e a lorde Carweather durante a

festa de aniversário de meu pai. Disseram que queriam ver morto ao Charles Brightmore e

também lhes ouvi mencionar um investigador ao que tinham contratado para acabar com ele.

Agora vejo com claridade que o tal senhor Carmichael é o homem ao que contrataram, e esta noite

esteve a ponto de conseguir realizar sua missão. Uma vez mais. —O olhar de Catherine se cravou

no dele — Eu sou Charles Brightmore, Andrew. Fui eu quem escreveu o Guia e quem o publicou

sob pseudônimo.

De todas as reações que tivesse podido esperar, nenhuma se aproximava dessa... calma

imutável.

—Devo dizer que não parece muito surpreso.

—Confesso que não estou, posto que tinha as minhas suspeitas. Quando me disse na outra

noite me pôs em sobreaviso. Esta manhã visitei lorde Bayer antes de sair de Londres.

—A meu editor? —perguntou Catherine, perplexa — Mas sem dúvida não me terá

identificado como Charles Brightmore.

—Não. Eu sabia que não o faria e tampouco desejava me pilhar os dedos perguntando-lhe

diretamente. Entretanto, quando mencionei casualmente seu nome durante nossa conversa, o

senhor Bayer se tingiu de um interessante tom rosado. E quando mencionei outro nome,

ruborizou-se definitivamente.

—Outro nome?

—Sem dúvida você não escreveu o Guia sozinha. A julgar pela grande quantidade de

«primeiras vezes» que compartilhamos, era tarefa impossível. Alguém mais estava

comprometido... e minhas suspeitas recaíam em seu amiga, a senhora Ralston.

Deus santo. Aquele homem era muito preparado. Uma característica admirável, embora

nesse caso em particular também alarmante.

—Posto que tanto o senhor Carmichael como você foram capazes de desvelar a verdadeira

identidade do Charles Brightmore, é só questão de tempo que alguém mais o descubra e que toda

Londres se inteire.

—Não saberia te dizer se Carmichael estava investigando por conta própria ou alheia, mas

sem dúvida ele não é o homem contratado por lorde Markingworth, Whitly e Carweather.

—E o que te faz pensar isso?

—Porque eu sou o homem que contrataram.

Catherine sentiu literalmente que o sangue lhe abandonava o rosto e de repente se lembrou

de por que nunca lhe tinham gostado das surpresas. Precisamente porque eram tão

condenadamente... surpreendentes. Se pudesse, teria rido da ironia.

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Esclareceu a garganta para localizar sua voz.

—Bem, nesse caso minha confissão não tem feito a não ser facilitar sua missão.

Andrew arqueou as sobrancelhas.

—De fato, coloca-me em uma posição muito incômoda. Tinha muita vontade de receber a

recompensa.

—Recompensa? Quanto?

—Quinhentas libras.

Catherine ficou boquiaberta.

—Mas isso é uma fortuna.

—Sei. —Andrew passou as mãos pelo rosto e soltou um prolongado suspiro— Tinha

planos para esse dinheiro. —antes que ela pudesse perguntar que classe de planos, ele

prosseguiu—: Naturalmente, não deve temer que revele sua identidade.

—Obrigado, embora acredite que seu silêncio é em vão, pois é óbvio que o senhor

Carmichael também sabe a verdade.

A mandíbula do Andrew se esticou.

—Se souber o teu, também é muito possível que esteja à par da implicação da senhora

Ralston.

Catherine levou as mãos às bochechas ao tempo que a culpa a esbofeteava.

—Como não pensei nisso antes? Genevieve também corre perigo. Devemos avisá-la.

—Estou de acordo. Mas não vou permitir que saia daqui, e eu não vou deixar-te. Milton

pode informá-la dos acontecimentos desta noite e avisá-la, a ela e a seu serviçal, para que estejam

em guarda. Pode levar com ele a um criado e ao Fritzborne para que lhe sirvam de amparo. —

Apertou-lhe a mão — Estarei aqui em uns minutos. Esquente-se diante do fogo, e...

—Não abra a porta até minha volta —acrescentou Catherine, terminando a frase por ele

com um débil sorriso.

Andrew retornou dez minutos mais tarde e disse:

—Estão à caminho da casa da senhora Ralston.

O alívio conseguiu diminuir um pouco a ansiedade de Catherine.

—Obrigado.

—De nada. E agora, voltemos para sua implicação no Guia. Devo entender que o livro foi

idéia da senhora Ralston?

Catherine assentiu.

—Disse-me que queria escrever um livro, mas que as dores que sofre nas mãos lhe impedia

de fazê-lo. Ofereci-me a ser suas mãos.

Incapaz de permanecer quieta por mais tempo, começou a caminhar de um lado a outro

diante dele.

—Foi muito estimulante escrever as palavras que Genevieve me ditou e me implicar no

projeto. Fazia anos que ninguém, além de Spencer, necessitava-me, e desfrutei por ser útil. E,

quanto ao conteúdo, encontrei-o fascinante. Estimulante. E muito familiar. Para mim foi uma

grande satisfação saber que estava ajudando a dar às mulheres uma informação que eu desejei ter

conhecido antes de me casar. E confesso que me produziu um perverso prazer a idéia de

escandalizar a todos esses hipócritas. Desfrutava com a idéia de infligir anonimamente um castigo

pelo modo cruel com o que tanta gente tinha tratado ao Spencer.

Guardou silêncio e girou sobre seus pés para lhe olhar diretamente.

—Sabe acaso o que aqueles aos que considerava meus amigos sussurravam a minhas costas

quando nasceu Spencer? O que meu próprio marido me disse à cara? —Suas mãos se fecharam em

dois tensos punhos — Que não havia esperança para ele. Que sua deformidade era espantosa, e

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que sem dúvida seu cérebro estaria tão disforme como seu pé. Que não merecia herdar o título.

Que teria sido melhor que tivesse morrido. —A voz lhe quebrou ao pronunciar a última palavra.

Nem sequer se deu conta de que as lágrimas se deslizavam por suas bochechas até que uma gota

lhe caiu na mão.

Andrew se aproximou dela e embalou seu rosto entre as suas mãos, lhe enxugando as

bochechas molhadas com os polegares.

—Não sabe quanto sinto que Spencer e você tenham tido que suportar uma crueldade tão

inominável como essa.

—Quão único eu via era minha doce e formosa criatura —sussurrou Catherine—, com os

olhos cheios de uma dor que nada tinha que ver com sua enfermidade cada vez que algum

membro «distinto» da sociedade lhe rechaçava.

Inspirou fundo, estremecendo-se.

—Mas nunca, nem em minhas mais enlouquecidas imaginações, me ocorreu que, ao

escrever o Guia, estaria pondo, não só a mim mas também a meu filho, em perigo. —Levantou sua

mão vacilante e a levou ao rosto — E a ti, Andrew. Obviamente, o senhor Carmichael desejava

esta noite me fazer mal. Quando te há interposto em seu caminho, atacou a ti. Poderia ter te

matado.

Andrew voltou a cabeça para depositar um fervoroso beijo na palma de sua mão.

—Tenho a cabeça muito dura. E é evidente que Carmichael também. Acreditava que tinha

terminado com ele.

—Carmichael —repetiu ela, franzindo o cenho — Acaso não é ele o homem que identificou

à pessoa que me disparou?

—Sim. Uma pequena coincidência. E não acredito muito nas coincidências. A julgar por

como nos atacou esta noite, estou seguro de que Carmichael tem algo que ver com o disparo. A

fim de desviar as suspeitas que pudessem apontar para ele, afirmou ser testemunha e identificou a

outra pessoa como o autor do disparo. O homem que foi detido não deixou de clamar sua

inocência.

Catherine sentiu um calafrio. Separou-se de Andrew e se envolveu entre seus próprios

braços.

—Não posso acreditar que o Guia, por muito escandaloso que seja, leve a ninguém ao

assassinato. Salvaste-me a vida.

—Não sabe quanto me alivia saber que tenha saído assim. Poderia perfeitamente haver

matado aos dois.

—A que te refere?

—Se a água do manancial tivesse sido um pouco mais profunda, temo-me que as coisas não

teriam saído tão bem. Eu... não sei nadar.

Catherine lhe olhou fixamente.

—Como disse?

—Que não sei nadar. Não sei dar uma só braçada. Spencer se ofereceu a me ensinar.

Durante uma lição, investimos quase todo o tempo em me convencer simplesmente para que

ficasse de pé na água. —Guardou silêncio durante uns segundos e logo acrescentou em voz

baixa—: Meu pai morreu afogado. Sempre me deu medo a água.

A zona que rodeava o coração de Catherine se contraiu para voltar a expandir-se.

—Ainda assim, não duvidou em nenhum momento em se atirar na água para me salvar.

Andrew estendeu os braços e a agarrou com suavidade pelos ombros.

—Minha querida Catherine, acaso ainda não te deu conta de que por ti seria capaz de

caminhar sobre o fogo?

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Inflamou-lhe a garganta. Sim, claro que sim. Estavam tudo aí, em seus olhos, as emoções de

Andrew nuas para que ela pudesse ver. Emoções para as que não estava preparada. Emoções que

a assustavam. Que a aterravam.

—Eu não... não sei o que dizer —murmurou.

—Não tem que dizer nada. Só escuta. —E tomando pela mão foram até o sofá, onde se

sentou e fez com que ela se sentasse ao seu lado— Tenho algo que te dizer, Catherine. Algo que

levo vivendo em silêncio, mas que, depois de ter estado a ponto de te perder esta noite, já não

posso mais calar.

Catherine ficou paralisada. Deus santo, acaso ia lhe dizer que a amava? Ou pior ainda, lhe

pedir que se casasse com ele?

—Andrew, eu...

—É sobre meu passado.

Catherine piscou.

—Ah.

Um músculo palpitou na mandíbula de Andrew e seus olhos, normalmente firmes,

refletiram tal tortura e tal dor que o coração de Catherine encolheu de pura compaixão.

—Sem dúvida, o que deseja me dizer é muito difícil, Andrew. —Pôs a mão sobre a dele

num gesto tranqüilizador — Por favor, não te aflija. Não tem por que me contar isso.

O olhar de Andrew se posou na mão dela que estava sobre a sua. Depois de vários

segundos, sacudiu a cabeça e se levantou para ficar de pé diante dela.

—Desejaria de todo coração que não fosse necessário, mas tem o direito, ou melhor,

necessito que saiba.

Esperou ter ânimo antes de continuar e a seguir a olhou diretamente nos olhos.

—Faz onze anos que sai da América do Norte, fui embora porque tinha cometido um

crime. Escapei do país para evitar que me enforcassem.

—Enforcar? —repetiu Catherine fracamente — O que tinha feito?

O olhar de Andrew não titubeou.

—Matei um homem.

Se Catherine não tivesse ouvido as palavras de sua boca, teria suspeitado que padecia do

ouvido. Umedeceu os lábios repentinamente secos.

—Foi um acidente?

—Não. Disparei deliberadamente.

—Mas por que? Por que faria algo assim?

—Porque matou a minha esposa.

Capítulo 19

A mulher moderna atual deve estar preparada para enfrentar o inesperado. Às vezes

pode ser encantador, como um presente surpresa de seu amante, em cujo caso um beijo de

agradecimento é apropriado, o que, a sua vez, pode levar a mais surpresas deliciosamente

inesperadas. Entretanto, em ocasiões, o inesperado é absolutamente desagradável, neste caso a

reação mais sábia é dizer o menos possível e a seguir liberar-se rapidamente da situação.

Guia feminino para a conquista

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da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles BRIGHTMORE

Andrew viu como a cor abandonava o rosto de Catherine ao mesmo tempo que lhe olhava

com os olhos como pratos e parada em um mudo estado de comoção. As lembranças que durante

anos tinha lutado denodadamente para manter enterradas rugiam para a superfície. Agora que

tinha começado, e não havia volta atrás, estava desesperado por terminar.

Desejava olhá-la, mas simplesmente não podia ficar quieto. Caminhando de um lado a

outro diante dela, disse:

—Meu pai era o chefe de estábulos do Charles Northrip, um homem muito rico e influente.

Meu pai e eu vivíamos nas habitações situadas em cima dos estábulos, e eu me criei na

propriedade. Eu adorava aquilo. Eu adorava estar com os cavalos. Quando tinha dezesseis anos,

meu pai morreu e o senhor Northrip me nomeou chefe de estábulos.

Guardou silêncio durante uns segundos e olhou a Catherine, que estava sentada com as

costas rígidas no sofá e que lhe olhava com olhos solenes. O único som que enchia a estadia era o

crepitar das chamas e o tictac do relógio situado sobre o suporte da lareira. Depois de começar de

novo a caminhar pelo quarto, Andrew prosseguiu:

—O senhor Northrip tinha uma única filha chamada Emily, quatro anos mais nova do que

eu. Já te falei dela quando preparamos o sorvete de morango.

—Sim, eu me lembro.

—Emily era dolorosamente tímida, estranha, torpe e muito calada, qualidades que

pioravam a exigente personalidade de seus pais. Os Northrip estavam desesperados diante do

caráter reservado de sua filha. Emily se encontrava muito mais cômoda com os cavalos que com

pessoas, e conseqüentemente passava muito tempo nos estábulos. Sempre que seu pai a

encontrava em um dos estábulos ou no palheiro, queixava-se de que não sabia o que fazer com

ela. Como podiam sua esposa e ele, duas pessoas amigáveis e sociáveis, ter tido uma filha tão

insociável que preferia os animais às pessoas? O senhor Northrip dizia essas coisas como se ela

fosse surda e eu me dava conta do quanto suas palavras feriam Emily. Com o passar dos anos,

entre Emily, meu pai e eu floresceu uma boa amizade.

Andrew sentiu que lhe embargavam lembranças que não se permitiu ressuscitar durante

anos.

—Nunca esquecerei a noite em que meu pai morreu. Eu estava de pé nos estábulos,

olhando sua cadeira vazia. Senti-me... vazio. E muito sozinho. Depois só me lembro que tinha

Emily ao meu lado. Deslizou sua pequena mão de menina de doze anos na minha e me disse que

não me preocupasse. Que não estava sozinho porque ela era minha amiga, e que seria minha

melhor amiga, se eu quisesse. —A nostalgia lhe fechou a garganta — Disse-lhe que eu gostaria

muito. E, durante os sete anos seguintes, o vínculo que formamos esse dia foi se fortalecendo.

Realmente nos tornamos melhores amigos.

Detendo-se diante da lareira, fixou o olhar nas oscilantes chamas.

—O senhor Northrip não tinha nenhum filho varão que pudesse algum dia herdar seu

negócio, de modo que decidiu que Emily deveria se casar com um homem capaz de administrar

sua empresa. Acreditou encontrá-lo em Lewis Manning, filho único de outro rico comerciante.

Pensaram no casamento, para não mencionar a lucrativa fusão mercantil entre ambas as famílias.

Emily aceitou o acordo, consciente de que era seu dever casar-se segundo os desejos de seu pai. De

fato, sentia-se aliviada de poder por fim fazer algo que contasse com a aprovação de seu pai

depois de levar toda sua vida lhe decepcionando.

»Mas não demorei em me inteirar de que o tal Lewis Manning possuía um temperamento

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violento. Uma noite, apenas uns dias antes do casamento, Emily veio me ver banhada em

lágrimas, dolorida por causa de uma costela quebrada. Apesar de não ter o menor sinal no rosto,

tinha o resto do corpo, onde os golpes não saltavam à vista, ferido ali onde Lewis a tinha golpeado

por ousar questionar uma de suas decisões. Contou-me então que, embora fosse a primeira vez

que ele a maltratava desse modo, Lewis tinha perdido os estribos várias vezes antes e lhe tinha

batido. Emily tinha falado a seu pai dessas agressões, mas ele não tinha dado importância alguma

a suas preocupações, dizendo que todos os homens perdem os estribos em algumas ocasiões.

Entretanto, depois desse último episódio, Emily temia que a próxima vez que Lewis perdesse os

nervos não pudesse escapar dele.

Andrew afastou o olhar do fogo e olhou para Catherine, que o escutava com encantada

atenção.

—Minha primeira reação foi dar uma surra em Lewis, mas Emily me suplicou que não o

fizesse. Disse-me que a única coisa que conseguiria era acabar na prisão por me misturar e que

Lewis não o merecia. A contra gosto, aceitei a suas súplicas, mas estava firmemente decidido a

protegê-la... daquele maldito bastardo do Lewis, e de seu pai, a quem obviamente importavam

mais os benefícios que o casamento de sua filha reportava a seus negócios que sua própria filha. E

a única forma que me ocorreu de protegê-la foi me casando com ela. Nós dois sabíamos que Emily

teria que renunciar a tudo, pois seu pai ficaria furioso e sem dúvida a deserdaria, mas não nos

importou. Nessa mesma noite fugimos e casamos.

De novo foi incapaz de ficar quieto e uma vez mais começou a caminhar pela estadia.

—No dia seguinte, depois de instalar Emily em uma estalagem próxima, fui ver seu pai.

Queria lhe contar cara a cara que Emily e eu nos casamos e lhe fazer saber que não toleraria que

Emily voltasse a sofrer nenhum dano. Como era de esperar, o pai de Emily estava furioso. Disse

que anularia o casamento, que me denunciaria por seqüestro e que me enforcaria. Quando lhe

disse que não havia motivos que validassem tal anulação, sua fúria se intensificou. Disse que, de

um modo ou outro, recuperaria a sua filha, embora para isso tivesse que matar. Nem por um

instante duvidei de que realmente falava a sério. Voltei para a estalagem. Pouco depois, enquanto

nos preparávamos para a partida, chegou o furioso Lewis Manning. Disse coisas espantosas e

odiosas de Emily e minha paciência se esgotou. Informou-me que não tinha intenção de ir à

justiça... desejava ver feito o trabalho imediatamente, e desafiou a um duelo. Aceitei apesar das

súplicas de Emily, que me ameaçou para que não o fizesse.

Andrew prosseguiu. Agora as palavras brotavam dele mais depressa.

—Adam Harrick, o capataz da propriedade dos Northrip, era meu melhor amigo depois de

Emily, e me fez as vezes de testemunha. No duelo, sem que eu soubesse, Lewis fez armadilhas,

disparando antes que terminasse a recontagem. Emily, quem supostamente ficou na estalagem,

viu o engano. Em um intento por me avisar, apareceu correndo e... foi atingida pelo disparo de

Lewis.

Andrew fechou os olhos e viu gravada em sua mente a imagem de Emily derrubando-se no

chão com a comoção gravada em seus olhos abertos e o peitilho de seu vestido de cor marfim

tingida de vermelho.

—Disparei e minha bala alcançou Lewis —disse com um rouco chiado — Soltei a pistola e

corri até Emily. Embora ainda estivesse com vida, não havia dúvida de que sua ferida era mortal.

Eu... abracei-a, tentando deter a hemorragia, embora em vão. Com suas últimas palavras,

suplicou-me que fugisse. Que me fosse da América do Norte a algum lugar onde ninguém

pudesse me encontrar. Sabia que seu pai me mataria ou asseguraria de que me enforcassem pela

morte de Lewis, sem dúvida alguma, além de tentar me culpar também de sua morte. Suplicou-

me, uma e outra vez, que não deixasse que isso ocorresse. Queria desesperadamente que eu

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vivesse que tivesse uma vida plena e feliz. Queria-me e não desejava que eu morresse.

Cravando seu olhar em Catherine, levou-se a palma da mão ao peito e disse com um

entrecortado sussurro:

—Senti os últimos batimentos de seu coração contra minha mão depois de lhe haver

prometido por fim que faria o que me pedia. E então morreu.

Quebrou-lhe a voz ao pronunciar a última palavra. Logo o silêncio ficou pesadamente

aceso no ar enquanto ele revivia o horror daquele arrepiante dia com uma dilaceradora e vívida

claridade que tinha mantido separada de sua mente durante anos. O dia em que tinha perdido

tudo. Sua casa. A vida, tal como a tinha conhecido. A doce e carinhosa amiga que tinha sido sua

esposa.

Tossiu para esclarecer a tensão que sufocava a garganta.

—Depois de me despedir de Emily e de me assegurar que Adam se encarregaria dela,

mantive minha promessa. Várias horas mais tarde, e utilizando um nome falso, fugi de navio da

América do Norte.

Passando mãos pelo rosto, jogou a cabeça para trás e olhou o teto.

—Durante os primeiros cinco anos, vivi..., sem me importar realmente se vivia ou morria.

Para mim foi uma temporada muito escura. Solitária. Triste. Vazia. Fazia o que Emily tinha me

pedido, e ainda assim me odiava por havê-lo feito. Por ter fugido. Por todos meus atos que tinham

levado a sua morte. Sentia-me como um covarde e sentia também que tinha comprometido minha

honra. De fato, cheguei a esperar que seu pai me encontrasse de algum modo, embora nunca o fez.

»Mas um dia seu irmão me encontrou... bem a tempo para me salvar dos cortadores, um

resgate que, por certo, não lhe agradeci imediatamente. Como não tinha nada melhor que fazer,

retornei com Philip a seu acampamento e, pela primeira vez em cinco anos, tive a sensação de

pertencer a algum lugar. Seu irmão não só me salvou a vida, mas também graças a ele voltei a

recuperar a vontade de viver. De fazer algo de mim mesmo. Era o primeiro amigo que tinha desde

que tinha ido da América do Norte, e minha amizade com ele mudou a minha vida. Chegou um

momento em que consegui enterrar no mais fundo aquele dia espantoso que vivi no campo de

duelo, mas quando ouvi esse disparo em Londres, quando te vi no chão... —Fechou um momento

os olhos — Revivi o pior de meus pesadelos.

Inspirou fundo, sentindo-se totalmente esgotado, embora menos do que havia sentido há

uma década. Voltou-se para Catherine. Tinha as mãos apertadas sobre os joelhos e o olhar fixo no

fogo. Andrew desejava desesperadamente saber o que ela pensava, mas se obrigou a permanecer

em silêncio e lhe permitir que assimilasse tudo o que lhe havia dito. Passou um minuto inteiro

antes que ela falasse.

—E Philip sabe de tudo isto?

—Não. Nada. Nunca o havia dito a ninguém até agora.

Andrew desejava que ela olhasse para ele, assim, poderia ver a expressão de seu rosto, ler

seus olhos. Olharia-lhe com asco e vergonha... do mesmo modo em que ele esteve se olhando

durante anos? Infelizmente, temia que o fato de que ela se empenhasse em não lhe olhar estivesse

dizendo-lhe tudo.

Por fim, Catherine se voltou e lhe olhou com olhos solenes e brilhantes, cheios de lágrimas

não derramadas.

—Queria-a muito.

—Sim. Era uma jovem calada e solitária que jamais fez mal a alguém. Fomos os melhores

amigos durante anos. Faria qualquer coisa para protegê-la. Em vez disso, foi ela que morreu

tentando me proteger.

—Por que, depois de permanecer calado durante todos estes anos, conta-me isto?

Page 172: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

Andrew vacilou e logo perguntou:

—Antes de lhe dizer isso poderia usar uma folha de papel e de uma pluma?

A surpresa de Catherine foi evidente, mas se levantou e foi até o escritório situado junto à

janela, de onde tirou uma folha de papel de uma estreita gaveta.

—Aqui o tem.

—Obrigado.

Andrew se sentou na cadeira de delicada tapeçaria e agarrou a pluma das mãos de

Catherine. Pela extremidade do olho a viu cruzar a estadia até a lareira. Depois de vários minutos,

reuniu-se ali com ela e lhe entregou o papel.

Catherine olhou as inscrições com expressão confundida.

—O que é isto?

—Hieróglifos egípcios. Soletram os motivos pelos que te falei do meu passado.

—Mas por que foste escrever seus motivos empregando uma língua que eu não posso

compreender?

—Na festa de aniversário de seu pai, falou-me dos métodos de lorde Nordnick em relação a

lady Ofélia. Disse que deveria lhe recitar algo romântico em outra língua. Esta é a única outra

língua que conheço.

O olhar surpreso de Catherine se encontrou com o dele. Andrew tocou a borda do papel.

—A primeira linha diz «Me salvou a vida».

—Não entendo como pode dizer uma coisa assim, pois é culpa minha que tenha se ferido

esta noite.

—Esta noite não. Faz seis anos. Na manhã depois de me unir ao Philip em seu

acampamento, encontrei-lhe sentado em uma manta junto à borda do Nilo, lendo uma carta.

Conforme me disse, a carta era de sua irmã. Leu-me alguns divertidos fragmentos e sentei a seu

lado a escutar as palavras que lhe tinha escrito, com inveja ao ver o óbvio afeto que lhes

professavam. Falou-me então de ti, de como era infeliz em seu casamento, da alegria que tinha

encontrado em seu filho e também da aflição de Spencer. Quando voltamos para o acampamento,

mostrou-me a miniatura que lhe tinha dado antes de partir da Inglaterra.

Fechou os olhos um segundo, revivendo o instante em que tinha posto os olhos pela

primeira vez na imagem de Catherine.

—Era muito formosa. Não me cabia na cabeça que seu marido não venerasse o chão que

pisava. A partir desse momento, com cada história que Philip me contava sobre ti, minha

consideração e minha admiração foram crescendo, e acredito que ansiava receber as cartas que

enviava ao Philip inclusive mais que ele mesmo. Sua bravura, sua fortaleza diante da sua situação

e as dificuldades de Spencer me comoviam profundamente, me animando de uma vez a examinar

minha mais funda pena e culpa por meu passado e a vida dissoluta que tinha levado desde minha

partida da América do Norte. Sua bondade, sua gentileza e sua coragem me inspiravam, me

forçando a mudar minha vida. A me redimir. Eu sabia que algum dia voltaria para a Inglaterra

com o Philip e estava decidido a ser uma pessoa da qual lady Catherine pudesse se sentir

orgulhosa. Você me ensinou que a bondade e a gentileza ainda existiam e me deu a força de

vontade para voltar a desejá-las. Faz seis anos que quero te agradecer por isso. —Estendeu a mão

e estreitou a de Catherine entre a sua — Obrigado.

O coração de Catherine palpitava envolto em lentos e intensos batimentos diante das suas

palavras e a total sinceridade de seus olhos escuros. Tragou saliva. Seu coração penava por ele,

pelo desespero com que Andrew tinha vivido durante tanto tempo.

—De nada. Não tinha a menor idéia de que minhas cartas lhe houvesse... inspirado de tal

modo. Sinto muito pela dor que sofreu e me alegro de que tenha podido encontrar a paz em seu

Page 173: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

interior.

Sem afastar o olhar, Andrew lhe soltou a mão e a seguir estendeu o braço para tocar a

borda do papel.

—A segunda frase diz: «Quero-te».

Catherine ficou totalmente imóvel, à exceção de seu pulso, que palpitava errático. Os

sentimentos de Andrew para ela refulgiam em seus olhos sem a menor tentativa por ocultá-los.

—Minha mente compreende que minha condição social e meu passado não me fazem

merecedor de ti. Mas meu coração... —Andrew negou com a cabeça — Meu coração se nega a

escutar. A lógica me diz que deveria esperar, me dar mais tempo para te cortejar. Mas esta noite

estive a ponto de te perder e simplesmente não posso esperar. Nossa amizade, os momentos que

passamos juntos como amantes, tudo o que compartilhamos, cada carícia, cada palavra, deu-me

mais felicidade do que posso descrever. Mas ser seu amante não é suficiente.

Meteu a mão no bolso do colete e tirou dele um objeto que lhe mostrou imediatamente.

—Quero mais. Quero tudo. Tudo de ti. Quero que seja minha esposa. Catherine quer se

casar comigo?

O fundo pareceu desaparecer de repente do estômago de Catherine. Ficou olhando a

perfeita esmeralda engastada em um singelo aro de ouro que agora repousava na calosa mão de

Andrew. Devia ter comprado enquanto estava em Londres. As lágrimas tentaram abrir passo do

fundo de seus olhos. Desconsolo, confusão e inesperado desejo... tudo isso entrou em conflito em

seu interior. Suas emoções foram de repente uma confusão a flor da pele, cada uma exigindo sua

atenção até que simplesmente se viu incapaz de as diferenciar entre si.

—Já sabe o que penso do casamento.

—Sim. E, dada sua experiência, suas reservas são compreensíveis. Mas também sabe como

me sinto eu a respeito. Disse-te na carruagem, durante a viagem de volta a Little Longstone, que

queria uma esposa e uma família. Acreditava por acaso que sou o tipo de homem que poderia te

comprometer para logo te deixar?

—Andrew, não sou nenhuma jovem e virginal senhorita a que um homem possa

«comprometer». Sou uma mulher moderna e adulta que desfruta de uma aventura prazerosa.

Quando disse que queria uma esposa, descreveu uma comparação de perfeição de cuja existência

duvido muito.

—Não. Estava-a olhando nesse preciso instante. Você é todas as coisas que descrevi, então,

e muitas mais: uma mulher com seus defeitos, que, apesar deles, por causa deles, é a mulher

perfeita para mim. Peço-te que reconsidere sua opinião sobre o casamento e que, em troca,

considere seus sentimentos por mim. —Estudou-a atentamente durante vários segundos e logo

disse com voz fraca—: Sei que te importo. Nunca teria me levado a sua cama, nem teria me

deixado entrar em seu corpo, se não fosse assim.

O calor entusiasmou as bochechas de Catherine.

—Não tomei como amante para conseguir uma proposta de casamento.

—Sei. E não há nenhuma necessidade de que o faça. Ofereço-te minha proposta por

vontade própria. E com toda minha esperança de que, apesar de tudo o que te contei esta noite,

aceitará.

—Quando iniciamos nossa relação, ambos acordamos que seria algo temporário.

—Não, você insistiu que fosse temporário. Eu nunca estive de acordo. E, embora tivesse

sido de outro modo, neste mesmo instante renego formalmente o que foi dito. Não quero nada

temporário. Quero o para sempre. Quero ser seu marido. Quero ser um pai para o Spencer... se ele

o desejar também. Ao menos, quero ser seu amigo e marido. —Inspirou fundo — Contei-te meu

passado. Hei-te dito o que sinto por ti. Meu coração e minha alma lhe pertencem. Diga-me o que

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quer fazer com eles.

Catherine esticou os joelhos com a intenção de que isso a fizesse parar de tremer.

—Não compreende o que me está pedindo, e sem dúvida não sabe o que o casamento

significa para uma mulher. Significa que deixaria de existir. Que perderia tudo porque já nada me

pertenceria. Pertenceria ao meu marido. Meu marido poderia me desterrar ao campo, descuidar

do nosso filho, vender minhas posses pessoais... e tudo isso legalmente. Já passei por esse horror.

Não necessito mais dinheiro, nem mais contatos familiares. O casamento não tem nada para me

oferecer.

—Está claro que utilizamos dicionários distintos porque para mim o casamento significa

cuidar um do outro. Nos querer juntos. Compartilhar as risadas e nos ajudar na dor. Saber que

sempre haverá outra pessoa a seu lado. Dependente de ti.

—Devo reconhecer que sua definição soa maravilhosa, mas a experiência me demonstrou

que o casamento nada tem que ver com isso. Sinceramente acredita que sua definição se ajusta à

realidade?

—Suponho que isso depende de por que se casa uma pessoa. Se nos casarmos por dinheiro

ou procurando uma posição social, estou então de acordo em que poderia ser desastroso. Mas se o

casamento está apoiado no amor e no respeito, porque não pode imaginar passar um só dia de sua

vida sem a pessoa a que entregaste seu coração, então sim, acredito que pode ser todas essas

coisas formosas. —Andrew esticou a mão em busca da dela. Depois de deixar brandamente o anel

em sua palma, fechou os dedos de Catherine e aninhou seu punho fechado entre suas mãos —

Catherine, se decidir que não quer se casar comigo, que seja porque não pertenço a sua classe

social, porque não sou mais que um vulgar norte-americano, porque tenho um passado turvo,

porque não me quer. Mas, por favor, não me recuse porque acredita que te arrebatarei coisas

quando a única coisa que quero é te dar. Dar-lhe isso tudo. Sempre. Quero cuidar de ti.

—Acredito ter demonstrado com bastante claridade durante a última década não precisar

que nenhum homem cuide de mim. —Uma doentia sensação de perda a invadiu ao ver a dor que

aparecia nos olhos de Andrew. Certo, ela não queria um marido, embora também se deu conta,

com repentina e aguda claridade, de que não queria que Andrew desaparecesse de sua vida — Por

que não seguimos como até agora? —disse, odiando a nota de desespero que ouviu em sua voz.

—Tendo uma aventura?

—Sim.

Catherine conteve o fôlego, à espera de sua resposta. Finalmente, e em voz muito baixa,

Andrew disse:

—Não. Não posso te fazer isso. Nem ao Spencer. Nem a mim mesmo. Se seguirmos assim,

chegará o momento em que alguém descobrirá a verdade, e os falatórios não fariam mais que lhes

prejudicar a ti e ao Spencer. Não tenho o menor desejo de seguir me escondendo, vivendo contigo

momentos roubados e mantendo meus sentimentos ocultos. Quero-o tudo, Catherine. Tudo ou...

nada.

O chão pareceu sumir sob os pés de Catherine. A firmeza da voz e dos olhos de Andrew

era inconfundível, e de repente foi pega em uma de onda de raiva.

—Não tem nenhum direito a me dar semelhante ultimato.

—Não estou de acordo contigo. Acredito que o fato de estar dolorosamente apaixonado por

ti e de ter compartilhado sua cama me dão esse direito.

—O fato de que tenhamos compartilhado uma cama não muda nada.

—Aí que se engana. Muda tudo. —Andrew lhe apertou um pouco mais a mão —

Catherine, ou sente o mesmo que eu, ou não sente. Ou me ama, ou não. Ou quer passar o resto de

sua vida comigo, ou não.

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—E espera que te dê uma resposta em seguida? Tudo ou nada?

—Sim.

Catherine cravou nele o olhar, sentindo a pressão do anel contra a palma da mão. Emoções

a golpearam em todas as direções, mas afastou para o lado a confusão de sentimentos e se centrou

na raiva: dele por obrigá-la a tomar uma decisão como essa e com ela mesma por haver-se

permitido vacilar. Sua escolha estava clara. Não queria um marido. Então, por que era tão

condenadamente difícil dizer a palavra precisa que lhe afastaria dela?

«Porque essa palavra provocaria justamente isso... lhe afastaria dela.»

Umedeceu os lábios secos.

—Nesse caso, temo que é nada.

Passaram vários compridos e silenciosos segundos e Catherine viu como a expressão de

Andrew se tornava vazia, como se tivesse deslocado uma cortina sobre seus sentimentos.

Palpitou-lhe um músculo na mandíbula e sua garganta se acionou no que Catherine supôs seria

um intento para tragar sua decepção. Devagar, soltou-lhe a mão ao mesmo tempo que no interior

de Catherine uma voz gritava «Não!», embora mantivesse firmemente fechados os lábios para

contê-la. Abriu lentamente a mão e lhe mostrou o anel. Ele olhou fixamente o anel durante tanto

tempo que Catherine pensou que se negaria a aceitá-lo. E, de fato, isso foi o que fez, estendendo

finalmente a mão e obrigando que ela depositasse o anel em sua palma. Depois, Andrew se retirou

apressadamente e saiu do quarto, fechando com suavidade a porta a suas costas sem voltar a vista

atrás.

Sem afastar os olhos da porta fechada, Catherine se afundou no sofá. O calor que a mão de

Andrew tinha deixado na sua no ponto onde a tinha tomado apenas segundos antes tinha

desaparecido, deixando um calafrio que se estendeu por todo seu corpo. Sua mente, sua lógica,

diziam-lhe que tinha tomado a decisão correta. Entretanto, a dor que lhe embargava o coração

indicava que possivelmente acabava de cometer um terrível engano.

Pouco antes do amanhecer, Andrew estava sentado na beira da cama, com os cotovelos

sobre os joelhos e as mãos embalando sua cabeça dolorida. Entretanto, a dor surda que lhe afligia

as têmporas não era nada comparado com a dor dilaceradora que aprisionava no peito.

Como era possível que o coração doesse tanto e que ainda assim seguisse pulsando?

Lamentava não poder atribuir o resultado de sua proposta a sua precipitada formulação, mas

suspeitava que inclusive embora tivesse demorado meses em cortejar Catherine, no final, lhe teria

recusado de todos os modos.

«Mas, ao menos, poderia ter desfrutado desses meses com ela —zombou dele sua voz

interna — Agora não tem... nada.»

Andrew gemeu e se levantou de repente. Obviamente tinha cometido um engano

obrigando Catherine a escolher entre tudo ou nada, embora maldição, levava muito tempo

desejando-a, muito tempo esperando. Tinha guardado muitas esperanças de que ela terminasse

lhe querendo. De que por fim se desse conta de pertenciam um ao outro.

A imagem do bastardo do Carmichael levando-a arrastada para os mananciais piscou em

sua mente e suas mãos se fecharam com força. O que havia no Guia que havia provocado nele um

ódio tão encarniçado para tentar matar o seu autor? Sim, as premissas e o explícito conteúdo da

mulher moderna atual eram escandalosos... mas até o ponto de incitar ao assassinato?

Recordava haver-se encontrado com o Carmichael depois do disparo na festa de

aniversário de lorde Ravensly. Havia sentido algo estranho, quase familiar, enquanto Carmichael

informava que tinha visto um homem entrar correndo no Hyde Park depois do disparo. E tinha

tido a mesma sensação tanto na velada em casa do duque como no museu, no dia anterior. Philip

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havia dito que Carmichael tinha passado tempo na América do Norte...

Andrew fechou os olhos, obrigando-se a recordar cada detalhe de seus encontros com

Carmichael, primeiro nas festas, logo no museu...

Uma imagem apareceu em sua mente: viu o Carmichael acariciando o queixo ao mesmo

tempo em que um arco íris de prismas de luz saía ricocheteados do diamante quadrado e dos ônix

do anel que levava no dedo. De repente, Andrew o reconheceu e tudo em seu interior se congelou.

Carmichael também levava esse anel nas duas festas nas que se encontraram. Não era o homem

quem tinha inspirado aquele brilho de lembrança... era o anel.

Andrew passou as mãos pela cabeça enquanto o coração lhe pulsava com força. Se não

tivesse revivido o dia da morte de Emily, provavelmente não teria reparado nunca nisso. Tinha

enterrado essa dor, essa imagem tão dentro... mas não havia lugar para engano. O particular anel

de diamantes e ônix era idêntico ao que Lewis Manning levava no dia em que Andrew lhe tinha

disparado.

«Carmichael não procurava por Charles Brightmore. Mas sim por ele .»

A verdade lhe golpeou como um murro e a cabeça lhe deu voltas. Carmichael devia ter

alguma conexão com Lewis Mannig. De fato, à medida que as peças do quebra-cabeça

rapidamente foram colocando-se em seu lugar, Andrew se deu conta de que existia alguma

semelhança entre ambos, na zona que rodeava os olhos. Seria Carmichael o pai de Lewis? O tio?

Provavelmente o pai, decidiu. O qual lhe dava sem dúvida um claro motivo para lhe odiar.

Quando Catherine tinha sido vítima do disparo, Andrew estava de pé junto a ela. A bala

era dirigida a ele. E essa noite, Carmichael tinha planejado matá-lo, plano que tinha frustrado com

a presença de Catherine. Sem saber, ela tinha-lhe salvado a vida e esteve a ponto de se afogar no

processo.

Deu um profundo suspiro. Jesus. A única coisa que tinha pretendido era protegê-la, e era

ele o perigo. O que significava que tinha que se afastar dela. Imediatamente.

Depois de onze anos, seu passado começou a caçá-lo. E em duas ocasiões tinha estado a

ponto de matar Catherine. Bem, Carmichael não disporia de nenhuma oportunidade mais.

Dirigiu-se apressadamente ao armário, tirou sua bolsa de couro do fundo e rapidamente

começou a colocar dentro seus pertences.

«Não se preocupe, Carmichael. Me encontrará. Vou fazer isso muito fácil.»

Catherine estava sentada em sua poltrona olhando os restos do fogo que se extinguiu fazia

umas horas. A cinza morta era um reflexo perfeito de seu estado de ânimo.

Com uma exclamação de aborrecimento, levantou-se e começou a percorrer o quarto. Que

demônios lhe ocorria? Tinha tomado a decisão correta, a única podia ter tomado levando-se em

conta as circunstâncias. Tudo ou nada? Como poderia ter acessado a dar-lhe tudo»? Não podia,

assim simplesmente. Entretanto, apesar dessa lógica, de certo modo ainda se sentia como se a

tivessem talhado pela metade.

Deus santo, as coisas que Andrew lhe havia dito. Seu passado a tinha deixado totalmente

comovida, mas depois de umas horas de reconsideração, a prova pela qual ele tinha passado só

reforçava a compaixão e a admiração que sentia por ele. Sim, tinha matado a um homem, mas um

homem que apenas uns segundos antes tinha tentado lhe matar. Um homem que tinha matado a

sua esposa... uma jovem que tinha ajudado arriscando muito ao fazê-lo. Andrew tinha perdido

tudo, e tudo isso em nome do amor. Mesmo assim, e a diferença dela, era óbvio que não havia

virado as costas ao amor nem ao casamento. Era um homem gentil, nobre, generoso, considerado

e...

OH, Deus, sua forma de olhá-la, o coração aparecendo nos olhos, esses olhos que pareciam

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lojas de comestíveis de desejo abrasador e de nua emoção. Catherine se deteve em seco e seus

olhos se fecharam, imaginando tão claramente como se o tivesse diante. Ninguém tinha cuidado

assim dela antes. E, que Deus a ajudasse, por mais que lutasse contra isso, por mais que tentasse

negar, desejava que Andrew voltasse a olhá-la assim. Simplesmente não estava preparada para

renunciar a ele como amante.

Abriu os olhos e seguiu caminhando pelo quarto com a mente perturbada. Estava certa de

que se esforçasse um pouco, poderia lhe convencer de que sua proposta era precipitada e lhe

persuadir para que continuassem com sua aventura. A mulher moderna atual não ia permitir que

fosse ele quem tivesse a última palavra e desaparecer. Não. A mulher moderna atual faria uso de

toda a munição que guardava em seu arsenal feminino para lhe tentar, lhe atrair, lhe convencer e

lhe seduzir segundo suas próprias convicções.

Assim que foi consciente disso, foi como se o sol aparecesse entre um banco de nuvens. Por

que teria levado toda a noite para se dar conta de algo que agora era tão óbvio? Imediatamente

amaldiçoou sua veia teimosa, embora pelo menos havia recuperado a prudência.

Quanto antes pusesse em prática sua campanha de persuasão, melhor. E que melhor forma

de começar que lhe estender um convite para que retornasse a Little Longstone na semana

seguinte? Melhor inclusive se lhe estendia o convite imediatamente. Na cálida intimidade de seu

dormitório. Vestida só com sua camisola e de salto.

A pálida luz do amanhecer rompia depois dos vidros das janelas quando saiu do

dormitório e correu silenciosamente pelo corredor. Ao chegar a sua porta, chamou discretamente.

—Andrew? —disse em voz baixa.

O silêncio veio recebê-la e Catherine voltou a chamar, embora seguisse sem ouvir nenhum

ruído procedente do interior. Preocupada, fez girar a maçaneta e abriu a porta o suficiente para

poder dar uma olhada dentro. Gaguejou-lhe o coração e logo empurrou a porta até abrir.

O quarto estava vazio, e a cama intacta. Percorreu o dormitório com o olhar, reparando,

com temor, que não havia nenhum dos equipamentos pessoais de Andrew. Como em estado de

transe, cruzou o quarto até o armário e abriu as portas de carvalho. Vazio.

Uma dor aguda e penetrante lhe roubou o fôlego. Com uma cálida umidade abrindo passo

do fundo de seus olhos, voltou-se para a cama e o coração lhe deu um tombo ao ver o pequeno

pacote colocado sobre o travesseiro. Correu pelo tapete e agarrou a nota que estava em cima do

pacote. Rompeu o selo e leu atentamente as palavras escritas nela.

Minha querida Catherine:

Acredito que Carmichael é o pai de Lewis Manning e que não é a ti, a não ser a mim, a

quem busca. Em meu desejo de te proteger do perigo, não fiz nada, a não ser trazê-lo até você.

Mantenha você e Spencer em casa. Me encarregarei de que Carmichael não volte a fazer

mal a ninguém.

Receba como presente de despedida meu mais prezado tesouro. Philip esteve a ponto de

deixá-las quando partimos do Egito, de modo que as agarrei. Desde a primeira vez que ouvi as

palavras que tinha escrito ao seu irmão, senti como se houvessem me virado do avesso.

Apaixonei-me profunda e perdidamente por você assim que vi sua formosa imagem nesta

miniatura. Viveste em meu coração desde esse dia. Vivi da lembrança de suas palavras durante

anos e te dou obrigado pelo valor e a esperança que me infundiram. Por favor, guarde o anel como

uma amostra de minha gratidão e de meu afeto.

Andrew

Com dedos trementes, Catherine desdobrou o pequeno pacote de linho, consciente, com o

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coração em um punho, de que se tratava do lenço que tinha lhe dado. Ao desdobrar o último

fragmento de tecido, baixou o olhar. O anel de esmeraldas estava colocado em cima de um grosso

maço de cartas descoloridas atadas com um desfeito laço de couro. Imediatamente reconheceu sua

própria letra.

Sentiu que o sangue lhe abandonava o rosto. Aquelas eram as dúzias de cartas que tinha

escrito ao Philip enquanto ele estava de viagem. Os tesouros mais apreciados de Andrew.

A verdade a golpeou como uma bofetada dada com o dorso da mão e sentiu uma

entristecedora necessidade de se sentar. O amor de Andrew por ela não era recente, como ela

tinha suposto. Estava apaixonado por ela fazia... seis anos. Tinha resgatado essas cartas antes de

partir do Egito, as guardando com ele durante todo esse tempo. E agora as havia devolvido.

Envoltas no lenço que lhe tinha bordado, deixando atrás dele tudo o que tinha dela. Porque tinha

se afastado de seu lado.

Uma lagrima lhe caiu na mão. Perplexa, olhou a lágrima ao tempo que outra, e outra mais

caíam sobre sua pele. Durante todos esses anos, enquanto sofria os rigores da solidão, suportando

o cruel rechaço e indiferença que seu marido mostrava para ela e para o Spencer, Andrew a tinha

estado desejando. Necessitando-a. Amando-a.

A dimensão dessa verdade, a profundidade dos sentimentos do Andrew, sua devoção,

humilharam-na, enervando-a, e quase pôde sentir como o muro que tinha construído a seu redor e

em torno de seu coração se derrubava, deixando-a ao descoberto e despindo totalmente seus

sentimentos. Convertendo-os em algo inegável. Já não podia seguir ocultando-se deles. Não

desejava somente ao Andrew. Amava-o.

Deixou escapar um soluço e apertou seus trementes lábios. Com uma impaciente

exclamação, passou-se o dorso da mão pelos olhos. Depois. Poderia chorar depois, embora

esperasse com toda a alma que não fosse necessário. No momento, precisava averiguar onde teria

ido Andrew e pensar na forma de lhe ajudar a encontrar ao Carmichael. Logo lhe dizer quão

estúpida tinha sido. E rezar para que a perdoasse pela dor que seus medos e sua confusão que

tinham causado a ambos.

Agarrou as cartas e o anel para levar-lhe depois ao peito, e foi até a janela e perdeu o olhar

na suave luz dourada que anunciava o amanhecer. Seus olhos se desviaram ao longe, para os

estábulos, e piscou ao ver a conhecida figura de ombros largos do Andrew aproximando-se da

enorme porta. O coração lhe deu um tombo de puro alívio. Andrew seguia ali. Se fosse rápida,

poderia chegar aos estábulos antes que ele fosse. Embora, com o Carmichael provavelmente

espreitando nas imediações, necessitava amparo.

Correu então a sua habitação, caiu de joelhos ante seu armário e tirou dele uma velha

chapeleira. Abriu a tampa, agarrou a pequena pistola que ocultava debaixo de um montão de

luvas. Pôs a seguir as cartas e o anel do Andrew em cima e voltou a colocar a caixa em seu lugar.

Amaldiçoando o atraso, vestiu-se com toda pressa e, metendo a pistola no bolso do vestido, saiu

da estadia.

Capítulo 20

A mulher moderna atual deveria praticar sempre a prudência e a cautela no que concerne

aos assuntos do coração. Às vezes, entretanto, o destino lhe colocará diante de um homem que a

surpreenderá, lhe desfazendo o coração. Se o cavalheiro em questão sente o mesmo por ela, a

mulher moderna atual deve reconhecer nisso o milagre que encerra e não deixar escapar ao

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homem!

Guia feminino para a conquista

da felicidade pessoal e a satisfação íntima

Charles Brightmore

Andrew se deteve na porta dos estábulos para deixar que seus olhos se adaptassem à

penumbra do interior, pistola em mão. Devagar, estudou o enorme espaço interior enquanto

prestava atenção com olhos e ouvidos a algo fora do normal. Não percebeu nada e uma rápida

busca lhe certificou de que Carmichael não se ocultava em nenhum dos estábulos do recinto.

Fritzborne não estava à vista, algo que lhe intranqüilizou. Sem dúvida teria que ter retornado da

casa da senhora Ralston.

Permitiu-se outro olhar por cima da porta do terceiro estábulo onde dormia Sombra, em

um leito de feno coberto com uma manta. Teria que mandar a alguém a procurar o cachorrinho. E

devolver a Afrodita. Deus sabia que não teria forças para voltar para Little Longstone

pessoalmente.

Obrigando-se a mover os pés, entrou no quarto. Depois de deixar a pistola em cima de um

banco de trabalho, estava a ponto de agarrar a sela de Afrodita quando ouviu a voz de Spencer:

—Vai embora Stanton?

Voltou-se apressadamente. Spencer estava na soleira, com a confusão e a dor refletidas nos

olhos.

Uma onda de alarme percorreu Andrew. Com o Carmichael lhe buscando, esse era o

último lugar onde queria ver o Spencer.

Aproximou-se dele com o estômago tenso de preocupação.

—O que está fazendo aqui, Spencer?

—Queria brincar com Sombra. Quando saía de casa, te vi entrar nos estábulos. Parte? —

voltou a perguntar.

—Sim.

Um olhar de perplexidade apareceu em rosto do Spencer.

—Sem se despedir?

A culpa golpeou Andrew nas vísceras.

—Só durante um tempo. E só porque tenho muita pressa. Pensava em te escrever. —

Rapidamente lhe explicou o que estava ocorrendo, concluindo com—: Assim que tenha selado a

Afrodita, levarei-te de volta a casa. Deve ficar dentro até que Carmichael seja pego. Protege a sua

mãe. Entendeu?

Spencer assentiu.

—Quando voltará?

Andrew inspirou fundo. Não tinha tempo para dizer todas as coisas que gostaria, mas não

podia confessar a verdade ao menino.

—Recorda todos esses incomodos pretendentes que desejam cortejar a sua mãe?

—É obvio. Ensinamos-lhes a deixar de incomodar a mamãe, não?

—Sim, é certo. Desgraçadamente, converti-me em um deles.

Spencer piscou várias vezes.

—Quer cortejar a minha mãe?

—Isso eu queria, sim, mas as coisas não foram como eu esperava.

Spencer franziu o cenho. Andrew quase pôde ouvir girar as rodas na mente do jovem.

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—E por que não vão sair bem as coisas? Você gosta da mamãe, sei. e... e ela gostou muito

do sorvete de morango.

—Sei que gosta. Mas às vezes isso não é suficiente. E, neste caso, não é.

O lábio inferior do Spencer começou a tremer e as lágrimas lhe inflamaram os olhos.

—Então, não vai voltar?

Que Deus o ajudasse. Quantas vezes podiam romper seu condenado coração em um só

dia? Andrew estendeu os braços e pousou as mãos nos ombros de Spencer.

—Temo que não. Mas quero que saiba que eu adoraria que me visitasse em Londres

sempre que quiser.

—De verdade?

—Sim. E de verdade espero que considere a possibilidade de fazer a viagem. Acredito que

está preparado para te aventurar além dos limites de Little Longstone. Mostrarei-te o museu e

poderíamos continuar com suas lições de pugilismo.

Spencer se passou o dorso da mão pelos olhos.

—Me... eu adoraria.

—Também podemos nos enviar cartas se quiser, embora, conforme me disseram, sou um

desastre com a ortografia.

—Eu poderia lhe ensinar. Vou muito bem.

—Bem, então está decidido. Embora... se importaria muito cuidar de Sombra em meu lugar

até que possa enviar alguém para lhe buscar?

—Absolutamente. Possivelmente possa levar-lhe eu mesmo a Londres.

Andrew sorriu apesar do nó que tinha na garganta.

—Um plano excelente.

—Senhor Stanton... —Spencer levantou os olhos para ele e a tristeza que revelava seu olhar

cortou Andrew como uma faca — E se as pessoas de Londres se mostrarem... desagradáveis

comigo?

—Estarei sempre ao seu lado, Spencer. Se alguém for o bastante estúpido para mostrar-se

desagradável contigo, embora seja uma só vez, prometo-te que não haverá uma segunda.

Suas palavras apagaram parte da preocupação que velava os olhos do jovem, embora nada

fizeram para a tristeza apagar deles. E era hora de ir. Depois de dar um apertão nos ombros do

menino, olhou-lhe diretamente nos olhos.

—Quero que saiba que... se tivesse um filho, eu gostaria que fosse igual a você.

O queixo de Spencer tremeu e uma solitária lágrima deslizou por sua bochecha, golpeando

Andrew com mais violência que qualquer arma. Spencer deu um passo adiante e rodeou ao

Andrew pela cintura, estreitando-o entre seus braços.

—Quem dera que fosse meu pai - disse com um sussurro quebrado.

Andrew fechou os olhos com força e também abraçou ao Spencer. Teve que tragar duas

vezes para encontrar a voz.

—Quem dera Spencer. Quem dera. Mas sempre seremos amigos.

—Sempre?

—Sempre. Sempre que precisar de algo, não tem mais que me pedir isso Deu umas

palmadas no jovem nas costas e logo retrocedeu — E agora temos que ir. Por que não agarra a

Sombra enquanto eu selo a Afrodita?

Spencer assentiu e a seguir se dirigiu ao terceiro estábulo. Andrew ficou fora do quarto, lhe

observando, perguntando-se como podia um homem sofrer tanto se sentindo de uma vez tão

aturdido.

Assim que a pesada porta de madeira do estábulo se fechou silenciosamente detrás de

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Spencer, Andrew soltou um profundo suspiro e se obrigou a enterrar sua dor como o tinha feito

com tantos outros. Voltou-se para retornar uma vez mais ao quarto, mas não tinha dado mais de

um passo, quando a voz de Carmichael disse:

—Fique onde está.

Andrew se virou e viu emergir ao Carmichael entre as sombras, lhe apontando diretamente

com uma pistola.

Mantendo uma calma externa que estava longe de sentir, rapidamente avaliou suas

limitadas possibilidades: possibilidades ainda mais desalentadoras pela presença de Spencer.

Maldição, se algo chegasse a ocorrer ao menino...

Obrigou-se a manter firme o olhar no nariz e na bochecha arroxeada de Carmichael para

não deixá-lo vagar até o estábulo que Spencer tinha entrado. Teria se dado conta Carmichael de

que não estavam sozinhos? Se fosse assim, tinha que assegurar-se de que Spencer não se deixasse

ver.

Andrew se esclareceu garganta e disse, elevando a voz:

—Quanto tempo pretendia seguir ocultando-se no estábulo?

—Não estava no estábulo - disse Carmichael — Estava fora, me ocupando do chefe de

estábulos.

O alívio e a fúria esticaram as mãos do Andrew: alivio ao saber que Carmichael parecia

ignorar que não estavam sozinhos, e fúria ante a notícia de que Fritzborne tinha sido vítima

daquele bastardo.

—Matou-o?

Carmichael se aproximou devagar, com os olhos brilhantes.

—Não estou certo. Mas, embora esteja vivo, não lhe será de nenhuma ajuda. Deixei-o bem

machucado.

O olhar de Andrew descendeu imediatamente até a pistola do Carmichael e interiormente

amaldiçoou o fato de que sua própria arma estivesse fora de seu alcance, onde a tinha deixado ao

ir procurar a sela. Ainda tinha a faca, mas teria que escolher o momento com muito cuidado. Se

falhasse...

Quando aproximadamente uns sete metros lhes separaram, Carmichael se deteve.

—Demorou bastante em vir aos estábulos.

—Teria vindo antes se soubesse que me esperava... Manning.

A surpresa cintilou nos olhos de Carmichael.

—Assim já tem descoberto quem sou. Bem. Levo esperando muito tempo este momento.

Levou-me a uma apaixonante caçada durante estes últimos onze anos, Stanton, mas agora tudo

terminou. Agora pagará por ter matado ao meu filho.

—Seu filho matou a minha esposa.

—Sua esposa? Nunca foi dela. Era propriedade de Lewis. Você a roubou. Seu casamento ia

unir a duas poderosas famílias.

—Seu filho lhe batia.

—E o que importa isso? Era dele e podia usá-la a seu desejo. Se a jovem não tivesse sido tão

estúpida, não lhe teria enfurecido como o fazia. Deus santo, mas se logo que sabia falar. As únicas

qualidades que a redimiam eram seu sobrenome e sua enorme fortuna.

Os olhos de Andrew se enfureceram e deu um passo adiante.

—Sugiro-lhe que tome cuidado com o que diz dela.

—E eu lhe sugiro que não volte a mover-se. Sou um perito atirador.

—Um perito atirador? Não acredito. Não me alcançou na festa de lorde Ravensly por

menos de meio metro. Seu descuido esteve a ponto de custar a vida a lady Catherine.

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Andrew apertou os dentes diante do despreocupado encolhimento de ombros de

Carmichael.

—Temo que, quanto maior é a distância, mais pontaria perdemos.

—Ontem à noite também pretendeu lhe fazer mal.

—Sua inesperada presença interferiu em meus planos.

—E o museu? Isso foi obra sua ou por acaso contratou alguém para que o saqueasse?

Um gélido sorriso enrugou as comissuras dos lábios do Carmichael.

—Fui eu. Nem se imagina a satisfação que experimentei com cada machadada. Com cada

janela feita pedacinhos. Vendo logo como seus investidores lhe davam as costas. Tudo isso são

pequenas retribuições pelo que você fez a minha família. —Seus olhos ardiam de puro ódio — O

casamento de Lewis com a herdeira dos Northrip teria resolvido todos os problemas financeiros

de minha família. Quando assassinou meu filho, perdi tudo. Northrip descobriu minhas dívidas e

decidiu retirar-se de nossa fusão. Naturalmente, matei-lhe, embora não obtive com isso mais que a

simples satisfação de acabar com sua vida. Minha casa, minha empresa... tudo perdido. Você

merecia não menos em troca. Primeiro, perder seu museu, e agora, por fim, depois de muitos anos

lhe buscando, também perder sua vida.

Um forte ofego chegou da porta dos estábulos. Andrew se voltou e o coração a ponto

esteve de deixar de lhe pulsar no peito. Catherine estava de pé na soleira, a menos de sete metros

dele e com o horror refletido em seus olhos abertos.

—A menos que queira que dispare no senhor Stanton, tirará agora mesmo a mão de sua

saia, lady Catherine. —Sem apartar os olhos dela, Carmichael prosseguiu —E se você se mover

um só centímetro, senhor Stanton, matarei-a. E agora coloque as mãos à frente, lady Catherine...

sim, assim, e aproxime-se do senhor Stanton... não, nem tanto. Detenha-se aí mesmo.

Catherine se deteve um par de metros de Andrew. Enquanto falava com Catherine, um

ligeiro movimento detrás de Carmichael captou a atenção de Andrew. Spencer, com os olhos

arregalados, espionava por cima da porta do estábulo situada justamente atrás de Carmichael.

Os olhos de ambos se encontraram e Andrew inclinou bruscamente a cabeça, rezando para

que Spencer entendesse a mensagem e se mantivera oculto. A cabeça do jovem desapareceu.

A mente de Andrew começou a pensar a toda pressa. Como podia tirar o Spencer, e

Catherine e a ele mesmo com vida daquela confusão? Carmichael estava a menos de dois metros,

diretamente diante do estábulo onde se ocultava Spencer. De repente lhe chegou um golpe de

inspiração e se esclareceu garganta.

—Sabe que lhe enforcarão por isso.

—Ao contrário. Sydney Carmichael simplesmente desaparecerá e nunca voltará.

—Não contaria com isso. Tenho certeza de que não demorará a ver-se pendurado na forca.

—Acompanhou sua afirmação estalando a língua — Sim, balançando-se, exatamente como a porta

de um velho estábulo, como estava acostumado a fazê-lo meu velho amigo Spencer. E como

provavelmente estaria encantado de fazê-lo de novo. Neste preciso instante.

Ouviu a afiada inspiração de Catherine, mas não se atreveu a olhá-la. Um brilho de

confusão apareceu nos olhos de Carmichael, cujo olhar se endureceu imediatamente.

—Estranha escolha para suas últimas palavras, embora o que importa já. Sua vida terminou

- anunciou, apontando diretamente a pistola ao peito de Andrew.

Em apenas um segundo, a porta do estábulo situado detrás do Carmichael se abriu de

improviso, lhe golpeando com força nas costas e lhe fazendo perder o equilíbrio. Andrew se

lançou para diante. Antes que Carmichael pudesse recuperar o equilíbrio, os punhos do Andrew

encontraram seu objetivo com dois golpes rápidos e potentes que golpeou a mandíbula e o

diafragma de Carmichael. Este soltou um grunhido e a pistola deslizou de seus dedos,

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aterrissando no chão de madeira com um golpe surdo. Andrew o agarrou pela gravata e quando

tinha jogado o punho atrás para lhe dar um novo golpe, Carmichael pôs os olhos em branco,

pendurando inerte da mão do Andrew. Este o soltou e Carmichael se derrubou no chão, viu

Catherine que, respirando pesadamente e com os olhos brilhantes em uma combinação de fúria e

triunfo, sustentava entre as mãos um cubo.

—Toma bastardo - disse ao homem cansado.

Andrew quis dizer uma dúzia de coisas, mas ao abrir a boca, o que saiu dela foi:

—Derrubou-o.

—Devia-lhe uma. Está bem?

Andrew piscou.

—Sim. E você?

—Sim, estou bem. Só lamento não ter tido a oportunidade de lhe haver dado duas vezes.

Com o cubo deformado na mão, os olhos acesos, as bochechas avermelhadas, estava

magnífica... com uma fúria vingadora, disposta a derrubar a qualquer canalha que se atrevesse a

cruzar seu caminho.

—Certamente, qualquer um diria que não necessita das lições de pugilismo que tínhamos

falado.

Spencer correu para eles, pálido e com os olhos apavorados.

—Está morto? —perguntou.

—Não, - disse Andrew—embora graças a sua mãe terá uma espantosa dor de cabeça

quando voltar em si.

Catherine soltou o cubo, que foi dar contra o chão com um ruído metálico, e logo cobriu a

distância que a separava de Spencer com dois espantosos passos. Abraçando-o acaloradamente,

perguntou:

—Está bem, carinho?

Spencer assentiu.

—Me alegro de que não esteja ferida, mamãe. —Olhou ao Andrew por cima do ombro de

Catherine — E você também, senhor Stanton.

Quando Catherine soltou seu filho, Andrew pôs uma mão no ombro do Spencer e sorriu.

—Estou bem, graças a ti. Salvou a minha vida. E também a de sua mãe.

O carmesim tingiu as pálidas bochechas de Spencer.

—Queria te matar. E também a mamãe.

—Sim, realmente. Foste extraordinariamente valente, conservando a calma e te mantendo

em silêncio para logo agir no momento exato. Estou muito orgulhoso, e em dívida com você.

Spencer se ruborizou ainda mais.

—Só fiz o que você me indicou.

—E o tem feito de um modo brilhante.

Um sorriso iluminou os lábios do jovem.

—Parece-me que formamos uma boa equipe.

—Não me cabe dúvida.

Andrew assinalou ao Carmichael com a cabeça.

—Temos que lhe atar e logo ir ver como está Fritzborne.

Assim que Carmichael esteve perfeitamente amarrado, encontraram ao Fritzborne detrás

dos estábulos, debatendo-se denodadamente contra as cordas que o atavam. Andrew cortou as

cordas com sua faca, lhe explicando rapidamente o ocorrido. Quando Fritzborne esteve livre,

Andrew lhe ajudou a se levantar.

—Encontra-se o bastante bem para ir a cavalo em busca do magistrado?

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—Nada no mundo poderia me causar maior prazer - lhe assegurou Fritzborne.

Depois de ver Fritzborne partir, Andrew se voltou para o Catherine. Cruzou os braços para

evitar tocá-la.

—E agora, provavelmente possa me dizer por que saiu que casa, lady Catherine.

—Olhei pela janela e te vi entrando nos estábulos. Queria falar com você antes que...

partisse. —Elevou o queixo — Não saí de casa desarmada. Desgraçadamente, Carmichael me viu

quando tentava tirar a pistola do bolso.

—A pistola?

—Sim. E estava decidida a usá-la em caso de considerá-lo necessário.

—Já... vejo. Do que queria falar comigo? —Procurou seu olhar, esperando um sinal que lhe

indicasse que possivelmente tinha mudado de opinião, mas a expressão de Catherine não revelava

nada.

—Se importaria que falássemos disto em casa? —O olhar de Catherine retornou ao corpo

de Carmichael e a percorreu um visível calafrio.

—É obvio que não. Mas tenho que ficar aqui até que Fritzborne chegue com o magistrado.

Estou certo de que irá quer falar também com o Spencer e com você.

—Estou de acordo. —E voltando-se para o Spencer, disse—: Acompanha-me, carinho? Há

algo que quero falar com você.

Spencer assentiu. Catherine passou o braço de seu filho por debaixo do dele e Andrew os

viu se afastar, ressuscitando nele a dor de saber que depois desse dia, não voltaria a ser parte de

suas vidas.

Catherine se sobressaltou quando alguém bateu na porta do salão. Depois de passar as

mãos pelo vestido de musselina de cor pêssego e beliscar as bochechas para assegurar-se de que

não estava muito pálida, disse:

—Entre.

A porta se abriu e Andrew apareceu na soleira. Andrew, esse homem alto, sólido,

masculino e atraente, com seus cabelos de ébano desordenados como se os houvesse desarrumado

com os dedos. Catherine ficou sem fôlego e teve que pousar as mãos sobre seu abdômen em um

intento para acalmar os espasmos que a sacudiam.

— Já se foi o magistrado? —perguntou.

—Sim. Entre o que você, Spencer, Fritzborne e eu lhe contamos Carmichael não voltará a

sair jamais de uma cela. —Cruzou devagar a habitação, detendo-se no outro extremo do tapete

que lhes separava — Dizia que queria falar comigo.

—Sim. Antes que Spencer e eu retornássemos a casa, demos um passeio pelos jardins e

tivemos um longo bate-papo. —voltou-se, dirigiu-se a mesa de cerejeira situada junto à janela e

agarrou um buquê de flores cujos caules estavam atados com um laço de cetim vermelho. Ao

voltar, estendeu o ramo, rezando para não parecer tão nervosa como estava — Pegue, é para você.

A surpresa cintilou nos olhos de Andrew ao tomar as flores.

—Dicentra spectabilis -disse com voz rouca.

—Vejo que se lembra do nome em latim.

Andrew cravou o olhar nas flores vermelhas e brancas e um som carente do menor humor

se abriu passo entre seus lábios.

—Do coração sangrento? Como esquecer algo tão... descritivo. —Pareceu abrasá-la com o

olhar — Lembro-me de tudo, Catherine. Cada olhar. Cada palavra. Cada sorriso. Lembro a

primeira vez que te toquei. A última. E cada carícia que compartilhamos nesse tempo.

Catherine fechou com força os punhos para evitar assim tocar o vestido.

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—Encontrei sua nota. O anel. E as cartas. Eu... não tinha a menor idéia de que seus

sentimentos para mim se remontassem a tanto tempo atrás.

—É disso que quer me falar? Do fato de que eu levo te amando há anos e não meses?

—Sim. Não. —Negou com a cabeça — O que pretendo é te falar de quais são meus

sentimentos.

Andrew se surpreendeu.

—Estou escutando.

—Quando saiu de meu quarto, passei o resto da noite pensando e finalmente cheguei ao

que me pareceu uma decisão lógica. Fui-lhe comunicar isso, mas já não estava. Então li sua nota,

vi as cartas que eu tinha escrito e todas minhas fantásticas decisões se desintegraram. Só ficou

uma inegável e irrefutável verdade: que já tinha cometido um terrível e espantoso engano te

recusando e que estive a ponto de cometer outro. Não desejo cometer mais enganos dessa classe.

—Inspirou fundo antes de prosseguir — Andrew quer se casar comigo?

Em toda sua vida Catherine não enfrentou um silêncio mais ensurdecedor. O coração

parecia haver parado e haver-se arrojado ao galope de uma vez enquanto ele a observava com

expressão precavida. Por fim, falou.

—Como disse?

Catherine arqueou uma sobrancelha, dando amostras de sua melhor imitação dele.

—Por acaso desconhece o significado do verbo «casar»? Tenho acaso que ir procurar um

dicionário?

—Possivelmente deveria, porque eu gostaria de estar certo de que falamos da mesma

palavra.

—Não faz muito tempo, uma pessoa muito sábia me disse que o casamento significa

cuidar-se mutuamente. Amar-se. Compartilhar a risada e ajudar-se na dor. Saber sempre que há

outra pessoa a seu lado. Que está aí quando precisa dela. —Deu um passo para ele, logo outro —

Significa que quero que seja meu marido. Falei com o Spencer, e quer que seja seu pai. E quero ser

sua esposa. Entende agora?

Andrew tragou saliva e moveu a cabeça em sinal de assentimento.

—Deixou pouca margem para uma possível interpretação errônea, embora não estou certo

de por que minha nota precipitou esta mudança em seu coração.

—Pensar em que me amou durante todos estes anos... tocou-me o coração. Abriu seu o

coração. Dei-me conta, com dolorosa claridade, de que se tivesse sido meu marido, meus

sentimentos para o casamento teriam sido muito distintos. Dei-me conta de que desejava que

tivesse sido meu marido. Meus temores têm feito que negasse meus sentimentos por você, mas já

não posso seguir me negando isso. Te amo, Andrew.

Andrew fechou brevemente os olhos, apertando-os com força. Quando os abriu, Catherine

ficou sem fôlego ao perceber a crua emoção que ardia em seu olhar. Estendendo-lhe os braços,

atraiu-a para ele e se uniram em um comprido e profundo beijo que lhe deixou tremendo os

joelhos.

—Outra vez -disse com voz rouca Andrew contra os lábios dela— Diga outra vez.

— Te amo, Andrew.

—Outra vez.

Catherine lhe empurrou o peito com as mãos e lhe olhou carrancuda.

—Não até que responda a minha pergunta.

Andrew lhe beijou o pescoço, destruindo a capacidade de concentração de Catherine.

—Pergunta?

Empurrou-o ainda mais e o olhou irada.

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—Sim. Casará comigo?

—Ah, essa pergunta. Antes que te dê uma resposta, quero me assegurar de que entenda

várias coisas.

—Como, por exemplo?

—Temo que já não estou sozinho. Agora venho com um cão.

Um extremo da boca de Catherine se curvou.

—Entendo. Aceito os termos. O que mais?

—Apesar de que gozo de uma boa posição econômica, deveria saber que desgraçadamente

serei quinhentas libras mais pobre do que tinha planejado já que não poderei entregar Charles

Brightmore a lorde Markingham e a seus amigos.

—Considerando que estou profundamente agradecida por isso, não posso me mostrar

suscetível com a questão do dinheiro.

—Excelente. A fim de que nem Markingham nem nenhum outro instiguem outra

investigação, oferecerei-lhes provas irrefutáveis de que Brightmore fugiu a algum país remoto sem

nenhuma intenção de retornar.

—E como obterá tal prova?

—Sou um tipo muito preparado.

—Não encontrará em mim a menor resistência.

Andrew sorriu.

—Há algo mais que tenha que entender?

—Sim. Ainda me deve o pagamento de uma dívida e lhe exigirei isso. —Seus olhos se

obscureceram e a atraiu mais para ele — Por completo.

Um calafrio de prazer percorreu a coluna de Catherine.

—Uma exigência certamente atroz, mas será concedida. Algo mais?

— Mais uma coisa. Acredito que eu gostaria de seguir seus passos literários e tentar

escrever um livro. Ocorreu-me o título perfeito: Guia do cavalheiro para a sobrevivência

masculina e a compreensão das mulheres.

Catherine lhe olhou fixamente, com expressão perplexa.

—Está brincando.

—Não. Depois do nosso cortejo, considero-me um perito.

Embora possivelmente a idéia não era de tudo desatinada...

—Discutiremos - disse por fim.

—Bem. E possivelmente deveria te encorajar a escrever uma segunda parte do Guia. Estaria

mais do que encantado em te ajudar com suas investigações. Agora, no que concerne a sua

proposta... a resposta é um sim terminantemente. Para mim seria uma honra me casar com você.

Catherine soltou uma baforada de ar que não sabia que estava segurando. Deslizou então a

mão no bolso de seu vestido e tirou o anel de esmeraldas.

—Põe-me isso? —perguntou.

—Será um prazer. —Sujeitando-as flores sob o braço, deslizou-lhe o anel no dedo — Você

gosta? Porque se você não gostar, posso te dar outro de presente...

—É perfeito - Tranqüilizou Catherine, movendo a mão adiante e atrás de modo que a luz

ficasse presa nas distintas facetas da pedra — É meu tesouro mais precioso.

Andrew capturou sua mão e a levou a boca, depositando um quente beijo na palma. Um

sorriso lento e devastador apareceu em seus lábios.

—Nunca tinham me dado flores nem tinham me feito uma proposta de casamento.

O calor e a felicidade a alagaram e lhe devolveu o sorriso.

—Sim, bom, já sabe quanto eu gosto de ser a primeira.

Page 187: Jacquies D'Alessandro - Regência Historica 02 - Um amor Escondido

—Minha querida Catherine, - disse Andrew com os olhos cheios de amor e de paixão—

sempre foi.

FIM