-
Isto no um programaTIQQUNEm que se lembra que a luta contra o
terrorismo no um
artifcio da geopoltica recente, e sim um ato constituinte de
qualquer soberania h pelo menos sessenta anos,
Em que se explica como uma civilizao cega pode se encontrar
exposta a um inimigo invisvel,
Em que se elucida o sentido da pichao mais 77 que 68 feita
diante da Sorbonne no vaivm de uma manifestao contra a CPE,
Em que !nalmente se entende por que a herana do movimento
operrio !cou to venenosa por todos os lados,
Em que se tira do armrio o cadver que os discpulos de Toni Negri
levam na boca,
Em que se mostra como as estratgias autnomas so as nicas capazes
de destruir o Imprio e como uma mquina de guerra pode no se
degenerar na forma de exrcito ou, simetricamente, em gueto,
Em que se estabelece por que, no momento da dominao do visvel,
nosso partido considerado imaginrio,
Em que se lembra que a vitria possvel,provvel,necessria,
E guerra ao trabalho!
TIQQUN foi uma revista francesa dedicada a exerccios de
metafsica crtica, autodesignada rgo consciente do Par-tido
Imaginrio, foi publicada entre 1999 e 2001. Em suas pginas apareceu
pela primeira vez o Comit Invisvel, que tem publicado no Brasil o
livro A insurreio que vem (Edies Baratas, 2013). Seus dilogos
crticos com a !loso!a poltica abarcam um amplo espectro, que vai do
movimento okupa a Giorgio Agamben, de Georges Bataille Autonomia,
de Mi-chel Foucault Internacional Situacionista. TIQQUN tam-bm a
insgnia que aparece em capas de livros como Materiais preliminares
para uma teoria da menininha (2001), Teoria do Bloom (2004), Isso
no um programa (2006) e Contribuio guerra em curso (2009).
TIQQUN no um autor.
TIQQUN
- Isto no um program
a
-
Isto no um programa
TIQQUN
-
ndice
nota da edio 5
rede!nir a con"ituosidade histrica! 7
extirpar-se da morti!cao francesa! 15
maio rastejante contra maio triunfante! 19
o partido imaginrio e o movimento operrio 25
esmagar o socialismo! 29
armar o partido imaginrio! 39
a autonomia vencer! 57
viver-e-lutar 69
os infortnios do guerreiro civilizado 79
guerrilha difusa! 89
e o Estado naufraga no partido imaginrio... 98
a fbrica do cidado 112
a tradio da biopoltica 120
refutao do negri-ismo 131
e guerra ao trabalho! 140
notas 154
-
5nota da edio
As citaes que aparecem ao longo do texto ora foram tra-duzidas
de suas lnguas originais, ora retiradas de edies consolidadas em
portugus, ora feitas a partir da edio francesa, conforme
indicado.
O texto original de Isto no um programa (TIQQUN, Ceci nest pas
un programme. Rouen: ditions VLCP, 2006) no apresenta notas
explicativas ou bibliogr!cas. Considerando-se a situao espec!ca do
leitor brasileiro alheio ao (ou ao menos distanciado do) contexto
da pu-blicao original , optou-se aqui por incluir tais notas,
conforme a edio estadunidense (TIQQUN, !is is not a program. Los
Angeles: Semiotext(e), 2011). Assim, as referncias bibliogr!cas no
corpo do texto foram man-tidas como no original e completadas em
nota de rodap por pesquisa desta traduo ou partindo do que j havia
sido estabelecido na edio estadunidense. Procedeu-se do mesmo modo
com as notas explicativas sobre siglas, gru-pos polticos ou
conceitos.
-
redefinir a conflituosidade histrica!
No acredito que as pessoas simples pensem que exista, a
curto prazo, o risco de uma dissoluo rpida e violenta do
Estado e de uma guerra civil aberta. Em vez disso, o que
ganha espao a ideia de uma guerra civil latente, para
empregar uma forma jornalstica, de uma guerra civil de
posio que retiraria toda a legitimidade do Estado.
Terrorisme et dmocratie, ditions sociales, 1978. 1
7
-
8De novo a experimentao s cegas, sem protocolo ou quase isso. To
pouco nos foi transmitido; esta talvez pu-desse ser uma
oportunidade. De novo a ao direta, a des-truio sem sentenas, o
enfrentamento bruto, recusa de qualquer mediao: aqueles que no
querem compreender no obtero nenhuma explicao de nossa parte. De
novo o desejo, o plano de consistncia2 de tudo o que fora
re-primido por vrias dcadas de contrarrevoluo. De novo tudo isso, a
autonomia, o punk, a orgia, a revolta, mas sob um prisma indito,
amadurecido, pensado, desembaraa-do das esquivas do novo.
Por meio de muita arrogncia, operaes da polcia in-ternacional e
comunicados de vitria permanente, um mundo que se apresentava como
sendo o nico possvel, como o coroamento da civilizao, soube se
tornar violen-tamente detestvel. Um mundo que acreditava ter
esva-ziado seu entorno descobre o mal nas suas entranhas, em meio a
seus !lhos. Um mundo que celebrou uma vulgar mudana de ano como uma
mudana milenar comea a temer por seu milnio. Um mundo que se
posicionou de maneira durvel sob o signo da catstrofe percebe a
con-tragosto que o desmoronamento do bloco socialista no
pressagiava seu triunfo, mas sim a inelutabilidade de seu
-
9prprio desmoronamento. Um mundo que se fartava com os sons do
!m da Histria, do sculo americano e da falha do comunismo dever
pagar por sua leveza.
Nessa conjuntura paradoxal, esse mundo, ou seja, no fun-do, sua
polcia, recompe um inimigo altura, folclrico. Ele fala de Black
Bloc, de circo anarquista itinerante, de uma ampla conspirao contra
a civilizao. Ele faz pensar na Alemanha descrita por Von Salomon em
Os Reprova-dos,3 assombrada pelo fantasma de uma organizao
secre-ta, a O.C., que se expande como uma nuvem carregada de gs e a
quem SE4 atribui todos os re"exos intensos de uma realidade sujeita
guerra civil. Uma conscincia culpada busca conjurar a fora que a
ameaa. Ela cria para si um espantalho a que possa importunar de
acordo com sua von-tade, e acredita, assim, garantir sua segurana,
no isso?
Afora essas elucubraes convencionais da polcia impe-rial, no h
legibilidade estratgica nos acontecimentos atuais. No h
legibilidade estratgica nos acontecimentos atuais porque isso
suporia a constituio de algo comum, algo minimamente comum entre
ns. E esse algo comum assusta a todo mundo, faz Bloom5 recuar,
provoca suor e estupor porque leva a univocidade at o centro de
nossas
-
10
vidas suspensas. De modo geral, aprendemos o hbito dos
contratos. Fugimos de tudo o que se parea com um pacto, porque um
pacto no pode ser rescindido; ou ele respeitado ou trado. E, no
fundo, isso o mais dif-cil de entender: que o impacto de uma negao
depende da positividade de algo comum; que a nossa maneira de dizer
eu que determina a fora da nossa maneira de di-zer no. Muitas vezes
!camos admirados com a ruptura de qualquer transmisso histrica, com
o fato de que, h pelo menos cinquenta anos, mais nenhum pai seja
capaz de contar sua vida a seus !lhos, de fazer uma narrativa disso
que no seja um descontnuo salpicado de anedotas ridculas. O que se
perdeu, na verdade, foi a capacidade de estabelecer uma relao
comunicvel entre nossa his-tria e a Histria. No fundo disso tudo,
existe a crena de que, renunciando a qualquer existncia singular,
abdican-do de qualquer destino, ganharamos um pouco de paz. Os
Bloom acreditaram que bastava desertar do campo de batalha para que
a guerra parasse. Mas no foi nada disso. A guerra no parou, e
aqueles que se recusavam a assu-mir isso atualmente se encontram
apenas um pouco mais desarmados, um pouco mais des"gurados que os
outros. Todo o grandioso magma de ressentimento que borbulha hoje
nas entranhas dos Bloom, e que jorra num desejo para
-
11
sempre no cumprido de ver cabeas rolando, de encontrar culpados,
de obter uma espcie de penitncia generalizada por toda a histria
passada, brota da. Temos necessidade de uma rede!nio da
con"ituosidade histrica que no intelectual, vital.
Eu digo rede"nio porque uma de!nio da con"ituosi-dade histrica
nos precede, e a ela era reportado qualquer destino no perodo
pr-imperial: a luta de classes. Essa de!-nio no funciona mais. Ela
condena paralisia, m-f e falao. Mais nenhuma guerra pode ser
empreendida, nenhuma vida pode ser vivida nessa armadura de outra
poca. Para continuar na luta hoje, preciso livrar-se da noo de
classe e, junto, tambm de todo seu cortejo de origens certi!cadas,
de sociologismos reconfortantes, de prteses de identidade. A noo de
classe atualmente s serve para organizar a banheira de neuroses, de
separao e de processo permanente na qual SE deleita de maneira to
mrbida na Frana em todos os meios e h tanto tem-po. A
con"ituosidade histrica no ope mais dois gran-des aglomerados
molares, duas classes, os explorados e os exploradores, os
dominantes e os dominados, os dirigentes e os executantes, entre os
quais, a cada caso, seria possvel traar uma separao. A linha de
frente no passa mais
-
12
bem no meio da sociedade, mas sim bem no meio de cada um, entre
o que faz de algum um cidado, seus predica-dos, e o restante. Da
mesma forma, em cada meio que a guerra se sujeita entre a
socializao imperial e aquilo que desde j lhe escapa. Um processo
revolucionrio pode ser empenhado a partir de qualquer ponto do
tecido biopol-tico, a partir de qualquer situao singular, acusando
at a ruptura da linha de fuga que a atravessa. Na medida em que
ocorrem tais processos e rupturas, existe um plano de consistncia
que lhes comum, o da subverso anti-impe-rial. O que d generalidade
luta o prprio sistema do poder, todas as suas formas de exerccio e
aplicao.6 A esse plano de consistncia chamamos de Partido
Imagin-rio, para que em seu prprio nome !que exposto o artifcio de
sua representao nominal e, a fortiori, poltica. Como todo plano de
consistncia, o Partido Imaginrio est, ao mesmo tempo, j atuando e
sendo construdo. Construir o Partido, daqui em diante, no quer mais
dizer construir a organizao total dentro da qual todas as diferenas
ti-cas poderiam ser colocadas entre parnteses em vista da luta;
construir o Partido, de agora em diante, quer dizer estabelecer as
formas de vida em suas diferenas, intensi"-car, complexi"car as
relaes entre elas, e elaborar entre ns a guerra civil da maneira
mais sutil possvel. Uma vez que o
-
13
mais temvel estratagema do Imprio amalgamar numa grande
representao de destaque a da barbrie, das faces, do terrorismo, qui
at dos extremismos opostos tudo o que se ope a ele, lutar contra
ele pas-sa essencialmente pelo fato de nunca deixar confundir as
fraes conservadoras do Partido Imaginrio milicianos libertrios,
anarquistas de direita, fascistas insurrecionais, jihadistas
qutbistas, partidrios da civilizao camponesa com suas fraes
revolucionrio-experimentais. Assim, construir o Partido no se
coloca mais em termos de orga-nizao, mas em termos de circulao.
Isso signi!ca que, se ainda h um problema de organizao, este o da
organizao da circulao dentro do Partido. Pois somente a intensi!cao
e a elaborao de encontros entre ns po-dem contribuir para o
processo de polarizao tica e para a construo do Partido.
certo que a paixo pela Histria , de modo geral, com-partilhada
por corpos incapazes de viver o presente. Por isso, no considero
despropositado voltar s aporias do ciclo de lutas iniciado no comeo
dos anos 60, agora que um novo ciclo se abre. Nas pginas seguintes,
sero feitas vrias referncias Itlia dos anos 70, uma escolha que no
arbitrria. Se eu no receasse me prolongar muito,
-
14
mostraria facilmente como aquilo que ento estava em jogo, em sua
forma mais desnudada e brutal, ainda conti-nua, em grande medida,
da mesma forma para ns ainda que os nimos por ora estejam menos
extremados. Guat-tari escreveu em 1978: Mais do que considerar a
Itlia como um caso parte, cativante, mas aberrante no !nal das
contas, no deveramos buscar esclarecer de fato ou-tras situaes
sociais, polticas e econmicas, de aparncia mais estvel, oriundas de
um poder estadstico mais bem assegurado, por meio da leitura das
tenses com as quais esse pas lida hoje?7 A Itlia dos anos 70
continua sendo, em todos os aspectos, o momento de insurreio mais
pr-ximo de ns. desse ponto que devemos partir, no para contar a
histria de um movimento passado, mas para a!ar as armas da guerra
em andamento.
-
extirpar-se da mortificao francesa!
15
-
16
Ns, que operamos provisoriamente na Frana, no leva-mos vida
fcil. Seria absurdo negar que as condies em que conduzimos nossas
atividades so determinadas, e at mesmo sordidamente determinadas.
parte o fanatismo da separao que imprimiu nos corpos uma educao de
Estado soberana, e que faz da escola a inconfessvel utopia plantada
em todos os crnios franceses, existe essa descon-!ana, essa
descon!ana pegajosa em relao vida, em relao a tudo o que existe sem
se desculpar por isso. E a reti-rada do mundo na arte, na !loso!a,
na boa mesa, em sua prpria casa, na espiritualidade ou na crtica
como linha de fuga exclusiva e impraticvel a partir da qual se
nu-tre o espessamento dos "uxos de morti!cao local. Uma retirada
umbilical que convoca a onipresena do Estado francs, esse mestre
desptico que parece agora governar at mesmo suas contestaes cidads.
Assim caminha a grande sarabanda dos crebros franceses, cautelosos,
pa-ralisados e retorcidos, que nunca terminam de se retorcer dentro
de si prprios e, a cada segundo, se sentem mais ameaados por alguma
coisa que venha lhes tirar de sua tristeza complacente.
Quase em todo o mundo, os corpos debilitados tm algum cone
histrico do ressentimento a que se apegar, algum
-
17
movimento facistoide orgulhoso que repinta em grande estilo o
braso da reao. Na Frana, nada disso. O con-servadorismo francs
nunca teve estilo. E nunca o teve por ser um conservadorismo
burgus, um conservadorismo do estmago. Que ele tenha se elevado,
com esforo, ao posto de re"exividade doentia, no muda nada. No o
amor por um mundo em vias de ser liquidado que lhe move, mas sim o
terror da experimentao, da vida, da experi-mentao-vida. Nesse
conservadorismo, enquanto subs-trato tico de corpos especi!camente
franceses, se distin-gue todo tipo de posio poltica, todo tipo de
discurso. ele que estabelece a continuidade existencial, tanto
secreta quanto bvia, que sela o pertencimento de Bov,8 do bur-gus
do XVIIe arrondissement, do escrivo da Encyclopdie des Nuisances9 e
do notvel provinciano ao mesmo partido. Em seguida, pouco importa
que os corpos em questo en-contrem ou no reservas a pronunciar em
relao ordem existente; vemos claramente se tratar da mesma paixo
das origens, das rvores, do chiqueiro e dos vilarejos que se
pronunciam hoje contra a especulao !nanceira mundial e que amanh ir
reprimir o menor movimento de dester-ritorializao revolucionria. O
mesmo odor de merda que exala das bocas que s sabem falar em nome
do estmago est por todos os lados.
-
18
A Frana certamente no seria a ptria do cidadanismo mundial de se
temer que, num futuro prximo, o Le Monde Diplomatique no seja
traduzido em tantas lnguas quanto O Capital , epicentro ridculo de
uma contesta-o fbica que ambiciona desa!ar o Mercado em nome do
Estado, caso no SE tivesse conseguido chegar a esse ponto
impermevel a tudo aquilo de que somos contemporneos politicamente,
especialmente Itlia dos anos 70. desse capricho bloomesco de deixar
o mundo histrico que se observa, de Paris a Porto Alegre, um pas
por vez, a expan-so agora mundial da ATTAC.10
-
maio rastejante contra maio triunfante!
77 no foi como 68. 68 foi contestador, 77 foi radical-
mente alternativo. Por esse motivo, a verso o"cial
apresenta 68 como o bom e 77 como o mau; na verda-
de, 68 foi recuperado enquanto 77 foi negado. Por esse
motivo, diferente de 68, 77 nunca poder ser objeto de
uma celebrao fcil.
Nanni Balestrini e Primo Moroni, LOrda doro. 11
19
-
20
A novidade de uma situao de insurreio na Itlia, situ-ao que
durava mais de dez anos e qual no SE conse-guiu colocar um !m seno
com a priso de mais de 4.000 pessoas em uma noite, ameaava
repetidamente chegar at a Frana nos anos 70. Houve, a princpio, as
greves selva-gens do Outono Quente (1969) que foram vencidas pelo
Imprio com o massacre a bombas na Piazza Fontana. Os franceses,
cuja classe operria (s) tirava a bandeira ver-melha da revoluo
proletria das frgeis mos dos estu-dantes para assinar os acordos de
Grenelle, no podiam ento acreditar que um movimento vindo das
universi-dades pudesse amadurecer a ponto de atingir as fbricas.
Com todo o rancor de sua relao abstrata com a classe operria, eles
se sentiam vivamente atingidos, o maio de-les tinha sido menos
impactante. Assim, deram situao italiana o nome de maio
rastejante.
Dez anos depois, quando j estvamos celebrando a me-mria do
acontecimento primaveril e que seus elementos mais de!nidos tinham
se integrado suavemente s insti-tuies republicanas, novos ecos
chegavam da Itlia. Era mais confuso, s vezes porque os paci!cados
crebros fran-ceses j no compreendiam grande coisa da guerra em que
todavia estavam envolvidos, e tambm porque rumores
-
21
contraditrios falavam tanto de prisioneiros revoltados quanto de
contracultura armada, de Brigadas Vermelhas (BR)12 e de outras
coisas que eram um pouco fsicas demais para que SE pudesse entender
na Frana. Esticvamos um pouco as orelhas por curiosidade, para
depois voltar s nossas pequenas insigni!cncias nos dizendo que,
deci-didamente, eram bem ingnuos esses italianos que conti-nuavam a
se revoltar quando ns j estvamos comemo-rando. Voltou-SE ento a
assumir a posio de denunciar os gulags, os crimes do comunismo e
outras delcias da nova !loso!a. Assim, evitava-SE ver que, na
Itlia, se revoltavam contra aquilo que o maio de 68, por exemplo,
tinha se tornado na Frana apreender que o movimento italiano
contestava os professores que se glori!cavam de um passado
soixante-huitard13 porque eram, na verdade, os mais ferozes campees
da normalizao socialdemocra-ta (Tutto Citt 77), certamente conferia
aos franceses um sentimento desagradvel de histria imediata.
Resguar-dando a honra, SE con!rmava, ento, a certeza do maio
rastejante, graas ao qual SE podia guardar longe da vista esse
movimento de 77, a partir do qual tudo ainda vir.
Kojve, que era inigualvel em apreender o que importa, en-terrou
o maio francs com uma bela frmula. Alguns dias
-
22
antes de sucumbir a uma crise cardaca numa reunio da OCDE,14 ele
declarou o seguinte sobre os acontecimen-tos: No houve morte. No
aconteceu nada. Natural-mente, era preciso um pouco mais para
enterrar o maio rastejante italiano. Foi quando surgiu outro
hegeliano, que tinha um crdito no menor do que o primeiro, mas
oriundo de outros meios. Disse ele: Escutem, escutem, no aconteceu
nada na Itlia. So s alguns desesperados manipulados pelo Estado
que, para aterrorizar a popula-o, sequestraram homens polticos e
mataram alguns ma-gistrados. Nada de notvel, como vocs bem podem
ver. Assim, graas interveno sensata de Guy Debord, nunca soubemos,
do lado de c dos Alpes, que algo acontecia na Itlia nos anos 70. At
hoje, todas as iluminaes francesas em relao a isso se reduziram a
especulaes platnicas sobre a manipulao das BR por este ou aquele
servio do Estado e o massacre da Piazza Fontana. Se Debord foi um
mediador execrvel do que a situao italiana continha de explosiva,
por outro lado, ele introduziu na Frana o es-porte favorito do
jornalismo italiano: a retrologia. Por re-trologia disciplina cujo
axioma primordial poderia ser a verdade est em outro lugar , os
italianos designam esse jogo de espelhos paranoico ao qual se
dedica aquele que no pode mais acreditar em nenhum acontecimento e
em
-
23
nenhum fenmeno vital, e que deve, por isso, ou seja, por causa
de sua doena, supor a ao de algum por trs do que acontece a loja
P2, a CIA, o Mossad ou ele prprio. Ganha aquele que fornecer a seus
camaradinhas os motivos mais slidos para descon!ar da
realidade.
Passamos a entender melhor por que os franceses falam de um maio
rastejante em relao Itlia. porque eles tm um maio orgulhoso,
pblico, de Estado.
Maio de 68, em Paris, pde se manter como smbolo do antagonismo
poltico mundial dos anos 60-70 na medida exata em que a realidade
deste estava em outro lugar.
No entanto, nenhum esforo foi empreendido para trans-mitir aos
franceses um pouco da insurreio italiana; houve os Mil plats e a
Revoluo molecular, houve a Au-tonomia e o movimentos dos squats,
mas nada que fosse vigorosamente armado para perfurar a muralha de
men-tiras do esprito francs. Nada que SE pudesse !ngir no ter
visto. Em vez disso, preferia-SE falar da Repblica, da Escola e da
Seguridade Social, da Cultura, da Moderni-dade e do Vnculo Social,
do Mal-estar das Periferias, da Filoso!a e do Servio Pblico. E
ainda disso que SE fala
-
24
quando os servios imperiais ressuscitam a estratgia da tenso na
Itlia. Decididamente, falta um elefante nessa loja de cristais.
Algum que coloque na mesa de maneira um pouco grosseira e de uma
vez por todas as provas so-bre as quais todo mundo est sentado,
correndo o risco de quebrar um pouco esse andaime ideal.
Quero falar aqui, entre outros, aos camaradas, queles com quem
eu sei poder partilhar o partido. Estou um pouco cansado do
confortvel retardo terico da ultra-esquerda francesa. Estou cansado
de ouvir h dcadas os mesmos falsos debates de um submarxismo
retrico: espontaneidade ou organizao, comunismo ou anarquis-mo,
comunidade humana ou individualidade rebelde. Ainda existem
partidrios do bordiguismo, do maosmo e do conselhismo na Frana.
Isso sem falar dos peridicos revivals trotskistas e do folclore
situacionista.
-
o partido imaginrio e o movimento operrio
O que estava acontecendo naquele momento "cou claro:
o sindicato e o PCI15 te atacavam como a polcia, como
os fascistas. Naquele momento "cou claro que havia
uma ruptura irremedivel entre eles e ns. Ficou claro
a partir daquele instante que o PCI no teria mais di-
reito de fala no movimento.
Uma testemunha dos enfrentamentos de 17 de fe-
vereiro de 1977 diante da Universidade de Roma,
citado em LOrda doro.
25
-
26
Em seu ltimo livro, Mario Tronti constata que o mo-vimento
operrio no foi vencido pelo capitalismo; o movimento operrio foi
vencido pela democracia. Mas a democracia no venceu o movimento
operrio como uma criatura estranha a ele: ela o venceu como seu
limite interno. A classe operria foi, apenas de forma passageira, o
lugar privilegiado do proletariado, do proletariado enquanto classe
da sociedade civil que no seja uma classe da socie-dade civil,
enquanto estamento que seja a dissoluo de todos os estamentos
(Marx).16 A partir do entreguerras, o proletariado comea claramente
a transbordar a classe operria, a ponto das fraes mais avanadas do
Partido Imaginrio comearem a reconhecer nela, em seu traba-lhismo
fundamental, em seus supostos valores, em sua satisfao classista de
si prpria, en!m, em sua situao de classe homloga da burguesia, o
seu inimigo mais temvel e o mais potente vetor de integrao
sociedade do Capital. O Partido Imaginrio ser, portanto, a forma de
apario do proletariado.
Em todos os pases ocidentais, 68 marca o encontro e o confronto
entre o velho movimento operrio, fundamen-talmente socialista e
senescente, e as primeiras fraes cons-titudas do Partido Imaginrio.
Enquanto dois corpos se
-
27
confrontam, a direo resultante desse encontro depende da inrcia
e da massa de cada um deles. O mesmo acontece em cada pas. Nos
lugares onde o movimento operrio ain-da era vigoroso, como na Itlia
e na Frana, os magros des-tacamentos do Partido Imaginrio se
in!ltraram em suas formas carcomidas e delas macaquearam tanto a
linguagem quanto os mtodos. Assistamos, assim, ao renascimento de
prticas militantes do tipo Terceira Internacional. Foi a histeria
dos grupelhos e a neutralizao na abstrao polti-ca. Foi, ento, o
breve triunfo do maosmo e do trotskismo na Frana (GP, PC-mlF,
UJC-ml, JCR, Parti des Travail-leurs etc.), dos partitini ou
partidinhos (Lotta Continua, Avanguardia Operaia, MLS, Potere
Operaio, Manifesto)17 e outros grupos extraparlamentares na Itlia.
Nos lugares onde o movimento operrio fora liquidado h muito, como
nos Estados Unidos ou na Alemanha, houve uma passagem imediata da
revolta estudantil luta armada, passagem em que a hiptese de
prticas e tticas prprias ao Partido Ima-ginrio foi mascarada por um
verniz de retrica socialista, qui terceiro-mundista. Na Alemanha,
foi o movimento de 2 de junho, a Rote Armee Fraktion (RAF) ou a
Rote Zellen, e, nos Estados Unidos, o Black Panther Party, os
Weathermen, os Diggers ou a Manson Family, emblema de um movimento
prodigioso de desero interna.
-
28
O elemento prprio da Itlia, nesse contexto, foi que o Partido
Imaginrio, tendo con"udo em massa nas estru-turas de carter
socialista dos partitini, ainda encontrou foras para faz-los
explodir. Quatro anos depois que 68 manifestou a crise da hegemonia
do movimento operrio (R. Rossanda), a bala que at ento tinha
falhado acabou disparando por volta de 1973 para despertar o
nascimento do primeiro levante de envergadura do Partido Imaginrio
em uma regio-chave do Imprio: o movimento de 77.
O movimento operrio foi vencido pela democracia, ou seja, nada
do que oriundo dessa tradio est em con-dies de enfrentar a nova
con!gurao de hostilidades. Pelo contrrio. Quando o hostis18 no mais
uma poro da sociedade a burguesia , mas sim a sociedade enquan-to
tal, enquanto poder, e que nos percebemos tendo de lu-tar no contra
as tiranias clssicas, mas contra as democra-cias biopolticas,
sabemos que todas as armas, assim como todas as estratgias, esto
por ser reinventadas. O hostis se chama Imprio e, para ele, somos o
Partido Imaginrio.
-
esmagar o socialismo!
No sois do castelo, no sois da aldeia, no sois nada.
Franz Kafka, O Castelo. 19
29
-
30
O elemento revolucionrio o proletariado, a plebe. O proletariado
no uma classe. Como j sabiam os alemes do sculo passado, es gibt
Pbel in allen Stnden, a ple-be existe em todas as classes. A
pobreza em si no torna ningum parte da plebe: esta s determinada
como tal pelo estado de nimo que se combina com a pobreza, pela
revolta interna contra os ricos, contra a sociedade, contra o
governo, etc. A isso est ligado, ademais, que o homem, porque est
entregue contingncia, torna-se leviano e avesso ao trabalho, como,
por exemplo, os lazzaroni em Npoles. (Hegel, Princpios da "loso"a
do direito, aditivo ao 244)20 A cada tentativa de se de!nir como
classe, o proletariado esvaziou-se de si prprio, tomando como
mo-delo a classe dominante, a burguesia. Enquanto no classe, o
proletariado no se ope burguesia, mas sim pequena burguesia.
Enquanto o pequeno-burgus acredita poder se desvencilhar
nitidamente do jogo social, ele persuadido a acreditar que se sair
bem ao faz-lo individualmente; j o proletrio sabe que seu prprio
destino depende de sua colaborao com os seus e que precisa deles
para continuar a ser, ou seja: que sua existncia individual , a
princpio, coletiva. Em outros termos: o proletrio aquele que
expe-riencia a si mesmo como forma de vida. Ou ele comunista, ou no
nada.
-
31
A cada poca, a forma de apario do proletariado se re-de!ne em
funo da con!gurao geral das hostilidades. A mais lamentvel confuso
em relao a isso diz respei-to classe operria. Como tal, a classe
operria sempre foi hostil ao movimento revolucionrio e ao
comunismo. Ela no foi socialista por acaso, ela o foi por essncia.
Se tirarmos dele os elementos plebeus, o que signi!ca preci-samente
aquilo que ele no podia reconhecer como ope-rrio, o movimento
operrio coincide ao longo de toda sua existncia com a parte
progressista do capitalismo. De fevereiro de 1848 at as utopias
autogestionrias dos anos 70, passando pela Comuna, o movimento
operrio ape-nas reivindicou para seus elementos mais radicais o
direi-to dos proletrios de gerir o Capital por conta prpria. Na
realidade, somente trabalhou pela ampliao e aprofun-damento da base
humana do Capital. Os regimes ditos socialistas realizaram seu
programa verdadeiramente: a integrao de todos relao capitalista de
produo e a insero de cada um no processo de valorizao. Em
recompensa, seu desmoronamento apenas atesta a impos-sibilidade do
programa capitalista total. Assim, foi pelas lutas sociais, e no
contra elas, que o Capital se instalou no interior da humanidade,
que esta se reapropriou efeti-vamente dele at tornar-se,
estritamente falando, o povo do
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capital. Ento, o movimento operrio foi essencialmente um
movimento social, e como tal que ele se perpetua. Em maio de 2001,
um chefe menor dos Tute bianche21 ita-lianos veio explicar aos
jovens imbecis do Socialisme par en bas22 como se tornar um
interlocutor !vel do poder, como entrar pela janela no jogo da
poltica clssica. Ele explicava, dessa forma, o funcionamento dos
Tute bian-che: Para ns, os Tute bianche simbolizam todos os
su-jeitos ausentes da poltica institucional, todos aqueles que no
so representados por ela: os imigrantes ilegais, os jo-vens, os
trabalhadores em situao precria, os drogados, os desempregados, os
excludos. O que queremos dar uma representao a essas pessoas que no
a tm. Nisso, o movimento social de hoje, com seus
neossindicalistas, seus militantes informais, seus porta-vozes
espetaculares, seu stalinismo nebuloso e seus micropolticos,
herdei-ro do movimento operrio: ele pechincha com os rgos
conservadores do Capital a integrao dos proletrios ao processo
reformado de valorizao. Em troca de um reco-nhecimento
institucional incerto incerto em virtude da impossibilidade lgica
de representar o no representvel, o proletariado , o movimento
operrio e, posteriormen-te, social se engajou em garantir a paz
social ao Capital. Quando Susan George, uma de suas musas
desrticas,
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denuncia depois de Gotemburgo esses arruaceiros cujos mtodos so
to antidemocrticos quanto as instituies que pretendem contestar, ou
quando em Gnova os Tute bianche denunciam aos policiais supostos
elementos inen-contrveis dos Black Bloc os quais eles difamam
pa-radoxalmente como sendo in!ltrados pela mesma polcia , os
representantes do movimento social nunca deixam de me lembrar a
reao do partido operrio italiano con-frontado ao movimento de 77.
L-se no relatrio apresen-tado por Paolo Bufalini em 18 de abril de
1978 ao Comit Central do PCI: As massas populares, todos os cidados
com sentimentos democrticos e cvicos, continuaro seus esforos para
dar uma contribuio preciosa s foras da ordem, aos agentes e aos
militares envolvidos na luta con-tra o terrorismo. A contribuio
mais importante deles o isolamento poltico e moral dos brigatisti
vermelhos, seus simpatizantes e apoiadores, para retirar deles
todos os libis, todas as colaboraes externas, todos os pontos de
apoio. Em relao a eles, trata-se de isol-los, de deix-los como
peixes fora dgua. No se trata de um trabalho pe-queno, se
imaginarmos como os participantes dessas ativi-dades criminosas
devem ser numerosos. Como ningum tem mais interesse do que ele na
manuteno da ordem, o movimento social esteve, est e estar na
vanguarda da
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guerra travada contra o proletariado. De agora em diante, contra
o Partido Imaginrio.
Nada melhor do que a histria do maio rastejante para demonstrar
a maneira pela qual o movimento operrio sempre foi veculo da
Utopia-Capital, aquela da comuni-dade do trabalho, onde existem
somente produtores, sem desocupados nem desempregados, e que faria
a gesto do capital sem crises nem desigualdades, formando-se assim
a Sociedade (Philippe Riviale, La ballade du temps pas-s).23 De
maneira oposta ao que sugere a expresso, o maio rastejante no foi
nem um pouco um processo contnuo, disseminado ao longo de dez anos;
pelo contrrio, foi um coro muitas vezes cacofnico de processos
revolucionrios locais que moviam-se sozinhos, cidade a cidade, de
acordo com um ritmo prprio feito de suspenses e retomadas, de
estagnaes e aceleraes, e que respondiam umas s ou-tras. No entanto,
uma ruptura decisiva surgiu na opinio geral com a adoo, por parte
do PCI, da linha poltica do compromisso histrico, em 1973. O perodo
anterior, de 1968 a 1973, havia sido marcado pela luta entre o PCI
e os grupos extraparlamentares pela hegemonia da representa-o do
novo antagonismo social. Em outros lugares, hou-vera o sucesso
efmero da segunda ou nova esquerda.
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35
A questo desse perodo era aquilo que SE chamava de sada poltica,
ou seja, a traduo das lutas concretas numa gesto alternativa e
ampliada do Estado capitalista. Lutas que o PCI encarava a princpio
com bons olhos, at mesmo a incentivando aqui e ali, pois isso
contribua para aumentar seu poder contratual. Mas, a partir de
1972, o novo ciclo de luta comea a vacilar em escala mundial.
Torna-se urgente para o PCI monetizar o mais rpido possvel uma
capacidade social de incmodo que estava em queda livre. Alm disso,
a lio chilena um partido socialista cuja adeso ao poder resultou,
em pouco tem-po, num golpe imperial teleguiado tende a dissuadi-lo
de alcanar sozinho a hegemonia poltica. Ento, o PCI elabora a linha
do compromisso histrico. Com a reunio do partido operrio ao partido
da ordem e o encerramento subsequente da esfera da representao,
toda mediao po-ltica se dissimula. O Movimento se encontra s
consigo mesmo, impedido de elaborar sua prpria posio alm de um
ponto de vista de classe; os grupos extraparlamentares e sua
fraseologia so brutalmente desertados; sob efeito pa-radoxal da
palavra de ordem des/agregazione, o Partido Imaginrio comea a se
formar em plano de consistncia. Diante dele, a cada nova etapa do
processo revolucionrio, logicamente o PCI que ele encontrar como o
adversrio
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mais resoluto. Os enfrentamentos mais difceis do movi-mento de
77 sejam aqueles de Bolonha ou os da Uni-versidade de Roma, com os
autonomistas e os ndios Me-tropolitanos de um lado, e o servio de
ordem de Luciano Lama, lder da CGIL,24 e a polcia do outro ,
colocaro o Partido Imaginrio em con"ito com o partido operrio; e,
mais tarde, sero naturalmente os magistrados verme-lhos que lanaro
a ofensiva judicial antiterrorista de 1979-1980 e sua sucesso de
investidas. a que devemos buscar a origem do discurso cidado que
perora na Frana atualmente, e nesse contexto que sua funo
estratgi-ca ofensiva deve ser apreciada. Escrevem os membros do
PCI: Est bem claro que os terroristas e os militantes da subverso
se propuseram a frustrar a marcha progressiva dos trabalhadores
rumo direo poltica do pas, a causar dano estratgia fundada sobre a
extenso da democracia e sobre a participao das massas populares, a
recolocar em questo as escolhas da classe operria para poder
en-volv-la num confronto direto, numa lacerao trgica do tecido
democrtico. [...] Se uma grande mobilizao po-pular se cria no pas,
se as foras democrticas acentuam sua ao unitria, se o governo sabe
dar diretivas !rmes aos aparelhos de Estado reformados de maneira
adequada e tornados mais e!cazes, o terrorismo e a subverso
sero
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37
isolados e derrotados, e a democracia poder eclodir num Estado
profundamente renovado. (Terrorisme et dmo-cratie) A injuno para
denunciar esta ou aquela pessoa como terrorista , ento, a injuno
para se distinguir de si prprio enquanto ser capaz de violncia,
para projetar sua prpria latncia guerreira para longe de si, para
introduzir em si a ciso econmica que far de cada um de ns um
su-jeito poltico, um cidado. nesses termos bastante atuais que
Giorgio Amendola, o!cial executivo do PCI poca, atacava o movimento
de 77: Somente aqueles que visam destruio do Estado republicano tm
interesse em semear o pnico e pregar a desero.
isso mesmo.
-
armar o partido imaginrio!
Os pontos, os ns, os focos de resistncia disseminam-se
com mais ou menos densidade no tempo e no espao, s
vezes provocando o levante de grupos ou indivduos de
maneira de"nitiva, in#amando certos pontos do corpo,
certos momentos da vida, certos tipos de comportamen-
to. Grandes rupturas radicais, divises binrias e maci-
as? s vezes. mais comum, entretanto, serem pontos
de resistncia mveis e transitrios, que introduzem na
sociedade clivagens que se deslocam, rompem unida-
des e suscitam reagrupamentos, percorrem os prprios
indivduos, recortando-os e remodelando-os, traando
neles, em seus corpos e almas, regies irredutveis. Da
mesma forma que a rede das relaes de poder acaba
formando um tecido espesso que atravessa os aparelhos e
as instituies, sem se localizar exatamente neles, tam-
bm a pulverizao dos pontos de resistncia atravessa
as estrati"caes sociais e as unidades individuais. E
certamente a codi"cao estratgica desses pontos de re-
sistncia que torna possvel uma revoluo.
Michel Foucault, A vontade de saber. 25
39
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O Imprio esse tipo de dominao que no se reconhece de Fora, que
chegou ao ponto de se sacri!car enquanto Mesmo para no mais ter um
Outro. O Imprio no ex-clui nada substancialmente, ele exclui
somente o que se apresente a ele como outro, que se furte
equivalncia ge-ral. O Partido Imaginrio, portanto, no nada
especi!-camente; ele tudo o que produz um obstculo, que mina, que
arruna, que desmente a equivalncia. Seja falando pela boca de
Putin, de Bush ou de Jiang Zemin, o Imprio sempre ir quali!car seu
hostis como criminoso, ter-rorista, monstro. No limite, ele
organizar por conta prpria e na surdina as aes terroristas e
monstruosas que atribuir depois ao hostis ser que nos lembramos das
inspiraes edi!cantes de Boris Iltsin diante dos aten-tados
perpetrados em Moscou por seus prprios servios especiais,
especialmente de seu discurso ao povo russo, em que nosso bufo o
convocava luta contra o terrorismo checheno, contra um inimigo
interior que no tem cons-cincia, nem piedade, nem honra, que no tem
rosto, na-cionalidade ou religio? Pelo contrrio, o Imprio nunca
reconhecer suas prprias operaes militares como atos de guerra, mas
apenas como operaes de manuteno da paz, assuntos de polcia
internacional.
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41
Antes que a dialtica, a dialtica enquanto pensamento da
reintegrao "nal, voltasse para se gabar em favor de 68, Marcuse
tinha tentado pensar essa curiosa con!gurao das hostilidades. Numa
interveno datada de 1966 e in-titulada Sobre o conceito de negao na
dialtica, Mar-cuse ataca o re"exo hegeliano-marxista que leva
inter-veno da negao dentro de uma totalidade antagnica, que seja
entre duas classes, entre o campo socialista e o campo capitalista,
ou entre o Capital e o trabalho. A isso ele ope uma contradio, uma
negao que vem de fora. Ele discerne que a mise-en-scne de um
antagonismo so-cial dentro de uma totalidade, que tinha sido o
elemento prprio do movimento operrio, no passa de um dispo-sitivo
pelo qual SE congela o acontecimento, prevenindo sua ocorrncia por
fora da verdadeira negao. Em suas palavras: O externo de que falo
no deve ser entendido mecanicamente em sentido espacial, e sim como
a dife-rena qualitativa que vai alm das oposies existentes no
interior do todo-parte antagnico e que no redutvel a essas oposies.
[...] A fora da negao, como sabemos, no est hoje concentrada em
classe alguma. Ela hoje ain-da uma oposio catica e anrquica,
poltica e moral, racional e instintiva: a recusa a participar e
colaborar, o nojo diante de toda prosperidade, o impulso de
protesto
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uma oposio dbil e no organizada. Mas, creio, ela se baseia em
impulsos e objetivos que se encontram em con-tradio irreconcilivel
com o todo existente.26
A partir do entreguerras, a nova con!gurao das hos-tilidades
ganhou espao. De um lado, havia a adeso da URSS Liga das Naes, o
pacto Stalin-Laval, a estra-tgia de fracasso do Komintern, a adeso
das massas ao nazismo, ao fascismo e ao franquismo, ou seja: a
traio, por parte dos operrios, de seu encontro com a revoluo. Por
outro lado, era o transbordamento da subverso social fora do
movimento operrio no surrealismo, no anar-quismo espanhol ou com os
hobos americanos. Num s golpe, a identi!cao do movimento
revolucionrio e do movimento operrio entrou em colapso, desnudando
o Partido Imaginrio como excesso em relao a este ltimo. A palavra
de ordem classe contra classe, que, a partir de 1926, se torna
hegemnica, entrega seu contedo latente somente se observarmos que
ele domina precisamente o momento da desintegrao de todas as
classes sob efei-to da crise. Classe contra classe na verdade quer
dizer classes contra no classe, traindo a determinao de absorver,
de liquidar esse restante sempre mais massivo, esse elemento
"utuante, irrenuncivel socialmente, que
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43
ameaa levar toda interpretao substancialista da socie-dade,
tanto a da burguesia quanto a dos marxistas. Na verdade, o
stalinismo se interpreta a princpio como endu-recimento do
movimento operrio diante de seu transborda-mento efetivo pelo
Partido Imaginrio.
Reunido em torno de Boris Souvarine, o Crculo Comu-nista
Democrtico havia ento, na Frana dos anos 30, tentado rede!nir a
con"ituosidade histrica, algo que conseguiu apenas pela metade, mas
conseguiu, ainda as-sim, identi!car as duas principais armadilhas
do marxis-mo: o economicismo e a escatologia. O ltimo nmero de sua
revista La critique sociale constatava a seguinte falha: Nem a
burguesia liberal nem o proletariado inconsciente se mostraram
capazes de absorver, em suas organizaes polticas, as foras jovens e
os elementos sem classe cuja in-terveno cada vez mais ativa acelera
o curso dos aconteci-mentos (La critique sociale, n 11, maro de
1934) Como no nada espantoso num pas em que tudo costuma ser
dissolvido, especialmente a poltica, nos escritos de Bataille, no
domnio da literatura, que se encontra, nesse ltimo nmero, o
primeiro esboo de uma teoria do Par-tido Imaginrio. O artigo se
chama Psychologie de masse du fascisme.27 Na obra de Bataille, o
Partido Imaginrio
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se ope sociedade homognea. A base da homogeneidade social a
produo. A sociedade homognea a sociedade produtiva, ou seja, a
sociedade til. Qualquer elemento intil excludo no da sociedade
total, mas de sua par-te homognea. Nessa parte, cada elemento deve
ser til a outro sem que a atividade homognea jamais possa atingir a
forma de atividade vlida por si s. Uma atividade til sempre tem uma
medida comum com outra atividade til, mas no com uma atividade por
si s. A medida comum, fundamento da homogeneidade social e da
atividade oriun-da dela, o dinheiro, ou seja, uma equivalncia
quanti!c-vel dos diferentes produtos da atividade coletiva.
Bataille apreende aqui a constituio contempornea do mundo em tecido
biopoltico contnuo, que s se d conta da soli-dariedade fundamental
entre os regimes democrticos e os regimes totalitrios, de sua
in!nita reversibilidade uns com os outros. O Partido Imaginrio,
portanto, aquilo que se manifesta como heterogneo formao
biopoltica. O prprio termo heterogneo indica se tratar de elementos
impossveis de assimilar, e essa impossibilidade que est na base da
assimilao social diz respeito, ao mesmo tempo, assimilao cient!ca.
[...] A violncia, a desmesura, o del-rio e a loucura caracterizam
os elementos heterogneos em diferentes nveis: ativos, enquanto
pessoas ou multides,
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45
eles se produzem rompendo as leis de homogeneidade social. [...]
Em sntese, a existncia heterognea pode ser representada em relao
vida normal (cotidiana) como sendo completamente outra, como
incomensurvel, carre-gando essas palavras com o valor positivo que
elas tm na experincia afetiva vivida. [...] Alm disso, o
proletariado encarado assim no pode se limitar a si prprio: na
ver-dade, ele no passa de um ponto de concentrao para todos os
elementos sociais dissociados e rejeitados na he-terogeneidade. O
erro de Bataille, e que na sequncia ir sobrecarregar toda a empresa
do Collge de Sociologie e da Acphale, foi de ainda conceber o
Partido Imaginrio como uma parte da sociedade, de ainda reconhec-la
como um cosmos, como uma totalidade representvel acima de si, e de
fazer consideraes a partir desse ponto de vista, isto , a partir do
ponto de vista da representao. Toda a ambigui-dade das posies de
Bataille em relao ao fascismo vem de sua vinculao s velharias
dialticas, a tudo aquilo que o impede de compreender que, sob o
Imprio, a negao vem de fora, que ela intervm no como
heterogeneidade em relao ao homogneo, mas como heterogeneidade em
si, heterogeneidade entre formas de vida que jogam dentro de sua
diferena. Em outros termos, o Partido Imagin-rio nunca pode ser
individualizado como um sujeito, um
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46
corpo, uma coisa ou uma substncia, nem mesmo como um conjunto de
sujeitos, de corpos, de coisas e de subs-tncias, mas apenas como o
acontecimento de tudo isso. O Partido Imaginrio no substancialmente
um resto da totalidade social, mas o fato desse resto, o fato de
que haja um resto, que aquilo que representado exceda sem-pre sua
representao, que aquilo sobre o qual se exerce o poder lhe escapa
para sempre. Aqui jaz a dialtica. Todas as nossas condolncias.
No existe identidade revolucionria. Sob o Imprio, justamente o
contrrio, a no identidade, o fato de trair constantemente os
predicados que em ns SE a!xam, que revolucionrio. H muito tempo os
sujeitos revolucio-nrios s existem pelo poder. Tornar-se qualquer
um, tor-nar-se imperceptvel, conspirar signi!ca distinguir entre
nossa presena e aquilo que somos para a representao, a !m de jogar
com isso. Na medida exata em que o Imp-rio se uni!ca, em que a nova
con!gurao de hostilidades adquire um carter objetivo, existe uma
necessidade es-tratgica de saber o que somos para ele; mas nos
tomar-mos como tais, como um Black Bloc, como um Partido Imaginrio
ou qualquer outra coisa seria nossa derrota. Para o Imprio, o
Partido Imaginrio apenas a forma da
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47
pura singularidade. Do ponto de vista da representao, a
singularidade como a abstrao concluda, a identidade vazia do hic et
nunc. Da mesma forma, do ponto de vista do homogneo, o Partido
Imaginrio ser simplesmente o heterogneo, algo puramente
irrepresentvel. Sob pena de mastigar o trabalho para a polcia,
preciso ento que nos preservemos de acreditar na capacidade de
fazer ou-tra coisa alm de indicar o Partido Imaginrio quando ele
surge, como: descrev-lo, identi!c-lo, localiz-lo sobre o territrio
ou de!ni-lo como um segmento da sociedade. O Partido Imaginrio no
um dos termos da contradi-o social, mas sim o fato de que h
contradio, a alteri-dade no absorvvel daquilo que determinado
diante da universalidade onvora do Imprio. E somente para o Imprio,
ou seja, para a representao, que o Partido Ima-ginrio existe como
tal, isto , enquanto negativo. Conferir quilo que lhe hostil os
hbitos da negatividade, da contestao ou da rebeldia no passa de uma
ttica de que se vale o sistema da representao para trazer para seu
plano de inconsistncia a positividade que lhe escapa, mesmo que
custa de enfrentamento. O erro cardinal de toda subverso se
concentra, a partir de ento, no fetichis-mo da negatividade, no
fato de se apegar sua potncia de negao como se fosse o mais prprio
de seus atributos,
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48
justamente quando esse seu elemento mais dependente do Imprio e
de seu reconhecimento. O militantismo e o militarismo encontram
aqui sua nica sada desejvel: cessar de apreender nossa
positividade, que toda nossa fora, tudo aquilo que carregamos do
ponto de vista da representao, isto , como algo irrisrio. E,
certamente, para o Imprio toda determinao uma negao.
Tambm Foucault prestar uma contribuio determi-nante para a
teoria do Partido Imaginrio com suas falas sobre a plebe. Foi num
debate com os maostas sobre a justia popular, em 1972, que Foucault
evocou pela primeira vez o tema da plebe. Criticando a prtica
mao-sta dos tribunais populares, ele relembrou que todas as
revoltas populares desde a Idade Mdia foram revoltas
antijudicirias, que a constituio de tribunais do povo durante a
Revoluo Francesa corresponde precisamente ao momento de sua
retomada pela burguesia e que, por !m, a forma-tribunal, ao
reintroduzir uma instncia neu-tra entre o povo e seus inimigos,
reintroduz o princpio do Estado na luta contra ele. Quem diz
tribunal, diz que a luta entre as foras em presena est, quer
queiram quer no, suspensa.28 Desde a Idade Mdia, a funo da justia
foi, segundo Foucault, a de separar a plebe proletarizada,
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e, portanto, integrada enquanto proletariado e includa no modo
de excluso, da plebe no proletarizada, a plebe pro-priamente dita.
Ao serem isolados na massa dos pobres, os criminosos, os violentos,
os loucos, os vagabundos, os perversos, os bandidos, o pessoal do
submundo, no SE retira do povo somente sua poro mais perigosa para
o poder, aquela que est pronta a qualquer momento para a ao
insurgente e armada; proporciona-SE tambm a possibilidade de
devolver ao povo seus elementos mais ofensivos. Isso se tornar a
chantagem permanente de ou voc vai preso, ou vai para o exrcito, ou
voc vai preso, ou parte para as colnias, ou voc vai preso, ou entra
para a polcia etc. Todo o trabalho do movimento ope-rrio para
distinguir os trabalhadores honestos eventual-mente em greve dos
provocadores, vndalos e outros descontrolados prolonga esse modo de
opor a plebe ao proletariado. Ainda hoje, de acordo com a mesma
lgi-ca que a ral se transforma em vigia: para neutralizar o Partido
Imaginrio colocando uma de suas fraes contra as outras. A noo de
plebe ser explicitada por Foucault quatro anos mais tarde, em outra
fala. No se deve, sem dvida, conceber a plebe como o fundo
permanente da histria, o objetivo !nal de todos os assujeitamentos,
o fogo nunca inteiramente extinto de todas as revoltas. Sem
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dvida, no h realidade sociolgica da plebe. Mas h sempre, com
certeza, alguma coisa no corpo social, nas classes, nos grupos, nos
prprios indivduos que escapa, de um certo modo, s relaes de poder;
alguma coisa que no a matria primeira mais ou menos dcil ou
recalci-trante, mas que o movimento centrfugo, a energia inver-sa,
a escapada. A plebe sem dvida no existe, mas existe algo de plebe.
H algo de plebe nos corpos e nas almas, h algo dela nos indivduos,
no proletariado, na burgue-sia, mas com uma extenso das formas, das
energias, das irredutibilidades diversas. Essa parte de plebe menos
o exterior, no que diz respeito s relaes de poder, do que seu
limite, seu avesso, seu contragolpe; o que responde a todo avano do
poder atravs de um novo desenvolvi-mento das redes de poder. [...]
Tomar a plebe deste ponto de vista, que o do avesso e o do limite
em relao ao poder, portanto indispensvel para fazer a anlise de
seus dispositivos.29
Mas no nem a um escritor nem a um !lsofo francs que se deve a
contribuio mais decisiva teoria do Par-tido Imaginrio: aos
militantes das Brigadas Vermelhas, Renato Curcio e Alberto
Franceschini. Em 1982 foi pu-blicado um suplemento no
Corrispondenza Internazionale,
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o pequeno volume intitulado Gocce di sole nelle citt degli
spettri.30 Enquanto a disputa entre as Brigadas Vermelhas de
Moretti e seus chefes histricos encarcerados se trans-forma numa
guerra aberta, Franceschini e Curcio elabo-ram o programa do efmero
partido-guerrilha que foi o terceiro desdobramento da imploso das
BR, ao lado da coluna de Walter Alasia e das BR do Partido
Comunista Combatente. Reconhecendo nas sees do movimento de 77 o
quanto se falou deles por parte da retrica convencio-nal da
revoluo, a Terceira Internacional, eles rompem com o paradigma
clssico da produo, retirando-o da f-brica e expandindo-o para a
Fbrica Total da metrpole, onde domina a produo semitica, ou seja,
um paradig-ma lingustico da produo. Repensada como um sistema
totalizante (diferenciado em subsistemas ou campos fun-cionais
interdependentes e privados de capacidade decisiva autnoma e de
autorregulao), isto , como um sistema corporativo-modular, a
metrpole informatizada aparece como uma ampla penitenciria mal
disfarada, na qual cada sistema social, assim como cada indivduo,
se move nos corredores rigidamente diferenciados e regulados pelo
conjunto. Uma penitenciria tornada transparente pelas redes
informticas que a vigiam incessantemente. Nesse modelo, o
espao-tempo social metropolitano se imprime
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sobre o esquema de um universo previsvel num equilbrio precrio,
sem inquietude acerca de sua tranquilidade for-ada, subdividido em
compartimentos modulares dentro dos quais cada executor trabalha
encapsulado feito um peixe dourado em seu aqurio dentro de uma funo
coletiva precisa. Um universo regulado por dispositivos de retroao
seletivos e simuladores da neutralizao de cada perturbao do sistema
de programas de!nidos pelo executivo. [...] Nesse contexto de
comunicao absurda e insustentvel, no qual cada um preso fatalmente
como na armadilha de uma injuno paradoxal para falar, deve-se
renunciar a comunicar, para comunicar, deve-se renunciar a falar! ,
no de impressionar que se a!rmem estratgias de comunicao
antagonistas que recusam as linguagens autorizadas do poder; no
surpreendente que os signi!cados produzidos pela dominao se
encontrem rejeitados e combatidos, opondo-lhes a novas produes
descentralizadas. Produes no autorizadas e ilegtimas, mas
organicamente ligadas vida e que, consequentemen-te, orbitam e
compem a rede underground clandestina da resistncia e da autodefesa
contra a agresso inform-tica dos idiomas dementes do Estado. [...]
Aqui se situa a principal barricada que separa o campo da revoluo
social daquele de seus inimigos: ela acolhe os resistentes
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isolados e os "uxos esquizo-metropolitanos num territrio
comunicativo antagnico quilo que gerou sua devastao e sua revolta.
[...] Para a ideologia do controle, um divduo em risco j sinnimo de
terrorista louco em potencial, de fragmento de matria social com
alta probabilidade de exploso. Eis por que so !guras monitoradas,
espio-nadas e seguidas, que o grande olho e o grande ouvido
acompanham com a discrio e a continuidade infatigvel do caador.
Figuras que, por esse mesmo motivo, se en-contram posicionadas no
centro de um intenso bombar-deio semitico e intimidador que tende a
dedicar pulsos !rmes aos farrapos da ideologia o!cial. [...] assim
que a metrpole realiza sua qualidade espec!ca de universo
concentrador que, para desviar de si o antagonismo social gerado
incessantemente, integra e manobra simultanea-mente os artifcios da
seduo e os fantasmas do medo. Artifcios e fantasmas que assumem a
funo central do sistema nervoso da cultura dominante e recon!guram
a metrpole num imenso alambique psiquitrico a mais total das
instituies totais , uma conexo labirntica de unidades penitencirias
de segurana mxima, sees de controle contnuo, gaiolas para loucos,
contineres para presos, reservas para escravos metropolitanos
voluntrios, zona bunkerizadas para fetiches delirantes. [...]
Exercer a
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violncia contra os fetiches necrotrpicos do Capital o maior ato
consciente da humanidade possvel na metr-pole, porque atravs dessa
prtica social que o proletaria-do constri ao se apropriar do
processo produtivo vital seu saber e sua memria, ou seja, seu poder
social. [...] Produzir a destruio do velho mundo na transgresso
re-volucionria e fazer brotar dessa destruio as mltiplas e
surpreendentes constelaes de novas relaes sociais so processos
simultneos que, no entanto, falam lnguas di-ferentes. [...] Os
agentes da criao do imaginrio deliram na vida real, impedindo-se de
comunic-la; eles fabricam anjos da seduo e pequenos monstros do
medo com a !-nalidade de exibi-los ao pblico miservel atravs de
redes e circuitos que transmitem a alucinao autorizada. [...]
Levantar-se de seu lugar numerado, subir no palco e des-truir a
representao fetiche, eis a escolha praticada pela guerrilha
metropolitana da nova comunicao, desde suas origens. [...] Na
complexidade do processo metropolitano revolucionrio, o partido no
pode ter uma forma exclu-siva ou eminentemente poltica. [...] O
partido no pode revestir uma forma exclusivamente combatente. O
poder das armas no evoca a potncia absoluta, como acreditam os
militaristas, porque a potncia absoluta o saber-poder que reuni!ca
as prticas sociais. [...] Um partido guerrilha
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quer dizer um partido saber/partido poder. [...] O partido
guerrilha o agente mximo da invisibilidade e da exterio-rizao do
saber-poder do proletariado. [...] Isso signi!ca que quanto mais o
partido invisvel e se manifesta em re-lao contrarrevoluo
imperialista global, mais ele vi-svel e se torna interno ao
proletariado, ou seja, mais ele se comunica com o proletariado.
[...] Nisso, o partido guerri-lha o partido da comunicao social
transgressora.
-
a autonomia vencer!
E por causa de propenses semelhantes, muito mais do
que pela violncia delas, que os jovens de 77 se tornaram
indecifrveis para a tradio do movimento operrio.
Paolo Virno, Do you remember Counterrevolution? 31
57
-
58
Gnova foi devastada por hordas32 de corpos mascarados, um novo
squat abriu as portas, os operrios da Cellatex ameaavam explodir a
fbrica, uma periferia se in"amava, atacava os servios pblicos e os
meios de comunicao mais prximos, uma manifestao acabou em
algazarra, um campo de milho transgnico foi destrudo durante a
noite. Independente de qual seja o discurso marxista-leninista,
reivindicativo, islmico, anarquista, socialista, ecologista ou
estupidamente crtico que permeia esses atos, eles so eventos do
Partido Imaginrio. Pouco im-porta que esses discursos continuem
sendo moldados, da primeira letra maiscula at o ponto !nal, pela
grade de signi!cados da metafsica ocidental: pois eles falam, desde
o princpio, uma outra linguagem.
Para ns, o desa!o certamente reproduzir o evento da ordem do
gesto num evento da ordem da linguagem. Foi uma conjuno assim que a
Autonomia italiana realizou ao longo dos anos 70. A Autonomia nunca
foi um mo-vimento, mesmo que SE designasse, na poca, como o
Movimento. O territrio da Autonomia foi o plano de consistncia onde
con"uram, se cruzaram, se agrega-ram e se des/agregaram uma grande
quantidade de fu-turos singulares. A uni!cao desses futuros sob o
termo
-
59
Autonomia um puro artifcio signi!cante, uma con-veno enganadora.
O grande mal-entendido aqui que a autonomia no era o atributo
reivindicado pelos sujeitos que democrtico e enfadonho isso teria
sido se tratasse de reivindicar sua autonomia enquanto sujeito ,
mas sim pelos futuros. Dessa forma, a Autonomia possui inmeras
datas de nascimento, ela no passa de uma sucesso de certides de
nascimento, e tambm de certides de seces-so. Portanto, a autonomia
dos operrios, a autonomia de base em relao aos sindicatos, uma base
que, desde 1962, em Turim, saqueou a sede de um sindicato moderado
na Piazza Statuto. Mas tambm a autonomia dos operrios em relao ao
seu papel de operrios: recusa do trabalho, sabotagem, greve
selvagem, absentesmo, estranhamento das condies de explorao e da
totalidade capitalista. a autonomia das mulheres: recusa do
trabalho domstico, recusa de reproduzir em silncio e na submisso a
fora de trabalho masculina, autoconscincia, tomada da pala-vra,
sabotagem de comrcios afetivos cagados; autonomia, ento, das
mulheres em relao ao seu papel de mulher e em relao civilizao
patriarcal. a autonomia dos jovens, dos desempregados e dos
marginais que recusam seu papel de excludos, que no querem mais se
calar, que se convidam cena poltica, que exigem a garantia de
um
-
60
salrio social, que constroem uma correlao de foras mi-litar para
serem pagos sem ter que foder ningum. Mas tambm a autonomia dos
militantes em relao "gura do militante, em relao aos partitini e
lgica dos grupelhos, em relao a uma concepo de ao que adiada at
mais tarde na existncia. Contrariamente ao que a bobagem
so-ciologizante deixa entender, sempre vida por descontos rentveis,
o fato marcante aqui no a a!rmao como novos sujeitos polticos,
sociais ou produtivos, para os jovens, mulheres, desempregados ou
homossexuais, mas, ao contrrio, sua dessubjetivao violenta, prtica,
em ao, a rejeio e a traio do papel que recai sobre eles enquanto
sujeitos. O que os diferentes futuros da Autono-mia tm em comum a
reivindicao de um movimento de separao em relao sociedade, em relao
totalidade. Essa secesso no a a!rmao de uma diferena esttica, de
uma alteridade essencial, de um novo compartimento na rede de
identidades cuja gesto garantida pelo Im-prio, mas sim fuga, linha
de fuga. A separao era ento grafada como Separ/azione.
Esse movimento de desero interna, de subtrao bru-tal, de fuga
renovada incessantemente, essa irredutibi-lidade crnica ao mundo da
dominao tudo o que o
-
61
Imprio teme. A nica maneira de construir nossa cul-tura e de
viver nossas vidas, da maneira como sabemos, estando ausentes,
anunciou o fanzine mao-dadasta Zut, em sua edio de outubro de 76.
Que !cssemos ausentes de suas provocaes, indiferentes a seus
valores, que dei-xssemos seus estmulos sem resposta, eis o pesadelo
per-manente da dominao ciberntica: aquilo que o poder responde com
a criminalizao de todo comportamento de estranhamento e recusa do
capital. (Vogliamo tutto, n 10, vero de 76) Portanto, Autonomia
quer dizer desero, desero da famlia, desero do escritrio, desero da
escola e de todas as tutelas, desero do papel de homem, de mulher e
de cidado, desero de todas as relaes de merda s quais SE acredita
estar preso, desero sem !m. A cada nova direo que damos ao nosso
movimento, essencial aumentar nossa potncia, sempre seguir a linha
de crescimento potencial para ganhar fora de desterrito-rializao,
para ter certeza de que no SE impedir to cedo. Nesse caminho, o que
mais devemos temer, o que mais devemos trair so todos aqueles que
nos vigiam, nos rastreiam, nos acompanham de longe, buscando de uma
maneira ou de outra capitalizar o dispndio de energia de nossa
fuga: todos os gestores, todos os manacos da re-territorializao.
Eles existem do lado do Imprio, claro,
-
62
so aqueles que inventam moda sobre o cadver de nossas invenes,
os capitalistas moderninhos e outros crpulas sinistros. Mas tambm
existem do nosso lado. Na Itlia dos anos 70, eles so os
obreiristas, os grandes uni!cadores da Autonomia Organizada, que
conseguiram burocrati-zar o prprio conceito de autonomia
(Neg/azione, 1976). Estes sempre tentaro transformar nossos
movimentos em UM movimento, para em seguida poderem falar em nome
dele, dedicar-se com fervor a seu jogo favorito: a ventrilo-quia
poltica. Assim, nos anos 60 e 70, todo o trabalho dos obreiristas
foi de reconciliar com os termos e modos do movimento operrio
aquilo que estava transbordando dele por todos os lados. Partindo
da estranheza tica ao trabalho que se manifestava em massa entre os
operrios que tinham migrado recentemente do sul da Itlia, eles
passaram a teorizar contra os sindicatos e os burocratas do
movimento operrio clssico acerca da autonomia operria da qual
esperavam tornar-se metaburocratas espontneos; e isso sem ter se
dado ao trabalho de escalar os degraus hie-rrquicos de um sindicato
clssico: o metassindicalismo. Donde vem o tratamento que eles
reservavam aos elemen-tos plebeus da classe operria, a recusa em
deixar que os operrios se tornassem outra coisa que no operrios, a
sur-dez para o fato de que a autonomia que ento se a!rmava
-
63
no era uma autonomia operria, mas sim uma autonomia em relao
identidade de operrio. Um tratamento que, na sequncia, eles
estenderam s mulheres, aos desem-pregados, aos jovens, aos
marginais, en!m: aos aut-nomos. Incapazes de travar qualquer
intimidade consigo mesmos ou com qualquer outro mundo, eles
buscaram desesperadamente transformar um plano de consistncia,
territrio da Autonomia, numa organizao, e se possvel numa organizao
combatente, que faria deles, em ltima hiptese, interlocutores de um
poder dos desesperados. a Asor Rosa, um terico obreirista, que
devemos natural-mente o mais notvel e popular travestismo do
movimento de 77: a chamada teoria das duas sociedades. De acordo
com Asor Rosa, teramos acompanhado o enfrentamento de duas
sociedades, a dos trabalhadores garantidos de um lado, e a dos no
garantidos de outro (jovens, pessoas em situao precria,
desempregados, marginais etc.). Mesmo que essa teoria tenha o mrito
de romper com a teoria que todos os socialismos e, por extenso,
todas as esquerdas, buscam preservar, mesmo se valendo de massacres
para tanto a !co de uma unidade !nal da sociedade , ela oculta
duplamente: 1) que a primeira sociedade no existe mais, entrou num
processo de imploso contnua; 2) que o Partido Imaginrio, aquilo que
se recompe
-
64
como tecido tico alm dessa imploso, no em hiptese alguma um, em
todo caso, tampouco uni!cvel numa nova totalidade isolvel, a
segunda sociedade. exata-mente essa operao que Negri reproduz hoje,
de forma atvica, chamando de multido, no singular, qualquer coi-sa
cuja essncia , segundo seus prprios dizeres, ser uma
multiplicidade. Esse tipo de embuste terico nunca vai ser to
medocre quanto a !nalidade a que se presta: uni!car
espetacularmente em um sujeito o que, a seguir, poder se apresentar
como intelectual orgnico.
Para os obreiristas, a autonomia foi de uma ponta a outra uma
autonomia de classe, autonomia de um novo sujeito social. Ao longo
dos vinte anos de atividade do obreirismo, esse axioma pde ser
mantido graas a uma noo opor-tuna, a de composio de classe. Ao
sabor das circunstncias e de clculos polticos de viso curta, uma e
outra nova categoria sociolgica seriam includas na composio de
classe, e, sob o pretexto de uma pesquisa operria, se
pos-sibilitaria a tais categorias, de modo fundamentado, virar a
casaca. Quando os operrios se cansarem de lutar, ser decretada a
morte do operrio-massa e ele ser substitu-do no papel de insurgente
global pelo operrio social, ou seja, praticamente qualquer um. Por
!m, acabaremos
-
65
encontrando virtudes revolucionrias na Benetton, nos pequenos
empreendedores berlusconianos do nordeste da Itlia (ver Des
entreprises pas comme les autres)33 e at mes-mo, quando necessrio,
na Liga do Norte.
Ao longo do maio rastejante, a autonomia foi apenas esse
movimento incoercvel de fuga, um staccato de rupturas, de rupturas
claras com o movimento operrio, algo que at Negri reconhece: A
polmica contundente que se abre em 68 entre o movimento
revolucionrio e o movimento operrio o!cial se torna, em 77, uma
ruptura irreversvel, escreve ele em LOrda doro. O obreirismo,
enquanto cons-cincia retardatria porque vanguardista do Movimento,
no parou de absorver essa ruptura, de interpret-la nos termos do
movimento operrio. O que se desempenha no obreirismo, assim como na
prtica das BR, menos um ataque contra o capitalismo do que uma
concorrncia in-vejosa com a direo do partido comunista mais
poderoso do Ocidente, o PCI; uma concorrncia na qual o que est em
jogo justamente o poder SOBRE os operrios. S podamos falar de
poltica atravs do leninismo. Enquanto no houvesse uma composio de
classe diferente, nos en-contrvamos na situao em que se encontram
vrios ino-vadores: a de precisar explicar o novo com uma
linguagem
-
66
velha, reclama Negri em entrevista concedida em 1980. ,
portanto, coberto de marxismo ortodoxo e sombra de uma !delidade
retrica ao movimento operrio que cres-ce a falsa conscincia do
movimento. No faltaram vozes, como a dos Gatti Selvaggi, que se
ergueram contra esse vi-garismo: Somos contra o mito da classe
operria porque ele nocivo, a princpio contra si prprio. O
obreirismo e o populismo so ditados somente pelo projeto milenar de
utilizar as massas como peo nos sales de jogos do poder. (n 1,
dezembro de 1974) Mas a enganao era grande demais para no
funcionar. E, de fato, funcionou.
Considerando o provincianismo inato da contestao fran-cesa, a
lembrana do que aconteceu h trinta anos na Itlia no se reveste com
um carter de anedota histrica, pelo contrrio: os problemas que ento
foram colocados aos autnomos italianos sequer chegaram at ns.
Nessas con-dies, a passagem das lutas nos locais de trabalho para
as lutas territoriais, a recomposio de um tecido tico sobre as
bases da secesso, a questo da reapropriao dos meios de vida, luta e
comunicao entre ns, compem um ho-rizonte inatingvel a ponto de no
ser admitida a prvia existencial da separ/azione. Separ/azione
signi!ca que no temos nada a ver com esse mundo. No temos nada a
lhe
-
67
dizer nem nada a lhe explicar. Nossos atos de destruio e
sabotagem no precisam vir acompanhados de uma ex-plicao devidamente
validada pela Razo humana. No agimos em virtude de um mundo melhor,
alternativo, vindouro, mas sim em virtude daquilo que
experimenta-mos desde j, em virtude da irreconciliabilidade radical
do Imprio e dessa experimentao da qual a guerra faz parte. E ao
passo que as pessoas razoveis, os legisladores, os tecnocratas e os
governantes perguntam Mas ento o que vocs querem? diante desse tipo
de crtica massiva, nossa resposta : Ns no somos cidados. Ns jamais
adotaremos seu ponto de vista da totalidade, seu ponto de vista da
gesto. Ns nos recusamos a jogar o jogo, isso. No cabe a ns dizer a
vocs com que molho queremos ser comidos. A principal fonte de nossa
paralisia, aquilo com que devemos romper, a utopia da comunidade
humana, a perspectiva da reconciliao !nal e universal. At mesmo
Negri, na poca de Domination et sabotage, tinha dado esse passo
fora do socialismo: No represento para mim a his-tria da conscincia
de classe maneira de Lukcs, como destino de uma recomposio
integral, mas, ao contrrio, como momento de enraizamento intensivo
em minha pr-pria separao. Sou outro, tambm outro o movimento
coletivo de prxis no qual me insiro. Isso de que participo
-
68
um outro movimento operrio. Certamente sei quantas crticas esse
discurso pode levantar do ponto de vista da tradio marxista. No que
me diz respeito, tenho a im-presso de me manter no limite
signi!cante extremo de um discurso poltico de classe. [...] Devo,
ento, assumir a diferena radical como condio metdica da conduta
subversiva, do projeto de autovalorizao proletria. E mi-nha relao
com a totalidade histrica? Com a totalidade do sistema? Chegamos,
ento, segunda consequncia dessa a!rmao: minha relao com a
totalidade do desen-volvimento capitalista, com a totalidade do
desenvolvi-mento histrico, garantida apenas pela fora de
desestru-turao que o movimento determina, pela sabotagem total da
histria do capital operada pelo movimento. [...] Passo a me de!nir
me separando da totalidade, e de!no a totalida-de como diferente de
mim, como uma rede que se expande sobre a continuidade da sabotagem
histrica operada pela classe. Naturalmente, no existe outro
movimento ope-rrio assim como no h uma segunda sociedade. O que
existe, ao contrrio, so os futuros cinzelamentos do Partido
Imaginrio e a autonomia deles.
-
viver-e-lutar
O mais suave vence o mais forte, como o cavaleiro que
controla seu corcel.
Lao Tse, Tao Te King. 34
69
-
70
A primeira campanha ofensiva contra o Imprio falhou. O ataque da
RAF contra o sistema imperialista, o das BR contra o SIM (Stato
Imperialista delle Multinazionali) e tantas outras aes de guerrilha
foram facilmente rejei-tados. No foi uma falha cometida por esta ou
aquela or-ganizao combatente, por este ou aquele sujeito
revolu-cionrio, mas sim a falha de uma concepo da guerra; de uma
concepo da guerra que no podia ser retomada alm dessas organizaes,
porque ela era por si s uma retomada. Exceto alguns textos da RAF
ou do movimento de 2 de ju-nho, ainda hoje h muito poucos
documentos oriundos da luta armada que no sejam redigidos nessa
linguagem ar-ti!cial, fossilizada, quadrada, que no culmine de uma
for-ma ou de outra no kitsch da Terceira Internacional. Como se
fosse o caso de dissuadir algum de juntar-se a ela.
Agora, quase vinte anos depois da contrarrevoluo, o segundo ato
da luta anti-imperial que se inicia. Enquanto isso, a queda do
bloco socialista e a converso socialde-mocrata dos ltimos destroos
do movimento operrio liberaram de!nitivamente nosso partido de tudo
o que ele ainda poderia conter de inclinaes socialistas. Na
verda-de, a caducidade de todas as antigas concepes da luta se
manifestou a princpio com o desaparecimento dela.
-
71
E depois disso, no momento atual, com o movimento
antiglobalizao, por meio da pardia, numa escala supe-rior, das
antigas prticas militantes.
O retorno da guerra exige uma nova concepo dela. Pre-cisamos
inventar uma forma de guerra tal que a derrota do Imprio no residir
mais no dever de nos matar, mas sim no de saber que estamos vivos,
cada vez mais VIVOS.
Fundamentalmente, nosso ponto de partida no muito diferente do
da RAF quando esta constata que: O sistema monopolizou a totalidade
do tempo livre do ser humano. explorao fsica nas fbricas se junta a
explorao do pensamento e dos sentimentos, das aspiraes e das
utopias por parte das mdias e do consumo de massa. [...] Nas
me-trpoles, o sistema conseguiu mergulhar as massas to
pro-fundamente na sua prpria merda que elas aparentemente perderam
a percepo de si prprias enquanto exploradas e oprimidas; de modo
que, para elas, um carro, um segu-ro de vida ou um emprstimo
imobilirio fazem com que aceitem todos os crimes do sistema e que
no consigam representar nem esperar nada alm de um carro, frias ou
um belo banheiro.35 O elemento essencial do Imprio foi ter
estendido seu front de colonizao sobre a totalidade da
-
72
existncia e daquilo que existe. No foi apenas o Capital que
ampliou sua base humana, mas ele tambm aprofun-dou a ancoragem de
seus motores. Melhor ainda, sobre a base da desintegrao !nal tanto
da sociedade quanto de seus sujeitos, o Imprio atualmente se prope
a recriar um tecido tico somente para si; da que o pessoal
moder-ninho, com seus bairros, sua imprensa, seus cdigos, suas
comidas e suas ideias modulares so, ao mesmo tempo, cobaias e
vanguarda. E por isso que, do East Village a Oberkampf, passando
por Prenzlauer Berg, o fenmeno moderninho teve, de cara, uma
envergadura mundial.
sobre esse terreno total, o terreno tico das formas de vida, que
acontece atualmente a guerra contra o Imprio. Essa uma guerra de
aniquilao. Diferente daquilo em que acreditavam as BR, para quem o
desa!o da retirada de Moro era explicitamente o reconhecimento do
partido armado por parte do Estado, o Imprio no o inimi-go. O
Imprio apenas o meio hostil que se ope a cada passo de nossas aes.
Estamos envolvidos numa luta cujo desa!o a recomposio de um tecido
tico. Isso se l so-bre o territrio, no processo progressivo de
transformar em moderninhos lugares que antes eram secessionistas,
na extenso ininterrupta das cadeias de dispositivos. Aqui, a
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73
concepo clssica e abstrata de uma guerra que culmina-ria no
enfrentamento total, onde ela se juntaria !nalmente sua essncia,
est caduca. A guerra no mais se deixa organizar como um momento
isolvel de nossa existncia, o momento do confronto decisivo; de
agora em diante, a nossa prpria existncia, em todos os seus
aspectos, que a guerra. Isso quer dizer que o primeiro movimento
des-sa guerra de reapropriao. Reapropriao dos meios de
viver-e-lutar. Reapropriao, portanto, dos lugares: squat, ocupao ou
comunizao de espaos privados. Reapro-priao do comum: constituio de
linguagens, de sinta-xes, de meios de comunicao e de uma cultura
autno-mos retirar a transmisso da experincia das mos do Estado.
Reapropriao da violncia: comunizao das tc-nicas de combate, formao
de foras de autodefesa, arma-mento. En!m, reapropriao da
sobrevivncia elementar: difuso dos saberes-poderes mdicos, das
tcnicas de voo e de expropriao, organizao progressiva de uma rede
autnoma de reabastecimento.
O Imprio se armou o bastante para lutar contra os dois ti-pos de
secesso que ele reconhece: a secesso de cima, dos golden ghettos a
secesso, por exemplo, das !nanas mun-diais em relao economia real
ou da hiperburguesia
-
74
imperial em relao ao restante do tecido biopoltico , e a secesso
de baixo, das zonas de no direito a dos con-juntos habitacionais,
periferias e favelas. Basta-lhe, a cada vez que uma ou outra delas
ameaa seu equilbrio metaes-tvel, colocar uma contra a outra: a
modernidade civilizada dos moderninhos contra a barbrie retrgrada
dos pobres, ou as exigncias da coeso social e da igualdade contra o
egosmo incorrigvel dos ricos. Trata-se de conferir uma coerncia
poltica a uma entidade social e espacial a !m de evitar qualquer
risco de secesso da parte dos territrios habitados seja pelos
excludos das redes socioeconmicas ou pelos vencedores da dinmica
econmica mundial. [...] Evitar toda forma de secesso signi!ca
encontrar os meios de conciliar as exigncias dessa nova classe
social e as dos excludos das redes econmicas que tm tal concentrao
espacial a ponto de induzir a comportamentos desviados, j teorizam
os conselheiros do Imprio neste caso, Cyn-thia Ghorra-Gobin em Les
tats-Unis entre local et mon-dial.36 Da mesma forma, o Imprio
incapaz de impedir o xodo, a secesso que preparamos na medida exata
em que seu territrio no mais unicamente fsico, mas sim total. O
compartilhamento de uma tcnica, a de!nio de uma expresso, uma certa
con!gurao do espao bastam para ativar nosso plano de consistncia.
Toda nossa fora est a:
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75
numa secesso que no pode ser registrada nos mapas do Imprio
porque no uma secesso de cima nem de baixo, e sim uma secesso pelo
meio.
Isso de que falamos aqui apenas a constituio de m-quinas de
guerra. Por mquina de guerra entenda-se certa coincidncia entre o
viver e o lutar, uma coincidncia que nunca acontece sem exigir, ao
mesmo tempo, sua constru-o. Pois a cada vez que um de seus termos
se encontra de qualquer modo separado do outro, a mquina de guerra
se degenera, descarrila. Se o movimento do viver uni-lateral, ela
se torna um gueto. isso que testemunham os sinistros atoleiros do
alternativo, cuja vocao aparece inequvoca para comercializar o
Mesmo disfarado de di-ferente. A maioria dos centros sociais
ocupados da Alema-nha, da Itlia ou da Espanha demonstra claramente
como a exterioridade simulada para o Imprio pode constituir um
trunfo precioso na valorizao capitalista. O gueto, a apologia da
diferena, o privilgio concedido a todos os aspectos introspectivos
e morais, a tendncia a se cons-tituir em sociedade separada que
renuncia a atacar a m-quina capitalista, a fbrica social, ser que
tudo isso no seria um resultado das teorias aproximativas e
rapsdicas de Valcarenghi [diretor da publicao de contracultura
Re
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76
Nudo] e seus comparsas? E no estranho que eles nos ta-xem de
subcultura justamente agora que entrou em crise toda a merda "orida
e no violenta que os acompanha?, escreveram os autnomos da Senza
Tregua em 1976. Por outro lado, se o momento de lutar que est
hipostasia-do, a mquina de guerra degenerada na forma de exrci-to.
Todas as formaes militantes, todas as comunidades terrveis so
mquinas de guerra que sobreviveram a sua prpria extino sob essa
forma petri!cada. esse excesso da mquina de guerra em relao a todos
os seus atos de guerra que j apontava a introduo da coletnea de
tex-tos sobre a Autonomia publicado em 1977 com o ttulo Il diritto
allodio: Fazendo, assim, a cronologia desse sujeito hbrido e, em
muitos aspectos, contraditrio que se ma-terializou no domnio da
Autonomia, me pego exercendo um processo de reduo do movimento a
uma soma de acontecimentos, enquanto a realidade de seu
devir-mqui-na de guerra se a!rma apenas pela transformao que o
sujeito elabora de maneira concntrica ao redor de cada momento de
enfrentamento efetivo.
Mquinas de guerra s existem em movimento, mesmo que travado,
mesmo que seja imperceptvel, um movi-mento que siga sua inclinao de
crescimento de potncia.
-
77
esse movimento que garante que as relaes de fora que as
atravessam nunca se !xem em relaes de poder. Nossa guerra pode ser
vitoriosa, ou seja, pode continu-ar e aumentar nossa potncia, desde
que sempre deixe o enfrentamento subordinado nossa positividade.
Nunca golpear alm de sua positividade, eis o princpio bsico de toda
mquina de guerra. Cada espao conquistado do Im-prio no meio hostil
deve corresponder nossa capacidade de preench-lo, con!gur-lo,
habit-lo. No h nada pior do que uma vitria com a qual no se sabe o
que fazer. Basicamente, nossa guerra ser surda; ela ir tergiversar,
fugir de enfrentamentos diretos, proclamar pouco. Dessa forma, ir
impor sua prpria temporalidade. Quando mal comearmos a ser
identi!cados, j soar o toque de dis-perso, sem nunca nos deixarmos
ser pegos pela represso, para depois nos recompormos em algum local
insuspeito. De que importa esta ou aquela localidade quando todos
os ataques locais so, de agora em diante e este o nico ensinamento
vlido da farsa zapatista , um ataque contra o Imprio? O mais
importante jamais perder a inicia-tiva, no deixar que a
temporalidade hostil se imponha. E, sobretudo, nunca esquecer que
nossa fora de combate s est ligada a nosso nvel de armamento em
virtude da positividade que nos constitui.
-
os infortnios do guerreiro civilizado
Eu me distancio daqueles que esperam do acaso, do so-
nho ou de uma revolta a possibilidade de escapar da
insu"cincia. Eles se parecem demais com aqueles que,
noutros tempos, recorreram a Deus preocupados em
salvar suas existncias perdidas.
Georges Bataille 37
79
-
80
Comumente se admite que o movimento de 77 foi der-rubado por ter
sido incapaz, especialmente nos encontros de Bolonha, de
estabelecer uma relao maior com sua potncia ofensiva, com sua
violncia. Toda a estratgia imperial em sua luta contra a subverso
consiste, e isso volta a se veri!car a cada ano, em isolar da
populao seus elementos mais violentos transgressores,
descontro-lados, autnomos, terroristas etc. Contra a viso poli-cial
do mundo, preciso a!rmar que no existe problema com a luta armada:
nunca nenhuma luta consequente foi conduzida sem armas. O problema
da luta armada s exis-te para aquele que quer conservar seu prprio
monoplio de armamento legtimo, o Estado. O que existe, por outro
lado, efetivamente uma questo de uso das armas. Quan-do, em maro de
77, 100.000 pessoas se manifestam em Roma, dentre as quais 10.000
armadas, e ao !m de um dia de enfrentamentos nenhum policial foi
morto ou grave-mente ferido, quando teria sido muito fcil fazer um
mas-sacre, percebemos um pouco melhor a diferena que existe entre o
armamento e o uso de armas. Estar armado um elemento da correlao de
foras, a recusa de permanecer de maneira desprezvel merc da polcia,
uma maneira de se arrogar nossa impunidade legtima. Resolvido esse
assunto, resta a questo da relao com a violncia, uma
-
81
relao cuja falha de elaborao prejudica em toda parte os
progressos da subverso anti-imperial.
Toda mquina de guerra , por natureza, uma socieda-de, uma
sociedade sem Estado; mas sob o Imprio e sua situao obsidional,
soma-se a isso uma determinao. Faz-se uma sociedade de tipo
particular: uma sociedade de guerreiros. Se cada existncia, em seu
mago, essen-cialmente uma guerra e saber tomar parte no
enfren-tamento quando chegar o momento, uma minoria de seres deve
considerar a guerra como objeto exclusivo de sua existncia. Eles
sero os guerreiros. A partir disso, a mquina de guerra dever se
defender no apenas dos ataques hostis, mas tambm da ameaa de sua
minoria guerreira se separar dela, de no se tornar uma casta nem
uma classe dominante, de no formar um embrio do Estado e,
transformando em meios de opresso os meios ofensivos de que dispe,
que ela no tome o poder. Para ns, estabelecer uma relao maior com a
violncia quer dizer apenas estabelecer uma relao maior com a
mino-ria de guerreiros. Curiosamente, num texto de 1977, o ltimo de
Clastres, chamado Infortnio do guerreiro selvagem,38 que se
encontra o primeiro esboo de uma relao assim. Talvez fosse
necessrio derrubar toda a
-
82
propaganda clssica de virilidade para que uma empresa dessas
fosse levada a cabo.
Ao contrrio daquilo que SE diz para ns, o guerreiro no uma !gura
da plenitude, menos ainda da plenitude viril. O guerreiro uma !gura
da amputao. O guerreiro esse ser que s tem acesso ao sentimento de
existir no comba-te, no confronto com o Outro; um ser que no
consegue obter por conta prpria o sentimento de existir. No fundo,
no h nada mais triste do que o espetculo dessa forma de vida que, a
cada situao, busca no corpo a corpo o remdio para sua ausncia de
si. Mas tambm no h nada mais emocionante; porque essa ausncia de si
no uma simples falta, uma falha de intimidade consigo prprio, mas
sim o contrrio, uma positividade. O guerreiro real-mente animado
por um desejo, e at mesmo por um desejo exclusivo: o de
desaparecer. O guerreiro quer deixar de ser, mas anseia que esse
desaparecimento tenha certo estilo. Ele quer humanizar sua vocao
para a morte. por isso que ele nunca consegue se misturar de fato
ao resto dos humanos, porque estes se preservam espontaneamente do
seu movimento rumo ao Nada. Na admirao a que se de-dicam, pode-se
medir a distncia que eles colocam entre si e os demais. Assim, o
guerreiro est condenado solido.
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Uma grande insatisfao se vincula a ele nesse aspecto, naquilo
que faz com que ele no consiga ser de nenhuma comunidade, exceto da
comunidade falsa, a comunidade terrvel dos guerreiros, que s tm sua
solido para com-partilhar. O prestgio, o reconhecimento e a glria
no so tanto uma exclusividade do guerreiro, mas sim a nica forma de
relao compatvel com essa solido. Sua salva-o e sua danao esto
igualmente contidas nela.
O guerreiro uma !gura da inquietude e da devastao. Por no estar
presente, por existir somente pela morte, sua imanncia se tornou
miservel, e ele sabe disso. porque ele nunca se acostumou com o
mundo. Por esse motivo, o guerreiro no se apega a ele, somente
espera por seu !m. Mas existe tambm uma ternura, at mes-mo uma
delicadeza do guerreiro, que esse silncio, essa semipresena. Se ele
no est presente, normalmente porque, numa situao contrria, ele s
conseguiria en-volver aqueles que o cercam em seu caminho rumo ao
abismo. assim que o guerreiro ama: preservando os outros da morte
que ele carrega no corao. Dessa for-ma, o guerreiro costuma
preferir a solido companhia dos homens. E isso mais por benevolncia
do que por desgosto. Ou ento ele se juntar tropa enlutada dos
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guerreiros, que se observam deslizando um a um rumo morte.
Porque essa sua propenso.
Em certo sentido, a prpria sociedade s pode descon!ar de seu
guerreiro. Ela no o exclui nem o inclui verdadei-ramente; ela o
exclui no seu modo de incluso e o inclui em seu modo de excluso. O
terreno do entendimento entre eles o do reconhecimento. por meio do
prestgio que nele reconhece que a sociedade mantm o guerreiro
distncia, por isso que ela se vincula a ele e por isso que ela o
condena. Escreve Clastres: Para cada feito de armas realizado, o
guerreiro e a sociedade enunciam o mesmo juzo. Diz o guerreiro: Est
bem, mas posso fazer mais, posso adquirir ainda mais glria. Diz a
sociedade: Est bem, mas voc deve fazer mais, obter de ns o
reconhe-cimento de um prestgio superior. Dito de outra manei-ra,
tanto por sua prpria personalidade (a glria antes de tudo) quanto
por sua dependncia total em relao tribo (quem mais poderia conferir
a glria?), o guerreiro, volens nolens, encontra-se prisioneiro de
uma lgica que o leva implacavelmente a querer fazer sempre um pouco
mais. Sem isso, a sociedade perderia rapidamente a memria de suas
proezas passadas e da glria que elas lhe proporcio-naram. O
guerreiro s existe na guerra, e como tal ele
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votado ao ativismo e ento, prontamente, morte. Se, dessa forma,
o guerreiro dominado e alienado para a so-ciedade, a existncia, em
uma determinada sociedade, de um grupo organizado de guerreiros
pro!ssionais tende a transformar o estado de guerra permanente
(situao geral da sociedade primitiva) em guerra efetiva permanente
(si-tuao particular das sociedades de guerreiros). Ora, uma tal
transformao, levada at seu limite, acarretaria con-sequncias
sociolgicas considerveis, na medida em que, tocando na prpria
estrutura da sociedade, alteraria seu ser indiviso. O poder de
deciso quanto guerra e quan-to paz (poder absolutamente essencial)
no pertenceria mais, com efeito, sociedade como tal, mas confraria
dos guerreiros, que colocaria seu interesse privado antes do
interesse coletivo da sociedade, que faria do seu ponto de vista
particular o ponto de vista geral da tribo. [...] De incio grupo de
aquisio de prestgio, a comunidade guerreira se transformaria em
seguida em um grupo de presso, tendo em vista levar a sociedade a
aceitar a inten-si!cao da guerra.
A contrassociedade subversiva deve, e ns tambm deve-mos
reconhecer em cada guerreiro, em cada organizao combatente, o
prestgio ligado a suas exploraes. Ns
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devemos admirar a coragem desta ou daquela faanha em combate, a
perfeio tcnica desta