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6. REGIME TERRITORIAL NO BRASIL ESCRAVISTAI
JACOB GORENDER
I. Plantagem e grande propriedade fundiciria
Segundo observa~ao generalizada, a abundancia de terras fer-
teis e de Hcil acesso constitui uma das condi~6es primordiais
do
desenvolvimento do escravismo colonial. Saliente-se: condi~ao
e
nao causa determinante. A plantagem, por sua vez, determinou
a
utiliza~ao do fator terra sob a forma de grande propriedade e
de
grande explora~ao. 0 que se patenteia no exame das
circunsdncias
inerentes a plantagem de a~ucar.Dizia Silva Lisboa que "(. ..)
um proprietirio que tem 50 escravos
de trabalho constame e regular pode ter sem dificuldade 100
tarefas
de cana (...)''.2 Medindo a tarefa baiana 4.356 m2, segue-se que
um
engenho mediano cultivaria, cada ano, 43,5 hectares de cana. Um
gran-
de engenho, com 100 escravos de trabalho, teria um canavial de
87
hectares. PeIo padrao atual, estamos longe do que seria uma
grande
explora~ao. Devemos levar em coma, nao obstante, as
peculiaridades
1 Publicado no livro 0 Escravismo Colonial, Atica, 1976.
2 LISBOA, Silva. op. cit., p. 500.
-
hectares efetivamente aproveitados. Em termos aproximados, a
meta-
de desta area seria impudvel a um engenho mediano.
Os engenhos precisavam ainda de matas para extra
-
segundo Gayoso, 0 algodoeiro dava duas ou tn~s safras em
terreno
recem-desbravado. Segundo Spix e Martius, rarameme um algo-
doal era explorado por mais de W~s ou quatro anos: a
fertilidade
das terras virgens fazia preferivel nova planta
-
13 Cf. VARNHAGEN. Op. cit., t. 1, pp. 180-184; HANDELMANN. Op.
cit., cap. 2;
RIBEIRO, Joao. Op. cit.. pp. 61-67; ABREU, Capistrano de.
Capitulos de Historia
Colonial. Op. cit., pp. 92-95; DIAS, Carlos Malheiros.
"Introduc,;ao" e "0 Regime
Feudal das Donatarias". In HCPB, v. 3; PRADO JUNIOR, Caio.
Evolufiio Polftica
do Brasile Outros Estudos. 2' ed. Sao Paulo, Ed. Brasiliense,
1957, pp. 13-14; DUARTE,
Nestor. Op. cit., pp. 18-25; SODRE, Nelson Werneck. Formafiio
Historica do Brasil.
Sao Paulo, Ed. Brasiliense, 1962, pp. 77-82; ANDRADE, Manuel
Correia de. Eco-
nomia Pernambucana no Siculo XVI. Op. cit., pp. 17-27; SIMONSEN.
Op. cit., t. I,
pp. 122-129; MARCHANT, Alexander. "Feudal and Capitalistic
Elements in the
Portuguese Settlement of Brazil." in The Hispanic American
Historical Review. 1942,
v. 22, n 3, pp. 493-512.
o sistema deve ser compreendido, segundo penso, como
ma-nifesta
-
conservava sobre as novas capitanias brasilicas urn
protetorado,
com poderes mui limitados, a troco de poucos tributos,
incluin-
do 0 do dizimo; do qual tribmo ela mesma pagava 0 cuho
publi-
co e a redizima aos senhores das terras. Quase que podemos
dizer
que Portugal reconhecia a independencia do Brasil, antes dele
se
colonizar".15
Ora, os donatcirios nao receberam nenhum poder legislativo,
subordinando-se integralmente as Ordena
-
de socio menor da Coroa ao qual cabia modesto quinhao da re-
ceita fiscal.18
positaria da Ordem do Mestrado de Cristo. Os Forais dos
donatarios mantiveram 0 carater isen to das terras, que deviam
ser
repartidas em sesmaria, "( ... ) livremente sem foro nem
direito
algum, somente 0 dizimo que serao obrigados de pagar a ordemde
mestrado de nosso Senhor Jesus Cristo de tudo 0 que nas di-
tas terras houverem (... )". Veremos adiante que 0 dizimo
eclesias-
tico perdeu no Brasil a natureza de tributo feudal e se
converteu
em imposi
-
pelo menos urn indicio da indecisao da Corte lisboeta quanto
ao
rumo a seguir. Este indicio e fornecido pelo episodio das
duas
Cartas Regias passadas a Martim Afonso de Sousa sobre
doas:ao
de sesmarias no Brasil, ambas registradas com a mesma data
de
20 de novembro de 1530. Na verdade, trata-se de duas vers6es
da mesma Carta Regia, a primeira derrogada pela segunda,
apos
a partida do delegado real para 0 Brasil. 0 "misterio" das
duas
vers6es, ambas autenticas, se esclarece a luz das ops:6es
provavel-
mente debatidas entre os conselheiros da Coroa a respeito do
re-
gime territorial a ser implantado no dominio colonial. A
ops:ao
adotada na primeira versao denota inspiras:ao feudal, na
medida
em que veta a transmissao hereditciria das terras doadas a
parti-
culares, com 0 que as tornava inalienaveis, enquanto concede
ao
delegado real Martim Monso de Sousa, homem da alta nobreza,
o direito de se apossar de terras ilimitadas sem aquela
restris:ao. A
tomada de consciencia da inviabilidade de semelhante regime
territorial no Brasil explica as alteras:6es introduzidas na
segunda
versao, principalmente 0 direito de transmissao hereditaria
das
terras doadas a quaisquer pessoas.22
Nem desse episodio, houve algumas tentativas frustradas de
transplantar procedimentos feudais ao ambito colonial.
Capistrano
acertadamente chamou a atens:ao para duas doas:6es com
caracte-
rlsticas que nao prevaleceram no regime territorial brasileiro.
Uma
delas, a sesmaria concedida a Bras Cubas, incluia a clausula
de
inalienabilidade perpetua e determinava a sucessao em linha
direta
transversal. A outra, a doas:ao da ilha de Santo Antonio a
Duarte
de Lemos pelo donatcirio do Espirito Santo, Vasco Fernandes
Coutinho, transferiu ao beneficiario quase todas as
prerrogativas
publicas do proprio donatcirio.23 Em ambos os casos, as
doas:6es
copiaram procedimentos feudais e adquiriram a feis:ao de
subenfeudas:6es. Por isso mesmo, nao se generalizaram no
Brasil,
limitando-se a ensaios isolados que nao deixaram vestigios. 0
di-
reito sesmeiro na Colonia, pela propria letra da lei, opunha-se
a
subenfeudas:ao.
4. Metamorfoses institucionais
Cumpre agora esclarecer 0 carater e a funs:ao que tiveram no
Brasil certos institutos tambem procedentes de Portugal: 0
dizimo
eclesiastico, os foros enfiteuticos e os morgadios.
o dizimo eclesidstico - Afirma Armando Castro que 0
dizimoeclesiastico teve natureza de renda feudal nas condis:6es
economi-
co-sociais portuguesas, enquanto Caio Prado Junior 0
considerou
simples imposto, obviamente nas condis:6es de sua incidencia
no
Brasip4 Com efeito, evidencia-se desde logo uma diferens:a
funda-
mental, rel acionada com a posis:ao ocupada pelo clero catolico
e
pela Igreja na Metropole e na Colonia. Em Portugal, 0 clero
cons-
tituia urn dos estamentos privilegiados, isento de tributos como
a
nobreza. 0 dizimo eclesiastico pertencia as entidades clericais
e lhes
vinha ter as maos diretamente. A colonizas:ao do Brasil se fez
sob a
jurisdis:ao religiosa da Ordem de Cristo, cujo mestrado os
papas
atribuiram a Casa Real. Resultou dai que a propria Coroa
passasse
a cobrar 0 dizimo eclesiastico, obrigando-se a pagar 0 sustento
dos
sacerdotes no Brasil. Em con sequencia, 0 clero colonial caiu
numa
situas:ao anaIoga a do funcionalismo publico. Se esta
circunsrancia
ja era suficiente para conferir ao dizimo urn carater fiscal,
acresce
22 Cf "Carta para 0 Capitao-Mor Dar Terras de Sesmaria." In
HCPB, v. 3, p. 160. Ver
tambem p. 147. Texto da segunda versao da mesma Carta In MADRE
DE DEUS,
Frei Gaspar da. Op. cit., pp. 9-10.
23 Cf ABREU, Capistrano de. "Nota." In SALVADOR, Frei Vicente
do. Op. cit .. p. 85.
Ver texto da doac;:aoa Duarte de Lemos. In HCPB, v. 3, pp.
265-266.
24 Cf CASTRO, Armando. Op. cit., v. 1, p. 279 et seqs.; PRADO
JUNIOR, Caio. Op.
cit., p. 14. 0 dlzimo edesiastico nao deve ser confundido com
outros tributos tam-
bem chamados de dizimo, a exemplo dos ineidentes sobre a
exportac;:aoe importac;:ao.
- ainda que, atingindo sua cobran
- seu beneficio, e nao por sesmeiros particulares, na condi
-
dente a concessao de sesmaria a indicayao de fiador idoneo
es-
tabelecido no Recife para se responsabilizar pelo pagamento
do
respectivo foro. 0 qual nao podia deixar de ser considerado
ir-
ris6rio, tratando-se das terras provavelmente mais rentaveis
naquela epoca. Meio seculo depois de instituido, 0
rendimento
do foro para a Fazenda Real em Pernambuco estava avaliado em
240$570, montante que demonstra serem poucos os proprieta-
rios que 0 pagavam.32
Por fim, alei de 15 de novembro de 1831, no seu art. 51, 3.,
declarou abolidos os foros de sesmarias.33 0 fato de essa
medida
legislativa ter sido incluida sumariamente numa lei oryamentaria
-
a primeira do Brasil com jurisdiyao nacional- da bem ideia de
que
o tributo nunca foi senao simples imposto territorial, de muito
ma
vontade aceito pelos latifundiarios e por isso quase sem
efetividade.
o foro que denominei de estatal, instituido em 1695, eracobrado
pelo poder concedente das sesmarias e incidia sobre os
titulares delas. Diferenciava-se do foro cobrado pelos
pr6prios
titulares aos foreiros estabelecidos em suas sesmarias. A este
ul-
timo denomino de foro particular e 0 considero uma forma de
renda da terra. Desse foro particular, caracteristicamente
enfiteutico, ja temos notlcia nos fins do seculo 16, atraves
de
Gabriel Soares de Sousa34 e se tornou usual cobra-Io de
sitios
arrendados para criayao de gado no Nordeste. A Coroa reco-
nheceu sua legalidade ao admitir a pratica da enfiteuse na
ja
citada Provisao de 20 de janeiro de 1699.35 Mais tarde, a
Coroa
mudou de rumo e tentou opor-se a tendencia espontanea a di-
fusao da renda da terra, sob formas de aforamento e arrenda-
mento, identificando nessas praticas urn obstaculo ao povoa-
mento mais rapido do territ6rio colonial. Proibiu, por isso,
que
os beneficiarios de sesmarias as aproveitassem por meio de
foreiros ou rendeiros.36 Exceto nos epis6dios de
interveny6es
t6picas, como foi a que inspirou a Carta Regia de 20 de
outu-
bro de 1753, a proibiyao teria de ficar no papel, pois, aIem
de
contrariar pratica antiga, chocava-se com as tendencias
ineren-
tes a estrutura latifundiaria, criada e mantida com 0
benepIacito
da pr6pria Coroa.
Caso especial de foro enfiteutico foi 0 cobrado pelas
camaras
municipais, como as de Salvador e do Rio de Janeiro, por
conta
de sesmarias que Ihes tinham sido concedidas pelos
governado-
res. Em conseqiiencia, 0 solo municipal ocupado por pessoas
pri-
vadas se conservava propriedade publica e seu uso se tornava
Fonte
de receita patrimonial. Neste sentido 0 entendeu 0 alvara de 5
de
outubro de 1795, no seu 29, pois mandava conceder as cama-
ras datas de sesmaria que poderiam ser aforadas segundo a
legis-
layao do Reino. Isto e, 0 que fica implicito, sob forma
enfiteutica.
Alias, no alvara de 10 de abril de 1821, que trata das terras
muni-
cipais do Rio de Janeiro, a enfiteuse e expressamente
menciona-
da, pois a restabeleceu com a revogayao do Ac6rdao de 20 de
ju-
nho de 1812 do Juizo dos Feitos da Fazenda. Como tambem
naquele alvara se mencionam 0 laudemio e 0 carater perpetuo
do
aforamento. Ora, 0 fato de nas Canas Regias referentes ao
foro
estatal nao haver qualquer menyao a legislayao do Reino
sobre
aforamento, a enfiteuse, laudemio ete., como ocorria nas
conces-
32 Cf "Fragmentos". Op. cit., p. 380; ASN, v. 28, pp. 293, 340;
Documentarao HistOrica
- Sesmarias. v. 1. pp. 63-65; FREIRE, Felisbelto. Op. cit., v.
1. pp. 137-138 et pas.;
BORGES, Fragmon Carlos. "0 Problema da Terra em Pernambuco -
Origens Histo-
ricas da Propriedade da Terra." In Estudos Sociais. Rio de
Janeiro, 1958, n 1, p. 55.
33 CLIB, 1831.
34 Cf. SOUSA, Gabriel Soares de. Op. cit., pp. 148, 153 et
pas.
35 ABN, v. 28, pp. 293-294.
36 Ver Confirma
-
soes de terras municipais, vem confirmar que 0 foro estatal
sobre
as sesmarias privadas nao tinha senao a fei
-
de terras desacompanhada da de escravos ou da possibilidade
de
compra-Ios. Compreende-se que, em alguns casos, as terras de
morgadio ou de capela ficassem simples mente abandonadas,
como
anotou Koster.41
A dinamica propria do escravismo nao se adequava avinculas;ao
perpetua, porem a desvinculas;ao, a alienabilidade
plena da terra. A respeito de vendas de terras, temos noticia
ja
nos comes;os do seculo 17, atraves de Fernandes Brandao.
Den-
tre os que recebiam terras de sesmaria, observou 0 cronista,
al-
guns nao possuiam cabedal para levantar engenhos e se viam
fors;ados a vender suas sesmarias. 0 Conde de Linhares, her-
deiro de Mem de Sa (por casamento com a filha do govern a-
dor), vendeu em lotes grande parte de sua propriedade.
Antonil
nos fala de hipotecas e vendas de terras como algo rotineiro
e
dedica toda uma pagina a conselhos aos compradores de
terras.
Wenceslau Pereira da Silva e Silva Lisboa, no seculo 18,
infor-
maram sobre a pratica corrente de operas;6es de compra e
ven-
da de engenhos na Bahia. Em Sao Paulo, constatou Schorer
Petrone, a compra se tornou com 0 tempo 0 meio predominan-
te de aquisis;ao de terras nas areas da regiao as;ucareira mais
pro-
xima do litoral e de exploras;ao mais antiga. No Vale do
Paraiba,
o incremento da cafeicultura valorizou a regiao e houve
latifun-
diarios que lucraram com a venda de terras antes adquiridas
gra-
tuitamente ou por pres;o irrisorio. Por ai se ve que a
disponibi-
lidade de terras no Brasil colonial nao pode ser considerada
com
a latitude indefinida que the conferem alguns autores.
Fertili-
dade e localizas;ao estabeleciam limites e gradas;6es a
preferen-cia dos plantadores, aos quais podia ser conveniente
comprar 0
terreno relativamente caro no litoral, ao inves de recebe-Io
de
sesmaria a titulo gratuito em regiao afastada e arida.42
Em Portugal, precisou-se da revolus;ao liberal-burguesa do
se-
culo 19 a fim de extinguir os morgados e capelas e
desamortizar
todas as terras vinculadas, 0 que foi levado a efeito atraves de
longa
sucessao de medidas legislativas. No Brasil, a extins;ao dos
morga-
dos e capelas prescindiu de uma revolus;ao. Bastaram a
conquista
da independencia politica e 0 influxo das ideias liberais
europeias,
devidamente interpretadas de acordo com as conveniencias da
classe
dominante de senhores de escravos. Em 1828, a Camara dos De-
putados aprovou 0 projeto de lei de abolis;ao dos vinculos, mas,
no
ano seguinte, 0 Senado 0 rejeitou por maio ria de apenas um
voto,
gras;as ao esfors;o reacionario de Jose da Silva Lisboa,
Visconde de
Cairu. Os defensores do projeto de lei argumentaram, de
maneira
muito pertinente, com a diferens;a existente entre os "tempos
feu-
dais", que justificariam a necessidade do morgadio, e as
condis;6es
brasileiras, dentro das quais seria uma instituis;ao
inteiramente "exo-
tica", impropria a organizas;ao social. No entanto, nao demorou
aabolis;ao completa dos morgados e capelas, pois veio com a Lei
nQ
57, de 6 de outubro de 1835, aprovada pelaAssembleia
Legislativa
e promulgada pela Regencia. Assim, 0 Brasil se antecipou a
suaantiga Metropole, onde medida 60 drastica so entrou em vigor
com
o decreto de 19 de maio de 1863.43 E que no Brasil se tratou
ape-
41 Cf. TEIXEIRA, Cid. "Contribui
-
nas de eliminar urn apendice extravagante, prejudicial ao
escravismo, enquanto, em Portugal, todo urn processo
revolucio-
nario se requereu a fim de arran car as raizes de seculares
institui-
-
capiraes donadrios, Martim Afonso e seu irmao Pero Lopes de
Sousa procediam da alta nobreza, porem os demais sairam da
pe-
quena nobreza ou do medio escalao burocratico. Em seguida a
eles,
alguns altos titulares da nobreza adquiriram capitanias
hereditari-
as no Brasil. Ao todo, nao passaram de poucas dezenas as
familias
privilegiadas com a doac;:aoou a compra de donatarias. Ja 0
ntlme-
ro de sesmeiros subiu a varios milhares e s6 uma pequena
frac;:ao
deles se inclui nas relac;:6esgeneal6gicas nobilitantes dos
Jaboatao e
Pedro Taques. Afinal, mesmo que sejam corretas as
genealogias
arrumadas por esses e outros autores do seculo 18, elas
fornecem
base muito estreita para as afirmac;:6es de Oliveira Vianna e
Olivei-
ra Lima sobre uma classe senhorial brasileira oriunda da
antiga
nobreza lusa. Ja Alcantara Machado desfez rao grata ilusao no
que
se refere aos primeiros povoadores de Sao Paulo. No
Nordeste,
houve certo numero de colonos procedentes da pequena
nobreza,
possuidores de minusculos dominios em Portugal e por isso
atrai-
dos pela perspectiva de enriquecer alem Atlantico, como se
dava
tambem com uns tantos filhos segundos de casas nobres que as
regras do morgadio deserdavam. Mas semelhante caracteristica
social nao se aplica a maior parte do universo de beneficiarios
desesmarias.
Vale, a prop6sito, mencionar os degredados que as naus
portu-
guesas despejavam continuamente no litoral brasileiro e que
aqui
prosperaram. Em resposta a uma objec;:ao de Alviano sobre 0
pri-
mitivo povoamento do Brasil "por degredados e gente de mau
vi-
ver", disse Brandonio com ironia bem grossa:
"Nisso nao ha duvida. Mas deveis de saber que esses
povoadores, que primeiramente vieram a povoar 0 Brasil, a
pou-
cos lanc;:os, pela largueza da terra deram em ser ricos, e com
a
riqueza foram largando de si a ruim natureza, de que as
neces-
sidades e pobrezas que padeciam no Reino os faziam usar. E
os
filhos dos tais, ja entronizados com a mesma riqueza e
governo
da terra, despiram a pele velha, como cobra, usando em tudo
de honradissimos termos, com se ajustar a isto 0 haverem
vin-
do depois a este Estado muitos homens nobilissimos e
fidalgos,
os quais casaram nele, e se liaram em parentesco com os da
ter-
ra, em forma que se ha feito entre todos uma mistura de
sangue
assaz nobre."47
E possivel perceber, alias, que a pr6pria Coroa teve de recuar
combrevidade do prop6sito de uma colonizac;:ao aristocratica, se e
que
chegou a concebe-Ia claramente. Em ambas as vers6es da Carta
Re-
gia de 20 de novembro de 1530, consta a mesma f6rmula acerca
da
doac;:aode terras a pessoas que 0 merecerem "por seus
servic;:ose qua-
lidades". 0 que importaria numa discriminac;:ao a favor dos
elemen-
tos de origem nobre. Ja 0 Foral de Duarte Coelho, datado de 24
de
setembro de 1534, prescreveu categoricamente que 0 capitao e
seus
sucessores repartissem todas as terras de sesmaria "( ...) a
quaisquer
pessoas de qualquer qualidade e condic;:ao que sejam, contanto
que
sejam cristaos (...)". Ao passo que 0 Regimento de Tome de
Sousa
sequer alude a qualidades ou condic;:6es sociais dos
pretendentes de
sesmarias.48 0 Alvara de 8 de dezembro de 1590 ordenou que "(
...)
a todas as pessoas, que forem com suas mulheres e filhos a
qualquer
parte do Brasil, lhes sejam dadas terras de sesmarias (...)". A
mesma
Coroa reconhecia a futilidade de uma colonizac;:aoaristocratica,
pois
o que importava era a valorizac;:aoeconomica imediata do
territ6rio
brasileiro. A guisa de amostragem, pode-se verificar que, num
perio-do de 42 anos, entre 1689 e 1730, nenhum dos candidatos a
sesmarias
em Pernambuco e capitanias anexas invocou dtulos de nobreza,
sen-
47 BRANDAo, Ambrosio Fernandes. Op. cit., p. 134. Constitui
poHtica deliberada da
Coroa a de povoar 0 Brasil com degredados. Cf. GARCIA, Rodolfo.
Ensaio sobre a
HistOria Politica e Administrativa do Brasil (1500-1810). 2.a
ed. Rio de Janeiro, Liv.
Jose Olympio Ed. (em convenio com 0 Instituto Nacional do
Livro), 1975, p. 22.
48 Cf. MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Op. cit. pp. 9-10; HCPB.
v. 3, pp. 160,
312,345-350.
- do as alega
-
sesmaria concedida e sua confirmas:ao dentro de urn a do is
anos
pelo Conselho Ultramarino, em Lisboa.53
Impona reals:ar que nunca deixaram de subsistir
contradis:oes
flagrantes entre a legislas:ao emanada da Metr6pole e sua
aplicas:ao
na Colonia. Basta examinar as repetidas tentativas de limitas:ao
da
extensao das sesmarias e de efetivas:ao da exigencia do seu
cultivo
em certo prazo. Dispenso-me de entrar em detalhes ja
abordados
por varios autores.54 0 que me parece imponante e destacar a
im-
potencia das barreiras legais a tendencia inerente ao escravismo
no
sentido do principio do direito pleno a propriedade privada da
ter-
ra. Em tese, a legislas:ao das sesmarias nao supunha esse
direito ple-
no, uma vez que a doas:ao da terra, subordinando-se a cIausula
do
cultivo, era revogavel. Na realidade dos fatos, prevalecia a
fors:a social
dos latifundiarios, que conservavam a propriedade de
extensoes
muito superiores as suas possibilidades de aproveitamento.55
A partir da Carta Regia de 16 de mars:o de 1682, dirigida ao
governador do Rio Grande do None, sucedem-se varias ordens
reais
mandando revogar e transferir, no todo ou em parte, a
propriedade
das sesmarias conservadas incultas, exigindo demarcas:ao e
confir-
mas:ao e determinando a limitas:ao das futuras doas:oes a urn
maxi-
mo de extensao que, afinal, foi fixado em tres leguas
quadradas.56
Este maximo tornou-se de fato usual, sem deixar de admitir
nao
poucas exces:oes e burlas escandalosas. Pode-se imaginar,
outrossim,
que a revogas:ao e a transferencia de concessoes anteriores nao
de-
penderiam da simples invocas:ao da lei e da comprovada den
uncia
de incultura total ou parcial da sesmaria. Prevaleceriam no caso
as
relas:oes de fors:a entre 0 primitivo titular e 0 novo
pretendente.57
53 0 Alvara de 5 de outubro de 1795 provavelmente despertou
tamanha tesisteneia que, a
pretexto da dificuldade de cumprimento da clausula de medi
- Em contraposi
- passa despercebido, a quem tern por dogma a associa
-
feudal, sendo a terra 0 principal e mais importante dos
meios
de prodU
- qiiencia, nao leva em conta a terra, a culturas, edifica